JULHO DE 2012 // ANO 1 // NÚMERO 1 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP
INTERNETEIROS ANÔNIMOS QUANDO O HOBBY VIRA VÍCIO, USUÁRIO PRECISA COMBATER A COMPULSÃO DE ESTAR CONECTADO VIDA ETERNA APLICATIVOS PROMETEM CONTINUAR ATUALIZANDO PERFIS VIRTUAIS MESMO APÓS A MORTE DO DONO ENTREVISTA GILBERTO DIMENSTEIN CRITICA ABUSOS NA WEB E DIZ QUE NEM LIVRO O BRASILEIRO USA DIREITO
NÃO É NADA PESSOAL O CRESCIMENTO DAS REDES SOCIAIS E A SUPEREXPOSIÇÃO DA VIDA PRIVADA NA INTERNET PÕEM EM XEQUE O CONCEITO DE PRIVACIDADE
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A graduação em Jornalismo da ESPM-SP é única em sua proposta de ensino. Fornece um sólido embasamento, que é essencial, além de um conteúdo diferenciado para a profissão. Foi desenvolvida com base nos melhores cursos da área e ouvindo as principais
lideranças de mercado. Daqui sairá um jornalista alinhado com as novas demandas sociais e com o mercado, possuindo maior domínio das multiplataformas de comunicação. Tudo isso, associado à força da marca ESPM.
www.espm.br
e
REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING-SP Nº1 - 1º SEMESTRE DE 2012
Presidente J. Roberto Whitaker Penteado Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente AdministrativoFinanceira Elisabeth Dau Corrêa Vice-presidente Corporativo Emmanuel Publio Dias Vice-presidente de Operações Hiran Castello Branco Diretor de Graduação-SP Diretor do curso de Comunicação Social Luiz Fernando Garcia Diretor Acadêmico-SP Ismael Rocha Júnior Coordenadora de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli
EDITORIAL
APRENDE QUEM FAZ Esta primeira edição da revista-laboratório Plural dialoga com um princípio caro à ESPM: o de que “ensina quem faz”. Primeiro slogan da Escola, cunhado na década de 1950, a máxima expressava a preocupação em trazer profissionais do mercado publicitário para ensinar a prática da profissão. Plural é um veículo-laboratório. Portanto, sua lógica, como a de todos os meios dessa natureza, é a de proporcionar um ambiente
Revista Plural Professor responsável Renato Essenfelder Revisão Prof. Eduardo Muneratti Edição de imagens Prof. Erivam Morais de Oliveira Prof. João Manoel Quadros Barros
de aprendizado vinculado à prática jornalística. Nessa perspecti-
Alunos do 3º semestre Bruno Gregório Cacá Junqueira Diogo Miranda Gabriel Garcia Giuliana Tenuta Natalia Picanço Paula Saviolli Pedro Corrales Thais Carbonell Alunas do 2º semestre Ana Beatriz Resende Mariana Benvenido Aluna do 1º semestre Isabela Neves Fotografia de capa Natalia Picanço Infografia Cacá Junqueira
nistas de todas as fases deste processo: da definição das pautas à
va, lembramos que o presidente da ESPM, J. Roberto Whitaker Penteado, é o primeiro grande incentivador para que os alunos tenham um ambiente de excelência no curso e exerçam o aprendizado do jornalismo com as melhores condições possíveis, pois sempre defendeu a liberdade de expressão. Os alunos do curso de Jornalismo da ESPM-SP foram protagodiagramação, da apuração à checagem de dados, da produção de fotografias às infografias. O resultado desse minucioso trabalho traduziu-se em um produto de altíssima qualidade, que sem dúvidas poderia rivalizar, nas bancas, com publicações comerciais. Aprendemos muito. Nesse sentido, retomamos a lógica do primeiro slogan desta Escola para afirmar, após quatro meses de trabalho intenso, que também aprende quem faz. E quem refaz, continuamente. Aprende quem critica, analisa, estuda, escrutina. Hoje, em um mundo marcado pela complexidade – social, étnica, cultural, tecnológica, midiática – a revista-laboratório Plural nasce com a proposta de conciliar ação e reflexão. Não desejamos apenas exercitar o conteúdo das aulas de redação, de apuração, de diagramação ou de fotografia. Objetivamos, ainda, refletir sobre tudo o que for pertinente à nossa (presente e futura) profissão de jorna-
Agência de Jornalismo ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Álvaro Álvim, 123, Vila Mariana São Paulo – SP Tel. (11) 5085-6713
listas – que, nas palavras do escritor Gabriel García Márquez, vem a
Projeto gráfico Márcio Freitas
de dez páginas sobre um tema urgente como o conceito de privaci-
A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.
discutir a realização da própria reportagem (na seção “Bastido-
ser o melhor ofício do mundo. Um diferencial que o leitor perceberá nesta revista-laboratório é justamente o da reflexão. Não nos basta elaborar uma reportagem dade diante da onipresença das redes sociais. Queremos também res”). Queremos debater o resultado deste trabalho – humildemente, aprendendo com os nossos erros. Captar não só a técnica, mas o espírito da profissão. Queremos, em suma, fazer de Plural a mais legítima revista-laboratório: ambiente de experimentação e cidadania. Boa leitura. | RENATO ESSENFELDER
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ÍNDICE
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página 6
REPORTAGEM DE CAPA Dúvidas, angústias, perspectivas. Corpo. Mente. Família, estudo, trabalho, balada. No mundo paralelo das gigantescas redes sociais, tudo é compartilhado. Seria o fim do conceito de privacidade? Quais os riscos implicados nisso? Qual o significado de ter (ou não ter) um perfil no Facebook hoje?
página 20 VICIADOS NA WEB Quando a diversão vira compulsão, especialistas alertam: é hora de buscar ajuda. Saiba identificar os sintomas do vício em internet e como tratá-lo.
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página 23 DEPOIMENTOS Três internautas compulsivos relatam em primeira pessoa a angústia de não conseguir passar um só dia sem acessar a rede.
página 36 VIDA APÓS A MORTE O que acontece com o perfil de uma pessoa no Facebook, no Twitter e em outras redes sociais após a sua morte? Novos – e polêmicos – aplicativos prometem manter as atualizações em dia, eternamente.
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PERFIL: ORWELL
ENTREVISTA
CIÚME 2.0
Conheça o autor de“1984”, que narra um aterrorizante mundo em que não existe privacidade, e veja por que sua obra ainda é atual – e fundamental para pensar o século 20.
Internet, educação e jornalismo são alguns dos tópicos que o premiado jornalista Gilberto Dimenstein aborda em entrevista exclusiva à revista Plural.
Ataques de ciúme e puladas de cerca acompanham o crescimento das redes virtuais, e um terço dos divórcios no Reino Unido já tem a palavra “Facebook” citada nos autos.
página 28 REDES DE NICHO Sites reúnem interessados em temas tão específicos e diversos como tratamentos médicos, futebol e literatura (e ganham espaço na web).
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página 30 NAS EMPRESAS Se antes o funcionário que navegava em redes sociais durante o expediente era repreendido, hoje ele pode ser até pago por isso. Confira as estratégias que as grandes empresas estão adotando para divulgar suas marcas na internet.
página 16 BASTIDORES De mudanças de última hora a desencontros com fontes esquivas, confira os desafios encontrados durante a apuração da matéria de capa desta edição.
página 17 5 MINUTOS Sabe quais são os aplicativos mais baixados da história da App Store, da Apple? Já ouviu falar no DrawSomething, nova mania entre usuários de smartphones? Qual é o melhor tablet do mercado? Tire essas e outras dúvidas expressas na nossa seção de notas.
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É NADA PESSOAL AS REDES SOCIAIS ALTERARAM O CONCEITO DE PRIVACIDADE E FATURARAM ALTO NEGOCIANDO O CONTEÚDO CRIADO PELOS SEUS USUÁRIOS. MAS QUE RISCOS ISSO PODE REPRESENTAR?
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8/9 Prédio principal dos escritórios do Google, em Mountain View, Califórnia | FOTO YUM YIM/DIVULGAÇÃO
GABRIEL GARCIA PEDRO CORRALES
pessoal, hoje é divulgado para milhares de pessoas, conhecidas ou não. O limite sobre os assuntos considerados
»»»A pessoa acorda de manhã e dá bom
privados foi alargado. Basta um clique em
dia para todos os seus seguidores do Twit-
alguma rede social e o mundo inteiro saberá
ter. Passa o dia inteiro fazendo comentá-
o que você está fazendo.
rios no Facebook sobre o cotidiano. À noite,
Gilson Schwartz, doutor em economia e
posta fotos com os amigos (de carne e osso),
diretor acadêmico da Cidade do Conheci-
fazendo com que todos os seus amigos (vir-
mento do Instituto de Estudos Avançados
tuais) acompanhem, em tempo real, o que
da USP, afirma que é necessário estabele-
ela está fazendo. Posta fotos comprome-
cer uma linha divisória entre o que é priva-
tedoras, devidamente apagadas no dia
do e o que é intimo. “Mesmo quando cenas do
seguinte. Mas já será tarde, pois no mundo
que antigamente se considerava “intimida-
virtual, não é possível apagar vestígios.
de” ganham publicidade na rede, isso ocor-
Sua privacidade já terá sido espalhada por
re dentro de uma estratégia de socialização
toda a internet.
que cada indivíduo conscientemente assu-
De acordo com o dicionário Houaiss, pri-
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me”, afirma Schwartz.
vacidade significa “vida privada, particular,
Essa superexposição faz com que nossas
íntima”. Mas, em tempos de hiperexposi-
vidas estejam praticamente inteiras den-
ção nas redes sociais, o conceito foi radical-
tro da rede mundial. Não é possível apagar
mente modificado. Algo que, anos atrás, era
nada na internet: em algum lugar, sempre
compartilhado com poucos amigos do círculo
restará um vestígio de nossas ações. Fotos
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OS DADOS PESSOAIS DOS USUÁRIOS DAS REDES SOCIAIS SÃO A NOVA E MAIS VALIOSA MOEDA DA INTERNET
de ex-namoradas, bebedeiras indevidamente
todas as outras pessoas fazem”, diz o estu-
registradas, discussões que não deveriam ter
dante.
acontecido: tudo permanece na internet. Mas
“As pessoas não têm entendimento sobre
também existem preocupações mais sérias.
o perigo de expôr sua privacidade. Elas com-
Contas de banco, senhas de cartões de crédi-
partilham de tudo, sem nenhum tipo de filtro.
to, endereços, números de telefone. Tudo está
Estamos vivendo uma dissonância cogniti-
à disposição de qualquer pessoa mal-inten-
va em relação às informações que colocamos
cionada que tenha os conhecimentos neces-
na internet” afirma Gil Giardelli, professor
sários para obter essas informações.
da ESPM e especialista em mídias sociais. De acordo com Giardelli, que também é o
Pegada digital
CEO da Gaia Creative, empresa especializa-
As informações pessoais são a razão de ser
da em soluções de mídias sociais para gran-
das redes sociais, afinal, ver o que o outro
des empresas, nossas informações pessoais
está fazendo é o que leva alguém a se cadas-
tornaram-se uma contrapartida ao uso das
trar em uma delas. Porém, os abusos na uti-
redes sociais. “Não pagamos nada para usar
lização dessas informações são frequentes,
o Facebook e o Google. O preço que eles resol-
tanto por parte dos usuários, como das pró-
veram cobrar é a nossa privacidade”.
prias redes. O usuário comum das redes sociais mal
A REDE SOCIAL
901
milhões de usários no mundo são cadastrados no Facebook
42,1
milhões de usuários no Brasil estão na rede de Mark Zuckerberg
Moeda
percebe que sua pegada digital permanece
Para Mark Zuckerberg, 28 anos, fundador e
na internet. Muitas vezes, por não saber que,
CEO do Facebook, a era da privacidade termi-
ao se cadastrar em uma rede social, ele assi-
nou, como ele afirmou em entrevista conce-
na um contrato. Esses contratos, chamados
dida ao site TechCrunch, em janeiro de 2010.
de termos de compromisso, são normalmente
Sua empresa, que em maio realizou a ofer-
páginas extensas com letras minúsculas, que
ta pública de suas ações (captando US$ 16
formam a base legal dessas redes. Por meio
bilhões para a companhia), é a maior rede
dela, as redes sociais se tornam proprietá-
social do mundo, reunindo 901 milhões de
rias de tudo que o usuário posta nelas, desde
usuários – 46 milhões apenas no Brasil, que
o vídeo de aniversário de seu filho até a foto
se tornou, em maio, o segundo país com mais
do seu casamento.
usuários da rede social.
O entendimento do conceito de privacida-
Criado em 2004, nos dormitórios da Uni-
de varia entre os usuários das redes sociais,
versidade Harvard, nos EUA, o Facebook era
mas de acordo com a faixa etária. Para Lecy
uma rede para unir os colegas de universi-
Ciolette, 60, o Facebook é ambivalente: “Você
dade. Zuckerberg logo percebeu que a gera-
coloca algo na internet para seus amigos pró-
ção do século XXI gostava de se expor. Na
ximos verem, o que é bom por aproximar as
mesma entrevista para o site TechCrunch,
pessoas, mas ao mesmo tempo, milhares
uma das poucas que concedeu desde que se
podem ver isso”, afirma. Mauro Rodrigues,
tornou uma pessoa pública, o tímido e reclu-
50, não confia nas redes sociais: “Uso apenas
so Zuckerberg afirmou que “as pessoas estão
para entrar em contato com amigos antigos,
cada vez mais confortáveis não apenas em
mas não tenho nem foto de perfil. Não sei o
partilhar informações, mas em fazê-lo aber-
que poderão fazer com as informações que
tamente. Essa é uma nova norma social, que
eu coloco lá”. Por sua vez, Breno Santos, 18,
evoluiu com o tempo”. O Facebook criou
que passa mais de duas horas todos os dias no
uma geração de pessoas que não conseguem
Facebook, é enfático: “Não ligo para minha
viver sem divulgar ao mundo suas vidas.
privacidade. Esse conceito não existe mais
Uma experiência hoje só será completa se
para mim. Me exponho mesmo, assim como
for compartilhada com centenas de amigos nas redes sociais.
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INFOGRAFIA CACÁ JUNQUEIRA
O Facebook tornou célebre o modelo de negócios atual da internet, que
postam, comentam, curtem, jogam, cutu-
transformou os dados pessoais de cada usu-
cam, é transformado em relatórios, envia-
ário no artigo mais valioso da rede. Nossas
dos às empresas, que refinam a publicidade,
informações são a nova moeda da economia
direcionada para cada usuário específico da
mundial. De acordo com Schwartz, os dados
rede. “A mercadoria que o Facebook vende
dos usuários são obviamente o que alimenta
é infinita, ou seja, o negócio dele vai crescer
a rede com vida, mas é preciso levar em conta
cada vez mais porque supostamente o que ele
que estamos entrando na internet 3.0. “Essa
está comercializando, a privacidade de cada
nova rede lida com “big data”, não apenas por
cliente dele no Facebook, é praticamente um
conta da adesão e intensificação galopantes
monopólio criado, feito um Leviatã, a partir
da digitalização da vida social mas também
da servidão voluntária dos olhares, cliques
e cada vez mais em função das informações
e mensagens trocadas dentro da “fábrica de
que são produzidas pelos próprios objetos
intimidade” que é o Facebook”, afirma Gil-
e máquinas, as imagens desses objetos e as
son Schwartz.
relações entre códigos, máquinas e objetos”, afirma Schwartz.
Controle
Todos os dados que os usuários das redes
Programas criados por engenheiros do Face-
sociais postam nelas são vendidos às empre-
book criam o que eles chamam de “cesta
sas interessadas em se relacionar com elas,
de dados”. Se uma loja de vestido de noi-
através de anúncios publicitários. No ano
vas da Rua São Caetano (tradicional rua de
passado, 85% do faturamento do Facebook
São Paulo, conhecida por suas lojas de arti-
foi obtido dessa forma. Tudo que as pessoas
gos matrimoniais) deseja anunciar no site, o Facebook calcula quantas mulheres paulistanas mudaram o status de relacionamento para “noiva” nas últimas semanas. Dessa
85% DA RENDA DO FACEBOOK EM 2011 FOI OBTIDA ATRAVÉS DA VENDA DE ESPAÇOS PUBLICITÁRIOS
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forma, o Facebook insere o anúncio da loja na página lateral de todos esses perfis, criando um anúncio personalizado, refinado para os interesses de cada usuário da rede. As empresas também podem criar suas
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PROJETOS DE LEI SOPA/PIPA » De acordo com o Stop On-line Piracy Act (SOPA) e o Protect IP Act (PIPA), que transitam no Congresso Americano, sites como o Facebook e o Google poderiam ser penalizados apenas por abrigar links que direcionem a sites que violem a propriedade intelectual. A Casa Branca já se mostrou contrária aos projetos. ACTA » Tratado internacional (entre os signatários está a União Europeia) que estipula aos signatários a obrigatoriedade de endurecer as leis de direitos autorais, garantindo que conteúdo restrito seja acessado pelos governos – inclusive informações pessoais de usuários. LEI AZEREDO » De acordo com o projeto de lei nº 84/1999, proposto pelo Deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), os provedores de acesso deverão desconectar usuários que violem conteúdo de propriedade intelectual, além de repassar as informações deles ao Ministério Público para eventual ação penal. O projeto deve ser votado pela Câmara ainda em 2012.
Hoje, a vida privada está exposta para todos, em qualquer lugar do mundo | FOTO NATALIA PICANÇO
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O efeito prático disso é a possibilidade que
aos investidores assinada por Zuckerberg no
a rede tem de utilizar como quiser, da forma
prospecto da oferta de ações do Facebook,
que quiser, as informações que alimentamos
quatro milhões de empresas utilizam a rede
no site. Dessa forma, se um usuário postar
para promover seus negócios. De acordo com
um comentário elogiando um refrigerante, o
Gil Giardelli, essa mudança de comportamen-
Facebook pode vender esse comentário para
to por parte das empresas poderá modificar a
a empresa elogiada, que poderá fazer uma
maneira com a qual nos relacionamos com a
propaganda com essa informação.
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próprias páginas no Facebook, as chamadas abas. De acordo com a carta
rede: “Diversos especialistas afirmam que o
Contactada pela Revista Plural, a assesso-
www vai acabar. Porque as empresas e indi-
ria de imprensa do Facebook no Brasil apenas
víduos estão montando suas páginas no Face-
respondeu que “Segurança é uma das priori-
book. Antes eu poderia entrar em qualquer
dades para o Facebook, e dedicamos recursos
www sem nenhum login ou senha. Hoje, cada
significativos para ajudar as pessoas a pro-
vez que eu entro dentro do Facebook ele sabe
tegerem suas contas e informações”. Além
quanto tempo eu fiquei lá, no que eu cliquei,
disso, ressaltou que “O Facebook também
o que eu fiz”.
está empenhado em ser o líder em transpa-
As redes sociais passaram a ser a principal
rência e controle ao redor de privacidade”. A
fonte de conteúdo da internet, superando os
nota é concluída afirmando que o usuário do
portais de notícias: de acordo com dados da
Facebook é, em última instância, quem defi-
pesquisa “2012 US Digital Future in Focus”,
ne o grau de sua privacidade que poderá ser
realizada pela consultoria americana comS-
compartilhada: “Todos os usuários do Face-
coreS, cada usuário do Facebook passa, por
book possuem recursos para personalizar
mês, uma média de 423 minutos no site. Isto
suas configurações de privacidade. Para edi-
acontece pois atualmente as redes sociais tor-
tar as configurações de privacidade da conta
naram-se referência para a definição de hábi-
do Facebook, deve escolher a opção ‘Confi-
tos culturais e de consumo.
gurações de privacidade’ no menu suspenso
O controle dos dados do usuário é o aspecto mais contestado dentro desse novo modelo de
Conta, disponível no canto superior direito de todas as páginas.”
negócios. Afinal, todos os dados que o usuá-
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rio insere no Facebook são propriedade eter-
Unificação
na da rede social, que pode usar essas infor-
A última ameaça partiu do Google. Atualmen-
mações da maneira que desejar. A política
te, é praticamente impossível que algum usu-
de privacidade da rede é divulgada de forma
ário da internet não utilize algum produto do
exaustiva e em vocabulário complicado. Pou-
Google. Começando pelo onipresente busca-
cas pessoas sabem, por exemplo, que qual-
dor, que domina 79,9% do mercado de meca-
quer foto ou comentário que o usuário poste
nismos de buscas, passando pelo e-mail (uti-
no Facebook é de propriedade eterna da rede
lizado por 350 milhões de usuários ativos) e o
social. De acordo com a Declaração de direi-
calendário, chegando até o You Tube, o site de
tos e responsabilidade do site, toda vez que
vídeos mais acessado da rede. Todos os inter-
um usuário carrega na rede qualquer espécie
nautas do mundo já utilizaram alguma vez os
de conteúdo ligado a propriedade intelectu-
serviços do site americano, e boa parte deles
al (o que o site chama de “conteúdo IP”), esse
possui uma conta nele.
usuário estará concedendo ao Facebook “uma
No dia 1º de março, o site modificou sua
licença mundial não exclusiva, transferível,
política de privacidade, unificando-a nos
sublicenciável, livre de royalties, para usar
quase 60 produtos que oferece. De acordo
qualquer conteúdo IP publicado por você ou
com o Google, a ela foi desenvolvida para
associado ao Facebook”.
“melhorar os serviços” que o site oferece. O
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INFOGRAFIA CACÁ JUNQUEIRA
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“ESTAMOS EMPENHADOS EM SER O LÍDER DE TRANSPARÊNCIA E CONTROLE AO REDOR DE PRIVACIDADE”, AFIRMA O FACEBOOK
Lecy Ciolette, 60, usa o Facebook para postar fotos, mas teme que sejam vistas por quem ela não conhece | FOTO GABRIEL GARCIA
site poderá usar (e cruzar) os dados da conta do usuário em todos os seus
indivíduo que cria uma conta em seus pro-
produtos. As informações vão desde as mais
dutos, podendo traçar, de forma sofistica-
básicas, como nome, e-mail até o cartão de
da, um mapa dos hábitos e preferências de
crédito do usuário, passando por dados como
cada um. Esse perfil é uma mina de ouro para
número de IP, horário e data de acesso e a
empresas de qualquer ramo, que pode delimi-
localização real do usuário.
tar o perfil ideal de seu consumidor e, princi-
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Dessa forma, a informação que o usuá-
palmente, desenvolver e enviar publicidade
rio coloca no Gmail, o correio eletrônico da
específica e diretamente a eles. Porém, Gilson
empresa, poderá ser usada no YouTube, por
Schwartz relativiza o prejuízo ao usuário no
exemplo. Se uma pessoa assiste a vídeos do
uso que as redes sociais fazem dessas infor-
seu clube de coração no YouTube, ela poderá
mações: “Não tenho como perguntar para um
receber propagandas de vendas de ingresso
fabricante de facas de cozinha o que ele acha
desse time na barra lateral do Gmail.
de todos os assassinatos feitos com facas de
Ainda de acordo com a própria política de
cozinha ao longo da história. Ele pensou em
privacidade, o Google pode “processar suas
festas, banquetes e celebrações. É o uso que
informações em um servidor localizado
dá significado à tecnologia, não o contrário.”
fora do país”. Além disso, afirma que forne-
Um dos itens mais controversos da nova
ce “informações pessoais a nossas afiliadas
política de privacidade é o fato de o usuário
ou outras empresas ou pessoas confiáveis”.
não ser consultado se aceita ou não as novas
Assim, o Google pode criar um cadas-
diretrizes. Não há uma opção “não dese-
tro pessoal ainda mais detalhado de cada
jo aceitar”. A partir de 1º de março, todos
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os usuários que logaram em algum produ-
possui salas de monitoramento em todos as
to do Google aceitaram de forma implícita as
grandes empresas de telecomunicação ame-
novas regras. O usuário insatisfeito possui
ricanas, instaladas ainda durante o governo
uma única opção: abandonar a rede.
de George W. Bush. O NSA não reconhece a
Em nota à Revista Plural, o Google, através
existência dessas salas, que supostamente
de seu Departamento de Comunicação, infor-
grampeariam toda a comunicação realizada
ma que a mudança é nas políticas, não nos
nos EUA. “Estamos em um momento de bifur-
controles de privacidade. Segundo a empre-
cação de tudo, em que iremos discutir como
sa americana, o objetivo da nova política de
será a privacidade principalmente em rela-
privacidade é simplificar e facilitar a com-
ção aos governos. Nunca estivemos tão pró-
preensão das políticas. “Ao reduzir as mais
ximos de 1984”, alerta Gil Giardelli.
A velocidade das sociedades em rede é muito maior do que a velocidade da sociedade das leis Gil Giardelli, professor de mídias sociais da ESPM-SP
de 60 políticas atuais de privacidade específicas para cada produto, passamos a explicar nosso compromisso com a privacidade aos usuários com uma economia de 85% em palavras.”, afirma um post de 2 de fevereiro, no blog oficial do site no Brasil. Além disso, o Google reafirma que quer promover a seus usuários uma experiência mais “fácil e relevante possibilitando uma interação entre os produtos quando estiverem logados em suas contas do Google”.
Futuro “Atualmente, a velocidade das sociedades em
Os governos contra-atacam
rede é muito maior do que a velocidade da sociedade das leis, ou seja, o Estado”, afir-
»»»Preocupados com o poder das
requerimento ao Google e ao Face-
ma Gil Giardelli. Segundo o professor, a ten-
redes sociais, governos do mundo
book convidando os diretores das
dência agora é que os governos tentem recu-
todo passaram a pedir explica-
duas empresas para darem expli-
perar o passo das grandes redes sociais. “A
ções. A Associação Nacional dos
cações no Congresso sobre suas
internet como nós conhecemos está sob ata-
Procuradores-Gerais dos Estados
políticas de privacidade.
que. Basta ler os projetos do SOPA, do PIPA,
Unidos manifestou preocupação
Segundo o redator do requeri-
e da Lei Azeredo”.
com a nova política de segurança,
mento, o deputado Paulo Pimenta
enviando uma carta ao Google na
(PT-RS), a política de privacidade
a construção de um centro de vigilância
qual chama a política de privaci-
dessas redes sociais não é trans-
do governo americano, avaliado em US$ 2
dade de “problemática”, por inva-
parente, por não permitir que os
bilhões. De acordo com a edição de abril da
dir a privacidade dos consumi-
usuários optem por não compar-
revista norte-americana Wired, esse com-
dores e por ser difícil de sair. Na
tilhar suas informações pesso-
plexo administrado pelo National Secur-
França, o CNIL, órgão adminis-
ais: “Hoje, todas as informações
ty Agency (NSA) poderá armazenar mais
trativo responsável por zelar pela
são rastreadas para montagem
de um yottabyte de dados (o yottabyte é a
privacidade na internet, conside-
de perfis e bancos de dados; essas
maior escala de magnitude de dados existen-
rou que a política viola dispositi-
informações e rastro de nave-
te). Com essa capacidade de armazenagem, o
vos do Diretivo Europeu de Prote-
gação dos usuários, lançadas no
NSA terá a possibilidade de armazenar e vas-
ção de Dados.
mercado, geram bilhões. O con-
Um indicativo dessa reação do Estado é
culhar toda e qualquer troca de dados realizada no território americano. Segundo a Wired, o governo americano
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No Brasil, a Comissão de Defe-
sumidor ou internauta precisa ser
sa do Consumidor da Câma-
protegido, pois é a parte fraca da
ra dos Deputados enviou um
relação de consumo”.
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UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE REPORTAGEM
BASTIDORES
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O PROCESSO A experiência kafkiana de (tentar) contatar as gigantes da internet
Gabriel Garcia (esq.) e Pedro Corrales discutem a apuração da Plural | FOTO NATALIA PICANÇO
entrevistamos, os empregados dessas empreGABRIEL GARCIA
Ou melhor, para não lidar com a imprensa. »»»Quando definimos a pauta da matéria
O curioso é que essas redes sociais tão
de capa, sabíamos que teriamos dificul-
fechadas são as mesmas que pregam a que-
dade de conversar com as redes sociais. O
bra de fronteiras, transparência nas relações
tema “privacidade” é delicado dentro des-
humanas, conectividade total entre as pesso-
sas empresas, que estão sendo questiona-
as. Porém, entre as cartas aos acionistas e a
das no mundo todo em relação ao uso que
realidade, a distância é bem longa, com uma
elas fazem dos dados de seus usuários. Mas
assessoria de imprensa no meio do caminho.
acreditávamos que elas conversariam com
Os especialistas e professores, pelo con-
nossa reportagem, ao menos para darem
trário, foram todos solícitos e receptivos. Da
sua versão sobre o assunto.
conversa com o professor da Universidade de
Porém, o que aconteceu foi exatamen-
São Paulo Gilson Schwartz, repleta de ideias
te o contrário. O acesso a essas empresas é
e novos conceitos, até o encontro com o pro-
intransponível. A dificuldade começa para
fessor da ESPM Gil Giardelli, as entrevistas
obtermos um contato: não há a indicação de
foram agradáveis e enriquecedoras.
um telefone, e-mail ou assessoria de impren-
Especialmente com Giardelli, que nos rece-
sa. Quando conseguimos contato com uma
beu em seu escritório e passou horas conver-
assessora, recebemos apenas três parágrafos
sando com a nossa reportagem. O professor
de explicações protocolares, em linguagem
mostrou dados curiosos e novos usos para
pouco clara, após dias de tentativas.
redes sociais, que vão muito além das atua-
Em outro caso, conseguimos até marcar
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sas são treinados para lidar com a imprensa.
lizações de um perfil no Facebook.
uma visita à empresa. Porém, o encontro foi
Foram encontros que renderiam pautas
cancelado no momento em que a funcioná-
para mais de uma edição da revista e que
ria ouviu as palavras “jornalista” e “priva-
compensaram todo o penoso processo de
cidade”. De acordo com uma das fontes que
apuração da matéria.
05/06/12 16:57
TECNOLOGIA. Em março deste ano, a App Store, da Apple, atingiu a assombrosa marca de 25 bilhões de downloads de aplicativos para iPhone e iPad. Para celebrar a data, divulgou a lista dos 25 apps mais baixados de sua história. Confi ra a seguir os campeões entre os softwares gratuitos para o celular.
OS MAIS BAIXADOS
FOTO NATALIA PICANÇO
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1 Facebook 2 Pandora Radio 3 Words With Friends Free 4 Skype 5 The Weather Channel 6 Google Search 7 Google Earth 8 Angry Birds Free 9 Shazam 10 Netflix 11 Paper Toss 12 Twitter 13 Movies by Flixster 14 Bump 15 PAC-MAN Lite 16 Flashlight 17 Unblock Me FREE 18 Temple Run 19 Instagram 20 Touch Hockey 21 Angry Birds Lite 22 ESPN ScoreCenter 23 Fruit Ninja Lite 24 Groupon 25 Angry Birds Rio Free
NOTAS SOBRE CURIOSIDADES, TENDÊNCIAS E ATUALIDADES
APPLE DIVULGA LISTA DOS APPS MAIS BAIXADOS
5 MINUTOS
REPRODUÇÃO DE INTERNET
JOGO DRAWSOMETHING É BAIXADO POR 50 MI DIVERSÃO. A nova febre nos smathphones é o jogo de desenho Drawsomething. Desenvolvido em fevereiro pela OMGPOP e comprado pela Zynga, o jogo já possui mais de 50 milhões de usuários. O game é simples de jogar. O objetivo é adivinhar o que outro jogador desenhou – quando você acerta, ambos ganham pontos. O usuário pode encontrar aleatoriamente adversários pelo Facebook ou acessar diretamente um competidor de sua escolha utilizando sua conta de e-mail. Segundo a revista americana Forbes, já foram feitos mais de 6 bilhões de desenhos que podem ser compartilhados pelo Facebook e pelo Twitter. O App está disponível em celulares com o sistema iOS ou com Android. É possível baixar gratuitamente o game, mas a sua versão completa custa US$ 1 no iTunes e US$ 1,81 no Google Play. MARIANA BENVENIDO | SEGUNDO SEMESTRE
1.200.000 de links que ferem direitos autorais foram removidos do Google em abril, a pedido de empresas como Microsoft – campeã nas queixas antipirataria – e NBC Universal. Com isso, a atual média mensal de remoção de links para conteúdos pirateados já passa de um milhão. O crescimento dos pedidos é exponencial: em 2009 inteiro foram removidos apenas 200 mil links.
UOL TECNOLOGIA COMPARA TABLETS CONSUMO. Com a multiplicação de tablets no mercado aumentam também as dúvidas dos compradores. Contra isso, o UOL Tecnologia comparou o iPad 2, o Samsung Galaxy Tab 10.1 e o Motorola Xoom. Em relação ao custo, o aparelho da Motorola é o mais barato, custando a partir de 1.600, mas tem a maior espessura entre os três. O sistema operacional dele é Android 3.1, semelhante ao do tablet Samsung, que roda Android 3.0. O Galaxy Tab é o mais leve e mais fi no. Já o iPad tem a menor tela, mas também foi considerado o de melhor sistema. Confi ra: http://migre. me/9eVhU. ANA BEATRIZ RESENDE | SEGUNDO SEMESTRE
05/06/12 16:51
18/19
Fotos: k-1.com/Orwell/
George Orwell segurando uma espada, souvenir dos tempos da Birmânia
GABRIEL GARCIA NATALIA PICANÇO
»»»Em 1927, George Orwell resolveu ser escritor. O futuro autor trabalhava como policial na Birmânia, atual Mianmar, ainda colonia inglesa .Ele era simpático aos birmaneses: detestava a autoridade da metrópole e a colonização. Orwell era bolsista na universidade de Eton. Percebeu que era diferente dos colegas, todos mais ricos, e logo abandonou o curso, revoltado com o ensino tradicionalista. Partiu para a Birmânia, para trabalhar no que seria o gatilho para sua futura vida literária. A revolta com o totalitarismo, que fez o policial se tornar escritor, foi um traço que marcaria toda a carreira de Orwell. De volta à Inglaterra, passou anos fazendo bicos, enquanto escrevia resenhas e artigos para jornais e revistas. Influenciado por sua revolta contra as classes dominantes, registrou em seu primeiro livro a rotina dos mendigos e indigentes – para escrever Na pior em Paris e Londres, Orwell passou meses
p
PERFIL: GEORGE ORWELL
O DONO DO GRANDE IRMÃO Como a indignação construiu a carreira de George Orwell, o visionário autor de 1984 e A Revolução dos Bichos
morando nas ruas da França e Inglaterra. Viajou o mundo denunciando as injustiças sociais: participou da Guerra
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O escritor (o terceiro a partir da direita) participou da Guerra Civil Espanhola, lutando com os Republicanos
Orwell trabalhou na BBC durante a Segunda Guerra Mundial, ao lado de outros escritores, como o poeta T.S. Eliot (sentado de óculos)
Civil Espanhola para escrever Lutando
padronizada e manipulada de Oceânia.
na Espanha; visitou as minas de car-
O livro se tornou um marco da litera-
vão inglesas, nas quais os trabalhado-
tura política do século XX por antecipar
res viviam em condições desumanas,
conceitos (da teletela – uma precurso-
experiência que gerou A caminho de
ra da internet - até os helicópteros mili-
Wigan Pier. Seu grande sucesso comer-
tares) hoje presentes no cotidiano, mas
cial como escritor foi A Revolução dos
que na época eram mera ficção cientí-
Bichos, uma sátira da ditadura stalinis-
fica. Ao cunhar a expressão “Grande
ta, ambientada em uma fazenda.
Irmão”, uma entidade que tudo sabia e
O ápice da trajetória de crítica aos
tudo via, Orwell antecipou em décadas
opressores acontece em seu último
a existência da internet e o poder que ela
livro, 1984. A história, escrita em 1948,
tem em obter informações das pessoas.
se passa em Londres, no ano que dá títu-
Em tempos no qual a vida de todos
lo à obra. A cidade faz parte da Oceânia,
está aberta em uma rede social, Geor-
uma superpotência controlada por um
ge Orwell, morto aos 46 anos, nunca foi
só “Partido” e liderada por uma enti-
tão atual. Se os cartazes na Londres de
dade onisciente, o “Grande Irmão”. O
1984 afirmavam que “O Grande Irmão
“Grande Irmão” possui total controle
está te vigiando”, atualmente, empre-
sobre a sociedade, monitorando-a cons-
sas como o Google e o Facebook sabem
tantemente e, principalmente, repri-
ainda mais sobre o que pensamos e
mindo aquilo que afronta o Partido.
fazemos. Como afirmou o autor ame-
O personagem central do livro é um
ricano Thomas Pynchon, em um pos-
homem insignificante e triste, Winston
fácio para 1984, “previsões específi-
Smith, funcionário do “Ministério da
cas são apenas detalhes, afinal. O que
Verdade” que resolve se rebelar contra
talvez seja mais importante, necessá-
a ausência de privacidade na sua vida.
rio de fato, a um profeta em atividade,
Após entrar para a oposição ao Partido,
é estar apto a enxergar mais fundo a
a chamada “Confraria”, Winston acaba
alma humana do que a maioria de nós”.
preso. Depois de intensa tortura, ele
E George Orwell, durante toda sua
descobre amar o Grande Irmão, e tor-
carreira, enxergou como poucos a alma
na-se mais um integrante da sociedade
humana.
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1984, O LIVRO
CENSURA » O livro, publicado em maio de 1949, quase foi banido nos EUA, por conter “material comunista e subversivo”. Na URSS, o livro só foi publicado em 1989, por ser considerado “anti-comunista” BRASIL » A obra está na sua 13a edição no Brasil. A edição mais recente, de 2009, foi publicada pela Companhia das Letras
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Vício: o uso da internet pode gerar dependência |FOTO PAULA SAVIOLLI
INTERNETEIROS ANÔNIMOS Não apenas álcool e drogas causam dependência. O uso excessivo da internet e das redes sociais também pode ser considerado uma doença
GIULIANA TENUTA DUARTE PAULA SAVIOLLI NOGUEIRA
atualizações. “O problema sempre
tendem a se fortalecer em si mesmos
está no exagero. Tudo que é exage-
e por isso temos que tomar cuidado.
rado é prejudicial. Até a vida real
O mesmo pode acontecer com a inter-
em exagero é prejudicial, pois resta
net: se uma pessoa vive unicamente as
»»»Não é difícil conhecer alguém que
pouco ou quase nenhum espaço para
redes sociais e os sites, em detrimen-
nunca se desconecta da internet, que
os sonhos, os projetos, a imaginação”,
to de outras vivências, temos compli-
fica vigiando as redes sociais em celu-
afirma o psicólogo Pablo de Assis.
cações. A questão é que essa vivência
lares e tablets a cada dois minutos.
Esse abuso de permanência nas redes
é legítima, mas se vivida como exclu-
Que pode até deixar de fazer ativida-
sociais, e, consequentemente da inter-
sividade, torna-se perigosa”, diz Assis.
des no mundo físico para não deixar
net, pode se tornar um vício, trazen-
passar nada do mundo virtual. Mas
do prejuízos. “O exagero geralmente
dependência
o perigo com o uso da internet existe
surge quando valorizamos mais uma
Há cada vez mais casos de viciados em
quando o usuário passa tempo demais
coisa em detrimento de outra. Normal-
internet, o que acabou chamando a
na frente do computador, preso às
mente, comportamentos unilaterais
atenção dos psicólogos, que passaram
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SINTOMAS FÍSICOS Curto Prazo » Taquicardia » Sudorese » Secura da boca » Tremedeiras Longo Prazo » Comprometimento da postura » Lesões por esforço repetitivo » Obesidade ou subnutrição » Deformidade na visão PSÍQUICOS » Incapacidade de concentração » Angústia » Sentimento de impotência Tudo isso acarreta: » baixo rendimento escolar/profissional » sono TRATAMENTOS Terapia, e, se necessário, medicação.
a lidar com esse vício como doença. “A adicção é possível em qualquer compor-
crescente com a internet”.
gerou a doença acaba sendo aprofun-
Ainda segundo ele, que coordena o
dado e agravado pelo próprio proble-
tamento”, afirma o psicólogo. “Existem
programa ambulatorial do HC volta-
ma, alerta Nabuco (veja quadro acima).
pessoas viciadas em trabalho, em jogos,
do a esses pacientes, a doença tem efei-
em festas, em religião, em viagens e em
tos sociais e emocionais consideravel-
diagnóstico
qualquer outra coisa. A internet ape-
mente negativos: os indivíduos que
O HC relacionou oito critérios que aju-
nas se tornou mais um campo em que a
passam muito tempo conectados como
dam a diagnosticar a dependência tec-
dependência se torna possível.”
uma forma de aliviar a tensão e depres-
nológica. São eles: preocupar-se excessi-
Mas como se caracteriza essa doença?
são podem apresentar perdas de sono
vamente com a internet; ter necessidade
Segundo o psicólogo do Hospital das
e problemas em desenvolver relações
de aumentar o tempo conectado; exi-
Clínicas (HC) e especialista em depen-
interpessoais. E, como essa doença é
bir esforços repetitivos para dimi-
dência tecnológica, Cristiano Nabuco,
proveniente de outras, como baixa auto-
nuir o tempo de uso da internet; apre-
“a dependência da internet manifesta-
estima, fobias sociais, solidão, isola-
sentar irritabilidade e/ou depressão;
-se como uma inabilidade do indivíduo
mento e reclusão emocional, as causas e
quando tiver o uso da internet res-
em controlar o uso e o envolvimento
efeitos acabam se confundindo, e o que
tringido, apresentar instabilidade
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22/23 Fachada do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde há tratamento para dependentes | FOTO: PAULA SAVIOLLI
emocional; permanecer mais conecta-
maior intensidade. Isso pode ser uma
do do que o programado; ter o traba-
excelente oportunidade para nos rein-
lho e as relações familiares e sociais
ventarmos e retomarmos nossas indi-
em risco pelo uso excessivo; mentir
vidualidades, nossas subjetividades”,
às outras pessoas a respeito da quan-
afirma Pablo de Assis.
tidade de horas que passa conectado.
E é isso que parece levar a maioria
Se o usuário apresentar cinco desses
das pessoas à dependência tecnológi-
critérios, o HC aconselha buscar atendi-
ca: a internet e as mídias digitais trou-
mento médico, já que essa combinação
xeram novas formas de relacionamen-
caracteriza a dependência em internet.
to. E, na rede, é possível se reinventar
O hospital oferece consultas médi-
constantemente. Não há barreiras; nin-
cas para maiores de 18 anos, a fim de
guém conhece a identidade do internau-
verificar o quadro de sintomas e fazer
ta anônimo, que pode ser o que quiser.
uma avaliação psicológica e psquiátrica.
Quem faz a internet são as pesso-
Então, o paciente é encaminhado para
as, então o problema é mais social que
tratamento individual ou em grupo.
tecnológico, alerta Assis. “A sociedade moderna acabou por criar um ‘mundo
tentador
real’ bastante estéril, repleto de politi-
“Ser é ser percebido”, escreveu o
camente correto, de leis e regras e con-
filósofo irlandês George Berkeley, em
trole e vigilância. Pouco é permitido,
1710. E o que está por trás dessa frase,
muito é devido e demais é proibido. A
mesmo depois de trezentos anos, conti-
internet é um espaço - ainda - livre,
nua atual. “Ao ser percebido com maior
onde todos podem ser qualquer coisa.
intensidade, acabamos ‘sendo’ com
Isso chama a atenção de muita gente”.
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CENTROS DE APOIO » Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas – Setor de Dependência da Internet: http://www.dependenciadeinternet. com.br/ » Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática (NPPI) da PUC: http://www. pucsp.br/nppi/
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evandro ferraz
d DEPOIMENTOS: MICHELE MENEZES TÉCNICA DE ANÁLISES CLÍNICAS EVANDRO FERRAZ PLANEJADOR DE MATERIAIS LEANDRO LISBOA DESIGNER GRÁFICO
“Tenho 21 anos e passo pelo menos 16 horas por dia na frente do computador. Acesso as redes sociais em casa, no trabalho e por dispositivos móveis. Considero-me viciado e acho que, às vezes, a internet atrapalha meus estudos. Já cheguei a desativar meu Facebook, jurando que reativaria apenas na semana seguinte, mas fiquei apenas 15 minutos sem conectar. Deixo de sair
JÁ CHEGUEI A IR TRABALHAR SEM DORMIR
para ficar no computador, já que a hora passa e eu nem percebo. Sou muito mais desinibido pela internet e a maioria dos meus relacionamentos pessoais acontece primeiramente no mundo virtual. Considero-me um rapaz que segue as tendências. Sou apaixonado por tecnologia, posso dizer que não vivo sem.” leandro lisboa “Tenho 39 anos e sou Designer Gráfico. Divido meu computador com mais duas pessoas de minha família e ficamos, ao todo, em torno de oito horas por
michele menezes
Considero-me viciada, pois já ten-
dia na internet, todos os dias.
“Tenho 20 anos. Costumo passar 4
tei parar e diminuir o tempo que passo
Considero-me viciado, mas procuro
horas por dia na internet, todos os dias.
online, mas não consigo. Cheguei a
ser disciplinado com relação ao uso da
Só não fico por mais tempo, pois tra-
excluir algumas contas em outras redes
internet e das redes sociais, apesar de
balho e estudo durante a noite. Várias
sociais, mas sempre fico horas nas que
não achar que passar muito tempo na
vezes já fiquei conectada até as 2h da
mantenho. O tempo que eu gasto na
internet seja tão prejudicial.
manhã e já cheguei até a ir para o traba-
internet acaba limitando e diminuin-
Nunca deixei de fazer nada por causa
lho sem dormir. Já deixei de sair muitas
do as minhas horas de estudo, mas na
da internet, mas sempre fico com muita
vezes só para ficar na internet.
época agitada em que minha vida se
vontade de chegar logo em casa e ligar
Entro no Facebook às 4h30 da manhã,
encontra (com tanta coisa para estudar,
o computador.
pelo celular, quando vou trabalhar.
trabalho, problemas…), a internet acaba
Não faço nada na internet que eu não
Durante o dia, acesso várias vezes e
me proporcionando um ‘desligamento’
faria pessoalmente e considero a inter-
quando chego em casa, a primeira coisa
de tudo, me distraindo.
net uma mesa de bar, para distração.
que faço é olhar o Facebook, depois o MSN e outras páginas que possuo.
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Como sou muito tímida, a internet me torna muito mais sociável.”
Creio que ela ajuda na busca por inspirações e informações no geral.”
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MONTAGEM SOBRE FOTO DE CACÁ JUNQUEIRA
CIÚME 2.0 Multiplicação de perfis em redes sociais estimula a desconfiança entre parceiros e, em muitos casos, é o primeiro passo para a traição
»»»A maioria das pessoas diz que a vida a dois é boa, mas não é fácil. O problema se agrava principalmente quando temos um companheiro(a) e um cadastro em uma rede social na internet. Para alguns casais, partilhar senhas de internet é invasão de privacidade. Para outros, algo desnecessário. Mas, entre os casais ciumentos, compartilhar, em tempos de redes sociais, virou
CACÁ JUNQUEIRA
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uma maneira simples de dizer “não
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No auge do seu namoro, aos 21 anos, uma estudante de publicidade do interior de São Paulo, que não quis se identificar, conseguiu entrar no Facebook do seu namorado. O garoto, distraído, tinha deixado a senha da conta gravada na página do site e emprestou o laptop para a namorada sem nem desconfiar do que estava por vir. Disfarçadamente, ela entrou de mansinho na página da rede social e descobriu o inesperado. Surpresa! Ele trocava recados reservados (“inbox”) com outras garotas, e, além disso, convida-
REINO UNIDO
30%
dos divórcios realizados no Reino Unido possuem a palavra “Facebook” nos autos, segundo pesquisa realizada pelo site Divorce Online.
va-as para sair. Para ela, o fi m foi imediato. Atirou o computador contra ele e foi-se embora. Para a maioria dos casais, futricar os recados recebidos e as fotos marcadas do seu amor é normal, pois o que está na rede é para ser visto. No entanto, mesmo sabendo que poderia estar fazendo a coisa errada, ela não resistiu em entrar na área privada da conta do então namorado. “Eu sempre tinha o pé atrás, mas não imaginava que ele me traía”, disse a garota. A psicóloga Rita Oliveira Fernandes de Melo ensina que antes de desconfiar da traição, um diálogo sincero entre o casal é a melhor opção para diferenciar se as situações são criadas pela mente ou se são verídicas. “O ideal é discriminar se existe algo real acontecendo ou se é apenas uma fantasia criada pela baixa estou te traindo”.
auto-estima.”
Ao mesmo tempo, contudo, a vida dos
As redes sociais foram criadas como
puladores de cerca ficou muito mas difí-
meio de comunicação entre amigos, e
cil. No Facebook, o vestígio de uma des-
não, a princípio, com o intuito de faci-
lealdade pode ser encontrado no perfi l
litar traições. No entanto, ao colocar
do parceiro. No Twitter, saber quem é o
os indivíduos em contato, como faz o
novo seguidor (em geral do sexo opos-
Facebook, expondo a vida das pesso-
to) já é um grande passo para uma nova
as através de fotos, vídeos e comentá-
investigação. Isso sem contar as contas
rios, a exposição da intimidade pessoal
de e-mail, que hoje em dia armazenam
se torna grande. E, com isso, as ferra-
grandes quantidades de informações
mentas da web multiplicaram os flagras
pessoais.
na internet.
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BRASIL » Segundo o IBGE, a taxa de divórcios foi recorde no país em 2010 (último dado disponível). Em média, um casal brasileiro se separa após 16 anos de união. A taxa de divórcios por mil habitantes chegou ao patamar histórico de 1,8 em 2010, contra 6,6 casamentos por mil. A idade média para casar está na faixa de 30 anos, e a idade média dos divorciados é de 40 anos.
21/06/12 21:14
E isso vale para ambos os sexos. “A traição masculina ainda
ILUSTRAÇÃO ISABELA NEVES
é vista como algo normal, e a feminina é coisa de mulher ‘sem vergonha’”, diz Rita. Porém, segundo a psicóloga, o número de mulheres que traem seus maridos vem aumentando. O motivo é a insatisfação nos relacionamentos.
26/27
Mesmo diante do flagra, contudo, nem sempre a melhor alternativa é terminar sumariamente a relação. A sociedade contemporânea, movida por interesses individuais, busca soluções mais fáceis e imediatas para resolver proble-
A traição masculina ainda é vista como algo normal, e a feminina é coisa de mulher ‘sem vergonha’ Rita de Melo, psicóloga
Foi horrível, eu fui traída em dose dupla: pelo namorado e pela amiga estudante de medicina que descobriu a traição do namorado ao entrar com a senha dele no Facebook
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mas pessoais, lembra a psicóloga. Ou seja, trocar de parceiro é mais viável do que investir em um relacionamento desgastado. “O problema é que essa solução mais fácil e imediata dura muito pouco. Portanto, logo terá que lidar com a realidade novamente”, argumenta. Às vezes, portanto, uma boa – e franca – conversa pode recolocar as coisas no lugar. rompimento Outro caso, que também envolve o Facebook, aconteceu com uma estudante de medicina, Maria (nome fictício), e seu namorado. O casal fazia cursinho prévestibular junto e continuou unido, numa relação à distância, mesmo quando ele ingressou em uma universidade na capital e ela continuou em São José do Rio Preto (interior de SP). A garota, apesar de saber a senha do
e pela amiga”, diz.
namorado na rede social, não acessava
O rompimento do namoro, no entan-
o site, pois considerava a atitude “desa-
to, foi de uma forma diferente: a jovem
gradável”. “Eu descobri a senha sozi-
imprimiu todas as conversas que encon-
nha, por tentativa, mas não usava por-
trou na rede e as entregou a ele, dentro
que eu também não gostaria que ele
de um envelope, como se fossem uma
entrasse no meu perfil.”
carta de amor. “Eu não tinha o que fazer
E, mais uma vez, o “inbox” foi o res-
e precisava jogar aquilo na cara dele de
ponsável pelo término. Após desconfiar
uma maneira que ele não iria esquecer.”
de atitudes estranhas do garoto, Maria
Geralmente, a traição pela internet
entrou no Facebook e descobriu que ele
acontece com pessoas entre 20 e 40
a traía com a prima de uma amiga – com
anos, no máximo, que utilizam as redes
o consentimento desta. “Foi horrível, eu
sociais com maior frequência. A pro-
fui traída em dose dupla: pelo namorado
cura por novas amizades e por antigos
21/06/12 21:14
POSTAGENS COMPROMETEDORAS EM REDES SOCIAIS JÁ SÃO ACEITAS NA JUSTIÇA COMO UMA PROVA LÍCITA, PORÉM NÃO ABSOLUTA, DE QUE O PARCEIRO TRAI saem da lista de investigação. Se não há conta em redes sociais, o próximo passo é olhar a caixa de entrada dos torpedos e entrar na conta de correio eletrônico. Foi assim que Pedro descobriu que a garota com quem namorava mandava recados para o então colega Vitor (nomes fictícios). A garota namorava Pedro há seis anos. O relacionamento, desgastado por causa do tempo, começou a gerar estresse e infelicidade na relação. Com isso, a falta de comprometimento foi levando a jovem a criar fortes laços de amizade com seu companheiro de trabalho Vitor. Enquanto ela namorava Pedro, nas idas e vindas do namoro, a garota e Vitor conversavam por mensagens de celular. Apesar de serem torpedos de amizade, certo dia, em vez de enviar o recado para o “novo amor”, sem querer ela mandou a mensagem ao namorado, Pedro. A desconfiança cresceu e Pedro começou a investigar os e-mails dela. “Esse é o típico caso em que um sempre faz questão de ter a senha de e-mail do outro, esperando por um tropeço a qualquer momento”, diz João, amigo de Pedro e primo de Vitor, que sempre esteve a par da situação. As brigas entre o casal eram diárias, os passeios com os amigos diminuíam amigos na internet facilita o início de
questiona. E responde: “Hoje já se admi-
e o relacionamento com o colega de tra-
um diálogo amigável que pode gerar
te como meio de prova lícito, mas ela
balho aumentava. Com isso, o desgas-
conversas mais íntimas – e passar a um
não é absoluta”.
te do namoro levou à “perseguição” do
relacionamento virtual sério.
O rastreamento de computador, por
e-mail cada vez mais intenso.
exemplo, viola o sigilo e a correspon-
A gota d’água foi quando Pedro abriu
prova
dência do parceiro. Logo, é ilícito. Para
um e-mail endereçado para Vitor com os
A advogada e professora Fernanda Gur-
os advogados, recados individuais e
dizeres: “Eu não sei mais o que fazer, eu
gel explica que, em casos de traição que
e-mails não podem ser considerados
sei que também mexi com você. Eu sei
envolvem a internet e chegam aos tri-
prova de adultério. “A traição virtual
que você também tem uma namorada
bunais, o primeiro motivo a se levar em
não pode ser considerada adultério por-
e que ela é intocável, mas eu não paro
conta é se a prova apresentada é consi-
que não é carnal”, diz Gurgel.
de pensar em você”, declarava a garota.
não é permitida em processos, mas e o
gota d’água
minou um namoro de seis anos. Hoje, a
e-mail, e as redes sociais, o que são?”,
E-mail e smartphones também não
ex-namorada está com Vitor.
derada lícita ou ilícita. “A prova ilícita
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As provas eram concretas e Pedro ter-
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28/29
A HORA DAS MINORIAS Redes sociais de nicho surgem com força para atender públicos específicos com interesses em comum«
e no mundo, despertando a curiosidaBRUNO GREGÓRIO DIOGO MIRANDA
de de internautas. É o caso de Marce-
até mesmo inseri-las. Tenho bons amigos no site.”, acrescenta.
lo Moreno, 53, gerente de manutenção ,
São as redes sociais para fins especí-
»»» Imagine uma rede social na qual
que entra diariamente no Receitáculo -
ficos, tais como encontros, empregos,
você possa compartilhar interesses
rede social de nicho para compartilha-
livros, receitas de bolo. Esses grupos
em comum como receitas de bolo,
mento de receitas - para divulgar seus
foram criados para que pessoas compar-
gosto por música, tipo de tratamen-
novos pratos e aprender outros.
tilhem coisas em comum, afinidades. É
to usado para cada doença específi-
Além de trocar informações sobre
uma nova tendência que aproxima pes-
ca, ao invés de compartilhar fotos e
culinária, Moreno conta que aproveita o
soas distantes e distancia pessoas próxi-
comentários sobre sua vida pessoal,
site para fazer novas amizades que pos-
mas. São redes que funcionam off-line,
como é feito no Facebook.
suam os mesmos interesses. “Eu entro
os usuários não precisam estar em cons-
todos os dias para incluir novas amiza-
tante contato pessoal, as pessoas não
des e ver receitas novas ou
são amigas necessariamente.
É esse formato de rede social segmentada que vem crescendo no Brasil
28_29_nichos.indd 20
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e percebemos que o custo era muito alto.
novos “skoobers” (como são chama-
Como já atuávamos na área de TI, tive-
dos os usurários), os fundadores da
mos a ideia de criar algo na internet para
rede projetam viabilizar novos meios
elas tocarem, um lugar onde os próprios
de acesso, lançando em breve apps para
usuários criassem conteúdo, para não
produtos Apple e Android.
termos que abastecer o portal. Sem
Outras redes sociais segmentadas
perceber, estávamos criando a primei-
surgem com força. No último mês de
ra rede social de moda no Brasil. Com o
março, foi lançada, tendo como “embai-
crescimento do negócio, eu e meu sócio
xador” o craque Neymar, o Palpiteiros.
decidimos largar nossos empregos para
Carregando a proposta de ser uma mesa
nos dedicarmos 100% a ele.”, comenta a
de bar na internet, o usuário poderá dar
estudante de jornalismo.
palpites sobre jogos, seu time do cora-
O Fashion.me que conta com 600 mil
ção e jogadores profissionais.
usuários e faturamento de 1 milhão
Conquistando cada vez mais os inter-
projeta aumentar os conteúdos dispo-
nautas brasileiros, as redes sociais de
níveis no site e internacionalizar a pla-
nicho se apresentam como um bom
taforma para o futuro. Assim como o
investimento para empreendedores e
projeto de Flávio, outras redes sociais
uma ótima saída para quem procura um
segmentadas surgem com força. Uma
grupo de pessoas com afinidades.
que atingiu sucesso em pouco tempo foi o Skoob, a maior rede social brasileira para quem gosta de ler.
A estudante Mariana Tegon lê e compartilha sua opinião sobre livros na rede social Skoob | FOTO NATALIA PICANÇO
Com um mês de funcionamento a rede contava com pouco mais de 7.500 usuá-rios. Co-fundadora do Skoob, Viviane Lordello conta que a ideia é reunir pessoas que possuam o hábito da leitura para poderem trocar informações sobre livros de seu interesse. “Cada usuário pode montar a sua estante virtual com os livros que já leu, está lendo, vai ler, releu ou abandou. Pode ainda fazer resenhas, criar históricos de leitura, avaliar os livros, criar
No Brasil, diversas redes já obtêm
listas de livros desejados, favoritos e
sucesso. Na maioria são pessoas que
ainda disponibilizar seus livros para
criam paralelamente a seu emprego,
trocas com outros usuários da rede”,
mas com a adesão, largam tudo para se
diz Viviane, explicando sobre o funcio-
dedicarem ao site. É caso de Flávio Pri-
namento da rede.
pas e Renato Steinberg, fundadores da
A universitária Mariana Tegon, usu-
bymk, hoje chamada Fashion.me, que é
ária do Skoob, conta que conheceu a
uma rede social onde usuários podem
rede social por meio de um amigo.” É
criar e compartilhar seus looks virtuais.
um ótimo site para se organizar melhor
“A ideia de montar o bymk surgiu
em relação ao que leu e gostou ou até
quando as nossas esposas decidiram
mesmo o que não gostou”, conta Maria-
abrir uma loja física de roupas. Verifi-
na. Entretanto poucos conhecidos da
camos o quanto era necessário investir
estudante usam o site. Procurando
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PARA TODOS OS GOSTOS
1
Patients like me Rede social que permite compartilhamento de informações sobre doenças e sobre tratamentos médicos. O objetivo é reunir pacientes que sofram do mesmo mal.
2
Mais de 50 Site que oferece informações e espaço para a troca de experiências entre usuários maiores de 50 anos.
3
Skynerd Rede social para pessoas que gostam de jogos compartilharem seus preferidos.
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»»»Foi-se o tempo em que o acesso a redes sociais era proibido nas empresas. Atualmente o cenário nas grandes empresas é bem diferente – e já há pessoas sendo remuneradas justamente para passar o dia navegan-
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do por comunidades virtuais. Empresas de ponta estão estimulando seus funcionários a utilizarem o Facebook e o Twitter para monitorar o que está sendo dito pelo público sobre a marca. Além disso, a opinião direta do público é levada em conta no desenvolvimento de projetos e para saber se a qualidade da mercadoria ou serviço entregues está sendo satisfatória. O objetivo das empresas ao aderir a esse monitoramento é conseguir, de forma instantânea, entender o que o cliente espera da empresa. “Um monitoramento bem feito costuma gerar importantes ‘insights’ para as marcas, podendo levar ao seu reposicionamento no mercado, à criação de produtos ou a outras mudanças que possibilitem maior estreitamento e engajamento
Sala de assessoria de imprensa do Metrô de São Paulo |FOTO THAIS CARBONELL
entre marca e consumidores, além de poder prevenir crises”, enumera Beatriz Polivanov, pesquisadora do ESPM Media Lab, que presta consultoria sobre redes sociais para o Bradesco. Assim, o que era visto como diversão – ou distração – não só ganhou espaço nas empresas como abriu mercado para agências especializadas em ações estratégicas por meio dessas redes. É o caso da Jokerman Non-traditional Media, que elabora ações de comunicação usando canais ainda pouco explorados. Inajá Gomes, gerente de marketing da Jokerman, conta que acompanhar a movimentação dos internautas é crucial. “Entendê-los nos ajuda a enxergar
VITRINE (E VIDRAÇA) VIRTUAL Monitorar as redes sociais vira praxe em grandes empresas, que ao mesmo tempo zelam por sua imagem e criam novas estratégias de comunicação pela web
a marca pela ótica do consumidor, e com isso conseguimos identificar demandas sub-atendidas ou não atendidas.” Outras empresas aderiram às mídias
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THAÍS CARBONELL
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METRÔ NA REDE » Companhias públicas, como o Metrô de São Paulo, também fazem uso das redes sociais. A principal plataforma usada pela empresa é o Twitter, onde reúne 35.703 seguidores. Segundo Reginaldo Nogueira Seixas, assessor de imprensa da companhia, há dois analistas só monitorando as mídias sociais.No Facebook a empresa trabalha com vídeos e imagens. No Flickr, coloca de seis a dez fotos por dia. Em média o Twitter do Metrô tem 50 posts por dia, e o Facebook, 15.
sociais no seu dia a dia. A agência digi-
classificamos o resultado como ocorrên-
e diariamente por milhares de pessoas
tal Ginga, por exemplo, utiliza o método
cia positiva, negativa, neutra ou lixo”,
na web e ficam como rastros disponí-
para avaliar o que é dito sobre determi-
afirma Mariana.
veis para análise”.
nada marca para depois montar estra-
“Com o monitoramento constante e
No cenário das grandes empresas,
tégias de comunicação mais eficientes.
correto, é possível atender consumido-
quem fica responsável por realizar esse
Mariana Ditolvo, gerente de conteúdo
res insatisfeitos com agilidade, identifi-
monitoramento é o analista de inteli-
e redes sociais da Ginga, explica que o
car oportunidades de relacionamento,
gência ou analista de mídias sociais,
monitoramento de mídias sociais prevê
sentir o pulso do mercado e até mesmo
explica a pesquisadora. Para ela, os pro-
o acompanhamento, em tempo real, de
perceber o início de uma possível crise”,
cedimentos de monitoramento se divi-
tudo o que é falado sobre a marca na
completa.
dem em coleta, categorização e classi-
internet.
Beatriz Polivanov, do ESPM Media
ficação das informações relacionadas a
Na Ginga, o monitoramento é reali-
Lab, comenta que “o monitoramento
zado por meio de softwares especiais.
de mídias sociais nada é mais é do que
Tarcízio Silva, organizador do
“Em primeiro lugar configuramos as
o bom e velho acompanhamento que o
livro “Para Entender o Monitoramento
buscas de acordo com as demandas
marketing sempre fez do que as pes-
de Mídias Sociais”, apresenta oito eta-
de cada cliente. Depois, acessamos os
soas falam sobre determinadas mar-
pas de trabalho: observar menções; pla-
resultados em diferentes momentos
cas, com a única, e grande, diferença
nejar; selecionar ferramentas; classifi-
do dia para, assim, analisarmos o con-
de que, no contexto das mídias sociais,
car; categorizar; consolidar; analisar e
teúdo do que foi coletado. Em seguida,
essas impressões são feitas voluntária
interpretar; apresentar resultados.
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determinada marca.
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p&r
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ENTREVISTA: GILBERTO DIMENSTEIN
NO BRASIL, NEM LIVRO AS PESSOAS SABEM USAR DIREITO JORNALISTA COM PROJETOS EM HARVARD E NO MIT DIZ QUE BRASILEIROS AINDA NÃO EXPLORAM O POTENCIAL DAS NOVAS TECNOLOGIAS E CRITICA O SISTEMA EDUCACIONAL
com universitários paulistanos o proBRUNO GREGÓRIO
jeto Catraca Livre, que no último mês de maio foi vencedor do The BOBs. Prêmio internacional de blogs que foi ela-
Com a chegada das redes sociais temos um acesso inesgotável a informações. Por outro lado, falta uma análise de tudo o que recebemos. Como contornar isso?
O jornalista e educador Gilberto
borado pela Deutsche Welle, ganhando
Hoje você tem a informação de todos
Dimenstein é um dos mais renoma-
na categoria de melhor blog de língua
os lados, de todos os jeitos, surgindo a
dos jornalistas brasileiros no cenário
portuguesa. Em entrevista exclusiva à
todo segundo. Temos uma abundância.
internacional. Hoje colunista do jor-
Plural, Dimenstein falou sobre a nova
Hoje, se você pega seu Twitter ou seu
nal “Folha de S. Paulo”, integra uma
era que está surgindo com a chegadas
Foursquare, você não dá conta. No seu
incubadora de projetos em Harvard
redes sociais. Comentou também sobre
Facebook e no de seus amigos, é uma
(Advanced Leadership Initiative) e, em
a aproximação que houve do leitor com
enxurrada de informações. Imagine um
colaboração com o Media Lab, do MIT,
o jornalista após a chegada da internet.
rio em alta velocidade em dia de chuva.
desenvolve em São Paulo um labora-
Por fim, mostrou preocupação com a
É igual. Os portais jornalísticos estão
tório de comunicação comunitária.
disputa por audiência, que pode arra-
mudando o tempo todo, sem discrimi-
Além disso, desenvolveu juntamente
nhar a credibilidade dos meios.
nação da importância das coisas. Então,
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uma noticia da celebridade sai no alto no
existe a “era da curadoria”, em que
ganha credibilidade. Porque a pessoa
portal. Até de sites mais importantes, a
vai sobrar quem oferecer informação
vai olhar na página e ver: “Poxa, Adria-
capa são os esportes, e o convênio que a
para sua vida e for comprovadamente
ne Galisteu é mais importante do que a
Dilma assinou com o MIT [Massachuset-
relevante. Suponhamos que você quei-
Dilma nos EUA”. Você pega essas cele-
ts Institute of Technology] não vai nem
ra escolher um dentista, não bastará
bridades, a Luana Piovanni digita qual-
aparecer. Mas, ao mesmo tempo, por
alguém que disse na internet, você quer
quer coisa e vira o principal assunto. Só
mais que você tenha a tecnologia, você
alguém que foi a esse dentista. Nesse
que na hora de tomar uma decisão a pes-
nunca conseguirá mudar uma coisa: a
caso, ele é um bom curador, ele foi ao
soa vai se perguntar quem ela deverá
sua liberdade depende do uso da infor-
dentista. Então eu penso que, daqui a
consultar para tomar esta decisão, sobre
mação. O que está se colocando aqui é
algum tempo, irão surgir algumas ilhas
um investimento financeiro, sobre a
que existe uma nova era surgindo, que
de curadoria e isso na imprensa vai ser
compra de uma casa.
é a “era da curadoria”.
notável. Por isso que a imprensa não pode entrar nesse ritmo enlouquece-
E o que seria essa nova era?
dor da internet em que você ganha lei-
Mas somente a imprensa terá o papel de formar essas “ilhas de curadoria”?
Com esse turbilhão de informações,
tores, ganha page views, mas você não
Não, essas ilhas podem surgir fora
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“O JORNALISMO DIGITAL TROUXE A INTERATIVIDADE, QUE É ALGO MARAVILHOSO” dos meios tradicionais. Ilhas de curadoria de muita qualidade, como você pode observar em vários blogs e em sites americanos que, em determinada área, são imbatíveis. Tecnologia na educação por exemplo, você vai pegar
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muitos sites melhores do que “The New York Times” e “Washington Post”. Esse processo de turbinar dados e seleciona-los é que vai definir quem é que vai ser importante na mídia. Antigamen-
“HOJE EU ESCREVO UMA COLUNA E SOU OBRIGADO A VER MEUS LEITORES ME CRITICANDO DE FORMA DURA, MAS MUITAS VEZES CORRETA.”
te para fazer um jornal, você precisava de muito dinheiro. A entrega era muito complicada. Se você tem hoje no Facebook 20 mil seguidores, e cada seguidor tem 200 amigos, imagina quantas pessoas você pode atingir. Agora, ao mesmo tempo, vai ter uma percepção de que você precisa cada vez mais de pessoas que o orientem, agora é tudo
“A IMAGINAÇÃO ESTÁ PARA O CONTEÚDO ASSIM COMO AS ASAS ESTÃO PARA OS PÁSSAROS”
muito novo, é tudo muito recente, a forma como você lida é muito recente. Nas pesquisas que eu tenho acompanhado já há uma demanda cada vez maior pela curadoria.
Você acha que as pessoas sabem tirar o melhor das redes sociais? Eu não sei dizer ainda. Tem pessoas que usam melhor. Se você por exemplo é cientista, você vai encontrar uma rede de cientistas na internet excepcional, você vai saber o que o cara está desen-
sabem usar direito. Você vai em uma
quando na verdade educação é memori-
volvendo na Itália. Você tem grandes
prova e o professor fala: “Agora fechem
zar associação de conteúdos. Na verda-
nichos. Agora, tem pessoas que pensam
o livro”. É uma coisa de louco. O livro foi
de educação é mais do que isso, é exer-
que a vida é entretenimento, aí é fogo,
feito para fazer consulta. Ele foi cria-
citar o máximo da sua imaginação. A
porque existe uma diferença entre ser
do para você consultar. Imagine em
imaginação está para o conteúdo assim
interessante e entretenimento. Porque
uma época como esta em que você tem
como as asas estão para os pássaros.
o entretenimento pressupõe você não
todo o conhecimento do mundo em um
se esforçar muito.
celular. Antigamente, repetir trechos de
O ser interessante não significa que
livros era sinal que o sujeito era intelec-
você vai se entreter nem que vai ser
tual. Hoje não, se você tem aqui [aponta
fácil. Mas significa que você tem inte-
para o celular] você precisa saber ape-
Recentemente você falou sobre o “Facebook do ódio” em sua coluna na “Folha de S.Paulo”. Você acha que as pessoas extravasam na rede social?
resse por algo que dá trabalho.
nas como usar.
A internet é algo maravilhoso. O jor-
O Brasil precisa se reeducar para estar apto a essas novas tecnologias?
Isso é tudo um aprendizado, quando
nalismo digital trouxe a interatividade,
você vai às escolas, você ainda aprende
que é algo maravilhoso. Hoje eu escrevo
No Brasil, nem o livro as pessoas
que educação é memorizar conteúdo,
uma coluna e sou obrigado a ver meus
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RAIO-X IDADE » 55 anos FORMAÇÃO » Jornalismo (Cásper Líbero) PRINCIPAIS TRABALHOS NA CARREIRA » Diretor de Sucursal e colunista Folha de S. Paulo » Repórter Correio Braziliense » Colunista Rádio CBN PRINCIPAIS LIVROS » O cidadão de papel » Meninas da noite » O aprendiz do futuro PRÊMIOS » Prêmio Jabuti » Prêmio Nacional dos Direitos Humanos » Prêmio Criança e Paz da Unicef
leitores me criticando de forma dura,
Ao mesmo tempo, você colocou um
ter independência de criticar e elogiar
mas muitas vezes correta. Você está
canudo com ódio, ressentimento, com
a mesma pessoa. Só que as pessoas não
sendo observado o tempo todo.
inveja. Eu mesmo imagino o seguinte:
entendem isso. As pessoas têm cabeça
Antigamente você escrevia uma
briguei com minha mulher, meu filho,
de telenovela. É simplório, mas é assim
matéria e nem sabia a opinião do lei-
estou mal na empresa, e estou na inter-
que funciona. As pessoas pensam que a
tor; vez ou outra o leitor mandava uma
net, então, se eu visse uma celebridade,
vida é feita de duas cores.
carta. Era uma coisa unilateral. Hoje
eu esculhambava. Por que eu não posso?
Eu até pedi uma enquete, se eu sou
o seu processo de escrita é comparti-
Mas, ao mesmo tempo, você tem o lin-
do PSDB ou do PT, porque todo dia me
lhado. Em todos os sentidos, porque as
chamento virtual, tem muita gente que
acusam de ser os dois. Há acusações
pessoas participam, elas criticam, elas
não aguenta isso. As pessoas xingam,
das mais incríveis. Sempre teve isso na
acrescentam. Ele é compartilhado por-
inventam coisas; eu mesmo tive expe-
história. Essas maiorias idiotizadas ou
que anda em muitos meios.
riências com isso.
fanatizadas se manifestam de tempos
Hoje em dia, você coloca na “Folha de S. Paulo” e no Facebook e chega a milhões de pessoas.
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Já aconteceu com você?
em tempos; teve Hitler, teve Mussoli-
Sim, na minha coluna eu sempre
ni. Só que na internet isso ganhou um
prego que a ideia de ser independente é
caminho de manifestação.
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Lápide no cemitério Santo Amaro, na zona sul de São Paulo |FOTO NATALIA PICANÇO
VIDA APÓS A MORTE Aplicativos permitem manter ativos os perfis de pessoas já mortas, transformando-os em uma espécie de memorial NATALIA PICANÇO
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EM TEMPOS DE DIGITALIZAÇÃO DE MEMÓRIAS, SITES, LIVROS E APLICATIVOS AJUDAM A ADMINISTRAR O PATRIMÔNIO VIRTUAL APÓS A MORTE »»»É impossível negar que as mídias
Com o lema “Superando a morte”, a
sociais fazem parte das nossas vidas,
empresa possui um programa que
mas você já parou para pensar o que
periodicamente faz check-ups para ver
acontece com o perfil virtual de um
se o usuário está vivo. Caso o indivíduo
indivíduo depois que ele morre? Pode
não responda e um conhecido seu, pre-
parecer uma pergunta estranha, mas,
viamente estabelecido, o confirme como
na verdade, ela é cada vez mais atual:
morto, serão liberados dados para seus
hoje, em vez de armazenar recorda-
destinatários específicos. Essa empre-
ções fisicamente dentro de nossas
sa, que se apresenta como uma “segu-
casas, fotos, vídeos e cartas foram
radora de informação”, preza para que
digitalizados.
arquivos críticos de trabalho e contas
O homem sempre sonhou com a vida eterna, e as redes sociais tornaram esse desejo possível. Diversos aplicativos e programas prometem solucionar, atualmente, o dilema
bancárias possam ser acessados após a morte do indivíduo. Também podem ser deixadas mensagens de últimos desejos, segredos, instruções para o funeral, entre outros.
dos que querem manter vivo um per-
O tema vem se tornado tão comen-
fil pós-morte. Eles repassam sua conta
tado, que já existe até mesmo um livro
para herdeiros, permitem que sejam
sobre o assunto. Escrito por Evan Car-
divulgados vídeos e recados previa-
roll e John Romano, o livro “Your Digi-
mente gravados e dão a opção de o per-
tal Afterlife: When Facebook, Flickr and
fil continuar ativo ou ser deletado.
Twitter are your Estate, What’s your
O mais popular atualmente é o aplica-
Legacy?”(ainda não traduzido para o
tivo do Facebook If I Die. De acordo com
português) visa que seus leitores e usu-
Erez Rubinstein, do departamento de
ários de redes sociais já considerem o
marketing da empresa, o aplicativo é o
que ocorrerá com seus perfis virtuais
único desse gênero e já conta com mais
após sua morte, dando recomendações
de 150 mil usuários e é esperado que
para assegurar seu patrimônio virtual.
até o final do ano o número chegue a 2
O valor do livroé U$15,50.
Talvez seja em parte algo novo, mas isso [memoriais virtuais] lembra muito a lápide ou o jazigo da pessoa querida, que, depois de enterrada recebe homenagens. Aurélio Melo, psicólogo
milhões. Ao ser instalado em sua conta, o programa, permite que seja repassa-
forma de conforto
da uma mensagem somente após sua
Existe também a opção de o perfil de
morte. Para tal, é necessário que sejam
um falecido nas redes sociais ser apaga-
escolhidas pessoas de confiança que
do. O Facebook, rede social mais utiliza-
confirmarão sua morte. Rubinstein
da, possui duas opções: o perfil pode ser
conta que há cerca de 5 mil brasileiros
deletado ou se tornar um memorial. A
que já usam o aplicativo.
família, ou amigos, sob pena de perjú-
A ideia surgiu depois que um casal de amigos do criador do aplicativo,Eran
rio, declaram o óbito da pessoa e podem decidir o que farão com a conta.
Alfonta, sofreu uma experiência de
A ideia do perfil memorial é a que se
quase morte. Alfonta percebeu então
tornou mais popular. “Quando alguém
que a morte poderia vir em qualquer
querido nos deixa, ele não deixa de exis-
lugar a qualquer hora, e para isso, as
tir na nossa memória nem nas nossas
pessoas deveriam se preparar previa-
redes sociais. Como reflexo dessa reali-
mente, deixando recados e instruções
dade, criamos a ideia do perfil “memo-
para familiares e amigos.
rial” como um lugar em que as pessoas
Outra opção é o deathswitch.com.
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podem guardar e dividir suas memórias de quem faleceu”,
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38/39 Reprodução da página do Facebook do aplicativo If I Die
escreve Max Kelly, chefe do departamento de segurança, no blog oficial da empresa.
Quando alguém querido nos deixa, ele não deixa de existir na nossa memória nem nas nossas redes sociais. Max Kelly, chefe do departamento de segurança do Facebook.
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De acordo com o professor e pesquisador na área de psicologia do desenvol-
Com a transformação do perfil em
vimento e de psicologia da morte Auré-
um memorial, algumas informações
lio Melo, tornar o perfil um memorial é
do falecido são removidas, e a conta
um jeito de lidar com a realidade, vir-
fica bloqueada para quem não está na
tualmente. “Talvez seja em parte algo
lista de amigos. O mural do Facebook se
novo, mas isso lembra muito a lápi-
torna um mural de recordações.
de ou o jazigo da pessoa querida, que,
Muitos acham certo conforto nesse
depois de enterrada, recebe homena-
tipo de escolha. Luana Medina e Daniel-
gens de tempos em tempos. Nas redes
le Goldich, ambas estudantes de 20
sociais seria algo semelhante: as pes-
anos, perderam um amigo em 2008
soas podem visitar o perfil, relembrar a
em um acidente de carro. “Escrever no
pessoa e deixar mensagens.” Melo acre-
mural dele era muito confortante. Eu
dita que esta é uma maneira de confor-
nunca acreditei que ele estaria lendo,
to e de manter um vínculo com a pessoa
mas era um jeito de eu descarregar tudo
morta, minimizando a dor e a saudade.
o que eu queria dizer para ele. Quan-
Para o professor, manter o perfil ativo
do alguém morre, você fica pensando
do falecido pode ser benéfico ou preju-
se falou tudo que queria ter falado para
dicial, dependendo do indivíduo. “Há
ela, e eu escrevia para de algum jeito
pessoas que podem se apegar exagera-
compensar por tudo que não foi dito”,
damente, agravando o luto. Para outras,
conta Luana.
isso pode ajudá-las a superar aos pou-
Para Danielle, era como se ele conse-
cos a perda”, comenta.
guisse ouvir a dor e a saudade que ela
Danielle conta que recentemente o
sentia. “Acredito que era um meio de
perfil de seu amigo, morto aos 20 anos,
me comunicar, rezar e mostrar o meu
foi apagado: “Eu não sei o porquê, mas
carinho por ele. Poder ver suas fotos me
isso me incomodou muito. Para mim,
confortava, pois assim eu parava para
era uma forma de “ver” ele sempre que
pensar como ele viveu intensamente.”
eu sentia saudades”.
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FOTO PIERA COLOGNORI
vv
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO
JULHO DE 2012 // ANO 1 // NÚMERO 1
NATALIA PICANÇO, 20 anos, escreveu a reportagem “Vida após a morte” e o perfil de George Orwell, além de ter clicado a foto de capa. Está sempre com um livro e um Moleskine na bolsa e sonha em ser escritora. PEDRO CORRALES, 19 anos, fez a reportagem de capa desta edição. Santista, de cidade e de coração, sonha em escrever um livro sobre futebol e em trabalhar na revista ESPN Brasil. PAULA SAVIOLLI, 19 anos, fez a reportagem sobre vício em internet. Apaixonada pela Pixar, sonha em escrever sobre cinema, sem dispensar, aqui e lá, um bom show para contar história. CACÁ JUNQUEIRA, 21 anos, fez a reportagem “Ciúme 2.0”. Riopretense, aposta no seu esforço e curiosidade para se tornar uma grande jornalista.
40_contra.indd 1
GABRIEL GARCIA, 25 anos, escreveu e descreveu a matéria de capa e se divertiu ao reler “1984” para fazer o perfil de George Orwell. Ainda compra discos de vinil e livros de papel – e se acha velho por isso. GIULIANA TENUTA, 20 anos, fez a reportagem sobre viciados em internet. Fã de Harry Potter, sonha em ser escritora e editora da Playboy.
THAÍS CARBONELL, 20 anos, escreveu a reportagem sobre mídias sociais nas empresas. Sempre repara nos looks das pessoas e sonha em ser editorachefe de uma revista de moda. DIOGO MIRANDA, 22 anos, fez a reportagem sobre redes sociais segmentadas. Carioca, Flamenguista e sofredor, acredita na motivação como a chave para o sucesso profissional. BRUNO GREGÓRIO, 18 anos, fez a entrevista com Gilberto Dimenstein e a matéria sobre redes sociais segmentadas. Natural de Atibaia, planeja seguir carreira no jornalismo esportivo.
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