JUNHO DE 2017 // ANO 6 // NÚMERO 11 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
CAPITALISMO SELVAGEM DESIGUALDADE SOCIAL PRODUZ UMA DAS FORMAS DE OPRESSÃO MAIS PERVERSAS DO PAÍS CRISE DOS SEXOS MULHERES REIVINDICAM IGUALDADE; HOMENS BUSCAM NOVOS PAPÉIS; TRANS EXIGEM RESPEITO FELICIDADE OU MORTE PARA O PSICANALISTA PEDRO DE SANTI, PRESSÃO PARA SER (OU PARECER) FELIZ É “ESMAGADORA”
COMO A COBRANÇA DE UM CERTO MODELO DE FELICIDADE, CONSUMO, GÊNERO E COMPORTAMENTO GERA ANGÚSTIA E DEPRESSÃO
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REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP Nº11 - 1º SEMESTRE DE 2017
Presidente Dalton Pastore Jr. Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente AdministrativoFinanceira Elisabeth Dau Corrêa Diretor de Graduação-SP Luiz Fernando Garcia Coordenadora do curso de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli Revista Plural revistaplural-sp@espm.br Editor Plural Prof. Renato Essenfelder Editor LabFor Prof. Andre Deak Editora Produção Multiplataforma Profa. Cláudia Bredarioli Revisão Profa. Maria Elisabete Antonioli
EDITORIAL
JORNALISMO VS. OPRESSÃO O que te oprime? A pergunta, um tanto desconcertante, foi o mote desta edição da Plural, que chega agora ao seu sexto ano repleta de novidades. Enveredamos por uma seara subjetiva, psicológica, com a qual o jornalismo factual tem pouca familiaridade. Em vez de nos apoiarmos principalmente em estatísticas e dados empíricos – instrumentos preciosos para o repórter noticioso –, optamos por investigar um problema abstrato: como as pressões da vida moderna provocam angústia nas pessoas, e como reagimos a essas pressões e angústias? De onde vem a necessidade de se adequar a um certo ideal de felicidade, de sucesso, de sexualidade? Assim, tateando sentimentos e sensações, as matérias a seguir muitas vezes prescindem das chamadas fontes especializadas – os estudiosos reconhecidos em seus campos de atuação – para mergulhar fundo no que se convencionou chamar de “jornalismo humanizado”. Apesar do cará-
Alunos | Plural Ana Carolina Cavallini, Bruna Masculi, Camila Fernandes de Oliveira, Camilla Santos, Carolina Leal, Debora Sá, Jacqueline Aliandro, Juliana Nóbrega, Maria Clara Tanaka, Matheus Martins, Rachel Schmalb, Thales Silveira, Victoria Terra, Vivian Lusor.
ter um tanto redundante (que bom jornalismo, afinal, não seria humani-
Alunos | LabFor Stéfani Inouye e Thamires Veiga.
é sempre transformador); 3) tomando os entrevistados como sujeitos ple-
Alunos | Produção Multiplataforma Gabriela Soares, Matheus Lemos, Paulo Jaschke, Pietro Otsuka, Raul Moura e Vinicius Lopes. CeJor, Centro Experimental de Jornalismo da ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana São Paulo, SP Tel. (11) 5085-6713 Projeto gráfico Marcio Freitas A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.
zado?), a expressão é útil para nos lembrar que escrevemos sobre pessoas e para pessoas. Assim, a perspectiva humanizada da reportagem é justamente aquela que: 1) valoriza as opiniões e vivências das pessoas comuns, sem status midiático; 2) promove o encontro face a face entre jornalista e fontes, com todas as decorrências desse encontro (que, em alguma medida, nos, e não como objetos de informação, entende que pratica um jornalismo que apresenta versões verdadeiras mais do que um jornalismo produtor de verdades, já que trata de subjetividades; 4) busca significados, sentidos, nos eventos que descreve, ciente portanto de que seu objetivo não é explicar uma pretensa realidade objetiva, mas sim buscar compreender, a partir de sua própria subjetividade e autoria, fenômenos complexos. É, como se vê, um jornalismo que aposta na autoria, na capacidade de o repórter – ou, no nosso caso, do aluno-repórter – interpretar o mundo à volta, incluindo os mundos interiores de seus interlocutores. Para dar vazão aos muitos sentidos e possibilidades da autoria criativa, esta edição aposta ainda numa expansão radical do conceito de matéria jornalística. Ao longo das próximas páginas o leitor encontrará textos, ensaios fotográficos, um jogo da memória, um vídeo em 360 graus e recursos de Realidade Aumentada. Plural também estreia o recurso do “editor convidado”: um especialista que comenta a pauta da edição e auxilia no encaminhamento dela, ampliando os horizontes dos alunos-repórteres. Neste número, contamos com Pedro de Santi, renomado psicanalista, professor na ESPM, PUC-SP e Casa do Saber, que é também o entrevistado da pág. 54. | RENATO ESSENFELDER, EDITOR DA PLURAL
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ÍNDICE
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FOTO: TOMAZ SILVA / AGÊNCIA BRASIL
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FELICIDADE Nos últimos séculos, a questão da felicidade passou das mãos da natureza para as mãos de Deus para enfim chegar às mãos do indivíduo; paralelamente a isso, com a consolidação dos ideais de liberdade e de igualdade, ser feliz (e sobretudo parecer feliz) passou a ser uma obrigação, e, portanto, uma fonte de enorme angústia. Como escapar dessa armadilha?
página 6 POLÍTICA Eletrizada pelo momento histórico do país, sociedade discute mais questões políticas – o que seria bom, não fosse a intolerância e o despreparo para lidar com opiniões diferentes.
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página 24 BASTIDORES Pela primeira vez, a revista Plural foi realizada em conjunto com os laboratórios Multiplataforma e de Formatos Híbridos, do Centro Experimental de Jornalismo da ESPM-SP. Veja como foi a experiência.
página 26 VLADO HERZOG Em 1975 o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado, e a ditadura tentou encobrir sua morte encenando um suicídio; Corte Interamericana de Direitos Humanos julga responsabilidade do Estado brasileiro no caso.
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FOTO: EVANDRO TRINDADE/CEJOR-ESPM
página 10
FOTO: JACQUELINE ALIANDRO/CEJOR-ESPM
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FOTO: STÉFANI INOUYE/CEJOR-ESPM
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DESIGUALDADE
SER MULHER
RACISMO
A mercantilização das mais diversas dimensões da vida, expressa na máxima de que “tempo é dinheiro”, leva a uma noção de felicidade enganosa, que se baseia principalmente no sucesso material.
O que significa ser mulher, hoje? Em pleno ano de 2017, a luta das mulheres ainda é para garantir respeito e acesso às mesmas oportunidades que os homens já têm.
O coletivo Sarau das Pretas nasceu no ano passado com a proposta de criar um espaço de compartilhamento de experiências e de discussão do racismo e da opressão étnica por meio da arte.
página 35 BELEZA OPRESSORA A sociedade cobra um certo “ideal de beleza” de todos nós, e especialmente das mulheres. Mas um breve passeio pela história mostra que esse padrão é arbitrário e muda com o passar dos anos.
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página 44 CRISE MASCULINA O declínio (tardio) dos ideais do “macho alfa” e do homem como “provedor do lar” põe em xeque papéis tradicionais da masculindade; o problema é que nenhum novo papel substituiu aqueles parâmetros antigos.
página 46 TRANSRESPEITO Além do drama psicológico de nascer em um corpo com o qual não se identificam, transexuais sofrem preconceito e violência constantes no Brasil – onde a cada 25 horas uma pessoa LGBT é assassinada.
página 54 ENTREVISTA A pressão para estar bem o tempo inteiro é esmagadora, diz o psicanalista Pedro de Santi, o editor convidado desta edição, que em entrevista exclusiva comenta o percurso histórico desta “ditadura da felicidade”.
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6/7 Manifestantes usam sinalizadores em manifestação do dia 28 de abril em São Paulo | FOTO: PIETRO OTSUKA/CEJOR-ESPM
DEBATE SEM DEBATE Eletrizada pelo momento histórico do país, sociedade discute mais questões políticas – o que seria bom, não fosse a intolerância e o despreparo para lidar com opiniões diferentes
causa dessa pergunta – que por alguns
especialmente política. A pergunta que
PAULO JASCHKE STÉFANI INOUYE GABRIELA SOARES VINICIUS LOPES
pode ser percebida como inofensiva –
Luísa ouviu, colocada como uma provo-
a estudante se envolveu num episódio
cação, traz à tona questões estruturais
que desembocou em violência física e
profundas que contribuem para a dis-
»»» “Você é socialista?” Foi dessa ma-
num desgastante processo que ainda
seminação do discurso de ódio no Bra-
neira que Luísa (cujo nome foi trocado,
corre na Justiça.
sil. Entre elas, a dificuldade em aceitar
a pedido dela, para esta reportagem)
Essa história reflete algo que está se
a heterogeneidade e a precariedade de
foi assediada em um bar na cidade de
tornando comum na sociedade brasi-
nossa educação, das quais emergem,
São Paulo, no início de janeiro. Por
leira: a materialização da intolerância,
como consequência, o analfabetismo
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“EXISTE UMA INSATISFAÇÃO COLETIVA, ISSO É UM FATO, SÓ QUE NINGUÉM FOI TREINADO PARA DEBATER E NINGUÉM É ENSINADO A SEQUER ENTENDER O SISTEMA.”
político e uma escassa atuação cidadã
malefício enorme para uma democracia
por parte da maioria dos brasileiros.
tão jovem quanto a brasileira.”
“Não é que as pessoas não saibam des-
Já o caso de Luísa mostra como quem
sas coisas porque são preguiçosas. Elas
opta pelo confronto pode chegar ao
não sabem porque ninguém as ensinou.
extremo. “Ele me deu um soco no braço.
Ninguém explicou para elas como fun-
Nesse momento, peguei o meu celular
ciona a Constituição, ou até que ponto o
para gravar o rosto dele e mostrar no
cidadão pode participar da política”, diz
Facebook quem era ele: um homem que
Sabine Righetti, pesquisadora associada
acredita que mulher não pode sentar em
e professora colaboradora no Laborató-
uma mesa de bar e conversar sobre polí-
rio de Estudos Avançados em Jornalis-
tica sem ser agredida”, relata a vítima.
mo (Labjor), da Unicamp, e colaborado-
“Ele só parou quando fomos para den-
ra da Folha de S. Paulo.
tro do bar. Mesmo assim, gritava e me
“Podemos perceber um alto nível de
chamava de comunista, me mandando
analfabetismo político, ou seja, a gente
ir para a Venezuela.” Ela conta ainda que
não sabe se posicionar. É como se pen-
em momento algum o agressor se dispôs
sássemos: ‘estamos insatisfeitos, então
a conversar, apenas incitou o ódio.
vamos reclamar porque está todo mundo reclamando’”, afirma. “Existe uma insa-
Mídias sociais
tisfação coletiva, isso é um fato, só que
É justamente em razão das dificulda-
ninguém foi treinado para debater e
des para o desenvolvimento do deba-
ninguém é ensinado a sequer entender
te político que as pessoas cada vez mais
o sistema.” De acordo com Sabine, isso
se veem incentivadas a procurar outros
se deve também à imensa desigualdade
meios para expor seus pontos de vista. E,
social no país. Por causa disso, só esta-
como fez Luísa, muitas vezes recorrem
mos acostumados a conviver com pes-
às mídias sociais para tanto.
soas com realidades muito próximas às
Esse movimento, contudo, também
nossas e, como consequência, há dificul-
é problemático. Para a jornalista Sabi-
dade e esvaziamento do debate.
ne Righetti, o fato de uma pessoa poder
Denilde Holzhacker, professora de
se esconder atrás de um avatar virtual
Relações Internacionais da ESPM-SP,
fomenta ainda mais a intolerância polí-
complementa essa ideia ponderan-
tica na internet. “O diferencial das redes
do que, na verdade, não existem mais
sociais é que as pessoas podem falar
“debates”, mas sim “confrontos” polí-
aquilo que não têm coragem de dizer
ticos. “Os jovens não tiveram uma cons-
frente a frente. É como se elas estives-
trução de cidadania adequada, principal-
sem mais protegidas”, pondera.
mente aqueles que tomam contato com
O professor Fabio Malini, um dos coor-
a política agora.” Segundo a internacio-
denadores do Laboratório de Estudos
nalista, aqueles que não partem para o
sobre Internet e Cibercultura (Labic), da
enfrentamento acabam por escolher o
Universidade Federal do Espírito Santo,
caminho da apatia – o que também não
complementa que, nesse aspecto, as
contribui para o desenvolvimento do
redes sociais, ao lado de toda a estrutu-
pensamento plural. “O medo do conflito
ra midiática, também atuam no sentido
exacerbado leva ao distanciamento polí-
de fomentar a fabricação do medo, refor-
tico. No fim, isso gera toda uma socie-
çando a intolerância. “A criação de pri-
dade politicamente apática, o que é um
sões ideológicas – contruídas apenas a
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“O medo do conflito exacerbado leva ao distanciamento político. No fim, isso gera toda uma sociedade politicamente apática, o que é um malefício enorme para uma democracia tão jovem quanto a brasileira” Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM-SP
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8/9 Em São Paulo, manifestantes protestaram contra as reformas propostas pelo governo Temer | FOTOS: PIETRO OTSUKA/CEJOR-ESPM
partir do que cada um tem para si sobre
cas. “Eu diria que o modelo atual da rede
suas concepções de mundo – permite o
é completamente inadequado para dis-
surgimento de campos de concentração
cussões. Nós temos uma configuração
de crenças particulares, incentivando o
de rede mercadológica que não traz em
discurso de ódio e a proliferação de notí-
sua origem preocupação alguma com o
cias falsas”, afirma. “Isso tem a ver com
debate ou com a sociedade.”
o fato de que a rede é também um lugar
Para Malini, a manutenção dessa con-
de produção de guerra, que não abar-
dição é inerente à sustentação da pró-
ca muito o diálogo, abarca mais o fluxo
pria mídia, que depende da viralização
discursivo.”
de conteúdos para sobreviver enquanto indústria – e, nesse sentido, tanto
modelo inadequado
melhor quanto mais discussões eclodi-
Justamente por isso, segundo Gusta-
rem nas redes. De acordo com o pesqui-
vo Dainezi, pesquisador do Programa
sador, contudo, há que se pensar como
de Pós-Graduação em Comunicação e
irá se consolidar, nesse cenário, o direito
Práticas de Consumo da ESPM, muitas
de se manifestar. “Fazer parte dele exige
vezes a internet não se mostra como um
capacidade de abstração e consciência de
ambiente propício às discussões políti-
toda a sociedade”, reflete.
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“As notícias falsas funcionam como um reforço para o argumento individual de cada um. Nem sempre seu conteúdo é necessariamente de todo falso. Há mais meias verdades do que falsidade propriamente dita” Fábio Malini, professor e membro do Laboratório de Estudos sobre Internet e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo.
Disseminação de notícias falsas na internet alimenta a intolerância
move o surgimento de “bolhas políti-
»»» Escolhido pelo Dicionário Oxford
algoritmos atuais só irão aparecer notí-
como a palavra do ano em 2016, o termo
cias que tendem a agradar ao usuário.
“pós-verdade” tornou-se recorrente
Ou seja, se você faz um site mentiroso,
quando se trata de falar sobre a divul-
com notícias falsas, mas com uma con-
gação de notícias falsas nos espaços
figuração forte, ele será superior em
midiáticos, especialmente os virtuais.
alcance.”
ção, no qual o usuário que vê somente conteúdos convenientes a ele perde o senso crítico. Gustavo Dainezi alerta que isso potencializada a intolerância. “Nos
O substantivo foi definido como algo
Um exemplo das consequências da
“que se relaciona ou denota circuns-
proliferação da pós-verdade é o próprio
tâncias nas quais fatos objetivos têm
cenário político no qual vários resulta-
menos influência na construção da opi-
dos eleitorais – tanto no Brasil quan-
nião pública do que apelos à emoção e a
to no exterior – têm sido inflados ou
crenças pessoais”.
até mesmo redirecionados em razão
É neste contexto que fatos verídicos
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cas”, incentivando um ciclo de aliena-
da divulgação de notícias falsas. Sabine
têm perdido a importância no deba-
Righetti chama atenção para o fato. “O
te político diante da ampla divulgação
impeachment da ex-presidente Dilma
de boatos. O fenômeno gera um espetá-
Rousseff recebeu apoio popular por
culo narcisista. “As notícias falsas fun-
conta da disseminação de notícias fal-
cionam como um reforço para o argu-
sas. Donald Trump, atual presidente dos
mento individual de cada um”, afirma
Estados Unidos, foi eleito por meio do
o professor Fábio Malini. “Nem sem-
mesmo processo e isso é muito grave.”
pre seu conteúdo é necessariamente
A jornalista alerta para outros refle-
de todo falso. Há mais meias verdades
xos desse problema. “A partir do
do que falsidade propriamente dita nas
momento em que o eleitorado elege ou
fake news.”
deixa de eleger alguém graças a uma
O que muitas pessoas podem não
notícia falsa, você desenha uma socie-
saber, porém, é que esse fenômeno
dade que vai funcionar movida a infor-
serve como estímulo para a ação dos
mações falsas”. Para ela, a solução passa
algoritmos – códigos baseados em inte-
pela educação. “Especialmente por ser-
ligência artificial interligados às redes
mos uma democracia jovem, precisa-
– que permitem a uma base de dados
mos aprender a falar de política, mas a
conhecer e prever o que cada usuário
realidade caminha para um rumo con-
“irá gostar de ver”. Esse fenômeno pro-
trário a esse.”
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10/11 Criança brinca em favela de São Paulo; falta de moradia e de saneamento básico é crônica no país | FOTO: EVANDRO TRINDADE/CEJOR-ESPM
A FORÇA DA GRANA A mercantilização das mais diversas dimensões da vida, expressa na máxima de que “tempo é dinheiro”, leva a uma noção de felicidade enganosa, que se baseia principalmente no sucesso material
BRUNA MASCULI CAMILA FERNANDES DE OLIVEIRA JULIANA NORONHA
»»»Nos últimos 100 anos, todos os indicadores sociais tiveram enorme evolução. O mundo nunca foi tão rico. A expectativa de vida nunca foi tão alta. O Brasil não é exceção. Em 2016, de acordo com IBGE, o índice de analfabetismo chegou a 8% no país, o menor da história. A expectativa de vida alcançou 75 anos, outro recorde. A mortalidade infantil caiu 77% em 22 anos. Apesar do avanço em várias frentes, contudo, o Brasil segue sendo o 141o país no
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Carr
SPM
A CONTRADIÇÃO ENTRE UMA VIDA QUE MELHORA PARA UNS ENQUANTO PIORA PARA OUTROS EXPÕE A FACE MAIS OPRESSORA DO CAPITALISMO
Carroceiro em Guarulhos (SP); desemprego recorde penaliza milhões no Brasil | FOTO: EVANDRO TRINDADE/CEJOR-ESPM
ranking da igualdade do Banco Mun-
explica o filósofo e professor do curso
dial, em que a Suécia aparece como
de Ciências Sociais e do Consumo da
nação mais igualitária, enquanto Áfri-
ESPM-SP, Andrey Mendonça.
ca do Sul e Seychelles têm o maior nível de desigualdade social.
com a desigualdade”, afirma. Por trás da desigualdade que abre um abismo entre ricos e pobres, trans-
O jornalista especializado em rela-
formando os pobres em “cidadãos de
ções internacionais Leonardo Trevisan
segunda categoria”, está a lógica de
A contradição entre uma vida que
afirma que há sim uma solução para
uma sociedade capitalista em que
melhora ao mesmo tempo em que a
esse problema social e que os países
o dinheiro é motor de todas as coi-
desigualdade impera no Brasil expõe
desenvolvidos já iniciaram um proces-
sas. Isso afeta especialmente os mais
o quanto a opressão econômica ainda
so para alcançar a igualdade de renda.
pobres, mas também a classe média
escraviza - às vezes de modo invisível -
“Países como Suécia, Dinamarca,
brasileira, que se equilibra entre car-
milhões de pessoas no país.
Noruega não deixaram de ser democrá-
tões de crédito e cheques especiais para
“Historicamente falando, a desigual-
ticos e já possuem um sistema para evi-
conseguir chegar ao fim do mês com
dade social no Brasil teve início desde
tar esse fator. A diferença entre o maior
algum crédito e sobreviver.
o princípio. Mesmo antes de qualquer
salário e o menor salário nas empresas
Nas páginas a seguir, cidadãos
traço do capitalismo, o Brasil enquan-
suecas nunca ultrapassa de seis a oito
comuns comentam os efeitos, em suas
to colônia inserida no sistema mercan-
vezes, ou seja, esta pode ser uma medi-
vidas, dessa lógica do consumismo e da
tilista já criava grande disparidade”,
da exata para a gente começar a acabar
mercantilização da vida.
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Nathália Saddi, 25 anos, empresária
Maria das Neves, 61 anos, costureira
»»»Neta de comerciantes, Nathália
»»»Carismática e receptiva, Maria é
aprendeu desde pequena que o segredo
moradora do Hotel Cambridge, espa-
do sucesso é ter o seu próprio negócio.
ço ocupado pela Frente pela Luta por
Fundou sua indústria em 2014.
Moradia (FLM). Suas rugas e mãos
É atuante no ramo de manequins de
desgastadas revelam muito sobre o
fibra e atende lojas sofisticadas e de
seu trabalho. “Eu vim de São Luís do
luxo. Por conta da crise, ela fala que
Maranhão e morei um tempo na zona
reduziu custos, porém não obteve
sul de São Paulo. Fiquei sem trabalho
maiores dificuldades para fechar as
e a dificuldade para pagar o aluguel foi
contas no fim do mês.
aumentando. Um dia eu passei aqui no
Mas a relação de Nathália com seus
centro e vi uma placa ali na José Boni-
funcionários é, segundo ela, complica-
fácio que dizia assim: quem estiver
da. “Nossa mão de obra é extremamen-
sem moradia, nos procure. Eu vim ver
te difícil, requer cuidado, agilidade e
pra ter uma ideia do que era e acabei
muita responsabilidade. Como empre-
ficando até hoje” conta.
sária, eu vejo que muitos querem ter
Antes de conhecer a ocupação,
um emprego, mas poucos querem real-
Maria tinha muitos preconceitos sobre
mente trabalhar.”
o movimento. Ela conta que achava
“Eu creio que todos temos uma vida,
que só ali só havia “vagabundas, tra-
mas para mim, trabalho é trabalho e
ficantes e marginais”. Hoje enxer-
devemos honrá-lo. É através dele que
ga a questão de modo diferente. “Tem
adquirimos nosso sustento e chegamos
gente que estava morando debaixo do
aonde queremos”, acredita Nathália.
viaduto e que depois veio pra cá, con-
A empresária disse que o seu objeti-
seguiu emprego por ter endereço fixo.
vo de vida é ter dinheiro para pagar as
Gente que veio pra cá e se deu valor,
suas contas, mas não descarta a possi-
porque morava embaixo da ponte e se
bilidade de criar um império dos mane-
sentia a pior pessoa”, disse.
quins. “A gente trabalha para isso,
Maria já trabalhou como domésti-
dou duro todos os dias e acredito que o
ca em casa de família e diz ter sofri-
esforço é recompensador. Nunca pen-
do preconceito. “Eu não me sinto infe-
sei em ter uma grande empresa, mas
rior a ninguém, mesmo minha patroa
caso venha acontecer, ficarei muito
tendo atitudes que apontavam isso.
feliz”, disse.
Era preconceito puro por uma questão de renda. Eu só tenho menos dinhei-
“REFLEXOS E REFLEXÕES“ » “Por meio de reflexos fazemos reflexões sobre a sociedade.” Essa foi a definição do professor Erivam de Oliveira para o ensaio realizado por alunos do segundo semestre do curso de jornalismo da ESPM-SP, na disciplina de fotojornalismo. O objetivo era fazer, pelas fotos, uma discussão sobre questões como a desigualdade, a pobreza e a falta de moradia. O resultado deste trabalho você vê nas fotos em preto e branco que acompanham esta matéria.
ro e menos estudo, mas eu sei pensar e falar”, desabafa.
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+ PLURAL NA INTERNET
Use um leitor de QR code no seu smartphone e veja um vídeo em 360 graus dentro da ocupação do Hotel Cambridge, iniciada em 2012 pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) Especulação imobiliária infla as periferias | FOTO: ARTHUR MICELI/ CEJOR-ESPM
(MSTC), fundado há 20 anos, ela tem
“Como consta na Constituição,
ciência de seus direitos e demons-
todo brasileiro tem direito à moradia.
tra isso com um sorriso no rosto. Não
O governo é obrigado a dar residên-
se abate facilmente com a opinião dos
cia aos filhos da pátria”. Esse é um dos
outros e sempre os responde à altu-
argumentos utilizados por Preta para
ra. Filha de Carmen Ferreira, líder do
explicar as ocupações. Além disso,
MSTC, já fazia parte do movimento
ela acrescenta que o movimento traz
quando criança, como companheira da
benefícios não só para os moradores e
mãe nas reuniões.
sim para a região ao redor. “O bairro
“Já sofri preconceito racial, e na
foi revitalizado, ganhou vida. Hoje em
escola sofria por ser sem teto. Eu vivia
dia tem mercado 24 horas, padaria na
no INSS na Nove de Julho e as pessoas
região, bares, pizzaria e ponto de táxi.
tinham medo de se aproximar de mim
Antigamente não tinha isso e o índice
porque eu morava num prédio ocupa-
de violência era bem maior”, conta.
do”, relembra Preta. A ocupação do hotel Cambridge
Ela fala que algumas pessoas têm um pensamento preconceituoso sobre
Janice Ferreira, 32 anos, publicitária
ocorreu em 2012 pelo MSTC. “Nós não
os moradores das ocupações. “A gale-
entramos simplesmente. Se o prédio
ra pensa que sem teto é todo mundo
»»»Janice, mais conhecida como Preta,
está sem função social da proprieda-
pobre de baixa renda. Na verdade é
sofreu pela falta de moradia desde a
de e o proprietário não tem condições
todo mundo pobre, mas aqui tem edu-
infância. Atualmente, como coordena-
de pagar os seus impostos, por que ele
cação. Há médicos, dentistas, advoga-
dora do movimento Frente pela Luta
tem de deixar o prédio fechado, lacra-
dos. O sem teto só não tem um lar, mas
por Moradia (FLM) e umas das líde-
do, enquanto famílias moram na rua?”,
ele tem os mesmos direitos que qual-
res do Movimento Sem Teto do Centro
questiona.
quer um”, argumenta.
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14/15 Patrícia Noronha, 48 anos, dona de casa
Airton Costa, 51 anos, empresário
»»»Patrícia trabalhou na área da edu-
»»»O empresário Airton Costa é dono
cação, mas hoje é aposentada e dona de
de um restaurante japonês e atual-
casa. Ela conta que as restrições econô-
mente está investindo em mais dois
micas influenciam bastante na admi-
negócios. Ele conta que a crise finan-
nistração de seu lar, principalmente
ceira não afetou os lucros do empre-
com a crise. “O grande desafio é tentar
endimento porque as despesas foram
economizar buscando a mesma quali-
readequadas à nova realidade. “A
dade”, diz. Patrícia mudou o cardápio
melhor maneira de manter o seu negó-
da casa por conta da inflação e come-
cio em meio à crise é fazendo o seu
çou a ter hábitos que condizem com
melhor. Na hora do desespero, não
sua nova condição financeira. “A crise
diminuir a sua qualidade ou quanti-
impacta diretamente na minha casa.
dade. Pelo contrário, você deve criar
Estou mudando algumas marcas para
forças e se mostrar ainda mais para o
que não falte produto nos armários. Às
mercado”, aconselha.
vezes também deixo de comprar algu-
Outro ponto que Airton ressalta é a
mas coisas que considero supérfluas”,
relação com os seus empregados. Para
conta.
ele, esse vínculo deve ser o melhor possível para criar um ambiente harmonioso, no qual ambas as partes cumpram suas obrigações e deveres. ”Para mim, patrão e funcionário devem se unir para que haja uma força única. O negócio não é só do dono, se o empreendimento for bem, todos vão se sair bem”, explica.
“A crise impacta diretamente na minha casa. Estou mudando algumas marcas para que não falte produto”
“A melhor maneira de manter o seu negócio em meio à crise é fazendo o seu melhor”
Patrícia Noronha, dona de casa
Airton Costa, empresário
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Casas de comunidade pobre em Guarulhos |
FOTO: JOÃO PAULO LOPEZ/ CEJOR-ESPM
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“MESMO ANTES DE QUALQUER TRAÇO DO CAPITALISMO, O BRASIL ENQUANTO COLÔNIA INSERIDA NO SISTEMA MERCANTILISTA JÁ CRIAVA GRANDE DISPARIDADE”
Morador de rua pede comida | VINÍCIUS LOPES/CEJOR-ESPM
Homem revira o lixo em SP | VICTOR PUPO/CEJOR-ESPM
Homem pede esmola | JOÃO PAULO LOPEZ /CEJOR-ESPM
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Nos últimos séculos, a questão da felicidade passou das mãos da natureza para as mãos de Deus para enfim chegar às mãos do indivíduo; paralelamente a isso, com a consolidação dos ideais de liberdade e de igualdade, ser feliz (e sobretudo parecer feliz) passou a ser uma obrigação, e, portanto, uma fonte de enorme angústia. Como escapar dessa armadilha?
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mas isso não se sustenta de jeito nenhum”, ANA CAROLINA CAVALLINI CAROLINA LEAL MARIA CLARA TANAKA MATHEUS MARTINS RACHEL SCHMALB
reflete Clóvis de Barros Filho, professor da USP e da Casa do Saber e fundador do Espaço Ética. Aí a equação se complica, pois, ao mesmo
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tempo em que a sociedade parece cobrar que »»»Ao longo da história, o que era consi-
sejamos felizes, a verdade é que a felicidade
derado como “a grande finalidade” da vida
não é algo que possamos comprar ou fabricar.
humana foi se transformando. Se há sécu-
“É uma coisa que acontece com a gente. Não
los vivia-se para chegar aos céus, hoje vive-
é algo que provocamos apenas pela força do
-se para ser feliz. E a felicida-de se tornou
desejo, pois, se assim fosse, todos nós sería-
algo exclusivamente associado ao indivíduo.
mos felizes para sempre”, prossegue o profes-
Com isso, vivemos um paradoxo. O ho-mem
sor de ética e autor de livros como “Felicidade
precisa estar feliz o tempo inteiro para ser
Ou Morte”, em parceria com o professor Lean-
considerado bem-sucedido, mas o esforço
dro Karnal, da Unicamp.
de estar feliz, ou melhor, de parecer estar
Outro filósofo, desta vez francês, manifes-
feliz continuamente, é angustiante e entris-
tou uma opinião mais radical durante parti-
tecedor.
cipação no programa “Fronteiras do Pensa-
Paralelamente ao crescimento do individu-
mento”. Para ele, a felicidade é “a nova droga
alismo nas sociedades pós-modernas, a busca
ocidental”. Autor do livro “A Euforia Perpé-
pela felicidade passou a ser atrelada ao con-
tua”, Pascal Bruckner afirma que o imperativo
sumo. Ideais de vida feliz são vendidos pela
de sermos felizes o tempo todo gera frustra-
mídia que, por sua vez, transforma bens de
ção e depressão, além de inibir valores como
consumo em garantidores desse cenário ide-
a liberdade e a fraternidade. Esse sentimento
alizado. Historicamente, isso pode ser obser-
de angústia ao qual se refere é proveniente do
vado quando surgiu, após a Segunda Guerra
fato de que não é possível estar feliz o tempo
Mundial, em um período de grande prosperi-
inteiro. Por mais que as coisas pareçam estar
dade econômica nos Estados Unidos, o Ameri-
sob controle, diz, tudo pode dar errado a qual-
can Way of Life – estilo de vida que prega que
quer momento, e a felicidade que era espera-
qualquer um pode se esforçar para enriquecer
da para aquele instante desaparece.
e ter um alto padrão de consumo e de conforto.
Segundo o filósofo e professor da UFRJ Rena-
Mas a ideia da felicidade por meio do con-
to Nunes Bittencourt, os desejos nunca estão
sumo, que se popularizou no mundo inteiro,
completamente realizados porque eles são, de
dá sinais de esgotamento. O consumo oferece
certa forma, fantasiosos e possuem “um cará-
satisfação passageira, e nunca sentimos que
ter simbólico agregado à mercadoria, à popu-
temos tudo para sermos plenamente felizes.
laridade”. Dessa forma, a felicidade se torna um
“A sociedade do consumo consagrou certas
imperativo, não por uma questão interior, mas
práticas como garantidoras de uma vida feliz,
sim de adequação à lógica do capital. “A felici-
SERÁ QUE A FELICIDADE É DE FATO A GRANDE FINALIDADE DA VIDA E ESTÁ SEMPRE MOTIVADA POR UM FATOR EXTERNO?
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O filósofo e professor da USP Clóvis de Barros Filho em palestra na feira HSM Expo, em São Paulo | FOTO: ACERVO ESPAÇO ÉTICA
dade está empacotada”, resume.
tido, a preocupação sobre a “opressão pela
Para ele, o imperativo da felicidade denota o
felicidade” seja privilégio de quem já satis-
vazio existencial da própria vida contemporâ-
fez todas ou quase todas as suas necessida-
nea. A ideia dialoga com o discurso do soció-
des materiais para a subsistência.
logo polonês Zygmunt Bauman sobre a liquidez das relações pós-modernas, em que tudo
Ser feliz
parece ser descartável.
Diferentes teorias abordam o problema da feli-
Em contrapartida à premissa de que todos
cidade sob vários ângulos: filosófico, psico-
querem estar felizes o tempo todo, Clóvis de
lógico, antropológico, religioso etc. Sabemos
Barros lança a possibilidade de que essa pres-
que é preferível estar feliz a estar triste, mas
são esteja mais associada a um grupo especí-
o que faz de cada um de nós uma pessoa feliz
fico da sociedade. “Quando eu entro em um
ou infeliz é algo difícil de definir em termos
ônibus que sai lotado e, assim vai até o seu des-
gerais. No entanto, há uma ideia, no mundo
tino, eu olho para as pessoas e não vejo entre
atual, de que a felicidade é sinônimo de algu-
elas essa necessidade de manifestar felicida-
ma conquista, seja de um novo amor, seja de
de”, diz. Ao contrário, ele acredita que, naquela
um novo emprego, seja a prosaica perda de
situação, querer parecer feliz ou mesmo mani-
alguns quilos. Mas será que a felicidade é de
festar alguma reação de alegria poderia ser
fato a grande finalidade da vida e está sempre
motivo de advertência ou de mau julgamento
motivada por um fator externo?
dos colegas de infortúnio. Talvez, nesse sen-
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“Felicidade é ter um espírito tranquilo para compreender e aceitar a ambivalência natural da vida” Martha Medeiros, escritora e cronista
Ao pesquisar o termo “felicidade” no Google, é possível obter mais de 100
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20/21 milhões de resultados em menos de um segundo. Há uma enorme dificulda-
o outro. Sendo a jornada longa, naturalmente
de em lidar com o tema, pois a felicidade está
que teremos dias bons e dias ruins em alter-
associada à ausência total de problemas, o que
nância. Felicidade é ter um espírito tranquilo
é uma utopia. “Não podemos ficar obcecados
para compreender e aceitar nossos altos e bai-
pela felicidade e persegui-la como se ela fosse
xos, nossas alegrias e tristezas, a ambivalência
o pote de ouro no fim do arco-íris. Vivemos
natural da vida”, diz. “É necessário ter cora-
numa sociedade exibicionista, que superva-
gem para se colocar à disposição para todos os
loriza certos padrões e que acaba humilhan-
sentimentos, todas as oportunidades de auto-
do aqueles que não chegam nem perto de
conhecimento, todas as aventuras que pro-
atingi-los, mas não podemos cair nessa falá-
metem enriquecer nossa passagem por aqui.”
cia de que o mundo é uma corrida de obstá-
Martha é uma das autoras mais conhecidas
culos com um pódio de chegada lá na frente.
do país quando o assunto é felicidade. Seus tex-
Viver de acordo com os próprios desejos é um
tos na internet sobre o assunto se multiplicam
projeto para hoje e com chance de êxito, mas
instantaneamente. Segundo ela, essa associa-
é preciso foco em vez de passar a vida se ilu-
ção não foi premeditada, aconteceu de forma
dindo”, comenta a escritora e cronista Mar-
espontânea. Ela acredita que por expressar em
tha Medeiros, que é mestre na arte de pro-
palavras o próprio estilo de vida, as pessoas se
duzir textos sobre questões do cotidiano, em
identificam mais com isso. “Não há um perso-
especial quando a temática envolve felicidade.
nagem por trás da página, e sim uma mulher
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“A vida não precisa de uma finalidade”, pros-
comum e consciente de que muitas das com-
segue. “Ela precisa apenas ser bem aprovei-
plicações que vivemos são provocadas por nós
tada durante todo seu percurso, um dia após
mesmos. Acho que o pessoal curte essa des-
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FOTOS: TOMAZ SILVA / AGÊNCIA BRASIL
EXPOSIÇÃO DEBATE EXIBICIONISMO NA INTERNET » Imagens da segunda edição da mostra Virei Viral, no Rio de Janeiro. O evento surgiu a partir de um grupo de curadores nascidos nos anos 1980 que viveram a transformação da comunicação analógica para a digital e encontraram na arte uma forma de fazer as pessoas refletirem sobre o atual estágio da cultura digital. Esta segunda edição da mostra teve como núcleo a ideia de “Identidades e Coletividades” e objetivou expandir a discussão de qual é o impacto da cibercultura no comportamento dos indivíduos. A exposição exibiu obras de artistas brasileiros e estrangeiros que abordaram a noção de individualidade em oposição à prática do exibicionismo exacerbado na internet. construção da vitimização”, conta. Não existe resposta certa ou fórmula de sucesso quando o assunto é felicidade, por
simples, mas são prazeres raros para muita gente. Para mim, são mais que suficientes para eu me sentir plenamente grata”.
isso, autoconhecimento é o primeiro passo para uma vida feliz. A felicidade atua como
Redes sociais
um músculo, algo que temos de trabalhar dia-
Além de ser alardeada em todos os lugares
riamente para que seja fortalecido. Em seus
do mundo “real” - nos livros de autoajuda, na
livros, Martha Medeiros diz que cada um deve
publicidade de quase tudo o que se possa com-
encontrar a sua própria fórmula para ser feliz.
prar, nas farmácias - a felicidade como ideal
Ao ser questionada sobre qual é a sua própria
de vida conquista também o mundo virtual.
fórmula, Martha responde: “Para mim é ter
Com o advento das redes sociais, multipli-
um número pequeno de problemas para lidar.
caram-se as maneiras pelas quais a felicida-
Não ter nenhum é um delírio. E que esses pro-
de é vendida como ideal de vida. E não qual-
blemas não sejam trágicos nem permanentes,
quer felicidade: é uma felicidade baseada em
e sim corriqueiros e provisórios. Além disso,
consumo, em beleza, em juventude, em luxos
estar com a saúde em dia, ter amigos inteli-
diversos. Grande parte dos internautas per-
gentes e divertidos, poder ir ao cinema, ouvir
dem horas valiosas dos seus dias empenhan-
música, ler um livro e viajar de vez em quan-
do-se em uma prática de voyeurismo descon-
do. Não ter dívidas – nem financeiras, nem
trolado em blogs e perfis de webcelebridades.
morais. Possuir vínculos afetivos, gostar de si
Mas lidar com o ambiente de superexposi-
mesmo, incluindo as fragilidades. Trabalhar
ção no qual as redes sociais se inserem requer
em algo que seja estimulante. Sei que parece
uma certa segurança da pessoa em relação a ela mesma. Isso é o que a estu-
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dante de direito da FGV Isabela Reiter, de 18 anos, pensa. “Aos 12 ou 13 anos de idade, quando comecei a utilizar o Instagram e o Facebook, ainda era muito insegura em relação ao meu próprio corpo e a como eu gostaria de ser vista pelos meus amigos virtuais.” Ela conta que o sentimento de insegurança em relação ao que postava na rede era muito
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comum há uns anos, e que ela era diretamente influenciada pelos padrões de beleza exibidos nas telas. Hoje, ainda sente essa pressão, mas se preocupa menos com o número de likes em seus perfis virtuais. Reiter tenta resistir à “realidade alternativa” da internet, onde os avatares virtuais de nós mesmos parecem sempre satisfeitos e alegres, lindos e produzidos. Partindo deste ponto, julgar a vida de alguém apenas pelos seus perfis online é adotar para si mesmo um padrão inalcançável de vida - e de felicidade. É entrar em uma competição para mostrar que a sua grama é mais verde que a do vizinho, ou seja, que o seu estilo de vida (o exibido online, ao menos) é melhor do que o dos outros, e que portanto merece mais curtidas e compartilhamentos. Para a estudante, a fórmula da felicidade nas redes sociais está ligada aos bens de consumo que as pessoas expõem, como carros, e a experiências com viagens e restaurantes. “Se não está na internet, é como se não tivesse ocorrido”, diz. “Isso mostra que a nossa sociedade
“A sociedade está cada vez menos preocupada com a essência, com o real, e está se preocupando cada vez mais com a aparência e com a percepção dos outros sobre a vida de cada um” Isabela Reiter, estudante de direito da FGV
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está cada vez menos preocupada com a essên-
chamadas de depressivas ou bipolares.
cia, com o real, e está se preocupando cada vez
Segundo o psicólogo e professor da ESPM e
mais com a aparência e com a percepção dos
da PUC-SP Pedro de Santi, a pessoa que tem
outros sobre a vida de cada um.”
real depressão acaba, desse modo, sofrendo duplamente: primeiro por estar triste, e
A vida “real”
segundo pela pressão de que “todo mundo
Na vida real, concorda a estudante, momentos
neste mundo precisar estar feliz”.
felizes e outros nem tanto se alternam. Então,
A busca exacerbada pela vida perfeita nas
por que mostrar uma realidade que não é a que
redes sociais pode desenvolver outros proble-
você vive no mundo real? Justamente porque
mas como crises de autoestima e de ansieda-
hoje em dia as pessoas vivem cada vez mais
de. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
um mundo de aparências, em que é preciso
também afirma que o Brasil é o país recordis-
ser feliz a todo custo o tempo inteiro. E aque-
ta em ansiedade no mundo: 9,3% da popula-
las pessoas que usam das redes sociais para
ção sofre desse distúrbio, o que totaliza 18,6
compartilharem seus sentimentos reais em
milhões de pessoas.
momentos de tristeza e de irritação, ou até
Para a estudante de publicidade Bianca
mesmo para expor problemas pessoais, são
Escabrós, 19 anos, não se sentir à vontade para
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JULGAR A VIDA DE ALGUÉM APENAS PELOS SEUS PERFIS ONLINE É ADOTAR PARA SI MESMO UM PADRÃO INALCANÇÁVEL DE VIDA - E DE FELICIDADE
Linha de produção de remédios
FOTO: DIVULGAÇÃO/ ACHÉ LABORATÓRIOS
fazer alguma publicação é parte do cotidiano.
bios mentais comuns: estimativas globais de
“A opressão está lá mas ela é tão presente que
saúde”, produzido pela organização em 2017,
a gente nem percebe mais”, critica.
mostrou que o principal público afetado pela depressão são as mulheres, e que mais da
Depressão
metade das vítimas não consegue acesso ao
Nesse cenário de busca pela alegria constante
tratamento adequado. No mundo, o número
e negação da tristeza, as vendas de antidepres-
de pessoas com esse transtorno ultrapassa a
sivos disparam. Segundo dados da IMS Health,
marca dos 350 milhões.
no ano passado, a venda de estabilizadores de
A solução? Não há receita mágica, infeliz-
humor cresceu 18,2% no Brasil e movimentou
mente. Para os casos em que a depressão não
aproximadamente R$ 3,4 bilhões.
é médica, ou seja, química, mas sim cultural,
Na busca contemporânea pela felicidade,
fruto dessa inadequação a padrões utópicos,
seu contrário, a depressão, cresce e atinge
um bom exercício é aceitar que sentimen-
pessoas de diferentes idades. De acordo com
tos como tristeza e frustração fazem parte da
a OMS, hoje cerca de 17 milhões de brasileiros
construção da felicidade. Saber que as redes
são vítimas da depressão.
sociais são apenas uma representação embe-
O relatório “Depressão e outros distúr-
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lezada da realidade. E que dias melhores virão.
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UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE REPORTAGEM
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BASTIDORES
EDIÇÃO CHEIA DE SURPRESAS Pela primeira vez, Plural é realizada em conjunto com os laboratórios Multiplataforma e de Formatos Híbridos
apreensivos, mas logo nos animamos MATHEUS LEMOS PIETRO OTSUKA RAUL MOURA
com as oportunidades que se abriam diante de nós. A reunião das três oficinas teve por
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»»»“Aí sim fomos surpreendidos
objetivo proporcionar uma experiência
novamente.” O famoso bordão de
multimídia para a revista, estendendo
Zagallo, ex-técnico da seleção brasi-
seu conteúdo para redes sociais e outras
leira de futebol, descreve bem como
plataformas, além de fazer experimentos
a equipe da Plural se sentiu nesta pri-
com jogos e vídeos em 360 graus.
meira experiência para reunir as ati-
O tema “opressão” foi definido logo no
vidades experimentais da revista
primeiro encontro. A partir dele os alunos
Plural, da oficina de Produção Multi-
das três oficinas pensaram em conjunto as
plataforma e do Laboratório de For-
pautas e formas de abordar o tema consi-
matos Híbridos (LabFor) – três núcle-
derando várias mídias e formatos.
os distintos de trabalho dentro do
Outra novidade da edição foi a estreia
Centro Experimental de Jornalismo
da figura do “editor convidado”, um espe-
(CeJor) da ESPM. Inicialmente ficamos
cialista chamado a debater com a equipe
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FOTOS: STÉFANI INOUYE/CEJOR-ESPM
FOTO VINICIUS LOPES/CEJOR-ESPM
À esquerda, alunos na redação da Plural no Centro Experimental de Jornalismo (CeJor) da faculdade; acima, o trio de debatedores do evento “Precisamos Conversar: Hannah Baker e a Obrigação de Ser Feliz”, promovido para divulgar o lançamento desta edição – da esquerda para a direita, o publicitário Tulio Girelli Rimi, a professora e editora de Produção Multiplataforma Cláudia Bredarioli e o antropólogo e psicanalista Eduardo Benzatti, também professor da ESPM
os temas da edição em curso. O cargo foi
ocupações em geral. Foi uma experiência
debate “Precisamos Conversar: Hannah
estreado por Pedro de Santi, psicanalis-
incrível”, diz Juliana Nóbrega, do terceiro
Baker e a Obrigação de Ser Feliz”, realiza-
ta e professor da ESPM, da PUC-SP e da
semestre. Essa pauta originou o primeiro
do numa iniciativa dos alunos da discipli-
Casa do Saber, que falou sobre individu-
vídeo em 360 graus da Plural.
na de Comunicação Corporativa, do quin-
alismo e o “dever” de parecermos felizes o tempo inteiro.
Uma das formas de opressão mais em
to semestre de Jornalismo, em parceria
evidência hoje é a de gênero. O que é ser
com o CA4D, para divulgar o lançamento
O “dever de ser feliz” foi tema de nossa
mulher numa sociedade marcada pelo
da revista. O evento discutiu a obrigação
matéria de capa. Outra reportagem mos-
machismo? Camila Santos, do terceiro
de ser feliz e o modo como a felicidade é
tra como o debate político está dificul-
semestre, participou da reportagem que
buscada nos dias de hoje, estabelecendo
tado hoje em dia pela intolerância. As
aborda essa difícil questão. “A maior difi-
uma correlação entre o assunto e a série
redes sociais deram voz a pessoas que não
culdade foi decidir como abordar o assun-
“13 Reasons Why”, da Netflix, que aborda
sabem discutir sem se exaltarem. Vinícius
to. Decidimos falar com especialistas e
a questão do suicídio. “A série apresentou
Lopes, do segundo semestre de Jornalis-
historiadores para entender o papel da
bem o problema, mas, a meu ver, foi longe
mo, foi um dos repórteres dessa matéria.
mulher ao longo da história”, conta.
demais”, disse o publicitário Tulio Girelli
“Buscamos mostrar que o cenário de crise
A discriminação aos negros também
Rimi, um dos debatedores, que lamentou
econômica, somado à falta de representa-
foi discutida pelos alunos. Jacqueline
o fato de sermos cobrados desde o nasci-
tividade no campo político, fizeram com
Aliandro, do terceiro semestre, acompa-
mento para atender a expectativas irreais.
que as redes sociais se tornassem verda-
nhou, com Thales Silveira e Victória Terra,
O psicanalista Eduardo Benzatti acres-
deiros campos de batalha”, comenta.
o Sarau das Pretas, evento de declamação
centou que a insatisfação é constante no
Outra matéria que recebeu destaque
de poesias e de reflexões sobre o gêne-
ser humano, e disse que “se nós vivêsse-
na edição foi em relação ao preconceito
ro feminino, a cultura e a ancestralidade
mos em uma sociedade que não nos cobra
socioeconômico, mostrando como a lógi-
negras. “Nós procuramos mostrar como a
a felicidade, seriamos muito mais felizes.”
ca da mercantilização da vida afeta espe-
arte pode ser usada também como forma
Esta edição da Plural contou com três
cialmente os mais pobres. “Ao visitarmos
de protesto, para expor o preconceito que
professores supervisores, Renato Essen-
o Hotel Cambridge [ocupação no centro
o negro sofre”, afirma Jacqueline.
felder, editor da Plural, Cláudia Bredarioli,
da cidade que abriga 174 famílias], pudemos encontrar uma realidade diferente do
responsável pela oficina Multiplataforma, evento
que imaginávamos, desconstruindo aque-
A temática sensível desta edição da
le preconceito que existe em relação às
Plural também motivou a realização do
24_25_bastidores_FINAL.indd 23
e André Deak, supervisor do LabFor, além de 23 estudantes de Jornalismo da ESPM, do 1º ao 4º semestres do curso.
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p
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PERFIL: VLADIMIR HERZOG
QUEM MATOU VLADO? Em 1975 Vladimir Herzog foi torturado e morto, mas ninguém foi punido por isso filosofia na USP. Em 1958, com vinte e
Vladimir Herzog continuou com a car-
RACHEL SCHMALB
dois anos de idade, iniciou a sua carrei-
reira em jornalismo, na BBC de Londres.
»»»Vlado Herzog nasceu no dia 27
ra como jornalista no jornal “O Estado
Também foi nesse período que ele teve
de junho de 1937, em Osijsk, na atual
de S. Paulo”.
o primeiro contato com o cinema, des-
Croácia. Ainda muito novo, por volta
No mesmo ano, Vlado Herzog decidiu
dos cinco anos de idade, como conse-
mudar o seu nome para Vladimir, mais
quência das perseguições da Segun-
apropriado à nacionalidade brasileira.
cobrindo uma nova paixão pelo jornalismo televisivo. Ainda em Londres, Vladimir e Clari-
da Guerra Mundial, mudou-se para a
No começo da década de 1960, conhe-
ce tiveram os seus primeiros filhos: Ivo
Itália em busca de refúgio com a sua
ceu a sua futura esposa, uma estudante
e André. Apesar do sucesso na Europa, a
família. Próximo aos seus nove anos,
de Ciências Sociais chamada Clarice Cha-
família queria retornar ao Brasil. Com o
veio para o Brasil junto com os seus
ves, com quem se casou em 1964.
endurecimento do regime militar, con-
pais, Zigmund e Zora.
Se 1964 trouxe alegrias, também trou-
tudo, o plano foi adiado.
Desde a infância, o futuro jornalista já
xe tragédias. Com o início da ditadura
Entre as principais promessas de
se interessava por idiomas e livros. Era
no Brasil, os recém-casados passaram
emprego para o jornalista no Brasil esta-
uma criança séria e comprometida com
a sofrer perseguições até que, em 1965,
va a TV Cultura, que, por conta da dita-
os estudos.
mudaram-se para Londres.
tura, teve as suas atividades suspensas
No Brasil, cursou graduação em
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Mesmo morando fora do Brasil,
durante alguns anos.
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FOTOS: REPRODUÇÃO
A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS JULGARÁ SE O ESTADO É CULPADO PELA MORTE DE VLADIMIR HERZOG
Retorno ao Brasil
icônica fotografia que tenta comprovar
Só na década de 1970 Vladimir voltou
que Vlado tirou a própria vida.
ao Brasil. Passou a atuar como editor
Talvez devido à pressa para organizar
da seção de cultura da revista “Visão”,
o cenário perfeito, e à certeza de que a
em Recife. Anos depois, passou a atuar
cena do crime parecia legítima, os res-
como professor de jornalismo da Funda-
ponsáveis pela morte de Vlado ignora-
ção Armando Alvares Penteado (FAAP).
ram o fato de que o jornalista era mais
Posteriormente, com o retorno da
alto do que as grades da janela, o que o
TV Cultura às suas atividades, Vladimir
obrigaria a se enforcar com os joelhos
assumiu o cargo de diretor de jornalismo,
dobrados, algo impossível.
com aprovação do Serviço Nacional de
Os promotores responsáveis pelo caso
Informação (SNI), responsável por con-
queriam encerrar o assunto com urgên-
trolar a mídia.
cia, mas os boatos diante da montagem
Apesar da aprovação, era sabido que
grotesca não paravam de se espalhar.
Vlado era ligado ao Partido Comunista
Uma grande responsável por elucidar
Brasileiro, que atuava na clandestinida-
toda essa história foi Clarice Herzog,
de. Ele justificava a sua filiação ao parti-
que lutou com todas as suas forças para
do, para a esposa, devido à sua religião:
obter a verdade sobre a morte do marido.
o judaísmo.
Assim, Vladimir Herzog entrou para a história como símbolo da resistência dos
A morte de Vladimir Herzog
jornalistas aos abusos do poder.
No sábado, 25 de outubro de 1975, Vlado
Só em 2013, enfim, a família do jorna-
Herzog foi assassinado. Na noite ante-
lista conseguiu uma certidão de óbito
rior, ele espontaneamente se apresen-
que responsabilizava as torturas sofri-
tou na sede do DOI-Codi (Destacamen-
das pelo jornalista como a razão por sua
to de Operações de Informações/ Centro
morte – e não o suicídio simulado.
de Operações de Defesa Interna), em São Paulo, para prestar esclarecimentos
julgamento internacional
sobre suas ligações com o Partido Comu-
A morte de Vladimir ainda repercu-
nista Brasileiro.
te. A Corte Interamericana de Direitos
Na manhã do dia seguinte, por volta
Humanos começou a julgar no final de
das oito horas da manhã, Vladimir Her-
maio deste ano o caso de sua morte para
zog foi encaminhado para o prédio do
determinar a responsabilidade do Estado
Centro de Operação de Defesa Interna,
brasileiro no caso. Até hoje nenhum dos
“O que aconteceu com meu pai, há mais de 40 anos, a tortura e o assassinato por agentes do Estado, acontece até hoje”
onde foi brutalmente assassinado após
envolvidos no crime foi punido.
Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog
grades da cela. Providenciaram então a
entrevista à Agência Brasil.
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espancamentos e choques elétricos. Para ocultar as torturas brutais que
“Talvez a maior importância nessa futura sentença seja provocar uma
levaram o jornalista à morte, os milita-
mudança de cultura no Brasil e res-
res tentaram forjar uma cena de suicídio.
ponsabilizar o Estado pelos crimes que
Usando um pedaço de tecido, a cinta
comete. O que aconteceu com meu pai,
que amarrava o macacão de presidiário,
há mais de 40 anos, a tortura e o assas-
os assassinos de Vlado amarraram uma
sinato por agentes do Estado, acontece
ponta ao pescoço do jornalista e outra às
até hoje”, afirmou Ivo Herzog, o filho, em
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FACES DOS OPRIMIDOS THAMIRES VEIGA
»»»Esta é uma página com Realidade Aumentada. Nesta edição, em todas as páginas em que você encontrar o selo abaixo, há conteúdo adicional que poderá ser visto através da realidade aumentada (RA). Para acessar, baixe gratuitamente o aplicativo Layar no seu celular (Android ou IOS) e aponte a câmera do dispositivo para a página. Animações e vídeos especiais aparecerão na sua tela.
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Nesta página você verá um ensaio em vídeo em que cada face revela a razão de sua opressão.
Agradecimentos: Franciellen Rosa, Giovanna Guapo, Maria Clara Tanaka, Matheus Martins e Alana Ferrer.
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MEMÓRIA DA OPRESSÃO ligado ao tema central da revista. Nas
foram representados em 20 cartas,
próximas páginas, portanto, o lei-
sendo que cada par correto deste jogo
tor encontrará nossa versão do tradi-
da Memória da Opressão é formado
Os chamados “newsgames” – jogos
cional jogo da memória: estampando
por uma imagem e uma contextuali-
que trabalham com conteúdos noticio-
pessoas e eventos conectados a diver-
zação histórica do problema.
sos – têm se tornado mais um gêne-
sas formas de opressão no Brasil e no
ro do jornalismo, e sem dúvida um
mundo.
STÉFANI INOUYE THAMIRES VEIGA
Recorte as cartas no lugar marcado, embaralhe-as e chame os amigos para jogar, ler, se informar e debater temas
balhadores, dos LGBT, dos negros
às vezes desagradáveis, às vezes dolo-
equipe do Labfor (Laboratório de For-
e também dos mais pobres e de
rosos, mas fundamentais para a cons-
matos Híbridos) da faculdade fizes-
movimentos políticos que foram cri-
trução de uma sociedade melhor e
se uma experiência em “newsgame”
minalizados através dos tempos
mais justa.
Foto: Leonardo Fink 28_35_memoria_FINAL.indd 21
Foto: Harpers Weekly
A luta das mulheres, dos tra-
ção, Plural abriu espaço para que a
campo novo da profissão. Nesta edi-
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30/31 Opressão em nome do entretenimento. O movimento indígena foi um dos muitos grupos contrários às remoções ocorridas durante a Copa do Mundo de 2014, como esta manifestação em Brasília em 2014 mostra | FOTO: MIDIA NINJA
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Memória da Opressão
Memória da Opressão
Memória da Opressão
Memória da Opressão
Memória da Opressão
Memória da Opressão
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Crítica a genocidas ou ataque a obras de arte? O Monumento às Bandeiras, no Parque do Ibirapuera, São Paulo, amanheceu pichado com tintas coloridas em uma manhã de 2016 | FOTO: ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL
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“INFELIZMENTE, A HISTÓRIA TRANSFORMA ALGUMAS PESSOAS EM OPRIMIDAS E OUTRAS EM OPRESSORAS” MARTIN LUTHER KING JR (1929-1968)
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“QUANDO A EDUCAÇÃO NÃO É LIBERTADORA, O SONHO DO OPRIMIDO É SER O OPRESSOR” PAULO FREIRE (1921-1997)
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Memória da Opressão
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MARILYN MONROE Na década de 1950, marcou época com suas curvas. Era baixinha e tinha 1,67 m de altura, 94 cm de busto, 61 cm de cintura e 89 cm de quadril
MADONNA A mulher dos anos 1980 era magra, musculosa e ambiciosa. Um modelo a ser seguido era Madonna. Seu corpo era moldado com sessões de aeróbica, musculação e dietas
LESLEY LAWSON (TWIGGY) Nos anos 1960, acabou com a ideia da beleza da fartura. Era magra, com 1,57 m de altura e 42 kg, cabelos claros e curtinhos. Ela virou febre entre as adolescentes
KATE MOSS Na década de 1990, Kate Moss reformulou o conceito de símbolo sexual. Andrógina, deu início para valer à moda da supermagreza e dos inibidores de apetite
BRIGITTE BARDOT A atriz francesa da década de 1970 tinha seios fartos e corpo em formato de “violão”. Não tinha mais do que 1,70 m de altura e pesava menos de 60 kg
GISELE BÜNDCHEN Dos anos 2000 em diante, Gisele Bündchen, com seu 1,80 m de altura e 52 kg, tornouse símbolo de uma beleza ainda magra, mas considerada mais saudável
A DITADURA DA BELEZA A sociedade cobra certo “ideal de beleza”, mas a história mostra que o padrão é arbitrário menina poder se encaixar e se ver ali
desconstruir esses padrões em si
CAMILLA SANTOS DÉBORA SÁ VIVIAN LUSOR
também”, diz Thiago Theodoro, edi-
mesma antes de dialogar sobre isso com
tor chefe da Capricho.
suas seguidoras. “O que posto nas redes
Mesmo que faça parte de uma das
é um reflexo do que vivo no meu dia-a-
»»»A percepção sobre a beleza tem
principais publicações que já ditou os
-dia e o constante processo de me amar
sido modificada ao longo das décadas,
modelos a serem seguidos pelas adoles-
e me aperfeiçoar é uma parte do que eu
trazendo, especialmente às mulheres,
centes, Theodoro tem uma visão crítica
vivo”, diz.
formas e padrões que precisam ser
sobre os veículos que elegem um mode-
respeitados para a construção de uma
lo de beleza único e universal.
Antes de enlouquecer em busca de um modelo de perfeição inatingível,
imagem positiva de si. “Tem a magra,
A youtuber Naetê Andreo repro-
portanto, é bom saber que a constru-
a gordinha, a branca, a negra e a loira,
duz essa ideia da diversidade em seu
ção social dos padrões estéticos muda
e essa diversidade é importante para a
canal. Ela conta que primeiro tenta
de tempos em tempos.
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f
ENSAIO FOTOGRÁFICO
MULHER OBJETO MULHER CIDADÃ
FOTO: STÉFANI INOUYE/CEJOR-ESPM
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Em pleno ano de 2017, a luta feminina ainda é para garantir respeito e acesso às mesmas oportunidades que os homens já têm
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CAMILLA SANTOS DEBÓRA SÁ VIVIAN LUSOR
»»»Simone sonha em se casar com um bom marido, ter pelo menos três filhos e dedicar a vida ao bem-estar de sua família. Maria sai de casa para trabalhar às cinco horas da manhã, corre atrás do
As imagens que acompanham esta matéria fazem parte do ensaio “Opressão Feminina”, realizado pela aluna Stéfani Inouye, do segundo semestre do curso de Jornalismo da ESPM e integrante das oficinas Fotojornalismo e LabFor
sustento da família e quando volta para o lar só quer curtir a companhia de sua... esposa. Cláudia quer largar o emprego e viajar pelo mundo. Livre, não gosta de se apegar a nada – nem a ninguém. Júlia quer ser empresária de sucesso. Luiza, viver das artes. Mônica não sabe o que quer. Todas essas mulheres, apesar de fictícias, são bem reais. Estão por aí, à nossa volta, focadas em seus objetivos dia após dia. Aparentemente, a única coisa que as une é o fato de pertencerem ao mesmo gênero. Diante disso, a pergunta mais simples do mundo se revela a mais complexa: afinal, o que significa ser mulher? Ninguém sabe a resposta. Ao longo da história, filósofos, cientistas, psicólogos, médicos, escritores definiram as mulheres por meio de atributos negativos, como seres instáveis, fracos, faladeiros, menos inteligentes… Ou então, ao contrário, ressaltaram qualidades como sensibilidade especial, bondade, instinto maternal, altruísmo. Estereótipos. Foram construídos padrões que, no fim das contas, só serviram para motivar diferentes maneiras de oprimir esse gênero. Para a historiadora e professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Carla Cristina Nacke Conradi, ser mulher é estar constantemente em luta, pois uma vez presente na sociedade é necessário ter o direito de escolher suas regras, sua estética, relações amo-
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AO LONGO DA HISTÓRIA FORAM CONSTRUÍDOS PADRÕES QUE SÓ SERVIRAM PARA MOTIVAR DIFERENTES MANEIRAS DE OPRIMIR AS MULHERES
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FOTOS: STÉFANI INOUYE/CEJOR-ESPM
A OPRESSÃO COMEÇA NO RESULTADO DO ULTRASSOM, PORQUE DAÍ SE ESCOLHEM AS ROUPAS ADEQUADAS PARA A MENINA E AS ROUPAS ADEQUADAS AO MENINO
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O ASPECTO BIOLÓGICO NÃO DÁ CONTA DO PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DO GÊNERO FEMININO. SER MULHER É MUITO MAIS DO QUE CARREGAR DOIS CROMOSSOMOS X
terísticas, é a minha vivência e a minha
cepção machista do mundo, como a ideia
subjetividade”, afirma.
de posse masculina sobre o corpo e a von-
Vilma Rodrigues é estudante de Publi-
tade da mulher, como se ela fosse defini-
cidade e Propaganda da ESPM e tem 20
da somente pela capacidade de servir aos
anos. Para ela a resposta está em realizar
homens para o sexo.
tudo aquilo que se tem obrigação ou von-
Essa tentativa de designar o que é ser
tade de fazer. “Eu acho que ser mulher é
mulher delimitou as qualidades e os
você se sentir mulher, se sentir podero-
vícios femininos, ditando seu lugar na
sa, se sentir capaz, e também frágil em
sociedade. Uma mulher não pode traba-
alguns momentos.”
lhar em ofícios que foram “destinados”
A resposta mais óbvia para a pergunta sobre o que faz de uma mulher uma
aos homens. Deve cuidar dos filhos, do lar e do marido.
mulher geralmente recai sobre o aspec-
É claro que a mulher tem direito de, se
to biológico. São os cromossomos XX e
quiser, aspirar a esse papel. Mas também
identificadores como glândulas mamá-
pode viver no extremo oposto. “Tem que
rias, órgãos reprodutores etc. No entan-
ser guerreira. Fui mãe solteira aos 15 anos
to, o aspecto biológico não dá conta do
e na adolescência já fui estuprada. Tem
problema da definição do gênero femi-
que ter muita força e fé em Deus para
nino na atualidade.
seguir a vida”, diz Natália Santiago, hoje
Carla afirma que não é o sexo que esta-
com 31 anos, que trabalha como auxi-
belece quais são as características pró-
liar administrativa e diz que ser mulher
prias da mulher, e sim sua vivência e sub-
é “complicado”.
jetividade. “Muitas vezes usa-se a frase tão bem construída por Simone de Beau-
Desde a infância
voir, que diz ‘você não nasce mulher, você
A diferenciação de gêneros – e, como con-
se torna mulher’”, cita a historiadora.
sequência, a opressão sobre as mulhe-
Para Cleo Souza, de 37 anos, que tra-
res – vem desde o útero. “Ela começa
balha na área de TI, ser mulher é: “Gerar
no resultado do ultrassom, porque daí
vida, se dedicar, ter que ser melhor que
se escolhem as roupas para a menina e
os homens para fazer uma mesma fun-
as roupas para o menino”, conta Eliane
ção, porque a população como um todo
Maio, psicóloga e professora da Univer-
exige isso da gente”.
sidade Estadual de Maringá. “O quarto e
Para a historiadora e professora da Uni-
as roupas de um recém-nascido de sexo
versidade Federal do Paraná Ana Paula
feminino são rosa, pois a cor é conside-
Vosne Martins, “a dominação e a violên-
rada de menina nas lojas e na cabeça das
cia de gênero são componentes do que
pessoas”, completa. Todas essas expec-
é chamado de história do poder”. Em
tativas – construídas antes mesmo de a
meio a isso, há resquícios de uma per-
criança nascer – são projetadas na vida
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FOTOS: STÉFANI INOUYE/CEJOR-ESPM
de impacto. Com isso, questões relativas
dade’. Foi resultado de uma longa histó-
A historiadora Ana Paula acredita tam-
aos direitos civis e políticos das mulhe-
ria escrita por mulheres corajosas que
bém que é necessário olhar para o passa-
res, mas também ao acesso mais amplo
ousaram dizer não para o que conside-
do recente para entender que a mulher
à educação, avançaram. Por isso, hoje
ravam injusto e que mobilizaram ener-
pode ter papéis sociais tão fortes como
é possível a mulheres ter acesso a pro-
gias individuais e coletivas para mudar
os homens. “Por mais que as mulheres
fissões que antes eram fechadas a elas,
leis e formas arraigadas de pensamen-
tenham sido consideradas incapazes e
como a medicina e o direito.
to”, diz Ana Paula.
das meninas.
inferiores por tanto tempo, nem se con-
No Brasil há cerca de 100,5 milhões
formaram com a subalternidade e com
Avanços?
de mulheres de acordo com dados do
a dominação masculina”, diz.
Hoje a mulher tem o direito de trabalhar,
IBGE de 2012. Sendo que as mais pobres,
Mudanças culturais começaram a
votar, viajar sozinha e, se assim desejar,
especialmente as negras, seguem como
ganhar força nesse sentido no fim do
casar-se com quem quiser. Essas não
as mais subjugadas. Segundo dados da
século XIX e no começo do XX. As críticas
eram as opções de nossas avós e bisa-
ONU Mulheres, braço das Nações Unidas
à forma vigente de definir a mulher, vin-
vós. “Nada disso que conquistamos nos
que discute a questão de gênero, no Bra-
das de autoras mulheres, tiveram gran-
foi dado como um benefício, uma ‘bon-
sil, a taxa de desemprego das mulheres é
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“EU ACHO QUE SER MULHER É VOCÊ SE SENTIR MULHER, SE SENTIR PODEROSA, SE SENTIR CAPAZ, E TAMBÉM SE SENTIR FRÁGIL EM ALGUNS MOMENTOS”
cerca de duas vezes a dos homens. Ape-
sença de mulheres na política. No Bra-
tos trabalhistas. A transferência de renda
nas um quarto delas empregadas está
sil, elas ocupam pouco mais de 10% dos
condicionada do programa Bolsa Famí-
no setor formal. O salário médio para os
assentos no Congresso Nacional. Nas
lia, que beneficia 16 milhões de brasilei-
homens é 30% maior do que o de mulhe-
prefeituras são apenas 10% e represen-
ros, dos quais 94% são mulheres, é tam-
res. Um terço das famílias brasileiras é
tam 12% dos conselhos municipais.
bém uma referência internacional como
chefiada por mulheres, e metade delas
Pouco a pouco, porém, as mulheres
uma política de proteção social. No côm-
é monoparental. A taxa de feminicídio
vêm conquistando espaço. A promul-
puto geral, as mulheres têm conseguido
para as mulheres dobrou entre 1980 e
gação da Lei Maria da Penha, em 2006,
resistir, conscientes de que há um longo
2011. Em 2012, o número de estupros foi
colocou o país na vanguarda mundial.
caminho a ser percorrido.
superior a 50 mil no país.
A lei é amplamente conhecida: apenas
“Não tenho vergonha de ser mulher”,
O trabalho para promover a igualda-
2% da população nunca ouviu falar dela.
diz, Getuliana Pereira dos Santos, 64
de de gênero e o empoderamento das
Em 2013, os 6,2 milhões de trabalhadores
anos, doméstica que trabalha na região
mulheres ainda apresenta muitos desa-
domésticos – em grande parte mulheres
da Vila Mariana, quando reflete sobre a
fios. O país continua a ocupar um lugar
afrodescendentes – alcançaram a igual-
condição feminina.
inferior no ranking que demarca a pre-
dade ao terem reconhecidos seus direi-
E por que teria?
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O QUE SIGNIFICA SER HOMEM?
GUSTAVO TAKARA, 19, ESTUDANTE DE PUBLICIDADE “Não é só por que você é um homem que não quer uma sociedade justa e nem direitos iguais para ambos os gêneros”
Declínio (tardio) do ideal do “macho alfa” e do “provedor do lar” põe em xeque papéis tradicionais da masculinidade
esquivar. É compreensível, pois o tema JACQUELINE ALIANDRO THALES SILVEIRA VICTORIA TERRA
não é amplamente discutido. Historicamente, o papel do homem se estabilizou na figura do caçador-provedor, mas,
»»»Não pode chorar. Tem que ser
com a ascensão do movimento feminis-
forte, gostar de futebol e de car-
ta e das críticas à estrutura patriarcal da
ros; brigar, se for desafiado. Não
sociedade, esse conceito foi posto em
deve demonstrar seus sentimen-
xeque. O problema é que nenhum outro
tos a ninguém. Tem que “pegar”
assumiu seu lugar, criando uma espécie
todas as meninas. Não pode gostar
de vazio no ideal masculino.
de fazer compras. Não pode se preo-
Questionado sobre o que significa ser
cupar muito com a aparência. Fazer
homem hoje, o estudante de Publicida-
as sobrancelhas? Jamais. Depilar-
de e Propaganda da ESPM Bruno Bino-
-se? Nunca. Brincar com bonecas na
to demorou para formular sua resposta.
infância é inaceitável. E, se em algum
No fim, pontuou que “homem é como a
momento da vida se declarar homos-
pessoa se considera, mas, em relação à
sexual, é porque “não é homem de
orientação é outra coisa. Não tem nada
verdade”.
a ver com a orientação sexual”, declara.
Essas são muitas das coisas que
Já Rafael Cholak, também estudan-
homens ouvem ao longo da vida, desde
te de Publicidade, diz que para ele não
a mais tenra infância, quando o quar-
haveria diferença entre ser homem ou
to deve ser pintado de azul e cercado de
ser mulher. Do ponto de vista prático,
carrinhos de brinquedo. Mas será que
afirma, não deveriam existir “tarefas
ser homem é só isso mesmo? O que sig-
de homem” e “tarefas de mulher”, mas
nifica ser homem?
apenas tarefas. “Se eu fosse mulher eu
Aparentemente simples, a pergunta é difícil de responder. Quando confrontados com essa questão, muitos tentam se
acho que eu seria do mesmo jeito que eu sou agora.” Marques da Silva trabalha na Enge-
EM PLENO SÉCULO XXI, O HOMEM QUE RECUSA O PAPEL DE “MACHÃO” CORRE O RISCO DE SER CONSIDERADO FRACO
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MATHEUS NUNES, 20, ESTUDANTE DE PUBLICIDADE “O dever do homem na sociedade é igual ao da mulher. Basicamente, ser um bom cidadão”
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nharia da ESPM e relaciona o masculino a valores tradicionais. “Ser homem é
ADILSON ROBERTO, 18, ESTUDANTE DE PUBLICIDADE “É muita pressão para você ser hétero, para você não chorar, não demonstrar seus sentimentos. Acho isso muito falho”
ser uma pessoa leal, honesta, principalmente no lar, dividindo as tarefas do dia a dia e estar ajudando o próximo”, diz. Em geral, homens mais velhos têm opiniões mais firmes sobre o que significa ser homem, enquanto os mais jovens manifestam pontos de vista mais diversificados. A falta de discussão sobre o tema – já que o debate de gênero é dominado por questões ligadas à opressão às mulheres e à comunidade LGBT – não ajuda a formar consenso. Hoje, muitas mulheres já se colocam como provedoras do lar e independentes em relação aos homens, o que alimenta o vácuo criado sobre o papel que o homem deveria exercer. A libertação feminina coexiste com a forte estig-
JOÃO PEDRO VILAR, 19, ESTUDANTE DE ADMINISTRAÇÃO
matização dos gêneros, então, quan-
“Para mim, ser homem não tem muito uma definição. É bem difícil dizer o que seria dever do homem ou da mulher”
homem cuida dos filhos, ele é julgado
do os papéis tradicionais se invertem e a mulher sustenta a casa enquanto o impotente e “encostado”. Mesmo assim, cada vez mais os homens aceitam que as mulheres devem sim mostrar sua independência. Para João Pedro Vilar, estudante de Administração, está cada vez mais difícil discernir as obrigações de homens e de mulheres. “Para mim, ser homem não tem muito uma definição. Eu acho que a gente está cada vez mais desenvolvendo essa discussão de gêneros, os papéis estão ficando cada vez mais
RAFAEL CHOLAK, 19, ESTUDANTE DE PUBLICIDADE “Para mim, o gênero não determina como a pessoa é. O que faz isso são as influências e experiências. De resto, não deveria haver diferenciação entre homem e mulher”
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iguais”. Matheus Nunes, 20 anos, crê que ser homem é uma questão biológica, não lligada a deveres sociais. “O dever do homem é igual ao da mulher, basicamente ser um bom cidadão”, defende. Se a masculinidade é uma construção social e histórica, então o que significa ser homem, hoje? Não há resposta. Ou melhor, o tema precisa ser mais debatido pela sociedade para que cada um ache a sua própria resposta.
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46/47 Cenas da parada LGBT de 2015, que teve como tema “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim: respeitem-me!”
RESPEITO À TRANSIÇÃO Além do drama psicológico de nascer em um corpo com o qual não se identificam, transexuais sofrem preconceito e violência constantes no Brasil preocupação com a violência e a dis-
ções dramaticamente diferentes daquelas
BRUNA MASCULI CAMILA FERNANDES DE OLIVEIRA
criminação na sociedade e no merca-
em que a maioria das pessoas se encontra.
do de trabalho.
Dessa diferença nasce a violenta repres-
»»»Você já imaginou ter a sensação
por “trans”, refere-se ao indivíduo que
Dados doGrupo Gay da Bahia (GGB)
de estar no corpo errado? Já pensou
enfrenta um processo de transição e
mostram que o Brasil é o país que mais
como seria não estar satisfeito com o
mudança de características físicas e sexu-
mata transexuais. A expectativa de vida
seu corpo e sexo biológicos? Sentir-se
ais. Esse período de mudanças envolve
de um homem ou mulher trans é de ape-
prisioneiro de um corpo que você mal
tratamentos hormonais, cirurgias e adap-
nas 36 anos no país, bem abaixo da média
reconhece como seu? Angústias assim,
tação psicológica ao novo sexo, que é rea-
nacional, que é de 73. A cada 25 horas um
difíceis de expressar em palavras, e até
lizada através de terapia individual ou em
LGBT é morto no Brasil. Desde 2008 ocor-
de imaginar, fazem parte do cotidia-
grupo. Entretanto, mesmo após a con-
reram aproximadamente 1.374 assassina-
no dos transexuais. E, não bastasse o
quista de uma nova identidade, os trans-
tos de trans. Para efeito de comparação,
drama psicológico, ainda enfrentam a
gêneros continuam vivendo em condi-
entre 2008 e 2016 foram registrados 2.115
O termo, popularmente abreviado
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são, que pode resultar em morte.
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FOTOS: NADJINE HOCHLEITNER/CEJOR-ESPM
tituem, vendem drogas, colocam silicones enormes e ficam na esquina e se entopem de plástica. Ela tinha certeza de que eu iria virar uma prostituta de esquina e ficou revoltadíssima”, fala. “A falta de identificação dos transgêneros com o seu corpo é visto pela sociedade como algo patológico. Ela entende que ter essa identidade de gênero diferente é um transtorno de alguém que ‘não corresponde’ o corpo e a mente”, explica Eric Seger de Camargo, especialista em diferenças sexuais. Talvez a mais pesada das repressões comece em casa. Leonardo Nardi, 18, iniciou sua transição há pouco tempo e já está na sexta dose hormonal. Desde que iniciou por conta própria os remédios, devido às dificuldades de conseguir o tratamento pelo SUS, sua família o rejeitou. “Fui obrigada a ser o que eu não era, a colocar uma fantasia que me puseram. Estou no sexto mês de terapia hormonal e fora de casa há cinco meses. Não falo com os meus pais e não tenho contato nenhum com a minha família”, diz. assassinatos de pessoas transgênero em
ria brincar de boneca, pegava toalha em
O tratamento conhecido como transe-
todo o mundo.
casa e colocava na cabeça – tipo cabe-
xualização realiza um aumento na produ-
Além de uma realidade violenta, esse
lo comprido. Eu queria ser a pequena
ção de hormônios masculinos ou femini-
grupo ainda enfrenta situações de pre-
sereia. Quando eu ia a lojas de brinque-
nos no corpo do usuário, levando a uma
conceito e dificuldades para manter uma
do em época de Natal, minha mãe queria
mudança extrema no corpo e também no
vida normal. Encontrar um emprego,
me dar carrinho e eu queria a Barbie da
comportamento do indivíduo. Cada caso
manter relações afetivas, ser aceito pela
Ariel. Essa foi a minha infância, eu nunca
precisa ser analisado por um especialis-
família e pelo grupo de amigos, ser aco-
gostar dos brinquedos e da brincadeiras
ta, para saber quantas doses serão neces-
lhido pela sociedade, são fatores que pas-
de que eu devia só por ser um menino.
sárias para realizar o desejo do paciente
sam a se tornar quase impossíveis de se
Eu não gostava de jogar futebol, eu que-
de forma segura e responsável.
tornarem realidade a partir do momento
ria fazer balé com as minhas amigas. Eu
O uso desses hormônios por conta
em que a fase de transição se inicia.
nunca me identifiquei com nada no gêne-
própria podem causar graves problemas
ro masculino. Era tudo no gênero femini-
renais, na pressão arterial e até levar ao
no”, relembra.
câncer.
Infância A insatisfação com o corpo e o sexo bio-
Aos 16 anos, J.S resolveu iniciar sua fase
Segundo artigo publicado na revista
lógicos começa cedo: em alguns casos,
de transição de gênero. Ela conta que esse
“Lancet”, 60% dos transexuais sofrem de
desde os 3 ou 4 anos de idade surgem
momento foi um divisor de águas em sua
depressão e a principal causa é a rejei-
sinais de inadequação ao gênero bioló-
vida, mantendo por perto apenas pessoas
ção da família e dos colegas de trabalho,
gico. J.S é um exemplo disso. Ela diz que
que gostam dela de verdade. “Muitas pes-
favorecendo a adoção de comportamen-
desde sua infância enfrentava situações
soas se afastaram, a minha mãe entrou
tos de risco, como a prostituição, o que
de incompatibilidade com seu gênero.
em crise, porque a visão que ela tinha é
por sua vez aumenta em 50% o risco de
que transexuais são pessoas que se pros-
contrair HIV.
“Quando eu tinha cinco anos eu que-
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O MACHISMO
VOCÊ SENTE O PESO DA OPRESSÃO?
O RACISMO
A HOMOFOBIA
Sim
O que mais te oprime hoje?
PRESSÕES DA SOCIEDADE: ter que escolher a faculdade, lidar com meu chefe, o meu emprego
Não
vc tem sorte. muita sorte. provavelmente é branco, heterossexual, rico, jovem e do hemisfério norte (mas não do México, é claro).
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O POLITICAMENTE CORRETO
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Sim
Vc quer mudar de sexo?
Não
Vc é pobre?
Vc quer ser ativista ou prefere esperar o mundo mudar enquanto vê “13 Reasons Why”?
Pobre, mulher, trans. Talvez você seja presa a qualquer momento...
Derrube o patriarcado! Lute contra a homofobia! Exija seus direitos! #vaiterluta
Vou lutar pelo que acredito Só quero ficar bem. Eu já faço abaixoassinado virtual
Não se preocupe, há toda uma linha de antidepressivos disponível no mercado
Negros e pobres são os mais assassinados pela PM e são os que mais lotam as cadeias. Cuidado, amigx! Vc é pobre?
Sim
Não
Vc mora na periferia?
Sim
Cuidado, você pode ser confundido pela polícia com um pobre
Não
Vc é a Laerte?
Sim Não
Infelizmente o racismo não aparece apenas contra os pobres ou os moradores da periferia - está disseminado em toda a sociedade. Denuncie, aponte, cobre. É o único jeito de mudar isso.
Parabéns, seu trabalho é incrível!
A cada 25 horas morre uma pessoa LGBT no Brasil (Fonte: Grupo Gay da Bahia, 2017)
Convenhamos, pelo menos vc tem a chance de fazer faculdade, ter um chefe ou um emprego, né?? Vc já assistiu “Na Natureza Selvagem”, pequeno Alex Supertramp?
BRASIL
Seu maior problema é não poder ser livremente machista, homofóbico, racista ou xenofóbico? Sério mesmo?
POPULAÇÃO
PRESOS
BRANCA
BRANCOS
NEGRA
NEGROS
45,48% 53,63%
37,23% 61,67%
PRESOS ALFABETIZADOS PRESOS COM CURSO TÉCNICO PRESOS COM ENSINO SUPERIOR
17% 1% 0%
Fonte: relatórios do Departamento Penitenciário Nacional, acesso em www.memoriasdaditadura.org.br
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FOTO: JACQUELINE ALIANDRO/CEJOR-ESPM
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ARTE E RESISTÊNCIA CONTRA O RACISMO O coletivo Sarau das Pretas nasceu no ano passado com a proposta de criar um espaço de compartilhamento de experiências e de discussão por meio da arte
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mas a resistência também é. Protestos JACQUELINE ALIANDRO THALES SILVEIRA VICTORIA TERRA
e passeatas contra o preconceito estão mais comuns. As vítimas do preconceito também usam a arte como forma de
»»»O palco era todo iluminado com
combater a discriminação e por meio
uma luz amarela. Pétalas de girassol
de canções, poesias, filmes e fotogra-
foram espalhadas por todo o chão.
fias, resistem às injustiças.
Quatro mulheres negras, com vesti-
A professora do Ensino Fundamental
dos também amarelos, estavam em
Débora Monteiro conta que a arte tem,
frente ao pequeno palco colorindo
de uma forma geral, o poder de impac-
o cenário onde reivindicavam seus
tar as pessoas. “Como educadora, vejo
direitos. Por meio de canções, poe-
que dos melhores resultados, no senti-
sias e danças, contavam para o públi-
do de provocação e de inquietar os alu-
co as injustiças de suas vidas e se mos-
nos para essa questão do racismo, assim
travam resistentes a tudo isso. Com
como outras questões, é quando eu levo
o microfone aberto ao público, aco-
arte à sala de aula”, declara.
lhiam vozes que se identificavam com aquela luta.
Racismo é um tema difícil de ser conversado, pois é uma realidade difícil de
Resistência é a palavra que define o
ser aceita. Débora acredita que a arte
Sarau das Pretas, cuja edição de março
é uma forma de levar essa discussão
foi acompanhada pela Plural, no refeitó-
às pessoas de maneira mais leve e por
rio do SESC do Carmo. As mesas e cadei-
vezes mais transformadora. “Então
ras viraram poltronas para o público, o
quando você aprende através da arte,
chão, um palco para falar sobre as difi-
você reflete e você também repensa e
culdades que mulheres negras sofrem
se transforma”, diz.
“Quando elas vêm para um sarau, ouvem e pensam ‘putz, mas aquilo que aconteceu comigo ontem foi racismo’, começam a perceber e a se conscientizar” Debora Garcia, criadora do Sarau das Pretas
todos os dias. As integrantes do Sarau das Pretas creem que muitas mulheres
Sarau
nem sabem que sofrem racismo. “Quan-
Com um ano de existência, o Sarau
do elas vêm para um sarau, ouvem e
das Pretas é um grupo independente
pensam ‘putz, mas aquilo que aconte-
de mulheres que expõem, através de
ceu comigo ontem foi racismo’, come-
canções e poesias, as dificuldades que
çam a perceber e a se conscientizar”, diz
passam no dia a dia. Proporciona um
Débora Garcia, criadora do grupo.
espaço onde mulheres negras podem se
O contexto do racismo data de séculos no Brasil, país que só aboliu a escravidão em 1888. Isso afeta a população negra de
expressar livremente, cantar e recitar, sem serem julgadas, e sim acolhidas. O projeto do sarau surgiu em 2016,
diversas maneiras, com ofensas e injus-
quando as integrantes – Tatá Alvez,
tiças diante da alegação de superiorida-
25 anos, Jô Freitas, 29 anos, Elisandra
de dos brancos. Dados de expectativa de
Souza, 33 anos, Debora Garcia, 34 anos,
vida, mortalidade, renda, desemprego
e Taisol Ziggy, 21 anos – receberam um
(entre outros) da população negra com-
convite para do SESC para fazer uma ati-
provam o cenário desigual. Por exem-
vidade no Dia Internacional da Mulher.
plo, 53,6% da população se autodeclara
“Vimos nessa atividade uma oportuni-
negra, de acordo com o IBGE. Por outro
dade de trazer as mulheres negras para
lado, os negros representam apenas
esse espaço”, diz Debora.
17,4% da parcela mais rica do país. O racismo é uma realidade no Brasil,
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Com a casa cheia em sua primeira atividade, as meninas já estavam
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sendo questionadas sobre quais seriam os próximos eventos do grupo. “E aí a gente viu as pessoas perguntando pra gente, querendo saber, querendo participar, então percebemos que existia um espaço, uma demanda do público por
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um sarau protagonizado por mulheres pretas”, complementa Debora. Por serem um grupo independente, elas fazem a própria produção e divulgação de seus trabalhos. Porém, segundo as integrantes, isso é um desafio, pois a gestão administrativa, por exemplo, toma ainda muito tempo. Em 2017, pretendem se estruturar melhor para ganharem tempo e se dedicarem à parte criativa do projeto. “Neste primeiro ano de trabalho foi muito importante para nós estar nesse trabalho de produção, mas entendemos que é importante ter uma estrutura para que outras pessoas possam nos ajudar a fazer isso, para que a gente consiga realmente se dedicar ao trabalho criativo, porque nós somos artistas”, comenta Debora. Participação O dia a dia de cada artista inspira seus trabalhos, e não é à toa que o racismo é tema de tantas obras, em diferentes
As integrantes do Sarau das Pretas durante apresentação no SESC do Carmo, em São Paulo
também recita poemas, recita outras autoras”, comenta.
formas de arte. Grafites, quadros, poe-
Antonio Henrique Ribeiro acredi-
mas, contos e principalmente músicas
ta que o sarau nas periferias tem forte
abordam a temática de maneira realis-
influência sobre o público participan-
ta. Por conta disso, o Sarau das Pretas
te, fazendo com que as pessoas se apro-
abre espaço para que o público possa
ximem de escritores que utilizam uma
expor suas próprias vivências ou mos-
linguagem mais acessível e que com-
trar algum trabalho com que se identi-
partilham a mesma realidade. “Sempre
fique pessoalmente.
escrevi, e antes de conhecer o movimen-
Elisandra Souza, integrante do grupo, acha que essa abertura é essencial e
to dos saraus não classificava minha escrita como poética”, declara.
sente que, ao mesmo tempo que o grupo
“Quando uma mulher negra se reco-
acolhe o público, o contrário também
nhece no poema de outra mulher negra,
acontece. “O público também quer essa
de alguma forma ela está sendo cura-
resistência. Quer ouvir essa voz e quer
da, elas estão se ajudando, se curando
falar. Como a maioria dos nossos saraus
de um mal social que as afeta psicolo-
tem microfone aberto, a mulher negra
gicamente, emocionalmente”, pondera
que vem pra ouvir se sente acolhida e
Débora Monteiro.
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FOTO: JACQUELINE ALIANDRO/CEJOR-ESPM
“Quando uma mulher negra se reconhece no poema de outra mulher negra, de alguma forma ela está sendo curada, elas estão se ajudando, se curando de um mal social que as afeta psicologicamente, emocionalmente” Debora Monteiro, professora
museu afro brasil
panorama melhor sobre aquela cultu-
Muito do preconceito está ligado à falta
ra e assim revendo preconceitos.
de conhecimento, por isso movimen-
Exemplo é o Museu Afro Brasil. Loca-
tos como saraus e slams divulgam a
lizado no Parque Ibirapuera, o museu
causa negra. No entanto, nesses even-
tem como finalidade evidenciar a pers-
tos o público é mais específico, e em
pectiva africana na formação do patri-
geral composto por negros jovens e que
mônio, identidade e cultura brasileiros.
buscam formas de se expressar e de se
Por estar em um espaço acessível e com
conectar a outras pessoas com a mesma
um público diversificado, a instituição
vivência.
tem capacidade de atingir uma parcela
Mas, além de eventos desse tipo,
Elisandra Souza, integrante do Sarau das Pretas
maior da população do que os saraus.
museus e espaços históricos ou cultu-
Para João Pedro, estudante de curso
rais também cumprem papel impor-
profissionalizante em audiovisual, o
tante na resistência à opressão de raça,
museu tem o poder de causar um impac-
atingindo públicos mais diversificados
to de conscientização maior por sua
com informação contra o preconceito.
acessibilidade. “É um meio de discutir
Esses espaços permitem que “o
e refletir sobre o racismo e a história da
outro” obtenha um contexto histórico
população negra em nosso país.”, com-
sobre o povo representado, tendo um
plementa.
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“O público também quer essa resistência. Quer ouvir essa voz e quer falar. Como a maioria dos nossos saraus tem microfone aberto, a mulher negra que vem pra ouvir se sente acolhida e também recita poemas, recita outras autoras”
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p&r
ENTREVISTA: PEDRO DE SANTI PSICANALISTA
TER QUE ESTAR BEM O TEMPO TODO É ESMAGADOR O QUE ERA ANTES UM ANSEIO VIROU UMA DETERMINAÇÃO: TEMOS QUE SER FELIZES;
FOTO: ROBERTO BRAGA/NIS-ESPM
POR TRÁS DISSO, DIZ O PSICANALISTA, ESTÁ O CULTO AO INDIVIDUALISMO
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CAMILLA SANTOS DÉBORA SÁ VIVIAN LUSOR
Ser feliz se tornou uma obrigação? A gente desdobrou aquilo que era um anseio por felicidade em um imperativo esmagador: ter que estar bem o tempo
»»»Ser feliz tem deixado de ser um dese-
todo, não ter lugar para a tristeza, para
jo para se tornar uma obrigação cultu-
a solidão, para estar com pouca ener-
ral. A felicidade alcança esse grau de
gia... Eu tenho que estar legal o tempo
obsessão impulsionada, entre outros
todo, e todos têm que estar na mídia
fatores, por um mundo vidrado nas
social assim. E eu, que escolho minhas
redes sociais e nas selfies. Nele, a tris-
melhores fotos para postar, esqueço que
teza é rejeitada e uma completa inabi-
o outro fez a mesma coisa, e mordo a
lidade para lidar com ela fica exposta.
isca dele quando vejo uma foto e penso
“Ser feliz passou a ser uma questão de
“nossa, ele está naquele lugar tão legal,
técnica. O sentido da vida no mundo
e eu, não”, e passo a ficar arrasado por
moderno passou a ser visto como uma
isso. A contramão, a sombra projetada
forma individual, dentro do qual a feli-
pelo imperativo da felicidade, é a gran-
cidade é a prioridade de cada um. Trata-
de depressão que a gente vive, a impres-
-se de um mundo que deixa de ser guia-
são de ser esmagado pela ideia de que
do pela religião, pelo coletivo, e deixa de
a gente não é o que deveria ser. Isso se
ter uma verdade única”, diz Pedro de
torna uma depressão cultural, que não é
Santi, psicanalista, professor de psicolo-
clínica ou psiquiátrica, é cultural, tendo
gia na ESPM, mestre em filosofia e dou-
como sintomas essa falta de sentido, de
tor em psicologia clínica pela PUC-SP.
tesão, de vontade, que vai se expandin-
De Santi é ainda o editor convidado
do pela sociedade como um todo.
desta edição da Plural sobre opressões na sociedade contemporânea. Nesta entrevista, ele conta um pouco sobre as questões que muitas vezes nos
Você acha que essa felicidade é para todos? Todos merecem ser felizes? Todos podem ser felizes?
levam a viver por meio de uma “felici-
Felicidade é uma sensação. Nós pos-
dade laboratorial”, conquistada com
sivelmente podemos ser muitas vezes
analgésicos e antidepressivos que tra-
felizes, e a felicidade passará e novas
gam soluções mágicas aos problemas
felicidades virão. A gente aprende que
pessoais – pois não se pode falhar e as
existe a “Felicidade” com F maiúsculo
pessoas tentam cada vez mais escon-
e que ela será absoluta e eterna quando
der suas imperfeições. “Mas isso pode
vier. E como ela nunca vem, eu falo “por
não apontar uma solução para nossos
que para mim não veio?”
dramas porque o individualismo não é
Eu idealizo o que o outro tem e eu morro
compatível com a convivência. O conví-
de inveja porque eu acho que o outro tem
vio é feito de negociação e de renúncia.”
essa Felicidade que eu não tenho, mas
Leia a seguir a entrevista que de
ele também não tem lá com ele, e eu fico
Santi concedeu durante visita ao Cen-
achando que a Felicidade existe, e a cren-
tro Experimental de Jornalismo (CeJor)
ça nessa tolice me esmaga e me faz sentir
da ESPM.
em dívida para com esse ideal.
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“O ALGORITMO [DAS REDES SOCIAIS] FAZ COM QUE UMA CERTA INFORMAÇÃO DOMINANTE SEJA REPLICADA ATÉ QUE SE TORNE UMA NOVA NORMA OPRESSIVA. CADA UM DE NÓS NO SEU FEED DE NOTÍCIAS RECEBE BASICAMENTE MAIS DO MESMO”
“A SOMBRA PROJETADA PELO IMPERATIVO DA FELICIDADE É A GRANDE DEPRESSÃO QUE A GENTE VIVE, A IMPRESSÃO DE SER ESMAGADO PELA IDEIA DE QUE A GENTE NÃO É O QUE DEVERIA SER”
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“ANTIGAMENTE TIVEMOS COMO REFERÊNCIA A FAMÍLIA, OU UMA REFERÊNCIA ESPIRITUAL, OU INTELECTUAL. MAS HÁ CERCA DE 20, 30 ANOS, QUEM OFERECE ESSE PADRÃO SÃO AS CELEBRIDADES”
Como você acha que as pessoas reagem a esse dever, a essa necessidade de buscar a felicidade?
que você é aquilo que fizer de você e que
Da mesma forma que a gente vê
“todo mundo é livre para ser feliz” e
nas mídias sociais, com a publicação
“se eu sou livre para ser feliz, por que
dos melhores momentos já editados
eu não seria?”. Se você não é feliz, você
você pode ser o que você quiser. Junta a primeira coisa com a segunda e temos
da minha experiência. A foto do Ins-
passa a ver você mesmo, ou quem não
tagram, o post do Facebook, aquele
seja, como um doente que tem que ser
momento que eu espero que as pesso-
curado, porque todo mundo quer e pode
as tomem a parte pelo todo. Fica pare-
ser feliz.
cendo o primeiro episódio da terceira temporada de “Black Mirror” [série
fica se fazendo de feliz o tempo todo e
Com o declínio de instituições como o estado ou a igreja, que norteavam a construção de verdades (e de felicidade) para a sociedade, quem passou a impor referências para que vivamos sob algum tipo de padrão?
assim que não tiver ninguém olhando,
Antigamente tivemos como referên-
um pode xingar o outro com plena feli-
cia a família, ou alguém que esteve no
cidade, porque finalmente não é mais
poder, ou uma referência espiritual,
necessário fingir que está feliz.
ou intelectual e afins. Mas há cerca de
de televisão britânica, disponível no Netflix, que aborda o lado obscuro da relação da sociedade moderna com as novas tecnologias], em que todo mundo
Essa felicidade forjada do sorriso no
20, 30 anos, ostensivamente é a própria
rosto, da autoajuda (acorde e diga bom
mídia que cria essas referências, e quem
dia para o dia), é uma falsa felicida-
oferece esse padrão são as celebridades.
de. Isso é uma casca de felicidade que
Artistas famosos ou youtubers mirins
não tem um pingo de sustentação e ela
passam realmente a ditar para um certo
acaba sempre se resolvendo na queda,
grupo de pessoas o que é certo e o que é
na depressão.
errado. É uma cultura de celebridades.
E por que você acha que as pessoas têm essa sensação de precisarem estar felizes o tempo inteiro?
RAIO-X Nome: Pedro De Santi Formação: psicologia (PUC-SP) Livros: é autor de cinco obras, entre elas “A Construção do Eu na Modernidade” (ed. Holos, 1998) e “Eu e o Outro na Cidade” (ed. Zagodoni, 2016).
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Aí existe uma operação dupla. Ou
É muito difícil falar de padrão e de opressão hoje sem mencionar as redes sociais. Como elas mudaram essa relação com a felicidade?
seja, ao longo de séculos no mundo
É uma dupla face. De um lado, qual-
moderno, no ocidente, ser feliz foi se
quer pessoa em sua singularidade
tornando a finalidade da vida. [A fina-
encontrará pares nas redes sociais.
lidade da vida] já foi criar os filhos, já foi
Desde o velho Orkut, nas questões das
chegar aos céus, já foi ter uma socieda-
comunidades, você encontrava uma
de justa, já foi muita coisa, e a busca é
banda superesquisita e você achava
sempre do que é bom para mim. Numa
no mundo mais dez pessoas que gosta-
sociedade muito individualista, a felici-
vam dela, então tem um uso muito baca-
dade individual passa a ser a meta ego-
na das mídias sociais que é sobre uma
cêntrica e autorreferente de cada um.
pessoa que está isolada poder encon-
Com tudo isso, nós temos, de uns 30
trar pares, longe de sua casa, no mundo.
anos para cá, um discurso muito tolo
Então ela vai pertencer a um grupo, o
tido como psicologia ou como neuroci-
que é muito importante. Outra coisa
ência, mas é só de autoajuda mesmo, de
é o danado do algoritmo, que faz com
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Fotos: divulgação
“NO LUGAR ONDE ESTAVA O OPRIMIDO, HOJE ESTÁ O OPRESSOR, PORQUE HÁ UM REBALANÇO DAS RELAÇÕES SOCIAIS, CONSTITUINDO UM NOVO CONCEITO DE DOMINADOR E DOMINADO”
FOTO: PIETRO OTSUKA/CEJOR-ESPM
que uma certa informação dominante
significa um jogo de forças. Cada pessoa
constituindo um novo conceito de domi-
seja replicada até que se torne uma nova
e cada sociedade é composta por veto-
nador e dominado. Esse tipo de jogo difi-
norma opressiva. Cada um de nós no
res de forças, e cada pessoa, cada ideia,
cilmente pode deixar de existir.
seu feed de notícias recebe basicamen-
é uma força que tenta se manifestar e
te mais do mesmo, cada vez mais gente
que tenta se impor. Em determinados
que pensa a mesma coisa. E a gente se
momentos, algumas forças se impõem
vê, é claro, influenciado pelo grupo, ten-
como dominantes, como norma. Se hoje
dendo a aderir àquilo que se apresen-
ela é dominante e se hoje ela é norma,
É comum ouvir sobre quadros de depressão, muitos deles sendo medicados. O que você acha dessa medicalização para atingir a felicidade?
ta como dominante. É a dupla face da
tem-se com isso uma relativa exclusão
Como a felicidade virou essa tarefa
internet. É lugar para achar gente dife-
de quem, nesse dado momento social,
de aparências, vai deixando de existir
rente, o que é ótimo. Mas é também
não faz parte daquele grupo. Hoje existe
espaço para outros sentimentos, sobre-
um novo lugar para a massa se instalar
uma grande força econômica e política
tudo os de tristeza. Então essa mesma
como cultura de massa e criar inclusão
das mulheres e dos grupos LGBT, e eles
mentalidade técnica que diz “todo
e exclusão.
conquistam cada vez mais um lugar de
mundo pode ser feliz” quer resolver a
proeminência e mudam o jogo de forças
felicidade de uma forma também téc-
Quais são as maiores formas de opressão que um indivíduo sofre hoje em dia?
que existia antes. No lugar onde estava
nica, oferecendo, em vez de uma vida
o oprimido, hoje está o opressor, porque
melhor, uma substância que faça você
Basicamente, a ideia de opressão
há um rebalanço das relações sociais,
sentir a felicidade, mesmo que ela não
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FOTOS: PIETRO OTSUKA/CEJOR-ESPM
tenha lastro. A gente vive uma época
disseram para a gente que não precisa
de superdiagnóstico de doença, porque
mais viver com dor... Então ok, cadê o
se esse “ser feliz” é um dever, qualquer
remedinho? Legal ou ilegal.
coisa que não seja felicidade passa a ser doença, o que é uma loucura.
cional indústria farmacêutica que hoje
Você acha que estaria em um mesmo patamar quem procura um livro de autoajuda, que é uma coisa relativamente simples, e quem chega a procurar um medicamento de alguém que sofre de depressão realmente?
trata doenças que pareciam incuráveis
O que há em comum entre os dois
Qual a relação disso com a indústria farmacêutica? Existem duas coisas: uma é a sensa-
“O QUE HÁ EM COMUM ENTRE OS DOIS RECURSOS, A AUTOAJUDA E O REMÉDIO? A IDEIA DE QUE A VIDA HUMANA É UM PROBLEMA TÉCNICO, O PRINCÍPIO DE LIDAR COM A VIDA COMO SE A GENTE FOSSE UM RÁDIO A SER MONTADO E DESMONTADO”
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décadas atrás, e precisamos ser muito
recursos, a autoajuda e o remédio? A
gratos a ela. Outra coisa completamente
ideia de que a vida humana é um pro-
diferente é uma cultura que toma a vida
blema técnico, o princípio de lidar com
como uma doença e usa mal os remé-
a vida como se a gente fosse um rádio a
dios. O remédio é sensacional, de fato,
ser montado e desmontado. Eu trago a
mas eu passo a usar o remédio antide-
mentalidade técnica para a vida e eu vou
pressivo do doente depressivo porque
agora ver onde estão as peças quebradas
eu estou triste porque tomei um pé na
para consertar. O princípio da autoaju-
bunda, por exemplo. Esse mal uso da
da é você ser livre para fazer da sua vida
medicação é que vai dizer que a vida é
o que quiser. Use uma boa técnica que
técnica. Há uma ciência da felicidade,
você será feliz. Se você errar é porque
tem gente que vende essa bobagem, e
a sua vontade foi fraca, mas a técnica é
faz parte dessa ciência pensar que, se a
boa. E o remédio é a técnica em opera-
vida é técnica, eu posso usar substân-
ção, diretamente no seu sistema somá-
cias para induzir os sentimentos.
tico, e aí quem está tomando o remédio antidepressivo está dizendo basicamen-
Você acha que os calmantes também são uma maneira de “medicar a tristeza”?
te “eu desisto”. Quem toma o remédio
Drogas são em grego “fármaco”, a
de uma ajuda química para isso”. Tomar
mesma palavra que denomina remédios
o remédio antidepressivo é basicamente
denomina drogas. E um e outro servem
desistir da própria vida para quem está
para aparar uma dor, para esconder ou
fazendo uso errado – mas por favor não
para retirar uma dor. Viver dói, a gente
confunda isso com quem está usando
está acostumado a viver com dor, mas
direito, por uma necessidade.
está dizendo “eu desisto de consertar a minha vida, eu não consigo. Eu preciso
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Foto: Roberto Braga/NIS-ESPM
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COLABORADORES DESTA EDIÇÃO
JUNHO DE 2017 // ANO 6 // NÚMERO 11
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1 Thales Silveira 2 Victoria Terra 3 Rachel Schmalb 4 Juliana Nóbrega 5 Maria Clara Tanaka 6 Ana Carolina Cavallini 7 Carolina Leal 8 Vinicius Lopes 9 Paulo Jaschke 10 Matheus Lemos 11 Pietro Otsuka 12 Raul Moura 13 Bruna Masculi 14 Jacqueline Aliandro 15 Gabriela Soares 16 Vivian Lusor 17 Stéfani Inouye 18 Matheus Martins 19 Camilla Santos 20 Debora Sá
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