JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP
A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
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REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP Nº13 - 1º SEMESTRE DE 2018
Presidente Dalton Pastore Jr. Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente AdministrativoFinanceira Elisabeth Dau Corrêa Diretor de Graduação-SP Luiz Fernando Garcia Coordenadora do curso de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli
EDITORIAL
RUSSOS, ROBÔS E REPÓRTERES Sempre tive uma curiosidade tremenda pela cultura russa, que venho descobrindo aos poucos, desde a adolescência. Comecei pela literatura: Dostoiévski, Tchekhov e Tolstói fizeram parte de minhas leituras de formação. Depois, veio o cinema. Apresentaram-me Tarkovsky antes dos vinte
Revista Plural revistaplural-sp@espm.br Editor - Revista Prof. Renato Essenfelder Editor - LabFor Prof. André Deak Revisão Prof. Antonio da Rocha Filho Profa. Maria Elisabete Antonioli
anos de idade e ali confirmei minha paixão pela sétima arte. Depois vieram Dziga Vertov, Sokurov e tantos outros. Então, o balé, outro de meus prazeres e inspirações. Em paralelo à dança, a música. A música erudita, profundamente dramática, de Tchaikovsky. E por aí vai, numa sucessão sem fim. A cultura russa é ainda mais vasta que seu território. Como nas clássicas bonequinhas russas, as matrioskas, vamos nos surpreendendo, camada a camada, com suas nuances e complexidades. Nesta edição da Plural, concebida a partir do gancho da realização da Copa na Rússia, tivemos a oportunidade de abrir algumas dessas matrioskas para revelar aos nossos leitores faces da cultura e da sociedade russas
Reportagem - Revista Plural Bruna Ribeiro Lima Elisa Mingussi Kaique Vieira Letícia Baptistão Manuela Nogueira Marcella Stewers Sofia Nunes Aureli
contemporâneas. E, desde o início, nos propusemos um difícil desafio: que
Equipe LabFor Ana Paula Oliveira Franciellen Rosa Marcelo Nogueira Nathalia Oliva
aventureiro que caracteriza a Plural. Fomos em frente!
CeJor, Centro Experimental de Jornalismo da ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana São Paulo, SP Tel. (11) 5085-6713 Projeto gráfico Márcio Freitas A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.
tal se nós, na tentativa de traçar um panorama da Rússia atual, recorrêssemos não a especialistas e emigrantes brasileiros, mas, sim, aos próprios cidadãos russos? A ideia de início provocou risos nervosos, seguidos de um “vamos em frente” unânime, no melhor espírito laboratorial, experimental e um tanto Fomos direto às fontes. O resultado o leitor poderá conferir nas próximas páginas. Entrevistamos mais de 20 cidadãos russos – a maior parte em inglês, alguns, pasmem, em português, pois eram estudiosos da língua de Camões e adoraram exercitá-la. As entrevistas foram feitas por Skype, What’sApp, Facebook Messenger, e-mail... todos os recursos possíveis foram empregados. E, no caso das fontes russas que vivem no Brasil – como o cônsul-geral do país em São Paulo –, conversamos pessoalmente. Desafio extra: como muitas das fontes pediam para ler a matéria depois de publicada, uma aluna da Plural sugeriu de traduzirmos a reportagem de capa para o inglês e a publicarmos no Portal de Jornalismo da ESPM, para que as fontes tivessem ao menos um gostinho das discussões levantadas nesta edição. Dito e feito. Na própria matéria de capa, a partir da página 10, você encontrará um QR code para acessar a “english version” do texto. E mais: no melhor espírito de inovação que nos caracteriza, arriscamos um outro ambicioso projeto. Desenvolvemos um chatbot – ou robô de conversação – para tratar do tema da participação do Brasil na Copa do Mundo. Assim, enquanto a revista se concentra no atemporal – a cultura –, o robô se concentra no efêmero, a Copa. É a primeira vez que a revista incorpora um projeto de inteligência artificial, fruto de parceria entre nós, o LabFor ESPM, o curso de Tech ESPM e a gigante de tecnologia IBM. Na página 6 você encontra a descrição do projeto e a maneira de acessá-lo. | RENATO ESSENFELDER, EDITOR DA PLURAL
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Foto: Vitalii Mikhailiuk
ÍNDICE
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A RÚSSIA, PELOS RUSSOS No centro das atenções mundiais por causa da Copa 2018, a Rússia – maior país do mundo em extensão territorial – é vasta não somente em seu tamanho, mas também na diversidade de culturas e na complexidade de seu povo, de sua política e de sua economia. Para ajudar a desvendar essa nação tão distante do Brasil, a equipe da Plural resolveu ir direto à fonte: entrevistamos cidadãos russos para que nos contem mais sobre a vida no país.
página 16 ENQUETE A Plural perguntou a dez jovens brasileiros o que eles pensam quando o assunto é Rússia. A frieza veio à tona tanto no aspecto climático quanto na personalidade do povo. A Copa também não ficou de fora.
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página 18 LGBTS NA RÚSSIA Homossexuais russos lutam para superar preconceito que acarreta até risco de vida, já que, no país, considerado muito conservador, a lei não os protege das agressões domésticas e da intolerância.
página 20 A IMPRENSA Repórteres investigativos sofrem, na Rússia, ameaças à liberdade de expressão e até à vida, embora o governo destaque o grande número de veículos de oposição e negue qualquer tentativa de cerceamento.
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Foto: Marcella Stewers
página 6
Foto: Reprodução
página 26
Foto: Kent Becker/CC
página 28
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EU, ROBÔ
DOSTOIÉVSKI
O BALÉ BOLSHOI
Em parceria com a IBM e o curso de Tech, a revista Plural e o LabFor ESPM estreiam um robô baseado em inteligência artificial para conversar sobre a Copa do Mundo de 2018
Conheça a vida de um dos escritores mais brilhantes e importantes de toda a história, que inspirou o pai da psicanálise, Sigmund Freud, o genial escritor James Joyce e muitos outros
Companhia de balé mais famosa do mundo, o Bolshoi possui rotina exigente e exaustiva, mas isso não diminui o sonho e a competição entre bailarinos e aspirantes
página 24 ENSAIOS DE CAPA A capa desta edição é um mosaico feito a partir de 100 imagens sobre a Rússia, encontradas em bancos de dados livres. Alunos do Labfor fizeram a curadoria, e cada foto foi ampliada e virou uma nova capa.
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página 32 CLÁSSICA E POP Nas artes, a Rússia geralmente é lembrada pelo balé, pela música erudita e pela vasta literatura, repleta de clássicos universais, mas, como em qualquer país, os jovens ouvem pop e amam séries de TV.
página 36 ENTREVISTA Três diplomatas russos, incluindo o cônsul-geral do país em São Paulo, receberam a reportagem da Plural para rebater críticas e ajudar a compor um mosaico sobre um dos países mais complexos e fascinantes do mundo.
página 44 BASTIDORES Conheça os desafios enfrentados pela equipe da Plural nesta edição, que envolveu a dificuldade de encontrar e entrevistar fontes russas e até de relacionamento com os entrevistados, dada a diferença entre as culturas.
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6/7 Professores e alunos da equipe que trabalhou no desenvolvimento do chatbot | FOTO MARCELLA STEWERS
OI, EU SOU O GUTENBOT Em parceria com o curso de Tech, Plural e LabFor estreiam robô baseado em inteligência artificial para conversar sobre a Copa do Mundo de 2018
atender e tirar dúvidas de clientes na
sor Maurício Pimentel e do graduan-
internet. Além disso, os chatbots tam-
do Gabriel Nori, ambos da área de inte-
bém já são usados por empresas jorna-
ligências do PowerLab, laboratório do
»»»Esta edição da Plural incorpora,
lísticas – ainda de maneira muito tímida
curso de Tech da ESPM, e o acesso à fer-
pela primeira vez nos quase sete anos
– e até por projetos sociais com o obje-
ramenta tecnológica foi cedido pela IBM,
de revista, um projeto de inteligên-
tivo de conscientizar a população sobre
proprietária do sistema Watson de inte-
cia artificial. Trata-se do chatbot – ou
determinado problema.
ligência artificial, que também dispo-
GIOVANNA VIEIRA
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robô de conversação – Gutenbot, um
A criação do Gutenbot foi 100% reali-
nibilizou um treinamento aos envolvi-
sistema que tem a capacidade de criar
zada dentro da ESPM, por professores
dos, ministrado pelo professor de Tech e
diálogos com as pessoas por meio de
e alunos. Envolveu, além da equipe da
engenheiro da IBM Fabrício Barth.
um chat em site da internet.
Plural, outra oficina do curso de jorna-
“Temos um convênio acadêmico com
Este tipo de sistema interativo ganhou
lismo, o LabFor (Laboratório de Forma-
a IBM, por isso tivemos a oportunida-
popularidade nos últimos anos e tem
tos Híbridos). A parte mais técnica de
de de usar a plataforma. Projetos como
sido usado por diversas empresas para
programação ficou a cargo do profes-
esse provam o valor dessas parcerias e
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A IDEIA É QUE O GUTENBOT SEJA REPROGRAMADO DE TEMPOS EM TEMPOS PARA ATENDER A OUTRAS DEMANDAS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM convênios”, celebra Pimentel.
textos, mas nunca imaginei trabalhar
“A realização do GutenBot é um marco
com isso no jornalismo”, conta Marcelo
para nós, não só pela aplicação em si, o
Nogueira, estudante do terceiro semes-
que já seria histórico, mas pela oportu-
tre do curso de Jornalismo da ESPM.
nidade de integrar alunos de cursos dife-
Defi nido o tema, o próximo passo do
rentes – Jornalismo e Tech –, de âmbitos
projeto foi imaginar dezenas de pergun-
diferentes – a graduação e o Mestrado
tas que poderiam ser feitas ao chatbot e
Profissional em Produção Jornalística
categorizá-las no formato exigido pela
e Mercado –, e de contar com o apoio de
plataforma Watson. Depois, já com o
uma grande empresa no projeto”, ressal-
auxílio do professor Maurício Pimentel,
ta o professor Renato Essenfelder, editor
de Tech, essas perguntas foram sendo
da Plural e pesquisador na área de jor-
continuamente alimentadas e testadas
nalismo e inteligência artificial.
no sistema de inteligência artificial.
Giovanna Vieira, aluna do mestrado
Os alunos de jornalismo também fica-
e monitora da revista no período, aju-
ram responsáveis pela redação de todas
dou a coordenar a experiência com os
as respostas do bot. Catarina Brugge-
alunos mais jovens, e o professor Fabia-
man, do terceiro semestre, disse que
no Rodrigues, engenheiro que ministra
se surpreendeu com a possibilidade de
aula também no mestrado profissional
estudantes de jornalismo desenvolve-
da instituição, ajudou a coordenar o pro-
rem um robô sem conhecimentos pré-
jeto – que deve resultar, ainda, em arti-
vios de programação. “Fiquei bastante
go científico avaliando a experiência.
impressionada com a simplicidade para
O tema do chatbot se refere à parti-
treinar o bot”, conta.
cipação do Brasil na Copa do Mundo da
Essa particularidade é uma das carac-
Rússia. O coordenador do LabFor, André
terísticas do sistema usado para fazer
Deak, especialista em novas linguagens
a programação do bot, o Watson, da
jornalísticas, conta que essa defi nição
IBM. O objetivo é que, com criativida-
foi estratégica. “É fundamental saber
de e conhecimento mínimo sobre códi-
defi nir o escopo de um projeto desses,
gos, qualquer um consiga criar um cha-
pois, caso contrário, as pessoas irão se
tbot. Um outro detalhe interessante é
frustrar ao interagir com um robô de
que, depois de pronto, é preciso treinar
temática muito aberta e receber respos-
o robô para, ao longo do tempo, minimi-
tas sem sentido”, conta.
zar respostas equivocadas. “A novida-
“Decidimos então tratar da cultura e
de desse tipo de recurso não é mais pro-
da sociedade russa na revista impres-
priamente conversar com um robô, mas
sa e deixar toda a parte relativa à Copa
sim a naturalidade que esses mecanis-
para o robô. Assim, a revista se mante-
mos vão adquirindo. Eles ficam cada vez
rá atemporal, enquanto o robô atende-
mais humanos”, conta Catarina.
rá a essas questões mais quentes”, completa Essenfelder.
A ideia é que o Gutenbot seja reprogramado, de tempos em tempos, para
Para os alunos do LabFor, que alimen-
atender a outras demandas dos alunos e
taram o robô com perguntas e respostas
professores dos cursos de jornalismo da
e o treinaram nos seus estágios iniciais,
ESPM. Assim, fica o desafio para as pró-
a experiência, que ao todo durou qua-
ximas equipes de alunos de introduzir
tro meses, foi marcante. “Foi muito ino-
a tecnologia em diferentes narrativas e
vador. Eu até conhecia essa linguagem
torná-las mais interativas e atraentes,
de inteligência artificial em outros con-
como exige o jornalismo do século 21.
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COMO ACESSAR
1
Acesse a página do Gutenbot. Para tanto, você pode apontar um leitor de QR Code para a imagem acima, ou digitar direto no browser de internet o endereço http:// bot-copa-2018. mybluemix.net.
2
Faça suas perguntas sobre o Brasil na Copa da Rússia no campo “pergunte aqui”.
3
Pronto, agora é só conversar com ele. Lembrando que o robô só responde a perguntas ligadas diretamente à participação da Seleção nesta Copa. E que é um projeto experimental dos alunos de jornalismo da ESPM – ou seja, espere algumas respostas ainda um pouquinho esquisitas! Com o tempo, contudo, à medida que interagimos com o robô, ele vai ficando mais “esperto” e acertando mais.
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A RÚSSIA, PELOS
Foto: Vitalii Mikhailiuk
No centro das atenções mundiais por causa da Copa 2018, a Rússia – maior país do mundo em extensão territorial – é vasta não somente em seu tamanho, mas também na diversidade de culturas e na complexidade de seu povo, de sua política e de sua economia. Para ajudar a desvendar essa nação tão distante do Brasil, fomos direto à fonte: os cidadãos russos.
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Fotos: Vitalii Mikhailiuk
Palácio Catarina, perto da cidade de São Petesburgo, que costumava ser residência de verão dos czares russos
alguns dizem que ela nunca dorme. Já as vilas BRUNA RIBEIRO LIMA MANUELA NOGUEIRA MARCELLA STEWERS
são pacatas, bucólicas; não há muitos lugares para sair, além de ter poucas oportunidades. “Inconcebível” porque toda a complexida-
»»»Vasta. Plural. Inconcebível. Contraditó-
de do país é difícil de aprender. A riqueza da
ria. Essas são palavras que alguns jovens
cultura, a diversidade geográfica e étnica, a
russos entrevistados pela equipe da Plural
deslumbrante natureza selvagem, a complexa
usam para descrever seu país.
relação entre governo e sociedade civil, entre
A vastidão se refere à extensão territorial. Dezessete milhões de quilômetros quadra-
sociedade e religião: tudo isso produz um caldeirão cultural difícil de definir.
dos são residência de cerca de 144 milhões de
“Contraditória.” Governado por Vladimir
pessoas. É o país com maior área do planeta,
Putin, reeleito esse ano para exercer seu 4º
cobrindo mais de um nono da área terrestre.
mandato, o país vive um eterno paradoxo. A
A capital, Moscou, é a cidade mais populosa,
herança soviética prevalece no inconsciente e
seguida de São Petersburgo; a primeira chega
no cotidiano dos cidadãos, que vivem um des-
a quase 12 milhões de habitantes, ao passo que
compasso entre a Constituição, as ações do
a segunda não tem nem 5 milhões.
governo e o dia a dia da população.
“Plural” devido às diferentes realidades. A
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vida nas cidades grandes e nas chamadas vilas
Paradoxo
varia imensamente. As pessoas têm diferen-
“De acordo com a Constituição, não há censu-
tes costumes, valores e oportunidades. Em
ra na Rússia. Entretanto, há um grande pro-
Moscou, por exemplo, há sempre movimento,
blema de autocensura. As pessoas têm medo
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ENGLISH VERSION
To read an english version of this text, use a QR Code reader or access the URL http://jornalismosp. espm.br/plural/russiaby-the-russians/
No alto, o monumento Tula Pryanik, localizado na cidade de Tula; acima, uma igreja tradicional em Uglitch, cidade histórica próxima ao lago Volga
do futuro de suas carreiras, de sua saúde, e às
foi impedido. Dmitry Medvedev, seu protegi-
vezes, de sua vida”, diz o editor de uma revis-
do, assumiu e então Putin foi nomeado pri-
ta russa que prefere não ser identificado. O
meiro-ministro.
governo carrega resquícios do tempo soviéti-
Em setembro de 2011 Putin anunciou que
co, e por isso manifesta valores centralizado-
iria concorrer ao terceiro mandato e, mesmo
res e ultranacionalistas.
diante de protestos, foi eleito um ano mais
Após a dissolução pacífica da União Sovi-
tarde. Na presidência, alterou a lei e aumentou
ética, ou seja, a independência da Federa-
em dois anos o tempo em exercício, que pas-
ção Russa, Boris Yeltsin assumiu a presidên-
sou a ser de seis anos. Agora, em 2018, Putin
cia. Entretanto, a partir de 1993 a Duma, uma
inicia o seu quarto mandato. Apesar de não
espécie de Assembleia Legislativa, se rebelou
haver mais uma “cortina de ferro”, como nos
contra a liderança, acarretando um movimen-
tempos do regime soviético, a política gover-
to de revolta civil no país. Seis anos mais tarde,
namental segue severa. “O pior da Rússia, para
o conflito, aliado à baixa popularidade do pre-
mim, é que o sistema institucional econômico
sidente, pressionaram Iéltsin a renunciar.
e político é muito fechado. Não há comunica-
Vladimir Putin, então vice-presidente, assu-
ção entre autoridades e pessoas, especialmen-
miu o poder até 2000 e instaurou um governo
te em algumas regiões”, diz a jovem jornalis-
marcado por profundas reformas políticas e
ta freelancer Yaroslava Ryabova, de 22 anos.
Apesar dos poucos recursos, da baixa remuneração e de outros contratempos, eu acredito que a gente tenha os mais dedicados e incríveis professores. Natalia Filchakova designer
econômicas, tensões com os Estados Unidos
A aprovação do presidente russo hoje gira
e a Europa Ocidental e resgate do nacionalis-
em torno dos 85%, de acordo com dados divul-
mo russo. Desde então, foi reeleito em 2004 e
gados em 2017 pelo centro independente Cen-
tentou concorrer nas eleições seguintes, mas
tro Levada. Mas quem são esses 85%? A maioria dos jovens russos entrevista-
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dos pela equipe da Plural aponta que as pessoas mais jovens e politizadas são
justamente para ter garantias sociais”, comen-
críticas ao governo. Contudo, isso não é reali-
ta a jornalista Yaroslava Ryabova, de 22 anos.
dade em todo o país. Devido ao vasto territó-
Outra dificuldade está na faixa etária, “para
rio, muitos vivem em cidades rurais e “lá é um
pessoas por volta dos 40 e 50 anos é difícil ter
mundo muito diferente em todos os aspectos,
um ofício”, completa Shulman.
infelizmente”, lamenta a designer Natalia Fil-
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chakova, de 28 anos.
Atualmente a taxa de desemprego no país é de somente 5%. Assim como os brasileiros,
De acordo com a jovem é difícil comparar
os russos trabalham 40 horas semanais e pos-
a vida em Moscou à vida nas vilas. A vida na
suem 28 dias de férias remuneradas. O salá-
capital está sempre em movimento, com pres-
rio mínimo no país é de 9.489 rublos, o que
sa. São muitos eventos, exposições, concer-
é equivalente a 538 reais, para um “índice de
tos. As pessoas nas regiões mais afastadas
subsistência” (custo de vida) avaliado pelas
têm menos oportunidades e muitas vezes são
autoridades russas em 11.163 rublos. Em 2017,
pobres. Além disso, a mídia nas vilas em geral
o atual presidente Vladimir Putin prometeu
é controlada pelo governo.
igualar salário e índice de subsistência para
A situação política do país é uma das maiores lamentações dos jovens russos, que tentam
combater o nível de pobreza no país. Para encontrar vagas melhores, muitos
contornar isso com criatividade e otimismo.
jovens têm optado por trabalhar no exterior.
MERCADO DE TRABALHO
EDUCAÇÃO
Diferentemente do que tem ocorrido no Bra-
A forte educação russa ajuda os jovens que
sil, onde a taxa de desemprego medida pelo
buscam emprego no exterior. O nível de anal-
IBGE chegou a 13,1% em abril, na Rússia as
fabetismo no país é um dos mais baixos do
vagas são menos escassas. “Arrumar um tra-
mundo. De acordo com dados da Unesco, 99,7%
balho na Rússia não é difícil, considerando que
dos russos maiores de 15 anos são alfabetiza-
você viva em uma cidade grande o suficien-
dos. “As crianças são obrigadas a ir para a
te. Entretanto, encontrar um trabalho legal e
escola e têm uma pressão muito grande dos
bem remunerado, ou que corresponda às suas
pais para tirar notas altas”, afirma a jornalis-
habilidades e à sua formação acadêmica, é um
ta Yaroslava Ryabova, de 22 anos.
grande desafio” afirma o estudante de 27 anos Yefim Shulman.
Ouvir palestras, não discordar dos professores ou promover debates são característi-
“Para quem mora em áreas mais afasta-
cas típicas do ensino russo. “Há um abismo na
das não é tão simples se você não for militar.
relação entre o professor e os alunos, isso por-
Muitas pessoas escolhem carreiras no Exército
que a autoridade se perdeu e, hoje, os métodos são mais severos”, diz o engenheiro Danil Starobogatov, de 27 anos. Entretanto, ele afirma que a educação na Rússia é “espetacular”, pois a base de conhecimento é “imbatível”. Assim como no Brasil, contudo, na Rússia
144 mi 9.489 » é o número de habitantes da Rússia, maior país em extensão territorial do mundo, apesar de ser apenas o nono em tamanho da população.
» esse é o valor, em rublos, recebido pelos russos como salário mínimo. O custo de vida no país é avaliado em 11.163 rublos mensais.
também faltam recursos para a educação. Mas isso não parece ser impeditivo. “Apesar dos poucos recursos, da baixa remuneração e de outros contratempos, eu acredito que a gente tenha os mais dedicados e incríveis professores”, diz a designer gráfica Natalia Filchakova, de 28 anos. Aos 7 anos as crianças vão para as escolas.
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“NOSSOS ARTISTAS, AUTORES E CIENTISTAS SÃO PESSOAS EXTREMAMENTE TALENTOSAS. ESSA, NA MINHA OPINIÃO, É A MAIOR RIQUEZA DA RÚSSIA” Foto: Vitalii Mikhailiuk
PRESIDENTES RECENTES
BORIS YELTSIN » Primeiro presidente pós queda da União Soviética, entre 1991 e 1999. Foi responsável pela transição econômica do país para uma economia de mercado.
DMITRI MEDVEDEV » Atual primeiro-ministro da Rússia. Foi presidente entre 2008 e 2012 e é reconhecido por ter uma postura mais liberal.
Celebração do Festival das Flores, em 2013, na Praça Vermelha, em Moscou
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VLADIMIR PUTIN » Atual presidente do país. Conhecido por governar de forma centralizadora e ser bastante nacionalista.
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Fotos: Vitalii Mikhailiuk
Igreja abandonada em Suzdal, uma das cidades mais antigas da Rússia e famosa por possuir 35 igrejas
O material necessário para as aulas e a mensalidade da própria instituição são
o Estado funcionam separadamente. A maior
gratuitos, de acordo com a lei, nas instituições
Igreja na Rússia é a cristã, na qual se destaca
públicas. A contribuição financeira da família
o cristianismo ortodoxo, seguido das Igrejas
entra somente para cobrir gastos de alimen-
Católica Romana e Protestante.
tação e o uniforme.
O cristianismo ortodoxo foi adotado como
Os raros alunos de escola privada parecem
religião oficial do Estado Russo em 1988. Pro-
levar vantagem – sendo que no país a propor-
pagado em espaços que deveriam ser lai-
ção é de 48.809 escolas regidas pelo Estado
cos, escolas e canais estatais de televisão são
para, somente, 665 particulares. Entretanto
encorajados pelo governo para propagar essa
uma reforma escolar em grandes proporções
crença, considerada a doutrina mais rígida da
está sendo desenvolvida na tentativa de igua-
Igreja Católica. “A maior parte dos russos se
lar a qualidade do ensino de ambas esferas.
identifica como ortodoxa, mas isso não quer dizer que as pessoas, de fato, frequentem a
RELIGIÃO
igreja”, diz o engenheiro Danil Starobogatov,
“A maioria dos russos são ortodoxos – reli-
de 27 anos.
gião histórica do país. Essa era a religião oficial
O islã também está fortemente presente no
nos tempos do Império Russo e foi banida na
país. Surgiu nos séculos 7 e 8 na região e se
União Soviética, mas reviveu na modernidade.
fixou principalmente no sul e no leste da Rús-
Hoje em dia a religião é propagada pelo Esta-
sia. Hoje, é a segunda religião mais adotada
do. “O chefe da igreja é uma pessoa poderosa
pela população local.
no país, com influência comparada a do governo. Há propagandas na TV e também aulas de religião nas escolas”, diz Yaroslava Ryabova, jornalista, 22 anos. Como prevê a Constituição russa, a Igreja e
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CULTURA e personalidade “Eu posso dizer que nós apreciamos muito nosso patrimônio cultural, especialmente as pessoas nascidas em Moscou. A gente real-
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mente ama teatro e arte, vamos regularmente a museus e cinemas”, conta Yaroslava Ryabova, jornalista. Marcada por tradições e heranças históricas, a Rússia valoriza sua cultura e vai além dos estereótipos. Assim como o país é conhecido por seu frio característico, a imagem que as pessoas passam é de um ar gélido e introspectivo. Os jovens que se espalham pelo mundo apresentam uma visão diferente, mais amigável e receptiva, da cultura. “Eu acho que os russos só parecem ser sérios e não muito amigáveis, mas, se você se aproxima e se torna amigo, ele abre seu coração. É claro que, como em qualquer país, existem pessoas que se comportam de forma mais agressiva e fechada, mas isso acontece em qualquer lugar”, pondera Elena Smychkova, jornalista. Com o passar do tempo, mudaram hábitos típicos da população. “As gerações mais velhas gostavam de tricô, fazer utensílios de cozinha, cestas de vime e pesca. Hoje a tendência segue em torno dos hobbies internacionais”, aponta o estudante Yefim Shulman. Berço do balé, do teatro e da literatura, o país mantém viva sua arte. As novas gerações têm seus interesses estimulados e desenvolvidos desde crianças, sendo natural esperar horas para assistir a um espetáculo. “As pessoas podem ficar horas na fila por um ticket se a promoção for boa o suficiente. Eles [as autoridades locais] realmente querem que jovens se interessem pelas artes”, comenta Olga Brazburg, jornalista. Ela conta que existe um desconto para os estudantes russos em que um ticket para o Bolshoi pode ser comprado por 2 dólares – contra um preço médio de 400 dólares –, mas que a disputa é muito grande e muitos chegam a passar um dia inteiro nas filas. Para os jovens russos entrevistados pela Plural, a cultura ainda é o melhor aspecto do país. “Nossos artistas, autores e cientistas
No topo, igreja localizada na cidade de Veliky Novgorod, noroeste russo; no centro, sanatório abandonado em Sochi, perto do Mar Negro; acima, as muralhas do Novgorod Kremlin, também na cidade de Veliky Novgorod
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são pessoas extremamente talentosas. Essa, na minha opinião é a maior riqueza da Rússia”, conclui Natalia Filchakova, designer gráfica.
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ENQUETE
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QUAL É A PRIMEIRA COISA QUE VEM À SUA CABEÇA QUANDO SE FALA EM “RÚSSIA”? Giovanna Kuczynski 19 anos, gestora de recursos humanos
“Lembro da indústria bélica e da capacidade que eles têm de fabricar armas e mísseis o tempo todo”
Rafael Cairo 22 anos, estudante de publicidade e bailarino
“Balé e danças no geral, porque eu sou bailarino”
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A Plural perguntou a dez jovens brasileiros o que eles pensam quando o assunto é Rússia. A frieza veio à tona tanto no aspecto climático quanto na personalidade do povo. A Copa também não ficou de fora. Confira as respostas nestas páginas.
Fernanda Carolina 23 anos, estudante
Thiago Heijde 22 anos, produtor de TV
“[Jerzi] Grotowski: um grande diretor polonês que passou parte da sua vida estudando na Rússia”
“A Rússia me lembra pessoas muito frias, que não têm um relacionamento muito profundo com os outros. Acho que são pessoas muito fechadas”
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Leonardo Motta 19 anos, estudante
Pedro Franco 19 anos, web designer
Natalia Burger 24 anos, estudante de artes cênicas
“Frio. Por conta do local e por conta das pessoas”
“Eu penso em guerra, pelo fato de a Rússia ser um dos principais oponentes dos EUA e estar envolvida com ataques na Síria”
“Vem eu mesma na minha cabeça, porque todo mundo olha para mim e fala que eu tenho cara de russa”
Rafael Americo 26 anos, publicitário
Stheffanie Christiny 19 anos, bancária
Lucas Frontini 19 anos, alistado no exército
“Acho que por mais que eu pense em frio, a Copa do Mundo é a segunda coisa que está ligada. Eu penso numa Copa com frio e isso vai ser novidade”
“Rússia me lembra frio, porque eu já vi em filmes que lá faz muito frio”
“Copa ,porque esse ano os olhos do mundo estarão voltados para lá”
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18/19 Manifestação pelos direitos dos homossexuais em Moscou | FOTO PETER GRAY/CC
ORGULHO E PRECONCEITO Homossexuais lutam para superar preconceito que acarreta até risco de vida ELISA MINGUSSI SOFIA NUNES AURELI
relacionadas à sexualidade, entre 2011
Legislação
e 2016, 363 crimes contra membros da
Para piorar, a legislação russa não
comunidade LGBT+ foram registrados
parece ajudar os grupos LGBT+ a se
»»» Artem Kolesov é um jovem russo
na Rússia. Também foi apurado que
livrarem do preconceito. Um exemplo
que atualmente mora nos Estados
as principais vítimas eram homens e
disso é a Lei contra a Propaganda Gay,
Unidos. Ele divide seu tempo entre a
transgêneros.
instaurada em 2013 pelo presidente Vla-
especialização em violino e seu canal
A desinformação prejudica o grupo e
dimir Putin. Segundo ela, é vetada qual-
no YouTube. À primeira vista, parece
acaba gerando violência, como conta a
quer “forma de distribuição de informa-
ser apenas mais um estudante. Mas
estudante Margaret Rai. O alcance des-
ções públicas que possam prejudicar a
o que poderia ser apenas um deta-
sas informações, como a história que
saúde, o desenvolvimento moral e espi-
lhe fez toda a diferença em sua his-
afirma que crianças podem se tornar
ritual dos menores, incluindo ideias
tória. Artem é gay. Tendo crescido
gays se virem cenas homossexuais na
erradas sobre a equivalência social do
na Rússia, a ideia de sentir atração
rua ou em meios de comunicação, inclui
casamento tradicional e não tradicional
pelo mesmo sexo lhe causou muitos
até pessoas com alto nível de educação,
na cabeça das crianças”. Ou seja, é proi-
problemas. “Eu estava tentando ser
como conta o youtuber Artem Kolesov:
bido falar com crianças sobre qualquer
o mais quieto possível sobre aquilo
“Mesmo pessoas educadas, como meu
assunto LGBT+, o que acaba dificultan-
com que eu estava lidando.”
pai, que podem ter a mente aberta, às
do a luta por direitos civis.
A realidade de Artem é vivida por
vezes pensam que as pessoas LGBT são
Mas a Rússia não é um caso exclusivo
muitos outros russos. Segundo o Sexu-
predadoras sexuais, pedófilas com uma
em leis que podem ser usadas para per-
ality Lab, grupo que realiza pesquisas
doença mental”, lamenta.
seguir homossexuais. A lógica por trás
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Manifestação em Berlim, Alemanha, em 2013 em apoio aos direitos dos homossexuais na Rússia | FOTO MARCO FIEBER/CC
dessa lei é a mesma da criação do texto-
Apavoradas com o conteúdo do
também contou que as lésbicas são nor-
-base do Estatuto da Família no Brasil.
e-mail, Vitória e sua mãe logo entra-
malmente vistas como mulheres que
Ele tinha como objetivo definir regras
ram em contato com a Preparing Glo-
ainda não encontraram “o cara certo”.
jurídicas a respeito de quais grupos
bal Leaders (PGLS). O grupo respondeu
poderiam ser aceitos como formadores
que não havia nenhum problema, ainda
de família, e aceitava apenas o modelo
relatando que já haviam recebido outros
tradicional formado unicamente por um
transgêneros e que nada de mau ocor-
homem e uma mulher. O texto, aprova-
rera. Decidida, a jovem seguiu com sua
do em 2015, teve apoio da bancada evan-
viagem, e quando retornou ficou feliz
gélica do país e era pautado principal-
em dizer que deu tudo certo. “Não tive
mente por argumentos religiosos.
nenhum problema, andei na rua sozi-
O fato de a Rússia possuir uma pos-
nha, supertranquilo”, relata.
tura controversa em relação aos LGBTs
A líder do departamento de política
não impediu que a estudante transgê-
internacional da Russian University,
nera de direito da Universidade de São
Ekaterina Kuzina, conta que já abrigou
Paulo Vitória Dandara Toth quisesse
um intercambista trans. Para ela não foi
fazer um programa acadêmico no país.
nenhum problema, mas entende o por-
A jovem relata que não sofreu nada em
quê de a questão LGBTQ+ não ter muita
solo russo, mas que, ainda no Brasil, foi
visibilidade para o povo russo. “Isso não
desestimulada a viajar para Moscou.
é visto e reconhecido como algo real-
Vitória relata que ao entrar em contato
mente importante quando temos cida-
com o consulado ela recebeu um e-mail
des sem eletricidade ou abastecimento
dizendo que “LGBTs já foram impedidos
de água central”, comenta.
“Mesmo pessoas educadas, como meu pai, que podem ter a mente aberta, às vezes pensam que as pessoas LGBT são predadoras sexuais, pedófilas com uma doença mental”
de voltar da Rússia”. A mensagem ainda
Ekaterina também conta que os
alertava que poderiam acontecer con-
homens gays não são enxergados como
sequências drásticas, além de ressaltar
homens russos, ou seja, a imagem forte
que esse é um posicionamento russo, e
e viril transmitida por Putin é o mode-
Artem Kolesov,
não brasileiro.
lo masculino. De forma parecida, ela
Youtuber
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20/21 Mural de homenagens à jornalista investigativa Anna Politkovskaya, localizado perto de sua casa, onde foi morta | FOTO WIKIPEDIA
PROFISSÃO DE RISCO Repórteres investigativos sofrem, na Rússia, ameaças à liberdade de expressão e até à vida uma entre os 25 assassinatos que ocor-
de – comuns, aliás, em qualquer país do
SOFIA NUNES AURELI
reram na Rússia desde a posse de Putin
mundo –, talvez pela sensação que sua
»»»No dia 7 de outubro de 2006, Anna
em 1999. Ela, infelizmente, faz parte do
morte não é exceção. Afinal, quem man-
Politkovskaya foi assassinada com dois
panorama geral da imprensa russa, mar-
dou matar Politkovskaya e tantos outros
tiros nas costas. Não foi por acaso: Poli-
cado por ameaça à liberdade de expres-
jornalistas?
tkovskaya era jornalista da “Novaya
são, autocensura, repressão e pressão de
Gazeta” e escrevia reportagens denun-
autoridades sobre veículos de oposição.
Executados
ciando os abusos políticos e as viola-
Anos depois, seu assassinato conti-
A resposta para essa pergunta ainda está
ções dos direitos humanos que acon-
nua a ser um motivo de comoção para a
no ar. Dos 25 jornalistas mortos no perío-
teciam durante o governo Putin.
população russa. Talvez justamente por
do desde 1999, apenas um teve seu caso
Politkovskaya pensava, criticava e
ser a figura de alguém que representa-
solucionado e seus assassinos presos. Os
escrevia demais. Sua morte é apenas
va a resistência a abusos de autorida-
demais beiram entre uma resolução par-
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POLITKOVSKAYA PENSAVA, CRITICAVA E ESCREVIA DEMAIS. SUA MORTE É APENAS UMA ENTRE OS 25 ASSASSINATOS QUE OCORRERAM NA RÚSSIA DESDE A POSSE DE PUTIN
Coletiva de imprensa anual do Presidente Vladimir Putin, realizada em 2017 | FOTO DIVULGAÇÃO/KREMLIN
cial do caso ou uma total impunidade de
de março de 2017, voltou a acontecer.
tiros no quintal de sua casa, na cidade de
seus agressores.
Nikolai Andrushchenko, de 73 anos,
Minusinsk. O jornalista já sofria ameaças
A maioria das vítimas cobria casos de
tinha saído de casa quando foi surpre-
por exercer seu trabalho, e o caso ainda
corrupção e violação dos direitos huma-
endido por “assaltantes desconhecidos”
não foi resolvido.
nos. Exercer o jornalismo investigativo
que o espancaram brutalmente. Ele foi
O número de jornalistas que têm sua
é perigoso em qualquer país, e a Rússia
encontrado inconsciente e levado para
integridade física e psicológica colocada
não é exceção.
o St. Petersburg Hospital, onde passou
em risco na Rússia aumentou. No ano de
por uma cirurgia cerebral.
2017, além da morte de dois jornalistas,
Svetlana Zobova é jornalista investigativa russa e vencedora do prêmio nacional Redkollegia, que busca incen-
Andrushchenko não resistiu e morreu seis semanas depois.
cinco foram presos. Zobova comenta sobre o assunto, afir-
tivar grandes reportagens. Em entrevis-
O jornalista escrevia sobre corrupção
mando que a relação entre a imprensa
ta à Plural, ela conta que “no jornalis-
e abusos de poder das autoridades para
russa e o governo é muito tensa. “A mídia
mo investigativo na Rússia eles podem
o “Novy Peterburg” e já havia recebido
tem fechado ou mudado os donos ou edi-
demitir, aprisionar, matar e fechar a
ameaças. Infelizmente, seu caso não foi
tores. A cada ano a liberdade de expres-
mídia. Politkovskaya está longe de ser
um fenômeno isolado naquele ano.
são diminui na Rússia e mais artigos são
um exemplo único de assassinato a jornalistas”.
Dmitry Popkovk é mais um dos jorna-
censurados.”
listas mortos em 2017. Dmitry era edi-
O cônsul-geral da Rússia em São Paulo,
Desde 2013, a Rússia não enfrenta-
tor do jornal independente “Ton-M” e no
Yury Lezgintsev, em entrevista exclusi-
va mais casos assim. Porém, no dia 9
dia 24 de maio foi encontrado com cinco
va à Plural, refuta, contudo, a hipótese
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30/05/2018 10:02
de a imprensa no país ter sua liberdade
mídia russa sofreu profundas mudan-
restringida (leia mais à pág. 36).
ças. Em 2017 foram criados 3.461 novos veículos de comunicação ( jornal impres-
22/23
Leis seletivas
so, revistas, agências de notícias, mídias
A situação da liberdade de expressão
online, canais de TV, emissoras de rádio)
na Rússia é contraditória. Ela é protegi-
no país. Esse número representa mais da
da pela Constituição do país, no capítu-
metade dos canais fechados no mesmo
lo 2, artigo 29, que afirma: “A liberdade
ano de 2017 (6.679). A expectativa de
de informação de massas é garantida. A
vida das mídias na Rússia é curta: em
censura é proibida”.
média, 8 anos e 8 meses.
Mesmo assim, dados levantados pela organização Freedom House, que mapeia a situação da liberdade de expressão e imprensa no mundo, apontam que o país ainda vive em um regime com pouca liberdade de imprensa. Sergey Kagermazov, que trabalha no
Além disso, pela primeira vez na histó-
A jornalista investigativa Anna Politkovskaya, que na “Novaya Gazeta” escrevia reportagens denunciando abusos e violações aos direitos humanos, assassinada com dois tiros nas costas em 2006 | FOTO WIKIPEDIA
ria, os jornais impressos ocupam menos de 50% entre as mídias registradas, enquanto os veículos online representam 1/3 dos canais de comunicação jornalística do país. Os dados foram levantados pelo Media Digger em 2017.
site jornalístico russo “MR7.ru”, afirma
A mídia russa é controlada pelo Esta-
que, apesar da proteção constitucional,
do e por empresas privadas – nessas, as
“as leis na Rússia são aplicadas seleti-
que mais têm audiência são defensoras
vamente”.
do Kremlin. Na televisão, veículo mais
No ambiente online, onde suposta-
popular entre os russos, 80% dos canais
mente existiria um espaço maior para
estão sob o domínio de companhias pri-
a propagação de informações e conteú-
vadas, 13% do Estado e 5% têm a proprie-
-do de oposição ao governo, a situação
dade dividida. Dois dos três maiores
também não é melhor. Isso porque desde
canais de televisão, Channel One e Rus-
2008 foi criado o Roskomnadzor, uma
sia 1, são do Estado. A NTV, terceiro canal
autoridade do Estado que supervisio-
dominante, faz parte do conglomerado
na e bloqueia sites considerados ilegais.
empresarial da maior produtora de ener-
O cônsul Yuri Lezgintsev, no entan-
gia da Rússia e quinta maior do mundo,
to, afirma que é um equívoco confun-
a Gazprom.
dir a regulação da internet com censu-
Mesmo assim, ainda existem jornais
ra. “Sim, nós temos leis que regulam a
que são de oposição ao governo e têm
internet, e essas leis se você vai ler a pri-
alta tiragem. É o caso dos jornais impres-
meira vez, vai pensar que é uma lei que
sos “Novaya Gazeta”, “Nezavisimaya
restringe alguma coisa, mas não. Tem
Gazeta”, “The Moscow Times” e o “The
liberdade da informação, você pode falar
St. Petersburg Times” (esses dois últi-
qualquer coisa”, comenta.
mos, publicados em inglês).
O diplomata afirma que provedores
Mas Kagermazov acredita que o cená-
de internet são obrigados a guardar os
rio das mídias alternativas está cada vez
dados dos usuários para que, em casos
mais em risco, ao passo que as mídias
criminais envolvendo a internet – como
estatais ganham espaço para exibir “con-
crimes virtuais de pedofilia – o tribunal
teúdos tendenciosos” e a “mentir aber-
possa rastrear os infratores.
tamente para os russos”. Nas palavras do jornalista, “o governo comprime sis-
Paradoxo Nos últimos anos, o panorama da
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tematicamente os direitos dos jornalistas. Cada vez menos temos a presença
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AGRESSÕES FÍSICAS, VERBAIS, PERSEGUIÇÕES E AMEAÇAS TAMBÉM FAZEM PARTE DA ROTINA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS, PRINCIPALMENTE OS INVESTIGATIVOS
Sergey Kagermazov, do MR7.ru , e Svetlana Zobova, vencedora do prêmio Redkollegia | FOTOS ARQUIVO PESSOAL
da mídia independente, e cada vez mais,
do o relatório da Federação Nacional
Rússia, traz à tona as semelhanças entre
das controladas pelo Estado”, declarou.
dos Jornalistas (Fenaj) intitulado “Vio-
os países: “Há questões equiparáveis
A existência de uma mídia de oposição
lência Contra Jornalistas e Liberdade de
com o Brasil. Você pode escrever sobre
Imprensa no Brasil”.
o que você quiser, mas, se você investi-
comprova, para o cônsul Lezgintsev, que “não existem demasiadas regulações
Não é à toa que o país está classifica-
gar demais, fizer jornalismo investigati-
nessa esfera”. “Na Rússia, nós temos cen-
do como o segundo país da América do
vo demais, acontecem casos como o de
tenas, até milhares, de jornais de oposi-
Latina mais perigoso para jornalistas, de
Politkovskaya”.
ção – e até oposição agressiva. Ninguém
acordo com dados da ONG internacional
proíbe”, pontua.
de Repórteres Sem Fronteiras.
Brasil
A Rússia e o Brasil estão geograficamente distantes. São cerca de 14.450 qui-
Marina Darmaros, jornalista brasileira
lometros entre os países. No entanto,
que trabalhou como correspondente na
apesar de estarem separados pelo Oce-
Quem acha que a rotina de risco aos
ano Atlântico, em termos de violência
jornalistas investigativos é exclusividade
contra jornalistas, não estão muito dis-
russa, contudo, se engana. Nos últimos
tantes. O cenário, em ambos os países,
dez anos, 333 jornalistas foram assassi-
ainda aponta uma tendência no aumento
nados no mundo, e o Brasil foi palco de
da violência e do cerceamento da liber-
22 desses crimes. Só neste ano, até maio,
dade de expressão. Isso é também refle-
dois jornalistas já foram mortos.
xo de um movimento quase global, que ainda ameaça a integridade dos profis-
Agressões físicas, verbais, persegui-
sionais da imprensa.
ções e ameaças também fazem parte da rotina dos jornalistas brasileiros, sobretudo os investigativos. Em 2017, por exemplo, o Brasil reportou 29 casos de agressões físicas, 15 de ameaças e intimidações e 13 agressões verbais, segun-
20_23_imprensa.indd 27
Entre tantas questões não resolvidas
“Cada vez menos temos a presença da mídia independente”
na disputa entre as sombras do segre-
Sergey Kagermazov jornalista russo
estarão seguros para trabalhar em paz?
do e o direito à informação, uma sobressai. Quando jornalistas de todo o mundo
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JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
LABFOR
A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13
24/25
REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
PARA RETRATAR UM PAÍS DE MUITAS FACES, REVISTA TEVE MÚLTIPLOS ENSAIOS DE CAPA A capa desta edição é um mosaico feito a partir de 100 imagens sobre a Russia, encontradas em bancos de dados livres. Alunos do Laboratório de Formatos Híbridos (LabFor) fizeram a curadoria das fotos, e cada uma delas foi ampliada e virou também uma nova capa, impressa na forma de pôsteres lambe-lambe que foram espalhados pela ESPM. O critério para a seleção das imagens foi, além das licenças abertas para reutilização, a diversidade da cultura russa. Arquiteturas, pessoas, animais, pratos típicos, paisagens, objetos e tudo aquilo que direcionasse o olhar pela curiosidade, pelo interesse a uma outra cultura. Nestas páginas você confere algumas das capas alternativas que foram impressas. | ANDRÉ DEAK, EDITOR DO LABFOR
A RÚSSIA, PELOS RUSSOS JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS
JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO
CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
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DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
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A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
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JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
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CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP. A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
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SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM
SOCIEDADE JOVENS RUSSOS NARRAM CONTRADIÇÕES DA VIDA EM UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS DO MUNDO
Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
DIREITOS HUMANOS MILITANTES LGBT E REPÓRTERES INVESTIGATIVOS CRITICAM AUTORITARISMO; GOVERNO NEGA EXCESSOS CULTURA TRADIÇÃO DA LITERATURA, DO BALÉ BOLSHOI E DA MÚSICA ERUDITA CONVIVE COM SÉRIES DE TV E RAP.
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Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
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A RÚSSIA, PELOS RUSSOS Conheça o mais extenso país do mundo pelo olhar de seus próprios habitantes
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ELISA MINGUSSI
»»»“Sou um homem doente... Sou mau. Não tenho atrativos.” O início da obra “Memórias do Subsolo” caracteriza bem seu autor, o célebre escritor
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Fiódor Dostoiévski. Inspiração para
p
pensadores ocidentais como Friedrich Nietzsche, Albert Camus e Hermann Hesse, Dostoiévski marcou a história tanto da literatura como da filosofia – e até da psicanálise –ocidental. Segundo filho de Mikhail Dostoiévski e de Maria Fedorovna, o escritor não teve uma vida fácil. Não conseguia se relacionar e, muito menos, fazer amigos, dedicando grande parte de seu tempo à leitura de autores como Walter Scott, Charles Dickens e Victor Hugo. Muito apegado à mãe, Dostoiévski não lidou muito bem com a morte dela, quando ele tinha apenas 16 anos. Desenvolveu um ódio por seu pai que seria explorado futuramente em sua última obra, “Os Irmãos Karamázov”. A riqueza desse texto, considerado um dos mais importantes livros do autor, senão o melhor, inspiraria o pai da psicanálise, Sigmund Freud, anos depois. Em seu ensaio “Dostoiévski e o Parricídio”, Freud escreve que “na rica personalidade de Dostoiévski, é possível distinguir quatro facetas: o poeta, o neurótico, o moralista e o pecador”. Dostoiévski começou a escrever quando entrou para a Escola de Engenheiros Militares de São Petersburgo, consequência de sua falta de interação social. Entretanto só após a morte de seu pai, quando ele tinha 18 anos, que Dostoiévski desenvolveu sua criatividade, resultando em seu primeiro romance, “Gente Pobre”. Essa obra foi publicada em 1846, sendo um sucesso de críticas e rendendo inú-
PERFIL: DOSTOIÉVSKI
O GÊNIO DO SUBSOLO Conheça a vida de um dos escritores mais brilhantes e importantes de toda a história, que inspirou Freud, James Joyce e muitos outros
meros elogios ao autor. De acordo com Daniela Mountain, doutora em literatura russa pela USP e
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JAMES JOYCE AFIRMOU QUE DOSTOIÉVSKI CRIOU A PROSA MODERNA E QUE FOI SEU PODER QUE QUEBROU O ROMANCE VITORIANO
editora da Kalinka, a receptividade à obra de Dostoiévski duraria pouco. “Quando ele publicou seu primeiro livro, aos 25 anos, ‘Gente Pobre’, foi aclamado como grande talento por Vissarion Belínski, o crítico mais influente da época. Mas o
OBRAS-PRIMAS
livro seguinte, ‘O Duplo’, não foi tão bem recebido, pois não acharam nele o tipo de realismo que a Escola Natural de Belínski defendia”. Por conta disso, o autor criou laços com os revolucionários, o que acabou levando à sua prisão em abril de 1849. Durante seu exílio, reinventou seu estilo literário. Seu retorno a São Petersburgo ocorreu somente dez anos depois e com ele veio a tentativa de se reerguer. Criou com seu irmão a revista “Tempo”, obtendo sucesso na publicação de sua autobiografia “Memórias da Casa dos Mortos”, que inaugurou um novo gênero na literatura russa. “Humilhados e Ofendidos” também foi publicada por meio da revista. Os irmão enfrentaram dificuldades financeiras e a revista foi fechada em 1863. Juntos, criaram outra publicação, chamada de “Época”, onde foi publicado o embrião de “Memórias do Subterrâneo”. Porém com a morte de seu irmão, quando Dostoiévski tinha 42 anos, o autor se afastou da vida agitada do movi-
OS IRMÃOS KARAMÁZOV Último livro a ser escrito e publicado pelo escritor russo e talvez sua maior obra. Conta a história de uma problemática família russa. O patriarca é Fiódor Karamázov, um devasso que subiu na vida por causa dos dotes de suas duas falecidas mulheres. É pai de Dmitri, Ivan e Alexei. O contraste entre a inteligência de Ivan e o misticismo de Alexei se junta à disputa entre Dmitri e o pai por uma mulher, o que resultará na morte de Fiódor.
CRIME E CASTIGO Outra obra célebre do autor. Acompanhamos o jovem estudante Raskólnikov pelas ruas de São Petersburgo até que comete um crime para justificar sua teoria que grandes homens, como César ou Napoleão, foram assassinos absolvidos pela história por sua superioridade moral e intelectual. A partir desse ato, o leitor acompanha a jornada tortuosa de Raskólnikov, um homicida atormentado pela ausência de castigo para o seu crime.
mento político-literário russo, voltando a produzir no isolamento. Durante esse período escreveu “Crime e Castigo”, “O Idiota”, “Os Demónios”, “O Jogador” e “O Eterno Marido”. Considerada sua maior obra, “Os Irmãos Karamázov” teve seu início quan-
Anos após sua morte, Dostoiévski con-
do Dostoiévski foi convidado para ser
tinua a influenciar a cultura ocidental.
O romancista irlandês James Joyce
tutor dos filhos de Alexandre II. Pouco
Para a editora da Kalinka, é seu olhar
dizia que Dostoiévski criou a prosa
depois de escrevê-la, o autor faleceu de
“quase surrealista” sobre a vida que
moderna e que foi seu poder que quebrou
uma hemorragia pulmonar relacionada
encanta. “Obras como ‘O Duplo’, ‘O Cro-
o romance vitoriano. Seja isso verdade ou
a uma enfisema, em 1881. Sua morte foi
codilo’, ‘Bobók’... Essa realidade inveros-
não, Fiódor Dostoiévski inspirou desde
lamentada no país todo, com cerca de 30
símil, como ele mesmo dizia, aparece
Franz Kafka até José Saramago, chegando
mil pessoas acompanhando o corpo e o
descrita em linhas labirínticas e vigoro-
a diretores hollywoodianos como Martin
velório na Igreja do Espírito Santo, em
sas. O homem é colocado em situações-
Scorsese e Woody Allen, com sua visão
São Petersburgo.
-limite, como o príncipe Mýchkin de ‘O
de mundo e a potência de sua narrativa.
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Idiota’, um livro magnífico”.
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Foto: Kent Becker/CC
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SUOR, SANGUE E SAPATILHAS Companhia de balé mais famosa do mundo, o Bolshoi possui rotina exigente e exaustiva, mas isso não diminui o sonho e a competição entre bailarinos e aspirantes
campainha. Vai começar. LETÍCIA BAPTISTÃO
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»»»Rússia, inverno, dez horas da
História e tradição
manhã. A estudante Olga Brazburg
Mais do que um edifício histórico, loca-
já está em frente ao grandioso Teatro
lizado na capital Moscou, o teatro Bol-
Bolshoi. São apenas 40 ingressos dis-
shoi foi desenhado por Joseph Bové
poníveis. O espetáculo? “O Quebra-
para espetáculos de ópera e balé. Foi em
-Nozes”, criado há 126 anos. O preço
março de 1776 que o príncipe russo Piotr
impressiona: apenas dois dólares. Por
Urosov recebeu a permissão da impe-
esse valor, a visão de quem assiste à
ratriz Catarina II para abrir um teatro
apresentação não é privilegiada, mas
público na cidade, e assim, a história do
o show, com certeza, compensará.
teatro teve início.
O tempo de fila exige uma ida ao sho-
A dança clássica é prestigiada no país.
pping para se aquecer com um café, afi-
Os russos se orgulham de sua arte, que
nal o inverno russo pode chegar a tem-
começou com o Ballet Russes, criado por
peraturas de mais de cinquenta graus
Sergei Diaghilev no começo do século
negativos. Às quatro horas da tarde, Olga
XX, e que hoje é comandado por compa-
volta para garantir que seu nome conti-
nhias como o próprio Bolshoi e o teatro
nua na lista. Mais de 40 pessoas seguem
Mariinsky. Esses grupos são almejados
paradas na fila. Nem todos entrarão. Ela
e admirados por dançarinos e artistas
consegue, está dentro do teatro. “Quan-
em todo o mundo, criando, assim, uma
to ouro”.
enorme competitividade por um espaço
Soa a primeira campainha antes do
nas tão sonhadas companhias de dança.
espetáculo começar. Olga está no último
Geralmente, uma vaga em uma dessas
andar, vê jovens de calças jeans, roupas
escolas é disputada por mais de cem can-
casuais. Então se lembra que pagou ape-
didatos e, na Rússia, isso acontece desde
nas dois dólares para estar ali e quase não
a era soviética. Mesmo entre os melho-
acredita na própria sorte. Segunda cam-
res dançarinos das academias de balé,
painha. Nas demais alas, onde o ingresso
apenas 5% são admitidos nas companhias
é de pelo menos 300 dólares – podendo
mais reconhecidas e um número ainda
chegar a mais de mil –, vê senhoras ele-
menor se torna solista.
gantes, de salto alto, e homens de terno.
O mundo do balé é extremamente
A visão é de tirar o fôlego. Soa a terceira
competitivo. Não ter o papel desejado
Dois dos principais dançarinos do Bolshoi: Olga Smirnova e Artem Ovcharenko |
FOTO: REPRODUÇÃO
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pode resultar em revolta – e, até, em crimes. Anzhelina Vorontsova, de 21 anos, ganhou espaço nos jornais, em 2013, quando seu namorado, o também bailarino Pavel Dmitrichennko, confessou ser o responsável por um ataque contra
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o diretor artístico do Bolshoi, Sergei Filin. O motivo: ele queria se vingar porque o diretor russo não deu à sua namorada o papel de Princesa Odette no espetáculo “O Lago dos Cisnes”. Filin foi surpreendido por um assaltante desconhecido perto do prédio onde mora. Os agressores jogaram ácido sulfúrico em seu rosto e pescoço, ferindo-o gravemente e fazendo com que ele corresse o risco de perder a visão. Carregará essa marca pelo resto da vida. Dmitrichenko, descontente com as escolhas do diretor, havia contratado os dois agressores para se vingar. O homem que jogou o ácido recebeu 50 mil rublos, segundo a polícia. Isso é equivalente a cerca R$ 3.190. Bolshoi no brasil O Bolshoi possui uma unidade em Joinville, Santa Catarina, e os desafios para conseguir uma vaga lá também são grandes. Igor Monteiro, de 18 anos, é bailarino do Bolshoi Brasil e conta como foi o processo para ingressar na escola: “Nas audições, primeiro temos que fazer os movimentos na barra e, depois, o centro, em que são analisados os grandes saltos e as grandes piruetas”, lembra. Passando por essa fase, os candidatos passam por uma avaliação na fisioterapia, para ver se o corpo poderá evoluir e se o índice de gordura está adequado ao que a academia exige. “Temos que dar o nosso melhor sempre, não podemos fazer corpo mole.” O balé brasileiro ainda tem grandes influências da cultura clássica russa. Foi graças à vinda de importantes companhias, como a de Diaghilev e também
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A CONCORRÊNCIA BEIRA A LOUCURA. EM 2013, UM BAILARINO DESCONTENTE MANDOU JOGAREM ÁCIDO SULFÚRICO NO ROSTO DE UM DIRETOR DO BOLSHOI
da bailarina russa Maria Oleneva, para o Rio de Janeiro, que a dança despontou no Brasil. Foi Maria, inclusive, quem fundou a Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal, que se tornou o principal centro de formação de bailarinos no país. Antigamente, existiam três principais escolas no balé no mundo: francesa, italiana e russa, cada uma com seu foco exclusivo de ensino. Agrippina Vaganova, bailarina e pedagoga russa, entrou para história, pois foi a última a desenvolver um método de dança, considerado o mais completo e minimalista de todos. O método Vaganova surgiu no contexto da Revolução Russa e resultou numa mudança no modo de se enxergar o balé no país. Ele traz a fluidez e expressividade dos braços e torsos do método francês e os giros e saltos do método italiano. Igor é fã do estilo russo. “Os principais nomes e inspirações vêm de lá”, avalia. Nova geração Grande parte das crianças russas desejam estudar balé. Mesmo com as dificuldades para seguir nessa carreira, a nova geração de dançarinos parece não se assustar. Pavel Gorbachev, de 25 anos, iniciou
Interior e fachada do Teatro Bolshoi |
FOTOS: DIVULGAÇÃO/CC
sua carreira na dança aos 18 e diz que a sua paixão pelos movimentos, com certeza, tem influência da cultura de seu país. Hoje, o russo vive em São Paulo e se dedica às danças urbanas. Para ele, apesar de dança ser sinônimo de balé na Rússia, outros estilos, como o Vogue (estilo moderno) e o Dancehall ( jamaicano), tem crescido muito no país. Independentemente da dança moderna, o significado do balé russo é inegável mundialmente. Bolshoi será sempre Bolshoi. Emocionando e marcando a vida de bailarinos, aspirantes ou pessoas como Olga Brazburg, que tiveram o privilégio de realizar seu sonho – seja na plateia, seja nos palcos.
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32/33 Show de rock em Moscou | FOTO: PAWEL MARYANOV/CC
DO CLÁSSICO AO POP Nas artes, a Rússia geralmente é lembrada pelo balé, pela música erudita e pela vasta literatura, mas, como em qualquer país, os jovens ouvem pop e amam séries de TV
KAIQUE VIEIRA
do indústrias do mundo inteiro. É parte
Brasil em muitos aspectos. “Eu acho
essencial da cultura e tem apelo ainda
que os brasileiros estão sempre alegres,
entre os jovens – ou seja, está vivo, não
»»»O que vem à sua mente quan-
são unidos pela música e pela dança, e
se trata de peça de história. “Para mim,
do se fala de Rússia? Para muitos,
os russos gostam de se divertir e relaxar
o cinema é uma parte muito importan-
um país gelado localizado ao norte
como os brasileiros.”
te da minha vida. Eu assisto filmes com
da Ásia e na parte leste da Europa.
No campo cultural, a riqueza do país
certa frequência, às vezes todos os dias”,
Outros associam o país à vodca e às
é imensa. Além de gênios da literatu-
afirma a russa Maria Vershinina, estu-
bebidas destiladas do local. Seja qual
ra (leia mais à pág. 24 ), a Rússia pro-
dante de design. Dentre os filmes russos
for seu pensamento, a verdade é que
duziu grandes mestres na música, na
mais aguardados de 2018, diz ela, estão
geralmente pouco se sabe a respei-
dança e no cinema. O cinema russo é,
“Dovlatov”, “The Bottomless Bag”, “Sel-
to da Rússia.
aliás, considerado um dos mais impor-
fie”, “Crime e Castigo” e “Involução”.
Na opinião da estudante russa Cris-
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tina Alferova, o país assemelha-se ao
tantes e antigos da história, influencian-
Diferentemente das principais indús-
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A banda de punk rock What We Feel, de Moscou | FOTO: DIVULGAÇÃO trias cinematográficas do mundo como
de dominação norte-americana. “Star-
a Hollywoodiana e a de bollywood
tups como a Netflix não surgem do nada,
os filmes russos costumam ser mais
e não funcionam como se um adolescen-
demorados. “A meu ver, os russos são
te tivesse uma ideia de bilhões de dóla-
bons em filmes lentos, pensativos, sem
res numa epifania”, completou o político
muita ação com certa dose de lirismo às
para a agência russa de notícias Rambler.
vezes”. O gênero do cinema mais pro-
Embora a Rússia demonstre certo
blemático para os russos é parecer com
nacionalismo em relação à produção
Hollywood. As vezes até vale a tentati-
cinematográfica, de modo a priorizar as
va, mas na maioria dos casos fica muito
produções locais, empresas estrangei-
ruim”, completa a estudante freelancer
ras como a própria Netflix investem em
Eva Karpovkina
séries produzidas no país, como as iné-
Assim como no Brasil, na Rússia os
ditas no Brasil The Method, Locust, Fart-
serviços de streaming ganharam bas-
sa, Territory e Sparta. Segundo a estu-
tante espaço. “A série de maior sucesso
dante e freelancer Eva Karpovkina, que
aqui é ‘Black Mirror’, e muitas outras são
mora em Moscou, as séries russas, con-
assistidas no Netflix”, completa Cristina.
tudo ainda devem muito em qualidade
No entanto, a aceitação do cinema por
de produção em relação às norte-ame-
parte dos jovens no país se opõe à visão
ricanas. Mas elas em geral se destacam
do ministro da cultura russo, que vê os
quando adaptam para as telas clássicas
serviços de streaming como um projeto
da literatura russa.
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“Eu acho que os brasileiros estão sempre alegres, são unidos pela música e pela dança, e os russos gostam de se divertir e relaxar como os brasileiros” Cristina Alferova estudante
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De acordo com Cristina, infelizmente os filmes russos mostram somente o lado problemático da nação. “A maioria dos filmes russos são associados a pobreza, corrupção, devassidão, bebedeiras e isso com certeza influencia a personali-
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dade do cidadão porque ele começa a ter uma visão negativa de seu país”. Música Não menos importante para os russos, a música vai muito além das composições clássicas de Tchaikovsky. Assim como os brasileiros, a população local também tem gosto eclético. Do rock ao rap, do techno à música clássica, há música para todos os gostos. Entre os jovens, techno house e pop são as preferidas. “A música pop é com certeza a mais popular na Rússia, está presente em todos os lugares, além do hip hop e do rap que também são bem aceitos. A música eletrônica e o hip hop muitas vezes protestam contra o governo, a corrupção e a polícia”, relata a russa Yuliana Popova, estudante de moda. As rádios locais, ainda que os russos sejam patriotas, priorizam músicas estrangeiras, como relata Yuliana: “A música ocidental é mais popular do que as russas, mas os habitantes passaram a ser mais patriotas após a Rússia anexar a região da Crimeia [em 2014], fra-
cou. Em São Petersburgo, aliás, a lista
gilizando as relações com as potências
de lugares notáveis para visitar inclui
do Ocidente”.
a catedral de Saint Isaac, o palácio de
Atualmente, as músicas de maior
Catherine, o Hermitage (um dos maio-
sucesso entre os jovens são do cantor
res museus de arte do mundo), e o Kuns-
Faduk, conhecido como “o Drake russo”,
tkamera (primeiro museu da Rússia). Além de cultural, Petersburgo é con-
referência ao rapper norte-americano. Vitaliy Vladasovitch, conhecido como Vitas, também ganhou destaque com a música “7th Element”, após divulgação na página do Facebook da série americana “The Soup”. Para quem aprecia passeios culturais, Eva Eugenia sugere os festivais de cinema ao ar livre em São Petesburgo e Mos-
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“A música eletrônica e o hip hop muitas vezes protestam contra o governo e a polícia”
siderada uma cidade hospitaleira, como
Yuliana Popova, estudante de moda
pouco, mas para mim a cidade mais hos-
relata a professora de russo Olga Koldaev. “Para mim a única cidade para viver do ponto de vista de cultura e história é São Petersburgo. Moscou é uma cidade muito agitada, ali o povo é diferente um pitaleira é São Petersburgo.”
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A MÚSICA VAI ALÉM DAS COMPOSIÇÕES CLÁSSICAS. ASSIM COMO OS BRASILEIROS, OS RUSSOS TÊM GOSTO ECLÉTICO. DO ROCK AO RAP, DO TECHNO À MÚSICA ERUDITA
Apresentação na Rádio Moscou
“Black Mirror”, série britânica, é muito popular na Rússia
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| FOTO: MARCO MOSTI/CC
“Crime e Castigo”, série russa baseada na obra de Dostoiévski
“Involução”, filme de ficção científica russo de sucesso
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p&r ENTREVISTA: YURY LEZGINTSEV, YURY DUBININ e KONSTANTIN BIRYUKOV DIPLOMATAS RUSSOS EM SP
APESAR DO QUE DIZ A PROPAGANDA NO EXTERIOR, A RÚSSIA É UM PAÍS DEMOCRÁTICO 36_43_pingue.indd 44
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TRÊS DIPLOMATAS RUSSOS, INCLUINDO O CÔNSUL-GERAL DO PAÍS EM SÃO PAULO, RECEBERAM A REPORTAGEM DA PLURAL PARA REBATER CRÍTICAS E AJUDAR A COMPOR UM MOSAICO SOBRE UM DOS PAÍSES MAIS COMPLEXOS E FASCINANTES DO MUNDO Foto: Mariano Mantel/CC
Praça Vermelha , símbolo central de Moscou, conhecida pelos grandes desfiles militares durante o período soviético
menor que na Europa em geral. Então
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BRUNA RIBEIRO LIMA, MANUELA NOGUEIRA E MARCELLA STEWERS
isso é mais um ‘fake news’. É uma coisa
»»»As críticas que se fazem a Rússia,
acha que os russos bebem muito,
como restrições à liberdade de expres-
mas não é assim”, critica Konstantin
são ou à liberdade religiosa, são “fake
Biryukov, representante da Agência
news”, conforme definem diplomatas
Federal de Assuntos da Comunidade
russos entrevistados com exclusivida-
dos Estados Independentes.
que nos desagrada porque todo mundo
de para esta edição da Plural. Segun-
Biryukov concedeu entrevista jun-
do eles, muito do que se diz do país é
tamente com o cônsul-geral da Rús-
falso. Incomoda, por exemplo, a asso-
sia em São Paulo, Yury Lezgintsev,
ciação imediata da Rússia com vodca.
e do cônsul Yury Dubinin. O gover-
“A quantidade de bebidas alcoólicas
no russo é sim centralizador, dizem,
que a gente consome na Rússia é muito
mas de que outro modo seria possível
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“APESAR DE TODA PROPAGANDA QUE HÁ, AQUI NO BRASIL E EM PAÍSES EUROPEUS, A RÚSSIA É UM PAÍS DEMOCRÁTICO. TEMOS LIBERDADE DE EXPRESSÃO, TEMOS LIBERDADE RELIGIOSA”
“INFELIZMENTE, QUANDO FALAMOS COM OS BRASILEIROS, ‘VODCA’ É A PRIMEIRA PALAVRA QUE FALAM QUANDO DESCOBREM QUE EU SOU DA RÚSSIA”
Monumento na Praça Vermelha homenageia Dmitry Pozharsky e Kuzma Minin, heróis nacionais que combateram uma invasão à Rússia em 1612
administrar uma nação formada por
mas muitas são diferentes. Por conta
162 etnias? Centralizador, mas demo-
de algumas das minhas experiências,
crático, reiteram, e com tanta liberda-
eu acredito que o caráter brasileiro
de de expressão como qualquer outro
pareça muito com o russo, e isso me
país ocidental.
agrada bastante.
Leia a seguir os principais pontos da conversa, realizada na sede do consu-
Do que os srs. mais sentem falta?
lado russo em São Paulo.
Lezgintsev – Quando uma pessoa mora fora da sua pátria, tem saudade
Quais são as principais semelhanças e as diferenças entre a cultura russa e a brasileira, na opinião dos senhores?
de seus parentes, da maneira de viver
Yury Lezgintsev – Difícil dizer, as
Dubinin – Eu sinto saudades do frio.
no seu país, das coisas com que está acostumado. Isso faz falta.
culturas são diferentes. A brasileira, na minha opinião, vem de três culturas: portuguesa, indígena e africana,
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Quais são as principais tradições russas ainda hoje vivas?
então é uma composição. Já a russa
Konstantin Biryukov – Eu acho difí-
vem de uma outra parte da Europa,
cil falar sobre isso porque a Rússia é
além de ter muita influência asiáti-
um país em que sobrevivem 162 povos
ca. Acredito que a nossa cultura seja
diferentes. Todas essas etnias têm
autêntica e incomparável.
sua própria língua, cultura e religião.
Yury Dubinin – É difícil comparar
Cerca de 20% da população é muçul-
duas culturas. Há coisas em comum,
mana, então os costumes deles são
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RAIO-X CÔNSUL-GERAL DA RÚSSIA EM SP Nome: Yury Lezgintsev Nascimento: 1º de dezembro de 1956, em Leningrado, antiga URSS. Formação: Faculdade de Relações Econômicas Internacionais do Instituto Estatal das Relações Internacionais de Moscou. É também doutor em Ciências Econômicas na Academia de Economia e Serviço Público da Rússia. Carreira: Serviu na Embaixada da Rússia no Peru (2001–2006), no Departamento da América do Norte do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia (2006–2007), na Embaixada da Rússia nos EUA (2007–2008), na Embaixada da Rússia na Venezuela (2008–2012), e na Embaixada da Rússia no Chile (2012–2017). Assumiu em dezembro de 2017 o cargo de cônsul-geral da Rússia em São Paulo. Foto: Greg Schechter/CC
totalmente diferentes dos católicos
próprias festas e celebrações – que são
tas. É interessante falar também sobre
ou dos ortodoxos. Mas se falar sobre
bem populares na Rússia.
as comidas típicas dos soldados rus-
coisas mais simples, acho que há tra-
Agora também há um crescimen-
sos durante a Grande Guerra Patrió-
dições comuns. Por exemplo, quando
to de algumas tradições novas, que
tica [outro modo como os russos se
você entra em casa, você tira os sapa-
foram desenvolvidas logo depois da
referem a Segunda Guerra Mundial]:
tos porque os seus sapatos sempre vão
queda da União Soviética. No dia 9 de
a polenta com grão de trigo sarrace-
estar com neve e se derreterem vão
maio nós temos uma manifestação em
no e carne.
sujar o interior da casa. Aqui no Bra-
que comemoramos a vitória na Segun-
Biryukov – Temos um inverno que
sil não tem essa tradição – essa é a pri-
da Grande Guerra. Outro movimen-
dura sete meses, o nosso trabalhador
meira diferença das muitas que pode-
to popular é a Fita de São João, um
tem que trabalhar por três meses –
mos citar.
santo que protege Moscou, e, também,
junho, julho e agosto – duramente para
A festa mais comemorada é a do
é muito conhecido na Rússia. Essa fita
fazer uma safra dos produtos e guar-
Ano Novo e acho que isso chegou logo
chegou a ser um símbolo dessa come-
dar esses produtos para o inverno. Por
depois da Revolução Russa. Também
moração. Então nesse dia, todos rece-
essa razão, a nossa comida é muito
temos festas religiosas e acho impor-
bem essas fitas e as colocam na roupa
pesada, muito gordurosa e forte, por-
tante dizer que temos muitas igrejas
para comemorar a festa.
que você tem que sobreviver a tem-
e cultos diferentes. Apesar de toda propaganda que há,
peraturas muito desagradáveis. E, ao
Como é a culinária típica da Rússia?
contrário do que todo mundo diz aqui,
aqui no Brasil e em países europeus, a
Lezgintsev – A Rússia está formada
nós não tomamos vodca no frio por-
Rússia é um país democrático. Temos
por várias nações e cada etnia tem sua
que é muito perigoso. A pessoa que
liberdade de expressão, temos liber-
comida típica. Talvez, no geral, possa-
toma muita vodca perde a sensação do
dade religiosa e temos uma grande
mos falar em carne, uma sopa de couve
frio e pode facilmente morrer. Inclu-
quantidade de judeus que têm suas
ou repolho, almôndegas e batatas fri-
sive, a quantidade de bebidas alcoóli-
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“DIFERENTEMENTE DO BRASIL, NÓS NÃO TEMOS IMAGENS RELIGIOSAS NOS PRÉDIOS OFICIAIS. OUTRA COISA: NO BRASIL NÃO TEM ABORTO, É PROIBIDO. NÓS ACREDITAMOS QUE AS MULHERES SÃO DONAS DO PRÓPRIO CORPO”
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Fotos: Daniel Enchev/CC
Acima e na página ao lado, cenas de rua de São Petersburgo, cidade com 4 milhões de habitantes e segunda maior do país
cas que a gente consome na Rússia é
nem está entre os dez países que mais
Antigamente tinha um que chamava
muito menor que na Europa em geral.
consomem álcool. Isso é “fake news”.
“Moscou-Paris”, mas ele fechou. Até o semestre passado tínhamos um res-
Então isso é mais uma “fake news”. É uma coisa que nos desagrada porque
taurante chamado “Camarada”, que
todo mundo acha que os russos bebem
Os senhores conseguiram se adaptar facilmente à culinária brasileira?
muito, mas não é assim.
Lezgintsev – Sim, porque eu estou
mas infelizmente ele também não
também tinha comida típica russa,
Dubinin – O melhor jeito de conhe-
há muitos anos trabalhando fora do
existe mais. Você pode procurar pes-
cer a comida russa é provando. A sopa
meu país – esse é meu nono destino
soas que vendem comida russa por
é muito popular. Quando faz 40 graus
diplomático. Então estou acostumado
encomenda. No Brasil, há um único
negativos, a sopa bem quente é muito
a me adaptar bem à comida no exte-
bom restaurante russo, que se chama
nutritiva, então lá nós temos centenas
rior. Gosto muito da comida brasileira.
“Dona Irene”, e fica em Teresópolis. Esse restaurante tem um menu mon-
de receitas de sopa.
tado com base na cozinha do nosso
tem razão: isso não é verdade. A Rús-
Os senhores encontram em São Paulo restaurantes que remetem ao seu país? Qual o restaurante que melhor representa a culinária russa em São Paulo, na sua opinião?
sia nunca ocupou o primeiro lugar no
Biryukov – Agora em São Paulo
mundo dos alcoólicos fortes e agora
não tem nenhum restaurante russo.
A religião parece ter um papel importante na vida dos russos. Como esse cená-
Infelizmente, quando conversamos com os brasileiros, “vodca” é a primeira palavra que falam quando descobrem que eu sou da Rússia. Konstantin
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último imperador. Vale a pena viajar para lá só para degustar. Eles servem com toda a tradição.
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WWV “A RÚSSIA É UM PAÍS LIVRE. NÓS TEMOS LEIS QUE REGULAM A INTERNET, E ESSAS LEIS PODEM DAR A ENTENDER QUE NÃO HÁ LIBERDADE DE EXPRESSÃO, MAS ISSO NÃO É VERDADE”
rio é hoje? Os senhores diriam que os russos são muito religiosos?
imagens religiosas nos prédios ofi-
ca, balé, teatro. É muito difícil arranjar
ciais. Outra coisa, por exemplo, aqui
um ingresso para os museus e teatros.
Biryukov – No território da Rússia
no Brasil não tem aborto, é proibido.
Além disso, os circos são mundialmen-
nós temos muitas religiões e nenhu-
Nós acreditamos que as mulheres são
te conhecidos.
ma delas é oficial. Estado e religião
donas do próprio corpo, com alguns
são separados de acordo com a nossa
limites, claro.
Constituição. O nosso líder, o senhor
Biryukov – Eu acho que nós estamos agora numa explosão da cultura russa. Temos, também, muitos movimentos
A arte russa clássica é mundialmente conhecida pela literatura, pelo cinema, música e dança. Mas hoje em dia os jovens russos ainda se interessam pelas artes?
artísticos. Na primavera, por exem-
não é verdade. Nós podemos dizer que
Lezgintsev – Isso é muito particu-
popular e se chama “Dia dos Museus”.
os russos são predominantemente
lar. Alguns jovens passam boa parte do
Há também o “Dia das Bibliotecas”,
ortodoxos, mas temos igrejas católi-
tempo na internet e outros se dedicam
no qual as bibliotecas ficam abertas
cas, temos mesquitas. O senhor Putin
mais ao balé, aos livros, ao teatro. Mas,
a noite inteira. E sim, nós temos uma
tem se encontrado muitas vezes com
generalizando, posso dizer que sim.
cultura clássica mas está surgindo
Putin, é muito religioso. Ele é ortodoxo e, por causa disso, muitas vezes ele aparece perto da igreja e mais de uma vez surgem boatos que nós temos uma religião oficial: a ortodoxa. Isso
plo, tem um dia em que todos os teatros e museus de Moscou são abertos 24 horas. Nesse movimento é possível entrar nos teatros à noite, isso é muito
líderes muçulmanos e judeus. Dife-
Dubinin – Se interessam muito.
uma cultura nova: temos a onda do
rentemente do Brasil, nós não temos
Tudo na Rússia é bom: museu, músi-
rap russo – o que é uma coisa inédita.
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“PARECE-ME QUE TEMOS MAIS LIBERDADE DO QUE É NECESSÁRIO. O GOVERNO É CENTRALIZADOR SIM, MAS ISSO É UMA COISA QUE NÃO PODEMOS MUDAR PORQUE O NOSSO TERRITÓRIO É GRANDE”
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Foto: Daniel Enchev/CC
São Petersburgo é considerada a capital cultural da Rússia e eleita pelo World Travel Awards como melhor destino da Europa
A literatura é algo forte na Rússia.
popular na Rússia.
essas leis podem dar a entender que
No metrô, é muito comum ver jovens,
Biryukov – A internet na Rússia é
não há liberdade de expressão, mas
idosos e crianças com livros na mão.
uma coisa comum e muito popular. A
isso não é verdade. O que essas leis
Eu raramente vejo isso aqui no Brasil.
língua russa é a segunda língua mais
fazem é obrigar operadoras de inter-
Na minha opinião a literatura da Rús-
usada na internet. Os jovens estão
net a guardar informações para que
sia é a mais rica do mundo, não tem
criando muitos conteúdos on-line, nós
um tribunal de justiça possa solicitá-
nenhuma igual a ela. Ela é incontesta-
temos redes sociais russas que poucos
-las caso haja necessidade.
velmente incomparável. A música clás-
brasileiros conhecem, mas são muito
Escutamos muito que o governo
sica é a mesma coisa. E o país que mais
populares lá. O governo até ajuda a
russo é centralizador e que a imprensa
tem educação e jovens matriculados
criar espaços para adolescentes, e
não tem liberdade, é verdade?
nas universidades é a Rússia, além de a
os incentiva a participar de jogos na
Dubinin – Quem disse? Aqui no Bra-
população russa ser 100% alfabetizada.
internet. Além disso, a quantidade de
sil existem alguns jornais e revistas
pessoas que trabalha com software e
de oposição, por exemplo, que nas
Falando em jovens, como é a relação deles com a internet? O acesso à rede é livre no país? O governo se preocupa com a circulação de conteúdos na rede?
programação é enorme na Rússia. A
bancas eu não vejo. Na Rússia exis-
China, a Rússia e o Brasil são países
tem milhares de partidos que têm seus
onde há mais pessoas que trabalham
jornais publicados e que fazem opo-
na área, e a quantidade de hackers nes-
sição agressiva. Ninguém os proíbe.
Lezgintsev – Os jovens, como em
ses países é a maior do mundo. Eu acho
Biryukov – Parece-me que temos
todo o mundo, usam a internet livre-
que isso é mais uma coisa que compro-
mais liberdade do que é necessário.
mente. Não existe nenhuma restrição
va que a Rússia é um país livre. Nós
Falando sobre o governo, que é cen-
para usar a internet, a rede é muito
temos leis que regulam a internet, e
tralizador, sim, isso é verdade. É um
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Foto: Dennis Jarvis/CC
WW mesma coisa, mas nós continuamos com todos os meios de comunicação presentes. Mas logo, como represália, nós vamos mandar alguns para fora do país.
Qual a diferença dos grandes centros urbanos e das vilas do interior do país? Lezgintsev – Como aqui no Brasil, a diferença é como São Paulo e Ouro Preto. A mesma coisa se passa na Rússia. Há megalópoles e há aldeias, a diferença existe, mas se balanceia. Não é tão diferente viver em uma cidade grande e em uma aldeia. A maneira de viver é diferente porque em cidades grandes existem mais postos de trabalho, mas isso é igual no mundo todo. É preciso uma posição centralizadora do governo para acumular dinheiro e ajudar a desenvolver as regiões que estão mais distantes dos centros.
Escadaria do Museu Hermitage, que conta com um dos maiores acervos de arte do mundo; seu prédio principal era moradia oficial dos czares russos
De Moscou até o extremo oriente são sete dias de trem. Biryukov- As pessoas podem falar sobre isso de um ponto de vista negati-
governo centralizador, mas isso é uma
vo, mas é algo natural. A vida em Mos-
coisa que não podemos mudar porque
cou por exemplo é muito mais enérgica
o nosso território é tão grande que sem
do que aqui em São Paulo, há lugares
um governo centralizado não se pode
abertos 24 horas. Isso é inédito, e claro
governar. Imagine, nós temos 12 fusos
que em aldeias pequenas e em cidades
horários diferentes, enquanto em um
rurais é diferente, mas o governo está
canto da Rússia é uma hora da tarde, no outro, é uma hora da manhã. Sobre a imprensa, nós temos todas as opiniões. Todo mundo tem acesso à internet e ao rádio. Há alguns canais de rádio em que representantes dos Estados Unidos falam qualquer coisa que eles queiram e no próprio país norte-americano os nossos meios de comunicação foram bloqueados. Temos um canal de TV nos EUA que se chama “Russia Today” que os Estados Unidos fecharam e tiraram nossos correspondentes da Casa Branca. Agora a Grã-Bretanha está fazendo a
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“NA RÚSSIA EXISTEM MILHARES DE PARTIDOS QUE TÊM SEUS JORNAIS PUBLICADOS E QUE FAZEM OPOSIÇÃO AGRESSIVA. NINGUÉM OS PROÍBE”
investindo muito para sanar eventuais problemas. Por exemplo, a comunicação. Como você pode melhorar o contato com uma vila que só tem estradas acessíveis durante três meses? Só o governo pode estabelecer que uma empresa garanta coisas básicas para essa aldeia, dando apoio para ela.
Para finalizar, os senhores podem cada um definir a Rússia em poucas palavras? Lezgintsev – Moderna. Enorme. Tradicional. Dubinin – Rússia. Já é suficiente. Biryukov – Grande. Libertadora.
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UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE REPORTAGEM
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BASTIDORES
EM INGLÊS, POR FAVOR? Um dos desafios desta edição da Plural foi entrevistar 27 fontes russas para entender melhor a cultura do país
KAIQUE VIEIRA
atenção. Durante a entrevista, o clima era de um certo desconforto. Como tratar o cônsul-geral e seus dois assessores,
»»»Conhecida por muitos como um país
todos muito formais? À volta, até o café
distante e algo autoritário, a Rússia tem
era servido em russo. Fotos foram proi-
muitos aspectos culturais que são des-
bidas. O clima não era muito amistoso.
conhecidos pela maioria das pessoas.
Nessa situação, um pouco intimidadas,
Para mergulhar nesse universo, as alu-
até evitaram fazer uma ou outra questão
nas do 4º semestre Bruna Ribeiro, Mar-
mais polêmica. “Aprender a fazer jorna-
cella Stewers e Manuela Nogueira entre-
lismo é isso também: defrontar-se com
vistaram diplomatas russos para falar
fontes de perfis mais ou menos amisto-
sobre a cultura local.
sos, sentir-se intimidado, envergonhado,
Chegando à casa do Consulado Geral da Rússia, local do encontro, em uma
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e seguir em frente”, comenta o professor e editor da Plural, Renato Essenfelder.
tarde de quarta-feira, a primeira impres-
“Tivemos um certo receio de fazer uma
são foi de espanto. A segurança rigoro-
pergunta sobre homossexualidade por
sa, a formalidade e a suntuosidade das
medo de alguma retaliação”, afirma Bruna
instalações, tão contrárias à rotina de
Ribeiro. Segundo as alunas, o discurso
um ambiente universitário, chamaram
dos representantes era muito patriótico,
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Ao lado, Ana Paula Oliveira e Franciellen Rosa, do LabFor, discutem alternativas de capa para esta edição da revista; abaixo, detalhe de Kaique Vieira trabalhando em reportagem sobre a cultura pop russa | FOTOS: MARCELLA STEWERS
sive com a língua portuguesa, que estu-
Brasil contribuiu para o desenvolvimento
Os diplomatas foram apenas 3 das 27
dou. “Fico bastante feliz por ter ajudado
profissional dele como dançarino.
fontes russas entrevistadas nesta edição.
na entrevista”, contou a jovem ao término
O segundo entrevistado foi o bailari-
O desafio foi, portanto, triplo: além de
do primeiro contato. Eva Karpovkina tam-
no brasileiro Igor Monteiro. O bate papo
falar sobre um tema distante – a cultura
bém não deixou a desejar. Sempre pronta
realizado por What’sApp causou uma boa
russa –, a proposta da revista foi de entre-
para responder às entrevistas pelo Face-
impressão em Letícia. “Ele foi muito legal
vistar fontes russas, em inglês. Manue-
book, a jovem também dominava o por-
e atencioso.”
la Nogueira conta que mudou de opinião
tuguês e falava com propriedade dos mais
sobre a frieza do povo russo. “Dos 8 entre-
variados temas culturais.
negando qualquer problema no país.
vistados que contatamos, 7 deles foram acessíveis e muito receptivos.”
Aprendizado
Mesmo sem nunca a ter conhecido, me
A Rússia, como qualquer outro país,
senti livre para fazer qualquer tipo de per-
tem seus aspectos positivos e seus aspec-
Mesmo diante das autoridades russas,
guntas como se fossemos amigos. O fato
tos negativos, e a experiência de entrevis-
eventualmente o gelo foi quebrado. A
de terem familiaridade com o português
tar russos foi enriquecedora para todos,
entrevista terminou com um convite que
e com o Brasil facilitou a conversa.
o cônsul Yuri Dubinin fez para as estudan-
Ainda no campo da cultura, a aluna do
tes frequentarem um evento no consu-
3º semestre Letícia Baptistão conversou
lado para comemorar o fim da Segunda
com dois dançarinos de balé para falar
Guerra Mundial.
sobre o Bolshoi. O primeiro contato foi possibilitado através da escola de dança
Cultura
que a aluna frequenta, o estúdio Anacã,
Eu me dediquei ao tema da cultura
no bairro do Tatuapé (zona leste). O pro-
russa. Para minha surpresa, alguns este-
fessor de Jazz Funk dela comentou que
reótipos foram desconstruídos. Tinha a
havia um russo que estava no Brasil. Uma
imagem do povo russo a partir de duas
amiga, ouvindo a conversa, disse que o
pessoas muito sérias que já havia conheci-
bailarino estava hospedado na casa de
do. Felizmente, percebi o contrário. Duas
outro professor.
das entrevistadas eram exatamente o
Pavel Gorbachev, russo residente em
contrário do que eu pensava: receptivas
São Paulo, respondeu às perguntas quatro
e divertidas. Primeiramente, a estudante
dias depois do primeiro contato. As ques-
Cristina Alferova mostrou simptia e bas-
tões diziam respeito a como o balé russo é
tante familiaridade com o Brasil, e inclu-
visto no contexto mundial e sobre como o
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“No início tivemos receio, depois quebramos o gelo e a entrevista fluiu” Bruna Ribeiro aluna de jornalismo
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46/47 Manuela Nogueira e Bruna Ribeiro durante a edição da reportagem de capa desta edição
pois a equipe da Plural pode conhecer
sia. A equipe da Plural entrou em conta-
melhor o país e seu povo.
to por Skype com o estudante de violino
A repórter Sofia Nunes, também do 3º
e youtuber Artem Kolesov, que hoje vive
semestre, entrevistou a transexual Victó-
nos EUA e relatou a dificuldade de crescer
ria Dandara e sentiu indignação diante de
em um país cercado por intolerância com
como a questão LGBT é tratada na Rús-
a comunidade LGBT. O jovem foi recepti-
sia. Poucos sabem, mas o país é extrema-
vo às perguntas e se dispôs a responder
mente tradicionalista e, diferentemente
cada uma delas da melhor maneira pos-
do Brasil, onde, apesar do preconceito, há
sível para retratar de maneira fidedigna
uma discussão para criminalizar os atos
todos os obstáculos enfrentados por ser
homofóbicos, na Rússia observa-se tole-
homossexual.
rância a agressões domésticas aos gays.
Para o editor da Plural, Renato Essen-
Quando Dandara procurou o consula-
felder, também professor da disciplina
do para informar que estava indo à Rús-
de Grande Reportagem na graduação do
sia e se certificar de que não sofreria pre-
curso, a experiência foi única. “É a primei-
conceito, a resposta foi desanimadora.
ra vez que reunimos tantas fontes inter-
“A Rússia é um país extremamente tradi-
nacionais na revista. Acho isso muito
cionalista”, informou, por e-mail, o órgão,
positivo, pois exigiu que os alunos traba-
desencorajando a visita.
lhassem uma série de competências para
Além de Dandara, precisávamos de
localizar, contatar e entrevistar essas fon-
outras fontes para explicar o preconcei-
tes e, assim, exercitar a compreensão de
to que os homossexuais sofrem na Rús-
pontos de vista muito diferentes”, conclui.
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| FOTO: MARCELLA STEWERS
“É a primeira vez que reunimos tantas fontes internacionais na revista. Acho isso muito positivo, pois exigiu que os alunos trabalhassem uma série de competências” Renato Essenfelder editor da Plural
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Foto: Donizeti S.Pinto/NIS ESPM
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO
JUNHO DE 2018 // ANO 7 // NÚMERO 13
ANA PAULA OLIVEIRA
BRUNA RIBEIRO LIMA
ELISA MINGUSSI
FRANCIELLEN ROSA
KAIQUE VIEIRA
LETÍCIA BAPTISTÃO
19 anos, jacareense. Ama conhecer novas culturas e planeja ser jornalista de guerra.
20 anos, paulistana. Gosta de conhecer lugares novos e pretende seguir no jornalismo internacional.
19 anos, paulistana. Deseja trabalhar com jornalismo geoeconômico ou na área de política.
20 anos, de São Bernardo do Campo. Gosta de fazer trilhas. E de jornalismo investigativo.
24 anos, paulistano. Quer trabalhar com jornalismo esportivo. Gosta de jogar futebol, ler e viajar.
19 anos, paulistana. Apaixonada pela dança e pelo poder do jornalismo para transformar a sociedade.
MANUELA NOGUEIRA
MARCELLA STEWERS
MARCELO NOGUEIRA
NATHALIA OLIVA
SOFIA NUNES AURELI
22 anos, niteroiense. Apaixonada pela palavra e curiosa por novas experiências. Gosta do jornalismo de moda.
20 anos, blumenauense. Gosta de viajar e de contar histórias. Quer conhecer várias áreas do jornalismo.
19 anos, paulistano. Não gosta de se prender a uma coisa só e pretende trabalhar em várias áreas.
20 anos, paulistana. Adora viajar e pretende ser correspondente internacional.
19 anos, paulistana, respira para escrever. Quer trabalhar com jornalismo literário e investigativo.
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