Revista Plural #16

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DEZEMBRO DE 2019 // ANO 8 // NÚMERO 16 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM

TARSILA DO AMARAL UM BREVE PERFIL DA ARTISTA QUE REGISTROU RECORDE DE PÚBLICO EM EXPOSIÇÃO ARTE ERUDITA

PLURAL FOI AOS MUSEUS E IDENTIFICOU A AUSÊNCIA DE MULHERES E NEGROS COMO AUTORES

Foto: Roberto Braga/NIS ESPM

ENTREVISTA ELZA SOARES LANÇA NOVO DISCO E QUER SE FAZER OUVIR PELA FORÇA DE SUA VOZ

DIVERSÃO E ARTE Os desafios e as conquistas da produção cultural no Brasil hoje

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e

REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP Nº16 - 2º SEMESTRE DE 2019

Presidente Dalton Pastore Jr. Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente Administrativo-Financeira Elisabeth Dau Corrêa Diretora Nacional de Operações Acadêmicas Flávia Flamínio Diretor de Graduação-SP Rodrigo Cintra Coordenadora do curso de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli Responsável pelo Centro Experimental de Jornalismo Antonio Rocha Filho

EDITORIAL

A VIDA É AMIGA DA ARTE

Revista Plural revistaplural-sp@espm.br

Esta 16ª edição da Plural fala sobre a arte e a importância de

Editora - Revista Plural Profa. Cláudia Bredarioli

manifestações artísticas das formas mais diversas, com abertura para

Editor - LabFor Prof. André Deak

pode ajudar a ampliar horizontes e nos expor à impermanência.

Editor - Fotojornalismo Prof. Erivam De Oliveira

que a arte permite. E também as exclusões às quais a arte tem

Revisão Prof. Antonio Rocha Filho Produção Catarina Bruggemann e Guilherme Sommadossi Alunos colaboradores (Revista Plural, LabFor, Fotojornalismo e Design Lab) Aline Chalet; Amanda Secco; Ana Carolina Bilato; Anna Beatriz Morais; Ariel Serafim; Artur Miranda; Catarina Bruggemann; Celine Ghedini; Denise Gabrielle; Enzo Almeida; Fernanda Shikay; Gabriel Deda; Gabriela Soares; Giovanna Tuneli; Guilherme Sommadossi: Gustavo Fongaro; Heloísa Freitas; Isabella Puccini; Isabelle Bulla; João Victor Abreu; Juca Trentin Borghi; Julia Boarati; Leonardo Baldoni; Letícia Assalin; Letícia Vinocur; Lua Cataldi; Luca Carloni; Luiza Müller; Malu Ogata; Marina Toledo; Matheus Marcondes; Nicolas Garrido; Priscila Antunes; Renata Freire; Sophia Olegário; Thais Fullmann; Victória Taba; Vitória Sanches CEJor, Centro Experimental de Jornalismo da ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana São Paulo, SP - Tel. (11) 5085-6713

incluirmos a beleza em nossos dias, sobre tomar contato com as aceitação do que é diferente, entendendo que o que nos é estranho Mostramos aqui os processos inclusivos e transformadores sido exposta no contexto brasileiro, com ações de censura e corte de verbas. Mas a cultura resiste e insiste. Impõe-se à sociedade deixando transparecer poesia, técnica e memória, seja na efemeridade ou nas manifestações longínquas e arraigadas. Nas próximas páginas há registros da arte de protesto, seja no rap, nas batalhas de slam, ou na voz de Elza Soares, que nos deu uma entrevista com início na página 6. Temos também o circo, que quer se mostrar interessante ao público para além das pirotecnias tecnológicas. E o carnaval, que tem reunido música, festa e política para defender causas. A Plural também foi aos museus e usou a arte erudita para comprovar que ainda há muito o que avançar quando se trata de equidade na representação das mulheres e dos negros em espaços como o Masp e a Pinacoteca, como vemos a partir da página 32, num projeto conjunto do Laboratório de Formatos Híbridos (LabFor) com o Design Lab (do curso de Design da ESPM-SP). As novas temporalidades artísticas são o tema da matéria sobre quem produz e divulga sua obra pelas redes sociais (na página 38). E também estão presentes nas distintas maneiras de consumir a produção audiovisual brasileira – tema da reportagem que começa na página 24. Tudo isso reforça a capacidade de resistência que tem a cultura no diálogo com a sociedade e com a história. E as páginas a seguir

Projeto gráfico Marcio Freitas

são um registro da força da arte como peça fundamental para a

A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.

expressão humana. Independentemente do contexto, ela está aí para discutir o status quo, para libertar mentes e permitir a expansão da criatividade. Como diz o verso de Caetano Veloso, “a vida é amiga da arte”. A existência dela só nos faz bem. Boa leitura! CLÁUDIA BREDARIOLI, EDITORA DA PLURAL

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Foto: Luca Carloni

ÍNDICE

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página 20

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ARTE E SOCIEDADE Quantas vezes muito do que foi compreendido e revelado de uma sociedade de uma determinada época o foi pela arte? Além de ser uma manifestação cultural, a arte é a reflexão da vida humana e do mundo em que está inserida. Ela é considerada uma atividade que se relaciona a qualquer fazer estético. Não só tem a ver com o tempo, como também participa da idealização da memória de um povo.

página 10 RAP Gênero musical quebra estereótipo de estar somente relacionado à violência, ganhando fama e mais audiência, no Brasil e no mundo, com suas manifestações políticas e de crítica social acirrada.

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página 13 CARNAVAL Blocos que unem política, festa e música se utilizam da data para reforçar sua luta por causas como a equidade de gênero e o respeito às comunidades LGBTQI+, conquistando cada vez mais foliões.

página 14 CIRCO Apesar de a tecnologia estar cada vez mais presente na vida das crianças, trazendo jogos muito desenvolvidos e viciantes, a tradição cultural do circo continua presente na maioria das cidades brasileiras.

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Foto: Divulgação

página 36

Foto: Wikimedia Commons

página 24

Foto: Divulgação

página 6

página 24

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PERFIL

AUDIOVISUAL

ENTREVISTA

Tarsila do Amaral - recordista de público em exposição no Masp neste ano - rompeu com padrões e destacou o Brasil em sua obra por meio de questões raciais e de classe social.

Brasil se destaca com aposta em produções voltadas aos problemas sociais, que abordam temas como violência urbana, preservação do meio ambiente e ditadura militar.

Elza Soares lança o 34º disco de sua carreira, Planeta Fome, o terceiro álbum de uma série indiscretamente política, dizendo que não pretende parar de cantar.

página 16 TATTOO A arte da modificação corporal ampliou as possibilidades sobre o que é viável ser feito no corpo humano usando a pele como tela. Hoje as práticas vão além de tatuagens, piercings e alargadores.

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página 18 BALÉ Homens que dançam contam sobre os desafios de manter-se na profissão apesar do preconceito que envolve esse fazer. Mas, para eles, a magia de estar nos palcos supera qualquer uma dessas dificuldades.

página 38 ILUSTRADORAS Artistas encontram no Instagram uma nova maneira de produzir e distribuir sua arte, seja com obras feitas digitalmente ou com material que pode ser retirado das caçambas de lixo.

página 41 GRAFITE Dois anos depois de a cidade de São Paulo ter visto seus muros grafitados cobertos com tinta cinza, por meio do projeto Cidade Linda, alguns espaços continuam esquecidos, sem receber novas obras de arte.

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p&r

ENTREVISTA: ELZA SOARES CANTORA

ME DEIXEM CANTAR ATÉ O FIM ELZA SOARES LANÇA PLANETA FOME, O TERCEIRO ÁLBUM DE UMA SÉRIE DE DISCOS INDISCRETAMENTE POLÍTICOS NOS QUAIS O TOM RASGADO DE SUA VOZ REFORÇA DENÚNCIAS DE CUNHO SOCIAL

primeira apresentação pública de Elza. CATARINA BRUGGEMANN

Disseram-lhe para “ir bonita”, mas mal

»»»Nossa história começa em 1953, há

tinha traje para a ocasião. Pegou uma

66 anos, no dia em que Elza Soares des-

roupa da mãe e adaptou-a a seu corpo

cobriu que cantava. Na época, em uma

de menos de 40 quilos com alfinetes.

situação de bastante pobreza, era uma

Sua figura esguia e mal vestida foi rece-

mulher que fazia o que podia para arran-

bida com risos e deboche quando subiu

jar um dinheiro cá e lá. A coisa estava feia.

no palco. Ary, popular por causar certo

Seu filho mais velho, João Carlos, esta-

constrangimento com comentários mal-

va bastante doente, e Elza, com cerca de

dosos contra os calouros, não perdeu a

vinte anos na época, já havia perdido dois

oportunidade:

filhos por doença e desnutrição. Apesar do sonho de ser cantora, nunca

“Eu vim cantar!”

ordes, dizia que aquilo não era vida para

“E quem disse que você canta?”

a mãe de seus filhos, mas ela não esta-

“Eu, Seu Ary.”

va disposta a ver mais um filho mor-

Foto: Daryan Dornelles/Divulgação

rer. Então, se inscreveu para o progra-

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“O que você veio fazer aqui?”

teve o apoio da família. Seu marido, Ala-

“Me diz uma coisa, de que planeta você veio?”

ma “Calouros em Desfile”, apresentado

“Do mesmo planeta seu, Seu Ary.”

por Ary Barroso na rádio Tupi, um suces-

“E qual é o meu planeta?”

so de audiência desde a década de 1930.

“Planeta Fome!”

Para ganhar o prêmio, uma quantia

Com esse diálogo e sua performan-

razoável de dinheiro, primeiramente,

ce da música Lama – interpretada com

o intérprete teria que não ser gongado,

seu timbre rasgado que marcou a músi-

e depois atingir a nota cinco. O som do

ca popular brasileira –, Elza calou e cho-

gongo significava desclassificação. Foi a

cou a plateia e Ary Barroso.

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Foto: Daryan Dornelles/Divulgação

8/9 Imagem de divulgação do novo disco da cantora, que não revela sua idade, dizendo ser atemporal

Muitas fomes

final da década de 1950 e o início de 1960,

desde então vem lançando álbuns mar-

Com essa história, Elza Soares anunciou

quando gravou seu primeiro disco, Se

cados por suas renovações estéticas: Do

o 34º disco de sua carreira: Planeta Fome,

acaso você chegasse. Entre 1960 e 1970,

Cócciz até o Pescoço, Vivo Feliz, A Mulher

o terceiro álbum de uma série de discos

lançou 14 álbuns. Nesse período, a can-

do Fim do Mundo, Deus é Mulher e Bacu-

indiscretamente políticos. Em A Mulher

tora se envolveu com o jogador de fute-

rau Planeta Fome. Mas diz que não tem

do Fim do Mundo (álbum que lhe rendeu

bol Garrincha, com quem viveu duran-

um favorito: “Eu gosto de todos. Todos

o Grammy Latino de Melhor Álbum em

te 17 anos, seis deles exilada por conta

que eu faço é com muito carinho para eu

2016) e Deus é Mulher, a cantora chamou

da ditadura militar, O casamento termi-

cantar.”

atenção pelas letras fortes de denúncia

nou por conta das agressões físicas que

à violência contra a mulher e temáticas

ela sofreu e pelo alcoolismo do jogador.

femininas sobre uma perspectiva bastan-

“Sacode a poeira e dá a volta por cima”

te política.

“Eu quero cantar”. A fala de Elza rei-

Planeta Fome é o terceiro álbum de uma

Confira a seguir a íntegra da entrevista que Elza Soares concedeu à Plural.

Elza Soares é uma figura emblemática

tera constantemente esse desejo. Ape-

para a música brasileira. Com seu timbre

sar de ter passado períodos de bastante

de voz que remete muito ao jazz, se con-

depressão que fizeram com que cogitas-

série que nos fez redescobrir Elza Soares, com posicionamentos políticos mais claros.

solidou como cantora de samba, mas sua

se encerrar a carreira, voltou pela músi-

Planeta Fome é o planeta que continua

trajetória passou por momentos duros

ca. Como quando fez uma parceria com

com a mesma fome. Há 66 anos , eu falei

e de bastante sofrimento. Os dados em

Caetano Veloso, para o álbum Velô (1984).

que eu morava no planeta fome, que eu

relação à sua idade são bastante impre-

“Encontrei o Caetano, ele me deu a chan-

vinha do planeta fome, que era o mesmo

cisos. Nem Zeca Camargo, que biogra-

ce de gravar Língua e voltei a cantar, pois

planeta do Ary Barroso. Mas eu pensa-

fou a cantora em um livro lançado pela

até então não tinha mais esperança”.

va que a fome era só de comida, quando

editora Leya em 2018, conseguiu cravar

Foi premiada pela BBC em Londres em

eu descobri que é fome de tudo. É fome

seu ano de nascimento, mas sabe-se que

2000 como Melhor Cantora do Milênio e

de saúde, nós temos fome de amor, que

seu primeiro casamento aconteceu quando era ainda uma criança, com mais ou menos 13 anos (idade registrada na certidão de casamento, mas não se sabe se realmente era essa a idade da cantora). Teve seu primeiro filho com 14 anos. “Eu sabia que ele era meu filho, mas era mais como um boneco para eu brincar”. Foram sete filhos em seu primeiro casamento. Perdeu três. E ficou viúva muito cedo. A carreira de Elza deslanchou entre o

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“EU ACHO QUE A CARNE NEGRA NUNCA FOI DE GRAÇA. ELA JÁ SOFREU MUITO. CHEGA DE MASSACRE DE NEGROS, CHEGA DE MASSACRE COM POBRES. CHEGA, CHEGA!”

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Eu já fui impedida de cantar sim: pela

“EU PENSAVA QUE ERA SÓ FOME DE COMIDA, QUANDO EU DESCOBRI QUE É FOME DE TUDO. TEMOS FOME DE SAÚDE. FOME DE AMOR, QUE É TRISTE”

sorte, pela vida, pelas coisas que me aconteciam. Até que encontrei o Caetano e ele me deu a chance de gravar Língua e voltei a cantar, pois até então não tinha esperança mais. Já tive vontade de parar, mas agora não.

Como você vê o cenário da arte em 2019? Muito forte. Só isso. Muito bonito e é triste, nesse país que não se tem mais

vejo mais nada. Acabou. Mas a fome con-

amor. As pessoas estão muito esquecidas.

tinua, continua mais forte ainda.

Adormecidas. Fome de cultura, fome de tudo. Esse é o Planeta Fome, que continua com mais fome ainda.

muito forte.

O que você mais gosta de escutar? Por que lançar o Planeta Fome, álbum que é forte por sua temática e pela ideia que remete de fomes que vão além da falta do que comer, em 2019?

Meu amor, eu gosto de tudo, minha paixão. Eu gosto de tudo que está sendo feito. Tendo liberdade para falar, eu amo. Cabô.

Como aconteceu essa virada de Elza Sambossa, ou Do cóccix até o Pescoço, para Elza Mulher do Fim do Mundo?

grama do Ary Barroso há tantos anos: a

Eu sempre gostei de tudo. Eu gostava

fome existe, eu vivo no planeta fome. Não

Olha, eu quero um artista para dizer: “esse aqui é indicado pela Elza Socares”.

estou inventando.

Vou recomendar o Planeta Fome, lógico.

de cantar. Eu cantei Língua com o Caeta-

Estou repetindo o que falei no pro-

Tem que ser o Planeta Fome. Vamos ficar

no, cantei Ella Fitzgerald… Eu sou uma cantora que não tem rótulo. Não gosto

Você acha que essas fomes vão acabar?

com fome! Vamos alimentar esse país que

de rótulo, eu gosto de cantar. E cantar pra

Eu canto a fome. Sei que ela existe. Mas

está dodói. Nosso Brasil está com gripe.

mim é cantar tudo que há de bom. Sem

pelo tempo que venho cantando e con-

Vamos acabar com a gripe deste país,

rotular, tá?

tando a fome não sei se ela vai acabar. E

vambora, gente! Mulheres, cadê vocês?

isso seria tão fácil… o Brasil é muito rico.

Como você chegou a essa estética experimental de Planeta Fome? Do Cócciz até o Pescoço já tinha rap, no

Como foi a escolha das músicas que entraram no disco?

Ah, mas tem bastante mulher compondo agora. Lógico, a gente chama todo mundo.

disco Vivo Feliz era só DJ… Eu já venho

Eu fui escolhendo, cara. Fui escolhen-

Estou chamando a mulherada toda, não

fazendo isso há muito tempo cantan-

do, fazendo repertório… Isso daqui dá,

só quem está compondo, não. Negras,

do, buscando, seguindo uma linguagem

isso daqui não dá… E cheguei à conclu-

brancas. Eu quero as mulheres fortes.

nova com a garotada. Essa juventude que

são que o Planeta Fome é isso daí que está

Mulheres unidas jamais serão vencidas!

não tem amparo, não tem ninguém para

sendo cantado. Você escutou?

falar para eles, para falar com eles, para estar junto deles. Essa é a minha lingua-

Sim, achei fantástico.

Você não costuma revelar sua idade, por quê?

gem sempre.

Tá muito bom, não tá?

Não! Não falo. Eu não revelo idade. Eu sou atemporal. Eu não tenho idade.

No disco você retoma a música A Carne. Por que você trouxe essa referência para o disco e por que ressignificá-la?

Como você se sente sobre trabalhar com artistas mais jovens? Como Edgar, o pessoal das Bahias e a Cozinha Mineira, que fez o show no Rock in Rio com você, Kiko Dinucci…

graça. Ela já sofreu muito. Chega de mas-

Eu acho que a carne negra nunca foi de

Eu me sinto muito bem quando se trata

sacre de negros, chega de massacre com

desses artistas. Eles são ótimos e apren-

pobres. Chega, chega! O que não valia

do muito com eles.

nada hoje vale uma tonelada. Por favor, é isso que eu quero. Eu peço de joelhos.

Sessenta e seis anos depois do episódio no programa do Ary Barroso, qual é o significado de Planeta Fome?

Você tem uma música favorita no disco? Não, todas são favoritas.

Eu achava que era só comida, mas não é. É planeta fome de tudo, de cultura, de saúde, de respeito, de paz, de harmonia, de amor. Acontece que o povo tá adormecido. Eu não vejo mais o povo na rua, não

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Você reforça em diversas falas o seu desejo de cantar. Inclusive em Mulher do Fim do Mundo. Você já foi impedida de cantar?

RAIO-X NOME Elza Gomes da Conceição ORIGEM Rio de Janeiro FORMAÇÃO Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Foto: Les Byerley/iStock

A BATIDA DAS RUAS O rap é hoje um dos gêneros musicais de maior ascensão de consumo

O produtor Goma afirma que o aumen-

nalmente. A Billboard liberou os dados

to do consumo de rap por parte do públi-

sobre 2019 e revelou que os cinco pri-

co se deu pela maior valorização das

meiros rappers com mais entradas no

»»»O Spotify, principal serviço de

letras e das mensagens passadas na

Hot 100 são negros. Dentre estes pode-se

streaming de música global, disponi-

música. Porém, essa evolução também

destacar Kanye West e Lil Wayne.

bilizou dados de 2017 em que apon-

trouxe contradições para quem está

O termo em inglês rhythm and poe-

ta que naquele ano o consumo de rap

nesse meio. “Há contradições nisso,

try, mais conhecido como rap, tornou-se

subiu 74%. Esse crescimento se deu por

alguns rappers estão saindo da postura

um gênero musical de protesto e mani-

muitos artistas que começaram a ficar

para vender. Não julgo, pois todos nós

festação, virando um grande combus-

em evidência principalmente por suas

temos contas para pagar, mas não pode-

tível para o cenário musical brasileiro.

letras e beats inovadores.

mos esquecer nunca do próximo, eu falo

No Brasil, o rap começou por volta de

por mim”, contrapôs Peixonauta.

1960, tendo sua base nas favelas e peri-

FERNANDA SHIKAY

Para o rapper carioca Peixonauta, o rap é uma forma de bater de frente com

O aumento dos rappers no exterior

ferias com letras que explicitam a reali-

a alienação, porém esse é um dos cami-

também ajudou para que ele fosse acei-

dade desses lugares e protestam contra

nhos mais difíceis, uma vez que a censu-

to ao redor do mundo. O rap ganhou pela

injustiças sociais.

ra infelizmente ainda permeia a arte. O

primeira vez o Grammy no ano de 2019,

Justamente por sua origem, o precon-

artista de 22 anos comentou, por exem-

com a composição do rapper Childish

ceito foi uma grande barreira para que

plo, sobre a extinção da Rádio MEC, a

Gambino, o que trouxe evidência para

o gênero se destacasse, sendo associa-

mais velha do país e principal base de

o ritmo e contou com o apoio de inúme-

do à violência e à criminalidade. Porém,

diversidade musical. A emissora procu-

ros famosos.

ao longo do tempo esses estereótipos

rava estender seu conteúdo à educação, literatura e outras formas de arte.

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O reconhecimento e a luta no rap estão tomando lugar nacional e internacio-

estão sendo quebrados e constantemente novos artistas surgem no Brasil.

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Foto: Jae Young Jo/iStock

Foto: Gabriel Henriques/Arquivo pessoal

Seja nas batalhas, como na foto acima, ou em apresentações, o rapper GorJah (abaixo à direita) destaca importância da troca de ideias e de energia

O rapper Albino contou que a maior

o processo de produção, observando o

dificuldade é se vender nesse meio. “Você

instrumental sendo feito, as vozes sendo

tem que ficar trabalhando para aquela

gravadas até o momento que tudo fica

produtora e fazendo as músicas que eles

pronto, tendo a sensação de que nada

pedem. Para quem é independente tam-

está faltando e tudo está perfeito.

bém não é fácil, porque todos têm que

Improviso e ritmo fazem as noites

estar em sintonia, o produtor, o músi-

na cidade de São Paulo em batalhas de

co e tudo tem que ser natural, não for-

rap espalhadas pela metrópole. As mais

çar nada”, revelou Albino. Além disso, o

famosas estão situadas na zona sul de

artista ressaltou que no início de sua car-

São Paulo, como é o caso da Batalha do

reira, com 16 anos, teve que aprender a

Santa Cruz.

cantar e a se virar escrevendo músicas.

GorJah, rapper e produtor musical,

“Atenção, disciplina, trabalho em

já participou de várias batalhas de rap

equipe, comunicação são essenciais.

e contou que a primeira sensação é de

Assim como, amor ao próximo longe de

nervosismo e pressão, tendo em vista

qualquer tipo de preconceito, auto esti-

que há um público olhando e incenti-

ma e confiança”, declarou. Albino disse

vando a todo momento. Mas a troca de

que esse universo é formado por muita

ideias e energia compensam. “É algo

liberdade para expressar o que quiser,

que faz você ficar muito bem, porque há

não levando ao pé da letra os problemas,

um descarrego enorme de um peso nas

usando e abusando de sarcasmo, pará-

costas. A sensação é maravilhosa, ainda

bolas e metáforas.

mais quando o tempo vai passando e você começa a ficar mais acostumado.

Construindo ritmo e poesia

Depois disso é só curtição.”

O processo de produção desse gêne-

Esses eventos muitas vezes são asso-

A voz das minorias

ro musical vai muito além do que uma

ciados à violência e à criminalidade,

O manifesto e o discurso das minorias

simples composição, mas sim uma rela-

porém GorJah explicou que o objetivo

também fazem parte das letras e rimas

ção direta do rapper com o seu produtor.

é justamente o contrário, levar conheci-

do rap. O cantor MaisPreto come-

Goma, produtor de rap, afirmou que a

mento e ver a realidade de outros MC’s

çou sua carreira com 16 anos e procu-

maior dificuldade no início é a questão

que estão batalhando com você. Além

ra abordar em suas letras o racismo e a

financeira. “No começo a maior dificul-

disso, o ambiente propicia uma maior

dificuldade de ser um negro na socie-

dade que tinha era o dinheiro. O preço do

parceria e amizade entre os artistas que

dade brasileira. “Antigamente as pes-

estúdio e do instrumental era muito caro

estão começando, afastando todo o teor

soas eram mais discretas, hoje em dia

para mim. Mas com o tempo fui enten-

agressivo e violento que o preconceito

eles jogam na cara o racismo e a desi-

dendo o porquê deste valor, também

contra o rap carrega.

gualdade. Então eu tento passar isso:

temos que valorizar o trabalho do pro-

como é ser preto dentro de uma socie-

dutor musical e do beatmaker.”

dade racista”, declarou o rapper.

Das batalhas de rap também surgiram grandes nomes, como é o caso do

Além disso, ele afirmou que com o

rapper Xamã. O carioca começou sua

Uma das principais vozes que ressal-

tempo a barreira passa a ser o reconhe-

carreira nos improvisos fluminenses, o

tam as questões sociais é a de Djonga,

cimento e a conquista de lugar no mer-

que o levou a conhecer inúmeros artis-

que também é inspiração para muitos

cado. Para que haja motivação para isso,

tas que puderam ajudá-lo logo no iní-

artistas, inclusive para MaisPreto. Ele

o produtor disse: “É necessário ter a pro-

cio de sua caminhada. Hoje em dia ele é

diz que seu ídolo coloca em suas letras

dução de mais eventos e mais valoriza-

um dos maiores nomes do rap e se apre-

uma visão mais agressiva da desigual-

ção dos grupos e MC’s que estão come-

sentou pela primeira vez no Rock In Rio,

dade social e que expõe muito a realida-

çando e não têm muito suporte.”

levando para os grandes palcos os ensi-

de de como é ser negro em um mundo permeado pelo preconceito e racismo.

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Goma contou que uma das partes mais prazerosas é acompanhar desde o início

namentos da rua e protestos contra problemas sociais.

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xa que atravessa o sagrado, o profano, a tradição, a musicalidade e a identidade. Anderson Rodrigues, mais conhecido como Ubuntu, é o ogã que toca atabaque nos dias de gira – as celebrações –,

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que acontecem aos sábados. Ele explica o modo em que a música marca uma forte presença em sua espiritualidade. “Todos os dias me renovo através da musicalidade, mas não é todo tipo de cantiga voltada para o espiritismo que canto no meu dia a dia porque tem músicas que são usadas apenas para trabalhos.” Anderson conta que a batida dos tambores e a entonação que os cantores de axé e samba usam vêm das cantigas dos

Sarasvati, deusa hindu da sabedoria, das artes e da música | FOTO: ARIEL SERAFIM

centros de umbanda e candomblé, que também eram cantadas nas rodas de

TELETRANSPORTE MUSICAL

capoeira no período em que os negros foram trazidos para o Brasil. “A musicalidade traz um caminho, uma saída e refúgio. Ela agrega também amor e vida.” Fora do âmbito religioso, as raves, eventos de músicas eletrônicas, têm sido as queridinhas dos amantes da psicodelia desde o início dos anos 1990. As festas são

Desde as religiões antigas a música traz forte conexão com a espiritualidade nos mais variados estilos de vida

famosas por serem em locais mais afastados e também pelas decorações coloridas que lembram o hinduísmo e o espaço sideral. Essas festas também são conhe-

Ela explica também que os praticantes

cidas por unir as pessoas com a liberdade

ARIEL SERAFIM

de ioga se fortalecem de energias por

de dançar e curtir como quiserem.

»»»Alguns estilos de música são capa-

meio de sons chamados de mantra. “Nós

Isadora Del Rei, 20, estudante de publi-

zes de levar o ouvinte a estados medi-

temos a energia da força, capaz de supe-

cidade e propaganda, é budista e curte

tativos e de expansão da consciência

rar obstáculos para alcançar abundância,

ouvir e ir a festivais de música eletrô-

sem quaisquer tipos de substância psi-

prosperidade e sabedoria.”

nica que tocam trance e outros estilos

coativa, seja em raves com música ele-

Na umbanda, a música é responsável

de música semelhantes. “Quando ouvi-

trônica ou em celebrações religiosas.

pela incorporação de deuses e outras

mos aquilo que gostamos e nos identifi-

Um dos exemplos são os mantras hin-

entidades, guiando-os até o corpo dos

camos, quimicamente falando o nosso

dus, que trazem um estado de cons-

sacerdotes, além de ser a própria mani-

corpo ‘agradece’”. Ela conta como faz

ciência que incentiva o despertar de

festação da energia vital. A palavra reves-

para sintonizar a música com a espiritu-

uma capacidade vibracional muito

tida de som ganha poder em uma socie-

alidade. “O nosso físico, nosso emocional

sutil para o corpo.

dade em que a oralidade é a fonte de

e nosso espiritual estão ligados uns nos

Marilene Mari Cardeal dá aulas de ioga

transmissão de saberes e valores. Os

outros, então a sintonia da música com

desde 1997 e trabalha com duas moda-

terreiros de candomblé e o samba estão

todas essas questões acontece natural-

lidades dessa prática: vinyasa e hatha.

assim em diálogo, uma conversa comple-

mente”, explica.

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Ô ABRE ALAS, QUE A GENTE QUER PASSAR Blocos de Carnaval aproveitam a festa de forma política, para defender causas

DENISE GABRIELLE

»»»“Maria Sapatão, Sapatão, Sapatão/ De dia é Maria/De noite é João” é uma marchinha de Carnaval da década de 1980 que se popularizou na voz de Chacrinha. Em 2017, foi proibida nos bloquinhos de Carnaval por ser considerada machista e lesbofóbica. A festa popular de rua que surgiu no século XIX e que foi inspirada em bailes de máscaras franceses se transformou muito até se tornar o que é hoje. Desde sua origem o Carnaval foi caracterizado como um evento de liberdade e momentaneidade que acontece na rua, sempre comemorado por pessoas de todas as classes sociais, por isso a democratiza-

Regina Volpato, a madrinha do bloco ‘Será Que É?’ |

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

ção e o viés político estão presentes nessa festa. Principalmente a partir de sua retomada nos últimos anos, com a forte cres-

Profanas de Brasília e assídua frequen-

algum bloco de Carnaval sem antes des-

cente da popularidade de blocos de rua.

tadora de blocos de Carnaval: “Quando

cobrir os ideais que o evento promove.

“Olha a cabeleira do Zezé/Será que ele

a gente criou o bloco nosso objetivo era

Charles Santos frequenta o Carnaval

é?/Será que ele é?” é outra antiga marchi-

oferecer um espaço em que nada disso

de rua há três anos e opina: “Em bloco

nha polêmica que inspirou Paola Valen-

[assédios e LGBTfobia] acontecesse e que

hétero tem muita briga, confusão além

tina Xavier dos Santos, produtora do

de fato todos pudessem estar tranquilos

de ser mais cheio. E nos blocos LGBTQI+,

Museu da Diversidade Sexual, ao nome

curtindo a festa”.

a gente se sente mais livre. Nesse ano eu

de uma exposição LGBTQI+ e posterior-

Neste ano aconteceu o primeiro Car-

fui a cinco e em três deles eu fui de saia

mente criação do bloco “Será que É?”.

naval após a sanção da Lei de Importu-

de tule. E foi tranquilo. Se eu fosse assim

Não apenas pelo nome, mas também com

nação Sexual, que pode levar a uma pena

a um bloco hétero, eu teria medo de cor-

propósito. Paola explica o porquê da jun-

de um a cinco anos. Porém, segundo a

rer riscos de ter confusão e briga”.

ção da festa de Carnaval com manifesta-

Secretaria Estadual da Segurança Públi-

Levando também em consideração o

ções políticas: “A cultura pode ser diverti-

ca de São Paulo, aconteceram 571 denún-

bem-estar, os blocos ativistas represen-

da e pode ser séria. Trazer este bloco para

cias de assédio durante o Carnaval 2018,

tam o movimento popular e a oposição à

a rua é um manifesto necessário. É um

com o aumento de 25 casos em relação

cultura elitista por acontecerem na rua.

manifesto que diz: ‘Estamos aqui, inde-

ao ano anterior. Em 2019, os dados não

A estudante Gabriela Moraes, que fre-

pendente da ocasião. Seja Carnaval, para-

foram divulgados. Sobre esse desconfor-

quenta blocos políticos há quatro anos,

das, dia a dia. Existimos, e a gente conti-

to, Carolina continua: “Na última edição

se posiciona: “O legado do Carnaval é

nuará existindo cada vez mais.’”

que eu fui, o ambiente era majoritaria-

justamente motivar as pessoas a ocu-

Além do argumento forte, os blocos

mente masculino, com muito assédio e

parem a cidade de forma a criar novas

feministas e LGBTQI+ procuram tra-

uma sensação de insegurança perma-

possibilidades e questionamentos para

zer um diferencial: unir pessoas que se

nente, que não me permitia relaxar e me

a nossa sociedade. Sendo assim, procu-

identifiquem e propagar a segurança das

divertir.”

ro acompanhar blocos que sigam tais ide-

minorias, como conta Carolina Ferrari,

Além disso, é legal ressaltar que não

uma das criadoras do bloco Vai Com as

somente as mulheres têm receio de ir a

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ais, dando preferência sempre a eventos organizados por mulheres.”

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ISABELLA TREVISAN PUCCINI

»»»Quando pensamos em circo, nos lembramos imediatamente da nossa infância, com uma sensação de alegria

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e leveza. O ambiente circense é conhecido por ser um lugar no qual acontecem espetáculos inacreditáveis e dinâmicos, envolvendo malabarismo, dança, teatro e as mais diversas formas de arte. Apesar de a tecnologia estar cada vez mais presente na vida das crianças, trazendo jogos muito desenvolvidos e viciantes, a tradição cultural do circo continua presente na maioria das cidades brasileiras. Uma pesquisa feita pelo IBGE Educa, em 2017, mostra que a internet está em três a cada quatro domicílios no Brasil. “Eu gosto muito. Sempre que tem aqui no shopping eu vou porque acho muito legal aqueles truques de mágicas. Parece que eles são mágicos mesmo”, afirma Rebeca Santos, de 8 anos. Quando questionada sobre o porquê da preferência por shows pre-

RESPEITÁVEL PÚBLICO Circo tradicional garante seu destaque mesmo em um mundo rodeado pela tecnologia

senciais, tendo em vista a existência de gravações, Rebeca diz: “É muito raro a gente ver na TV isso aí. O máximo que a

diversos tipos de manifestações artís-

envolver”, afirma. Os artistas circenses

gente vê é música com palhaço cantan-

ticas envolvendo o circo, a exemplo de

são, muitas vezes, julgados erroneamen-

do. A gente não vê os palhaços fazendo as

intervenções, espetáculos e trabalhos

te como vadios ou até ciganos. “Quan-

brincadeiras. Eu acho melhor ver pesso-

voluntários. Entretanto, a imagem que

do eu era criança, eu sentia muito mais

almente porque a gente dá mais risada”.

é instantaneamente atribuída à palavra

o preconceito. Eu sempre estudava em

Eni dos Reis, de 79 anos, conta que

circo é aquela do circo de lona, de pica-

várias escolas durante o ano porque o

em Andradas – cidade onde morava,

deiro. Esse último, antes de mais nada,

circo mudava, e daí quando a gente fala-

no interior de Minas Gerais – era uma

constitui um estilo de vida, tendo em

va que era circense, eles pensavam que

festa quando o circo chegava. “Eu ia

vista que centenas de pessoas se reú-

íamos roubar”, complementa a artista.

muito quando eu tinha uns 10 anos,

nem em trailers, abrindo mão do con-

Ainda de acordo com Carol, o circo

com a minha irmã”, lembra. “Na cida-

forto, da água, da luz e da estabilidade e

não está perdendo espaço pois ele está

de não tinha muita atração, só os bailes

abraçando a vida itinerante.

se reinventando e acompanhando as

e cinema, que estava em alta na época,

Carol Rigoletto, quarta geração de uma

mudanças na sociedade. Ela diz que as

então todo mundo ia para o circo. Saíam

família tradicional de circo, conta que o

pessoas estão vendo o circo como outras

os palhaços e malabaristas na rua para

picadeiro é um ambiente muito fecha-

possibilidades e não só pelas apresenta-

fazer propaganda. Se tivessem animais,

do. “As nossas convivências são com pes-

ções em lonas - há muita gente valorizan-

eles saíam com eles também”.

soas que também são do circo. É muito

do isso como arte e como profissão. “Eu

raro conhecer uma pessoa de fora e se

vejo a importância do circo como uma

Dentro do mundo circense, existem

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Os espetáculos contêm números envolvendo manobras nas alturas que prendem a atenção da plateia FOTO: STURTI/ISTOCK

dem a presença de animais nas apre-

Trabalho voluntário

sentações. Entretanto, falta uma lei que

Devido à associação feita entre circo e

valha para o país inteiro e que proíba

felicidade, as performances circenses

totalmente essa prática.

são muito utilizadas em apresentações

O argumento de que os animais tra-

em comunidades e até hospitais, usan-

zem um diferencial para o espetáculo e

do a figura do palhaço. Existem diversas

que cativam mais as pessoas começou a

ONGs responsáveis por fazer esses tra-

perder força, tendo em vista a socieda-

balhos, como a Doutorzinhos.

de altamente tecnológica de hoje. Como

Fundada em 2006, a Doutorzinhos uti-

um exemplo da descartabilidade dessa

liza a figura do palhaço para oferecer aos

prática, o circo alemão Roncalli mostrou,

pacientes, acompanhantes e profissio-

com uma apresentação utilizando holo-

nais da saúde um local de experimenta-

gramas de animais, que a mágica não é

ção de sentimentos, da arte e da cultura.

perdida quando se poupa o sofrimento

“Somos palhaços que fingem ser médi-

dos bichos.

cos, para pacientes que fingem acredi-

Além dos espetáculos em picadeiros, também se configuram como circo aque-

tar”, diz Mauricio Bagarollo, fundador e coordenador da organização.

importância cultural, porque é uma cul-

las apresentações em espaços culturais

Ainda de acordo com ele, é muito gra-

tura, é um estilo de vida e é arte”, decla-

e intervenções artísticas. “Em ambos

tificante saber que o trabalho da orga-

ra a malabarista.

os segmentos, tanto tradicional quan-

nização colabora efetivamente para a

Hoje em dia, o Cirque du Soleil, espetá-

to contemporâneo, você vai encontrar

recuperação dos pacientes. Bagarollo

culo mundialmente conhecido, é o prin-

as mesmas apresentações, só que mos-

acredita que o circo é necessário em

cipal responsável por carregar o nome e

tradas de uma forma diferente. O circo

um mundo com tanta dor e sofrimento,

a cultura do circo para a geração mais

tradicional conta sempre com aquela

podendo ser usado, também, como por-

nova e de classes sociais mais elevadas.

essência de circo, alegria e tal. O con-

ta-voz de uma crítica social. “A humani-

O espetáculo não costuma decepcio-

temporâneo traz uma outra linguagem,

zação é coletivamente construir a produ-

nar seus espectadores, que são constan-

uma coreografia, e conta uma história”,

ção da vida. Nessa construção coletiva,

temente surpreendidos durante as apre-

explica Carol Rigoletto, malabarista em

com certeza, o palhaço pode ter um

sentações. Melina Quintella, de 45 anos,

circo de lona.

papel muito mais importante, que está

conta que foi levada a uma atmosfera

César Rossi, coordenador da esco-

única e a “uma dimensão onde a lei da

la de circo Trapézio Voador e fundador

gravidade, os limites físicos dos artistas

da Cia Tempo Cyr Wheel, afirma que o

e as possibilidades de falhas não exis-

circo contemporâneo está ganhando

tiam”. “Meus olhos transformaram-se

cada vez mais espaço em salas de tea-

nos meus olhos infantis novamente,

tro e eventos de grande porte. “Hoje, nos

voltei no tempo e, encantada com o que

Sescs, as atrações mais vistas e procura-

via, emocionei-me como uma criança ao

das pelo público são do circo”, comple-

ver com minha retina uma arte até então

menta César.

imaginária”, complementa Melina.

complementa.

Em tempos difíceis, em que a maio-

A utilização de animais em apresenta-

ria da população não está satisfeita com

ções de circo é um ponto muito discuti-

os rumos tomados no país, os espetácu-

do atualmente, sendo a causa de muitos

los são algumas das principais formas

embates com ambientalistas e defenso-

de entretenimento. “O circo, bem como

res dos animais. Essa prática já é proibi-

qualquer manifestação cultural, é de

da em países como Itália, México, Peru,

extrema importância para todos porque

Holanda e muitos outros. No Brasil, exis-

nos traz a alegria de viver e a esperança

tem diversas leis estaduais que impe-

de tempos melhores”, afirma César Rossi.

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muito além do que só fazer palhaçada”,

Na humanização, o palhaço pode ter um papel muito importante, que vai além de fazer palhaçada Maurício Bagarollo, fundador da Doutorzinhos

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16/17 A mão é considrada um dos locais mais doloridos para se tatuar | FOTO: ANA CAROLINA BILATO E LUCA CARLONI

A PELE COMO TELA Arte da modificação corporal vai além de tatuagem, alargadores e piercings

no Brasil. Doutora pela PUC-Rio, a pes-

çou na década de 1980”, conta. Diz ainda

quisadora reforça a identidade nacional

que as tatuagens, geralmente, têm como

com a arte na pele desde marinheiros

tema dedicar o amor a alguém, por meio

»»»No grafite, o som que domina é o da

que traziam as práticas ocidentais, nos

de nomes e iniciais, e mostrar a religio-

latinha de spray. Nos quadros, é possí-

quartéis e também em presídios. “São

sidade.

GUILHERME SOMMADOSSI

vel ouvir as cerdas do pincel levando

nesses ambientes confinados e muito

a tinta para o tecido. Como uma abe-

documentados que sabemos mais da cul-

Agulhas

lha poderosa, a máquina de tatuagem

tura da tatuagem, por isso a fama desses

Aos 16 anos, Elcio Antonio “Polaco” Sor-

moderna encontra a derme para colo-

três grupos. Mas muito mais pessoas se

rentino Sespede estava atrás de que

car a tinta em suas camadas e marcar

tatuavam”, explica.

caminho profissional seguir. Nas artes

ali um desenho ou uma frase. Antes da popular maquininha, as tat-

Ela conta ainda que os africanos escra-

manuais e com desenhos, chegou no

vizados, trazidos ao Brasil pelos euro-

artesanato. Viajou pelo Brasil por lon-

peus colonizadores, traziam em suas

gos anos, até que voltou para São Paulo,

possuíam agulhas e usavam a própria

peles as marcas de seus locais de origem.

onde descobriu os clubes de motoquei-

força para colocar a agulha nos corpos

Além disso, imigrantes ibéricos, italia-

ros. “O que me chamou a atenção foi

de seus clientes. Rituais religiosos, sím-

nos, árabes, germânicos e as okinawa-

como eles expressavam sua liberdade

bolos regionais e outros signos eram

nas também traziam artes expostas em

e eternizavam sonhos por desenhos na

expressados na pele.

seus corpos.

pele”, relembra.

toos eram feitas à mão. Os tatuadores

“A tatuagem não chegou ao Brasil,

No país, “sambistas, capoeiristas, ope-

Na mesma época, em meados de 1980,

vários povos que aqui viviam já se tatu-

rários, malandros, adeptos das religiões

teve sua primeira experiência com tatu-

avam”, afirma a historiadora Silvana Jeha,

afrobrasileiras e também do catolicismo

agem, fazendo sua arte com agulhas

autora do livro Uma história da tatuagem

já se tatuavam antes do boom que come-

amarradas. Três anos depois, conseguiu

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PROFISSIONAIS DO RAMO ACREDITAM QUE O PRECONCEITO CONTRA QUEM TRAZ ESSA ARTE NO CORPO TEM DIMINUÍDO

suas primeiras cinco tintas e uma máqui-

é só não fazer no corpo delas.” No mundo

na de tatuagem – trazidas por um amigo

dos piercings, outro fator que ajudou a

dos EUA. Ainda nesse período, enquanto

quebrar a discriminação são as formas

vendia artesanatos em Itajaí (Santa Cata-

cada vez mais seguras e marcas famo-

rina), ganhou o apelido de “Polaco”, que

sas – como a Swarovski – assinando as

o acompanha até hoje.

joias. Outro fator é a internet, onde “tudo

No litoral sulista, conheceu um mari-

está mais disseminado e comum, então

nheiro, também tatuador, e barganha-

o preconceito em relação às modifica-

ram. “Eu tinha pigmentos e ele as máqui-

ções diminuiu”. Em 2004, foi inaugurado o Museu da

nas. Dei a ele frações das minhas tintas como pagamento por duas máquinas

Tatuagem no Brasil, para criar um “regis-

elétricas. Foi neste momento que minha

tro e estudo da história, e também dar

carreira como tatuador começou. Com

acesso à cultura da arte para pessoas que

muita determinação, sem mestres e sem

tenham interesse em conhecer”, escla-

padrinhos”, recorda Polaco.

rece Polaco. Localizado no estúdio do

Em 1983, inaugurou, em São Paulo, o

tatuador, na região central de São Paulo,

estúdio Polaco Tattoo Shop, com o obje-

conta com um rico acervo de mais de 500

tivo de “divulgar a tatuagem, vencendo

Projeto de perfuração

itens relacionados às tattoos, “passando

preconceitos e desmitificando sua rea-

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

pela evolução das técnicas e equipamen-

lização”.

tos utilizados para fixar os desenhos da

Nos anos seguintes, o artista foi atrás

pele”, conta.

de aprender cada vez mais. Foi para Lon-

Os objetos expostos no museu são ori-

dres e para os Estados Unidos, trazendo

nais para melhorar seu trabalho, “mais

ginários de tribos indígenas, de mari-

conhecimento e produtos para o merca-

asséptico e consequentemente, mais

nheiros, de estabelecimentos antigos e

do brasileiro.

seguro”.

famosos ao redor do mundo e até de pre-

Ainda é comum que pessoas mais con-

sídios, incluindo o histórico Carandiru.

Além da tatuagem

servadoras associem tatuagens, pier-

Há até uma máquina russa montada em

Aos 12 anos, a body-piercer “Cami-sama”

cings a marginais, vagabundos e até ao

um antigo aparelho de barbear, feita com

Baumgarten assistiu a uma suspensão

demônio. Porém, Silvana acredita que

corda de violão e seringa. “Além disso,

corporal – técnica em que as pessoas

“ela já é aceita pela maioria esmagadora

temos desenhos old school, fototela da

se penduram por ganchos em sua pró-

das pessoas”. Mas também percebe que

tribo Maoris, amostragem de Tebori e

pria pele. “Me instigou a usar meu corpo

idosos, policiais e empregadores tenham

indutor manual, entre outras curiosida-

de outras formas não tão aceitas social-

estigmas contra a forma de arte corporal.

des”, completa o tatuador.

mente”, comenta. Três anos mais velha,

Atualmente, Polaco não sofre precon-

Silvana defende que é como pintura.

surgiu o “amor por ser a pessoa que faz

ceito por aquilo que está em sua pele. Vê

“Ela é uma arte plástica especialmen-

as modificações corporais”. Em 2014 fez

também a implicância como algo do pas-

te bonita e singular, pois se restringe

sua primeira perfuração. “O sentimen-

sado. “Cada vez mais é algo normal. Hoje,

a um único suporte: o corpo humano”.

to que isso me deu é algo indescritível e

a tatuagem é vista como algo pessoal que

Comenta também que harmonia, beleza,

que sinto até hoje. A cada vez, a sensação

faz parte do seu dia a dia e do seu esti-

conceito, sentimento, técnica e conheci-

de primeira vez se repete”, diz Cami. “Eu

lo de vida”. É possível também mudar os

mento são características que englobam o universo artístico das tattoos.

tenho prazer em adornar corpos, modi-

estigmas com “muita paciência, explica-

ficá-los, transformá-los de formas total-

ções e conversas”, diz Cami. Ela reforça

Polaco vê como uma maneira de se

mente inesperadas e satisfatórias. Todo

que o diálogo não agressivo é o que ajuda

valorizar e expressar. “Porque ela tem

mundo busca mudar o corpo.”

a enfrentar diferentes opiniões.

uma maneira única e pessoal a ser execu-

Depois de decidir que era isso que

“As pessoas precisam entender de

tada, por estilo, técnica e resultado. Todo

queria para sua vida, a body-piercer

forma crua. Como isso nada afeta elas,

corpo é arte, e tudo que eu fizer em cima

começou a procurar cursos e profissio-

e que se elas não gostam esteticamente,

dele, arte será”, finaliza.

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ENTRE O PALCO E AS SAPATILHAS Nos bastidores do balé, os desafios dos homens que escolheram dançar

tava. Após competições, apresentações VITÓRIA SANCHES

e trabalhos no meio da dança, Alexandre optou por seguir sua carreira de bailari-

»»»A leveza dos passos, a sincronia

no. Atualmente, ele é bailarino da com-

das piruetas e a delicadeza dos movi-

panhia de dança canadense Coastal City

mentos fazem parte de cada segundo

Ballet Company.

que um bailarino fica no palco. A fir-

“Eu acho que trabalhar com dança,

meza para levantar a bailarina ou até

na verdade, é trabalhar com desafio.

mesmo colocá-la sobre seus ombros

Desde o primeiro passo, desde seu iní-

é elaborada com maestria e sutileza.

cio, é sempre se desafiando”, relata Ale-

Tudo isso é feito sem sair da conta-

xandre. Para o bailarino, conhecer o pró-

gem e ritmo que embalam os bailari-

prio corpo é, ao mesmo tempo, essencial

nos nas mais diferentes coreografias.

e desafiador, principalmente porque esse

Mas você imagina o que acontece nos

é o instrumento de trabalho do profis-

bastidores? Treinos, ensaios, alongamentos e

sional da dança. “A dança vai te ensinar que o seu corpo é o seu maior desafio

muito comprometimento pertencem à

e aprender a trabalhar com seu próprio

rotina dos dançarinos. O autoconheci-

corpo é o que vai te tornar um bom bai-

mento de seu corpo, o equilíbrio e a aten-

larino. Um bom bailarino é aquele que

ção fazem toda a diferença para que os

consegue a melhor maneira de trabalhar

passos sejam executados, sem faltar um

com seu próprio instrumento, que é o

dos elementos principais desse conjunto:

seu corpo”, conta.

a emoção transparente em seus rostos. Alexandre Lobo é bailarino profissio-

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Além das dificuldades físicas, o balé clássico também é sinônimo de compe-

nal. Sua história com a dança começou

tição, sobretudo no Brasil. Tal fato se dá

de repente: com 18 anos passou a se inte-

pela falta de investimentos na área da

ressar por balé e resolveu procurar algu-

dança, o que torna o número de vagas

mas aulas para conhecer a modalidade.

disponíveis muito menor. “Em uma

Até então, ele pensava em fazer Enge-

cidade como São Paulo, com quase 13

nharia e nunca havia se imaginado traba-

milhões de pessoas, só têm duas gran-

lhando com dança. Depois de um tempo,

des companhias. A concorrência é muito

acabou gostando da arte e decidiu se

grande e as pessoas acabam indo para

dedicar ao balé como um hobby. Iniciou

outros lugares para conseguirem entrar

seus estudos em Desenho Industrial,

no meio da dança como profissionais”,

porém seu gosto pela dança só aumen-

explica o bailarino.

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O bailarino Alexandre Lobo começou a dançar como um hobby e hoje atua profissionalmente no Coastal City Ballet Company, no Canadá

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“A DANÇA FOI FEITA PARA PARECER FÁCIL, MAS NINGUÉM SABE O QUANTO A GENTE SE DEDICA E O QUANTO DE TREINO É EXIGIDO PARA QUE A GENTE VÁ PARA O PALCO”

balhávamos. Eu respondi que trabalhava com dança, e ele respondeu: “É por isso que o Brasil não vai para a frente!”. Eu respondi a ele com outra pergunta: “Eu dirijo. E você, dança?”, conta. Nesse contexto de questionamentos e preconceitos, Alexandre Lobo desabafa: “A dança foi feita para parecer fácil. Então quando alguém vai assistir, sempre fala: ‘Nossa como é fácil! Ele trabalha com isso, ganha dinheiro com isso, queria eu estar fazendo isso!’ Mas ninguém sabe o quanto a gente se dedica e o quanto de treino é exigido para que a gente vá para o palco, se apresente e, mesmo assim, ainda cometa erros.” Como é ser bailarino no brasil Apesar de o Brasil possuir importantes escolas de dança e companhias de renome artístico, a realidade de quem sonha em viver nos palcos não é nada fácil. O desconhecimento sobre os benefícios da arte e da cultura para os indivíduos e também da importância que esses fatores possuem sobre uma sociedade acabam por permitir que cada vez menos essas áreas possuam a devida atenção e apoio por parte do governo. Existe preconceito na dança?

Outra questão abordada pelos bailari-

De acordo com o professor de dança

A resposta é sim. Mesmo rodeado pela

nos é a dificuldade de sua profissão ser

Guilherme Moreira, políticas que apoiam

beleza e feito para alegrar, o mundo da

reconhecida. Além de não terem direi-

a arte auxiliam na construção de mundo

dança também tem seus impasses. Com

to à aposentadoria, os profissionais da

melhor. “Infelizmente nosso país não

uma realidade que ainda apresenta pen-

dança ainda têm que lidar com a fatídica

tem tradição de investir em arte e cul-

samentos retrógrados e antiquados, cer-

e inconveniente pergunta quando infor-

tura. Acredito que se os investimentos

cados pelos preconceitos socialmente

mam que são bailarinos: “Tá, mas você

fossem maiores e a burocracia em edi-

reproduzidos, é muito comum bailarinos

trabalha com o quê?”. Alexandre enxer-

tais que apoiam projetos culturais fosse

serem abordados com questionamentos

ga isso como uma falta de conhecimen-

menor, mais crianças, jovens, adultos e

discriminatórios: “Ah, mas você dança

to comum dentro da sociedade. “Quando

pessoas da melhor idade teriam mais

balé? Isso não é para menina?”.

eu falo que eu sou bailarino, as pesso-

acesso à dança e outras formas de arte.”

Guilherme Moreira é professor de dança, coreógrafo e diretor artístico e

as falam: ‘Ah, mas você trabalha com o

O coreógrafo também aponta como a

quê?’. E eu acabei de dizer que eu sou bai-

dança é uma atividade com um poten-

atualmente trabalha na Corpo e Movi-

larino. Muitas pessoas não sabem”, expli-

cial de mudar e melhorar a vida das pes-

mento Escola de Dança, em Minas Gerais.

ca. “Acham que ser bailarino não é pro-

soas, tendo em vista que além de ser um

Passou por diversas situações de precon-

fissão. Uma vez, um motorista de uma

exercício físico, usa muito das capacida-

ceito, sobretudo questionamentos sobre

empresa que estava nos levando para

des de raciocínio, sincronia, memória e

sua orientação sexual.

uma turnê perguntou com o que nós tra-

coordenação motora de quem a pratica.

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A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA A arte é a reflexão da vida e da sociedade em que está inserida, é política e necessária à evolução da humanidade

liadora na construção histórica de deter-

vida e, com ela, vai se modificando. “A

minado grupo ou nação. “Quantas vezes

arte acompanha os ideais de sua época,

muito do que foi compreendido e reve-

como é o exemplo dos gregos, que refle-

lado de uma sociedade de uma determi-

tiam seus idealismos na busca pela bele-

nada época o foi pela arte? Quanto que

za clássica. A igreja medieval instituiu

»»»O que você imagina quando pensa

você pode trazer de compreensão de um

uma arte que educava ao cristianismo

em arte? Nos museus, nas paredes da

determinado tempo por um afresco, por

e a arte se descola de sua representação

cidade, nas escolas, nas redes sociais,

um quadro, por uma escultura, por uma

realista quando a fotografia se popula-

nas ruas e onde mais você recordar a

ruína, por uma instalação? Todos esses

riza”, declarou o pesquisador.

arte está presente. Ela é considerada

espaços, os museus, as fundações, esses

Apesar de toda importância que as

uma atividade humana que se relacio-

espaços que guardam arte, são também

manifestações artísticas carregam como

na a qualquer fazer estético. Seu pro-

espaços políticos”, explicou.

representação da sociedade, vemos que

CATARINA BRUGGEMANN FERNANDA SHIKAY HELOÍSA FREITAS ISABELLA PUCCINI VITÓRIA SANCHES

cesso de criação pode envolver emo-

Além de ser uma manifestação cultu-

a cultura passa por tempos difíceis no

ções, sentimentos, estudos. Ou seja, a

ral, a arte é a reflexão da vida humana e

Brasil. Desde janeiro deste ano, o Minis-

forma que aquele indivíduo optar por

da sociedade em que está inserida. Fer-

tério da Cultura se tornou Secretaria

liberar seu senso artístico para a cria-

nando Chuí, pesquisador e professor do

Especial da Cultura, uma pasta dentro

ção de novas obras irá afetar os senti-

Programa de Pós-Graduação em Artes da

do Ministério da Cidadania. No início de

dos de quem interagir com elas.

Universidade Estadual Paulista Júlio de

novembro, porém, a pasta foi direciona-

Ana Lupinacci, professora universi-

Mesquita Filho (Unesp), afirma que a arte

da para o Ministério do Turismo. Ainda

tária, coordenadora do curso de Design

reflete o mundo à sua volta, bem como

no âmbito federal, as leis de incentivo,

da ESPM-SP e artista plástica, estuda

projeta possibilidades e novos modelos,

fundamentais para a realização de diver-

o papel da arte dentro da sociedade e

sempre atrelados à realidade vivida.

sos projetos, sofreram alterações que

explica o valor dessa forma de expres-

Chuí faz uma retomada histórica do

inviabilizam suas execuções. A Agência

são. Para ela, a arte atua como uma auxi-

conceito de que a arte acompanha a

Nacional de Cinema (Ancine) foi alvo de

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Grafite em muro de SP retrata que a arte também é uma forma de registro da memória social |

FOTO: ANA CAROLINA BILATO

duras críticas após a suspensão de um

tura da cidade de São Paulo, Alê Yous-

edital que continha obras com questões

sef, propôs o festival Verão Sem Censu-

relacionadas à sexualidade e à comuni-

ra, para o início de 2020, com todas as

dade LGBTQI+.

peças que foram censuradas pelo país.

As reduções de verba também foram

Vários artistas se manifestaram por

registradas no âmbito estadual. O corte

meio de redes sociais contra o trata-

de 23% da verba do orçamento da Secre-

mento que tem sido dado à questão. “A

taria de Cultura e Economia Criativa, em

cultura foi reduzida a um lugar secun-

São Paulo, mostrou que a arte não é uma

dário no governo. Queremos uma visão

das principais preocupações do governo.

mais generosa do nosso futuro”, decla-

Chuí acredita que esses cortes interfe-

rou o cantor e compositor Gilberto Gil,

rem muito nas produções, uma vez que

ex-ministro da Cultura, no Instagram.

eles mostram a maneira como o público

Mauro Munhoz, diretor artístico da

em geral se relaciona com a arte. Diversos setores da sociedade, além da própria classe artística, têm respondido a essas movimentações. Artistas como

Festa Literária Internacional de Paraty

Ana Lupinacci aponta a importância da arte para a constituição de uma sociedade | FOTO: VITÓRIA SANCHES

(Flip), afirmou: “Em sua longa trajetória, a Flip vem enfrentando desafios de todos os tipos, não apenas os de viabilidade

Caetano Veloso, Dira Paes, Marina Per-

econômica. O que sustenta a festa lite-

son, Caio Blat, Caco Ciocler, Johnny Mas-

rária de Paraty é o desejo de seus mora-

saro e Gregório Duvivier se reuniram na

dores e visitantes de que ela continue

audiência pública no Supremo Tribunal

existindo”. Além disso, ele ainda decla-

Federal, presidida pela ministra Carmen

rou que é importante dizer que mesmo

Lúcia, para protestar contra a suspensão

nos períodos de retração na captação, a

do edital da Ancine. O secretário de Cul-

manifestação cultural promovida pela

20-23_Capa-R (1).indd 21

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festa não foi menos importante em seu esforço de promover as artes como elemento fundamental de transformação social. Ana Lupinacci acredita que o que mais caracteriza a produção artística contem-

22/23

porânea é a capacidade de organizar processos coletivos. Diversos segmentos passam por desafios comuns: custos altos para arcar com despesas operacionais. As afinidades estéticas e políticas têm feito com que grupos não apenas se ajudem dividindo as responsabilidades, mas também, encontrem lugar para uma produção coletiva. “Hoje eu vejo que as dificuldades de fomento estão em uma situação frágil, mas por outro lado vêm emergindo um pensamento e uma experiência coletiva que são muito fortes. Isso, para mim, é o que está entrando de novo”, diz Ana, usando como exemplo o ateliê que compartilha com outros dois artistas. “Cada um desenvolve seu trabalho, mas nós não nos vemos como concorrentes, pelo contrário. Estamos pensando em entrar em projetos juntos, então, vamos ter que nos reunir e fazer coisas em comum”. O produtor musical Gui Jesus Toledo, fundador do Selo Risco, fala sobre como percebe essas questões dentro da música independente. “A gente precisa se juntar

O Beco do Batmam abriga as principais paredes coloridas da Vila Madalena , bairro da zona oeste da capital paulista FOTO: ANA CAROLINA BILATO

banda pode gravar em um laptop e subir diretamente no Spotify, sem um intermediário. Mas para alguém chegar nesse

para fazer acontecer, mas acho que tem

nome, tem que passar por muitos filtros

uma coisa de trabalhar com o todo. Foi

em algum lugar, seja na própria timeline,

essencial esse passo inicial do coletivo

seja um blog de música que acompanha”.

para a gente se colocar na cena.”

Pensando na quantidade de lança-

Diante do entendimento da relevância

tindo tais mudanças de forma agres-

mentos e informação que circulam no

da arte na constituição de uma socieda-

siva. Streamings mudaram completa-

ambiente digital, Toledo montou o Selo

de e de suas relações históricas, surge o

mente nossa relação com o audiovisual;

Risco em 2013, em diálogo com uma ideia

questionamento de como se estabelecem

design, que tem uma relação antiga com

bastante antiga na indústria musical. “Os

as relações artísticas contemporâneas,

impressão e materiais analógicos, passa

selos, quando surgiram com a indústria

principalmente quando se vive em um

por uma radical mudança nas platafor-

fonográfica, eram muito focados em

mundo cercado pela tecnologia e cone-

mas, entre outras rupturas que estamos

gênero. Hoje, se a gente discute gênero

xões virtuais.

vivendo.

masculino ou feminino, não deveriam

De certa forma, essa questão abran-

Toledo fala sobre como tais transfor-

nem existir mais gêneros musicais, não

ge todas as áreas do conhecimento, no

mações se refletem na produção e no

precisamos desses limites cortados e há

entanto, a indústria cultural vem sen-

consumo da música. “Hoje em dia uma

muito tempo a música é música.”

20-23_Capa-R (1).indd 22

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A DISCUSSÃO CENTRAL DA ARTE É O QUESTIONAMENTO ESTÉTICO. ESTÉTICO COMO SENDO PARTE POLÍTICA E SOCIAL DE UMA CIVILIZAÇÃO E DE UMA CULTURA

A ARTE É IMPOSSÍVEL DE MORRER, MAS PODE SOFRER PERDAS IRREPARÁVEIS A DEPENDER DO CONTEXTO EM QUE SE APRESENTAR

Ana Lupinacci menciona não apenas a

arte é o questionamento estético. Estéti-

cia da arte como forma de denúncia. “O

questão da curadoria levantada por Tole-

co como sendo parte política e social de

que a arte pode fazer para combater essa

do, mas também a participação humana

uma civilização e de uma cultura”.

nova censura é permanecer crítica, resis-

em processos digitais. Para ela, o indi-

Em uma reflexão da arte dentro do

tir viva onde tantos querem estampar

víduo está no centro do processo e é o

processo construtivo de uma socieda-

uma legenda de seu fim. A arte é impos-

principal elemento da ação artística. “É

de, ela não só se relaciona com o tempo,

sível de morrer, mas pode sofrer perdas

preciso repensar os processos de elabo-

como também participa da idealização

irreparáveis a depender do contexto em

rações artísticas por meio da tecnologia.”

da memória de um povo. Ana Lupinac-

que se apresentar. É preciso resiliência e

Um robô pode ser considerado um

ci reconhece o papel da arte dentro da

cautela em nossos tempos atuais”, disse.

artista? A pesquisadora acredita que

constituição de uma trajetória social.

A crise da arte também pode signifi-

“o debate da inteligência artificial é

“Eu acho que a arte gráfica que é esse

car esperança. O saldo político e reflexi-

muito interessante, mas é muito inicial”.

misto de jornalismo, design, propagan-

vo que este período acarreta é apontado

Segundo Ana, o que tem sido visto sobre

da, tem uma contribuição incrível para

pela pesquisadora como um ganho. “Na

inteligência artificial é algo como “olha

dar. Tem um trabalho muito importan-

medida em que a arte vai sendo codifi-

o robô, ‘o computador pintou o quadro’,

te, dos mestrados e dos doutorados, que

cada, reelaborada pelo tecido social, os

mas esses quadros já estão sendo pinta-

é entrar nesses arquivos e fazer uma

artistas deixam de ser seres estranhos

dos pelo homem”, diz. Ainda de acordo

arqueologia visual.”

ou pessoas que estão acima do bem e do

com a professora, “a discussão central da

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Fernando Chuí ressalta a importân-

mal”, afirma Ana Lupinacci.

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NAS TELONAS, O BRASIL E SEUS PROBLEMAS SOCIAIS 24/25

Produções audiovisuais premiadas promovem reencontro do país com suas mazelas

Bacurau, lançamento de 2019, retrata dificuldades de uma cidade do interior nordestino | FOTO: DIVULGAÇÃO

de todos os repasses de recursos reali-

formadora, ou não”, comenta o jornalis-

zado pela Agência Nacional do Cinema

ta e crítico de cinema Marcos Petrucelli.

(Ancine), em abril deste ano, é difícil

No cenário brasileiro, essa reflexão

»»»A indústria audiovisual brasileira

prever como será o futuro do merca-

tem vindo cada vez mais da aborda-

é um dos setores que mais se desen-

do no país.

gem de problemas sociais nas produ-

ARTUR MIRANDA, MARINA TOLEDO E PRISCILA ANTUNES

volvem no país, com uma taxa média

Há dois séculos, o cinema encanta as

ções audiovisuais brasileiras. Drama-

anual de 8,8%, segundo a Brasil Audio-

pessoas com diferentes histórias, tanto

turgos buscam, na medida do possível,

visual Independente (Bravi), que

reais quanto fictícias, que constroem

trazer às telas a nossa realidade, quase

representa as produtoras indepen-

ou reformulam as opiniões do público.

sempre com um tom crítico. Dados cole-

dentes de televisão. São R$ 25 bilhões

“Uma coisa que não mudou, desde que

tados pelo jornal O Globo indicam que

agregados à economia nacional, 13

o cinema foi criado no século XIX, foi

temas como violência urbana, preserva-

mil empresas de inúmeros tamanhos

a questão da mensagem que o cinema

ção do meio ambiente e ditadura militar

e mais de 300 mil empregados vincula-

sempre tenta passar. Um meio de trans-

aparecem em pelo menos 12% dos lan-

dos. No entanto, após o congelamento

missão de mensagem que pode ser trans-

çamentos.

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Na visão de Pedro Sotero, diretor de fotografia dos filmes internacionalmen-

deu para a atriz estadunidense Gwyneth Paltrow.

te premiados Aquarius (2016) e, o mais

O filme Cidade de Deus (2002) foi

recente, Bacurau (2019), dirigidos por

indicado ao Globo de Ouro na categoria

Kleber Mendonça Filho, ainda existem

Melhor Filme Estrangeiro e participou

graves problemas sociais no Brasil que

de diversas premiações, como o Oscar,

foram relegados por gerações passadas,

Bafta, Havana, entre outros. Tropa de

como o racismo e classismo estrutural.

Elite (2007) foi premiado em dois festi-

“Acredito que é função dos artistas do

vais, em Berlim com o Urso de Ouro e no

país expor e gerar reflexões sobre essas

Festival Hola Lisboa. Outro filme recen-

feridas históricas que ainda estão bem

te que obteve bastante reconhecimento

abertas em pleno 2019”, diz.

internacional foi a animação O Menino e

Bacurau, ganhador do Prêmio do Júri

O Mundo, dirigido por Alê Abreu. O longa

no Festival de Cannes, já atingiu mais

concorreu ao prêmio de Melhor Filme de

de 650 mil espectadores. O filme gira

Animação no Oscar de 2016.

em torno de uma cidade do interior em busca de justiça, e procura reproduzir

Espaço pedagógico

diversas esferas sociais para chegar à

O cinema, além do entretenimento, é um

uma resposta. Sotero conta que a produ-

importante espaço pedagógico fora das

ção tem sido recebida de forma impres-

escolas, principalmente por auxiliar a

sionante. “Acredito que furamos a bolha.

formação das pessoas intelectualmen-

O filme está sendo visto por pessoas de

te e politicamente. Países desenvolvidos

classes sociais distintas e percepções

na área da educação normalmente pos-

muito diversas sobre a obra. Para um

suem um setor cinematográfico também

realizador isso é um grande privilégio. O

desenvolvido, que aborda temas sociais,

longa está gerando muitas críticas, deba-

políticos e culturais. Eduardo Benzat-

tes, eventos, e até podcasts para debater.”

ti, professor da ESPM-SP e antropólo-

E são os temas sociais que vêm levan-

go, acredita que a educação por meio do

do o Brasil a premiações, tanto nacio-

cinema está diretamente ligada à forma

nais quanto internacionais. Pela pri-

de resistência que ele deve representar.

meira vez na história, um filme brasileiro

“Aquarius, Bacurau e até a série Sintonia

(Bacurau) ganhou dois prêmios no Fes-

mostram simbolicamente ou metaforica-

tival de Cannes. O filme Aquarius pas-

mente a situação atual do Brasil. Críticas

sou por diversos festivais pelo mundo,

políticas são muito comuns no audiovi-

sendo indicado para vários prêmios e

sual nacional e têm uma grande relevân-

ganhando alguns deles, como no Festi-

cia para o público”, afirma.

val de Lima e de Sydney.

Hoje em dia, o audiovisual não é ape-

Alguns outros exemplos são os fil-

nas cinema ou televisão. Com o desen-

mes Que Horas Ela Volta (2015) e Hoje

volvimento de novos meios de comu-

Eu Quero Voltar Sozinho (2014), reconhe-

nicação, outras formas de disseminar

cidos internacionalmente e indicados a

cultura e propor uma diversidade maior

diversos prêmios em festivais como Ber-

na educação, como é o caso do Insta-

lim e Sundance. Nos anos 1990, o Bra-

gram e do YouTube. “As pessoas estão

sil esteve presente em três indicações

tendo um acesso mais rápido às produ-

de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar,

ções. Cada vez mais, a indústria audio-

com O Quatrilho (1995), protagonizado

visual fica menos verticalizada, e com

por Glória Pires, O Que é Isso Companhei-

isso, mais pessoas conseguem ter aces-

ro (1997), com a participação de Selton

so e tudo fica mais democrático”, expli-

Mello e Pedro Cardoso, e Central do Brasil

ca Karinna de Simone, formada em cine-

(1998). O último, estrelado por Fernanda

ma e assistente de direção.

Montenegro e Vinícius de Oliveira, ren-

O audiovisual fornece contribuições

deu mais de 25 indicações a prêmios ao

fundamentais para a educação de uma

redor do mundo, incluindo o de Melhor

sociedade. A partir de imagens previa-

Atriz no Oscar, em que Montenegro per-

mente selecionadas e bem articuladas,

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“Acredito que é função dos artistas do país expor e gerar reflexões sobre essas feridas históricas que ainda estão bem abertas em pleno 2019” Pedro Sotero, diretor de fotografia

“Críticas políticas são muito comuns no audiovisual nacional e têm uma grande relevância para o público” Eduardo Benzatti, antropólogo

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uma produção audiovisual pode ser eficaz na veiculação de informações científicas para um público grande. O professor do departamento de antropologia da Universidade de São Paulo Julio Simões acredita que a condensação de ideias que estimulam raciocínios por meio de afetos e emoções é uma importante função do audiovisual. “É claro que não basta apenas uma recepção isolada e passiva. Sempre deve ser acompanhada de oportunidades de interação, reflexão e diálogo”, defende.

26/27

Em agosto deste ano, Sintonia, série criada e dirigida por KondZilla, dono da maior produtora de funk no mundo e o canal do YouTube com mais inscritos do Brasil, estreou na Netflix, a maior plataforma global de streaming. A produção explora as vertentes da música, crime e religião em São Paulo e é narrada a partir do ponto de vista de três personagens principais: Doni, Nando e Rita. Apesar de inicialmente ser um entretenimento, a série é também uma forma de dar voz e explorar a realidade das pessoas da periferia. Com o aumento da abordagem de diversos temas no audiovisual brasileiro, a reflexão sobre a realidade dessas pessoas é fomentada. Além de mostrar como a periferia é esquecida pelo Estado e isolada da sociedade, Sintonia também abriu portas para muitas pessoas que nunca haviam atuado antes. Leonardo Campos, de 34 anos, inter-

Os protagonistas Christian Malheiros, Bruna Mascarenhas e MC Jottapê no lançamento da série Sintonia | FOTO: DIVULGAÇÃO

preta o traficante Lindão na série. Porém, apesar do sucesso recente com o papel, a vida do ator nunca foi fácil. Foi condenado após roubar um carro em 2014 e passou quatro anos preso. Enquanto estava detido, participou de oficinas de teatro e, assim, pôde explorar o seu talento para as artes, além de escrever livros e letras de músicas, tanto gospel quanto funk. Três meses após sair do presídio Adriano Marrey, em Guarulhos, Leonardo foi indicado para fazer o teste de Sintonia, que retrata a realidade de uma parte da sociedade que muitas vezes é marginalizada. Para ele, interpretar o Lindão não

como se tivesse que interpretar uma pes-

“Uns são vítimas das drogas, outros são vítimas do desemprego, outros são vítimas do sistema. Então é preciso abordar o que a droga faz, não o que ela é”

soa que eu já vi. Claro, não era nenhum

Leonardo Campos, o “Lindão” de Sintonia

foi tão diferente da realidade que já estava vivendo antes de passar no teste. “Foi

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DESDE 1953, O CINEMA BRASILEIRO É PREMIADO AO REDOR DO MUNDO, QUASE SEMPRE EM PRODUÇÕES COM CUNHO DE CRÍTICA SOCIAL conhecido. Mas eu sei o jeito do trafican-

teria mais outras séries gravadas”, disse

inserir o cinema mais clássico no dia a

te, o que ele faz”, conta.

o ator, que já afirmou ter tido a vida salva

dia deles”, comenta a profissional.

Mesmo dando aulas de teatro para

pelo teatro. “Meu desejo é proporcio-

Apesar de ter ocorrido um desenvol-

os detentos e já ter sido figurante em

nar isso para as pessoas da comunida-

vimento bem estruturado da indústria

dois filmes antes de ser preso, Leonar-

de, porque eu sei que tem muito talen-

audiovisual em diversos países, no Bra-

do nunca tinha atuado com falas. Inter-

to lá”, resume.

sil a tentativa foi frustrada. Mas, mesmo

pretar o Lindão na produção da Netflix

As diversas obras que retratam a reali-

assim, é e tende a continuar sendo uma

fez com que ele construísse uma visão

dade brasileira contribuem para a educa-

maneira de contribuir com a educação.

mais madura e consciente da realidade

ção e a reflexão crítica. “A nossa realida-

“O audiovisual é uma ferramenta muito

das favelas. Na opinião do ator, o impor-

de é plural, diversa e desigual. Por isso, é

poderosa para passar informações para

tante da série não era abordar somente o

fundamental abordar temas sociais que

as pessoas. Documentários, biografias

tráfico de drogas, mas o que ele causa na

levem em conta esses aspectos. Não

ou filmes baseados em histórias reais

comunidade. “Pessoas vão presas, des-

devemos nos fixar numa visão uniforme

facilitam a transmissão de informações

troem famílias, destroem a vida. Uns são

e cristalizada de identidade nacional a

e de valores mais modernos”, comple-

vítimas das drogas, outros são vítimas

ser refletida pelo audiovisual, mas antes

ta Karinna.

do desemprego, outros são vítimas do

mostrar os vários aspectos de sua rique-

A abordagem de temas sociais é uma

sistema. Então é preciso abordar o que

za e complexidade”, defende o antropó-

tônica no audiovisual brasileiro, porém

a droga faz, não o que ela é”, defende.

logo Julio Simões.

as expectativas para o mercado não são

Para o futuro, Leonardo pretende rea-

Segundo Karinna de Simone, um país

tão positivas. Para Pedro Sotero, a luta

lizar mais projetos profissionais, buscar

sem educação é um país sem cultura,

pela independência ideológica do cine-

maior qualificação e não descarta morar

e além de consequentes são também

ma brasileiro ocorre há mais de 15 anos,

fora do país algum dia. Além disso, sonha

reflexos uma da outra. Por isso, a pre-

mas o crescimento da representação da

em ter a oportunidade de ajudar as pes-

sença de meios audiovisuais é essen-

realidade brasileira no audiovisual não

soas da sua comunidade que compar-

cial para a formação do indivíduo. “O

depende somente de artistas ou dire-

tilham do mesmo sonho. “Eu consegui

audiovisual é usado na educação há pelo

tores. “As expectativas são baixas jus-

depois de anos tentando. Se eu tivesse

menos 40 anos na França. Lá, eles tive-

tamente por conta do ataque constante

conseguido no começo, talvez eu estaria

ram um modelo de incentivo público que

do governo atual à ciência, cultura e edu-

melhor, mais qualificado e mais longe,

foi usado para que crianças voltassem a

cação, que tenham qualquer interesse de informar e emancipar sujeitos”, explica. Com o congelamento dos repasses

Fotos: Divulgação

de recursos pela Agência Nacional de Cinema, a situação do audiovisual é imprevisível. Nos últimos meses, diversas reportagens mostram como o atual poder tenta controlar o audiovisual no Brasil, já que é um instrumento de resistência política no país. “O governo não quer mais financiar temas polêmicos e sociais, seja qual for. Como é o caso de Marighella, que não consegue estrear aqui, mas já lançou em diversos outros países”, lembra Sotero. Segundo ele, os

Tropa de Elite, lançado em 2007, foi premiado em Berlim com o Urso de Ouro e no Festival Hola Lisboa

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Cidade de Deus foi lançado em 2002. Concorreu ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro

O Menino e o Mundo foi indicado ao prêmio de Melhor Filme de Animação no Oscar de 2016

políticos querem liberar verba apenas para filmes que estimulem a moral da família ou a religião, por exemplo. “Me preocupa o futuro do audiovisual e a resistência que ele representa”, finaliza.

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28/29 Os atores de Você é o Melhor pra Mim, da esquerda para a direita, estão Felipe Gonçalves,Mateus Scalabrini,Victor Marinho,Victor Monartz,Arthur Santos e Caio Guimarães | FOTO: SARA CHAGAS/DIVULGAÇÃO

AS WEBSÉRIES QUE DESTACAM A CENA LGBTQI+ Produções voltadas para este público ganham alcance em plataformas de vídeo A história de Esconderijo é que Raquel

A diretora e roteirista de Esconderijo,

(Tatiana Fernandes) vai embora para a

que trabalha no mercado de audiovisual

Europa e abandona seu relacionamen-

há mais de 15 anos, disse que com essas

»»» Um novo conteúdo está ganhan-

to com Malu (Mirela Pizani). Oito anos

plataformas digitais a série conseguiu

do gradativamente mais espaço com

depois ela volta sem avisos. E a histó-

alcançar mais de 7 milhões de visuali-

a ajuda de plataformas de vídeo

ria começa assim, atualmente a série

zações.

como YouTube e Vimeo: o das web-

tem duas temporadas e recentemente

Apesar das dificuldades em produzir

séries voltadas ao público LGBTQI+.

ganhou um spin off chamado Antes das

séries voltadas ao público LGBTQI+, tam-

A diretora e roteirista do canal Escon-

3. Spin off é quando uma série é criada a

bém existem vantagens. E a atriz Tatia-

derijo – A Série, que conta atualmen-

partir de outra já existente que fez suces-

na Fernandes, que interpreta Raquel na

te com 74,5 mil inscritos no YouTube,

so e se ambienta no mesmo universo.

série relatou que “a maior vantagem é

ISABELLE RAMOS BULLA

Gabriela Barbosa de Mello, fala sobre os

Gabriela ainda conta que a ideia de

trazer representatividade”. “Eu não tive

principais desafios dessas produções. “A

criar a série aconteceu depois de per-

oportunidade de ver nenhuma história

maior dificuldade é sempre conseguir

ceber que além de terem poucos con-

sendo contada na minha adolescência e

recursos. Financiamos do bolso a pri-

teúdos lésbicos disponíveis, eles geral-

poder estar aqui hoje dando luz a algu-

meira temporada. Já na segunda conta-

mente abordavam as mesmas questões.

mas delas é emocionante.”

mos com o apoio do nosso público. Tam-

Retratavam a mulher lésbica “saindo do

Outra websérie que se passa no Rio

bém perdemos uma locação e um apoio

armário” ou apaixonada por uma hete-

de Janeiro se chama Você é o Melhor pra

de alimentação por ser um projeto volta-

rossexual. Então, ela e Tatiana Fernan-

Mim, e se originou a partir de um filme

do a essa comunidade. Recebemos uma

des criaram a ideia inicial do projeto com

com o mesmo nome, disponível no canal

desculpa de que a temática não condizia

o foco apenas no relacionamento dessas

do YouTube chamado Deu M. A história

com os valores da empresa.”

duas mulheres.

começa a partir da trama de um casal

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hétero, que é casado e possui uma filha. O marido Eduardo, que é entregador de remédios para uma farmácia, acaba se apaixonando por seu cliente Bruno. A série foca em problemas que jovens negros, gays e que moram no subúrbio têm que enfrentar diariamente. Um fator importante é que tanto na série como no filme o elenco é majoritariamente negro, e a história se passa na periferia da zona norte do Rio de Janeiro. Victor Santana, criador do canal e intérprete de Bruno na série, fala sobre seu processo de criação de personagem: “Existe uma conversa bem interessante e profunda com a produção e direção, de como o personagem se comporta e tem suas inspirações. E é um exercício diário. Buscar referências é essencial para você dar veracidade ao personagem”. Se você se interessa e está à procura de histórias com protagonistas femininas e

O enfermeiro Armelindo Luiz de Castro Sobrinho | FOTO : THAIS FULLMANN

LGBTQI+’s outra ótima dica é Septo, uma

Drag queens e a arte da montação

produção disponível no canal Brasileiríssimos no Youtube, que conta a histó-

Drag queen não está ligado à iden-

ria de Jéssica Borges, uma triatleta que

»»»A arte drag pode não ser conside-

é interpretada por Alice Carvalho. Um

rada assim por algumas pessoas, mas

tidade de gênero, mas sim a uma

dia ela vai treinar na praia e acaba pas-

é uma forma de expressão artística. E

expressão de gênero. Por isso, qual-

sando mal, mas é socorrida por uma pro-

por mais que pareça assunto da atu-

quer pessoa independentemen-

fessora de surfe chamada Lua (Priscilla

alidade existe há séculos, desde civi-

te de sua orientação sexual e gêne-

Vilela). A história se passa no Nordeste,

lizações mais antigas, como a Grécia

ro pode fazer. A arte transformista

mais especificamente em Natal, o que é

Antiga. O teatro estava se consoli-

também não se restringe apenas às

um fator extremamente representativo,

dando e na época apenas homens

drag queens, mas engloba crossdres-

já que muitas produções quando retra-

podiam atuar. Com isso as perso-

sing. Armelindo contou que “a arte

tam a região abordam uma visão estere-

nagens femininas eram vividas por

transformista é ampla, é ligada mais

otipada e preconceituosa.

homens vestidos como mulheres.

à drag porque é mais chamativa, mais

Alice, além de atriz, também é rotei-

Mas foi apenas no século XX que

colorida. É a criação de personagem e performar por meio dele.”

rista e explica que não sabia que a série

essa arte passou a se alinhar com

viraria algo de significado tão intenso

a comunidade LGBTQI+, sobretu-

para tantas pessoas. “Foi uma grata sur-

do graças aos Drag Balls, festas em

existem preconceitos principalmen-

presa o tamanho da aceitação por parte

que havia competições que surgi-

te em relação a mulheres cisgêneros,

do público e da crítica, contando com

ram no Harlem, Nova York, na déca-

ou seja que nasceram e se identifi-

mais de 15 indicações a prêmios. Eu que-

da de 1980.

cam como mulheres ao se montarem.

Dentro do mundo drag também

ria me ver representada, como LGBTQI+,

Armelindo Luiz de Castro Sobrinho

Esse pensamento geralmente vem de

como mulher de cor, como nordestina.

é um enfermeiro de 51 anos que usa a

homens que fazem drag por conside-

Isso transborda para minha arte natu-

arte drag como lazer e realização pes-

rar mais fácil mulheres se montarem.

ralmente porque é o que eu quero”, con-

soal. Ele se monta há 25 anos e conta

A jovem Bárbara Haxkar Lavorato,

tou Alice.

que faz parte de um grupo chama-

que trabalha na agência de turis-

A série levou cinco prêmios em 2017 no

do Esquadrão das Drags, como subs-

mo Almundo e se monta por diver-

Rio Web Fest, evento dedicado a premiar

tituto, caso alguma drag não consiga

são, disse que esse preconceito pode-

produções audiovisuais, no qual como

comparecer. É um projeto social que

ria diminuir se as pessoas soubessem

Melhor Elenco de drama. Nesse mesmo

tem por objetivo, por meio do bom

a história da arte drag, porque esse

festival, Septo foi selecionado também

humor, de levar informação sobre

tipo de arte só passou a existir exa-

para participar de festivais na Alemanha

prevenção de doenças sexualmente

tamente porque a mulher não podia

e Estados Unidos.

transmissíveis.

participar de apresentações.

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O MEU, O SEU, O NOSSO SLAM DAS MINAS Mulheres conquistam espaço em batalhas para declamar poesias sobre temas sociais Carolina Peixoto, Pâmela Araújo, Luz HELOISA FREITAS

Ribeiro e Mel Duarte, frequentadoras de slam desde 2011, perceberam essa

»»» Você já ouviu falar em slam? Ao

discrepância de gênero e viram nisso

ouvir esta palavra, talvez a primeira

uma oportunidade de formar um cole-

coisa que tenha vindo à sua cabeça foi

tivo que tivesse um recorte de gênero

o Islã, a religião. Entretanto, o slam

específico. Com a ajuda de mulheres de

não tem nada a ver com isso. Na ver-

Brasília, onde o Slam das Minas já era

dade, é uma forma de declamar poesia,

conhecido, em 2016 o movimento che-

que tem o objetivo de debater temas

gou a São Paulo. Segundo Carol Peixoto,

que muitas vezes são esquecidos no

mais conhecida como Carol Ambulante,

vivências, de violências, de sofrências,

cotidiano, como o racismo, homofobia,

durante esses três anos de existência a

mulheres, homens trans, mas todos têm

machismo. Este movimento nasceu

principal mudança do movimento foi o

um objetivo principal, ter voz em nossa

em 1980 e tem origem norte-america-

entendimento do slam além da batalha.

sociedade”, comenta Carol.

na, mas só chegou ao Brasil em 2008.

A poesia marginal, como é popularmen-

Além de abrir um espaço de fala para

Começou nas periferias para dar voz

te apelidada, quebra as limitações de ser

as minorias, o slam concede uma visão

à juventude que é censurada e margi-

apenas um modo de fazer poesia. Após

fora da bolha em que estamos acostu-

nalizada por todos os lados.

a criação do movimento com recorte de

mados a viver. Hellena Mamono, admi-

Sua popularização tem sido inevitá-

gênero, somente mulheres ganharam o

radora do coletivo e frequentadora desde

vel, mas ainda é muito confundido com

Campeonato Nacional para representar

2017, diz que foi assistindo às batalhas

o gênero musical rap, apesar de não ser

o Brasil na Copa do Mundo de Slam.

que tomou consciência de seus privilé-

acompanhado por nenhum instrumen-

Homens trans também têm voz neste

gios, de mulher branca e de classe média.

to musical, ou ritmo. O professor de lite-

espaço. As fundadoras do coletivo acre-

“A minha bolha sempre foi muito con-

ratura Giovanni Verazzani, que também

ditam que a inclusão é a melhor arma

fortável. Escola particular desde sempre,

é slammer (aquele que batalha as poe-

contra o preconceito. “Se a gente tem

inglês depois do colégio, mais tarde, no

sias), em entrevista ao jornal Tribu-

essa preocupação deste recorte de gêne-

ensino médio, a viagem de formatura.

na de Minas, diz acreditar que o slam é

ro, de discutir violência, de combater

Mas nem sempre soube que essas coi-

um novo gênero literário, que veio para

este machismo, precisamos tirar esse

sas eram privilégios, na minha cabeça,

democratizar a literatura brasileira.

microfone da mão do homem branco

esse era o mínimo que alguém pode-

Embora seja um ambiente que tem

e hétero. Acolher as pessoas trans para

ria ter. Quando eu conheci as batalhas

como principal objetivo dar voz às mino-

realmente ter essa nova visão, ter essas

de slam, me surpreendi muito, pois foi

rias, até há pouco tempo era um espaço

outras vozes falando. Acho que cada um

como levar um tapa em minha cara. As

majoritariamente masculino.

tem suas próprias particularidades de

reclamações diárias, por coisas supér-

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fluas, diminuíram e a vontade de fazer a diferença para um mundo com mais igualdade só aumentou.” Quem afirma a função de “quebrar alienação” é Carol. “Eu cresci muito alienada em não olhar os problemas sociais, as questões de outras pessoas. Não basta eu não ser racista, eu preciso ser antirracismo. Não adianta eu não ser homofóbica, eu preciso ser anti-homofobia. Acho que eu vivi por muitos anos dentro da minha bolha achando que o mundo era perfeito, e o que as pessoas sofriam não era culpa minha e eu não podia fazer nada”. Carol cita um episódio em que ela e sua colega Pâmela Araújo denunciaram um agressor de mulheres no decorrer de um sarau. “A Pâmela e eu fizemos uma denúncia num sarau que estávamos de um cara que tinha agredido a compa-

Slammer em ação na grande final de Slam das Minas que aconteceu no Sesc

nheira. Naquele momento ele enfrentou nós duas e a gente foi para o embate, e acabou que a Pam foi retirada do sarau para manter o evento rolando. Estamos respondendo um processo por calúnia e difamação dele. É muito louco, quando as mulheres gritam, nós somos histéricas e loucas.” Ainda que a arte resgate princípios humanos, descarte intolerâncias e possua um número considerável de voluntários para executar esses objetivos, ela precisa de um incentivo externo. A maioria das apresentações ocorre em unidades do Sesc de São Paulo. Neste ano houve redução na distribuição de verba direcionada à cultura, o que acaba impactando nos saraus de poesia. “Acho que a gente vai sentir alguma coisa mesmo a partir do ano que vem. Mas, de certa forma, já está havendo corte de verbas na área cultural e isso acaba sendo outro tipo de censura, a censura camuflada”, diz Carol Peixoto a respeito da situação política do país. “Mas a

Mulheres reforçam presença em batalha de poesias | FOTOS: PEDRO TRIGO

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ideia é resistir, e sobretudo, não desistir.”

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32/33 Escultura de Rodin, L‘Homme que marche, na Pinacoteca de São Paulo |

FOTO: GABRIEL FERNANDES / WIKIMEDIA COMMONS

ONDE ESTÁ A DIVERSIDADE NOS MUSEUS? Laboratório de Formatos Híbridos e Design Lab ESPM vão à Pinacoteca e ao Masp revisitar o método Guerrilla Girls: qual a porcentagem de mulheres e negros nos acervos de algumas das instituições culturais mais icônicas da cidade de São Paulo?

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fala da invisibilidade dos negros, mas não apenas. Também faz pensar sobre a falta de diversidade em geral, mas principalmente dentro dos museus. E dialoga, afinal, com o trabalho que inspirou o Laboratório de Formatos Híbri-

“Não dá para alterar o passado, mas temos colocado principalmente artistas mulheres contemporâneas na programação” José Augusto Assessor de Imprensa da Pinacoteca

dos (LabFor) e o Design Lab ESPM: o método das Guerrilla Girls. A reportagem visitou alguns dos museus mais icônicos da cidade, a Pinacoteca e o Museu de Arte de São Paulo (MASP), para analisar a representatividade feminina nas manifestações artísticas e outros aspectos da diversidade. Os repórteres contaram cada obra

O grupo surgiu em 1985 em Nova Yorque.

autor. Viram ainda quem estava sendo

Formado por mulheres feministas anôni-

retratado nas obras, se eram negros ou

mas. Elas expõem e combatem o machis-

mulheres, e a maneira em que estavam

mo e o sexismo presente no mundo da

sendo representados (por exemplo, se

arte.

estavam em situações degradantes ou

LABFOR E DESIGN LAB | ESPM

Guerrilla Girls

de arte e verificaram o gênero de cada

Em 1989, o grupo foi ao Metropoli-

hiperssexualizadas). O resultado foi

tan Museum of Art, em Nova Iorque, e

transformado num infográfico, nas pági-

coletou dados que apontavam que ape-

nas seguintes, utilizando cores e design

nas 5% dos artistas eram mulheres mas

que dialogam com o trabalho do coleti-

que 85% dos nudes eram femininos. Foi

vo Guerrilla Girls.

feito então um cartaz que se tornou icô-

Com os dados em mãos, procuraram

nico. No ano de 2017, o grupo veio ao

os assessores de imprensa de ambos os

Masp para fazer uma de suas obras mais

museus. Ficou claro que apesar de ainda

conhecidas: “As mulheres precisam estar

haver grande diferença no número dos

nuas para entrar no Masp?”. Naquele ano,

gêneros dos autores, cada vez mais as

apenas 6% dos artistas eram mulheres e

instituições tem buscado reverter esse

60% dos nus eram femininos, um con-

quadro. “Não dá para alterar o passa-

traste quase tão grande quanto o do Met

do, mas temos colocado principalmen-

Museum, 28 anos atrás.

te artistas mulheres contemporâneas

O impacto da pesquisa foi tamanho

na programação”, disse José Augusto,

que o Masp começou a resgatar artistas

assessor de imprensa da Pinacoteca. Em 2018, nesse mesmo museu, acon-

mulheres que foram importantes para a história e que não são lembradas. Em

»»»“Não ter que saber é um privilégio

teceram diversas exposições temporá-

2019, por exemplo, artistas como Djani-

que nem todos nós temos”. A afirmação

rias que contavam principalmente com

ra da Motta e Silva, Tarsila do Amaral,

faz parte da primeira exposição indivi-

mulheres como Rosângela Rennó, Ana

Lina Bo Bardi, Anna Bella Geiger e Leo-

dual da obra de Grada Kilomba no Bra-

Dias Batista e Hilma Af Klint, além da

nor Antunes ganharam destaque, além

sil, na Pinacoteca. Ela provoca: quem

mostra Mulheres Radicais. O MASP res-

de uma mostra coletiva internacional só

define o que é a verdade absoluta, em

saltou que suas exposições já estão vol-

de mulheres. Aos poucos, esses museus

quem acreditar e em quem confiar

tadas para o protagonismo feminino,

tentam reduzir a desigualdade de visi-

quando estamos nos museus? A obra

como Histórias feministas e Histórias

bilidade que as mulheres têm dentro do

multimídia Desobediências poéticas

das mulheres, ambas de 2019.

mundo artístico. E os outros?

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p

PERFIL: TARSILA DO AMARAL

GIOVANNA TUNELI E LETÍCIA VINOCUR

»»»Uma mulher à frente do seu tempo, que relacionava a essência poética das vanguardas do início do século passado, com sua arte. Tarsila do Amaral ficou

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conhecida como uma das criadoras dos mais inovadores movimentos artísticos do Brasil. O movimento antropofágico, que consistia em digerir artes e produções estrangeiras para que suas obras tivessem feições brasileiras. “Eu invento tudo na minha pintura. E o que eu vi ou senti eu estilizo”, dizia. Um dos objetivos da antropofagia era aproveitar o que há de melhor da arte de fora, ou seja, modelos e técnicas estrangeiras, sem perder a tradição brasileira. Uma de suas obras mais famosas surge nesse período, o Abaporu. A tradução dessa palavra, do indígena para o português é “o homem que come carne humana”, sendo assim, emblemático para a fase da artista, que se inspirava muito em seu passado para desenvolver sua obra. “Minha força vem da lembrança da infância na fazenda, de correr e subir em árvores. E das histórias fantásticas que as empregadas negras me contavam.” Referência tanto como artista feminina, quanto em arte brasileira, Tarsila nasceu em 1886 em Capivari, interior de São Paulo. O mundo da arte começou a despertar o interesse da artista quando ela ainda era adolescente. Inicialmente, ela pintava nos moldes conservadores e sempre foi ligada à religião. “Sou muito devota do Menino Jesus de Praga, porque alcancei muitas graças com as orações a ele”, dizia a artista, conforme narrado no livro Tarsila: sua obra e seu tempo, de Aracy Amaral. Foi em visita à Exposição de Pintura Moderna de 1917 que se deparou, não só com os primeiros moldes da arte modernista, mas com Anita Malfatti, que em um futuro próximo viria a ser uma de suas

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Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini

CARNE, BOCA E ANTROPOFAGIA Conheça a vida de uma das artistas mais brilhantes e revolucionárias de toda a história. Uma das precursoras da arte modernista do Brasil

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“MINHA FORÇA VEM DA LEMBRANÇA DA INFÂNCIA NA FAZENDA, DE CORRER E SUBIR EM ÁRVORES. E DAS HISTÓRIAS FANTÁSTICAS QUE AS EMPREGADAS NEGRAS ME CONTAVAM” melhores amigas e que acompanharia

O início de seu estilo único é marcado

completamente com o conservadoris-

todo seu desenvolvimento até o surgi-

pela sua obra A Negra. Repleta de cores

mo europeu e passa a encher de formas

mento do movimento antropofágico.

vibrantes e formas geométricas, a estéti-

e cores a sua pintura. Todas suas obras

“Parece mentira, mas foi no Brasil que

ca vanguardista e étnica brasileira come-

contrastavam a modernidade urbana

tomei contato com a arte moderna.”

çam a aparecer mais e mais nas obras de

com as diversidades brasileiras da época.

Com o passar dos anos, Tarsila matu-

Tarsila. A artista passa a viajar pelo Bra-

A segunda fase da artista ficou conhe-

ra cada vez mais as ideias modernistas e

sil e se aprofundar na flora e na fauna

cida como um dos mais inovadores movi-

revolucionárias. Durante todo o tempo

das diferentes regiões. Ela redescobre

mentos artísticos do Brasil. O Movimento

que passou longe do Brasil, se correspon-

novas cores vibrantes de sua infância,

Antropofágico consistia em digerir artes

dia por cartas com Anita e se informava

novos formatos e novas paisagens. Mer-

e produções estrangeiras para que suas

sobre os movimentos e tendências que

gulha nas heranças e nas suas raízes para

obras tivessem feições brasileiras.

circulavam pelo país, inclusive sobre a

expressar esses elementos em sua arte.

Conhecida como Social, Tarsila ainda

Semana de Arte Moderna de 1922. Ape-

Oswald de Andrade e Tarsila escrevem

teve sua terceira fase. A partir da inaugu-

sar de não ter feito parte diretamente do

um manifesto incentivando os artistas a

ração da obra Operários, a artista inicia

movimento, ela aderiu a ele.

buscarem a arte com influência no Bra-

um período voltado às questões sociais.

Foi em uma tarde de calor do mesmo

sil e não mais na Europa e no estrangei-

Ao passar pela União Soviética, Tarsila

ano, em uma confeitaria no centro pau-

ro. A partir desse manifesto, as obras de

volta ao Brasil com o desejo de denunciar

lista, logo após a Semana de Arte Moder-

Tarsila podem ser divididas em três fases,

e expressar a sociedade. Estava apaixo-

na de 1922, em que Tarsila foi apresentada

como descrito no livro Tarsila, de Maria

nada pela arte e por fazê-la.

por Anita aos artistas Oswald de Andra-

Adelaide Amaral.

O impacto da artista brasileira é tão

de, Mário de Andrade e Menotti Del Pic-

A primeira fase pode ser chama-

grande que a exposição Tarsila Popular,

chia, formando junto a eles o Grupo dos

da de fase Pau-Brasil. A pintora rompe

no Museu de Arte de São Paulo (Masp),

Cinco. O grupo tinha como principal

que teve início em 5 de abril e terminou

objetivo concretizar a partir do moder-

dia 28 de julho deste ano, foi a de maior

nismo, uma arte exclusivamente brasi-

sucesso do museu paulista. Em pouco

leira, sem inspiração nos moldes euro-

mais de três meses, a exposição atraiu

peus. Sem esperar, Tarsila se apaixonou

401 mil pessoas, que puderam ter acesso

por Oswald e eles viveram uma intensa

a mais de 120 obras, incluindo o famoso

história de amor.

quadro Abaporu, segundo informações divulgadas pelo Masp.

Ela foi introduzida às grandes vanguardas do século XX. O cubismo, o futurismo e o expressionismo se tornaram grandes inspirações para suas obras. A

Com curadoria de Adriano Pedrosa e

OBRA-PRIMA O ABAPURU

Fernando Oliva, quem visitou a exibição percebeu que a artista brasileira se pre-

artista inicialmente logo percebeu que

ocupava, desde aquela época, com ques-

deveria se desvencilhar, no entanto, das

tões raciais, de classe e o colonialismo. A

artes europeias. E assim, influenciada

exposição também foi reconhecida inter-

por seu amigo e professor Fernand Léger,

nacionalmente. Antes de se localizar em

começou a desenvolver e criar um esti-

São Paulo, entre os anos 2017 e 2018, Tar-

lo próprio.

sila Popular percorreu museus estadu-

Ainda na Europa, ela havia começado

nidenses em cidades como Nova York e Chicago.

a mergulhar na cultura étnica brasileira. Em uma carta a seus pais durante esse

Tarsila do Amaral foi a representação

período, ela explicou como suas experi-

sublime de diversidade na arte. Respon-

ências em Paris a inspiraram a explorar

sável por criar um estilo genuinamente

suas raízes e sua herança cultural e como

brasileiro, para ela tudo era, ou poderia

ela queria ser reconhecida como pinto-

virar, arte, principalmente se a finalidade fosse a de retratar seu próprio país.

ra brasileira. Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini

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UM OLHAR SOBRE ARTE EM TEMPOS MULTIMÍDIA

INSTAGRAM LTDA

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ARTE E DIVULGAÇÃO Como ilustradores adaptaram seu modo de ver e expor seu trabalho numa época de dilúvio informacional sando muito nisso. Eu não tenho resposLUIZA MÜLLER

tas, eu tenho reflexões, e é isso que eu

»»»A arte é mutável. O que antes era

gostaria que as pessoas fizessem, refle-

visto como ausente de classe e beleza

tissem. Sobre quem elas são, sobre o que

tornou-se padrão vigente. Atualmen-

elas sentem”.

te, em um mundo cada vez mais trans-

Também conectada intrinsecamen-

formado por invenções tecnológicas, a

te ao tema feminino, Carolina Alves se

arte sofre uma permanente metamor-

apega à arte como forma de expressão

fose marcada pelo advento de diversos

emocional. Por meio do perfil x230894x,

novos meios de produzir e entender

Carolina canalizou seu autoconheci-

os processos artísticos. A criação das

mento em um formato conhecido como

redes sociais remodelou o conceito de

“blind contour”. O processo artístico

espaço e visibilidade; agora artistas

constitui em desenhar “às cegas”, ima-

dos mais diversos países podem nutrir

ginando as formas que a imagem deve

sua própria galeria de artes digital e

tomar. “Eu queria muito ter meus dese-

visitar outras galerias. Produzir arte

nhos aceitos, saber pelo menos desenhar

para as redes sociais concebeu um

um rosto, mas eu sempre me sentia triste

novo modelo de colaboração e divul-

no fim de tudo porque ficava feio. Então

gação artística. Tudo mudou, exceto

eu baixei um livro chamado Desenhando

a impossibilidade de definir o que é,

com o lado direito do cérebro, da Betty

de fato, arte.

Edwards. Lá tinham vários exercícios e

O Instagram possui um verdadeiro

um deles era o blind contour”. Incomo-

exército digital de 1 bilhão de usuários

dada com a normatividade dos padrões

ativos. Entre os perfis criados, encon-

de arte aceitos, Carolina foi a primeira

tramos a galeria individual da gaúcha

artista a aderir a técnica como o corpo

Isadora Brandelli, que nutre o perfil

de seu trabalho no Brasil.

artístico Isadora Não Entende Nada. O

A quilômetros de distância em solo e

Facebook homônimo, que a artista ali-

pensamento, o artista colombiano San-

menta desde 2012 com desenhos auto-

tiago Oliveros cultiva um Instagram pau-

rais, nasceu após Isadora abrir um livro

tado nos embates particulares do ser

do escritor uruguaio Eduardo Galeano

humano. Seu perfil no Instagram leva

em uma página aleatória. “Quando abri

o nome de “SakoAsko”, inspirado pelos

o livro, caiu num conto chamado Isado-

dois pólos opostos individuais de Santia-

ra, sobre a dançarina americana Isado-

go. “Comecei a assinar meus desenhos

ra Duncan, o que eu achei supermístico

como Sako, quando ainda tinha 13 anos.

e engraçado. A primeira coisa que eu li

Mais tarde, aos 16 anos, comecei a assi-

foi ‘Isadora não entende nada…’, e pen-

nar como Asko, que era como uma força

sei: taí!”.

oposta a Sako. Nos últimos anos, come-

Com forte influência da natureza e do feminino em seus desenhos, Isadora

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cei a assinar como SakoAsko, que é uma integração dessas duas polaridades”.

transpõe seu mundo privado em forma

Em meio ao boom das redes sociais,

de aquarela e poesia. “Eu não sou psicó-

em 2013, o artista deu início ao seu perfil

loga, terapeuta, psiquiatra. Só sou uma

no Instagram. Proveniente de um cená-

pessoa escrevendo pelo que sente e pen-

rio formal de educação artística, San-

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Ao lado, ilustrações de Samuel de Gois e Xaviera López, respectivamente;

Seu corpo de trabalho teve início na rede social Vine, que, em 2013, chegou a atingir mais de 40 milhões de usuários. A plataforma, agora extinta, não permi-

FOTOS:

tia a pré-produção de vídeos. Com esse

REPRODUÇÃO

impedimento, os produtores exercita-

INSTAGRAM

vam a criatividade e planejamento para filmar um conteúdo interessante de apenas seis segundos, o máximo permitido pelo aplicativo. Para Xaviera, o início de sua criação artística nas redes sociais veio acompanhado de uma nova visão sobre esse meio. “Falando como criadora, acho ótimo que meu trabalho alcance aqueles que estão diretamente interessados. Isso modifica necessariamente a experiência do espectador, pois, ao invés de ir a um espaço físico para ver o meu trabalho, ele pode vê-lo no telefone ou no iPad, sem que sua rotina seja alterada”. Como conselho aos jovens ilustradores, a artista insiste que o trabalho em si é o que realmente trará felicidade. “O fato de poder criar todos os dias é, em si, a melhor coisa que pode acontecer com você”. Xaviera também frisa a importância da disciplina no processo artístico e a constante curiosidade em aprender. No mais, a artista acalma os que ainda não encontraram sua voz e estilo artísticos, afirmando que tais características apa-

“Eu não tenho respostas, tenho reflexões” Isadora Brandelli, ilustradora

recerão organicamente conforme a produção se expandir. Já Samuel de Gois, ilustrador e dono do perfil “samueldegois”, iniciou seu percurso no Instagram após notar um declínio nas visualizações de sua página no

tiago integrou a arte erudita aos novos

coberta pessoal, a artista chilena Xavie-

Facebook. A mudança causou estranha-

meios de criar. “Foi interessante criar

ra López produz ilustrações e pequenos

mento, mas Samuel assume que, atual-

digitalmente, porque comecei a estu-

vídeos em loop que exploram o univer-

mente, o Instagram é a rede social mais

dar as técnicas analogamente. Eu estu-

so ao seu redor. Por meio da união de

agradável para a publicação de seu mate-

dei em uma academia de artes muito ins-

suas “emoções, epifanias, pensamen-

rial. “Ainda publico paralelamente no

pirada por mídias tradicionais, então foi

tos e associações” com as artes, natu-

Facebook e Twitter, mas estão bem dis-

interessante integrar essa linguagem à

reza e ciências humanas, Xaviera torna

tantes do Instagram em seguidores, cur-

linguagem digital”.

seu mundo tangível pelo intermédio das

tidas e compartilhamentos”.

Adepta da arte como modo de des-

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imagens.

Samuel publica suas ilustrações por

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“Quero provar que é possível chegar em algum lugar nesse cenário artístico nacional sem precisar parar de olhar o mar toda manhã, perto de onde moro”

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Samuel de Gois, ilustrador paraibano

meio de séries temáticas. A mais famo-

DÁ, que desenvolveu o grafite nos anos

sa, batizada de “Fibrilação”, contém o

1980, Jaime nasceu na Espanha, porém

modelo de um coração que é alterado

se mudou para São Paulo em 1975. O enre-

para os mais diversos cenários. Muitas

do que utiliza para tecer o pano de fundo

vezes acompanhados de texto, os dese-

de seu projeto mais celebrado, “Nature-

nhos jogam luz sobre situações huma-

za Humana”, esbarra em noções ecológi-

nas, contraditórias ou sentimentais.

cas, espirituais e sociológicas.

Brasileiro, Samuel também encontra

Artista em todo senso de carinho e alti-

determinação por conta de seu local de

vez, Prades caracterizou suas três obras

nascença. “Sou nordestino da Paraíba e

expostas no Museu de Arte Contempo-

é muito difícil entrar no cenário nacional

rânea de Sorocaba: o Protótipo 1, a Árvo-

não estando nas grandes capitais. Quero

re Cortada e, a última citada e mais ela-

provar que é possível chegar em algum

borada, Tronco. As produções realizadas

lugar nesse cenário artístico nacional sem precisar parar de olhar o mar toda

Acima, escultura de chaves criada por Morkerk | FOTO: REPRODUÇÃO ETSY

manhã, perto de onde moro”.

para o projeto refletem sobre a sociedade moderna e o consumo desenfreado das massas. “O projeto natureza humana lida com algumas energias, forças, muito presentes em nossa sociedade. A partir da

O algoritmo

minha observação do ambiente humano com as sobras, principalmente da natupontos negativos do Instagram é pre-

reza, das árvores, comecei a fazer traba-

»»»Tendo como propósito divulgar

cisamente “a cobrança para ser sempre

lhos de captação em caçambas e ruas,

anúncios para o maior número de pes-

produtiva e, assim, não deixar a rede

em becos, lugares onde pessoas despe-

soas, o Instagram moldou seu algorit-

boicotar você”.

jam madeiras”.

mo para prender seus usuários na rede.

Igualmente a Isadora, Samuel de Gois

A 13.241 km de Jaime, Michael

Pautado no modelo comercial, os anun-

acredita que essa parte nebulosa do Ins-

Moerkerk desenvolveu seu projeto em

ciantes do aplicativo geram mais receita

tagram atrapalha muitos artistas. “Estou

metal, na cidade de Horsham, na Austrá-

para o Instagram quando seus produtos

sempre sentindo falta de ver atualiza-

lia. Dono da loja Moerkey, hospedada no

são amplamente visualizados.

ção de amigos artistas. Preciso ir efeti-

site de marketplace online, Etsy, Michael

Personalizado para o usuário, o feed

vamente no perfil deles para ver as novi-

descobriu sua verdadeira paixão quando

se estrutura a partir dos hábitos pessoais

dades. Senti quando o Instagram mudou

trabalhava com canos de cobre. Ao ten-

de navegação de cada pessoa. Caso você

as regras. Minha página ainda está cres-

tar montar uma bola feita do material,

interaja mais com determinado assun-

cendo, mas não sei se seria mais rápido

o artista descobriu que não tinha mais

to ou perfil, o Instagram priorizará a

em outras condições. Acho que as redes

excedentes do elemento, o que o levou

exibição de tais conteúdos na sua pági-

sociais deveriam dar alguma atenção

por um caminho inusitado.

na. Desse modo, em vez de você confe-

para os criadores de conteúdo”.

Freado por conta da escassez, o austra-

rir rapidamente o aplicativo e possivel-

liano procurou chaves antigas para dar

mente se desinteressar depois de alguns

continuidade ao projeto. Após algumas

minutos, o algoritmo prende sua atenção por mais tempo. Negativo para muitos produtores de

De volta à natureza

tentativas e erros, Michael aprendeu a trabalhar não só com chaves, mas também com moedas de cobre. “Eu normalmente olho para materiais do dia a dia e

conteúdo, o algoritmo sentencia uma rotina de postagem e ampla interação,

»»»Os óculos ovais enquadravam o rosto.

considero montá-los com o uso de chaves,

para que, só então, seu post tenha chan-

Na camiseta preta, um desenho herda-

assim, me preparo e formulo o processo”.

ce de ser visualizado em meio ao dilúvio

do de suas obras. Jaime Prades sentou-

Proveniente da arte em madeira, o arte-

informacional que o aplicativo oferece.

-se e com ar solene e discorreu sobre sua

são leva em média 50 horas para realizar

Isadora Brandelli acredita que um dos

paixão. Membro do grupo TUPINÃO-

suas obras mais completas.

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DOIS ANOS DEPOIS DA MARÉ CINZA NOS MUROS DE SP A Prefeitura apagou os grafites da cidade em 2017, uma alteração que gerou polêmica

Mural na Avenida 23 de Maio antes e depois do Projeto Cidade Linda  |  FOTOS: ANDRÉ DEAK/LUCA CARLONI

ALINE CHALET

ção de grafites na 23 de Maio. O juiz do

pode ser considerado arte”, ele explica. A

caso, Adriano Marcos Laroca, conside-

justificativa dada, à época, pela prefeitu-

rou que foi um caso de censura de dano

ra para pintar o painel foi de que os dese-

»»»“Não importa que o público não

ao patrimônio público. “Uma reocupa-

nhos estavam desgastados e pichados.

entende o que está escrito, a picha-

ção do espaço público, que, a pretexto

Ócio explica que não existe diferença

ção tem impacto e se tem impacto,

de proceder à legítima zeladoria urba-

entre pichação e grafite. A divisão de ter-

é arte”, afirma Luis Augusto Gaspa-

na, lesionou patrimônio cultural imate-

mos foi criada por preconceitos da socie-

ri, mais conhecido como Ócio, artis-

rial de São Paulo”, afirmou Laroca.

dade, que entende que o grafite é feito

ta independente e tatuador que gra-

O dinheiro, quando pago, será rever-

fita há seis anos. Para ele a ordem de

tido ao Fundo de Proteção Cultural e

pintar de cinza há dois anos os muros

Ambiental Paulistano. O texto da decisão

Felipe reforça que a ideia do grafite e

grafitados foi um ato elitista e um des-

utilizou como base argumentativa diver-

da pichação é ser feito sem autorização

respeito à cultura da rua. Ele se refe-

sos artistas e pensadores como Simone

para confrontar o status quo, por esse

re especialmente ao apagamento do

de Beauvoir e Mário de Andrade.

motivo políticas públicas de delimitação

com autorização e possui uma estética específica.

maior mural de grafite a céu aber-

Para Ócio, a multa tem importância,

de espaço não funcionam. Além disso,

to da América Latina, que ficava na

mas não é suficiente. Ele acredita que o

a definição do que é poluição visual é

avenida 23 de Maio, região sul de São

trabalho deve ser feito novamente, cha-

subjetiva, o que deveria impedir ações

Paulo. Eram 15 mil metros quadrados

mar artistas que participaram e que não

governamentais acerca disso.

de desenhos produzidos por mais de

participaram do primeiro painel e for-

Para ele, o grafite facilita o acesso à

200 artistas.

necer o material para que eles possam

arte e pode ser uma porta de entrada

refazer a obra.

para outros tipos de expressões artís-

A ação foi parte do programa Cidade Linda do então prefeito João Doria. O

Felipe Lavignatti, cocriador do projeto

ticas. Ócio enfatiza que a arte de rua é

programa de zeladoria apagou pichações

arte fora do museu, que tem como objeti-

importante pela liberdade que ela traz

e grafites em toda a cidade. No lugar do

vo a valorização da arte no espaço públi-

ao artista. “Quando você faz um quadro,

mural da 23 de Maio a prefeitura insta-

co, acha que apesar de a questão do verde

você está tentando jogar seu sentimen-

lou um jardim suspenso que, hoje, sofre

na cidade ser importante, retirar arte é

to lá, é um sussurro. No muro é aque-

com problemas de manutenção.

sempre uma perda. “Não importa a pla-

le grito. Toda sociedade, todo mundo

Neste ano a prefeitura e Doria foram

taforma, não é por que você está em um

que passa vê e absorve aquilo ali”, ele

condenados a pagar R$ 782 mil por remo-

ambiente marginalizado da rua que não

explica.

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42 Mundano, do Pimp my Carroça, em seu escritório grafitado  |  FOTO:

MARINA TOLEDO

GRAFITE COMO AGENTE DE MUDANÇA SOCIAL Projeto incentiva trabalho de catadores de material reciclado, transformando as carroças com arte

tudo que o Brasil recicla foram eles que coletaram, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Apesar de eles serem esses superagentes ambientais, são os menos remunerados, reconhecidos, os mais ignorados, e a ideia é usar a arte para usar essa contradição mais exposta e tentar acabar com ela de alguma maneira”, afirma Bourroul. “Usar a arte para transformar me soava como um clichê vazio, mas hoje em dia virou um clichê cheio de significado, de importância e de resistência. Acho que temas sociais na arte são uma

va a pintura das carroças dos catado-

resposta natural”, conta.

MARINA TOLEDO

res de material reciclável de São Paulo.

Bourroul conta que os catadores pas-

Por cinco anos, esse artista, conhecido

saram de buzinadas para pedidos de

»»» Em 2007, enquanto um artista gra-

como Mundano, pintou diversas carro-

fotos. A carroça pintada aumenta a visi-

fitava de baixo de uma ponte, ele per-

ças com frases para as pessoas que acre-

bilidade e muitas vezes a sua renda. “A

cebeu que ali era a casa de alguém e

ditavam na possibilidade de tirar da invi-

ideia de usar a arte para atingir as pes-

que esse alguém vivia numa carroça.

sibilidade esses catadores. Em 2012 foi

soas deixa a coisa mais lúdica, quando

Após pedir permissão para pintar “sua

feito um financiamento coletivo com o

você vê, já se transformou. O ser huma-

casa”, surgiu a ideia de usar a carroça

Catarse e surgiu oficialmente o Pimp My

no gosta de cor, o olho procura, traz um

também como uma plataforma para

Carroça.

conforto”, ressalta.

a sua arte. “Grafiteiro está acostuma-

O projeto tem o objetivo de usar a arte

Apesar de o grafite ser o carro-che-

do a pintar parede, que é algo estáti-

para mostrar a importância dos catado-

fe da casa, em seus eventos é possível

co, mas a carroça fica perambulando

res para a sociedade. São mais de 1.000

encontrar também música e teatro. Ele

por aí. Então, sua arte vai até as pesso-

catadores atendidos em todo Brasil. O

planeja ainda fazer uma escultura, com

as”, explica João Bourroul, responsá-

catador é o agente da reciclagem que faz

materiais recicláveis, como monumen-

vel pela área de comunicação do Pimp

o trabalho mais difícil da cadeia, o mais

to público em homenagem aos catado-

My Carroça, um projeto que incenti-

exaustivo e o mais importante - 90% de

res, outra forma de expressão artística.

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DEZEMBRO DE 2019 ANO 8 // NÚMERO 16

Aline Chalet / Amanda Secco / Ana Carolina Bilato / Anna Beatriz Morais / Ariel Serafim / Artur Miranda / Catarina Bruggemann / Celine Ghedini / Denise Gabrielle / Enzo Almeida / Fernanda Shikay / Gabriel Deda / Gabriela Soares / Giovanna Tuneli / Guilherme Sommadossi / Gustavo Fongaro / Heloísa Freitas / Isabella Puccini / Isabelle Bulla / João Victor Abreu / Juca Trentin Borghi / Julia Boarati / Leonardo Baldoni / Letícia Assalin / Letícia Vinocur / Luana Cataldi / Luca Carloni / Luiza Müller / Malu Ogata / Marina Toledo / Matheus Marcondes / Nicolas Garrido / Priscila Antunes / Renata Freire / Sophia Olegário / Thais Fullmann / Victória Taba / Vitória Sanches

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