junho de 2013 // ano 2 // número 3 revista-laboratório dos alunos do curso de Jornalismo da ESPM-sP
proteger e servir acompanhamos a rotina de policiais e de médicos durante uma madrugada na capital encontro das tribos A rua augusta já foi nobre e já foi decadente; hoje, é onde a noite paulistana é mais plural entrevista o psicanalista jorge forbes diz que os jovens hoje amam de forma diferente. e isso é bom
sem cochilar Eles varam a madrugada em hospitais, delegacias, restaurantes e bares para garantir que a maior cidade do país não pare; conheça a rotina dos trabalhadores noturnos de São Paulo
e
Revista-laboratório do curso de Jornalismo da ESPM-SP nº3 - 1º semestre de 2013
Presidente J. Roberto Whitaker Penteado Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente AdministrativoFinanceira Elisabeth Dau Corrêa Vice-presidente Corporativo Emmanuel Publio Dias Vice-presidente de Operações Hiran Castello Branco Diretor de Graduação-SP Luiz Fernando Garcia Diretor Acadêmico-SP Ismael Rocha Júnior Coordenadora de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli Revista Plural revistaplural-sp@espm.br Editor Prof. Renato Essenfelder Revisão Prof. Francisco de Assis Tratamento de fotos Prof. Erivam de Oliveira Alunos do 3º semestre Beatriz Barros Beatriz Branco Carolina Petená Daniel Rybak Daniella Gemignani Daphne Ruivo Diego de Almeida Fernanda Labate Isabela Giugno Neves Isabella Chiamulera Isabella Giordano Julia Arbex Lara Junqueira Mariana Saad Marina Almeida Murillo Grant Talitha Adde Thiago Montero Thobias Marchesi Fotografia de capa Isabella Giordano
editorial
criaturas da noite Esqueça os vampiros, fantasmas e lobisomens. As verdadeiras criaturas da noite na maior cidade do país são de natureza muito mais prosaica e costumam passar despercebidas: policiais, porteiros, garçons, vigias, chefs de cozinha, promotores de eventos, músicos, taxistas, médicos, dentistas, feirantes, entregadores de quase tudo o que se possa imaginar. A diversidade é imensa. Segundo estimativa do Instituto do Sono com base em dados do Ministério do Trabalho, mais de 15 milhões de brasileiros trabalham à noite – e não é surpresa que São Paulo seja a cidade brasileira de vida noturna mais pujante. A economia da noite tem dinâmica própria. Enquanto milhares de paulistanos saem de seus escritórios e casas ao anoitecer em busca de diversão, outros tantos estão apenas iniciando o expediente. Entre os atrativos para trocar o dia pela noite estão fatores muito concretos, como o salário 20% maior, por conta do adicional noturno previsto em lei, e outros nem tanto. A noite, dizem eles, traz suas recompensas ao trabalhador que já tem tendência a passar madrugadas insone, como a relativa tranquilidade no trânsito e nas ruas – embora a preocupação com segurança seja redobrada – e a satisfação de proporcionar momentos de lazer à clientela, no caso de restaurantes, teatros, bares e casas noturnas. Por outro lado, há sacrifícios à vida pessoal e social, e, não raro, à saúde, já que o sono diurno é menos reparador. Jornalistas também fazem, tradicionalmente, parte desse universo. Jornais, sites, emissoras de rádio e de televisão não apenas mantêm equipes de plantão durante todas as madrugadas como também podem acionar, a qualquer hora do dia ou da noite, seus repórteres para coberturas especiais. Nesta edição da Plural, nossa equipe transitou nesses dois universos, dia e noite. Investigamos a madrugada em um hospital, em
Agência de Jornalismo ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana São Paulo, SP Tel. (11) 5085-6713
blitze da Operação Lei Seca, no Ceagesp, em dezenas de restauran-
Projeto gráfico Márcio Freitas
apuração e à redação, edição e revisão do material que compõe este
A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.
tes, bares, teatros e casas noturnas da cidade. E, enquanto as noites eram reservadas à cobertura de todas essas fascinantes histórias, os dias foram devotados à discussão de pautas e de estratégias de terceiro número da revista. Não é força de expressão, portanto, afirmar que trabalhamos dia e noite para trazer esta publicação às suas mãos. Sem cochilos. RENATO ESSENFELDER
índice
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foto roberto braga
página 16
reportagem de capa Mais de 15 milhões de brasileiros trabalham à noite. São garçons, médicos, policiais, porteiros e outros. Conheça as histórias que acontecem nos bastidores da noite, enquanto você dorme ou se diverte, e quem são os profissionais que ganham a vida nas madrugadas paulistanas.
página 6 faces da augusta Uma das ruas mais conhecidas de São Paulo, a Augusta se tornou ponto de encontro de uma variada fauna paulistana: de góticos a playboys, de nerds a motoqueiros, todas as tribos co-habitam a região.
página 14 tolerância zero As blitze da Operação Lei Seca se tornaram comuns na noite de São Paulo, e a reportagem da Plural acompanhou a realização de três bloqueios policiais durante uma madrugada.
página 24 bastidores Varar a noite atrás de boas histórias não foi tarefa fácil. Veja quais foram os desafios encontrados na realização desta edição da Plural, que reuniu 19 alunos do terceiro semestre do curso de Jornalismo da ESPM-SP.
foto thiago montero
foto erivam de oliveira
página 10
página 38
foto daphne ruivo
página 44
página 10
página 38
página 44
noites sem fim
entrevista
assombraçÕES
Mulheres de todo o Brasil vêm a São Paulo para ganhar a vida vendendo o próprio corpo em ruas e casas noturnas. Saiba como elas vivem e como se viram na noite paulistana.
O psicanalista Jorge Forbes afirma que existe uma nova forma de amor sendo praticada hoje, mais livre e menos ligada a razões práticas para “ficar junto”.
Capela dos Aflitos, Casa da Dona Yaya, Edifício Joelma. A equipe da Plural visitou alguns dos lugares mal assombrados mais famosos da capital e conta as suas histórias.
página 26 em claro Especialistas comentam os efeitos da privação de sono sobre a saúde e dão dicas para minimizar o mal estar de quem costuma passar noites em claro.
página 28 anjos do asfalto Na rotina do Samu, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, é preciso trabalhar contra o relógio para salvar vidas.
página 30 plantão médico Período de menos movimento, a madrugada no pronto-socorro do Hospital Universitário reserva também os casos mais graves aos médicos.
página 34 a granel Maior entreposto de alimentos da América Latina, o Ceagesp, em São Paulo, não pode parar. A madrugada lá é povoada por feirantes, transportadores e distribuidores em geral, que começam o dia fechando milhares de negócios.
6/7
As mil faces da Augusta Hippies, moderninhos, metaleiros e outras tribos se misturam para curtir a noite na rua
Isabela Giugno Neves Júlia Arbex
para curtir hits da moda na Ballroom
em frente ao Inferno Club. Seus donos,
ou em baladas no estilo sertanejo uni-
tatuados, acompanhados das namora-
versitário na Outlaws.
das, bebem cerveja e se preparam para
»»»Quem percorre o trajeto que vai
Quilômetros adiante, no Baixo Augus-
desde a rua Martins Fontes até a rua
ta, fica uma das baladas GLS mais sofis-
Entre todos os estilos e tribos, que
Colômbia nas madrugadas de sex-
ticadas da cidade, a The Society. Para
mistura playboys, hipsters, moradores
ta-feira e de sábado conhece uma
um programa mais tranquilo, o Espaço
de rua e prostitutas, não há rixas apa-
rua Augusta diferente da dos dias
Itaú, sempre cheio de gente, oferece fil-
rentes. Na rua Augusta predomina a
de semana. Hippies, góticos, indies,
mes cult. Seguindo em frente, hipsters e
diversidade. E lá as noites de São Paulo
moderninhos, metaleiros e GLS são
alternativos fazem fila à porta da boate
fervem.
algumas das “tribos” que definem a
Beco 203 e dos bares Vitrine e Ibotirama.
Gustavo Costa, 17 anos, é um dos
cara do local. Antes de atravessar a
A poucos metros dali, enormes motos
jovens que frequenta a rua. “Geralmen-
Paulista os playboys se encontram
prateadas e pretas ficam estacionadas
te venho para cá aos sábados. Nunca
curtir uma balada hard rock.
ótimos drinks”, enumera.
de local que gostaria que meu filho, por exemplo, começasse a frequentar
O preço da fama
se fosse muito jovem”, completa.
Por outro lado, algumas pessoas que
A jovem, que diz não se considerar de
sempre foram à Augusta se sentem
nenhuma tribo específica e apenas ser
incomodadas com a rua ficando cada
“diferente”, por achar “o comum chato”,
vez mais popular, mesmo sendo essa a
reclama dos botecos “fuleiros” que per-
principal característica que define hoje
mitem que os jovens bebam até cair por
a região. Na fila da balada Blitz Haus,
não ter supervisão alguma. “Acho que
inaugurada em dezembro, o estudan-
meu momento badalado passou. Estou
te de engenharia civil Gabriel dos San-
na fase de vir à Augusta para ir ao cine-
tos, 19 anos, diz que o perfil dos fre-
ma, tomar uma cerveja com amigos e ir
quentadores, principalmente do Baixo Augusta, tem mudado muito. “Escolheria parar com essas mudanças.” Anna Lívia Marques, 21 anos, concorda. “Vou em umas quebradas muito loucas, como esses american bars, justamente por não terem ficado elitizados, como o Beco 203, a que costumava ir sempre”, conta. Muitos falam que a Augusta agrada a todos os estilos de pessoas e que
Vista da rua Augusta na madrugada; a cidade de São Paulo é conhecida por nunca dormir | foto Isabella giordano
não importa qual seja sua personalidade: você se encaixará em algum lugar de lá. Aluno de um curso de cinema, Paulo Chicareli Couto, 19 anos, acredita que os que vão bastante àquela região estão “dentro de um grupo mais artístico, com uma cabeça mais aberta e uma visão não convencional de mundo”. Segurança Problemas como o trânsito caótico, lim-
vim sozinho, mas mesmo se viesse não
peza e segurança tanto dentro das boa-
seria um problema. Uma das coisas que
tes como nas ruas depois da meia-noite
mais curto na Augusta é que dá para
também são queixas dos que vão apro-
conhecer muita gente e até encontrar
veitar a noite na região central paulista-
amigos por acaso”, diz.
na. Em 2006, a prefeitura gastou R$ 2,22
Costa afirma que sempre procura
milhões para reformar e limpar as cal-
conhecer lugares novos. Suas baladas
çadas, mas o problema continua a inco-
preferidas, revela, estão principalmen-
modar os frequentadores fiéis. Forma-
te na região do Baixo Augusta, como a
da em gastronomia, Camila Pinhata, 25
Mono Club. “Vou todo mês na Mono.
anos, diz que acha a rua tranquila, mas
Gosto do ambiente e do som, que são
faz ressalvas. “O que não gosto daqui
de qualidade. A casa é muito bem orga-
é da população jovem caindo bêbada
nizada, tem gente bonita e eles fazem
pelas ruas”, conta. “Aqui não é o tipo
O que eles acham
1
“Vou em umas quebradas muito loucas, como esses americans bars” Anna Lívia Marques
2
”O que não gosto aqui é a população jovem bêbada caindo pelas ruas” Camila Pinhata
3
”Dá para conhecer muita gente” Gustavo Costa
CONSIDERADA UMA RUA LUXUOSA QUANDO SURGIU, a augusta é hoje PONTO DE ENCONTRO de tribos variadas
8/9
ao Novo Arte, um salão super legal que
fila nem chega a ser um problema para
muito daqui porque não vemos os segu-
frequento, onde faço minhas tatuagens
mim. Mas a estrutura da rua, as calça-
ranças. Vários amigos meus já foram
e onde trabalha uma galera superdesco-
das quebradas e sujas, é uma vergo-
assaltados quando estavam bebendo
lada”, finaliza.
nha”, fala.
ou conversando nas calçadas”, conta.
À 1h30 de uma sexta-feira, Nélio dos
Ana Cláudia Ludscher, 18 anos, sente
Ana estava na porta da balada Ballroom,
Reis, 19 anos, enfrentava o desconfor-
o mesmo. “Não venho muito para cá.
localizada no cruzamento da Augusta
to da fila da Lab Club, balada que aten-
Minhas baladas preferidas são a Lions,
com a rua Estados Unidos, onde funcio-
de um público bastante variado. “Essa
a Clash, a D-Edge e a Disco. Não gosto
nava a Heaven. “Nunca fui a outra parte da rua, costumo vir para o Alto Augusta. Aqui tem uns restaurantes e lojas que gosto bastante, como a Ouro Fino. Essa parte é mais a minha cara”, finaliza. Por outro lado, do outro lado da rua, na frente da balada de metal Newz Club,
Uma história de altos e baixos
William, 70 anos, e Jéssica, 17 anos, discordaram das reclamações dos frequentadores. Os dois, que não quiseram se identificar com os sobrenomes, estão na Augusta diariamente.
A rua Augusta é conhecida atual-
desvalorização imobiliária e a porta
mente pelo constante movimento
de entrada para a prostituição no
Vindo da Bahia com apenas 16 anos,
de pessoas e por ser frequentada
local. Desde então se deu a divisão
William, conhecido como Boca Murcha,
por uma juventude heterogênea,
de Baixa e Alta Augusta.
é morador da rua há quase 30 anos. “Não
mas surgiu com uma proposta
Para que houvesse uma modifica-
vejo mais violência aqui do que nos
de requinte e luxo, em 1875. Tudo
ção no perfil da via, investimentos
outros lugares de São Paulo. Posso dizer
começou por seu nome, que inicial-
governamentais foram efetuados,
com toda certeza que aqui tem mais
mente era Maria Augusta, um títu-
reformulando desde as calçadas até
diversão e que não há muitas brigas. O
lo que, para o português Mariano
a implantação de árvores em toda a
que deve então incomodar esse pessoal
Antônio Vieira, fundador da rua,
sua extensão. Buscando revitalizar
é a rua estreita e suja”, diz o homem que
transmitia nobreza.
a Rua Augusta, foram inaugurados
tem fama de animar as filas das boates
A via, que surgiu de uma tri-
clubes noturnos em 2005, iniciativa
conversando e caçoando daqueles que
lha que ligava a chácara do Capão
tomada por Facundo Guerra e José
por ali passam.
à Avenida Paulista, abrigava ape-
Tibiriçá, sócios do clube Vegas. Por
A paulistana Jéssica concorda. “Estou
nas residências até chegar ao seu
conta da especulação imobiliária no
trabalhando como promoter da Newz
auge nas décadas de 1950 e 1960.
bairro, considerado uma das áreas
Club há três semanas e não vi nada
Point de paqueras e playboys em
mais valorizadas de São Paulo, foi
que me espantou. Lógico que há aque-
carros de luxo, tornou-se inspira-
fechado em 2012. Na época da aber-
las pessoas que bebem e se drogam até
ção para músicos da jovem guarda,
tura da casa, o público passou a ser
perder o controle, mas não é diferente
como na canção de Hervé Cordovil
o de frequentadores do circuito
de outro local.”
“Rua Augusta”, de 1963, que retrata
Itaim–Vila Olímpia, fazendo com
A garota já trabalhou como promo-
a juventude rebelde presente cons-
que outros empresários investis-
ter em três bares, todos na Vila Madale-
tantemente na rua.
sem no local para torná-lo um point
na. “Se procurarmos problemas na Vila
alternativo.
Madá, por exemplo, vamos encontrar.
Além de marco cultural da cidade de São Paulo, portava algumas das
Atualmente, o trecho tem início
Talvez as pessoas achem que aqui é mais
lojas mais sofisticadas da cidade.
na rua Martins Fontes e termina na
perigoso porque a noite na Augusta não
Até que em 1975, com o surgimen-
rua Colômbia, integrando 3 km de
acontece só dentro dos estabelecimen-
to dos shoppings centers, houve
extensão que atraem pessoas 24
tos, mas nas ruas e calçadas também”,
a decadência do comércio local, a
horas por dia. lara junqueira
finaliza ela.
a JOVEM GUARDA SE INSPIRou NA via PARA ESCREVER CANÇÕES CONHECIDAS, COMO “RUA AUGUSTA”, DE HERVÉ CORDOVIL
música
Rua Augusta Hervé Cordovil
Entrei na rua Augusta a 120 por hora Botei a turma toda do passeio pra fora Fiz curva em duas rodas sem usar a buzina Parei a quatro dedos da vitrina Hay, hay, Johnny Hay, hay, Alfredo Quem é da nossa gang não tem medo Hay, hay, Johnny Hay, hay, Alfredo Quem é da nossa gang não tem medo Meu carro não tem breque, não tem luz, não tem buzina Tem três carburadores, todos os três envenenados Só pára na subida quando acaba a gasolina Só passa se tiver sinal fechado Toquei a 130 com destino à cidade No Anhangabaú eu botei mais velocidade Com três pneus carecas derrapando na raia Subi a galeria Prestes Maia Tremendão Hay, hay, Johnny Hay, hay, Alfredo Quem é da nossa gang não tem medo Hay, hay, Johnny Hay, hay, Alfredo Quem é da nossa gang não tem medo
Bar na rua Augusta, que oferece várias opções de lazer | foto isabella giordano
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foto erivam de oliveira
Noites quase sem fim Por conta pr贸pria, nas ruas, ou em casas noturnas, mulheres de todo o pa铆s atravessam a noite paulistana para garantir o seu sustento
Dentre os trabalhos tipicamente associados à noite, a prostituição é dos mais envoltos em mistério portas pequenas coladas umas às Daniella Gemignani Mariana Saad
outras, a discrição e o olhar atento dos seguranças. A dificuldade em ter aces-
– Me paga um drink? O pedido é feito em voz alta, em tom quase caricato. Thaís é morena, baixa,
so às boates e conhecer a história dessas garotas revela o quão tabu o assunto é no país.
cabelos enrolados, aparentando 30 e
Antes de entrar, ouvidos um aviso:
poucos anos. A única no salão usan-
“Pagando, pode até tentar falar com as
do óculos, com uma armação discreta.
meninas, mas duvido que alguma delas
Extrovertida, sua abordagem come-
dê entrevista”. O alerta veio do gerente.
ça de forma descontraída e a conversa
O ambiente é escuro, e a televi-
flui sem grandes preocupações. Suas
são transmite aquilo que é o assun-
roupas são curtas, cobrindo apenas o
to comum a todos no ambiente: sexo.
necessário, mas sem vulgaridade. Mora
Uma menina, de vestido curto, exibe-
em Sorocaba e vem para São Paulo nos
-se ao som do funk, revelando que o pri-
finais de semana para trabalhar. Já foi
meiro requisito para uma prostituta se
funcionária de uma grande empresa,
dar bem na noite é chamar mais aten-
onde ganhava um bom salário.
ção que as outras. A ideia de cada um
Hoje, é prostituta.
por si é reforçada por Thaís. Experiente,
Dentre os trabalhos tipicamente
a garota de programa de 34 anos conta
associados à noite, a prostituição é dos
que o convívio entre as meninas é bom
mais envoltos em mistério. Sim, traba-
até a chegada de um cliente. “Às vezes
lho. Segundo o Código Penal brasilei-
já estamos conversando com um cara,
ro, prostituir-se não é crime. “Crime
mas a outra fica provocando até roubá-
é favorecer e explorar a prostituição”,
-lo. Isso é atravessar.”
hora marcada
150
reais é o preço de meia hora de programa em uma boate na rua Augusta
50
reais é a multa cobrada pela casa das garotas que beijam na boca de clientes
cil sobrevivência. O crime se configura
“Em uma noite boa, conseguimos
para aquele que tem a possibilidade de
ganhar até R$ 2.000. A casa só descon-
Em uma noite boa, conseguimos ganhar até R$ 2.000. A casa só desconta o valor do quarto e multa se alguma menina beijar na boca do cliente”
se empregar, mas não o faz”, completa.
ta o valor do quarto e multa se alguma
Thaís
Ainda assim, estabelecimentos como
menina beijar na boca do cliente em
esses são frequentes por toda a cidade
público”, detalha Thaís. A penalização
de São Paulo, principalmente em um
é de R$ 50.
afirma a advogada criminal Juliana
Entre um drink e outro, Thaís expli-
Moreira. Não é permitido pela legisla-
ca que há uma diferença entre prostíbu-
ção manter uma casa noturna que indu-
los e boates. Segundo ela, só podem ser
za esse tipo de atividade, por exemplo.
chamados de “puteiros” os lugares em
“No Brasil, pune-se aquele que
que o programa, com duração de uma
explora ou tira proveito da prostitui-
hora, custa menos de R$ 100. Na boate
ção alheia. Importante ressaltar que
em que trabalha, por meia hora com
não se configura crime quando exis-
uma prostituta cobra-se R$ 150, sem con-
tem pessoas que dependam financei-
tar o aluguel do quarto, de R$ 35. E esse
ramente da prostituta, por exemplo, seu
valor pode subir se as garotas percebe-
filho, pais ou familiares desempregados
rem que podem ganhar mais dinheiro
que se encontram em situação de difí-
de um único cliente.
dos pontos mais badalados da capital, a rua Augusta. Na região, uma sequência de casas chama a atenção. Letreiros em neon,
Outra regra da boate é o rígido controle das doenças sexualmente transmissíveis. Ao ser contratada, a prostituta passa por uma série de exames para detectar
A curiosidade falou mais alto e fez com que THAÍS se tornasse garota de programa. durante o dia, ela faz faxina possíveis doenças. Além disso, Thaís afirma que ao fim de cada programa deve mostrar, a um supervisor da casa, a camisinha usada, para provar que seguiu as normas. Trabalho
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Thaís entrou tarde na prostituição. Mesmo assim, não parece incomodada ao falar de seu trabalho e nem de como chegou a ele. “Eu trabalhava em uma multinacional, mas, um dia, fiquei curiosa”, conta. A curiosidade falou mais alto e fez com que ela se tornasse garota de programa. Ela ainda mostrou outro lado de quem trabalha na noite, contando que, durante o dia, faz faxina. Interessada na conversa, sugere que outra colega contasse sua história. “A Sandrinha é bem sincera, vai falar umas verdades”, diz, empolgada. E é nesse momento que Sandra se apresenta. Loira, cabelos compridos e com o corpo quase inteiro exposto, senta-se e pede um drink. Ela fala sobre a ligação entre drogas e prostituição. “Durante os programas rola muito, principalmente cocaína, mas juro que nunca usei. Não tenho coragem”, confessa. Os clientes mais frequentes, segundo afirma Sandra, são garotos por volta dos 20 anos de idade e casais. Ao contrário de Thaís, Sandrinha entrou na prostituição pelo dinheiro e não gosta de fazer programa. Por isso,
as prostitutas de rua. Selecionando
está economizando o que ganha para
quem elas querem atender, essas pro-
tentar mudar de vida. Quando passa a
fissionais veem a relativa liberdade de
noite com um cliente, cobra R$ 500. Com
escolha como vantagem, mas temem
25 anos, Sandra esconde da família o que
por sua segurança. Por esse motivo,
faz para viver. Sua mãe, que mora em
muitas delas andam armadas. É o que
Santos, litoral de São Paulo, acredita que
conta a estudante de turismo Bárbara,
a filha trabalha em um hotel, e só a irmã
20 anos. Além da faculdade, há quatro
sabe a sua realidade na capital paulista.
meses ela frequenta as noites da Augusta, para complementar sua renda. Mas
Por conta própria
confessa que a dupla jornada tem sido
Exposição, vulnerabilidade e indepen-
exaustiva e, por isso, pensa em abando-
dência. É nesse cenário que trabalham
nar a graduação.
Para conquistarem o ponto onde trabalham, as jovens prostitutas tiveram que pedir permissão para uma garota mais experiente foto ERIVAM DE OLIVEIRA
programa. Para conquistarem o ponto onde trabalham, as jovens prostitutas tiveram que pedir permissão para uma garota mais experiente. “Não tem dinheiro envolvido. Pedimos autorização, e elas cuidam da gente, porque há muito cliente mal intencionado”, explica Bárbara. Apesar da falta de segurança, Bárbara diz trabalhar na rua por opção. O emprego em uma casa noturna fazia com que ela se sentisse coagida a sair com determinado cliente. Além disso, a competição entre as garotas de programa que trabalham por conta própria é mais implícita, se comparada àquela em uma boate. Por esse motivo, ela levou a amiga para trabalhar diretamente nas ruas. Motivos “A gente precisa disso. Estamos passando fome.” Foi com essa frase que Bárbara fez sua mãe entender a necessidade de ver a filha sair de casa e se prostituir. Ainda assim, ela esconde o fato de conseguir clientes nas ruas. A jovem insiste que continua trabalhando em uma casa noturna, o que transmite à mãe uma maior sensação de segurança. Por outro lado, Júlia admite que seus familiares não imaginam de onde vem o dinheiro que a garota envia todos os meses a eles. A feição de menina contrasta com as
Considerada novata por estar há apenas
Mesmo com as diferenças, as duas
roupas e a atitude de mulher. Apesar da
um mês se prostituindo, ela começou a
carregam um sonho em comum: deixar
pouca idade, a baiana tem muita histó-
trabalhar na noite para ajudar nos gas-
a prostituição para sempre. Para isso,
ria para contar. “Em uma noite, aten-
tos. Vinda de Minas Gerais e morando
elas afirmam que têm economizado o
di um grupo de oito homens em um
em São Paulo há dois anos, seu empre-
dinheiro dos programas.
mesmo programa. Naquela madruga-
go como cuidadora de idosos não é sufi-
O tempo está passando, e a juventude,
da, já tinha feito quatro sessões e, pela
ciente para se sustentar na maior cida-
ficando para trás. Para Bárbara, o fim
manhã, ainda atendi mais um cara”,
de do país e para enviar dinheiro à sua
dos programas representa não ter que
revela. Uma hora com Bárbara custa R$
família.
se esconder. “Quando pessoas conhe-
200. No entanto, muitos homens estão
Júlia parece estar sempre protegida
cidas passam por aqui, eu digo que não
dispostos a pagar valores mais altos
por Bárbara, que muitas vezes respon-
estou fazendo mal a ninguém além
para que a garota realize fetiches.
de pela amiga. Essa relação de proteção
de mim mesma. Mas não desejo isso a
mútua é frequente entre as garotas de
nenhuma jovem”, desabafa.
Ao lado dela está Júlia, de 26 anos.
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Tolerância zero Acompanhamos três blitze da Operação Lei Seca na madrugada paulistana, que terminaram com o flagrante de um motorista embriagado
Daniel Rybak Diego Pinheiro Murillo Grant Thiago Montero thobias Marchesi
Logo a cena se repetiria em vários
noite do dia 6 de abril. “Mantenha a luz
outros pontos da cidade. Blitze como
da lanterna ligada, não o farol, e siga as
essa, da Operação Lei Seca, já se tor-
viaturas”, pediu o sargento da PM Luiz
naram parte da paisagem noturna da
Carlos de Queiroz. “Se corrermos, corra.
maior cidade do país.
Se pararmos, pare”. Obedecemos.
»»»São 21h30 de mais um sábado
O procedimento nessas operações é
No roteiro, paradas na av. Suma-
em São Paulo, na av. Sumaré, Barra
padrão. No início do bloqueio, os poli-
ré (das 21h30 às 22h40), na av. General
Funda (zona oeste). A agitação da via
ciais se dividem por tarefas: uns prepa-
Olímpio da Silveira (das 23h10 à 0h50 do
pública é interrompida por cinco via-
ram os bafômetros, outros distribuem
domingo) e na av. Auro Soares de Moura
turas que estacionam no local, inva-
os cones pela avenida e um terceiro
Andrade, ao lado do Terminal Barra
dindo a calçada. Dez policiais mili-
grupo controla o fluxo de carros que
Funda, até 1h30.
tares – nove soldados e um sargento
passam pelo local.
– descem armados dos carros. Um deles empunha um fuzil.
No início dos bloqueios, dois poli-
A reportagem da Plural acompa-
ciais selecionam os motoristas que pas-
nhou, em carro próprio, três blitze na
sarão pela avaliação, fase chamada de
movimentada. Ocupando todas as pis-
permanência no local, os policiais se
tas da via, os policiais usam os bafôme-
reúnem para decidir a nova localização
tros com frequência.
da blitz – os pontos não são pré-definidos pelos agentes.
Apreendido
Na av. Auro Soares de Moura Andra-
Um dos motoristas abordados, acompa-
de, ao lado do Terminal Barra Funda, há
nhado por dois amigos, desce do carro
pouco movimento. Há 10 anos na Polí-
alegando não ter bebido. Insiste em não
cia Militar, o soldado da PM Paulo Loba-
fazer o teste oficial do bafômetro. No
to afirma que o local é um dos campeões
veículo, canecas e uma lata vazia de
em autuações. “Os motoristas preferem
energético. Os policiais conversam com
dirigir por vias menos movimentadas
ele e tentam deixar claras as consequên-
para fugir da blitz. É justamente aí que
cias da decisão. O carro é estacionado.
são pegos.”
Passado um tempo, o rapaz, de aproximadamente 21 anos, faz o teste. Reprovado. O carro é apreendido. O motorista é levado em uma viatura policial para a delegacia mais próxima. Os amigos, deixados na avenida, ficam à procura de um meio de voltar para casa. “Esse é um caso típico da desinformação que existe hoje em relação à alcoolemia”, explica o soldado da PM Braga.
Segunda blitz policial da noite, na av. General Olímpio da Silveira, embaixo do Minhocão | foto daniel rybak
Alcoolemia é a incidência de álcool no sangue. Segundo Braga, se o motorista tivesse feito o teste, só seria autuado e ter a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) recolhida. Ao ser pego no pré-teste, o motorista sofre processo administrativo. Recusando-se a fazer o teste, o cidadão é processado também criminalmente. “O que ele pode fazer para amenizar a vida dele é fazer o teste e
pré-teste, em que é usado um tipo de
não entrar na parte criminal”, esclare-
bafômetro menos preciso. Um dos poli-
ce o policial militar.
ciais, que se mantém na pista, guia os
Ao entrar na via criminal, o procedi-
carros por um segundo corredor, onde
mento muda. “Ele vai para o DP (Distri-
é efetuada a abordagem com bafôme-
to Policial) prestar um inquérito e perde
tro para os reprovados no pré-teste; o
a habilitação por um período que vai de
outro permanece mais afastado e, quan-
seis meses a um ano”, explica o solda-
do necessário, ajuda a indicar esse outro
do Braga. “Ele está tendo a oportuni-
corredor ao condutor do veículo.
dade de provar que não bebeu. Todas
Na av. General Olímpio da Silveira,
as chances foram dadas e ele recusou
as autuações aumentam e o trabalho
todas. Não vai ser preso, mas vai pagar
da polícia começa a ficar mais intenso.
cestas básicas e prestar serviço comu-
A localização, em cima da av. Pacaem-
nitário.”
bu e embaixo do Minhocão, é bem mais
Completando quase duas horas de
lei seca em sp
0,05
miligramas de álcool por litro de ar é o limite para o condutor não ser multado
1.915
reais é o valor da multa para quem dirige alcoolizado
Um
ano é o período no qual a carta de motorista fica suspensa
6,9%
é a porcentagem da redução de acidentes em São Paulo desde a nova Lei Seca
16/17
O DJ Ricardo Morandi toca em festa em S達o Paulo | foto roberto braga
Mais de 15 milhões de brasileiros trabalham enquanto você dorme; em São Paulo, eles estão em todos os lugares: bares, restaurantes, lojas, ruas e até dentro de sua casa ou condomínio
18/19 Trânsito durante a madrugada na av. Paulista, no centro de São Paulo | foto daphne ruivo
Isabella Giordano Talitha Adde
estimativa realizada em 2010 pelo Instituto do Sono, em São Paulo, com dados do Ministério do Trabalho. Mesmo com dificuldades e mudanças na rotina, os trabalhadores notur-
»»»São Paulo, duas horas da manhã. Na
nos contribuem estimulando a economia e
região central da cidade é praticamente
fornecendo serviços em horários alternati-
impossível andar mais de 100 metros sem
vos. Apesar de tudo, trabalhar à noite é um
encontrar algum estabelecimento aberto.
desafio, pois pode gerar consequências nega-
Bares, baladas, locadoras de vídeo, restau-
tivas nas vidas dos trabalhadores.
rantes, supermercados, farmácias, postos de gasolina, padarias, teatros, lojas, dele-
Sacrifícios
gacias, hospitais. A lista é extensa.
Os efeitos do trabalho noturno se aplicam à
Em cada um desses lugares, milhares de
vida social dos trabalhadores, bem como à
profissionais trocam o dia pela madrugada
vida de seus familiares. Uma das principais
para trabalhar. A mudança de horários trans-
reclamações é a incompatibilidade de horá-
forma suas vidas: afeta a saúde, a rotina e os
rios. Amanda Ciquiera Campos, 24 anos, há
relacionamentos. Apesar das dificuldades,
quatro atua como sócia e gerente de marke-
contudo, a maioria afirma amar o que faz,
ting da The History, balada localizada na
dando a entender que trabalhar à noite é fre-
Vila Olímpia. A primeira dificuldade que
quentemente uma escolha, e não apenas uma
teve quando começou a trabalhar à noite foi
necessidade.
com relacionamentos, principalmente por
No país, cerca de 15 milhões de pesso-
nunca estar disponível nos fins de semana.
as trabalham no período noturno, segundo
“É uma escolha, você abre mão de algo para
Os efeitos do trabalho noturno se aplicam à vida social dos trabalhadores, bem como à vida de seus familiares
conquistar outra. Tem que gostar”, afirma. Ao trocar horários convencionais de tra-
espetáculos é a consciência de que é preciso abrir mão de todos os fins de semana.
balho por turnos noturnos aos fins de semana, os diversos empregados no período
Escolhas
estão também abrindo mão de sua vida pes-
A decisão de trabalhar à noite está em geral
soal. Segundo pesquisa com trabalhadores
ligada à paixão pela profissão, como o tra-
noturnos de uma fábrica de calçados reali-
balho voltado ao entretenimento, por exem-
zada pelas Faculdades Integradas de Taqua-
plo. No entanto, há outras motivações, como
ra (RS), além dos efeitos nocivos à saúde e à
ganhar o adicional noturno e elevar o salá-
vida social, quando há privação do sono os
rio. Motivos mais pessoais, como agitação ou
efeitos biológicos geram distúrbios de sono
tranquilidade, também afetam a escolha. Mas
e de alimentação.
uma coisa é certa: adaptar-se a essa escolha
“Você não tem vida. Meu recorde foi traba-
exige esforço físico e emocional.
lhar 78 horas seguidas”, conta Gabriel Macha-
Fabio Souza, 20 anos, é líder de uma equi-
do, 52 anos, responsável pela manutenção de
pe de oito bombeiros civis em dias de festa.
espaços que promovem eventos. De aparên-
Já participou de diferentes evento públicos,
cia cansada, ele relata que são nas primeiras
como a Virada Cultural e rodeios, mas afir-
oito horas que o sono atrapalha. “Depois que
ma não gostar de trabalhar só depois do pôr-
você ultrapassa isso, só existe cansaço, nada
-do-sol. “Preferiria trabalhar de segunda à
mais”, afirma. Além de trabalhar nas noites
sexta pela manhã”, disse. Para ele, existem
de festa, Machado cumpre turnos diurnos e
duas dificuldades principais: o sono e conci-
acredita que sua saúde psicológica é a mais
liar a rotina aos seus outros afazeres. “Você
afetada no descompasso da rotina.
trabalha à noite e durante o dia só quer dor-
Amanda também trabalha nos dois perío-
mir, não tem tempo para nada”, reclama. De
dos, mas não se sente prejudicada pelos horá-
acordo com ele, quem trabalha à noite sabe
rios alternativos. “Tem dias que é difícil acor-
que o estresse é maior. Souza diz ainda que,
dar cedo quando tenho que estar no escritório
fica constantemente irritado e que seu corpo
depois de trabalhar à noite. Fora isso, acredi-
deixou de responder ao cansaço.
to que me adaptei”, diz.
mão de obra noturna
15 mi
de brasileiros trabalham no período noturno, segundo estimativa do Instituto do Sono de São Paulo com dados do Ministério do Trabalho
Já Rafael Stanghini, cantor, diz que ama
Para ela, o desafio ao trabalhar em casas
trabalhar à noite, apesar das dificuldades.
noturnas é ter responsabilidade, porque
“Ganho mau, durmo pouco, como em horá-
o trabalho acontece enquanto os outros se
rios ruins, mas não trocaria isso por nada”.
divertem. “O problema maior é no com-
Ele acredita que as pessoas têm a impressão
prometimento das pessoas”, concorda José
de que os profissionais do entretenimento só
Ricardo Garcia, 32 anos, sócio-diretor exe-
se divertem. Mas a rotina é na verdade mais
cutivo da Agência Zero4 Marketing e Even-
difícil do que parece. “Sou casado, varo noites
tos. Segundo ele, pode haver uma mistura
porque eu também trabalho de dia, não tenho
entre diversão e trabalho em ambientes com
uma regularidade de horários e em média tra-
música e bebida.
balho três noites por semana”, explica.
Haroldo Souza, 40 anos, é sub-gerente ope-
Enquanto Stanghini reclama de receber
racional e da área técnica do Teatro Alfa, com
com atraso os seus pagamentos, há trabalha-
capacidade para 1.200 pessoas, no bairro de
dores que trocaram de profissão justamente
Santo Amaro (zona sul). Ele concorda com
por verem mais perspectivas na economia
Amanda e Garcia e ressalta que uma das pre-
da noite. “Comecei a trabalhar no período
missas para contratar os responsáveis pelos
noturno substituindo um amigo que havia quebrado a perna”, conta Evandro
Uma das maiores dificuldades dos trabalhadores noturnos é conciliar a vida social com O trabalho
Elisei, promoter de eventos da Agência Mandim. Ele abandonou a carreira de fisioterapeuta ao perceber que trabalhando à
20/21
noite melhoraria financeiramente.
dos meus familiares, fazendo com que eu perca muitas coisas”, finaliza. Roberto Braga, 43, fotografa frequentado-
Assim como Elisei, Creonice de Moura, 38
res de baladas universitárias. Apesar de uma
ano, e Aparecido Modesto, 43, optaram por
rotina agitada entre o trabalho na ESPM-SP
trabalhar à noite para ganhar mais. A acom-
pela manhã e o foco no trabalho de conclu-
panhante de uma idosa há dois anos e o por-
são de curso da faculdade no período da noite,
teiro há 16 viram na troca do dia pela noite
diz que se acostumou com a profissão notur-
uma grande oportunidade.
na. Casado e com dois filhos, sua família tam-
Mãe de quatro filhos, Creonice conta que
bém se adaptou ao seu ritmo, e em momen-
começou a trabalhar à noite para ganhar
tos de descanso passa o tempo com eles. Além
melhor e sustentar os filhos. “A principal
disso, justifica sua vida profissional carrega-
dificuldade era cuidar deles, porque depois
da por vontade de realizar um sonho: “Con-
do serviço ainda tinha que arrumar a minha
seguir viajar para Orlando com a família”.
casa”, conta ela, que trabalhava todos os dias, exceto aos domingos, das 18h às 6h. Já Modesto optou por ter, além do adicio-
Uma das maiores dificuldades dos trabalha-
nal noturno, a “calma” da noite. Mas nem
dores noturnos é conciliar a vida social com
tudo saiu como planejado. “Eu achava que
a rotina de trabalho. No entanto, para man-
dormir oito horas era a mesma coisa em qual-
ter uma vida saudável é essencial preservar
quer horário. Depois que comecei a trabalhar
os momentos de descanso com os amigos ou
à noite, percebi que dormir de dia me deixa-
familiares, segundo especialistas, além de
va indisposto”, afirma. O porteiro, que mora
manter ativo o exercício de atividades vol-
sozinho, trabalha das 22h às 6h e folga uma
tadas ao lazer: seja frequentar um curso, ir à
vez por semana. Nesse único dia, aproveita
academia ou ao cinema. Encontrar tempo e
para dormir durante a noite.
horários adequados para tanto é um desafio,
Gabriela Fortes, 30 anos, é médica neuro-
“Você não tem vida. Meu recorde foi trabalhar 78 horas seguidas” Gabriel Machado, responsável pela manuntenção de um buffet de eventos
Horas livres
mas não é impossível.
logista e dá plantões noturnos com frequên-
O DJ Rodrigo Correia, 23 anos, diz ser apai-
cia variável no pronto-socorro, das 19h às 7h.
xonado pela profissão, mesmo que seja des-
“Particularmente, odeio esse período.” Ela
provida de rotina, o que para ele tem mais
diz que o trabalho noturno prejudica sua roti-
fatores positivos do que negativos. “Não pego
na e seu humor. No entanto, a maior dificul-
trânsito para ir nem para voltar, que é uma
dade é alterar as horas de sono. “É uma rotina
das coisas que mais me irritam em São Paulo.
muito solitária, porque poucos colegas tra-
Além disso, estou indo para um lugar onde as
balham à noite. Sem contar que meu corpo
pessoas estão felizes e vão pra se divertir, e
fica completamente desregulado”, lamenta.
isso é gostoso de ver e viver”, explica.
Vinícius Monteiro, 25 anos, gerente em uma
Por trabalhar em baladas, Correia passa
farmácia na Vila Mariana, tem a aparência
suas horas de descanso na companhia de ami-
cansada e séria e atualmente busca transfe-
gos e da namorada, em barzinhos ou em casa.
rência para um turno diurno. “Foi uma opor-
“Mas sempre que tem algum DJ quero muito
tunidade que surgiu e decidi tentar, mas é
ver, vou para a balada a lazer”, completa. Já
muito desgastante”, completa. Há seis meses
Amanda, a sócia da The History, tenta manter
nessa função, sente-se ausente de reuniões
uma rotina saudável durante os momentos de
familiares e deixa de conviver com as pes-
lazer indo duas vezes por semana à academia.
soas. “Fico durante o dia dormindo e à noite
Iris Chrystian, 44 anos, e Lais Pastore, 24,
tenho que trabalhar, um ritmo contrário ao
técnicos de iluminação cênica e de som do
Teatro Alfa, em Santo Amaro (zona sul), respectivamente, utilizam seus tempos livres para ir ao cinema e visitar familiares. Ambos têm horários flexíveis de trabalho por realizarem serviços terceirizados no teatro. Haroldo Souza afirma que monta sua vida e sua rotina considerando que trabalha enquanto as pessoas estão se divertido e descansando. “Eu trabalho fins de semana, e tenho folga um dia durante a semana.” Assim como os demais funcionários do teatro, os dias de descanso são flexíveis e programados de acordo com a necessidade do espetáculo em cartaz. Edson da Rocha, 29 anos, optou pelo trabalho noturno desde o início de sua carreira. Gerente de fast food há quatro anos, define sua preferência de turno pela serenidade do horário. “Apesar de aqui estar constantemente em movimento, a cidade fica desacelerada, diferentemente do que acontece durante o dia”, sinaliza. Rocha, que sai de casa todos os dias às 20h e retorna somente às 10h, diz querer continuar nesse ritmo até constituir uma família. Economia da noite
Gari trabalha durante a madrugada na av. Paulista | foto diego pinheiro
São Paulo é a segunda cidade do mundo, apenas atrás de Nova York, em número de restaurantes, casas noturnas e bares. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Bares e
AUMENTO EM (%) DE SETEMBRO DE 2010 A AGOSTO DE 2011 11,61% 7,10%
Restaurantes (Abrasel), o faturamento desses estabelecimentos cresceu 15% em apenas dois anos. Não surpreende, portanto, que a
11,61% 9,35%
7,91%
9,3%
pesquisa “Inflação da Night”, realizada pela
8,71%
Fundação Getulio Vargas (FGV), aponte que o custo com diversão e serviços ligados à
Restaurantes
Tarifa de Taxi
Bares e Lanchonetes
Teatro
Show Musical
Gastos com a Night
IPC (Índice de Preços ao Consumidor)
vida noturna no Brasil, como restaurantes, shows e táxis, tenha subido em média 7,91% de setembro de 2010 a agosto de 2011. Esse aumento foi superior à inflação medida no período pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), avaliada em 7,10%. Os maiores aumentos foram registrados nos preços de teatros e de shows musicais. Fonte: Procon-SP
colaborou Lara Junqueira
22/23
Por trás da balada »»»A preparação para a noite na balada The
Trabalho sem encenação
History se inicia três horas antes de o even-
Em uma semana, um teatro como o Alfa
to começar. Nesse momento, estão presentes
pode ter cerca de três eventos que se organi-
as equipes de garçons, barmen, hostess, cai-
zam durante dias escalados. Os espetáculos
xas, limpeza e cozinha. Além desses, os segu-
são diversos, é normal uma produção de um
ranças e dois bombeiros que ficam de plan-
único musical durante o primeiro semestre,
tão na casa são os únicos funcionários que
por exemplo, e, a partir do segundo semes-
entram uma hora antes de o local abrir. Além
tre, haver uma rotatividade maior, com peças
dos bombeiros, a balada realiza um treina-
que duram cerca de duas semanas e mais uma
mento anual com a brigada de incêndio para
peça fixa em cartaz de quinta a domingo.
dar orientações para emergências. A festa,
Devido aos inúmeros eventos que ocorrem
que envolve cerca de 60 funcionários, termi-
em horários diversos, os empregados de tea-
na conforme o público conduz a noite.
tro não têm uma rotina fixa de trabalho. Em
Quatro gerentes lidam com os imprevistos
época de montagem, os 50 funcionários fixos
como problemas com clientes, solicitações e
da casa trabalham todos os dias das 9h às 23h
administração das equipes. Outros três res-
junto com 150 empregados terceirizados da
ponsáveis cuidam da relação entre barmen e
produtora do espetáculo em cartaz.
cliente, da proibição do consumo de bebidas
Quando há duas produções na mesma
alcóolicas para menores de idade, da organi-
semana, os funcionários, escalonados de
zação da fila e da monitoração dos sistemas
acordo com a demanda de cada área, ficam
de computador.
até 3h trabalhando para garantir que tudo
Montagem do espaço Vila dos Ipês para a realização de uma festa | foto talitha adde
esteja preparado para a peça seguinte.
Trabalho (CLT) e com o Ministério do Trabalho, a jornada noturna urbana acontece das
Os baladeiros
22h às 5h. A hora noturna tem 52,30 minu-
Pesquisa do Instituto Datafolha realizada em
tos, reduzida em 12,5% em relação à hora
2012 com frequentadores da noite nos bair-
diurna, que tem 60 minutos. O funcionário
ros Bela Vista, Consolação, Itaim Bibi, Jardim
da noite deve receber um acréscimo de 20%
Paulista, Moema, Pinheiros, Santana e Tatu-
sobre a hora diurna em seu salário, tornan-
apé, na cidade de São Paulo, revelou que 45%
do a remuneração do trabalho noturno supe-
deles costumam sair uma ou duas vezes por
rior. No entanto, quem trabalha em sistema
semana, seguidos de 33% que saem de três a
de revezamento semanal ou quinzenal não
quatro vezes por semana.
tem direito a esse extra.
Dentre os entrevistados 67% são homens
Atualmente, tramita na Câmara dos Depu-
e 33% são mulheres, com média de idade de
tados um projeto de lei que prevê aumento
28 anos. A maioria trabalha e mais da meta-
sobre a remuneração do trabalho noturno.
de pertence à classe B. O valor médio gasto
Assegura acréscimo de 50% sobre a hora diur-
pelos entrevistados em uma noite, nos finais
na e início da jornada noturno às 21h. O autor
de semana, é de R$ 109,70.
do projeto, o ex-deputado Vicente Selistre, do
Prefiro pensar que eu posso estar folgando enquanto os outros estão trabalhando” Iris Chrystian, técnico de iluminação cênica e de som do Teatro Alfa, em Santo Amaro
PSB, justifica a proposta com base em pesquipor lei, Trabalhador noturno
sa da Organização Mundial de Saúde (OMS),
ganha 20% mais por hora
segundo a qual trabalhar à noite aumenta o
De acordo com a Consolidação das Leis de
risco de desenvolver câncer.
SALÁRIO MÉDIO DE TRABALHADORES NOTURNOS SALÁRIO MÉDIO EM REAIS Porteiros de Edifício Bombeiro
850
MÉDIA DE HORAS SEMANAIS
35 anos
1800
42
32 anos 7150
Médico
MÉDIA DE IDADE
39 anos
41 33
Responsável por manutenção de buffet
900
32 anos
Limpeza
850
33 anos
40
43
Agente de segurança
1150
31 anos
42
Frentista
1050
29 anos
41
Fonte: Meu Salário (http://meusalario.uol.com.br/main/salario-e-renda/Salario-Check)
um olhar sobre o processo de reportagem
bastidores
24/25
Dores do crescimento
Os futuros jornalistas que compõem a equipe da Plural saíram de seus próprios mundos para explorar a noite paulistana; cresceram como repórteres e como cidadãos
O aluno-repórter Daniel Rybak fotografa a av. Paulista à noite | foto DAPHNE RUIVO
vezes, foi o que encontramos. A palavra Daphne Ruivo
que definiu esse período é persistência.
»»»Dia 1º de março, 14h, sala de reu-
Não é fácil para um jovem de 19 anos
nião. 19 pessoas sentadas em frente
chegar em casas noturnas pedindo
a telas de computador. Nervosismo e
para entrevistar funcionários do local.
curiosidade definem o estado de espí-
Ou sair com uma máquina fotográfica
rito de cada estudante. Em pleno ter-
enorme pendurada no pescoço durante
ceiro semestre foi proposta a elabora-
a madrugada da rua Augusta. Ou ainda
ção de uma revista. Todos aceitaram
andar por ruas desconhecidas, sentar e
o desafio sem saber exatamente o que
conversar com estranhos, pedir infor-
os aguardava. A única certeza: have-
mações pessoais e conseguir que os
ria muito trabalho pela frente.
entrevistados os levassem a sério (expe-
Já no início os alunos se dividiram
rimente conduzir entrevistas em meio
em grupos para os encontros semanais.
a baladas ou na madrugada de teatros,
Com o tema da revista definido, pautas
hospitais e outros locais).
foram sendo debatidas e a ansiedade ia crescendo com a aproximação de nossos
Desistências e contratempos
deadlines – o jargão jornalístico para
De 13 pautas que inicialmente plane-
um prazo final de entrega dos trabalhos,
jamos para esta edição, duas caíram.
inadiável. Durante dois meses e alguns
De início pensamos em uma reporta-
dias exploramos as ruas de São Paulo e
gem sobre o que acontece nas madru-
suas peculiaridades. Desafios, portas
gadas dos aeroportos e do metrô, mas
na cara e vários “nãos”, na maioria das
os empecilhos foram tantos que não
“Como temos outras coisas da faculda-
conseguimos coletar informação sufi-
menos a respeito do método de traba-
ciente (checada e confiável) e desisti-
lho em uma redação”, explica Isabela
de para fazer, ficou um pouco corrido.
mos do plano.
Neves, 21 anos. Talitha Adde, também
Tudo tem sua data certa, não dá para falhar”, completa Julia Arbex, 20 anos.
A outra pauta foi derrubada por deci-
de 21 anos e integrante do grupo, ressal-
são própria. Queríamos entrevistar “o”
ta que foi difícil juntar todas as entre-
empresário da noite paulistana, algum
vistas e escrever um texto coerente.
Vivências
figurão dono de dezenas de bares e casas
“Mas as dificuldades agregaram bas-
Os alunos da Plural visitaram luga-
noturnas que nos desse um panorama
tante, porque eu descobri técnicas que
res inesperados e presenciaram cenas
vibrante da cena boêmia na capital. Pes-
não conhecia”, completa.
que jamais imaginaram ver ao vivo.
quisamos diversos candidatos, mas ao
Alguns alunos acabaram se enro-
Daniella Gemignani, 20 anos, e Maria-
fim ponderamos que, do ponto de vista
lando com o prazo de entrega. Isabella
na Saad, 19, cobriram uma noite na rua
do interesse público, que é o que preci-
Giordano, 19 anos, diz que parece fácil
Augusta. Lugar visitado? Um prostíbu-
sa nortear a nós, futuros jornalistas, em
se organizar para uma reportagem mais
lo. Daniella contou que o maior desafio
nossas pautas, não haveria muito apelo
extensa, mas não é. “É muito mais difí-
não foi o da segurança, mas sim apli-
em desfilar cifras de um empresário em
cil do que parece. Você tem que achar a
car técnicas de entrevista para conse-
uma revista como a Plural, voltada a
sua história e achar coisas interessan-
guir conversar com as prostitutas, que
temas sociais. Optamos por um psicana-
tes que as pessoas vão querer ler.” Isa-
não queriam se expor. Muitas até ame-
lista, e o resultado compensou o risco de
bella Chiamulera, 19 anos, também cor-
açaram as repórteres da Plural, temen-
abandonar a outra pauta no meio.
reu contra o tempo, mas confessa que
do ter seus rostos e nomes verdadeiros
Os contratempos não pararam por aí.
enrolou um pouquinho ao saber que
publicados na revista. Feito o acordo
“Olá, sou repórter da revista Plural e
o deadline era relativamente grande.
de anonimato – e respeitado nesta edi-
gostaria de fazer uma entrevista com o
“Se tivesse uma segunda chance, tal-
ção –, a entrevista prosseguiu. “Lidar
senhor.” Essa foi a frase que mais saiu
vez eu começasse a escrever antes e a
com essa coisa meio proibida foi um dos
da boca dos alunos. Receber um “não”
apurar sem correria. Me empenharia
maiores desafios”, diz Daniella.
era duro, mas receber um “sim” tempos
mais nesse ponto”, diz. Além do prazo
Para as duas repórteres, passar uma
depois era revigorante e parecia com-
de escrita, os compromissos universitá-
noite entrevistando garotas de progra-
pensar tudo.
rios e pessoais também atrapalharam.
ma foi inesquecível. “Saímos de uma
Daniel Rybak, 21 anos, sentiu as difi-
vidinha protegida e fomos para a rua
culdades de um foca (como os jornalis-
Augusta, de madrugada, entrevistar
tas chamam os novatos na profissão)
prostitutas. Isso abre a cabeça e tira o
ao produzir as matérias sobre blitze da
preconceito”, relata Daniella. Mariana
Operação Lei Seca e sobre o atendimen-
concorda: “Eu as julgava mal antes de
to do Samu. “Os entrevistados não que-
conhecê-las e aprendi a respeitar mais o
riam falar sobre o assunto que estáva-
trabalho delas. Foi uma quebra de tabu,
mos abordando”, lembra. Com Carolina
com certeza”.
Petená, 19 anos, não foi diferente: “No
Barreiras internas e pessoais foram
começo eu ficava meio frustrada por-
quebradas. Vencemos a timidez. Foi
que não conseguia nada”. Mas a equi-
tudo uma questão de confiança em si
pe não desistiu. Murillo Grant, 19, conta
mesmo. Sair do pequeno mundo em que
que driblou com insistência os obstácu-
vivemos foi uma das melhores coisas.
los até conseguir o “sim” que queria, na
“A gente ouviu muitas histórias de vida
apuração das blitze. “Tudo serviu pra
e de superação. Olhava para os proble-
ganhar mais confiança no que eu faço”,
mas deles e pensava: é muita sorte ter
comemora.
tudo o que eu tenho”, comenta, emocio-
raio-x
Espírito de equipe Lidar com a revista serviu como aprendizado e até como decisão futura de trabalho. Na etapa de passar os dados coletados para o papel, o grupo que cobria os locais mal assombrados de São Paulo enfrentou dificuldades: as ideias eram diferentes, e a maneira de escrever, também. “Esses fatores foram positivos para que aprendêssemos mais ou
19
alunos participaram desta edição da revista Plural
2.000 exemplares é a tiragem total
nada, Marina Almeida, 19, relembrando sua matéria do Ceagesp. Acreditar na nossa capacidade foi a chave do sucesso. Alunos que fazem o que amam, que colocam todas as forças num projeto e fazem isso acontecer – como esta revista, agora nas suas mãos, aconteceu. Se repetiríamos a experiência? A resposta dos 19 alunos-repórteres é unânime: SIM!
em claro 26/27
Deixando o dia para o sono e a noite para o emprego, trabalhadores noturnos podem sofrer transtornos físicos e mentais
Beatriz Barros Daniel Rybak Isabella Chiamulera
»»»Enquanto muitos dormem, outros têm que se manter acordados para trabalhar. Apesar de pagar mais (o adicional noturno é de 20%), a jornada noite
A médica Ana Escobar, em seu consultório | foto maria luzia feitosa
adentro pode causar danos à saúde de quem a exerce, e por isso tem que ser acompanhada por alguns cuidados. Uma rotina de pelo menos oito horas
para o curso de medicina, e é consultora
a médica. Segundo ela, uma pessoa que
bem dormidas é o ideal para qualquer
do programa Bem-Estar, da TV Globo. “O
dorme mal fica cansada e, consequente-
pessoa. Mesmo aqueles que trocam o dia
organismo da gente é feito para funcio-
mente, perde a capacidade de retenção
pela noite devem reservar essas horas
nar durante o dia, inclusive você libe-
de aprendizados novos, de concentra-
para descanso. O sono diurno não subs-
ra uma série de substâncias como hor-
ção no trabalho e ainda se sente deses-
titui o noturno, porém manter essa dis-
mônios que fazem com que você fique
timulada em tudo o que faz. Tudo isso
ciplina pode gerar um melhor desempe-
aceso durante o dia”, conta a especialis-
influencia no seu interesse pela ativida-
nho nas tarefas exercidas, além de uma
ta. “Depois, à noite, alguns desses hor-
de e em sua produtividade.
saúde mais resistente.
mônios começam a diminuir e você vai
Há medicamentos que podem ameni-
De acordo com a médica formada pela
entrando num ciclo que você tem que
zar os sintomas de uma noite mal dor-
Universidade de São Paulo Ana Esco-
repousar. Esse repouso é absolutamen-
mida, mas não resolvem o problema em
bar, o trabalhador pode sofrer mudan-
te fundamental pra depois você ter suas
sua totalidade. “É que nem você ter um
ças fisiológicas por causa dos distúrbios
atividades do dia seguinte de novo.”
processo de febre e ficar tomando anti-
do sono. Ana também é médica pediatra
A falta de horas de sono pode refletir
do Hospital Universitário, onde dá aulas
negativamente para o trabalhador, diz
térmico. Você vai resolver a febre, mas não a causa dela”, compara ela. Adilson Moreno Santos, 38 anos, trabalha como porteiro há 15 anos e diz ter enfrentado alguns impasses quando passou a trabalhar no turno da noite. “No começo o cansaço constante que sentia era minha maior dificuldade. Não
“No começo o cansaço constante que sentia era A minha maior dificuldade”
tinha mais motivação de fazer outra coisa quando chegava em casa. Só dormia”, conta. O porteiro apontou o transporte utilizado para se locomover até o trabalho
recomendAÇões
como a sua maior preocupação. “Não gosto de pegar o ônibus à noite para ir ao
» As orientações se baseiam em um sono ininterrupto, em lugar calmo e escuro, pois a luz interfere na produção adequada de melatonina, hormônio essencial para o sono. » Trabalhadores que começam a exercer suas funções à noite têm que realizar uma adaptação de seu relógio biológico, cuja duração varia de pessoa para pessoa. » As horas de sono são essenciais para uma pessoa chegar ao estágio mais avançado de repouso. Isso ocorre quando se atinge o sono REM (Rapid Eye Moviment), nome dado pelo fato de os olhos se moverem rapidamente durante esse processo, e assim descansar completamente. “Para uma noite de sono totalmente descansada, você deve entrar em sono REM cerca de cinco vezes seguidas, o que acontece em um período de, no mínimo, oito horas, podendo variar de pessoa pra pessoa”, frisa Ana Escobar.
trabalho porque acho perigoso. Minha esposa também nunca fica tranquila até eu chegar. Sempre ligo quando chego, e, quando esqueço, ela me liga já preocupada”, ressalta. Santos admite ter tentado combater a sonolência tomando energético para ficar acordado. Entretanto diz ter sido apenas uma fase, já que a bebida também o prejudicava. “Isso acabou com minha rotina. Eu não conseguia dormir direito depois do trabalho. Depois que aprendi a criar uma rotina, eu nunca mais tomei nada, nem para dormir nem para ficar acordado”. Hoje, Santos se considera adaptado aos horários. Diz conseguir conciliar o trabalho, o descanso e alguns momentos de lazer com sua esposa e seus dois filhos, de 11 e de 13 anos, mesmo sentindo falta de estar em casa à noite. Revela ainda um pequeno hobbie que tem para se distrair um pouco durante o trabalho: jogar palavras cruzadas.
Notívagos » De acordo com a médica, há pessoas que são predispostas ao trabalho noturno, e é possível notar isso pela sonolência e dificuldade na prática de atividades cotidianas durante o dia. “Você pode mudar seu relógio biológico, mas isso requer algum esforço”, explica Ana Escobar. » Adilson Santos, porteiro, diz que sempre foi uma pessoa muito ativa de dia, e que, ao começar a trabalhar à noite, teve dificuldade para se adaptar à mudança. “Quando comecei a trabalhar de noite, chegava em casa de manhã, e dormia por 10 horas. Isso no começo, para estar bem disposto à noite. Depois, dormia cerca de oito horas, mas bem dormidas, sem interrupção. Entrava no quarto, fechava as janelas e dormia como se fosse de noite. Hoje, durmo as
oito horas quando chego de manhã e nos dias em que trabalho no horário normal vou dormir por volta das 22h.” » Para aqueles que costumam manter a rotina de uma boa noite de sono, é comprovado que dormir um pouco à tarde, depois do almoço, faz bem para relaxar e continuar o dia com mais disposição. Esse sono deve ser curto, de no máximo 40 minutos, e o importante é separar esse horário e ter um lugar preparado para poder relaxar. Porém, Ana Escobar explica que esse cochilo à tarde não substitui as horas de descanso. Saúde mental » Não é apenas por dificuldades e mudanças físicas que o trabalhador noturno passa; ele também pode ser afetado psicologicamente. Segundo o médico psiquiatra Roberto Vilardo, cada pessoa reage de maneira diferente à privação de sono. “Cada caso é um caso, alguns demandam tratamento psicológico, outros demandam tratamento de medicamento, e outros de ambos”, diz o especialista. » O médico afirma também que trabalhar em turnos noturnos pode afetar a relação com grupos dos quais o trabalhador faça parte, mas o maior prejuízo está na convivência familiar. » Com a possível perda dos vínculos sociais e familiares são criados conjuntos de empregados da mesma área que acabam se afastando dos outros. “Com a perda dos vínculos, há a formação de verdadeiros guetos, onde profissionais da mesma área passam a conviver, formando grupos que se isolam e naturalmente se discriminam, prejudicando a necessária miscigenação entre trabalhadores de atividades diversas e o enriquecimento natural que advém dessa relação”, conclui.
28/29 Equipadas, as ambulâncias do Samu atendem a diversos chamados | foto josé cruz/abr
Contra o tempo Referência em resgate médico, as equipes do Samu lidam com todo tipo de dificuldade, de trotes a congestionamentos, para salvar vidas
Mas a impressão engana. “Isto aqui é
ingressou no Samu, o serviço era difícil.
DANIEL RYBAK MURILLO GRANT thiago montero
uma loucura”, conta Nancy de Andrade
Hoje, depois de quatro anos no cargo, a
Figueiredo, coordenadora de Enferma-
funcionária se diz acostumada e mais
»»»Quem visita a sede do Serviço de
gem da Central de Operações. Uma das
preparada. Ros Marli trabalha no setor
Atendimento Móvel de Urgência
principais dificuldades enfrentadas é a
de atendimento do 192, o primeiro passo
(Samu) em São Paulo imaginando
relação com os hospitais. “Eles não rece-
do procedimento de auxílio às pessoas
encontrar um cenário de caos pode
bem bem o Samu. Como se a gente esti-
que ligam para a central pedindo ajuda.
sair decepcionado. O ambiente é bem
vesse levando trabalho pra eles.”
Guias com protocolos ficam ao lado
organizado e tranquilo. Distribuídos
Por trás de toda a organização e
de cada computador da área de atendi-
em diferentes salas, os funcionários
experiência dos responsáveis, existe
mento do 192. Alguns funcionários nem
mantêm a paciência e executam suas
uma enorme pressão. Ros Marli Apa-
olham mais para o guia, que já foi deco-
respectivas funções.
recida Vasconcelos relata que, quando
rado por completo.
O Samu recebe 8.000 ligações por dia, que geram 1.200 atendimentos. em média, 25% das ligações são trotes Logo após atender a chamada, o aten-
e depois vinha o regresso dizendo que a
responsáveis pelos atendimentos.
dente faz perguntas à pessoa que está
mulher não tinha nada. No dia seguinte,
requisitando o serviço. As perguntas
ela ligava de novo. A equipe chegou a ir
10 minutos
são fundamentais para identificar o pro-
lá umas quatro ou cinco vezes”.
Passada a triagem do atendimento do
blema, e, assim, transmitir o procedi-
Outra história marcante para a aten-
192, em um tempo médio de 10 minu-
mento básico que deve ser executado até
dente aconteceu quando “ligaram falan-
tos a unidade do Samu deve chegar ao
a chegada dos profissionais.
do que uma criança tinha caído na lança
local indicado.
A confirmação das informações é
de um portão e tinha ficado pendurada.
O passo seguinte ao atendimento tele-
importante, uma vez que um erro na
O homem fazia um escândalo pelo tele-
fônico é o despacho. Esse setor é respon-
apuração da localização pode ser fatal.
fone como se a criança estivesse mor-
sável por entrar em contato com as via-
A serenidade dos atendentes surpre-
rendo. Mandamos a equipe lá voando.
turas e enviá-las para o atendimento. O
ende quando se pensa nos possíveis
Acionamos o bombeiro e tudo. Chegan-
atendente chama o responsável da via-
casos atendidos todos os dias. “O mais
do lá, não era uma criança. Um gato
tura por rádio e informa a localização e a
difícil não é pegar as histórias, mas sim
estava pendurado na lança. Esse cha-
provável enfermidade. Dependendo do
mostrar à pessoa que você está ali para
mado foi um absurdo”, lembra, rindo.
caso, podem ser acionadas três tipos de
ajudá-la. Você tem que tentar dar con-
O Samu recebe 8.000 ligações por dia,
equipe: básica, intermediária e avança-
trole, passar confiança. A pessoa nem
que geram 1.200 atendimentos. Hoje,
da. Cada uma com recursos específicos
sempre fala o que precisa. Ela entra na
em média, 25% das ligações são trotes.
para cada tipo de atendimento.
linha já exaltada e quer ajuda imedia-
Os trotes de crianças foram diminuindo
ta”, comenta Júlio César de Souza, que
com o programa Amigos do Samu, que
Modernização
trabalha no Samu há dois anos.
fornece uma equipe para ir até as esco-
A equipe da Plural conversou com o
las públicas e demonstrar o dia a dia dos
coronel Luiz Carlos Wilke, diretor do
inclusão de deficientes
Samu de São Paulo há oito anos. Ele
A maior parte dos funcionários do setor
também é responsável pelo projeto de
de atendimento possui algum tipo de
modernização de toda a estrutura do
deficiência. Isso ocorre por uma deci-
serviço na capital.
são interna do próprio Samu e não tem
Ele conta que o Samu opera desde
relação com o sistema de cotas para
2003. Havia, na época, 26 bases de aten-
empregados. O caso de Júlio César é
dimento; hoje, são 100. Contava também
uma sequela de poliomelite contraída
com 33 ambulâncias; atualmente, são
quando era criança.
140 e 110 motolâncias (motocicletas para
É no setor do 192 que os trotes tele-
atendimento rápido e urgente). Diver-
fônicos aparecem, justamente por se
sas outras melhorias foram alcançadas
tratar do canal de contato direto com
graças ao processo de reformulação do
o público. Entretanto, os casos não são
serviço, iniciado há três anos.
todos motivados por más intenções;
Uma parceria feita com a Escola Poli-
também ocorre de a pessoa que liga se
técnica de São Paulo (Poli) resultou em
equivocar ou não ter consciência do que está acontecendo ao seu redor. “Já ligou uma gestante que não estava gestante”, conta Ros Marli. E emenda: “Uma senhora ligava aqui quase todo dia. Ela dizia ter dificuldade para respirar, mas eu percebia pelo telefone que não havia nada de errado. De acordo com o protocolo, essa é uma questão de prioridade. A equipe de socorro partia
atendimento O maior pico de atendimento do Samu se dá durante o dia. À noite e de madrugada, o número cai. Cada horário tem uma moléstia característica. “Infarto, por exemplo, acontece mais de manhã; o AVC, mais no final do dia; acidentes de trânsito, durante o dia e fins de semana. Das ligações diárias, 30% são acidentes e 70% é clinico”, informa o coronel Luiz Carlos Wilke.
um sistema de logística inspirado em colônias de abelhas. No futuro, todas as bases de atendimento serão modulares; hoje, apenas 40 o são. As bases modulares são formadas por nove módulos que podem ser empilhados e desempilhados com facilidade, permitindo movê-las para outros pontos. Além disso, o Samu pretende ter seu primeiro helicóptero até a metade deste ano.
30/31
Plantão médico A equipe da revista Plural acompanhou a rotina do Hospital Universitário da USP durante uma madrugada; período é menos movimentado, mas concentra casos críticos
Beatriz Branco Beatriz Barros Fernanda Labate Isabella Chiamulera Júlia Arbex
hospital psiquiátrico surge em dispa-
madrugada é porque está em estado
rada pelo pronto-socorro.
crítico”, conta. Dados do Departamen-
As cenas, todas reais, fazem parte
to de Polícia Rodoviária Federal (DPRF)
do cotidiano das madrugadas do Hos-
constatam que pelo menos 35 mil pes-
pital Universitário da Universidade de
soas morrem por ano em decorrência
»»»Uma mulher de cerca de 35 anos
São Paulo (USP). Embora menos movi-
de acidentes. “Chegam muitos jovens
com hemorragia no esôfago causada
mentado do que as manhãs e tardes, o
e, principalmente, muitas mulheres
por um quadro grave de cirrose. Uma
turno concentra justamente os casos
desacordadas pela ingestão excessiva
grávida que, em trabalho de parto,
mais graves. A principal causa, segun-
de álcool”, conta a médica.
sofre um aborto espontâneo em pleno
do Grace Mulatti, cirurgiã cardiovascu-
Contando com 258 leitos e um ambu-
corredor do hospital. O namorado
lar, são traumas decorrentes da inges-
latório com 57 consultórios, o Hospital
de uma paciente tenta agredir uma
tão de álcool, incluindo brigas, colisões
Universitário da USP autorizou que a
plantonista, indignado com a demo-
e atropelamentos, e acidentes domés-
reportagem da Plural acompanhasse
ra no atendimento. Uma fugitiva de
ticos. “Para alguém vir ao hospital de
seu plantão durante uma madrugada.
A fachada do HU, na Cidade Universitária | foto beatriz barros
Localizado no bairro do Butantã (zona
especializadas selecionam para qual ala
oeste) desde 1981, o HU atende não ape-
de espera (branca, azul, verde, amarela
nas o bairro onde se encontra, mas tam-
e laranja) as pessoas serão encaminha-
bém o Rio Pequeno, Morumbi, Jaguaré
das. Porém, pelo fato de o período da
e Vila Sônia. Além disso, ainda dá assis-
noite ser um pouco menos movimenta-
tência para a USP, possibilitando que os
do, o sistema é encerrado às 22h.
alunos da faculdade de saúde pratiquem
Pacientes atípicos de pronto-socorro,
e façam estudos de campo. “Pelo hospi-
ou seja, aqueles que pretendem fazer
tal ter uma qualidade de atendimento
exames ou tirar dúvidas sobre medica-
ligeiramente maior que outros hospitais
mentos, ficam nos setores branco e azul.
de bairro, recebemos muitos pacientes
Na chegada ao hospital, eram os seto-
de bairros distantes e até de outras cida-
res mais cheios. Aqueles que não estão
des”, relata Grace.
com febre nem sofreram desmaios, por
Ao chegar ao HU, a equipe foi recebi-
exemplo, vão para a ala verde. Nas espe-
da e acompanhada por quatro médicos
ras amarela e laranja, o paciente precisa
plantonistas: Gustavo Stocchero, Grace
ser atendido imediatamente.
Para alguém vir ao hospital de madrugada é porque está em estado crítico” Grace Mulatti, cirurgiã cardiovascular
Mulatti, Jairo Rays e Marcelo Borba, que
Nas alas azul e branca, por serem os
apresentaram todas as instalações do
setores mais cheios do plantão, o tempo
hospital, com exceção da UTI. A tria-
de espera é estimado entre três horas
gem de pacientes na unidade é iniciada
e quatro horas, o que motiva reclama-
com uma etapa eletrônica. Com base nos
ções. “Sempre buscamos atender os
sintomas de cada paciente, máquinas
pacientes da melhor maneira possível, desde os que buscam
em abril, devido ao ar seco, houve um aumento nos casos de doenças respiratórias, principalmente em crianças
alguma orientação sobre medicamentos até os que requerem
correr para dentro do hospital.”
maiores cuidados, mas todos eles sem-
A espera verde é onde ficam os pacien-
pre acham que os próprios problemas
tes com doenças não agudas, sem sinal
são piores que os de qualquer outro
de alarme (como desmaios, por exem-
paciente”, diz Grace.
plo). Normalmente são casos um pouco
32/33
menos simples que os das esperas azul leitos
e branca, e os pacientes que ali ficam
O que os pacientes não entendem, mui-
podem esperar até duas horas. “Esse
tas vezes, é que, apesar dos cerca de
setor é o mais cheio durante o dia,
30 profissionais de plantão (incluindo
enquanto durante a noite os pacien-
anestesistas, residentes e estudantes da
tes são mais distribuídos”, conta Jairo
USP) nas mais variadas áreas durante
Rays, cardiologista e chefe do plantão
a noite, podem faltar leitos. “O hospi-
noturno.
tal só coloca mais gente em observação
Durante o mês de abril e devido ao ar
se houver disponibilidade de maca. Se
excessivamente seco, houve um aumen-
não houver, não entram mais pessoas”,
to nos casos de doenças respiratórias,
completa a médica.
principalmente em crianças. Isso con-
Grace salientou o fato de as camas
tribuiu para que a espera verde tivesse
espalhadas pelos corredores – até fora
ainda mais pacientes no dia da visita da
da sala de observação, por conta da
reportagem da Plural.
falta de espaço – contarem com lençóis
Próximas às salas de emergência,
e cobertores limpos e colchões de boa
pequenas cirurgias e exames como raio-
qualidade. “Essa situação está longe de
-x, ficam as esperas amarela e laranja,
ser a ideal, mas há mais dignidade que
destinadas a pacientes com sintomas
em outros hospitais.”
mais graves e que necessitam de cui-
Por conta disso, a clínica-geral Carla
dado imediato. Na amarela, os pacien-
Romagnolli conta que quase foi agre-
tes podem esperar cerca de uma hora. Já
dida durante um plantão pelo namora-
na laranja, os médicos explicaram que
do de uma paciente que estava na espe-
o tempo de espera é apenas o necessá-
ra menos grave. Irritado pela demora
rio para preparar uma sala de cirurgia,
do atendimento, partiu para cima dela.
pois o setor é o que recebe os pacientes
“Os seguranças o pararam e eu tive que
mais graves.
“A coisa mais difícil da profissão é ver alguém com quem você se identifica morrer” Gustavo Stocchero, cirurgião plástico
“Chegam muitos jovens e muitas mulheres desacordadas pela ingestão excessiva de álcool” Grace Mulatti, cirurgiã cardiovascular
Bastidores Ao conhecer os bastidores do hospital é mais fácil entender que, muitas vezes, situações de pacientes esperando uma consulta ou um exame por horas nem sempre refletem descaso da equipe médica, pois casos mais graves podem estar exigindo atenção máxima naquele mesmo momento. Em plantões noturnos, embora isso não seja tão comum, podem aparecer casos de alta complexidade, como o de uma paciente em um quadro crítico de cirrose. Ela apresentava hemorragia interna e outros sintomas que levaram o chefe de plantão a decidir por mandá-la para a UTI – situação peculiar, já que
Leitos do Hospital Universitário, que contabiliza 258 vagas e abriga um ambulatório com 57 consultórios | fotos beatriz barros
a paciente não ingeria álcool em excesso e tinha menos de 40 anos. A paciente foi mantida em coma induzido. Experiências marcantes Ao longo da madrugada e em períodos nos quais os médicos que monitoravam a equipe descansavam, foram relatados diversos casos incomuns presenciados em plantões. “A coisa mais difícil da profissão é ver alguém com quem você se identifica morrer”, contou Gustavo Stocchero, cirurgião plástico. Sentiu-se assim após presenciar o caso de um garoto de classe média que chegou ao hospital já desfalecido após engasgar com um tomate cereja. Há também casos curiosos: “Uma vez uma mulher chegou ao hospital dizendo ter dado à luz dentro de um táxi, e que o bebê estava dentro de um embrulho. Quando os médicos abriram o embrulho, encontraram um estetoscópio e um jaleco. Depois descobriram que a moça havia fugido de um hospício”, conta Marcelo Borba, cirurgião geral. Rays conta a cena mais chocante que presenciou durante a madrugada. “Vi uma mulher dar a luz de um feto natimorto no chão do corredor.”
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celeiro de histórias O Ceagesp, maior entreposto de alimentos da América Latina, tem o tamanho de 70 campos de futebol e movimenta mais de 240 mil toneladas de alimentos por mês
Carolina Petená Marina Almeida
»»»O maior entreposto de alimentos da América Latina não para. Por mês,
legumes, hortaliças, pescados, ovos,
ainda, fazem uma visita ao vizinho para
aves, cereais e outros produtos típicos
encomendar alguma verdura diferen-
de feira, como pastéis, salgados, bolos,
te daquelas que vendem. Os carregado-
lanches, entre outros.
res de caixas e mercadorias, cruzando o
O cenário durante a semana é bem
pavilhão, dão um permanente clima de
o Ceagesp movimenta 240 mil tonela-
diferente. Não há bancas, os produ-
das de alimentos e comporta mais de
tos ficam em caixas de madeira – todas
Nas madrugadas o comércio con-
2.700 estandes em 46 pavilhões.
fim de feira ao lugar.
de verduras, vendidas por atacado – e
tinua. A comercialização do pescado
Aos finais de semana a rotina é acele-
não circulam compradores como donas
acontece de terça a sábado, das 2h às
rada. Os varejões de sábados e domingos
de casa e curiosos em geral. Há traba-
6h, e a feira de flores é de terça e sexta,
têm clima de feira-livre. Os comercian-
lhadores andando de um lado para
das 5h30 às 10h30. Para conhecer melhor
tes expõem seus produtos em barra-
outro; alguns sentados, compenetra-
a atribulada rotina dos trabalhadores
cas coloridas. São oferecidos frutas,
dos enquanto fazem contas; outros,
do Ceagesp, a reportagem da Plural fez
18 anos para trabalhar como lavrador. “Vim para ampliar mercado. O Japão era um país pequeno, limitado.” Migita trabalhava no interior paulista, em Monte Verde, onde hoje tem uma chácara, e começou a frequentar o Ceagesp assim que chegou ao Brasil. Depois que conseguiu plantar suas próprias verduras, decidiu comercializá-las na capital paulista. Entre os brasileiros, predominam nordestinos – a imensa maioria, do Piauí. Exceção à regra do Estado, mas não da região, é o cearense Miguel França Ferreira, que chegou à capital também com 18 anos, em 1961. A viagem demorou 22 dias, com direito a ônibus capotado na região de Minas Gerais. “Só trazia a coragem e a cara, viajando num pau-de-arara. Eu penei, mas aqui cheguei”, canta ele a música de Luiz Gonzaga para ilustrar a vinda para São Paulo. O principal motivo que fez com que
As feiras de flores, realizadas às terças e às sextas, dão ainda mais colorido ao ambiente multifacetado do Ceagesp, na Vila Leopoldina | foto marina almeida
Miguel se mudasse para a cidade foi a condição em que vivia no Nordeste. “Vim para subir na vida”. Analfabeto, diz ter muito orgulho de tudo o que conquistou. “Consegui abrir meu negócio em 1988 e hoje tenho três filhos formados. Minha família toda mora aqui comigo, ‘truxe’ tudinho pra cá”. Por conta da simpatia, o feirante, que também adora contar histórias, já deu muitas entrevistas. “Eles [os feirantes]
quatro visitas ao entreposto, em dias e
passam por mim e falam ‘ê Miguel, te vi
horários alternados.
na TV!’”, conta.
Imigrantes
Lá e Cá
Inúmeros trabalhadores vieram de longe para ganhar a vida no Ceagesp. Às vezes, de outros países, como Daiwa Migita – senhor de poucas palavras, não fala o português com fluência. Ele trabalha há 34 anos no local. “Sou importado do Japão”, brinca, ao explicar o sota-
megacentro
3,4 mi
de toneladas de frutas, legumes, verduras, flores e pescados foram comercializadas no Ceagesp em 2012, resultando numa movimentação de R$ 5,72 bilhões
Além dos feirantes, os carregadores são figuras muito presentes no Ceagesp. Eles estão por todo lado, carregando caixas, produtos e qualquer coisa que precise de transporte. O trabalho é autônomo e cada viagem – dos boxes até os caminhões – custa R$ 20. Fazendo uma
que estrangeiro. Natural de Kumamoto,
média de oito viagens por dia, esses
chegou em São Paulo com a família aos
senhores e jovens fortes afirmam que
“É sofrido, mas dá pra viver tranquilo. O que precisa ter é coragem e disposição”
meia-noite, e a maioria deles só volta
cadastrado e pagar uma taxa que garan-
para buscar as compras de manhã, entre
te os direitos trabalhistas.
6h e 8h30.
36/37
conseguem sobreviver. Para trabalhar no local é preciso ser
Cícero Romão de Oliveira, pernam-
Há 36 anos a família de Marlene segue
bucano, trabalha há 47 anos no entre-
essa rotina todas as segundas e quin-
posto. Ao completar 40 anos de servi-
tas-feiras. O negócio se iniciou quan-
ço foi homenageado pela Assembleia
do as irmãs começaram a procurar e a
Legislativa de São Paulo e pelo Minis-
pesquisar novidades nos matagais e nos
tério do Trabalho. Ele é um dos 43 dire-
terrenos da região em que moram. Só
tores do sindicato da categoria que se
depois disso entraram no mercado das
reúnem todo mês para discutir a situa-
flores secas e enfeites. “E tudo é produ-
ção dos carregadores. Em tom de brin-
ção nossa”, afirma Marlene.
cadeira, conta das mudanças que ocor-
A produção cresceu tanto que hoje o
reram no Ceagesp desde a sua chegada.
Avencca já vende para o Brasil inteiro.
“Naquela época, menos pessoas vinham
Segundo ela, o box no Ceagesp funciona
comprar aqui, o pavilhão era metade do
como um ponto de venda para os clien-
que é hoje e pra lá era só mato.” Ele diz
tes que vêm de longe visitar as feiras
ainda que todos são muito amigos e que
em São Paulo.
há pessoas do Brasil inteiro ali, mas três
As madrugadas no entreposto são
quartos dos carregadores são do Piauí.
mais difíceis do que parecem. “A gente
Confirmando as estatísticas de Cícero,
passa sono e passa frio durante a
o amigo e colega de trabalho piauiense
madrugada. Muito sono e muito frio”,
Antônio Otávio da Silva está no Ceagesp
relata Marlene. “Cochilar só é possível
há 43 anos. Ele conta que, dependendo
quando a outra topa ficar acordada!”.
da área do Ceagesp, o perfil dos traba-
Mas o sono já foi espantado diversas
lhadores muda. “Aqui na seção flores
vezes pelas mais variadas aventuras.
a gente trabalha com pessoas alegres,
“Enchentes, eu já peguei três! A gente só
contentes, educadas e respeitosas”, diz.
via as melancias boiarem pelo pavilhão
Com muita disposição aos 69 anos,
abaixo. Tivemos que recolher tudo cor-
garante que o que o mantém vivo é o
rendo e levamos de volta para o cami-
trabalho. Chegar no entreposto às 4h30
nhão. E teve vez que nem deu pra ir
Localização: » Av. Dr. Gastão Vidigal, 1946 - Vila Leopoldina - São Paulo - SP
não é um problema. E, mesmo após
embora, ficamos presos no Ceagesp até
pouco mais de três horas de trabalho,
a água baixar”.
Comercialização do Atacado: Peixes: Terça a sábado das 2h às 6h Feira de flores: Terça e sexta das 5h30 às 10h30 Verduras: Segunda a sexta das 12h às 18h
para fazer a oitava viagem do dia.
Serviço
despede-se da reportagem da Plural
“Teve um dia também que deu um vento muito forte que derrubou a barraca, caiu tudo no chão. Precisamos
Madrugada
recolher tudo e só terminamos de arru-
Quinta-feira, 20h. Marlene Leite Bueno
mar às 4h. E aí, quando deu 5h, precisa-
sai acompanhada da irmã e do sobrinho
mos sair porque tudo estava quebrado e
de Santo Antônio de Posse, a 150 km de
molhado. Fomos embora”, conta Marle-
São Paulo, rumo ao Ceagesp para mon-
ne. “É sofrido, mas dá pra viver tranqui-
Comercialização do Varejo: Sábado das 7h às 12h30 Domingo das 7h às 13h30
tar seu box de produtos de decoração
lo. O que precisa ter é coragem e disposi-
e jardinagem, o Avencca Flores. Duas
ção. E eu gosto do que faço”, acrescenta.
Estacionamento gratuito no local Entrada pelos portões 2, 3, 4, 13 e 14
parar o espaço para as vendas. Os pri-
te durante a madrugada, é perigoso.
meiros clientes chegam por volta da
Ela, em todos os seus anos de feirante,
horas depois, já no entreposto, come-
A comerciante desmente as histó-
çam a descarregar o caminhão e a pre-
rias de que o Ceagesp, principalmen-
Fusão de sucesso »»»Localizado na Vila Leopoldina, na capital, o Entreposto Terminal São Paulo (ETSP) tem o tamanho de 70 campos de futebol (700 mil m²). Destaca-se no comércio atacadista de verduras, carnes, aves, flores, frutas e outros produtos. Em 2012 o Entreposto recebeu produtos procedentes de 16 países, 21 Estados e 1.450 municípios. Comercializou 3,4 milhões de toneladas de frutas, legumes, verduras, flores e pescados. O fluxo financeiro envolvido na venda foi de R$ 5,72 bilhões, o que representa um crescimento de 13,9% em relação a 2011. Em maio de 1969, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) surgiu da fusão de duas empresas mantidas pelo governo do Estado de São Paulo: a Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Cagesp) e
Cliente aproveita o baixo movimento das 6h30 | foto Marina almeida
o Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa), como é popularmente conhecido até hoje.
nunca viu nada violento acontecer. “Só
madrugada inteira trabalhando, a dona
sei que, uma vez, tinha um rapaz que me
do Avencca mantém o bom humor e
pediu um cigarro e eu não dei. Ele me
relata inúmeras histórias envolvendo
seguiu durante um mês. Eu não podia
o trabalho no local.
ir ao banheiro sozinha! Tinha um meni-
Ela sai com o caminhão de volta para
no que ficava aqui comigo e me acom-
Santo Antônio de Posse ao meio-dia da
panhava na hora que eu precisava ir ao
sexta-feira. Almoça, passa na fábrica e
banheiro. Foi a única vez, mas eu pas-
só chega em casa às 16h. “E ainda há os
sei muito medo. Agora, se a pessoa me
afazeres domésticos”, brinca. A estadia
pedir, eu dou o maço inteiro!”, diz.
no entreposto se torna ainda mais longa
Marlene conta, orgulhosa, que suas
quando são realizadas feiras de flores
flores fizeram parte da decoração do
e em época de Dia das Mães e de Natal,
casamento do jogador Ronaldo Fenô-
que são as épocas em que as encomen-
meno. Mesmo às 9h, depois de uma
das são maiores.
p&r
38/39
Entrevista: Jorge Forbes Psicanalista e psiquiatra
XISTE UM E NOVO TIPO DE AMOR O psicanalista Jorge Forbes, um dos pioneiros no ensino da teoria lacaniana no Brasil, diz que os jovens hoje amam de um jeito diferente, e isso é positivo
alguém porque quer estar”, simples-
Lacaniana (IPLA) e o Projeto Análise
mente.
– seus estudos focam as mudanças e
Murillo Grant Thiago Montero
Nascido em Santos e criado no Rio de
novas formas de viver na pós-moder-
Janeiro, o psicanalista divide sua vida
nidade. “Tenho um olhar muito otimis-
»»»Existe amor nas baladas? Para o
profissional entre São Paulo e Paris.
ta sobre a pós-modernidade e sobre o
psicanalista e psiquiatra Jorge For-
Doutor em Ciências da Saúde pela Uni-
que os jovens de hoje estão fazendo. As
bes, a resposta é um provocativo
versidade de São Paulo (USP) e em Teo-
pessoas têm necessidade do encontro
“não, e graças a Deus”. Mas calma.
ria Psicanalítica pela Universidade
físico”, comenta.
Antes que nos desesperemos, ele
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e mes-
Forbes recebeu a Plural em seu con-
emenda: “Mas existe amor nas pes-
tre em Psicanálise pela Universidade de
sultório na al. Casa Branca, em São
soas”. Aliviado? Pois esse amor, com-
Paris VIII, Forbes tem artigos publicados
Paulo. Confira a seguir os principais
pleta, é diferente daquele que mani-
nacional e internacionalmente.
trechos da entrevista.
festávamos décadas atrás. Em um
Como um dos principais introdutores
certo sentido, é mais descompromis-
do ensino de Jacques Lacan no Brasil –
O que caracteriza uma balada?
sado. “Hoje em dia, alguém está com
preside hoje o Instituto da Psicanálise
Jorge Forbes: A balada é o local de
Fotos Thiago Montero
das pessoas de estarem juntas. É falso pensar que na pós-modernidade e na época da internet elas queiram ficar isoladas na frente das telas dos seus computadores ou similares. As pessoas têm
raio-x Nome: Jorge Forbes Idade: 61 anos Origem: Santos, SP Profissão: Psicanalista e médico psiquiatra Livros: Da Palavra ao Gesto do Analista, Você Quer o Que Deseja?, e Inconsciente e Responsabilidade Psicanálise do Século XXI, entre outros
necessidade desse encontro físico.
O que essas pessoas festejam? Forbes: O encontro. Festejam as mais diversas emoções humanas. Festejam o amor, a competição, a estética, o prazer musical e podem também festejar sua agressividade – não estou dizendo que devam, mas existem pessoas que vão na balada para o exercício da violência. Festejam se desligar de si mesmas, os que adoram tomar porres homéricos.
Por que há tanta briga nas casas noturnas atualmente? Forbes: As pessoas são muito mal resolvidas em relação à possibilidade de encontrar uma outra pessoa. Encontrar uma outra pessoa te leva à diferença de você mesmo, leva você a se ver, se sentir apaixonado por alguém, e essa paixão ser mais forte que você. Os motivos são os mais variáveis para as pessoas não suportarem algo que foge às suas rotinas. A balada é algo que foge da rotina. É um espaço solto e flexível. Esse é o momento propício das pessoencontro de pessoas, normalmente
A pergunta fundamental do jovem de
as, às vezes, se defrontarem com pro-
jovens, que se reúnem em uma cida-
hoje é: tá ligado? Nesse momento atual,
fundas dificuldades pessoais de uma
de normalmente grande. Um local de
a diversidade de suportar a diferença é
forma violenta.
encontro de pessoas variadas, em uma
mais rica, por isso tenho um olhar muito
faixa etária de 16 a 30 anos, onde elas
otimista sobre a pós-modernidade e o
se conhecem, se encontram, dançam,
que os jovens de hoje estão fazendo.
Forbes: No meu tempo não era bala-
se divertem, brigam, fazem amizades.
Esses jovens estão descobrindo uma
da. Eu frequentava boate. Mas frequen-
Você frequentava balada?
É uma praça pública da pós-moderni-
maneira de habitar esse novo mundo e
tei muito as baladas atuais. Cheguei a
dade nos fins de semana para a juven-
cabe a nós, cientistas da humanidade,
ter carteirinha VIP em uma balada aqui
tude se encontrar.
legitimar esse movimento e perceber o
de São Paulo [a boate Love, no centro da
que está sendo feito.
cidade]. Uma balada de música eletrônica. Frequentei também muitas raves.
De que juventude estamos falando?
Comecei a frequentar essas baladas por-
80 queriam ainda “compreender”. O
O que leva as pessoas a frequentarem uma balada?
jovem atual não quer compreender.
Forbes: A necessidade fundamental
psicanalista, em entender o que era essa
Forbes: Os jovens dos anos 60, 70,
que eu fiquei interessadíssimo, como
40/41
música eletrônica. como um quadro grave de alteração psí-
Qual o papel da música eletrônica nos dias de hoje?
quica. Todo mundo meio psicótico, sem
Forbes: Para as pessoas da minha
um novo vírus psicótico que pegou toda
geração, a música eletrônica é uma coisa
essa geração. Fiz vários trabalhos a res-
esquisitíssima. Minha geração foi for-
peito e a conclusão sobre essa músi-
mada pela bossa-nova, pelo “barquinho
ca típica das baladas foi que a geração
que vai e que vem”, pelo “você quer ser
atual, que eu chamo de geração mutan-
minha namorada?”. Foi formada “nas
te, é uma geração que percebeu a pos-
curvas da estrada de Santos”. Todas
sibilidade de as pessoas estarem jun-
elas, músicas que eram carregadas de
tas sem a necessidade da compreensão
sentido, que todos cantavam juntos. O
e do diálogo. As pessoas dançam sem
grande show da minha época foi o Frank
necessidade de se compreender. Aliás,
Sinatra no Maracanã, que tinha 160 mil
ali não dá para conversar muito. Um dos
ou 140 mil pessoas. Eu lembro que ele –
temas fundamentais de compreensão
o cantor – ficou fascinado em ouvir My
desse novo laço social veio da música
Way com todo mundo cantando junto.
eletrônica.
se entender. Eu me perguntei se tinha
Ora, duas coisas são muito diferentes da música eletrônica. Uma, que ninguém canta junto. Outra, o show do Frank Sinatra, por exemplo, virou, na época de hoje, um show pequeno, porque hoje você aglomera dois ou três milhões de pessoas. Então eu comecei
Em 1999, você escreveu um artigo e disse: ‘Nas festas embaladas pela música eletrônica, não é um cantor, ou um grupo musical que atrai a atenção, é o DJ.’ Qual a importância desse profissional?
a ficar muito intrigado; que música era
Forbes: É uma importância funda-
aquela que juntava muito mais gente
mental porque, no momento em que
que o maior show da minha época? E
ele está tocando, ele não tem uma coisa
ao mesmo tempo essas pessoas não se
pré-estabelecida, como os artistas.
falavam. Na música eletrônica ninguém
Quando Ivete ou Martinho da Vila vão
canta junto, até porque você dança. Eu
fazer um show eles vão com algo pré-
dizia: é todo mundo maluco? Porque
-determinado. O DJ tem as músicas pré-
se fosse no meu tempo de faculdade,
-estabelecidas, só que ele muda a série,
aqueles dois milhões de pessoas jun-
a forma, a tonalidade. Ele intervém o
tas, porém separadas, seria algo visto
tempo inteiro, ou seja, ele é uma enzima
“AS PESSOAS SÃO MUITO MAL RESOLVIDAS EM RELAÇÃO À POSSIBILIDADE DE ENCONTRAR UMA OUTRA PESSOA”
propiciadora fundamental que faz aque-
A psicanálise de 30 ou 40 anos atrás, por
la energia continuar vibrando. Ele tem
exemplo, era centrada na retirada do
que ser alguém que conheça música
trauma e na possibilidade de a pessoa
profundamente, que saiba fazer a jun-
fazer uma expressão sem o tal trauma.
ção dessas músicas com seus ritmos e
[Na pós-modernidade] as pessoas
intervenções e que tenha uma percep-
sentem a necessidade de um novo con-
ção das pessoas da balada para mantê-
fronto com o limite. Essa satisfação não
-las conectadas entre si e com ele.
direcionada é uma angústia brutal. E o homem encontra nas drogas uma res-
A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas realizou uma pesquisa e constatou que a maioria dos jovens procura se divertir à base de álcool e drogas. O que você acha do uso de drogas nas baladas?
posta muito boa. As drogas, infelizmen-
Na pós-modernidade você tem novos
momento é um dos maiores desafios
sintomas. No tempo anterior os sinto-
para todos os profissionais de saúde,
mas passavam pela palavra, pela difi-
especificamente os psiquiatras, psica-
culdade de expressão ou pelos traumas.
nalistas e psicólogos.
“EU ME PERGUNTEI SE TINHA UM NOVO VÍRUS PSICÓTICO QUE PEGOU TODA ESSA GERAÇÃO”
te, são ótimas respostas. Se não fossem, nós não estaríamos diante de uma epidemia terrível de drogas nesse momento. Elas viciam biologicamente e psiquicamente. A luta contra as drogas nesse
Em um artigo publicado na revista IstoÉ Gente, em dezembro de 2012, você comentou que “pais contam nos consultórios dos psicanalistas suas aflições frente à aparente superficialidade de seus filhos ficantes, que distribuem beijos de boca em boca nas baladas eletrônicas. Calma. Essa moçada é também aquela que não fará concessão por amores arranjados e acomodados”. Existe amor nas baladas? Forbes: Nas baladas, não, graças a Deus. Mas existe amor nas pessoas. Estou convencido, junto com outros
pílulas A MÚSICA » “Para as pessoas da minha geração, a música eletrônica é uma coisa esquisitíssima.” as drogas » “As drogas, infelizmente, são ótimas respostas.” a vida » “A vida relevante não quer dizer vida importante. Quer dizer vida divertida.”
amigos, que existe um novo tipo de amor, que nasce com a
abertura ao novo. Quando uma pessoa
geração de hoje, mas acaba invadindo
mais velha quer se dizer jovem, ela sem-
todas as outras gerações. Esse amor
pre vai dizer que é jovem porque está
tem uma diferença fundamental com o
aberta ao novo.
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amor anterior. O amor anterior era um
Muita gente acha que essa gera-
amor intermediado, ou seja, alguém
ção está perdida porque não conse-
estava com outro e sempre justificava
gue estabelecer laços. Não é o que eu
esse estar com outro por alguma razão.
tenho visto. O novo elemento ordena-
Ninguém hoje em dia está com alguém
dor na pós-modernidade é a responsa-
por alguma razão. Hoje em dia, alguém
bilidade maior das pessoas umas com as
está com alguém porque quer estar com
outras. As pessoas estão mais sensíveis
alguém. Quando você quer estar com
à existência do outro e menos sensíveis
alguém você não sabe muito bem por-
a grandes causas. A minha geração era
que quer estar com alguém. O amor tem
sensível à revolução, às causas religio-
um aspecto muito curioso de ser impos-
sas, às guerras. A geração de hoje não é
sível de significá-lo completamente.
tão sensível a isso.
Sempre você está com alguém por uma aposta de estar com alguém. As
Diversão é um tipo de fuga?
pessoas acham que estão com elas por-
Forbes: A diversão é uma forma de
que são formidáveis. Não é tanto assim.
encontro. Se as pessoas estão muito
As pessoas estão umas com as outras
alienadas no dia a dia delas, elas não
apesar delas. Esse novo amor é um amor
deveriam estar. Temos que recupe-
mais responsável. É um amor mais inte-
rar, da palavra diversão, o divertido e
ressante do que o amor que estava com
o diverso. É divertido para o ser huma-
você por alguma coisa. É um amor por-
no tudo aquilo que sai da mesmice. A
que eu quero estar. As pessoas que
palavra chato vem da falta de relevo,
estão nas baladas sabem suportar um
do irrelevante. Uma situação chata é
novo tipo de amor. Os pais dizem que os
uma situação irrelevante. Se as pesso-
filhos ficam de boca em boca. Tem um
as têm vidas chatas, a responsabilida-
momento onde as pessoas ficam de boca
de é delas. Elas não deveriam ter vidas
em boca, mas não acredito que o ficante
chatas. Elas deveriam ter vidas relevan-
será ficante sempre. Haverá um cansa-
tes. Vida relevante não quer dizer vida
ço. Eu tenho visto relatos muito respon-
importante. Quer dizer vida divertida,
sáveis da moçada em relação ao amor.
diversa. O problema é que as pessoas se defendem na mesmice. Ser chato é
Você acha que os jovens de hoje querem muito mais experimentar diferentes sensações de amor, de ficar com vários e depois namorar, experimentar de tudo?
ruim para os outros, mas é bom para
Forbes: Não sei se isso é uma carac-
tra uma boa parceria. Chatos são parcei-
terística do jovem de hoje. Acho que
ros de chatos. A diversão não é uma fuga
a juventude está sempre vinculada à
da alienação. A diversão é um aspecto
o chato. O chato é um cara seguro. Ele sempre sabe tudo o que vai fazer, do momento em que ele acorda até o que vai dormir. O chato muitas vezes encon-
“Esse novo amor é um amor mais responsável. É um amor mais interessante”
“UMA GRANDE PARTE DAS PESSOAS É MUITO COVARDE parA SUPORTAR O SEU DESEJO”
fundamental da espécie humana.
que todo mundo compreende e que, normalmente, está vinculada às necessida-
O que os frequentadores de baladas desejam?
des biológicas do ser humano. Desejo é aquilo que sai do universal e te singula-
Forbes: Adoraria saber o que os fre-
riza. E aquilo que te singulariza, te tira
quentadores de baladas desejam. O psi-
do grupo. Por te tirar do grupo, te deixa
canalista não responde sobre o quanto
muito inseguro. Para dizer que quer o
desejam. Ele leva a pessoa a tentar res-
que deseja, é preciso ter coragem. Infe-
ponder sobre o que deseja.
lizmente, uma grande parte das pesso-
Desejar e querer não são uma dupla
as é muito covarde para suportar o seu
harmônica. O desejo é algo muito dife-
desejo. Às vezes elas têm que ficar doen-
rente da necessidade. Estar com alguém
tes para depois descobrirem que para
é necessário. Estar com aquele alguém,
suportar seu desejo não precisam ficar
é desejo. Necessidade é alguma coisa
doentes. E a vida fica mais divertida.
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” alguém aí”? Os locais mal assombrados de São Paulo são especialmente apavorantes à noite e atiçam medos de todos nós
inventadas por jornais populares. Daphne Ruivo Isabela Giugno Neves Talitha Adde
Para verificar de perto essas histórias, a equipe da Plural visitou três lugares com fama de mal assombrados na capi-
»»»Calafrios e barulhos inexplicá-
tal e conta algumas das principais len-
veis. Medo. Sustos. As histórias são
das urbanas que povoam o imaginá-
surpreendentes. Loiras sedutoras e
rio dos paulistanos. As histórias são
assassinas, locais mal assombrados
reais ou não? Isso vai da cabeça de cada
em que vagam fantasmas, o homem
um. “Quando você está sozinha e tem
do saco e ladrões de órgãos.
medo, até a própria sombra é assom-
Locais supostamente mal assombra-
bração”, diz Toshiko Kimura, gerente
dos, como a Capela dos Aflitos, próxi-
da loja Ikesaki, na Liberdade (centro).
ma à Praça da Liberdade, e lendas urba-
Carmem Silva Freitas, também geren-
nas apavoram paulistanos, às vezes
te da loja, concorda: “São historias que o
remetendo a crimes bárbaros, às vezes
povo conta. Eu só acredito no que vejo”.
“Quando você está sozinha e tem medo, até a própria sombra é assombração”
Lugares mal assombrados Edifício Joelma Na manhã da sexta-feira, 1o de fevereiro de 1974, um incêndio tomou conta do Edifício Joelma. As investigações apontam que o acidente foi causado por um curto-circuito no ar condicionado. Cerca de 180 pessoas morreram asfixiadas e 300 ficaram feridas, mas o acontecimento mais marcante foi o das 13 pessoas que, após tentarem escapar por um elevador, morreram carbonizadas. Não identificadas, pois na época não era possível realizar análise de DNA, elas foram enterradas lado a lado no Cemitério São Pedro, bairro da Vila Alpina (zona sudeste). Até policiais que trabalham na região confirmam as histórias envolvendo assombrações no local. Segundo o sargento Freire, da Polícia Militar, portas de elevadores abrem sem serem acionadas e gritos são escutados durante a noite. “Já me contaram que, durante a noite, pessoas escutam barulhos de correntes sendo arrastadas pelos corredores.” Por causa do assédio da imprensa, o dono do prédio foi obrigado a mudar o nome do local para Edifício Praça da Bandeira.
Capela dos Aflitos A Capela dos Aflitos está situada na rua dos Estudantes, entre a rua Galvão Bueno e a rua da Glória, na Liberdade. Antes dela ser construída, existia no mesmo lugar o Cemitério dos Aflitos, o primeiro da cidade de São Paulo. Em 1858 ele foi desativado por conta do surgimento do Cemitério da Consolação. Ao lado da capela, há a loja de cosméticos Ikesaki, também com fama de assombrada. Reginaldo dos Santos, segurança do estabelecimento, confirma as histórias. “Uma vez eu estava no fechamento, entre 21h e 22h, fui apagar as luzes e ouvi barulho de tamanco de mulher e, quando fui ver, não era ninguém”, conta. Funcionários do local dizem nunca ter visto nada, mas o clima de medo parece
Ao lado da Capela dos Aflitos, fieis acendem velas em altar | foto DAPHNE RUIVO
pairar sobre a loja.
Casa da Dona Yaya Sofrimentos, gritos e choros faziam parte da vida de Sebastiana de Mello Freire. Conhecida popularmente como Dona Yaya, dos 13 aos 18 anos ela ficou órfã de pai, mãe e irmãos. O peso de tantas perdas a fez enlouquecer. Em 1925, foi isolada em uma casa no bairro do Bixiga, em São Paulo, onde todos os cômodos foram alterados para que Yaya não se ferisse. O banheiro não tinha registro, sua cama era chumbada ao chão e seus aposentos tinham janelas para que os enfermeiros pudessem
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vigiá-la a todo momento. Após 36 anos isolada na casa, faleceu em 1961, no Hospital São Camilo. A residência, hoje aberta à visitação, tem um ar sinistro. Ainda dizem que durante a noite o fantasma de Dona Yaya aparece na janela do quarto. Laércio Silva, vendedor de móveis da loja que fica em frente à casa, afirma que existe um porão mal assombrado, em que acredita que prendiam Dona Yaya por causa do dinheiro de sua família. “É legal pensar em como essa história foi se espalhando pelas pessoas, tanto as ‘histórias da louca’ como a história da casa mal assombrada, porque virou uma lenda”, diz Carla Teodoro, estagiária da USP, que hoje preserva o local.
Banheira da casa de Dona Yaya, supostamente assombrada | foto DAPHNE RUIVO
Homem do saco Lendas Urbanas A Loira do banheiro
Ladrão de órgãos
Dizem as mães aos filhos malcria-
Os pais alertam: nunca vá para a casa
dos que, ao sair para brincar sozinhos
de estranhos, ou você acordará sem rins
na rua, um velho mal vestido e com um
no dia seguinte. O personagem agora é
Para aqueles que gostam de matar
enorme saco de pano nas costas anda
diferente: um jovem sedutor e simpáti-
aula, cuidado! Reza a lenda que uma
pela cidade levando aqueles que fazem
co. Ao escolher sua vítima, ele a conven-
aluna loira e bonita, que morreu no
“arte”. As más línguas ainda afirmam
ce a ir para sua casa e oferece um drink.
banheiro de uma escola, aparece nos
que o velho leva a criança para a sua
A surpresa é que no dia seguinte a víti-
corredores dos colégios assustando
casa e lá faz sabonetes e botões com
ma, sem se lembrar disso, acorda em
aqueles que não assistem aula. A loira
elas. O homem do saco é famoso no Bra-
uma banheira de gelo com o seguinte
está sempre com algodão saindo de suas
sil e na Europa.
bilhete: “Chame uma ambulância, você
feridas, nariz, olhos e ouvidos. Há quem diga que pode invocá-la,
tem pouco tempo de vida”. Ao chegar ao
A mulher da estrada
dando descarga três vezes, depois chu-
Esta dica é para aqueles que pensam
tando o vaso uma vez e por fim viran-
estar em uma noite de sorte ao encon-
do-se rapidamente para o espelho. Essa
trar na beira da estrada uma loira pedin-
história é popular no Brasil, nos Esta-
do carona. Bem, não pare! Caso contrá-
dos Unidos e na Europa.
rio, você será conduzido a um cemitério, e a bela mulher desaparecerá. O motivo? Ela está morta. Basta procurar suas imagens nas lápides. A mulher da estrada aparece em lendas do mundo inteiro.
hospital, a pessoa descobriria que está sem rins. O misterioso ladrão é personagem de histórias do mundo inteiro.
foto tuanne feitosa
colaboradores desta edição
junho de 2013 // ano 2 // número 3
júlia arbex, 20, paulistana, quer atuar com Turismo em mídias impressas ou em assessoria
carolina petená, 19, paulistana, ama ouvir boas histórias e tem vontade de morar na praia
THOBIAS MARCHESI, 20, paulistano que está a cada dia mais certo de ter escolhido bem a profissão
daniella gemignani, 20, apaixonada por jornalismo, quer se especializar em política internacional e viajar o mundo
mariana saad, 19, paulistana, quer trabalhar na TV e não tem dúvidas sobre o caminho que escolheu
daniel rybak, 21, paranaense, não tem certeza do que faz, mas vai certo de que quer fazer
beatriz branco, 18,paulistana, aproveitando as chances para descobrir o que é ser uma jornalista
daphne ruivo, 19, caiçara, apaixonada por música e futura jornalista com covinha no sorriso
isabela neves, 21, paulistana, cinéfila, escritora quando inspirada e futura jurada de Cannes
beatriz barros, 18 , paulistana, quer conhecer lugares diversos e viver em um canto tranquilo
ISABELLA GIORDANO, 19, paulistana e idealista, quer viajar o mundo (e mudá-lo para melhor)
marina almeida, 19, paulistana, tem São Paulo como sua casa e o mundo como seu destino
murillo grant, 19, paulistano, sempre sonhou ser jornalista e quer que seus filhos leiam muito
diego pinheiro, 18, paulistano, parte do seu mundo é a música, e almeja ser jornalista cultural
thiago montero, 18, paulistano com orgulho, adora ler livros e sonha um dia poder escrevê-los
lara junqueira, 20, francana apaixonada por SP, com o jornalismo une hobbies e profissão
talitha adde, 21, paulistana, planeja atuar fora do Brasil como correspondente de jornal
fernanda labate, 20, paulistana, prefere temas ligados à cultura e quer trabalhar em revista
isabella chiamulera, 18, paulistana, sonha viajar o mundo e pretende trabalhar em revista