DEZEMBRO DE 2014 // ANO 3 // NÚMERO 6 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP
TELENOVELAS FOLHETIM SE EQUILIBRA ENTRE TRADIÇÃO E INOVAÇÃO PARA SOBREVIVER NA ERA DA INTERNET SENSACIONALISMO A VELHA FÓRMULA DE ESPETACULARIZAÇÃO DO NOTICIÁRIO SEGUE FIRME NA TELEVISÃO BRASILEIRA ENTREVISTA COM INVESTIMENTO EM CONTEÚDO E ACESSO A NOVAS TECNOLOGIAS, TV VIVE NOVO IMPULSO, DIZ BONI
INFORMAR, EDUCAR, ENTRETER Diante do avanço de novas tecnologias, a televisão repensa as suas funções clássicas
e
REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP Nº6 - 2º SEMESTRE DE 2014
Presidente J. Roberto Whitaker Penteado Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente AdministrativoFinanceira Elisabeth Dau Corrêa Vice-presidente Institucional Hiran Castello Branco Vice-presidente de Marketing e Comunicação José Francisco Queiroz Diretor de Graduação-SP Luiz Fernando Garcia Diretor Acadêmico-SP Ismael Rocha Júnior Coordenadora de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli Revista Plural revistaplural-sp@espm.br Editor Prof. Renato Essenfelder Revisão Profa. Maria Elisabete Antonioli Profa. Virgínia Salomão
EDITORIAL
A MÃE DE TODAS AS TELAS A metáfora do mundo como uma grande encenação, uma imensa ópera ou peça de teatro em que nos revezamos em múltiplos papéis, já foi explorada por inúmeros autores, tendo no sociólogo canadense Erving Goffman, autor de “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”, um de seus pontos mais elevados. Na modernidade, a peça teatral segue. Contudo, agora transmitida ao mundo inteiro, extrapolando os limites de salas e casas de espetáculo. A peça segue, e com cada vez mais velocidade, eficiência e presteza, dissemina-se. As telas estão em toda parte, captando e emitindo informação. E a mãe de todas as telas, a televisão, transcende o cenário habitual, o centro da sala de estar, e invade quartos, cozinhas, restaurantes, vagões de metrô, bolsos, mãos. Se a popularização da internet fez com que muitos apregoassem a extinção da TV, esta edição da Plural, revista-laboratório produzida pelos alunos de Jornalismo da ESPM-SP, mostra que o veículo continua vivo e forte, onipresente nos lares brasileiros. Busca, con-
Alunos Alexa Rossatti Alexandre Siviero Ana Beatriz Queiroz Bárbara Caram Bruna Queiroz Giulia Dias Giulia Laseri Mariana Castro Mariana Oliveira Naíla Almeida
tudo, novos rumos, novas fórmulas. Nestas páginas, procuramos refletir sobre questões ligadas à televisão no Brasil. Seu presente e seu futuro; o uso intensivo de recursos como o sensacionalismo, muito anterior à própria invenção da TV; a cara nova das telenovelas, que se adaptam à era da internet; o crescimento dos serviços de vídeo sob demanda. Refletimos, especialmente, sobre as funções primordiais da televisão: informar, educar e entreter. Como esses papéis são cumpridos no século 21? Que transformações estão em curso?
Agência de Jornalismo ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana São Paulo, SP Tel. (11) 5085-6713
Entrevistado pelos alunos-repórteres da Plural, Boni, um dos pioneiros da TV brasileira, é crítico em relação à baixa qualidade de parte da programação, mas também demonstra entusiasmo com o cenário atual. A televisão, diz, “tomou um novo e surpreendente impulso em todo mundo” com os avanços em qualidade, intera-
Projeto gráfico Márcio Freitas A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.
tividade e, principalmente, com o investimento maciço em conteúdo. Esse investimento tem feito, não raro, as produções de séries e novelas televisivas eclipsarem lançamentos de Hollywood. Se conteúdo é a palavra-chave sublinhada por Boni, esta edição da Plural espera contribuir para o debate fornecendo um amplo panorama sobre o veículo, narrando desde a biografia de seu primeiro barão no Brasil, Assis Chateaubriand, até se aventurar no debate sobre o futuro do meio. Esperamos que você aprecie esta leitura. E sem intervalos comerciais.
RENATO ESSENFELDER
ÍNDICE
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PIXABAY
página 18
REPORTAGEM DE CAPA A televisão exerce diversas funções na vida do telespectador. O aparelho entretém, educa e informa, às vezes separadamente, às vezes ao mesmo tempo. Nesta edição a equipe da Plural analisa, com o parecer de especialistas acadêmicos e profissionais da área, como a TV atua em cada um desses papéis e como eles se distribuem pela programação.
página 6 NOVELAS O folhetim na televisão, um patrimônio cultural do país, vive o desafio de se adaptar aos novos tempos e de incorporar tecnologias de interatividade sem perder sua identidade e identificação com os brasileiros.
página 10 SENSACIONALISMO Mostrar a violência de um modo explícito e cruel é uma das armas que programas policialescos usam para alavancar a audiência. Entenda de quais formas eles desrespeitam os direitos humanos.
CADU PADULA
página 36
DIVULGAÇÃO
página 32
página 32
página 16
REPRODUÇÃO
página 16
página 36
BONI
O REI DO BRASIL
Um dos nomes mais importantes da televisão brasileira enxerga um momento de grande vitalidade no veículo, motivado pela tecnologia e pelo investimento em conteúdos de melhor qualidade.
Assis Chateaubriand saiu do interior da Paraíba para se tornar o primeiro barão da mídia brasileira. Confira a trajetória do homem que criou o Masp e espalhou desafetos ao longo de sua vida.
A TV ainda é o veículo mais nobre para a publicidade. Entretanto, a internet tem ganho espaço e importância. Conheça a opinão de publicitários como Washington Olivetto sobre isso.
página 26 BASTIDORES Confira os percalços encontrados durante a realização desta edição da revista Plural, uma experiência de aprendizado valiosa para alunos e professores.
página 28 TV SOCIAL As TVs começam a aproveitar melhor os recursos da internet e exploram redes sociais como Facebook e Twitter como ferramentas para prender o espectador e elevar índices de audiência.
página 30 HOJE E AMANHÃ A tela tradicional de televião, situada no centro da sala de estar, já divide espaço com formas alternativas de conferir a programação – que hoje pode, inclusive, ser assistida sob demanda, a qualquer tempo.
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SUCESSOS NAS TELAS
ROQUE SANTEIRO (1985) Escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva e transmitida em 1985. A atriz Claudia Raia interpretava Ninon, uma garota de programa que trabalhava na boate Sexus, considerada o templo da perdição de Asa Branca, onde a trama se passava. Sua chegada à cidade não foi bem recebida pelo padre Hipólito e pelas beatas da cidade.
O REI DO GADO (1996) Foi escrita por Benedito Ruy Barbosa e tratou da reforma agrária e do Movimento dos Sem-Terra por meio do personagem Regino, interpretado por Jackson Antunes. Ele era um sem-terra que lutava contra a violência e a radicalização do movimento. Se opunha à corrupção do governo na desapropriação de terras.
ENTRE O NOVO E A TRADIÇÃO Com o avanço da internet e das mídias sociais, as novelas de televisão, patrimônio cultural brasileiro, veemse obrigadas a oxigenar seu formato, incorporando elementos da internet, para não perderem público
ALEXA ROSATTI MARIANA ALVAREZ MARIANA OLIVEIRA
telenovela no Brasil. Por meio delas é possível retratar diferentes realidades e questionar preconceitos presentes na sociedade.
»»» À primeira vista, uma teleno-
Além de retratar, influenciam com-
vela é apenas entretenimento fácil.
portamentos. “Eu comecei na dança do
Na realidade brasileira, porém, vai
ventre por conta da novela O Clone. Fiz
muito além disso. Ditando moda,
por anos porque amava assistir aqui-
retratando costumes e até mesmo
lo na televisão”, diz Vivian Dinamar-
quebrando tabus, as novelas se tor-
co, estudante de oceanografia. Assim
naram parte do dia a dia do brasilei-
como Vivian, muitas pessoas já aderi-
ro e um marco da televisão nacional,
ram a modismos ligados às novelas.
sendo reconhecidas e respeitadas até mesmo internacionalmente.
Personagens da teledramaturgia inspiram e fascinam um grande público
As telenovelas atingem os mais dife-
com suas manias, jeitos de falar, sota-
rentes públicos, de todas as classes
ques e vestimentas. “Copiei o cabelo e a
sociais e de diversas faixas etárias.
roupa da namorada do Jorginho de Ave-
“Todo brasileiro se reconhece na tele-
nida Brasil. Achava ela demais”, diz Giu-
novela de alguma forma”, afirma Bruno
lia Bonizzoni, estudante de moda.
Lima, autor e roteirista da TV Globo
O público brasileiro sente necessida-
quando questionado sobre o poder da
de de acompanhar cada capítulo e cada
Carminha, vilã de “Avenida Brasil”, ataca a mocinha, Nina | FOTO: DIVULGAÇÃO
AMÉRICA (2005) A telenovela América foi escrita por Glória Perez, que, pela personagem Sol, interpretada por Débora Secco, tratou da imigração ilegal. Transmitida em 2005, a trama contava a história da garota carioca que é atraída pelo sonho americano. Sol se ilude e acredita que nos Estado Unidos conseguirá uma vida melhor.
A FAVORITA (2008) Por João Emanuel Carneiro. A personagem Catarina, interpretada por Lília Cabral, era uma dona de casa abusada violentamente por seu marido, Leo, interpretado por Jackson Antunes. Oprimida pelo marido, quase não saía de casa, mas em uma dessas saídas encontra Vanderlei, interpretado por Alexandre Nero, por quem se apaixona.
CAMINHO DAS ÍNDIAS (2009) Escrita por Glória Perez, fala, principalmente, sobre a cultura indiana e seus marcos mais importantes. Um deles é o sistema de castas, mas também é abordado o casamento arranjado, a longa preparação para o matrimônio, entre outros. Além disso, tratou da esquizofrenia por meio do personagem Tarso.
IMPÉRIO (2014) A trama traz como protagonista José Alfredo, rapaz que deixa Recife em 1989 para tentar a vida no Rio. Durante estadia na casa do seu irmão, Evaldo, se apaixona por sua cunhada, Eliane. A trama também trata do relacionamento homossexual de um homem casado e com filhos, por meio do personagem interpretado por José Mayer.
e de investidores. Em 1967, escrevendo um capítulo em que um terremoto devastador matava 100 integrantes da novela para dar novo rumo a uma trama que não estava fazendo sucesso, a autora Janete Clair conquistou seu espaço na TV Globo e deu início a uma nova era da teledramaturgia da emissora, que veio a se tornar hoje, uma das maiores produtoras de telenovelas do mundo. “Esta foi a melhor época para a telenovela, eu acho. Eram dramas mais psicológicos” disse Ana Rosa, atriz global. Com o passar dos anos, emissoras concorrentes, como Bandeirantes, SBT e Record, começaram a produzir e a importar novelas. Entretanto, a Globo com suas grandes produções se manteve líder de audiência no segmento. “As telenovelas são forte produto de comercialização. As outras emissoras tentam balizar os horários em função da Globo porque ela ainda detém bastante mercado em telenovela. Mas já tem competições fortes de alguns produtos em outras emissoras. O SBT compra muitas novelas de fora, porque é difícil e caro produzir” afirma Jane Aparecida Marques, professora e doutora da USP, especialista em telenovelas. No ápice da dramaturgia nacional, em cena. A novela faz com que as pessoas se
da história acarreta em uma ligação com
1985, estreia Roque Santeiro, escrita por
identifiquem e passem a ver na história
o público que quer ver o que acontece
Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que atin-
criada, sua própria realidade. Assistir e
no decorrer da trama e da vida dos per-
giu recorde de audiência. Essa foi uma
almejar algo retratado na televisão faz
sonagens.
nova versão, pois a primeira, que ocor-
parte da vida do telespectador. Muitas
Mesmo a novela estando presente na
reu em 1975, foi censurada pelo Depar-
vezes pode enxergar ali algo que é dese-
televisão desde 1951, foi em 1965, com O
tamento de Ordem Política e Social
jado para tentar fugir de uma realidade
Direito de Nascer, que o gênero passou
(DOPS), tendo em vista seu conteúdo
que não o satisfaz. Assim, o desenrolar
a crescer e ganhar a atenção do público
crítico à ditadura instaurada na época.
COM FUNÇÃO SOCIAL, INFORMATIVA E ATÉ MESMO POLÍTICA, AS TELENOVELAS TENTAM DRIBLAR TABUS E PRECONCEITOS EM TODAS AS CLASSES Com a virada do século as novelas evoluíram. Agora com mais influência publicitária, elas se tornaram uma grande indústria, e, com o avanço da tecnologia, a disputa por audiência
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aumentou. Tabus e preconceitos Espetacularizando eventos cotidianos e transformando histórias reais em entretenimento, a telenovela se tornou um gênero único no país. Com função social, informativa e até mesmo política, elas tentam driblar tabus e preconceitos existentes na sociedade. Como em Caminho das Índias (2009) quando trataram do tema da esquizofrenia, com o personagem Tarso, interpretado pelo ator Bruno Gagliasso, ou com a novela A Favorita (2008) quando Lilia Cabral interpretou a Catarina, que era violentada pelo marido, trazendo à discussão, violência contra as mulheres. Para a professora de antropologia da USP e doutora em Ciências Sociais, Heloisa Buarque de Almeida, a telenovela expõe os temas com abordagem unidimensional, com debate superficial. O merchandising social, por exemplo, se vê cada vez mais envolvido nas tramas da teledramaturgia. Entretanto, a trama revela aos telespectadores o tema a ser debatido, não necessariamente o
Patrícia Pillar em cena de “A Favorita” |
FOTO: DIVULGAÇÃO
debate concluído. Muito mais do que retratar e ilustrar o que está acontecendo nas ruas, a tele-
cultural, a audiência das telenovelas
ao conteúdo na hora e lugar que prefe-
novela como produto social e cultural
na TV vem caindo nos últimos anos. A
rirem.
tem o poder de influenciar e estimular.
queda de telespectadores, contudo, não
Para Renata Dias Gomes, autora e neta
Pregar a cidadania e ajudar o telespec-
necessariamente significa que menos
do dramaturgo Dias Gomes, a telenove-
tador a refletir sobre os mais variados
pessoas veem novela. Isso porque parte
la ainda é o maior produto cultural bra-
assuntos acaba sendo uma função prati-
da audiência migrou para novos dispo-
sileiro e as pessoas que estão deixan-
cada por ela, segundo Bruno Lima. Para
sitivos. A novela está na internet.
do de assistir as novelas na televisão
o roteirista, a TV reflete as mudanças da
A tecnologia permitiu ao telespec-
migraram para a internet. Acompanhar
tador encontrar outras formas, talvez
comentários pelo Twitter, Facebook e
mais convenientes, para acompanhar
outras redes sociais parece estar se tor-
Audiência
as histórias exploradas na televisão.
nando cada vez mais comum, de acordo
Apesar de seu sucesso como produto
Com a internet, as pessoas têm acesso
com ela. “O que eu vejo é que a internet
sociedade, e não o contrário.
ACOMPANHAR COMENTÁRIOS SOBRE NOVELAS PELO TWITTER, FACEBOOK E OUTRAS REDES SOCIAIS PARECE ESTAR SE TORNANDO CADA VEZ MAIS COMUM
tem mudado a forma de assistir. Muita
ela conta que gosta de acompanhar os
gente assiste depois. Mas as pessoas
comentários em tempo real pelo Twitter
continuam vendo. E os comentários em
e pelo Facebook. “Gosto de ficar aten-
tempo real acabam motivando a assistir
ta aos comentários que rolam antes e
na hora em que a novela passa.”
depois no Facebook. No Twitter é ime-
“O papo que o pessoal tinha antes
diato e isso é muito legal!”
no bar, na padaria, agora é na hora, na
Mesmo com a ascensão de outros
internet. Lógico que não é um hábito de
meios, a novela se mantém no merca-
todo mundo. A conversa do bar conti-
do e na casa das pessoas. “Há casas no
nua existindo e é preciso entender que
Brasil que não têm geladeira, mas têm
público é esse, que comenta a novela
televisão. Então a novela chega a luga-
online”, completa Renata. Como autora,
res remotos e une o país inteiro”
Cenas de novelas já produzidas pela TV Globo | FOTOS: REPRODUÇÃO DE INTERNET
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TUDO PELA AUDIÊNCIA Um dos recursos mais antigos para chamar a atenção de leitores e espectadores ao redor do mundo, o sensacionalismo segue deixando suas marcas na televisão brasileira
O BOM JORNALISMO TEM QUE TER APURAÇÃO, DIVERSIDADE, SER COMPLEXO.
social, principalmente na esfera pública. GIULIA DIAS NAÍLA ALMEIDA
Já para Bruno Quintella, jornalista e roteirista do filme “Tim Lopes – Histó-
»»»Sensacionalismo é aquilo que
rias de Arcanjo”, sobre o seu pai, o papel
transmite sensações, exagero, ato de
do jornalista é social. É fazer um jorna-
emocionar e escandalizar. Segundo o
lismo investigativo que mostre viciados
VIOLÊNCIA
livro “Espreme que Sai Sangue”, de
em drogas e por que as drogas são fruto
Danilo Angrimani, o sensacionalis-
de um problema de saúde pública, que
mo também é usado para ganhar audi-
mostre um arrastão e reflita sobre o que
1.179
ência na mídia, seja em movimento,
o leva a acontecer, que apresente o per-
na televisão, em uma imagem suge-
fil de pessoas, comuns ou célebres, ino-
rida no rádio ou congelada nas pági-
vadoras em suas áreas.
nas do jornal para chocar o público.
Para ele, o sensacionalismo travesti-
As reportagens sensacionalistas
do de jornalismo policial não pode ser
abrangem temas polêmicos e são elabo-
categorizado como jornalismo investi-
radas de forma parcial, para que exis-
gativo. “Qual a investigação que tem ali
ta o vilão e o mocinho da história. No
[nas notícias feitas em porta de delega-
jornalismo, a abordagem está ligada ao
cia]? Você só recebeu uma ligação e fil-
preconceito e a estereótipos criados em
mou a cara de alguém”, relata Quintella.
torno das pessoas. Está muito presente nas mídias de massa, principalmente na televisão, alavancando índices de audiência.
Sensacionalismo na TV A assessora da Conectas diz que filmar o rosto de um suspeito, que ainda não
“Todas as questões relacionadas a esse
passou por um delegado, muito menos
tema são difíceis”, afirma Laura Dauden,
por um julgamento, fere uma série de
assessora de comunicação da Conectas,
direitos humanos. É uma indevida, e
ONG internacional de direitos huma-
arriscada, antecipação de julgamento. “A
nos. De acordo com ela, a imprensa está
pessoa não passou nem por um delega-
dentro de uma sociedade e é o reflexo
do e já é acusada em mídia nacional.” Ela
dela. Isto é, para Laura, o Brasil é um país
acrescenta que a intervenção da impren-
conservador, especialmente em temas
sa no caso agrava essa situação e pode
como violência policial, sistema prisio-
“acabar com a vida do suspeito”. Por
nal, sistema de justiça e direitos huma-
exemplo, ele pode perder seu trabalho,
nos e, portanto, aprecia coberturas par-
e sua família pode receber represálias.
ciais e vilanizadoras.
Laura cita Patrícia Moreira, acusada de racismo contra o goleiro Aranha, do San-
Jornalismo
tos Futebol Clube, durante a partida de
Laura acredita que o papel do jorna-
29 de agosto deste ano em Porto Alegre,
lismo é construir e desconstruir discur-
pelas oitavas de final da Copa do Brasil
sos, o que a mídia sensacionalista não
contra o Grêmio. Patrícia teve sua casa
faz, pois apresenta apenas um lado da
incendiada e perdeu seu trabalho após
história. Para ela, o bom jornalismo tem
a TV mostrar imagens dela xingando o
que ter apuração, diversidade, ser com-
goleiro. Sem direito a defesa, a torcedo-
plexo, apresentar uma camada além da
ra do Grêmio foi julgada por sua atitude
que ouvimos e vemos sempre, ajudar
pela sociedade antes de ser acusada for-
a construir discursos mais complexos.
malmente pela polícia do Estado do Rio
Além disso, precisa ter responsabilidade
Grande do Sul.
é o número de casos de linchamento em todo Brasil, entre 1980 e 2006
25%
dos linchamentos foram motivados por roubos ou sequestros relâmpago
17%
deles foram motivados por casos de homícidio Fonte: Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP)
“QUAL A INVESTIGAÇÃO QUE TEM ALI? VOCÊ RECEBEU UMA LIGAÇÃO E FILMOU A CARA DE ALGUÉM”
“Existe um senso de justiça fora dos parâmetros legais”, comenta Quintella. E isso é perigoso. De acordo com o repórter, o ser humano é o único ser vivo que tem prazer em testemunhar o sofrimento do outro. “Você vê um bandido, um
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assassino, e sente prazer ao ver a humilhação dele nesses programas [sensacionalistas]”, diz. Segundo ele, esse prazer está atrelado ao contexto social em que o público desses programas está inserido, o que o torna intolerante com a violência, que assiste frequentemente perto dele. De acordo com Angrimani, autor do livro “Espreme que Sai Sangue”, o telejornal sensacionalista tem imagens chocantes, exigindo o envolvimento da emoção de seus telespectadores. O primeiro registro de um programa sensacionalista para televisão brasileira é o “Aqui Agora”, exibido pelo SBT a partir de 1991. Programas Durante a década de 1990, junto do crescimento da violência nas grandes cidades brasileiras, a programação da TV no fim da tarde começou a ser tomada pelos programas de jornalismo sensacionalista. Inspirados no “Aqui Agora” surgiram “Cidade Alerta”, da Record, “Brasil Urgente”, da Band, “190 Urgente” e “Programa Cadeia”, da antiga Central Nacional de Televisão (CNT) e o “Repórter Cidadão”, da RedeTV!. O principal componente desses programas é o apresentador que, em sua maioria, adiciona um tom indignado a reportagens geralmente de tragédias ou perseguições. É muito comum também encontrar as “unidades móveis” dos programas, que percorrem a cidade seguindo a polícia. Os helicópteros também são um recurso utilizado, geralmente para mostrar engarrafamentos ou perseguições policiais. Outra atitude comum dos apresentadores é cobrar a polícia
“A PESSOA NEM PASSOU POR UM DELEGADO E JÁ É JULGADA EM MÍDIA NACIONAL”
exemplo, não entram em camburões de polícia”, conta Laura, da Conectas, que concorda com Quintella. Ela acredita que uma cobertura de segurança pública não é bem feita se o repórter está dentro do camburão da polícia, pois ele só conseguirá enxergar as coisas a partir desse olhar enviesado. A medida também contraria um dos princípios jornalísticos, o de que o jornalismo é um quarto poder que fiscaliza os outros três, principalmente as ações do Estado. Dessa forma, o repórter deveria mostrar todos os lados da violência, para que a notícia, a reportagem, seja crítica, responsável e bem embasada. Além disso, esse tipo de programa explora a degradação humana, situações de violência e miséria, dor e sofrimento de vítimas, de olho na audiência. Nas regiões Norte e Nordeste há uma explosão de programas policiais locais, exibidos no horário de almoço. As afiliadas do SBT, da Rede Record, da Rede Bandeirantes, da RedeTV e da TV Diário, do Ceará, são as que mais investem nesse tipo de programação. Audiência “O ser humano de uma maneira geral gosta de coisas curiosas, de coisas engraçadas, coisas que causem impacto”, conta Antônio Rocha Filho, professor de jornalismo da ESPM e ex-editor do extinto jornal “Notícias Populares”,
Laura Dauden, da Conectas, ONG de direitos humanos | FOTO ALEXANDRE
SIVIEIRO
famoso por seu caráter sensacionalista num tom quase humorístico. Ele descreve que quanto mais curiosa, mais bizarra a notícia for, maior será a atração que
por mais ação diante do comportamento dos criminosos.
exerce sobre o público, sobre a audiência. A fórmula sexo-crime-sindicato
De acordo com Quintella, o jornalista
levava as pessoas a comprarem jornal,
deveria se manter numa zona neutra em
segundo o livro “Espreme que Sai San-
relação à polícia, o que não acontece nes-
gue”. “O mercado quer isso”, completa
ses programas. Neles, é comum a ade-
Laura Dauden, da Conectas.
são total ao ponto de vista dos policiais. “Bons jornalistas de segurança pública, como o André Caramante, por
Influência comportamental Segundo
Angrimani,
o
jornal
14/15 Bar sintonizado no programa “Brasil Urgente”, de José Luiz Datena | FOTO NAÍLA ALMEIDA
+ PLURAL NA INTERNET
Use um leitor de QR Code e acesse a íntegra de “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), filme clássico do diretor Billy Wilder que discute o sensacionalismo.
sensacionalista valoriza editorialmente
sensacionalismo se sentem mais tran-
a violência. Os leitores desses jornais têm
quilos para agir, falar e dividir seus
uma formação cultural precária, portan-
pensamentos violentos e reacionários
to, estão mais próximos dos instintos e
quando os percebem nesses programas
suas manifestações. Já as pessoas cultas,
policialescos. “Eles pensam ‘a sociedade
de formação intelectual superior, teriam
pensa como eu, posso agir’”, acrescenta.
os instintos mais “sob controle”, logo sua
Segundo ela, o aumento dessa per-
opção de leitura são veículos mais mode-
cepção de pensamentos e modo de agir
rados, mais racionais.
na mídia sensacionalista têm levado ao
Laura diz que as pessoas leem e assis-
crescimento do número de linchamen-
tem veículos em que suas opiniões sejam
tos em todo o Brasil. Ela atrela essa ques-
legitimadas, se identifiquem e se sintam
tão à falta de checagem e a construções
confortáveis.
irresponsáveis de discursos. Ainda cita o
“Na verdade, os dois públicos [mais
exemplo da mulher linchada no Guarujá
pobres e mais ricos] gostam da catás-
em maio de 2014. Ela foi acusada por uma
trofe, mas o que determina a divisão do
rádio da cidade de sequestrar crianças
mercado, em jornal ‘sóbrio’ e jornal sen-
para rituais de magia negra. Um retrato
sacionalista, é a linguagem”, comenta
falado, com a sua aparência, foi divulga-
Angrimani.
da numa rede social, e a população deci-
Segundo Laura, os telespectadores do
diu fazer “justiça com as próprias mãos”.
Bordões saídos de programas sensacionalistas viram moda Experimente passar uma tarde
há um veículo midiático que não o
assistindo a TV aberta e conte quantos
utilize. A única diferença é a intensi-
programas não exploram a fórmu-
dade com que o assunto é abordado.
la sangue, sexo e crime. Tirando as
“A casa caiu”, “põe na tela” e “o
poucas emissoras que optam por cul-
sistema é bruto” são alguns exem-
tos ou filmes para ocupar sua grade,
plos de quanto a linguagem sen-
programas de caráter sensacionalis-
sacionalista está presente no dia a
ta são as grandes apostas do horário.
dia. As frases, retiradas de progra-
A fórmula de vender uma infor-
mas que dizem fazer jornalismo
mação sem conteúdo é velha. Desde
policial, refletem sua popularidade.
a Roma Antiga, anúncios informa-
“Brasil Urgente”, “Balanço Geral” e
vam a população analfabeta. Se você
“Cidade Alerta”, além de lançar bor-
tentasse ler os primeiros jornais da
dões, alcançam as maiores audiên-
França e dos EUA, o Gazzete de Fran-
cias nas suas emissoras. Os apresen-
ce e o Publick Occurences, o jeito de
tadores dizem mostrar um “Brasil
abordar catástrofes e crimes chocan-
sem cortes e rodeios”, o que torna
tes não seria muito distinto do atual.
a performance em si mais impor-
O Brasil não seguiria um cami-
tante do que o próprio conteúdo.
nho diferente. O estabelecimento da
Entre desfiles de lingerie e pro-
imprensa nacional ganhou informa-
pagandas de programas de dieta,
ções em tom espalhafatoso. Escân-
a apresentadora Luciana Gimenez,
dalos e bizarrices repercutiam e esti-
do “SuperPop”, da Rede TV, promo-
mulavam a leitura. O jornal Notícias
ve discussões polêmicas. Não muito
Populares se tornou referência ao
diferente no SBT, o “Casos de Famí-
usar a ambiguidade e o duplo sentido.
lia”, comandado por Cristina Rocha,
Ele caiu no gosto das classes mais bai-
busca resolver problemas familia-
xas da sociedade. Com a populariza-
res, mas resulta em um grande bar-
ção do televisor, o segredo para atrair
raco. O sucesso dos reality shows
cada vez mais audiência estava ali.
é a prova que o formato se rein-
Hoje, se levarmos ao pé da letra o
venta, inserindo novos atrativos a
significado de sensacionalismo, não
esse circo de escândalos e horrores.
Apresentador comete crimes A princípio, a ideia de que um apre-
a caminhar lado a lado quando as
sentador encomendaria crimes bru-
execuções de traficantes rivais vira-
tais para gerar furos e audiência para
ram furos para o programa de Souza:
seu programa de TV tem lugar ape-
a competição criminosa era elimi-
nas em filmes de terror. Ou tinha, até
nada e transformada em audiência.
que um âncora do Amazonas colo-
Cassado em 1º de outubro de 2009
cou-a em prática no mundo real.
e com prisão decretada no dia 5,
Wallace Souza era ex-policial civil,
Souza passou quatro dias foragido.
deputado estadual pelo Partido Pro-
Após ser preso preventivamente, a
gressista e apresentador do programa
saúde do ex-deputado se deteriorou
“Canal Livre”, transmitido pela anti-
repentinamente. Wallace Souza mor-
ga TV Manaus. Segundo suspeitas da
reu em 27 de julho de 2010, levando
polícia, também comandava o crime
para o túmulo os segredos da busca
organizado no Estado. As ocupações à
por audiência mais brutal e bizar-
primeira vista tão distantes passaram
ra da história da mídia brasileira.
O ser humano de uma maneira geral gosta de coisas curiosas, de coisas engraçadas, coisas que causam impacto. Antônio Rocha Filho, jornalista e professor da ESPM
As pessoas leem e assistem veículos em que suas opiniões sejam legitimadas, se identifiquem e se sintam confortáveis.” Laura Dauden, assessora da Conectas
p
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PERFIL: ASSIS CHATEAUBRIAND
O PRIMEIRO BARÃO DA MÍDIA BRASILEIRA Polêmico e brilhante, Assis Chateaubriand saiu do interior da Paraíba para se tornar dono de um império de comunicações que incluía TV, rádio, revistas e jornais
BARBARA CARAM
jornalista Fernando Morais. O livro “Chatô, O Rei do Brasil” narra em 695 páginas a trajetória do primeiro barão
»»»Foi em Umbuzeiro, na fronteira
da mídia nacional.
entre Paraíba e Pernambuco, no dia
O império de Assis Chateaubriand
4 de outubro de 1892, que nasceu um
começou cedo. Com apenas 15 anos
dos brasileiros mais influentes do
entrou para a faculdade de Direito da
século 20. Francisco de Assis Chate-
Universidade Federal de Pernambu-
aubriand Bandeira de Mello foi jor-
co e estreou no jornalismo escreven-
nalista, empresário, mecenas e políti-
do para os jornais “Gazeta do Norte”,
co. Um dos seus maiores feitos foi ser
“Jornal Pequeno” e “Diário de Pernam-
responsável pela chegada da televisão
buco”. No ano de 1915 mudou-se para o
ao Brasil. Chateaubriand inaugurou a
Rio de Janeiro e colaborou escrevendo
primeira emissora do país, a TV Tupi.
para o “Correio da Manhã”. Em 1924 deu
Conhecido como Chatô, teve sua prin-
o grande passo para a criação da maior
cipal biografia lançada em 1994 pelo
cadeia de imprensa do país e assumiu a
Era interessado em manter seus jor-
“Usava esse instrumento como pé de
nais sempre atualizados e então bus-
cabra”, afirma Dantas. Mas Chatô tam-
cava novas tecnologias, como a máqui-
bém era pessoa de difícil trato. Frequen-
na multicolor, serviços fotográficos que
temente usava chantagem para obter o
possibilitavam a troca rápida de ima-
que queria, pressionava empresas que
gens com o exterior, e a publicidade.
não anunciavam em seus veículos, men-
Segundo Audálio Dantas, jornalista
tia e era temido pelas campanhas jor-
ganhador de dois prêmios jabutis, Chatô
nalísticas que promovia; por exemplo,
foi “o sujeito que mudou a comunica-
contra a criação da Petrobras.
ção brasileira”, aliando uma visão mais
Como mecenas, deu visibilidade a
empresarial ao jornalismo, mudando o
artistas não conhecidos na época, como
mapa da comunicação da época e espa-
Anita Malfatti, Di Cavalcante e Cândido
lhando jornais para o Brasil inteiro por
Portinari. Para Dantas, Chatô tinha uma
meio de sua imensa rede.
capacidade extraordinária para descobrir novos talentos, e esse era seu lado
Televisão
O MASP e cenas da extinta TV Tupi |
mais positivo.
A TV Tupi surge no dia 18 de setem-
Em 1952 Chateaubriand assumiu o
bro de 1950 em São Paulo, quando Chatô
cargo de senador da Paraíba, e, em 1955,
passa a se interessar mais pelo assun-
do Maranhão. Rejeitou o mandato para
to e deixa de lado um pouco os jornais.
assumir a embaixada do Brasil na Ingla-
Em 1951 é criada a TV Tupi Rio. Para que
terra. Em 1954 entrou para a Academia
a emissora fosse criada, alguns radia-
Brasileira de Letras.
listas escolhidos se lançaram na aventu-
Outra grande realização do jorna-
ra. Todos tinham de fazer um pouco de
lista foi o MASP (Museu de Arte de São
tudo: ator virava sonoplasta, autor diri-
Paulo), que criou em 1947. Chatô apro-
gia e diretor entrava em cena.
veitava sua influência política e empre-
A emissora foi responsável pela cria-
sarial para persuadir os grandes empre-
ção da telenovela: os episódios passa-
sários a doarem fundos e obras próprias
vam semanalmente e eram considera-
para o museu. Doou uma coleção parti-
dos ousados na época. A novela “Sua
cular de obras de grandes artistas euro-
direção de “O Jornal”. “O Jornal” foi o
Vida Me Pertence” mostrou o primeiro
peus adquiridas no pós-guerra.
primeiro título dos Diários Associados,
beijo na boca na TV.
FOTOS REPRODUÇÃO DE INTERNET
Em 1960 sofreu uma trombose que o
a cadeia de mídia que seria capitaneada
Muito embora os negócios decolas-
deixou paralisado. Comunicava-se por
pelo empresário. Na sequência, Chate-
sem, a vida pessoal de Chateaubriand
meio de uma máquina de escrever adap-
aubriand comprou o “Diário de Pernam-
não era fácil. Era odiado por uns e
tada. Na mesma época o grupo Diários
buco”, o jornal mais antigo em circu-
amado por outros. Apoiou o movimen-
Associados estava endividado e come-
lação na América Latina; o “Jornal do
to de 1930, que levou Getúlio Vargas ao
çava a entrar em declínio. Em 1967, deu
Comércio”, mais antigo do Rio de Janei-
poder, e por isso conseguiu que Getúlio
à Universidade Estadual da Paraíba o
ro; e o “Diário da Noite”, de São Paulo.
Vargas publicasse um decreto-lei que
primeiro acervo do Museu Regional de
Em pouco tempo, o império cresceu.
lhe deu direito à guarda da filha Teresa,
Campina Grande, que mais tarde rece-
Faziam parte do grupo Diários Associa-
de sua segunda mulher. “Se a lei é con-
beria seu nome.
dos 34 jornais, 36 emissoras de rádio,
tra mim, vamos ter que mudar a lei”,
18 estações de televisão, uma agên-
chegou a afirmar à época.
Assis Chateaubriand morreu em 1968 e foi velado ao lado de duas telas, de
cia de notícias, uma revista semanal
Sua atitude era única. Construiu sua
Velázquez e de Renoir, que continham
(“O Cruzeiro”), uma mensal (“A Cigar-
grande rede de comunicação aprovei-
as três coisas que mais amou: poder,
ra”), revistas infantis e uma editora.
tando sua inteligência acima da média.
arte e mulheres.
18/19 PIXABAY
OLHO NA
TELA ALEXANDRE SIVIERO GIULIA LASERI
»»»A televisão foi trazida ao Brasil pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand em 1950. Por tratar-se de uma tecnologia muito avançada para a época, a TV era um produto caro e considerado elitizado. “Chatô”, como era conhecido, foi responsável pela criação da primeira emissora no país, a TV Tupi, e por trazer 200 aparelhos televisivos dos EUA para incentivar sua utilização no Brasil. O processo de popularização da TV a partir de então foi demorado e gradativo. Antes rara, hoje é onipresente.
20/21
Com o passar dos anos o aparelho foi bara-
de ser repensado”.
teando e mais pessoas se tornaram telespec-
Considerando-a um conjunto de ativida-
tadoras. Segundo Newton Cannito, doutor em
des e programas artísticos, informativos e
Cinema e TV pela Universidade de São Paulo
educativos, o pesquisador de TV Elmo Fran-
(USP), em sua tese “A TV 1.5 – A televisão na
cfort afirma que a televisão cada vez mais
era digital”, a televisão está sofrendo trans-
se segmenta para atingir públicos específi-
formações.
cos. “Antigamente lutava-se para se ter um
Presente em 95,1% das residências no Bra-
programa de um gênero só, e hoje é possí-
sil, segundo dados do IBGE no Censo 2010, o
vel ter um canal para cada gênero específi-
aparelho está se tornando um objeto menos
co”, diz ele. Com a popularização da TV, novas
central nos lares, mas ainda muito importan-
emissoras e programas surgiram e, com eles,
te. Segundo a tese, partindo do princípio de
novas linguagens e funções.
que o cidadão não vá mais se dedicar exclusi-
Segundo Elmo, atualmente a televisão pos-
vamente à televisão como substituto do rádio
sui três funções: a de informar, a de entreter
para acompanhar o dia a dia, o formato “terá
e a de educar seus telespectadores.
COM O AVANÇO DE NOVOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, O FORMATO DA TELEVISÃO TEM DE SER REPENSADO
A TV se segmenta para atingir grupos específicos, como amantes de futebol | FOTO PIXABAY
Informação e entretenimento
e E no mercado de consumo, e essas pessoas estão consumindo muita TV. Isso está fazendo com que cada vez mais jornalismo e entre-
A televisão é um veículo importante de entre-
tenimento se misturem, que tudo fique de
tenimento. Por mais variada que seja uma
uma forma mais leve”, explica a especialista.
programação, grande parte de seu conteúdo
Essa abordagem mais leve no telejornalis-
pode ser associada ao lazer: novelas, progra-
mo é caracterizada pelo teórico norte-ameri-
mas de variedades, filmes e esportes.
cano da comunicação Neil Postman, que afir-
O entretenimento se reinventa e cria novos
ma: “Aceitamos o convite dos apresentadores,
gêneros para acompanhar o perfil de sua
porque sabemos que a notícia não é para ser
audiência. Das novelas para o boom do for-
levada a sério, que é tudo divertimento, por
mato reality show nos anos 2000; da explosão
assim dizer. Tudo sobre um noticiário nos
do formato “série”, que inundou a TV aber-
diz isso – a boa aparência e amabilidade do
ta com conteúdo norte-americano na década
elenco, a sua brincadeira agradável, a músi-
de 1990, ao resgate e renovação do “show de
ca empolgante que abre e fecha o show, os
calouros”, não faltaram horizontes a serem
comerciais atraentes. Tudo isso e muito mais
explorados para entreter o espectador.
sugere que o que acabamos de ver não é moti-
Um perfil novo de espectador motiva uma
vo para chorar. Um show de notícias, para ser
mistura de funções da TV, fundindo o entreter
claro, é um formato de entretenimento, e não
com o informar, conforme explica Heidy Var-
de reflexão, educação ou catarse”.
gas, professora de TV da ESPM. “Está acontecendo uma entrada muito forte das classes D
O tom mais leve da ação informativa da TV não se deve puramente à fusão com o entretenimento. Em “Transformações
22/23
O BOM USO DO RECURSO DO ENTRETENIMENTO PARA TRANSMITIR INFORMAÇÕES NÃO DIMINUI O VALOR DAS NOTÍCIAS, MAS TENTA AMPLIAR SUA REPERCUSSÃO
Antes acessível a poucos, rara e cara, a televisão é hoje onipresente nos lares brasileiros | FOTO PIXABAY
da Política na Era da Comunicação de Massa” (ed. Paulus, 2004), Wilson Gomes
público consumidor garante que mais pesso-
atribui esse fenômeno, no caso do jornalismo
as tenham acesso às informações. Desde que
televisivo, a uma lógica de consumo distra-
a qualidade seja mantida, qualquer aumento
ído da informação: basicamente, a televisão
no número de pessoas atingidas é um sucesso
não costuma ser foco exclusivo da atenção do
para a função informativa do meio.
espectador por mais que um breve período. O
Essa linha de pensamento sustenta tam-
resultado prático se dá na priorização de tex-
bém o uso do entretenimento em áreas ditas
tos curtos e lineares. “Esse princípio é apenas
mais sérias, como política e economia. Na
o indício de que reina uma lógica da diver-
visão de Heidy Vargas, não se trata de dimi-
são, em cujo extremo de realização é presi-
nuir o valor dessas notícias ao mudar a
dido pela afirmação de que nada mais deve
maneira de veiculá-las, mas sim de usar essa
ser solicitado ao destinatário da informação
nova abordagem para atingir outros públicos.
do que um consumo distraído.”
“Se você conseguir falar dos juros do cheque
Vale notar que “consumo distraído” resul-
especial tendo um personagem ou comentan-
ta em informação com menor grau de apro-
do ‘olha, meu cheque mês passado também
fundamento, o que não equivale a pouca
entrou no especial e eu paguei juros, como
qualidade. Uma visão puramente negativa
eu faço pra resolver isso?’, eu acho que você
do padrão informativo próprio da televisão
não perde, eu acho que você aproxima mais
deixa passar um fato importante: um perfil
[a notícia do grupo alvo]”, exemplifica. “Esse
que proporciona maior penetração entre o
público que você está atendendo talvez não
Serviços de televisão sob demanda, como o Netflix, crescem na atualidade| FOTO ALEXANDRE SIVIERO
pare para ler o ‘Valor Econômico’, talvez não
reflete Heidy Vargas. Segundo ela, essa pro-
pare para ler cadernos de economia.”
ximidade faz com que o telespectador se colo-
Trata-se do emprego do entretenimento
que como igual, ou ao menos se sinta à vonta-
tendo como objetivo principal a informação,
de com quem transmite a notícia, o que seria
tendência hoje forte.
uma estratégia básica para fazer com que ele
A aproximação da notícia ao telespectador,
acredite naquilo que o repórter está dizendo.
além de se dar na forma em que esta é trans-
Também é importante lembrar que o ato
mitida, também se traduz na mudança e na
de informar o público não ocorre apenas por
dinâmica dos próprios apresentadores entre
meio do telejornalismo tradicional. Essa fun-
si e com o público. Há uma busca pela per-
ção também compreende programas que, à
sonificação dos âncoras e repórteres fren-
primeira vista, ocupariam apenas a função de
te à audiência, em oposição ao antigo mode-
entretenimento, como coloca Elmo Francfort,
lo do repórter que agia como locutor frio e
pesquisador de TV. “A informação não é ape-
empolado. “O telespectador quer outra rela-
nas um programa jornalístico. Às vezes até
ção com essa pessoa que está do outro lado
dentro de outros programas de variedades
da câmera, uma relação mais próxima. Então
você possui quadros jornalísticos”, explica.
um sorriso, uma risada, uma troca de olhares
Inverte-se então a situação: se até então a TV
valorizam mais a informação, validam-na;
que informa usava do entretenimento para
quem está falando aquilo não é um locutor,
seu benefício, agora é preciso lembrar da TV
é o William Bonner, é a Fátima Bernardes”,
que entretém usando também como isca e gancho a informação.
24/25
Cansados de formatos “caretas”, muitos telespectadores aprovam despojamento no noticiário | FOTO PIXABAY
O telespectador quer outra relação com essa pessoa que está do outro lado da câmera, uma relação mais próxima. Heidy Vargas, professora da ESPM
É o caso, por exemplo, do programa “Mais
não deixam de gerar conteúdo jornalístico,
Você”, da TV Globo, que conta periodicamen-
propositadamente ou não. Ou seja, um pro-
te com a participação de repórteres da emis-
grama de entretenimento que usa da infor-
sora, ou da transição da ex-apresentadora
mação e que acaba por gerar jornalismo”.
do “Jornal Nacional”, Fátima Bernardes, de
Francfort diz que hoje, ao menos na TV
seu posto de âncora para o de apresentadora
aberta, se entretém mais do que se informa.
de um programa matinal próprio: “Encontro
Heidy Vargas concorda. Mas com a crescente
com Fátima Bernardes”.
mescla entre as duas funções, a TV que infor-
É crucial notar que a mudança de área não
ma tem espaço para crescer sem que haja a
lhe tira a qualificação de jornalista. Isso per-
necessidade de lutar com a TV que entretém
mite que a emissora se beneficie da credi-
por espaço na programação. Pelo contrário:
bilidade atribuída ao jornalismo profissio-
o estilo de programa informativo desprendi-
nal para atingir maneiras alternativas de
do do entretenimento, sério e quase acadê-
informar sua audiência. Ao mesmo tempo, a
mico não é mais a norma na TV aberta, é um
atmosfera mais informal de um programa de
produto de nicho da TV a cabo. Migrou para
variedades propicia ainda mais proximidade
os canais por assinatura junto com sua audi-
entre apresentador e espectador.
ência, as classes A e B.
Nesses casos temos o “entretenalismo”.
Tanto na programação paga quanto na gra-
Segundo o mestre pela Universidade de Coim-
tuita, a TV informa e entretém o espectador.
bra e repórter da TVE Bahia, Vanderson Nas-
Se o faz de maneira combinada ou claramen-
cimento, ele é perceptível “quando a função
te separada, depende de um fator que sem-
do programa é entreter por meio de infor-
pre foi crucial para a televisão. Como coloca
mações jornalísticas – notícias, assuntos que
Heidy Vargas, “você tem esses dois extremos.
marcaram o dia ou a semana, divulgação de
Qual o motivo disso tudo? Audiência”.
pesquisas e estudos, dentre outros –, mas que
Função educativa
transmitidos por essa emissora, como Glub
A TV é capaz de influenciar a sociedade como
Glub (1991-1999), Castelo Rá Tim Bum (1994-
um todo. Sua importância é tamanha que o
1997) e X-Tudo (1992-2002).
sociólogo John B. Thompson cita em seu livro
Entretanto, a educação por meio da TV não
“Ideologia e Cultura Moderna” a influência
é dirigida apenas a crianças. Muitos progra-
da televisão no ambiente familiar. Segundo
mas também atingem os adultos, como o
ele, a programação televisiva pode alterar a
Telecurso, transmitido na TV Globo entre 1978
organização das atividades diárias. “Os horá-
e 2007, e o Novo Telecurso, transmitido na TV
rios de programas específicos podem ser um
Cultura desde novembro de 2014. Reconhe-
ponto-chave de referência de acordo com o
cido pelo MEC, o Telecurso oferece escolari-
qual as pessoas organizam suas atividades
dade básica por meio de teleaulas, e, desde
diárias no curso de um dia ou de uma noite.”
1995, já foi implementado em 32 mil salas do
Apesar de ser relacionada com aspectos
Brasil. Outros programas oferecidos pela TV
negativos, como alienação e fuga da realida-
Cultura são reconhecidos como educativos,
de, a TV também pode ser positiva, e pode
como Almanaque Educação, Café Filosófico
abrir caminho para a captação de informa-
e Escola 2.0.
ções pertinentes. Segundo Edmund Carpen-
Gilson Golçalves, balconista de farmácia,
ter e Marshall McLuhan, “hoje, em nossas
terminou o supletivo em 2008 e diz que docu-
sociedades, a maior parte do ensino acontece
mentários e principalmente teleaulas o auxi-
fora da escola. A quantidade de informações
liaram na compreensão das matérias. “Vale
comunicadas pela imprensa, revistas, filmes,
a pena ver, porque são bem explicativos, não
televisão, rádio, excede em grande medida a
deixam dúvida nenhuma”, diz.
quantidade de informação comunicada pela instrução e textos na escola”.
O doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), Marcos Garcia Neira, afirma
Segundo o estudo “EGM Kids”, divulgado
que é possível aprender com a televisão sim,
em 2013 pela empresa de pesquisas Ipsos, 93%
assim como é possível aprender com conver-
das crianças brasileiras assistem televisão.
sas e com a escola. Segundo ele, é importan-
Rafaela Ferraro, 8 anos, é uma delas. Ela diz
te selecionar assuntos para a aprendizagem.
aprender muito com a televisão, principal-
“Não é qualquer programa que deve ser dis-
mente sobre os animais e sobre alimentação
ponibilizado, mas sim aqueles que correspon-
saudável. “Eu aprendi como os animais nas-
dem aos objetivos elencados num dado perí-
cem, onde vivem e muitas outras coisas”, diz.
odo letivo”, diz.
A mãe de Rafaela, Carla, acredita que isso
Marcos reconhece, contudo, que em mui-
é positivo. “Acho ótimo a TV ser um dos veí-
tos casos não há como selecionar programas
culos para ela aprender. Dos desenhos ins-
devido à má qualidade. “Os grupos que con-
trutivos que ela assiste, ela consegue tirar
trolam as mídias são poucos e acabam deter-
muitas informações.” Entretanto, ela tam-
minando o que será transmitido a partir de
bém destaca a importância de ter a televi-
determinado ponto de vista”.
são como um apoio no aprendizado, e não a única ferramenta.
Marcos também afirma que a TV pode ser útil para complementar assuntos que as esco-
Um dos primeiros programas educativos
las não conseguem abranger com tanta pre-
infantis a ser televisionado foi “Vila Sésamo”,
cisão, mas não acredita na possibilidade de
criado em 1969 nos Estados Unidos. O progra-
substituição do sistema educacional tradicio-
ma, elaborado pelo psicólogo Lloyd Morris-
nal pela TV. “Não faz o menor sentido usar um
sett e pela produtora Joan Cooney, foi trazido
programa de TV para ensinar conceitos pre-
ao Brasil em 1972 e transmitido na TV Cultura.
sentes nos livros didáticos ou que podem ser
Outros programas educativos também foram
explicados pelo professor”, pondera.
Não faz o menor sentido usar um programa de TV para ensinar conceitos presentes nos livros didáticos Marcos Neira, educador
FOTO: CADU PADULA
UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE REPORTAGEM
26/27
BASTIDORES
DESAFIO E DIVERSÃO Durante a produção da Plural, encontramos mais obstáculos que o esperado, mas prevaleceu o bom humor BÁRBARA CARAM
uma assessoria e, quando conseguimos,
>>>Quando nos foi apresentado o
percebemos que nem todos estão dis-
tema desta edição da Plural, TV, pen-
postos a conversar com estudantes de
samos que seria um assunto fácil e
jornalismo. Essa foi uma tarefa árdua
simples de ser trabalhado. Na reu-
para toda a equipe.
nião de pauta várias matérias surgi-
Outra consequência desse empecilho
ram com entusiasmo. Horas depois
foi o fato de que algumas matérias caí-
os assuntos e abordagens foram
ram. Por exemplo: 24 horas na TV, que
escolhidos. Hora de fazer, literal-
propunha que a redação da Plural pas-
mente, a revista.
sasse um dia e uma noite inteiros acom-
Ao começar a apuração pudemos per-
panhando o trabalho de uma emissora;
ceber logo um empecilho. Escolher as
e a infância na TV, que trataria de pro-
fontes e contatos para aprimorar as
gramas infantis.
matérias não foi simples e fácil como
Perseverança é a palavra que pode
imaginávamos. O mais difícil é entrar
resumir o trabalho de toda revis-
em contato com essas pessoas. Foi com-
ta, e, consequentemente, desta edi-
plicado achar um e-mail, um telefone ou
ção da Plural. No nosso caso, também
FOTO: BÁRBARA CARAM
Ao lado, Naíla Almeida entrevista o publicitário Washington Olivetto no estúdio de webrádio da ESPM; acima, Mariana Oliveira na redação da Plural
podemos usar a palavra diversão. Pra-
certo”, conta Naíla.
zos precisam ser cumpridos, mas nem
Quando Ana Beatriz foi entrevistar
por isso o humor deixou de contagiar
Bruno Quintella, filho do jornalista Tim
nossa redação. Não foi fácil. Ligar e ligar
Lopes, acabou confundindo os nomes e
e ligar atrás de fontes que muitas vezes
o apresentou como “filho do Tim Maia”.
não querem falar foi um fato recorrente
O acontecido marcou a equipe toda e
nesses meses de produção e apuração,
virou uma brincadeira interna.
porém o sorriso e a sensação de dever
Outro acontecimento que causou ner-
cumprido surgia depois de uns dias ou
vosismo entre um de nossos redatores
semanas.
foi quando Giulia Laseri, no meio da cor-
Entre chocolates e risadas o mundo da
reria para entrar em contato com uma
TV foi se tornando cada vez mais claro e
produtora de um programa educativo,
interessante para cada um de nós.
acabou confundindo-a com uma soció-
Aprofundamos conhecimentos sobre o veículo e tentamos compor nesta edição um panorama a respeito.
A TV mudou o modo de ver das pessoas, eu gostei de escrever sobre esse assunto Mariana Oliveira, integrante da Plural
loga. Eram homônimas. Giulia tentou ainda converter o erro em acerto e entrevistar a acadêmica, mas ela não se encaixava no perfil da
nervosismo
pauta. “Queria muito utilizar a soció-
A entrevista com Washington Olivet-
loga como fonte por causa de sua exce-
to, um dos publicitários mais prestigia-
lente formação acadêmica, mas infeliz-
dos do Brasil, surgiu de forma inespe-
mente a pauta não permitiu.”
rada. As alunas Naíla Almeida e Ana
Tivemos a oportunidade de ver,
Beatriz Queiroz souberam no mesmo
durante esses meses, como funciona
dia em que a entrevista foi feita que o
um ambiente profissional de redação
publicitário estaria na ESPM para uma
de revista. Deadlines, apuração e dedi-
palestra. As perguntas foram formu-
cação foram dando espaço à sensação
ladas horas antes da conversa. “Tive
de dever cumprido.
de fazer a entrevista sozinha e tremia de nervosismo. Mas, no fim, deu tudo
Agora, levaremos para o nosso futuro todo esse aprendizado.
A TV faz parte de nossas vidas, foi legal escrever sobre isso e descobrir novidades Alexa Rosatti, integrante da Plural
28/29
PIXABAY
A TELEVISÃO SOCIAL Cresce participação e interação das emissoras por meio das redes sociais da internet
MARIANA OLIVEIRA
um jogo de futebol ou de uma novela, o
estão se movimentando muito e apren-
usuário acaba se conectando às redes e
dendo a lidar com a internet e as redes
comentando, em tempo real, a progra-
sociais, fazendo delas aliadas”.
»»»Há mais de 60 anos a TV nascia.
mação. Alguns programas, inclusive,
Cada vez mais, as emissoras estão
Há dez, surgia o Facebook, maior
interagem com o telespectador (e tam-
investindo nessa convergência, pedin-
rede social do mundo. Hoje, o ato de
bém internauta) em tempo real, mudan-
do que os telespectadores coloquem
ver um programa de televisão e com-
do conteúdos conforme o feedback.
hashtags e mensagens para que se pro-
partilhar comentários com os ami-
O hábito de consumo de diferentes
gos na internet se tornou um hábito
mídias converge progressivamente.
Para a jornalista e professora de jor-
comum. De acordo com o estudo do
De acordo com o Ibope, 43% dos inter-
nalismo online da ESPM Magaly Prado,
eCGlobal “TV Social – Da TV para a
nautas assistem TV enquanto navegam
as redes sociais “aumentam a informa-
Internet”, 86% dos internautas brasi-
na internet.
ção daquilo que é oferecido, neste caso,
leiros gostam de comentar nas redes o que veem na televisão.
nunciem sobre os programas.
Para o jornalista especializado em
o produto da televisão, seja ele qual for,
televisão e diretor da FreemantleMedia
seja uma novela, jornalismo, uma pre-
Este fenômeno pode ser chamado
Alberto Pereira Junior, “as emissoras
miação ou até debate. A maior parte dos
de uma “segunda tela”, ou também de
estão interessadas no buzz [ruído] gera-
jovens e adultos estão utilizando cada
“Social TV”, mudando a experiência de
do pelos comentários nas redes sociais,
vez mais desses meios para se sociabili-
ver televisão ao agregar outros recursos
medindo assim a popularidade de tra-
zarem, adquirindo informações de qua-
midiáticos. Durante a transmissão de
mas, programas e artistas. As emissoras
lidade, atualizando-se”.
FOTO: NAÍLA ALMEIDA
“As emissoras estão se movimentando muito e aprendendo a lidar com a internet e as redes sociais, fazendo delas aliadas” Alberto Pereira Júnior, jornalista
REPRODUÇÃO DE INTERNET
“[As redes sociais] aumentam a informação daquilo que é oferecido, neste caso, o produto da televisão, seja ele qual for” Trending Topics
Oscar, por exemplo, e discorda ou
O Twitter tornou-se nos últimos anos
concorda com o que está acontecen-
local de encontro para opiniões e dis-
do, e aquelas pessoas que te seguem
cussões variadas, colocando em con-
no Twitter conversam com você a res-
tato milhões de usuários ao redor do
peito disso. Assistindo ao programa
planeta. Segundo o estudo da empresa
Roda Viva, que faz debates, as pessoas
E.Life, de gestão em relacionamento de
vão retuitar o que os tuiteiros do local
redes sociais, a grande parte dos Tren-
estão fazendo, complementar isso com
ding Topics (tópicos mais populares) do
comentários ou perguntas. Desse jeito,
Twitter tem referências em programas
o usuário está, de alguma forma, inte-
de TV, principalmente nas cidades de
ragindo”, explica a professora da ESPM.
São Paulo e Rio de Janeiro.
As redes sociais se tornaram um com-
Os “assuntos do momento” do Twit-
plemento na forma de assistir televisão.
ter são diversos e divididos de acordo
“Estudos apontam que cada vez mais os
com temas como cinema, internet e tec-
telespectadores costumam ver um pro-
nologia, além de datas comemorativas,
grama ao mesmo tempo em que comen-
eventos, esportes e música.
tam sobre ele em seus perfis sociais, que
Magaly Prado acrescenta ainda que hoje “você assiste uma cerimônia do
não têm a priori filtro de publicação”, diz Alberto Pereira Júnior.
Magaly Prado, professora da ESPM
30/31
FOTOS: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL
FUTURO SOB DEMANDA Televisão tradicional começa a dividir espaço com serviços como Netflix e Now
atualmente é possível assistir, quase GIULIA LASERI
»»»“Agora não posso sair, espere
simultaneamente,
programas
A aposentada Maria de Fátima Costa,
do
83, é uma das pessoas que não abrem
mundo todo, pela internet e serviços
mão do horário da novela na televi-
de TV paga.
são. Seu neto, Luiz Fernando Costa,
a novela terminar”, “te ligo daqui
O comerciante Claudio Trevisan, de
34, conta que já tentou ensiná-la a usar
a pouco, estou assistindo televi-
63 anos, ainda se lembra do dia em que
o Netflix, mas ela reluta. “Ela presta
são” e “não me incomode agora,
a televisão chegou à sua casa na década
atenção por dois minutos e logo se irri-
estou vendo o jornal” são frases
de 1960 e de como esse cenário mudou.
ta, dizendo que nunca vai entender”,
ainda comuns no país. Muitas pes-
“Meu pai foi um dos primeiros a com-
diz Luiz. Maria de Fátima explica que
soas acompanham rotineiramente
prar TV em São Caetano do Sul. A família
não consegue acompanhar toda a tec-
a programação da TV, entretanto,
toda vinha em casa e ficávamos mara-
nologia atual. “A televisão é a mesma
com o surgimento de novos servi-
vilhados com toda aquela tecnologia. É
desde que me conheço por gente. Muda
ços, milhares migram para plata-
difícil acreditar que hoje em dia as coi-
alguns botões, mas é quase a mesma
formas como Netflix, Now e outras
sas chegam tão rápido”, diz ele. Claudio
coisa. Essas invenções de hoje, cada
de TV sob demanda.
conta que aos poucos aprende a mexer
hora um botão, uma coisa para clicar,
Diferentemente de décadas atrás,
no Now (serviço da TV a cabo Net). “Às
para mexer. É muito complicado”, diz.
quando os filmes chegavam às bilhe-
vezes cansa ver só tragédia. É legal colo-
A existência de novos produtos da
terias brasileiras meses ou até anos
car um filme e distrair do dia cansativo.
internet, como Youtube, ilustra o novo
depois do lançamento no país original,
É fácil de usar, então eu uso.”
modelo de programação e produção da
TV atual. Os telespectadores de hoje
foi um aspecto importante para inter-
exigem a transmissão de informações
net, mas em 2004, quando foi criado o
em maior quantidade e qualidade em
site Pirate Bay, seu volume cresceu. O
menor tempo. Eles têm a possibilida-
site, que permite o compartilhamen-
de de comandarem a programação.
to e download de qualquer arquivo via
Até então, a reprise de novelas e filmes
internet, permitiu que diversos filmes
dependia da programação das emisso-
e seriados fossem compartilhados –
ras, que nem sempre conseguiam agra-
muitas vezes, sem pagamento devido
dar a todos.
de direitos autorais.
O Netflix foi uma das primeiras
Diante da concorrência, a professo-
empresas a oferecer o serviço de TV pela
ra de telejornalismo da ESPM Heidy
internet no mundo. Fundada em 1997 na
Vargas diz que é necessário repensar
Califórnia, Estados Unidos, chegou ao
estruturas narrativas. O formato atual
Brasil em 2011 disponibilizando o aces-
de telejornal não atrai mais os espec-
so a filmes, séries e documentários via
tadores, que acabam migrando para a
computador, tablet e celulares por R$
internet. “Vejo um público que está can-
14,90 ao mês. No mesmo ano, a empresa
sado da velha fórmula do telejornalis-
de TV a cabo Net lançou o serviço Now,
mo e está buscando um outro tipo de
que oferecia, por meio do decodificador
informação e de entretenimento”, diz
da própria empresa, uma biblioteca com
ela. Heidy também explica que o público
centenas de títulos. Canais segmenta-
não aprecia mudanças, mas que existem
dos, como Telecine e HBO, aproveita-
sinais claros de cansaço visual. Para
ram a boa recepção do público e tam-
isso, ela diz que os diretores e jornalis-
bém apostaram nesses serviços.
tas devem “pensar novas formas de nar-
Entretanto, a televisão não foi per-
rativas com antigos personagens, jor-
dendo espaço somente para esses ser-
nalistas ou celebridades que o público
viços. O download de arquivos sempre
alvo conheça”.
“Vejo um público que está cansado da velha fórmula do telejornalismo e está buscando um outro tipo de informação e de entretenimento” Heidy Vargas, professora de telejornalismo da ESPM
p&r
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ENTREVISTA: BONI
A TELEVISÃO ESTÁ EM FASE DE REVISÃO, À PROCURA DE CAMINHOS O HOMEM QUE REVOLUCIONOU A TELEVISÃO COM O “PADRÃO GLOBO DE QUALIDADE” DIZ QUE O MEIO HOJE TOMOU UM NOVO E SURPREENDENTE IMPULSO EM TODO MUNDO
maior representação do cotidiano braMARIANA CASTRO
»»» Nascido em 1935 em Osasco, na
detrimento da prestação de serviço?
sileiro. Responsabilizou-se por todas as
Não vejo assim. Acho que alterações
áreas da programação, inclusive o jor-
no horário da programação prejudica-
nalismo.
ram a exposição dos telejornais, espe-
Grande São Paulo, José Bonifácio de
Nesta entrevista, Boni conta um
cialmente os de fim de noite como o Jor-
Oliveira Sobrinho, o Boni, começou a
pouco sobre o panorama da televisão
nal da Globo, por exemplo. Uma lástima.
carreira na publicidade. Apaixonado
brasileira atual, as quedas de audiên-
Em compensação, as entradas de bole-
por rádio, logo acabou se envolvendo
cia e até mesmo sobre a influência das
tins informativos durante a programa-
com uma outra mídia, então conside-
novas tecnologias e da internet. Segun-
ção de entretenimento têm sido mais
rada nova e incerta: a televisão. Com
do ele “a televisão, ao lado de entreter
frequentes. Olhando as demais emis-
papel expressivo nas TVs Tupi, Pau-
e informar tem que contribuir para
soras e os horários em que são progra-
lista, Rio e Excelsior, tornou-se mais
melhorar o país, mesmo além de suas
mados os bons telejornais e programas
conhecido na TV Globo, onde estabe-
atribuições”.
de prestação de serviço, a constatação
leceu um padrão de qualidade reco-
Leia a seguir a íntegra da entrevista.
nhecido no mundo todo. Boni estimulou mudanças representativas na teledramaturgia, buscando
é de que eles têm perdido espaço, quando deveriam crescer em volume e qua-
O senhor considera que o entretenimento vem ganhando espaço na TV em
lidade. Não há outro caminho. A informação, o imediatismo, a presença nos
Depende de qual televisão estamos falando. A televisão americana atualmente faz dramaturgia da melhor qualidade. E faz um excelente jornalismo. Não só pelo grande volume, mas pela
RAIO-X Nome: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho Idade: 78 anos Origem: Osasco, São Paulo Ocupação: Sócio da TV Vanguarda Livro: “O Livro do Boni” (2011)
capacidade de pesquisar notícias e de investigar, fugindo das agendas e de fatos previsíveis. A nossa televisão está em fase de revisão, à procura de caminhos. Isso é saudável. Na área do entretenimento, de uma forma geral, está à procura de uma bússola para traçar os rumos. O que faz de melhor é o jornalismo, especialmente o da Globo, que faz, também, de forma primorosa os formatos americanos como o “The Voice”. Nossa televisão faz um péssimo jornalismo quando se debruça sobre o crime e a desgraça, não porque se deva banir esse gênero, mas pelo tempo excessivo que dedica a ele, enchendo horários com conversa fiada em quase todas as emissoras e até com reportagens superdimensionadas em programas importantes como o
FOTO DIVULGAÇÃO
“Fantástico”.
acontecimentos ao vivo são a força da
de publicidade, crescendo em verbas
televisão para competir com qualquer
publicitárias em todo mundo e, segun-
Podemos considerar que as emissoras de TV estão sabendo explorar as novas ferramentas tecnológicas?
mídia.
do todos os institutos de pesquisa inter-
Há muito ainda o que explorar. A inte-
nacionais, tais como a Similar, crescerá
ratividade não chegou como deve. O jor-
A internet se tornou muito presente na vida das pessoas. Ela muda a maneira das pessoas assistirem televisão?
a taxas de 15% ao ano até 2030, enquan-
nalismo conta com um poderoso arse-
to as verbas específicas de publicidade
nal que vai dos celulares interligados
na Internet estarão apenas estáveis. A
às redes das telefônicas aos mochilinks
Sempre haverá mudanças. Mas é
Internet é uma grande loja e o veículo
(transmissores em mochilas conectados
assunto resolvido e definido. São veí-
democrático para expressão tanto pes-
a redes de telefonia para envio de conte-
culos complementares. A Internet não
soal e quanto de grupos. O resto vai ser
údo), drones, câmeras de todos os tama-
ameaça a televisão em nada. Não exis-
pago pelo usuário e não pelo anuncian-
nhos e espécies (com lentes para todas
te mais essa guerra. A televisão nos
te. O usuário da Internet atropela “ban-
as missões), helicópteros de todos os
Estados Unidos está tirando excelen-
ners” e outros anúncios. Simplesmente
portes, links fixos, redes de câmeras de
te partido da existência da Internet,
deleta. O da televisão está atento a tudo.
prefeituras, particulares, redes sociais, repórter amador, enfim, um volume de
expandindo a exibição de seus produtos e produzindo especificamente para o meio. A televisão é o grande veículo
O que a televisão faz hoje de melhor? E de pior?
ferramentas ilimitado que ainda está longe de ser usado com frequência e
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deveria ser coisa de rotina. As oportu-
rede educativa.
nidades de uso são imensas. Mas ainda
Hoje, o governo faz isso. Quan-
hoje a prioridade é o convencional. Vai
do não tinha condição para fazer, a
ter que mudar.
Globo supriu essa deficiência e, por livre e espontânea vontade, produ-
O que se pode dizer das mudanças nas grades de programação ao longo do tempo?
ziu os “Telecursos” e coproduziu o “Sitio do Pica-pau Amarelo” e “Vila Sésamo”. Já o papel cultural é da tele-
Elas são imperiosas. Erros às vezes
visão pública. A TV Cultura de São
permanecem por anos, por não serem
Paulo sempre fez isso com compe-
detectados ou porque os responsáveis
tência, livrando-se da interferência
têm medo de reconhecer a falha. E
do estado. Mas a Globo também con-
se voltar atrás com uma decisão de
tribui na própria TV Globo, na Globo-
programação, o público não vê isso
News, no Canal Futura e em outros
como uma fraqueza do veículo, mas
canais que opera. A televisão brasilei-
sim como respeito. É preciso avan-
ra é a de maior influência no mundo.
çar e saber recuar quando preciso. É
Considerando as condições do Brasil,
primário. O mundo muda. O conteú-
a nossa televisão tem uma tremenda
do tem que se transformar e se ade-
responsabilidade social.
quar às mudanças com a mesma velocidade. Já a grade é o alicerce. Tem que mexer também, mas mexer com muito cuidado, senão a casa cai.
Existe uma tendência de queda dos índices de audiência na televisão? Na televisão brasileira existe queda nos números de audiência, mas não
Qual o papel sociocultural que a TV tem em um país como o Brasil?
queda do volume de espectadores. Pode-se dizer que hoje há mais pesso-
Televisão é concessão de servi-
as vendo televisão do que há dez anos,
ço público e tem que retribuir isso
em razão do aumento de população,
de alguma forma. Ao lado de entre-
quantidade de aparelhos e aumen-
ter e informar tem que contribuir
to de aparelhos por residência, além
para melhorar o país, mesmo além
dos espectadores que ainda não estão
de suas atribuições. O papel da tele-
sendo computados e estão vendo
visão comercial é o de entreter e de
televisão digital nos celulares, ôni-
informar. A função educativa é da
bus, carros etc, segmentos que ainda
FOTOS REPRODUÇÃO “O LIVRO DO BONI”
crescerão significativamente.
“TELEVISÃO É CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO E TEM QUE RETRIBUIR ISSO DE ALGUMA FORMA. AO LADO DE ENTRETER E INFORMAR TEM QUE CONTRIBUIR PARA MELHORAR O PAÍS”
comprar uma assinatura de televisão de até 200 canais livres, mais a
Os serviços de vídeo sob demanda, como o Netflix, são uma tendência? Como isso pode afetar a televisão aberta?
televisão que tem um horário para exibir e você paga para ver (pay per view) e, mais ainda, a televisão na qual você escolhe o que quer ver, na
No mundo inteiro não há mais esse
hora que quiser, que é o VOD (vídeo
conceito de televisão aberta e paga.
on demand). O Netflix faz parte dessa
Só no Brasil se fala nisso. É televisão e
última categoria. Em um determina-
ponto. Nos Estados Unidos, como 95%
do momento, pode tomar a audiência
das residências são cabeadas, ou liga-
de algum canal, mas ninguém passa
das ao satélite, tudo é pago. A Netflix
todos os dias, o dia inteiro, pagando
e a Amazon, por exemplo, são pura-
o Netflix ou outro serviço.
mente televisão. Podem ser um con-
De novo, a palavra-chave é con-
forto, porque se pode ver na hora que
teúdo. Porque pagar se o conteúdo
quiser, mas não uma tendência.
gratuito é melhor? Produções como
Atualmente, em Nova York pode-se
“Madmen”, “House”, “Breaking Bad”, “Game of Thrones”, “Girls” e dezenas de outras são consideradas hoje conteúdos superiores aos do cinema. E são de fato. Temos que entender que a resposta da indústria americana de televisão ao novo desafio é conteúdo. Com a qualidade digital, o tamanho das telas de TV e a pluralidade de
“O PAPEL DA TELEVISÃO COMERCIAL É O DE ENTRETER E DE INFORMAR.”
canais e serviços e a retomada do conteúdo de qualidade, a televisão tomou um novo e surpreendente impulso em todo mundo. E vem aí o UHD (ultra high definition) 4k e 8k. Resta-nos esperar que venham também ao Brasil bons conteúdos e que não fiquemos apaixonados apenas por forma e tecnologia.
TRECHO DE “O LIVRO DO BONI” (2011) “Havia uma diferença básica entre a televisão americana e a brasileira. (...) Na prática, a televisão americana só produzia jornalismo e alguns programas do gênero game show. (...) A televisão americana sempre foi, fundamentalmente, uma exibidora. Já a nossa televisão veio do rádio, do teatro e do circo. Como não tinhamos indústria cinematográfica para produzir, tivemos que formar nossos profissionais e, além de simples exibidora, a TV precisou se tornar, compulsoriamente, produtora de seus programas. Só que não havia onde buscar novos profissionais. Com a falta de astros e estrelas, o único jeito era investir para produzir.”
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Washington Olivetto, um dos publicitários mais premiados do Brasil, em estúdio da ESPM-SP | FOTO CADU PADULA
EQUILÍBRIO DELICADO Publicidade vive desafio de se manter criativa sem desrespeitar públicos segmentados
ANA BEATRIZ QUEIROZ GIULIA DIAS NAÍLA ALMEIDA
Auto-regulamentação Publicitária
McCann. Ele diz que hoje em dia a
(Conar) é mais vigilante e ativo para
maior parte da publicidade produzida
coibir propaganda que faça apologia da
no mundo é ruim. “Anunciantes pre-
violência, uso de drogas, desvaloriza-
ferem metralhar o consumidor com a
>>> Um cavalo selvagem galopa em
ção ou erotização da mulher e, princi-
mesma proposta não criativa, mas com
alta velocidade. Vários “cowboys”
palmente, de crianças.
mídia muito forte”, diz Olivetto, que
correm atrás dele e de outros cava-
Ao contrário de hoje em dia, em que
soma esses fatores ao número baixo de
los, tentando domá-los. Um dos
o cigarro é visto como um malefício à
boas agências e de bons publicitários
homens para e acende um cigarro.
saúde e causador de doenças graves,
para determinar a qualidade da propa-
É dita a frase “só alguns homens
como o câncer e infarto, nos anos 1980,
ganda atual.
sabem que a beleza dos cavalos sel-
o cigarro era sinônimo de liberdade.
vagens está na sua liberdade. Venha
Assim como armas, bebidas alcoólicas
comerciais icônicos, que marcaram a
para onde está o sabor, venha para o
e conteúdo machista e de inferioriza-
televisão brasileira, como Meu Primei-
mundo de Marlboro”.
ção da mulher eram comuns nas cam-
ro Sutiã (1987), interpretado por Patrí-
panhas publicitárias.
cia Luchessi, que ganhou o Leão de Ouro
Essa peça de propaganda foi veicu-
O publicitário é responsável por
lada na televisão em 1988. Hoje, não
Não obstante, “nos anos 80 do século
do Festival de Cannes, e Garoto Bombril
seria veiculada, pois a lei proíbe vei-
passado, no mundo inteiro se produziu
(1978), interpretado por Carlos Moreno,
culação de propaganda de fumo.
publicidade melhor”, avalia Washing-
que ficou no ar por 26 anos, apresentan-
Além disso, o Conselho Nacional de
ton Olivetto, chairman da agência W/
do o total de 337 filmes.
também valorizar a imagem da marca. Para o professor Garcia, “a propaganda adoça, ela ajuda as coisas a acontecerem”, ou seja, cria empatia. Ascensão da Internet Tanto para Rocha quanto para Olivetto, a publicidade na televisão não perdeu espaço para a internet, mas sim, agora, esses meios se completam. “A internet trouxe para o mercado liberdade de tempo e espaço”, avalia Rocha. Segundo pesquisa do IBOPE publicada em agosto de 2014, o investimento em mídia no Brasil, entre janeiro e junho de 2014, foi de 62% na televisão (somada ao merchandising), enquanto a internet recebeu 5% desse bolo. Na opinião de Garcia, a internet é um complemento para a propaganda veiculada nas demais mídias, tornando-a mais ágil, pois além de aumentar a repercussão, há maior integração de linguagens. O consumidor, por sua vez, é atingido diariamente pelas novidades, acirrando ainda mais a competição. Na televisão e em outros meios de comunicação, como jornais, revistas e rádio, existe um espaço pré-determinado para a propaganda. Os filmes publicitários para TV variam entre 30 segundos e um minuto de duração, assim limitando a criatividade de se criar uma histó-
No alto, campanha da Marlboro, que hoje não poderia ser veiculada; acima, peça clássica de Olivetto para a Valisere | FOTOS REPRODUÇÃO DE INTERNET
ria forte e consequente. “Os times da publicidade na internet, esses sim são menos disciplinados”,
“A linguagem era mais audaciosa,
mercado mais desenvolvido que, por
comenta Olivetto. Na opinião dele, os
existia um nível de censura menor do
outro lado, dificulta a propaganda. “A
filmes para internet são mais fáceis de
que existe hoje”, concorda o professor
pluralidade traz diversas versões. Agra-
serem produzidos do que aqueles feitos
Ismael Rocha, diretor acadêmico da
dar torna-se muito mais complicado”,
para a televisão.
ESPM-SP, sobre como era a publicida-
diz Luiz Fernando Garcia, publicitário e
Com a ascensão da internet, segun-
de quando ele começou a trabalhar no
diretor geral de graduação da ESPM-SP.
do Rocha, a ditadura dos veículos em
setor, nos anos 1990.
Antes marcada pela ousadia, atualmen-
relação aos formatos deixou de existir.
Segundo ele, existia uma liberdade
te a publicidade perde um pouco da sua
Agora, a publicidade tem mais tempo e
maior para criar e, hoje, os publicitários
audácia, se comparada aos anos de 1980.
espaço, pois é possível criar um filme de
têm que levar em conta mais cuidados,
Com a fragmentação do público, “você
cinco minutos e publicá-lo no You Tube,
em razão do ideário do politicamente
vai ter que correr o risco de alguém não
atingindo milhões de visualizações e
correto, que limita o uso da linguagem
gostar ou gostar menos de você. Se ten-
segmentando o público-alvo.
mais livre. “Eu entendo que hoje a lin-
tar agradar a todo mundo você vai ser
De acordo com o professor, a internet
guagem é mais cuidadosa, há uma preo-
extremamente insípido, inodoro e inco-
proporcionou mais mudanças à propa-
cupação com o que se diz e com a manei-
lor”, resume Garcia.
ganda, como a disponibilização de ban-
ra como se diz”, expõe Rocha.
Hoje, a simplificação é uma prova
ners nas páginas online e ações em dis-
A valorização do regionalismo em
do amadurecimento da publicidade,
oposição à massificação dos padrões
assim como seu público-alvo. Uma das
A televisão já foi considerada um
sociais é outra característica de um
principais metas não é só vender, mas
veículo nobre para a propaganda,
positivos móveis.
principalmente por conta de sua abrangência de públicos e audiência, mas com a ascensão da internet começou-se a discutir se a TV estaria perdendo espaço para ela. Para Olivetto, a televisão continua
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sendo um veículo forte no Brasil. “O Brasil é um dos países mais analógicos do mundo”, comenta. Ao mesmo tempo, contudo, o país também já é um dos maiores mercados digitais do mundo. Já para Rocha, a televisão não é o meio mais nobre, porém é uma mídia importante, pois impacta pessoas de todas as idades e tem uma penetração muito grande no Brasil. Hoje, a TV está presente em 97,2% dos domicílios brasileiros. Por isso, a dimensão da publicidade nesse meio de comunicação é grande. “A televisão cumpre o papel de mídia de massa nos lares brasileiros”, diz Rocha. Segundo o professor, a TV é um meio imbatível para a publicidade brasileira, porque abrange todas as idades e classes sociais. “Ela é o veículo com a velocidade mais instantânea para pegar a lógica coletiva”, conclui Garcia. “A televisão ainda é a maioria da
No alto, o ator Carlos Moreno, que começou como garoto propaganda da marca Bombril em 1978; acima, peça da AlmapBBDO “Os Últimos Desejos da Kombi”, que venceu dois ouros em Cannes neste ano | FOTOS: REPRODUÇÃO DE INTERNET
nossa mídia, num país em que está cada vez maior o negócio da publicidade”, relata Olivetto. De acordo com
nesse aspecto. Essa criatividade, de
mas onde a comunicação é muito boa é o
o publicitário, o Brasil atualmente é o
acordo com Rocha, é reconhecida em
leste europeu”, conta Rocha. Em países
sexto país que mais investe em publici-
todo o mundo e uma característica do
como Polônia, Hungria e Rússia se pro-
dade, muito perto do Reino Unido, que
povo brasileiro, que pode ser exempli-
duzem comerciais de qualidade, cria-
está em quinto.
ficada com o fato de as empresas brasi-
tivos, com outra linguagem e padrão
leiras terem sobrevivido à inflação de
de apelo e argumentação. Ele destaca
80% ao mês, no passado.
que existem núcleos melhores em cada
Melhor publicidade “Melhor é difícil falar, melhor para
Também na Europa e nos EUA pode
quem?”, diz o professor Rocha. Para ele,
ser encontrada propaganda de alta qua-
é difícil identificar a melhor publicida-
lidade, principalmente na Alemanha e
Olivetto também elogia a publicida-
de hoje, pois deve ser levado em conta o
na Inglaterra. Além desses, “os Estados
de inglesa. “Eu acho que a média deles
que se está medindo: plasticidade, efeti-
Unidos têm uma indústria de comuni-
é a mais forte.” Segundo ele, a média,
vidade, linguagem ou criatividade.
região do mundo, entre eles, os citados acima e Canadá e Espanha.
cação que é única”, diz o professor. Na
o número de comerciais bons que você
“O Brasil é um país muito criativo”,
Ásia, no Japão e na Coréia, da mesma
assiste quando liga a TV em Londres, é
afirma o professor, o que torna a comu-
forma, há uma publicidade muito boa.
superior à de São Paulo, Rio de Janei-
nicação brasileira uma das melhores
“Uma região que conhecemos pouco,
ro, Salvador, Nova York e São Francisco.
FOTO ROSEMARY FERRARI CARAM
COLABORADORES DEZEMBRO DE 2014 // ANO 3 // NÚMERO 6
DESTA EDIÇÃO
ALEXA ROSATTI 19, apaixonada pela cidade de São Paulo Quer dedicar sua vida a viagens e boas histórias. Pretende ir para área de turismo e trabalhar no exterior.
GIULIA DIAS 20, paulistana. Já estudou moda em Nova York, área em que pretende trabalhar. Além da faculdade, se dedica a uma ONG de cuidado aos animais.
ALEXANDRE SIVIERO 23, paulistano. Louco por carros, largou o curso de Engenharia Mecânica para estudar Jornalismo. Sua grande inspiração na área é Hunter S. Thompson.
GIULIA LASERI 19, paulista. Sonha em um dia contribuir de forma positiva para o mundo. Ama cultura e idiomas diferentes. É apaixonada por sua futura profissão.
ANA BEATRIZ QUEIROZ 21, mato-grossense. Gosta de viajar e quer aprender outros idiomas. Sonha em morar no litoral. Odeia fazer planos e tem problemas com prazos.
MARIANA CASTRO 19, paulistana. Ama viajar e sonha em trabalhar nos bastidores da televisão. Persistente, sempre luta pelo que quer. Corinthiana roxa.
BÁRBARA CARAM 19, limeirense. Jornalismo sempre foi sua primeira opção de carreira. Quer trabalhar com moda ou entretenimento.
MARIANA OLIVEIRA 21, paulistana. Adora viagens, cinema, teatro e música. Pretende trabalhar como repórter na TV, cobrindo variedades.
BRUNA SANTOS QUEIROZ 24, paulista. Ama sua família e animais. Gosta de TV, mas pretende ficar atrás das câmeras. Quer se mudar para uma casa, cheia de filhos e gatos adotados.
NAÍLA ALMEIDA 19, paulistana. Quer trabalhar com jornalismo de moda ou em agências de notícias. Ainda quer assistir Lionel Messi jogar no Camp Nou.