NOVEMBRO DE 2013 // ANO 2 // NÚMERO 4 REVISTA-LABORATÓRIO DOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP
ENTREVISTA CRISE DE REPRESENTAÇÃO SERÁ DURADOURA, AVALIA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PROFISSÃO DE RISCO JORNALISTAS QUE COBRIRAM AS MANIFESTAÇÕES SOFRERAM AGRESSÕES DE POLICIAIS E DE ATIVISTAS CULTURA MANIFESTANTES NÃO TÊM MAIS “HINOS”, COMO NO PASSADO, E RAP É A NOVA MÚSICA DE PROTESTO
Partidos políticos, igrejas, sindicatos, mídia; instituições tradicionais foram colocadas em xeque pelos protestos de junho em todo o país, e especialistas falam em crise de representação
QUEM TE REPRESENTA?
e
REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA ESPM-SP Nº4 - 2º SEMESTRE DE 2013
Presidente J. Roberto Whitaker Penteado Vice-presidente Acadêmico Alexandre Gracioso Vice-presidente AdministrativoFinanceira Elisabeth Dau Corrêa Vice-presidente Corporativo Emmanuel Publio Dias Vice-presidente de Operações Hiran Castello Branco Diretor de Graduação-SP Luiz Fernando Garcia Diretor Acadêmico-SP Ismael Rocha Júnior Coordenadora do curso de Jornalismo-SP Maria Elisabete Antonioli Revista Plural revistaplural-sp@espm.br Editor Prof. Renato Essenfelder Revisão Profa. Maria Elisabete Antonioli Prof. Francisco de Assis Tratamento de fotos Prof. Erivam de Oliveira
EDITORIAL
OUVIR AS RUAS Se é verdade que a vida é um grande teatro, somos todos atores. Representamos o tempo inteiro, revezando-nos em múltiplos papéis. Somos pais, filhos, irmãos, namorados, amigos, alunos, trabalhadores, atletas, vítimas e algozes. Ao mesmo tempo, um milhão de personagens. Em um célebre livro de 1959 intitulado “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”, o sociólogo canadense Erving Goffman desenvolvia a ideia do mundo como palco onde se desenrolam as relações sociais segundo determinados figurinos e performances, cenografias e fachadas. Mas, se nós representamos para o mundo uma multitude de papeis, quem, afinal nos representa nesse mesmo mundo? Respostas tidas como tradicionais, como “partidos políticos”, “igrejas”, “sindicatos”, “grupos de mídia”, parecem insuficientes no cenário atual. O mundo mudou, num processo apenas catalisado pela internet e pela utopia da representação direta, sem inter-
Reportagem (alunos do 3º semestre) Alisson de Moraes Beatriz Ramires Carolina Carvalho Catharina Obeid Dora Bessa Giglio Douglas Clementino Giovanna Lupo Giovanna Hueb Henrique Martorelli Lara de Oliveira Santos Lucila Oliveira Luiz Fernando Auricchio Mariana Tegon Mariane Tambelini Paula Lerrer Pedro Fonseca Renato Bonfim
mediários, alimentada pelas redes sociais. Essas instituições já não
Fotografia de capa Lara de Oliveira Santos
ta para aquela inquietante pergunta. Nem seria preciso: o papel do
Agência de Jornalismo ESPM-SP agenciadejornalismo-sp@espm.br Rua Dr. Álvaro Alvim, 123, Vila Mariana São Paulo, SP Tel. (11) 5085-6713
ral e democrático, do que o de apresentar proposições fechadas
Projeto gráfico Márcio Freitas
significando-a em imagens e palavras. Problematizar o mundo em
A fonte Arauto, utilizada nesta publicação, foi gentilmente cedida pelo tipógrafo Fernando Caro.
soas – o que só se faz gastando sola de sapato. Em tempos de crise
parecem dar conta da complexidade contemporânea. Então, quem nos representa? Embalada pelas manifestações que eclodiram em junho deste ano em todo o país, esta edição da Plural se lançou ao gigantesco desafio de destrinchar essa questão. Ao longo de quatro meses procuramos sociólogos, psicólogos, antropólogos, historiadores, economistas, ativistas, jornalistas e políticos para lançar luz ao problema. Fomos às grandes manifestações – de início contra o aumento das tarifas de ônibus; depois, por um Brasil melhor. Entrevistamos desde anônimos na multidão até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi taxativo: a crise de representação que experimentamos hoje é real e será duradoura. No calor dos eventos, não foi possível cravar uma única resposjornalismo, ao informar, é mais o de suscitar o debate público, plusobre o mundo. Há certezas e perigos demais por aí. O papel do jornalismo, tal qual entendido pela equipe desta revista, é o de ir às ruas e captar a pulsação do tecido social, resque vivemos, estourar bolhas, colocar pessoas em contato com pesinclusive no jornalismo, eis o nosso protesto. RENATO ESSENFELDER
ÍNDICE
4/5
Catharina Obeid
página 16
REPORTAGEM DE CAPA Quem são os atores das manifestações que varreram o país em 2013? Conheça mais sobre os integrantes e as ideologias de grupos como Movimento Passe Livre, Anonymous, Fora do Eixo, Mídia Ninja e Black Bloc.
página 6 REFORMA POLÍTICA VOLTA À PAUTA Saiba como funciona o sistema eleitoral brasileiro e conheça as principais propostas de reforma política em pauta no Congresso.
página 10 O HOMEM E A MÁSCARA A máscara que se popularizou em protestos ao redor do mundo é inspirada em um rosto real: o do radical britânico Guy Fawkes.
página 12 ENSAIO FOTOGRÁFICO Pichações por toda a capital paulista se multiplicaram após as manifestações, com pedidos de renúncia de governantes e críticas à PM.
Acervo presidente Fernando Henrique Cardoso
página 36
Catharina Obeid
página 30
Mariane Tambelini
página 48
Luiz Fernando Auricchio
página 12
página 36
página 30
página 48
ENTREVISTA
TRABALHO DURO
CULTURA
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisa, com exclusividade para a revista Plural, o fenômeno das manifestações no Brasil.
Repórteres e fotógrafos que cobriram protestos em São Paulo narram as dificuldades (e agressões) que marcaram essa apuração.
Rap substitui hoje o papel de resistência à opressão que foi das grandes canções de protesto das décadas de 1960 a 1980 no Brasil.
página 26 OS BASTIDORES DA PLURAL A complexidade do tema e os riscos inerentes à cobertura de grandes protestos desafiaram a equipe desta edição.
página 28 PARTIDOS SOFREM DESCONFIANÇA Aos gritos de “sem partido”, manifestantes reiteraram a ausência de lideranças claras nas ruas e rechaçaram militantes partidários.
página 34 MUNDO É PEGO DE SURPRESA Meios de comunicação de todo o mundo manifestaram grande espanto com os protestos no Brasil, que não atravessa crise econômica.
página 44 ATOS VÊM 30 ANOS APÓS AS DIRETAS Apesar dos paralelos óbvios, quem esteve nas ruas nas Diretas Já e hoje vê mais diferenças do que semelhanças entre os períodos.
6/7 Vista do plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, onde estão em discussão projetos de reforma política |
FOTO JOSÉ CRUZ/ABR
A REGRA DO JOGO Entenda como funcionam as eleições majoritárias e proporcionais no país e o que preveem algumas propostas de reforma política em debate atualmente pela maioria simples de votos”, expliLUCILA OLIVEIRA MARIANA TEGON
ca o professor da ESPM-SP Sílvio Henrique Barbosa. Ele ressalta que há uma
»»»O sistema eleitoral brasileiro se
exceção no sistema majoritário: prefei-
divide em duas vertentes: as eleições
tos de municípios com menos de 200 mil
majoritárias e as proporcionais. Na
eleitores, e também senadores, são elei-
forma majoritária, são eleitas as auto-
tos pela maioria simples de votos, não
ridades do Poder Executivo: presiden-
havendo segundo turno nesses casos.
te da República, governador e prefeito. Vale o mesmo para o cargo de
Eleições proporcionais
senador, do Poder Legislativo. Nes-
Outra forma adotada no Brasil é a elei-
ses casos, é eleito o candidato que
ção proporcional, com lista aberta, uti-
receber a maioria absoluta dos votos
lizada para escolher deputados federais,
válidos, ou seja, mais da metade dos
deputados estaduais (ou distritais, no
votos apurados – excluídos os votos
caso do Distrito Federal) e vereado-
em branco e os nulos.
res. “Diz-se que é proporcional com
“Se nenhum candidato atingir a maio-
lista aberta porque o eleitor pode votar
ria absoluta na primeira votação, reali-
tanto no candidato quanto na legenda
za-se um segundo turno entre os dois
partidária, sem especificar o nome de
mais votados. Foi o caso da última elei-
nenhum político”, explica Barbosa.
ção para presidente, em que Dilma
Nesses casos, a apuração soma o total
Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) dispu-
de votos obtidos por partido, acrescen-
taram o segundo turno, que é decidido
do então os votos da legenda e os dos
O sistema parlamentarista tem um político que indiretamente te representa, mas pode trair seus desejos André Graça, advogado
“PARTIDOS PEQUENOS BUSCAM ATRAIR PESSOAS MIDIÁTICAS, FAMOSAS, NA ESPERANÇA DE QUE OS VOTOS DESSAS ESTRELAS PERMITAM A ELEIÇÃO DE OUTROS“ candidatos a ela vinculados. “As vagas são distribuídas de forma proporcional aos votos totais obtidos por partido, ou seja, se o PT recebeu 25% do total de votos [somando candidatos petistas e a legenda PT], poderá
8/9
ocupar 25% do total de cadeiras em disputa”, esclarece Barbosa. “É por isso que um candidato com muitos votos ajuda a eleger outros candidatos de sua legenda ou coligação que tenham obtido menos votos. Dessa forma, partidos pequenos buscam atrair pessoas midiáticas, famosas, na esperança de que os muitos votos dessas estrelas permitam a eleição de outros candidatos do partido [por garantir mais cadeiras à legenda]”, finaliza. Esse é um sistema utilizado em diversos países, como Argentina, Israel e Ucrânia. Reforma política Na esteira das manifestações de junho, voltou à pauta o tema da reforma política. A presidente Dilma Rousseff chegou a propor mudanças no financiamento de campanhas, no sistema eleitoral, no voto secreto no Congresso, nas coligações partidárias e na atual composição dos suplentes de vereadores. O assunto, contudo, esfriou e sumiu da pauta em poucas semanas. Para o advogado André Graça, o Brasil não precisa de reformas nessa área, já que o sistema presidencialista é um dos mais democráticos, elegendo pessoas que tendem a representar o povo. “O sistema parlamentarista tem um político que indiretamente te representa, mas pode trair seus desejos. Então não há necessidade de trocar nosso sistema e sim de ser rodeado de políticos honestos”, pondera. Acompanhe, na página ao lado, algumas das principais discussões sobre reforma política no Brasil.
NA ESTEIRA DAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO, VOLTOU À PAUTA O TEMA DA REFORMA POLÍTICA. A PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF CHEGOU A PROPOR MUDANÇAS
MUDANÇAS EM DISCUSSÃO ELEIÇÕES LEGISLATIVAS
FINANCIAMENTO
Voto misto: é uma combinação
Atualmente, o financiamento eleitoral
do voto proporcional e do voto
e partidário é misto, com recursos
majoritário. Os eleitores votariam
públicos e privados. O financiamento
duas vezes: em um candidato do
privado ocorre via doações de pessoas
distrito e em um partido. Parte dos
físicas ou jurídicas.
parlamentares seria eleita por maioria
Como ficaria: partidos seriam
e outra parte por lista escolhida por
proibidos de receber recursos de
um partido.
pessoas físicas e jurídicas, sendo
Voto puro: o país seria dividido
estabelecido um teto de repasses de
por diferentes distritos, e então os
dinheiro público para os partidos
deputados seriam eleitos de forma
políticos.
majoritária (o mais votado vence), como já ocorre atualmente. Voto em lista fechada: o partido
SUPLENTES DE SENADORES Atualmente os eleitores brasileiros
define uma lista de nomes e os
não votam apenas em uma pessoa
eleitores votam nas siglas. O número
para o Senado. Eles elegem uma chapa
de eleitos seria proporcional aos votos
com um titular e dois suplentes, que
que o partido obteve. Seriam eleitos
assumem o mandato em caso de
os parlamentares conforme a posição
afastamento ou morte do político
estabelecida na listagem.
eleito pelo sistema majoritário.
Voto em lista flexível: o eleitor
Como ficaria: propostas que
votaria duas vezes. Na primeira,
tramitam no Congresso sugerem
obrigatória, o cidadão votaria na
acabar com os suplentes ou reduzir o
legenda. Depois , faria uma escolha
número para apenas um substituto,
facultativa de um candidato da lista
proibindo que familiares integrem a
do partido.
chapa do titular.
COLIGAÇÕES Atualmente, partidos políticos podem fazer coligações nas eleições majoritárias e proporcionais. Como ficaria: partidos poderiam ser proibidos de fazer coligações na escolha de deputados e vereadores, ficando permitida apenas aliança na eleição majoritária (prefeitos, governadores e presidente).
Em outubro, cerca de 3,5 mil PMs foram à Assembleia de São Paulo reivindicar aumento | FOTO MARCELO CAMARGO/ABR
p
10/11
PERFIL: GUY FAWKES
O HOMEM POR TRÁS DA MÁSCARA A figura que aparece em milhares de máscaras mundo afora e virou sinônimo de indignação remete a um radical católico que tentou derrubar o rei da Inglaterra
rival era o rei James 10, protestante, BEATRIZ RAMIRES
que abusava do poder e era tido como
»»»Radical católico britânico, o ho
corrupto e opressor do povo.
mem por trás da máscara que se
Um dia, irritado com as atitudes da
popularizou em protestos em todo
monarquia, o radical se juntou a outros
o mundo nasceu em 1570 em York,
revolucionários para formar a chama-
cidade no norte da Inglaterra, e vivia
da Conspiração da Pólvora, um dos pla-
insatisfeito com o cenário de corrup
nos mais ousados para libertar o povo
ção, impostos excessivos e persegui
inglês da tirania da coroa e colocar no
ção aos católicos na Inglaterra. Seu
poder um rei católico.
Foto Reprodução de internet
Guido Fawkes, ou Guy Fawkes, nasceu em 1570 e tentou explodir o Parlamento inglês por discordar do rei James 10; ao lado, ilustração histórica mostra o radical católico ao lado de seus colegas que conspiraram contra o governo | FOTO LARA DE OLIVEIRA SANTOS
descoberta
Retrato
O golpe, porém, foi descoberto quando
O primeiro retrato de Guy Fawkes foi
o radical e seus colegas notaram, preo-
feito em 1605, no livro “A Conspiração
cupados, que inocentes também pode-
da Pólvora”, que mostra os 13 conspira-
riam se ferir e inclusive morrer durante
dores. Embora seja impossível registrar
a explosão. Eles, então, enviaram avisos
como os rostos são exatamente, é a par-
para que os cidadãos mantivessem dis-
tir dessa imagem que surge a iconogra-
tância do Parlamento no dia do ataque,
fia de Guy Fawkes.
5 de novembro de 1605. Mas, para a infe-
Mas a máscara mundialmente conhe-
licidade dos radicais católicos, o aviso
cida nos dias de hoje foi ilustrada e esti-
chegou aos ouvidos do rei, que ordenou
lizada em 1982, pelo desenhista David
uma revista no prédio do Parlamento.
Lloyd, para a série em quadrinhos “V
Assim, acabaram flagrando o radical
de Vingança”, do roteirista Alan Moore.
Fawkes guardando a pólvora.
A série foi publicada no Brasil, pela pri-
Ele foi preso, torturado e acabou reve-
O radical católico britânico era Guido Fawkes, ou Guy Fawkes: o homem por trás da máscara que se popularizou nas manifestações dos últimos anos.
meira vez, em 1990.
lando os demais conspiradores. Por fim,
Atualmente, o grupo hacker Anony-
foi condenado a morrer na forca, por
mous também utiliza a máscara estili-
traição e tentativa de assassinato. Todos
zada, reproduzida e popularizada pelo
os conspiradores foram executados.
filme “V de Vingança” (EUA, 2005), diri-
Dois meses após o atentado, o Parla-
gido por James McTeigue.
mento transformou o dia 5 de novem-
A imagem foi símbolo também do
Especialista em explosivos e fogos de
bro em data comemorativa para cele-
movimento Occupy Wall Street, que foi
artifício, ele e mais 12 homens planeja-
brar a derrota dos conspiradores. Até
iniciado no dia 17 de setembro de 2011,
ram explodir o Parlamento inglês. Em
os dias de hoje, em cada 5 de novembro
no Zuccotti Park, em Nova York.
uma das sessões do Parlamento, esta-
o rei ou a rainha vai até o Parlamento
Embora o homem por trás da másca-
riam presentes o rei, sua família, par-
para uma sessão especial, sendo man-
ra tenha morrido durante uma tentativa
lamentares e a aristocracia, e o plano
tida a tradição de revistar os subterrâ-
frustrada de revolução há mais de 400
era implodi-lo com 36 barris de pólvo-
neos do prédio para lembrar a desco-
anos, é nele que ainda se inspiram ati-
ra estocados sob o prédio.
berta do complô.
vistas de todo o mundo.
f
ENSAIO FOTOGRÁFICO
TINTA FRESCA 12/13
As paredes de São Paulo ecoaram os gritos dos que foram às ruas protestar, e o concreto serviu de encontro para diferentes ideologias LUIZ F. AURICCHIO LARA DE OLIVEIRA SANTOS
inconformados, 21.out.2013 - luiz f. auricchio
Pichações ao redor de símbolo anarquista pedem que a população não se conforme com o aumento das tarifas do transporte público para R$ 3,20 em São Paulo
IGNORâNcia fardada, 21.OUT.2013 luiz f. auricchio
Ilustração em muro da av. Paulista critica militares; manifestações trouxeram à tona pedidos de mudança na PM
beijos e críticas, 12.OUT.2013 - Lara DE OLIVEIRA santos
Na mesma parede, beijos se misturam a protestos contra o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e a Polícia Militar paulista, acusada de truculência
ataque à mídia, 12.OUT.2013 - Lara de oliveira santos
14/15
Em meio aos protestos, surgiram mensagens contra grandes grupos de mídia
contra o aumento, 21.OUT.2013 - luiz f. auricchio
Pichação em orelhão questiona a tarifa do transporte público
fora, 21.out.2013 - luiz f. auricchio
Com tom imperativo, pichações na av. Paulista pedem a saída da Polícia Militar das ruas e também a renúncia do governador Geraldo Alckmin
OS FOTÓGRAFOS LUIZ F. AURICCHIO » Estudante, tem 21 anos. Ligado ao mundo do skate, gosta de estar sempre em contato com a rua A voz da mudança, 21.OUT.2013 luiz f. auricchio
Colagem em semáforo chama a população às ruas para exigir mudanças
LARA DE OLIVEIRA SANTOS » 19 anos, pretende seguir a carreira de fotojornalista viajando pelo mundo
16/17 Manifestante black bloc pendura mรกscara de Guy Fawkes, associada ao Anonymous, na nuca | FOTO CATHARINA OBEID
O GRITO AGUDO DAS
DA EQUIPE DE REPORTAGEM
»»»No dia 6 de junho de 2013, uma quinta-feira nada convencional em São Paulo, começou a onda de protestos que viria a tomar conta do país. O chamado Primeiro Ato originou-se a partir da iniciativa do Movimento Passe Livre (MPL), que se levantou contra o aumento do preço das passagens dos transportes públicos na capital paulista. Ao contrário do que a maioria esperava, jovens da cidade inteira deslogaram seus Facebooks, largaram seus computadores e se reuniram na região central da cidade, onde tomaram conta de vias como a 23 de Maio, a Nove de Julho e a Paulista, em pleno horário de pico.
Adeptos da tática Black Bloc desafiam a polícia | FOTO DOUGLAS CLEMENTINO
“Nem o maior dos otimistas aguardaria que um dia mais de 100 mil pessoas saíssem às ruas. Mas saíram”, diz Fábio Dias, sóciologo e doutorando pela USP. Até mesmo o grupo de hackers Anonymous, famoso por agir pela internet, derrubando sites de grandes organizações (priva-
18/19
das e governamentais), marcou presença, com seus integrantes utilizando a máscara de Guy Fawkes, símbolo adotado pelo grupo (leia mais sobre Fawkes à pág. 10). A partir daí, os protestos tomaram proporção nacional. Agências bancárias destruídas. Pichações. Cabines policiais derrubadas. Cartazes com frases de efeito. Como reação, a polícia passou a agir de forma mais violenta. Para Dias, a mistura de grupos com diferentes ideais pode ter sido uma das causas . “As manifestações ganharam uma proporção que a esquerda não esperava.” Com a escalada da violência, a tática Black Bloc começou a ganhar adeptos. Criada na Alemanha, nos anos 1980, ela reunia ativistas encapuzados e vestidos de preto para bater de frente com a polícia para que os manifestantes pudessem protestar livremente. Atu-
conectados à internet. Era a estreia oficial da
almente, eles se autointitulam anarquistas;
Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jor-
entretanto, com uma característica peculiar:
nalismo e Ação).
usam a tecnologia a seu favor e mobilizam-se em questão de segundos.
Segundo os ativistas, qualquer um pode ser um ninja, basta ter um celular com câme-
Durante esses acontecimentos, integrantes
ra e internet e disposição de transmitir em
do coletivo Fora do Eixo (FdE), que há anos já
tempo real o que está ocorrendo na sua fren-
iam às ruas gravar manifestos e organizar
te. Mostrar o que a mídia convencional não
encontros para discussões políticas, resol-
mostra é o principal objetivo dos “ninjas”,
veram focar nos protestos de junho e come-
que se declaram “midiativistas”, ou ativistas
çaram a transmitir os conflitos entre mani-
de mídia, e propõem uma cobertura parcial
festantes e policiais ao vivo, usando celulares
e engajada das manifestações – contrariando um dos princípios mais arraigados do jornalismo, a imparcialidade, e gerando discussão entre os profissionais da área.
ANARQUISTAS E MILITANTES DE PARTIDOS, PLAYBOYS, PATRICINHAS E JOVENS DA PERIFERIA: AS MANIFESTAÇÕES REUNIRAM VARIADOS PERFIS DE PESSOAS
Anarquistas e militantes de partidos políticos, playboys, patricinhas e jovens da periferia: as manifestações levaram variados perfis de pessoas às ruas, com pautas às vezes muito diferentes, mas insatisfações comuns. Nas páginas a seguir, a Plural radiografa os principais movimentos envolvidos nos protestos deste ano. (LUIZ FERNANDO AURICCHIO)
MULTIDÕES
120
cidades brasileiras registraram manifestações no dia 20/6
1,4 mi de pessoas foram às ruas no Brasil naquele dia, após revogações dos aumentos das tarifas em várias cidades
5 mil Fora do Eixo: sociedade alternativa
povoam a área externa da casa. O FdE nasceu em 2001 com a perspectiva de descentralizar as atenções dos eixos São
A rua Scuvero, na Liberdade (centro), possui
Paulo e Rio de Janeiro no campo da cultura.
antigas construções: casas, edifícios baixos
“Focar na circulação e distribuição de produ-
e pequenos comércios. Em meio à via pouco
tos ligado à música e realização de festivais”,
movimentada, a residência que mais chama
como explica o autodenominado “ninja”
a atenção, não só por manter o portão entre-
Rafael da Silva Vilela, 24 anos, designer.
aberto mas também pelos grafites em suas
A rede é uma espécie de sociedade parale-
paredes, é a atual sede da rede Fora do Eixo-
la coletiva, na qual as roupas, assim como o
-São Paulo.
único carro da garagem, são compartilhados
Fomos atendidos logo ao tocar a campai-
por todos os 22 moradores da casa. O traba-
nha. Caminhando pela lateral da casa, salta
lho exercido alí não é remunerado, portan-
aos olhos a quantidade de informação dis-
to as despesas da casa, como a alimentação,
persa no ambiente. Avisos educativos, como
vêm de um caixa central, que tem como fun-
sulfites que indicam a presença de bituquei-
ção reunir o lucro dos festivais e dos traba-
ras feitas de garrafa pet e pedidos para man-
lhos realizados e, depois, o distribuir entre as
ter o ambiente limpo, se perdem entre pôste-
seis casas regionais espalhadas pelo Brasil.
pessoas se reuniram em São Paulo no chamado “Primeiro Ato Contra o Aumento da Tarifa”, promovido pelo MPL no dia 6/6
84%
dos brasileiros aprovaram as manifestações, segundo pesquisa Ibope de agosto
res que reforçam a ideologia do movimento.
O aspecto financeiro do coletivo é um dos
Desenhos que defendem o uso de maco-
pontos que mais foram destacados pela mídia
nha, símbolos ouroboros (a mítica serpen-
nos últimos meses. Acusações que giram em
te que morde a cauda), que simbolizam o
torno da moeda criada pelo coletivo, o Fora
tempo cíclico, e grafites de diferentes artistas
do Eixo Card, têm gerado questionamentos. Relatos de ex-integrantes e de
20/21
A REDE FORA DO EIXO DIZ COMBATER O “PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA” FEITO POR GRAVADORAS E PELAS GRANDES EMPRESAS DE MÍDIA
A sede da rede Fora do Eixo em São Paulo | FOTO CATHARINA OBEID
artistas que já fizeram parte da rede apontam acúmulo de dívidas, sexismo e
precisar de um baterista para determinado
dificuldades para desligamento do processo.
festival, e a sede de Belém tiver o baterista e
Ex-participante do FdE, Bruno Kayapy,
precise, por exemplo, de um designer, ambas
27 anos, guitarrista da banda Macaco Bong,
trocam os serviços. Se, nesse caso, o servi-
diz que a economia do Fora do Eixo é basea-
ço do baterista custasse mais caro que o do
da em “atitudes marxistas em que o mérito
designer, sobrariam Cards em Belém.
da obra se torna do Estado, e não do autor”.
Assim, o capital circula na forma de troca
Em outras palavras, o interesse maior do FdE
de favores. “Isso é a economia solidária, você
seria a mobilização, e não a arte.
não precisa de dinheiro para fazer as coisas”,
Gabriel Ruiz, 29 anos, jornalista e produ-
Temos que entender que a gente vive uma crise de representatividade em todos os sistemas Rafael da Silva Vilela, designer e integrante da Mídia Ninja
declara Vilela.
tor musical do Fora do Eixo, reconhece que há
A rede diz combater o processo de “apro-
problemas no processo. “Já avançamos bas-
priação da cultura” feito por gravadoras e
tante, mas ainda deixamos muito a desejar.
pela grande mídia. “Temos que entender que
Temos uma demanda muito grande de artis-
a gente vive uma crise de representativida-
tas e uma estrutura mediana”, analisa. “Se
de em todos os sistemas. Pode ser entendido
você mira o Fora do Eixo como céu, vai encon-
que começa no sistema político, mas passa
trar um inferno”, acrescenta Vilela.
também pelo jornalismo e pela música. Você
Apesar de não receberem salário, os mora-
não quer mais que o jabá da rádio diga qual é
dores da casa dizem continuar lá por “con-
a melhor música para você escutar ou, enfim,
fiança” e “tesão”. Além disso, a lógica eco-
qualquer outro sistema que intermedeie a
nômica de troca permanente os fascina.
relação”, conta Vilela. “Esse é o princípio de
É simples de entender: se a sede paulista
tudo o que a gente faz.” (CATHARINA OBEID)
Mídia Ninja: imparcialidade em xeque Vertente do Fora do Eixo, a Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um grupo de mídia formado em 2011 como um tipo de ativismo sociopolítico. Na época, chegaram a cobrir a Marcha da Maconha e a Marcha da Liberdade. Em 2012, fizeram a cobertura da situação das aldeias Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Mas os ninjas ficaram conhecidos nacionalmente durante as manifestações de 2013. “Nós já fazíamos a Mídia Ninja há um tempo, só demos o nome [agora]”, diz Rafael Vilela. As transmissões ninja ocorrem em fluxo de vídeo em tempo real, pela internet, usando câmeras de celulares e uma unidade móvel que capta os sinais e pode estar montada em carrinhos de supermercados ou até em vans, sempre próximos à ação. A estrutura, assim como a do Fora do Eixo, é descentralizada e faz uso das redes sociais, especialmente o Facebook, na divulgação do material. Apesar do sucesso alcançado, os ataques contra a nova mídia são crescentes. O jornalista Gabriel Tueg, que foi correspondente internacional de diversos veículos nacionais e internacionais em Israel, no período entre
Redação da Mídia Ninja, que fica dentro da casa Fora do Eixo | FOTO CATHARINA OBEID
2004 e 2011, avalia que algumas mídias autônomas são mais confiáveis do que grandes empresas, e isso causa medo, já que, com o avanço das novas tecnologias, pode-se alcan-
Mas se pensar que o jornalismo vem criando
çar um maior número de pessoas.
vários formatos, com tecnologia e maior auto-
Segundo Tueg, a ameaça ficou evidente no
nomia, o que eles fazem é sim jornalismo”. E
programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que
acrescenta que a Mídia Ninja, apesar de acu-
foi ao ar no dia 5 de agosto deste ano e teve
sar as mídias tradicionais de serem enviesa-
como entrevistados Bruno Torturra, funda-
das, incorre no mesmo erro ao tomar partido
dor da Mídia Ninja, e Pablo Capilé, líder do
e mostrar apenas um ponto de vista.
Fora do Eixo. No programa, as perguntas fei-
“Para ser um ninja é preciso ter confiança
tas aos convidados giraram em torno da cre-
e tesão”, resume Rafael Vilela. Não é neces-
dibilidade das coberturas feitas pelos ninjas
sário morar na casa do Fora do Eixo. “Essas
e da polêmica questão de isso ser ou não uma
novas mídias só engrandecem o jornalismo e
forma de jornalismo.
é importante renovar a maneira de o fazer”,
O ex-correspondente também opina sobre
finaliza Gabriel, para quem a Mídia Ninja é
o ofício dos ninjas: “Se você vê o jornalismo
um modelo interessante que, se organizado,
pela formação, a Mídia Ninja não o exerce.
deve crescer. (PEDRO FONSECA)
o envolvimento da mídia internacional e a ascensão de outros grupos (Black Blocs, Mídia Ninja, Anonymous, entre outros) logo se sucederam. A relação entre esses outros grupos participantes das manifestações e o Movimento Passe Livre, no entanto, quase não existe.
Movimento Passe Livre: pela tarifa zero
Foto Lara de Oliveira Santos
“Há condutas que são próximas às nossas, que a gente apoia”, assegura Hotimsky, ressaltando que não há, contudo, contato direto.
22/23
Já com a rede de coletivos Fora do Eixo há “R$3,20 não!”. Nos últimos meses, esse grito
conflitos. “O Fora do Eixo é um grupo que
tem representado melhor o movimento autô-
a gente repudia. É uma empresa capitalista
nomo, apartidário, federalista, horizontal
com trabalho semi escravo”, critica.
e anticapitalista (como se define) que tem
O MPL teve sua grande conquista histó-
como slogan “Por uma vida sem catracas”. O
rica neste ano, quando o prefeito Fernando
Movimento Passe Livre (MPL), apesar de ter
Haddad (PT) e o governador Geraldo Alck-
surgido há oito anos com o principal obje-
min (PSDB) anunciaram, no dia 19 de junho,
tivo de implantar a tarifa zero no Brasil, só
a revogação do aumento da tarifa, totalizan-
ganhou maior destaque na imprensa a par-
do um período de 17 dias dos preços das pas-
tir das manifestações ocorridas no país em
sagens a R$3,20.
junho de 2013.
Após essa conquista, houve um gran-
Batizado em 2005 em Porto Alegre, o movi-
de crescimento do Movimento Passe Livre,
mento surgiu a partir da campanha pelo
tanto interno como externo. “Não só anti-
Passe Livre de Florianópolis, que já existia
gos militantes se reaproximaram, mas tam-
desde 2000. Além disso, em 2003, uma outra
bém houve um espaço midiático e de debate
ação contribuiu significativamente para o
importante. Assim como aconteceu em Sal-
desenvolvimento do MPL. Foi a chamada
vador em 2003, por conta das revoltas contra
Revolta do Buzú, que tomou as ruas de Sal-
a tarifa, a sociedade começa a se questionar
vador a fim de anular o aumento das passagens de ônibus na capital baiana. A ideia de uma cidade brasileira com um transporte público sem tarifa, porém, foi concebida antes de o movimento ser criado. “Surgiu o Movimento Passe Livre e depois fomos descobrir que era uma proposta que já tinha acontecido em São Paulo. Na gestão da prefeita da capital Luiza Erundina, na década de 1990, seu secretário de transporte pensou exatamente nisso: ‘Por que não fazemos um transporte público de verdade?’”, conta Marcelo Hotimsky, 19 anos, representante do MPL em São Paulo e estudante de filosofia na USP.
Acho muito esquisito quando falam em jornadas de junho como se fosse algo que tivesse passado. Estamos vendo manifestações rolando incessantemente desde lá Marcelo Hotimsky, representante do MPL
sobre a tarifa, sobre o transporte em si”, diz Hotimsky. Além disso, ele explica que muitas pessoas começaram a se integrar ao movimento, possibilitando a fundação de novos coletivos, como o do Rio de Janeiro. Mas também houve reveses. No dia 29 de outubro de 2013, quase cinco meses após o início das manifestações em junho, a gestão de Haddad conseguiu aprovar o aumento do IPTU em São Paulo. Segundo Raphael Videira, professor doutor de economia das faculdades ESPM, PUC e Mackenzie, esse recente acontecimento é causado, em parte, pela revogação do aumento. “A prefeitura aumentou o IPTU
A atuação do movimento em São Paulo ori-
pra gerar um aumento de receita pra finan-
ginou-se em 2005 e obteve maior repercus-
ciar esse gasto com os onibus. Se a prefeitu-
são a partir do dia 2 de junho de 2013 com o
ra não fizesse isso, ela ia ter um problema de
aumento da tarifa de R$ 3,00 para R$ 3,20. Isso
dívida no curto prazo”, afirma o especialista.
serviu de motivação para os integrantes do
Bombardeado de mensagens nas redes
MPL da cidade organizarem protestos contra
sociais culpando-o pela alta do IPTU, o MPL
o aumento da tarifa.
voltou às ruas. A meta é tarifa zero. “Acho
O movimento tomou imensas proporções
muito esquisito quando falam em jornadas
e escapou ao controle da direção. Manifes-
de junho como se fosse algo que tivesse pas-
tações em outros 11 Estados, a invasão do
sado. Estamos vendo manifestações rolan-
Congresso Nacional em Brasília, confrontos
do incessantemente desde lá”, conclui Hoti-
violentos entre manifestantes e policiais,
msky. (LARA DE OLIVEIRA SANTOS E PAULA LERRER)
Adepto da tática Black Bloc picha símbolo anarquista em vitrine de banco na av. Paulista | FOTO CATHARINA OBEID
Black Blocs: a violência como tática
e outra ali. Mas quem está quebrando o Brasil são os políticos corruptos’’, conta Piauí, frequentador da av. Paulista e que estava pre-
Encapuzados, vestidos de preto, todos contra
sente no protesto do dia 7 de setembro.
o capitalismo. Conhecidos pelas ações quase
Segundo um integrante do movimento,
sempre combativas ou “violentas”, os Black
um dos principais objetivos é mostrar soli-
Blocs chamaram a atenção da mídia ao colo-
dariedade contra a violência do que chamam
carem a sua estratégia em ação nos protestos
de “Estado Policial” e dirigir uma crítica do
que ganharam força em todo o país.
ponto de vista anarquista. Isso explica os
De acordo com uma das páginas do movi-
diversos casos de confrontos diretos e vio-
mento no Facebook, o Black Bloc não é um
lentos contra a polícia em São Paulo. “Se a
grupo organizado. Ele pode ser encarado
polícia vem com violência, ela será rebatida
como um coletivo temporário de anarquis-
da mesma forma”, acrescenta o integrante do
tas que fazem parte de um todo numa pas-
movimento Jé Alves.
seata ou em um protesto.
Jé Alves, adepto do Black Bloc
“Para entender o Black Bloc, é necessário
Para muitos, Black Bloc é sinônimo de vio-
entender os grandes debates que dividiram
lência e rebeldia. Para outros, porém, o com-
os anarquistas nos primórdios de sua forma-
portamento agressivo é justificável. “Estão
ção”, afirma o pesquisador e especialista em
dizendo aí que os Black Blocs quebram tudo,
anarquismo Felipe Corrêa.
o que é verdade. Quebram uma vidraça aqui
Se a polícia vem com violência, ela será rebatida da mesma forma
O primeiro deles está ligado àqueles que acreditavam que os protestos
deveriam ser extremamente organizados e calculados antes de serem colocados em prática. Conhecidos como organizacionistas, eles acreditavam que cada ação realizada pelo grupo trazia consequências positivas e negativas. Por esse motivo, tudo deveria ser pensado antes da ação. O segundo debate está relacionados aos
24/25
que tinham em mente algo oposto aos organizacionistas. Para eles, consistia na principal ferramenta de sua atuação, e a organização tornava a manifestação algo burocrático. “Eles achavam que a violência por si só poderia gerar movimentos revolucionários, que poderiam conduzir a massa às ruas”, explica Corrêa. Tecnologias como internet, celulares, mensagens instantâneas, entre outras, deram novas características aos grupos anárquicos. Hoje, eventos e protestos podem ser organizados em questão de segundos. “Eles se organizam pelas redes, comunicam-se rapidamente pelo Facebook e Twitter . Qualquer pessoa pode tomar conhecimento do que que eles vão fazer”, observa Rosana Schwartz, socióloga, historiadora e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Esse é um problema que eles têm, de uma certa forma. E estão sendo criticados violentamente pela mídia por não serem muito abertos,
As pessoas que se organizaram na Revolução Francesa, no movimento nudista e até mesmo nos movimentos dos sem terra, por exemplo, também eram consideradas integrantes de grupos sem uma linha definida Rosana Schwartz,socióloga e historiadora
por não terem uma proposta teórica muito fundamentada. Com isso, vândalos, policiais e pessoas de todos os tipos podem se infiltrar e se intitular Black Blocs”, completa. A falta de planejamento cuidadoso dos Black Blocs atuais não inviabiliza seu projeto, diz Schwartz. “As pessoas que se organizaram na Revolução Francesa, no movimento nudista e até mesmo nos movimentos dos sem terra, por exemplo, também eram consideradas integrantes de grupos sem uma linha definida”. De acordo com a socióloga, essa característica faz parte da própria configuração desses movimentos. “Todo esse processo demanda um tempo para que eles amadureçam e se estruturem como movimentos consolidados”. (GIOVANNA HUEB E DOUGLAS CLEMENTINO)
Integrantes do Anonymous em vídeos que são gravados e divulgados na internet com críticas ao sistema político, à Justiça, à polícia e a outras instituições consideradas opressoras | FOTO REPRODUÇÃO DE INTERNET
Anonymous: máscaras contra a opressão Sem se reconhecer como um grupo, mas apenas como “uma ideia de mudança” ou um “desejo de renovação”, o Anonymous ganhou espaço nas últimas manifestações incitando, pela internet, a participação do povo nos protestos. Sem lideranças claras e sem um perfil específico, a chamada “ legião”, como se denominam seus seguidores, oficialmente não existe – e nem pretende existir. “Nós viemos de todos os lugares da sociedade, somos estudantes, trabalhadores, funcionários, desempregados, somos jovens ou velhos, usamos roupas bonitas ou feias. Nós viemos de todas as raças, países ou etnias. Somos muitos. Podemos ser qualquer um e seremos a voz do povo oprimido que clama por justiça e liberdade. Nós somos os 99% da população que se levantam contra a tirania de 1%”, diz vídeo do canal Anonymous Brasil no YouTube. O movimento adota a máscara de Guy Fawkes (leia mais à pág. 10) como símbolo. Dizem querer ser ouvidos, mas não reconhecidos. Não têm filiação partidária, orientação religiosa, posição no campo econômico; declaram-se apenas “pessoas informadas e inconformadas” com o que acontece no país.
Mascarado posa para fotógrafos diante de fogueira em protesto | FOTO DOUGLAS CLEMENTINO
A utopia dos Anonymous é a de “um mundo sem corrupção, em que a liberdade de expressão seja plena”. Eles agem por meio das redes sociais e de ataques a sites governamentais.
Para que o grupo atinja seus objetivos, é
Distribuem ainda mensagens por vídeo, via
necessário manter o anonimato. Poucos inte-
Youtube. Os vídeos são elaborados por mais
grantes se conhecem pessoalmente, pois não
de uma pessoa, mas por meio da edição da tri-
há a necessidade de se expor. “Anonymous
lha sonora, voz e edição de cortes, o especta-
não tem uma infraestrutura centralizada, nós
dor tem a impressão de estar sempre diante
usamos as instalações existentes da inter-
do mesmo apresentador – conforme contou
net, especialmente as redes sociais, e esta-
à Plural, em entrevista por email, um inte-
mos prontos para pular para a próxima se a
grante do grupo que não quis se identificar.
mesma parecer comprometida”, anunciam,
Não existe uma central de conteúdo, o
em vídeo próprio. Segundo um integrante do
máximo que o Anonymous Brasil tem é uma
grupo que não quis se identificar, sem o ano-
equipe de vídeo que é acionada quando neces-
nimato o Anonymous seria facilmente desar-
sário. Dessa maneira, consegue atingir um
ticulado pelas autoridades e perderia a sua
número crescente de pessoas.
força. (BEATRIZ RAMIRES E CAROLINA CARVALHO)
UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE REPORTAGEM
26/27
BASTIDORES
A HISTÓRIA DO PRESENTE Nesta edição, tivemos a oportunidade de narrar um momento histórico no Brasil, vivendo todas as dificuldades implicadas nisso Teríamos a chance de narrar a história do preRENATO BONFIM
sente, como verdadeiros jornalistas.
– Crise de representação? Será que isso vai
ro semestre interessados em participar da
dar certo?
produção impressa se reuniram na Agência
No dia 16 de agosto, os alunos do tercei-
Todos receberam o tema da nova edição
de Jornalismo da ESPM-SP. Inicialmente, 22
da revista Plural com apreensão. Entre pro-
pessoas se candidataram à tarefa de produ-
fessores, questionava-se se os alunos teriam
zir o quarto número da revista Plural. As pau-
maturidade para lidar com uma questão tão
tas foram decididas em conjunto, e os gru-
complexa. Entre os alunos, o tema parecia
pos foram divididos para tocarem nove temas
distante. O que aquilo significava?
propostos.
Mas o editor da revista, professor Rena-
Nossa primeira tarefa foi cobrir uma mani-
to Essenfelder, insistiu no projeto. O tema
festação. No 7 de Setembro, seis alunos foram
estava presente no dia a dia do brasileiro,
às ruas acompanhar as particularidades do
por conta das manifestações iniciadas em
protesto iniciado no Masp, na avenida Pau-
junho, e não poderia passar batido por nós.
lista. O objetivo era capturar imagens e
Foto Renato Bonfim
Foto Renato Bonfim
Foto Douglas Clementino
Alunos em ação durante manifestações em São Paulo entrevistas. “Ainda no Masp, gravei alguns
foram canceladas diversas vezes. “Ficamos
depoimentos, fotografei e conversei com
por mais de um mês contatando inúmeras
algumas pessoas”, conta o aluno-repórter
pessoas do MPL. Entrevistas foram desmar-
Douglas Clementino, 24 anos.
cadas e fomos ignoradas várias vezes. Até que
Nossas pautas demandavam fontes que, sabíamos, seriam difíceis de contatar. Adep-
o Marcelo Hotimsky finalmente conseguiu nos atender”.
tos da tática Black Bloc, por exemplo. Conquistar a confiança dos entrevistados não foi
Medo
tarefa fácil. “Abordávamos eles e as respos-
Ir às manifestações, para Giovanna Hueb,
tas eram sempre as mesmas: como posso con-
foi uma dessas experiências que trazem ao
fiar em você? Como vou saber que vocês não
mesmo tempo receio e aprendizado. “A sen-
irão manipular a matéria?”, lembra Douglas.
sação de ouvir bombas de efeito moral estou-
A estudante Giovanna Hueb, 19 anos, expli-
rando é angustiante, e não saber onde essas
ca que era preciso ficar atento a detalhes na
bombas vão cair é mais ainda. Mas tudo aqui-
hora de abordar personagens das manifesta-
lo precisava ser relatado, e a câmera fotográ-
ções. “Tudo ali contava. A roupa, os objetos,
fica era a nossa maior arma”, relata.
o modo de falar, tudo isso poderia influenciar
Após pouco mais de três meses de trabalho
no modo como éramos vistos pelos integran-
e agora com 17 integrantes, podemos concluir
tes. Mas no fim deu tudo certo”.
que a Plural nos proporcionou experiências
As dificuldades para conseguir entrevis-
inéditas e reforçou a ideia de que a persis-
tas também estiveram presentes na pauta
tência é um dos principais atributos para
sobre o MPL (Movimento Passe Livre). “Esco-
um bom jornalista. Persistência que este-
lhi essa matéria justamente porque eu conhe-
ve presente desde o início, quando defende-
cia alguns envolvidos do movimento e achei
mos um tema julgado complexo demais, até
que seria fácil entrar em contato”, afirma
os momentos em que insistimos em entrevis-
Lara de Oliveira Santos, 19 anos. No entan-
tas e na participação em manifestações para
to, as conversas com os integrantes do grupo
entender melhor o fenômeno.
28/29 Manifestantes erguem cartazes com críticas a “politiqueiros” durante ato em São Paulo | FOTO DOUGLAS CLEMENTINO
PEDRO NEVES RENATO BONFIM
»»»Gritos de ordem e ações contra partidos políticos foram comuns durante manifestações desde junho. O mote “sem partido” foi dito em diversos momentos pelos que protestavam enquanto as legendas políticas tentavam participar das reivindicações nas ruas do país. Para o sociólogo e professor da Fundação Getulio Vargas João Marcelo Ehlert, a aversão a lideranças partidárias em manifestações não é uma novidade. “Em
SEM PARTIDO Manifestações evidenciaram desconexão entre agremiações políticas e a sociedade; durante os protestos, militantes de partidos políticos foram hostilizados, e suas bandeiras, queimadas
forma hierárquica de poder proposta
para eleição de deputados são postos
pelo atual sistema político, no qual a
em xeque. O historiador e professor
ordem política é em forma piramidal,
da ESPM-SP e do Centro Universitário
onde o “topo” é escolhido pela “base”.
Belas Artes, Sidney Ferreira Leite con-
Os manifestantes buscam uma forma
corda: “Os manifestantes são contra a
horizontal de governo, sem lideranças
participação dos partidos políticos por-
e com pontos de vista diferentes inte-
que veem nesses a causa da corrupção
ragindo. “O modelo político atual não
que invadiu o campo da política no país.
mostra nenhuma perspectiva de futuro.
Há um desejo de pureza e de mãos lim-
As manifestações sem lideranças evi-
pas, que, de certa forma, é legítimo e
denciam a situação, correndo por fora,
uma das principais bandeiras dos mani-
propondo uma inovação no atual siste-
festantes”.
ma”, completa Santiago.
Para Leite, ainda não houve uma res-
Inicialmente propostos pelo MPL
posta às reivindicações por uma refor-
(Movimento Passe Livre), os atos de
ma no sistema. “As manifestações reco-
junho proliferaram pelo Brasil, levando
locaram a reforma política na ordem
às ruas pautas como a falta de estrutura
do dia, mas não promoveram as dis-
no Sistema Único de Saúde (SUS), críti-
cussões. As estruturas políticas, espe-
cas à proposta da PEC37 (que restringia
cialmente as mais arcaicas, demons-
o poder de investigação do Ministério
tram um enorme poder de resistência.
Público) e até pedidos de renúncia de
Os movimentos de junho não abalaram
políticos eleitos.
essas estruturas e grupos, que estão
Santiago acredita que a falta de alguém que comande as manifestações
agora barganhando espaços e cargos para as eleições de 2014”.
não abalou a organização e estimulou ainda mais a pluralidade de pautas discutidas. “Se houvesse uma liderança, ela canalizaria as pautas. A ausência proporcionou a diversidade de assuntos”. Para Ehlert, as manifestações de junho eram mais concentradas e massivas, e agora elas se proliferaram e estão manifestações nos anos 1980, em
mais dispersas, com menos pessoas.
movimentos estudantis, as pessoas já criticavam a hegemonia de lideran-
Reforma política
ças partidárias”.
A insatisfação da população com o atual
Na avaliação de Ehlert, a diferença
sistema apareceu em pesquisa divul-
dos protestos da década de 1980 para os
gada pelo Ibope em agosto. A revol-
de hoje é que, embora criticados, os par-
ta é o principal fator que desencadeou
tidos conseguiam organizá-los.
as manifestações para 37% das pesso-
Pesquisa realizada pelo Ibope e publi-
as, enquanto 32% afirmaram que os pro-
cada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”,
testos surgiram após a sensação de des-
em 19 de janeiro deste ano, mostrou que
caso por parte da classe política.
56% dos brasileiros hoje não se identifi-
A pesquisa ainda atestou o desejo de
cam com nenhum partido político. Para
reforma política por 85% dos brasileiros
Homero Santiago, professor de Filoso-
– quesitos como a estrutura de finan-
fia da USP, houve um esgotamento da
ciamento de campanhas e as regras
O modelo político atual não mostra nenhuma perspectiva de futuro. As manifestações sem lideranças evidenciam a situação João Marcelo Ehlert, sociólogo
30/31
NO OLHO DO FURACÃO Jornalistas enfrentam violência tanto de policiais quanto de manifestantes para conseguir fazer a cobertura dos protestos
da “Carta Capital” Lucas Conejero, e o
diz que a cobertura foi estressante. “Os
do fotógrafo Sérgio Andrade Silva, que
percursos eram longos e, após a repres-
ficou cego de um olho após ser atingi-
são policial, os grupos acabavam se
do por uma bala de borracha enquanto
espalhando por grandes áreas, e isso
trabalhava para a agência Futura Press.
gerava um baita desgaste físico. Sem
no Brasil ficaram marcadas por um
Para obter um bom material, prin-
contar que o perigo de ser atingido por
grande número de agressões, por
cipalmente em protestos, o jornalista
instrumentos de repressão policial era
parte da polícia e por parte de mas-
precisa saber se posicionar. “Eu pode-
enorme. O gás lacrimogêneo é até tran-
carados adeptos do Black Bloc. E, de
ria fazer uma palestra de como um jor-
quilo perto das cacetadas e das balas de
ambos os lados, os jornalistas pare-
nalista tem que se posicionar nas mani-
borracha”.
cem ter virado alvo.
festações. Você tem que estar paralelo
BEATRIZ RAMIRES GIOVANNA LUPO HENRIQUE MARTORELLI
»»»As manifestações que ocorreram
Alguns casos de agressões a profissio-
às pessoas e à polícia. Você não pode
Terror
nais da imprensa chamaram a atenção.
ser confundido com o pessoal [os ati-
O que chamou a atenção dos jornalistas
Dentre eles, o da jornalista da “Folha de
vistas]”, comenta Conejero.
nos primeiros dias de manifestação foi,
S. Paulo” Giuliana Vallone, o do repórter
Eduardo Roberto, repórter da “Vice”,
principalmente, a posição dos policiais
AGRESSÕES
102
casos de violência contra jornalistas foram registrados pela Abraji durante a cobertura das manifestaçoes.
77
casos dizem respeito à violência de policiais contra jornalistas. Nos demais episódios, a agressão veio de manifestantes.
Jornalista cobre manifestações na av. Paulista | FOTO CATHARINA OBEID
contra quem estava lá a trabalho. Vários
Movimento Passe Livre (MPL).
repórteres, fotógrafos e cinegrafistas
“Eu vi ele (o policial militar) mirando
acabaram, de alguma forma, agredidos.
em mim, mas jamais imaginei que ele
“Eu estava prestando muita atenção
fosse atirar, porque já tinham mirado
filmando e não vi a polícia chegando.
em mim outras vezes naquela noite e
Os manifestantes começaram a atirar
ninguém tinha atirado. Eu estava fazen-
coisas na polícia em posição diagonal, e
do meu trabalho, e eu sou mulher. Você
eu não percebi, e acabei sendo atingido
não imagina que um cara fardado, com
porque fui confundido com um mani-
uma arma, vai atirar na sua cara”, afir-
festante”, diz Lucas Conejero, que foi
mou a jornalista Giuliana Vallone, em
agredido durante as manifestações em
depoimento à “TV Folha”. Ela foi atin-
São Paulo. “Fui atingido com uma bala
gida no olho por uma bala de borracha
de chumbo na orelha, na direção do
enquanto cobria uma manifestação no
olho. Por sorte não fiquei cego”, fina-
dia 13 de junho. “A Giuliana foi atingida
liza ele, que também já foi militante do
de uma maneira covarde. Ela não foi ferida em um confronto,
IMPUNIDADE O primeiro semestre de 2013 foi o mais violento, em dez anos, para jornalistas do continente americano, segundo dados da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Entre março e setembro, 14 jornalistas foram assassinados na América Latina, dois deles no Brasil. Todos os casos permanecem impunes.
“CHEGOU UM PONTO EM QUE JORNALISTA TINHA QUE IR SEM IDENTIFICAÇÃO, FILMAR E FOTOGRAFAR COM CÂMERAS DE CELULAR”
ela foi ferida parada”, complementa Conejero. Esse caso foi um marco na cobertura dos protestos. Celebridades postaram fotos em redes sociais em homenagem a Giuliana, e houve ainda uma ação, idea-lizada por fotógrafos, batizada de “Dói
32/33
em Todos Nós”. Os jornalistas tinham duas preocupações: cumprir seu trabalho e se proteger. “Há sempre um limite tênue de onde você deve estar para acompanhar a truculência da polícia militar”, diz Piero Locatelli, também da “Carta Capital”, que foi preso durante uma manifestação por estar portando vinagre – substância que supostamente ameniza os efeitos de aspirar gás lacrimogêneo. “Chegou um ponto em que jornalista tinha que ir sem identificação, filmar e fotografar com câmeras de celular. Não poder exercer sua profissão, na cobertura de protestos, por conta de repressão policial é muito difícil para um jornalista. Depois a violência policial com jornalistas diminuiu, mas com os manifestantes permaneceu, e os jornalistas passaram a se preocupar com os manifestantes”, completa Locatelli. De fato, a violência partiu de ambos os lados, acuando jornalistas. Principalmente equipes de veículos maiores, da chamada “grande mídia”, sofreram represálias. Carros de reportagem foram quebrados, tombados e incendiados. Profissionais da imprensa, favoráveis ou não aos protestos, foram impedidos de produzir suas matérias – e em alguns casos tiveram de se esconder para não serem agredidos. Dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) revelam que, desde junho, quando começou a onda de protestos, os manifestantes foram responsáveis por 25 casos de agressão contra profissionais da imprensa, dentre as 102 ocorrências identificadas. A maioria dos casos se
Fotógrafo registra manifestante | FOTO DOUGLAS CLEMENTINO
CARROS DE REPORTAGEM FORAM INCENDIADOS. EM ALGUNS CASOS, PROFISSIONAIS TIVERAM DE SE ESCONDER PARA NÃO SEREM AGREDIDOS
concentrou contra jornalistas de veícu-
Ao contrário de vários colegas, Eduar-
los mais conhecidos, ligados a empresas
do Roberto, repórter da “Vice”, diz que
como Grupo Estado, Grupo Folha, Edi-
o veículo para o qual trabalha ajudou
tora Abril, Rede Globo, SBT e Record .
a abrir portas. “Várias coisas só conseguimos apurar e fazer justamente por-
Cerco
que a ‘Vice’ tenta ao máximo reportar
No protesto de 24 de junho, Coneje-
e entender esses fenômenos da manei-
ro chegou a ficar “entrincheirado” ao
ra mais justa possível. Isso tem aberto
lado do jornalista da TV Globo Caco
muitas portas para a gente”.
Barcellos e de um câmera do “Profissão Repórter”. “A polícia estava jogan-
heterogêneos
do coisas nos meninos [manifestantes],
Roberto aponta as principais dificul-
e os meninos estavam jogando coisas na
dades da cobertura, ainda quando as
polícia. A gente ficou no pior buraco da
manifestações ganhavam corpo. “A
praça da Sé. De repente, dispersou todo
principal era saber efetivamente o que
mundo, ficamos sozinhos. Não tínha-
está acontecendo. Especialmente nas
mos como sair: estávamos com vários
jornadas de junho, o grupo era sempre
equipamentos e não dava para passar no
heterogêneo, então era difícil saber pre-
meio da ‘cracolândia’. Pedi uma carona
cisamente quem ou o que fazia parte
e fomos embora”, explica
daquilo”.
Conejero conta, ainda, que deu um
Piero Locatelli completa: “Existem
conselho ao repórter da Globo. “Ele
muitas dificuldades na cobertura de
[Caco Barcellos] estava lá como qual-
protestos. Dentre elas, saber o quadro
quer outro jornalista. Pessoas mais
geral do que aconteceu, se o protesto foi
engajadas ou que gostam do assunto
pacífico ou não, e lidar com a falta de
sabem quem é Caco Barcellos, sabem
precisão de qualquer informação, como
da história dele. Eu falei ‘Caco, as pes-
quantas pessoas estavam no local”.
soas sabem quem você é e te respeitam,
Contra os obstáculos, comuns à rotina
mas do resto da militância não dá para
da reportagem, a receita dos profissio-
pedir isso’. Ele foi visto como represen-
nais é uma só: apurar incansavelmente
tando a Globo”.
todos os lados de uma história.
Existem muitas dificuldades na cobertura de protestos. Dentre elas, saber o quadro geral do que aconteceu Piero Locatelli, repórter da “Carta Capital”
Fui atingido com uma bala de chumbo na orelha, na direção do olho. Por sorte não fiquei cego Lucas Conejero, repórter da “Carta Capital”
HENRIQUE MARTORELLI MARIANNE TAMBELINI
»»»O Brasil parecia viver um bom momento – ao menos, é o que os números indicavam. Segundo o IBGE,
34/35
a taxa de desemprego caiu pela metade em menos de dez anos: de 12,3%, em 2003, passou para 5,2%, em outubro de 2013. No mesmo período, o salário mínimo subiu de R$ 240 para R$ 678. A popularidade dos presidentes batia recordes. Lula deixou o cargo em 2010 com 83,4% de avaliação boa ou ótima, de acordo com o Instituto Sensus. Dilma Rousseff estava com 79% de aprovação em março de 2013, segundo o Ibope. Paralelamente, 32 milhões de pessoas ascenderam à classe média e quase 20 milhões saíram da pobreza na última década. Esse cenário, aliado à escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo
Manchetes de veículos estrangeiros sobre o Brasil | REPRODUÇÃO DE INTERNET
de 2014 e do Rio de Janeiro para receber as Olimpíadas de 2016, transmitia a imagem de uma potência mundial emergente. Então começaram os protestos. Cerca de 300 mil pessoas foram às ruas entre os dias 12 e 17 de junho. No dia 20 do mesmo mês, mais de 1,4 milhão, em 120 cidades, aderiram às manifestações. “Naquele momento ficou claro que o movimento estava tomando outra dimensão. Até a semana anterior era um
OLHAR ESTRANGEIRO Repórteres estrangeiros demonstram surpresa com protestos em um país com baixo índice de desemprego
movimento pelo passe livre, contra o aumento de R$ 0,20”, relembra Veronica Goyzueta, correspondente do jornal
comenta Felipe de Moraes, universitá-
Spiegel” chegou a comparar as mani-
espanhol “ABC”.
rio que participou das manifestações.
festações com os protestos que antece-
A cobertura jornalística dos protes-
A violência policial na repressão às
deram a queda do Muro de Berlim em
tos proliferou rapidamente. Para tanto,
manifestações acabou se tornando o
contribuiu o fato de os protestos ocor-
fato que mais chamou a atenção dos
No dia 22 de junho, o semanário ale-
rerem durante a Copa das Confedera-
principais veículos europeus. Imagens
mão “Die Zeit” publicou um artigo com
ções, quando as atenções de parte da
fortes foram estampadas nas capas dos
o título “Obrigado, Brasil”. Na publica-
imprensa internacional já estavam vol-
jornais. Na França, na Espanha e na Itá-
ção havia agradecimentos e elogios ao
tadas ao país. “A intenção era mostrar
lia, as capas das edições online de diver-
povo brasileiro. Segundo o periódico, os
para o mundo que estamos insatisfeitos
sos veículos tinham fotos da brutalida-
brasileiros “prestaram um grande favor
com as medidas tomadas pelo governo”,
de policial. Na Alemanha, o jornal “Der
ao mundo”. A reportagem também
novembro de 1989.
O “NYT” RESSALTOU QUE AS MANIFESTAÇÕES PEGARAM OS POLÍTICOS DE SURPRESA, CONSIDERANDO UM CENÁRIO DE ESTABILIDADE ECONÔMICA
enfatizou que os protestos são uma
com as ocorridas na Turquia também
prova “do amadurecimento democráti-
neste ano.
co de um país”. Nem a Fifa escapou do editorial, que afirmou que os manifes-
capa do nyt
tantes deram “uma lição” à entidade.
O “The New York Times”, um dos jor-
Os jornais ingleses estamparam poli-
nais mais conhecidos do mundo, repor-
ciais jogando bombas de efeito moral,
tou em sua capa que “protestos crescem
disparando balas de borracha e atingin-
enquanto brasileiros culpam seus líde-
do jornalistas que cobriam as manifes-
res”. Ao lado do texto, uma foto cho-
tações. “Os registros das manifesta-
cante mostrou um flagrante de abuso
ções foram tirados de contexto, como
policial no Rio de Janeiro. Os policiais
se a violência tivesse sido causada pelo
militares lançavam, de uma distância
aumento no valor das passagens. A
mínima, spray de pimenta no rosto de
imprensa mostrava os atos dos mani-
uma manifestante. “Fazia tempo que o
festantes como algo banal, uma coisa
Brasil não saia na capa do ‘The New York
primitiva”, critica a estudante de jor-
Times’”, comenta Goyzueta.
nalismo Giovanna Ferraz, que estuda
Além disso, o jornal nova-iorquino
na universidade EF Internacional, em
ressaltou que as manifestações pega-
Oxford, e participou de protestos de
ram os políticos brasileiros de surpre-
brasileiros na Inglaterra.
sa, considerando um cenário de estabilidade econômica.
Pelé
O jornal espanhol “ABC”, conserva-
O que chamou a atenção do prestigioso
dor, enfatizou a violência dos manifes-
diário inglês “The Guardian” foi o moni-
tantes. Relatou, à época, que “tanto no
toramento das redes sociais pelo gover-
Rio de Janeiro como em São Paulo, os
no e o apelo feito por Pelé para que os
mascarados lançaram coquetéis molo-
manifestantes deixassem os protestos
tov e queimaram edifícios públicos”.
de lado para dar mais atenção ao fute-
As manifestações no Brasil chocaram
bol. “É claro que ele não apoia as mani-
ainda mais os estrangeiros pelo fato de
festações, ele nunca precisou enfrentar
os países europeus estarem em profun-
uma fila no SUS ou pegar o metrô lotado
da crise econômica. “As cenas de vio-
às 18 horas”, diz Solange Bueno, usuária
lência chocaram os espanhóis. Muitos
dos serviços públicos. “Sem contar que
amigos meus jornalistas vieram me
R$ 0,20 não fazem falta para ele como
perguntar sobre o motivo dos protes-
fariam para mim”.
tos, já que o Brasil é um país de econo-
A rede americana CNN trouxe o Bra-
mia crescente, que tem empregos e que
sil em duas de manchetes principais
não realiza grandes cortes de orçamen-
em seu portal. Para o veículo, os R$ 0,20
to”, comenta Rafael Wacked, repórter do
nada mais são do que o estopim para
jornal iberoamericano “NCI”.
uma série de insatisfações, principal-
A estudante Giovanna Ferraz, em
mente com as atitudes dos governantes
intercâmbio na Inglaterra, lembra que
ao prometerem coisas que não podem
a visão positiva sobre a economia bra-
cumprir.
sileira também imperava na Inglater-
A rede trouxe ainda uma entrevis-
ra: “Os ingleses viam o Brasil como um
ta com o ministro das Relações Exte-
país em desenvolvimento, mencionam
riores, Antonio Patriota, que chegou a
muito os BRICS e viam o Brasil como
comparar as manifestações do Brasil
uma possível potência para o futuro”.
INDICADORES FAVORÁVEIS
5,2%
foi a taxa de desemprego registrada em outubro de 2013
R$ 678 é o valor do salário mínimo hoje, contra R$ 240 em 2003
Acervo Presidente Fernando Henrique Cardoso
36/37
p&r
ENTREVISTA: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A ATUAL CRISE “É PARTE INTRÍNSECA DESSE MUNDO EM QUE VIVEMOS”, AVALIA O SOCIÓLOGO; NA OPINIÃO DELE, O PAPEL DO GOVERNANTE SE TORNOU MAIS COMPLEXO
CRISE DE REPRESENTAÇÃO SERÁ DURADOURA desse choque é um aumento de tensão RENATO ESSENFELDER, EDITOR DA PLURAL LARA DE OLIVEIRA SANTOS
no exercício do poder. Para ele, o maior benefício ocasiona-
»»» A crise de representatividade
do pelas manifestações “foi mostrar que
não só existe como deve perdurar
a sociedade brasileira não perdeu a sua
por anos, e os governantes terão de
capacidade de mobilização coletiva no
se adaptar a essa nova realidade. A
mundo real”. “Manifestações de massa
opinião é de um dos intelectuais mais
têm maior capacidade de mudar o clima
influentes do país, o ex-presidente
político de um país.”
Fernando Henrique Cardoso, que em
Ressaltando que acha inaceitável o
entrevista à Plural analisa as mani-
uso da violência como instrumento polí-
festações que eclodiram no país desde
tico, FHC afirma que o maior risco no
junho deste ano.
momento atual é justamente que esses
Hoje os governos “têm de prestar con-
movimentos “não se traduzam em for-
tas a um número muito maior de pesso-
mas mais permanentes de ação política
as” e “o tempo da resposta governamen-
ou que de generem em formas violentas
tal se encurtou”, aponta. O resultado
de protesto por uma minoria”.
“QUANDO A POLÍCIA SE EXCEDEU, GENERALIZOU-SE UM SENTIMENTO DE INDIGNAÇÃO: O ESTADO NÃO CUMPRE AS SUAS RESPONSABILIDADES E REPRIME COM VIOLÊNCIA”
38/39
Acervo Presidente Fernando Henrique Cardoso
FHC durante comício das Diretas
Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida à revista Plural.
Quando a polícia se excedeu na con-
porte público) traduzível em muitas
tenção de grupo de manifestantes do
outras (saúde, educação etc), ganhou
Movimento Passe Livre [MPL], genera-
um símbolo às avessas (os belos está-
Que razões levaram o fenômeno das manifestações a eclodir em junho de 2013?
lizou-se um sentimento de indignação:
dios, financiados com recursos públicos).
o Estado não cumpre as suas responsabilidades e, além disso, reprime com
O sr. viveu de perto o Maio de 1968 na França, inclusive foi professor de líderes do movimento estudantil. Vê semelhanças entre aquele movimento na França e o atual, no Brasil?
A mobilização de um grupo em torno
violência os que se manifestam contra
do preço da passagem de ônibus tocou
isso. Houve uma identificação com os
em um nervo exposto da vida nas gran-
manifestantes: eles estão dizendo algo
des cidades brasileiras: a má qualida-
que gostaríamos de dizer também. Não
de do transporte público, uma questão
é que tenha se formado um consenso
A semelhança está na surpresa das
que afeta milhões de pessoas. Na essên-
em torno das bandeiras do MPL. É que
manifestações. Mas Maio de 1968 tinha
cia, o transporte público não é diferente
a manifestação deles passou a ser vista
um componente utópico muito mais
da saúde, da educação etc. São direitos
como um protesto genericamente justo,
forte. Uma parte alimentada pelo movi-
assegurados pela Constituição, como
injustamente reprimido.
mento da contracultura, outra pela radi-
responsabilidade do Estado. É assim
Como estávamos às vésperas da Copa
calização de um setor jovem da esquerda
que está na Constituição e é assim que
das Confederações, a insatisfação social
europeia, contra a linha reformista dos
as pessoas veem essas questões.
latente, além de uma “causa” (o trans-
partidos comunistas e socialdemocratas.
“A SOCIEDADE BRASILEIRA AMADURECEU, ESTÁ MAIS INSTRUÍDA E INFORMADA. AS FORMAS DE FAZER POLÍTICA PRECISAM ACOMPANHAR ESSE AMADURECIMENTO”
Acervo Presidente Fernando Henrique Cardoso
Não havia insatisfação econômica na
inexistiam em maio de 1968 na Europa.
duto dos impostos. As pessoas querem
Europa, nem nos Estados Unidos. Está-
[Hoje,] nas grandes cidades brasileiras,
saber como e onde são utilizados o meu,
vamos no auge dos chamados “trinta
mesmo quem não padece diretamente
o seu, o nosso dinheiro.
anos gloriosos”, o período entre o final
desses problemas, sofre as suas conse-
da Segunda Guerra Mundial e a crise do
quências.
paganda de suas ações e falam mal dos seus antecessores e adversários. Deve-
petróleo, em 1974. Os países desenvolvidos cresciam e distribuíam renda.
Os governos, em geral, fazem pro-
Há uma utopia também nas manifestações brasileiras? Qual?
riam confiar mais na capacidade de
ma distribuição da renda, mas a par-
Há uma demanda social por melhores
explicações: onde vai o dinheiro, com
tir de um patamar mais baixo, muito
serviços do Estado, por uma vida urba-
que objetivo, por que foi possível fazer
mais baixo. O acesso a bens de consumo
na menos desgastante e por políticos
isso, por que não foi possível fazer aqui-
aumentou. Mas a qualidade dos servi-
que tenham mais compostura e senti-
lo, que medidas tomar para corrigir o
ços públicos não acompanhou esse pro-
do de missão pública. Essa é a utopia.
que deu errado e consolidar o que deu
cesso (é mais fácil expandir o mercado
Os grupos mais ideológicos são mino-
certo etc. A sociedade brasileira ama-
do que reformar o Estado). As pessoas
ritários nas manifestações. O que as
dureceu, está mais instruída, atenta e
têm celular, mas levam horas em ônibus
pessoas querem é melhorar o uso dos
informada. As formas de fazer políti-
lotados e esperam semanas, meses por
recursos públicos. Há uma percepção
ca precisam acompanhar esse amadu-
uma consulta médica. Esses problemas
crescente de que esse dinheiro é pro-
recimento.
No Brasil, houve crescimento e algu-
entendimento das pessoas e dar mais
40/41
“OS MANIFESTANTES DO [MOVIMENTO DE] MAIO DE 1968 ERAM DE UMA CLASSE MÉDIA JÁ ESTABELECIDA [NA FRANÇA]. A MAIORIA NO BRASIL PERTENCE A UMA CLASSE MÉDIA EM EMERGÊNCIA, QUE AINDA VIVE COM MUITAS INCERTEZAS”
Quais as diferenças entre os manifestantes de 1968 e os atuais?
nos têm de prestar contas a um núme-
Os manifestantes do Maio de 1968
votar praticamente universalizou-se). E
eram jovens de uma classe média já bem
o tempo da resposta governamental se
estabelecida. Aqui a maioria pertence a
encurtou (não são somente os mercados
uma classe média em emergência, que
financeiros que exigem respostas rápi-
ainda vive com muitas incertezas em
das, é todo um sistema de comunicação
relação a sua posição social. Ganharam
social que imprime um ritmo quase fre-
acesso a bens de consumo, mas querem
nético ao exercício do poder).
maior acesso a bens públicos e a um ambiente urbano mais humano.
ro muito maior de pessoas (o direito a
Além disso, os países importantes estão interconectados na economia glo-
para que partidos e sindicatos se con-
bal e as sociedades e indivíduos desses
solidassem como formas de represen-
O sr. acredita que há uma crise de representação no Brasil? Em que medida é um fenômeno brasileiro e em que medida é mundial?
países também estão interconectados
tação nas democracias de massa nos
entre si. Os governos nacionais são hoje
países desenvolvidos. Hoje, partidos
afetados por eventos que ocorrem fora
e sindicatos já não são capazes de dar
de suas fronteiras, com uma frequên-
conta da representação da sociedade
É muito mais difícil governar e repre-
cia e velocidade muito maiores do que
junto ao Estado, nem nos países desen-
no passado.
volvidos, menos ainda nos em desenvol-
sentar a sociedade do que foi no passado. Isso é mundial. Um livro recen-
As sociedades se tornaram muito mais
vimento, em cuja maioria a representa-
te trata dessa dificuldade. Tem o título
complexas. Os interesses que querem
ção política esteve sempre mais sujeita
“The End of Power”. O autor é o Moisés
ser representados no Estado se diver-
a grupos oligárquicos ou movimentos
Naim, que foi editor da revista “Foreign
sificaram muito não apenas porque as
populistas.
Policy”. Ele fala exatamente sobre como
formas de trabalho e de propriedade se
Hoje, a sociedade é muito mais com-
hoje o poder é mais frágil e suscetível
multiplicaram, mas também porque as
plexa do que eram as sociedades indus-
a crises e questionamentos. Nos paí-
identidades sociais relevantes já não se
triais típicas que se desenvolveram ao
ses importantes, hoje já não se governa
resumem a duas ou três variáveis socio-
longo do século 20. Estas tinham uma
mais para uma pequena elite. Os gover-
econômicas, mas incluem identidades
grande concentração de trabalhado-
de gênero, preferência sexual etc.
res no setor fabril, uma classe média
A “crise de representação” é parte
de pequenos proprietários, servidores
intrínseca desse mundo em que vive-
públicos e umas poucas profissões libe-
mos. Ela é agravada quando e onde há
rais (médicos e advogados) e uma bur-
organizações sociais e políticas mais
guesia composta de proprietários de
fracas para agregar os interesses e
algumas grandes empresas nacionais.
representá-los junto ao Estado e onde e
Atualmente, o mundo do trabalho
quando o Estado é capturado por gru-
explodiu em milhares de atividades
pos de interesse com muito poder polí-
diferentes, com a expansão dos serviços
tico e baixa representatividade social.
e a diminuição da indústria. As atividades se transnacionalizaram. As pes-
Então essa crise de representação tende a ser duradoura?
soas não só trabalham em um núme-
Será duradoura. Demorou décadas
de sua vida de trabalho, como mudam
ro muito maior de empregos ao longo
Montagem sobre foto do Acervo Presidente Fernando Henrique Cardoso
“HOJE PARTIDOS E SINDICATOS JÁ NÃO SÃO CAPAZES DE DAR CONTA DA REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE JUNTO AO ESTADO”
muito mais de lugar, inclusive de país.
intermediário. Quanto mais distante
Antes, havia meia dúzia de fontes de
esses intermediários estejam, maior a
informação. Todas as pessoas de clas-
resistência. É o caso dos partidos, que
se média escutavam as mesmas emis-
se afastaram da vida social e passaram
soras de rádio, liam os mesmos jornais
a ter vida quase autônoma no mundo
e assistiam aos mesmos programas de
político.
TV. Como representar uma sociedade tão mais complexa e dinâmica do que no passado, que cria, desfaz e recria com muita frequência redes de comunica-
O sr. se sente representado por instituições hoje vigentes? Seu partido, o PSDB, representa o sr.?
ção, interesse e identidade nas mídias
Eu sou crítico das instituições, inclu-
sociais? Vai demorar para que novos
sive do meu partido, quando me pare-
modelos de representação se estabili-
ce caber a crítica, mas eu sou conscien-
zem. Enquanto isso, vamos continuar
te da importância das instituições para
falando em “crise de representação”.
a organização da vida em comum. E acredito que os partidos continuam a
A crise de representação seria limitada à política partidária ou se estenderia a campos como a família, igrejas, sindicatos, mídia etc.?
ser uma forma indispensável da representação política na democracia.
sentarem a si mesmos. Há uma resistên-
A mídia tradicional tornou-se alvo dos manifestantes. Como o sr. enxerga esse fenômeno e que relação vê com a expansão da internet e de redes sociais?
cia a delegar essa representação a um
A mídia tradicional às vezes é vista como sócia do poder e
Ela é mais extensa e isso tem a ver com o desejo dos indivíduos de repre-
RAIO-X Nome: Fernando Henrique Cardoso Idade: 82 anos Origem: Rio de Janeiro, RJ Formação: sociólogo (USP) Mandatos na Presidência: 1995-1999 e 1999-2003 Filiação: PSDB Votos recebidos: 31.253.166 (primeiro mandato) e 35.936.916 (segundo mandato); foi o primeiro presidente reeleito do Brasil
“O MAIOR BENEFÍCIO FOI MOSTRAR QUE A SOCIEDADE BRASILEIRA NÃO PERDEU A SUA CAPACIDADE DE MOBILIZAÇÃO COLETIVA NO MUNDO REAL”
42/43
“O RISCO [DAS MANIFESTAÇÕES] É QUE NÃO SE TRADUZAM EM FORMAS MAIS PERMANENTES DE AÇÃO POLÍTICA OU QUE DEGENEREM EM FORMAS VIOLENTAS DE PROTESTO”
não como instrumento de vigilância do poder e informação da nizada na forma de empresas – apresen-
Quais são os possíveis benefícios e potenciais riscos advindos das manifestações?
taria um retrato mais fiel da realidade,
O maior benefício foi mostrar que a
um espaço no qual a sociedade poderia
sociedade brasileira não perdeu a sua
ver a si mesma, sem a intermediação da
capacidade de mobilização coletiva no
grande imprensa. Trata-se de uma visão
mundo real. Uma coisa é assinar um
ingênua, a meu ver.
manifesto na internet, outra é juntar-
sociedade. Já a mídia social – não orga-
Primeiro, porque desconsidera que
-se na rua para protestar coletivamen-
há muita manipulação deliberada nas
te. A intensidade emocional desta é
mídias sociais. Segundo, porque con-
muito maior do que a daquela. Mani-
funde profusão de mensagens e infor-
festações de massa têm maior capacida-
mação com jornalismo. Jornalismo
de de mudar o clima político de um país.
requer organização e recursos estáveis,
O risco é que não se traduzam em for-
exige experiência por parte de quem o
mas mais permanentes de ação política
exerce, exige que a notícia seja apura-
ou que degenerem em formas violentas
da antes de ser veiculada, que os fatos
de protesto por uma minoria.
sejam colocados em contexto e em perspectiva. As novas mídias enriquecem bases estáveis, mas não podem subs-
Como o sr. avalia a chamada tática black bloc de manifestação? Ela estaria esvaziando o apoio popular aos protestos?
titui-la.
Os black blocs servem como um alerta
a atividade jornalística organizada em
Acervo Presidente Fernando Henrique Cardoso
dalhaço. É ter e realizar medidas dentro de um programa consistente, de longo prazo, no sentido de dificultar e punir as velhas e promover novas e melhores práticas políticas
A teoria da cordialidade do brasileiro é abalada por esses protestos? A ideia de que o brasileiro é cordial, elaborada pelo Sergio Buarque de Holanda, lá nos anos 30 do século passado, não é a de que o brasileiro seja um ser pacífico, incapaz de violência. A tese do Sergio é de que o brasileiro se pauta pelos afetos ligados às relações pessoais, do amor ao ódio, não apenas no âmbito da família, mas também da vida social mais ampla. O contraste que ele buscava estabelecer era com sociedades em que os indivíduos se pautam por regras externas às relações pessoais, regras que são assimiladas e passam a ser um código implícito, não escrito, de conduta. Sergio dizia, com razão, que a democracia, e, nessa medida, é preciso tentar com-
crescente entre adeptos do black bloc. Como equacionar isso?
que supõe a aplicação impessoal de um
zes de mobilizar. Mas é claro que não
O erro está em simplesmente estig-
no fértil em uma sociedade regida por
se pode permitir a destruição do patri-
matizá-los sem buscar entender como
relações cordiais, no sentido que ele
mônio público ou privado. Além do
e por que eles se mobilizam da forma
deu ao termo. O pressuposto da demo-
patrimônio, a violência destrói o espa-
pela qual se mobilizam. Entender não
cracia é de igualdade de todos perante
ço democrático de manifestação pacífi-
significa justificar e deixar de reprimir
a lei. Quando os manifestantes pedem
ca. Esse espaço precisa ser assegurado.
as ações que praticam.
o “fim da impunidade” é isso que eles
preender os sentimentos que são capa-
sistema de regras, não encontra terre-
estão pedindo.
O sr. considera os adeptos do black bloc anarquistas? Por quê?
Como o sr. encara o emprego da violência como instrumento político?
Parecem ser vagamente anarquistas.
No Estado democrático de direito,
Mas não acho que esse seja o ponto cen-
acho inaceitável.
tral. O que interessa conhecer é a trajetória de vida, a motivação dos que aderem aos black bloc. E isso nada tem a ver com a ideologia anarquista.
Em artigo no jornal “O Estado de S. Paulo”, o sr. afirmou que desqualificar os protestos de São Paulo é um “grave erro”. No entanto, condena a violência
O sr. já afirmou que os partidos políticos precisam se aproximar do povo. Como poderiam fazer isso? Colocando-se em diálogo com os inúmeros grupos de representação
O sr. acha que a forma de fazer política mudará no país após a onda de protestos ou há uma tendência à acomodação?
para aproximar o mundo da política do
O processo será longo, pois se move
mundo da vida. A grande maioria dos
no tempo da mudança cultural. Os líde-
partidos não faz isso organizadamen-
res políticos, porém, podem acelerar
te. E quem faz tem a intenção de coop-
esse tempo tomando medidas concre-
tar os interlocutores, torná-los militan-
tas. O importante não é fazer com estar-
tes partidários.
da sociedade, em especial os jovens,
TRINTA ANOS DEPOIS 44/45
Há mais diferenças que semelhanças entre o movimento das Diretas Já e as manifestações de junho de 2013, segundo quem viveu ambos os momentos
MARIANA TEGON LUCILA OLIVEIRA
»»»As manifestações de junho de 2013 ecoaram, nos corações e mentes de muitos, um dos maiores movimentos da história recente do país: as Diretas Já. Na opinião de quem viveu ambos os momentos, contudo, a comparação não vai além do fato de ambos os momentos terem sido marcados por imensos protestos pelas ruas do país. O ideário, a forma de organização civil e principalmente a pauta de reivindicações são muito diferentes. O movimento das Diretas ocorreu em 1983 e foi resultado de 20 anos de ditadura. O povo, sufocado pela ditadura, era proibido de se manifestar contra o regime. A oposição era perseguida, os militantes, torturados, e muitos morreram de forma cruel. Nas eleições legislativas de 1982, já na época da distensão, concorreram candidatos civis de novos partidos. Dentre eles se elegeu deputado federal pelo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) Dante de Oliveira, assumindo o cargo no dia 1o de janeiro de 1983. Seu nome entrou para a história do país por causa da emenda constitucional que levava o seu nome. A emenda pedia a volta das eleições diretas para presidente da República. “Foi um processo lento, que teve em Dante de Oliveira, um deputado novato e oriundo do MR-8, o detonador”, declara Paulo Sérgio Markun, jornalista e escritor que participou do movimento.
Comício pelas Diretas em 1984 em São Paulo
CRONOLOGIA
1964 » Golpe militar. No dia 31 de março, tropas mineiras e paulistas vão às ruas para depor o presidente João Goulart, acusado de tramar um golpe de esquerda. Acervo Presidente Fernando Henrique Cardoso
1968 » Decretado o AI-5. Em 13 de dezembro o general Costa e Silva promulga o Ato Institucional número 5, ampliando o poder de exceção dos governantes.
1978 » Fim do AI-5. O presidente Ernesto Geisel inicia a abertura política e revoga o AI-5, restabelecendo o habeas corpus e outros direitos fundamentais dos brasileiros.
1985 » Eleito Tancredo Neves. A ditadura acaba. O primeiro presidente civil em 21 anos é escolhido por um colégio eleitoral. Mas Tancredo é internado com problemas de saúde na véspera da posse, e, morto em abril, é sucedido por José Sarney.
TANCREDO MORREU ANTES DE ASSUMIR O CARGO [EM 1985]; COM ISSO, JOSÉ SARNEY TORNOU-SE PRESIDENTE
Segundo ele, houve outras tentativas de redemocratização no país, como a Frente Ampla e a campanha da Anistia. “A inversão se deu no início de 1983 e não foi do dia para a noite”, completa. Desde a posse de Dante, ele se empenhou em coletar assinaturas de apoio
46/47
ao seu projeto de lei que determinaria eleições diretas para presidente. Após conseguir o auxílio de 170 deputados e 23 senadores, apresentou, no dia 2 de março de 83, a proposta de Emenda Constitucional Nº5. A proposta ficou popularmente conhecida como “Emenda Dante de Oliveira”. Logo tomou espaço na mídia e mobilizou variados setores da população brasileira. Partidos políticos, lideranças sindicais, civis, artísticas, estudantis e jornalísticas engrossaram um dos maiores movimentos sociais da história do país, as Diretas Já. Em 25 de abril de 1984, a Emenda Constitucional das eleições diretas foi colocada em votação. Porém, para a desilusão do povo brasileiro, não foi aprovada. Com isso ocorreram eleições indiretas no dia 15 de janeiro de 1985 e Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil. Contudo, em função de uma doença,
A sociedade, incluindo artistas, políticos e esportistas, foi para as ruas. Esse movimento ocorreu no país todo de uma maneira organizada Adriana Corradin, socióloga
Tancredo morreu antes de assumir o
essencial e insuflou milhares de pesso-
cargo. José Sarney, que era o vice, tor-
as nos protestos em São Paulo, Rio de
nou-se o primeiro presidente civil após
Janeiro, Belo Horizonte e demais capi-
o regime militar (1964-1985).
tais do Brasil. O movimento ganhou a simpatia
Ontem e hoje
inclusive de artistas e de esportistas da
“A sociedade, incluindo artistas, políti-
época. Mas, ao contrário do que muitos
cos e esportistas, foi para as ruas. Esse
pensam, o jornalista Paulo Markun afir-
movimento ocorreu no país todo de uma
ma que os esportistas do passado eram
maneira organizada”, lembra Adria-
menos politizados que os de hoje. “Os
na Corradin, 50, formada em Ciências
que se manifestavam, como Sócrates,
Sociais pela PUC-SP e que participou
Biro-Biro e Vladimir, eram exceções,
ativamente do movimento. Ela conta
e tinham a ver com a tal ‘democracia
que sem internet e redes sociais, tudo
corintiana’. Os artistas são altamente
era feito no boca a boca, com o apoio
politizados hoje”, pondera. Ele ressalta
da televisão, rádio e imprensa escrita.
que ser politizado não é “pensar como
Segundo ela, a participação da mídia foi
a gente pensa”.
“TODOS OS PARTIDOS DE OPOSIÇÃO ESTAVAM UNIDOS [EM 1984]. HAVIA UM INIMIGO CLARO”, DIZ PAULO MARKUN
Manifestação do dia 7 de setembro na avenida 23 de Maio, em São Paulo | FOTO DOUGLAS CLEMENTINO
Em comparação com as depreda-
decreta Paulo Markun. Para ele, as Dire-
movimento das Diretas e acompanhou
ções que ocorreram nas manifestações
tas tinham um propósito claro, e o con-
pela mídia as manifestações de 2013.
de junho de 2013, Adriana afirma que,
texto era outro. “Todos os partidos de
Ela diz que participava juntamente
durante o movimento das Diretas, tam-
oposição estavam unidos. Havia um ini-
com todos, pois acreditava na mudan-
bém houve quebra-quebra e arruaça.
migo claro. É completamente diferente.”
ça. “Acreditávamos que o Brasil real-
“Não eram exatamente como as ocorri-
mente seria um país maravilhoso, por-
das neste ano, com força policial osten-
Hino Nacional
que tínhamos uma liderança intelectual
siva nas ruas”, compara. Ela acrescen-
Em junho de 2013 foi a vez da nova
muito forte nos dando respaldo”, conta.
ta que os manifestantes daquela época
geração ir às ruas. Tudo começou com
“Cantávamos o Hino Nacional de
não obtiveram êxito total. “Ainda houve
o aumento da tarifa dos transportes
mãos dadas, convictos. Ouvíamos nos-
a indicação de Tancredo Neves para a
públicos em diversas cidades. Em São
sos líderes falarem nos palanques tra-
Presidência. Ele não chegou a ocupar o
Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Sal-
zendo palavras de ordem e encora-
cargo, mas o saldo de tudo foi o grande
vador, Recife e Belo Horizonte, milhares
jamento de um futuro promissor”,
amadurecimento do povo brasileiro”,
de pessoas se reuniram para pressio-
relembra. Quanto às manifestações atu-
complementa a socióloga.
nar os governos a revogar os aumentos.
ais, ela diz que as pessoas precisam sair
As manifestações de junho não
Lucia Maffei, 51, formada em Ciên-
em conjunto por uma causa e resolver
têm nada a ver com as do passado,
cias Sociais pela PUC-SP, participou do
tudo “de forma mais organizada”.
48/49 Músicos do grupo Pauta em Rap, que surgiu em 2011 | FOTO DIVULGAÇÃO
MÚSICA DE PROTESTO Rappers abordam a desigualdade social, a violência e a corrupção e são considerados sucessores da geração de músicos que questionou a ditadura militar no Brasil
MARIANE TAMBELINI LARA DE OLIVEIRA SANTOS GIOVANNA HUEB DORA BESSA GIGLIO
ções, surgiram célebres canções de pro-
Uma das práticas mais marcantes
testo, assinadas por artistas como Chico
contra músicos considerados subversi-
Buarque, Caetano Veloso e Geraldo Van-
vos durante a ditadura foi o exílio. Cae-
dré. “Na época da ditadura militar, os
tano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo,
órgãos de repressão impediam com
partiram para a Inglaterra, em 1969,
»»»No dia 10 de abril de 1964, o Brasil
violência qualquer manifestação con-
após terem sido presos por desrespei-
entrou em um de seus períodos mais
tra o governo, nem que fosse no campo
tarem o hino e a bandeira do Brasil. Já
sombrios. Foi implantada a ditadura
das ideias. Portanto, havia censura na
Chico Buarque se autoexilou na França
militar, marcada por violações dos
imprensa e no campo das artes. O que os
e na Itália no mesmo período.
direitos humanos e pelo aumento da
artistas faziam para espalhar suas ideias
repressão.
era disfarçar a canção”, explica o músico
depois, Chico compôs novas canções
profissional Kleber Costa, 41 anos.
críticas, como “Partido Alto” e “Cons-
Como forma de burlar essas restri-
Ao voltar para o Brasil, 10 meses
bém sem a cachaça / Ninguém segura esse rojão”. Composta por João Bosco e gravada por Elis Regina em 1979, a música “O Bêbado e a Equilibrista”, cheia de metáforas, tornou-se o hino da Anistia. A letra faz referência às viúvas de presos políticos como Vladimir Herzog e Manuel Filho, em trechos como “Chora a nossa Pátria Mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil”. Foi cantada no mesmo ano de seu lançamento por cerca de 200 pessoas no aeroporto de Congonhas, quando o exilado sociólogo e ativista pelos direitos humanos Herbert de Souza, o Betinho, retornou ao Brasil. Brasil moderno
ANOS REBELDES
1969
em julho desse ano, após dois shows de despedida, Caetano e Gil partem para o exílio na Inglaterra.
1978
foi o ano em que a música “O Bêbado e a Equilibrista”, hino da Anistia, foi lançada
Em 2013, em plena democracia, protestos voltaram a parar o país nos meses de junho e julho – e, com eles, voltaram à cena as músicas de protesto. As manifestações que lotaram as ruas do país,
CURIOSIDADE
impulsionadas pelo aumento das tarifas do transporte público, reuniram mais de 1 milhão de pessoas pelo Brasil todo apenas no dia 20 de junho. “Vem pra rua!”. Essa foi uma das frases mais repetidas durante o período. A expressão foi retirada de uma música criada por Henrique Ruiz, interpretada pelo grupo O Rappa e veiculada em um comercial de TV da Fiat, que tinha como pano de fundo a Copa das Confetrução”. Um de seus maiores sucessos
derações de 2013. A frase convocava os
na época foi dedicado ao diretor de tea-
brasileiros para torcer pelo futebol, mas
tro Augusto Boal, então exilado em Lis-
acabou se tornando a máxima dos que
boa. Era a canção “Meu Caro Amigo”,
foram às ruas para protestar.
» Você sabia que rap significa “ritmo e poesia” (rhythm and poetry)? Tal gênero musical teve origem na Jamaica na década de 1960, mas só na década de 1970 é que passou a ser conhecido nos Estados Unidos. Ganhou destaque inicialmente nos bailes dos guetos jamaicanos, em que mestres de cerimônia comentavam sobre a violência e a política da ilha.
composta em 1976, em parceria com
“Uma das reivindicações dos protes-
Francis Hime, como se fosse uma carta,
tos de junho era justamente a transpa-
pela qual mandava notícias do país em
rência do governo em relação aos gastos
versos como “Mas o que eu quero é lhe
com esse torneio e com a Copa 2014. O
dizer que a coisa aqui tá preta / Muita
povo se apropriou cinicamente da frase
mutreta pra levar a situação / Que a
‘vem pra rua’ para protestar contra cor-
gente vai levando de teimoso e de pir-
rupção, desapropriações, lavagem de
raça / E a gente vai tomando que tam-
dinheiro e a megalomania do governo com relação à Copa”,
contundentes do que na década de 60. Um disco dos Racionais MC’s, por exemplo, é uma crítica muito feroz e muito dura, pois vem da própria fonte de onde se dá a opressão”, completa. O grupo Pauta em Rap, por exemplo, que surgiu em junho de 2011 com a música “Eu me rebelo”, teve seu trabalho expandido por conta das manifestações de junho, uma vez que a elas
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alinhou seus ideiais contestadores. “O Pauta em Rap é uma forma de grito de revolta, um grito de quem vê as coisas piorando, políticos e bandidos se aliando e o povo brasileiro se preocupando apenas em ter dinheiro para consumir”, diz Tiago Salles, produtor do grupo. O conjunto comenta que o grande público se acostumou com algo pronto e vazio. “As músicas de protesto têm de ser buscadas na escuridão do under-
LP de Chico Buarque, que escrevia contra a ditadura | FOTO MARIANE TAMBELINI
ground. Quando você ignora o que o mercado te impõe, com certeza vai encontrar coisas interessantes e que te
afirma Kleber Costa. No entanto, logo surgiram composições
façam refletir”, completa.
de fato ligadas aos protestos. Tom Zé,
Apesar de não terem nenhuma com-
por exemplo, lançou a música “Povo
posição específica relacionada às mani-
Novo”, inserida como uma das faixas
festações, os Racionais, que nasceram
de seu CD “Tribunal ao Feicebuqui”. O
no momento em que o Brasil teve a pri-
mesmo aconteceu com a banda Capital
meira eleição direta para a Presidência,
Inicial, que incluiu “Viva a Revolução”
discursam desde o início contra a opres-
no seu novo CD (“Saturno”).
são. Sem formação acadêmica, os integrantes chamam a atenção com críticas
RAP
às diferenças sociais.
Segundo especialistas, a música mais
“Hoje vivemos uma democracia, pelo
autêntica de manifesto que se faz no
menos no papel. Portanto, não existe
país hoje não vem da classe média, mas
mais um inimigo público número um.
sim da periferia. O fenômeno é muito
As canções protestam contra maze-
diferente do que ocorria nos anos 1960,
las pontuais: violência, desigualdade
Hoje você tem críticas sociais e políticas muito mais contundentes do que na década de 60
lembra Julinho Bittencourt, 52 anos,
social, racismo, corrupção”, pondera
músico, jornalista e crítico musical. “Os
Kleber Costa. Denunciando esses males,
músicos de 1960 eram todos de classe
o rap muitas vezes atinge os jovens de
média, invariavelmente pessoas que
forma mais direta do que discursos
frequentaram faculdade. Eram pessoas
institucionalizados. “A experiência
extremamente cultas e instruídas”.
dos rappers da geração nova é de quem
Julinho Bittencourt, músico, jornalista e crítico musical
As novas canções de protesto são
viveu aquilo. São pessoas da comunida-
mais diretas, menos metafóricas, sem
de que cresceram, viveram e que, ape-
frases ambíguas e com destaque a opi-
sar da fama, vivem ainda nesses bairros
niões pessoais. “Hoje, você tem crí-
e transpiram e respiram essa realidade
ticas sociais e políticas muito mais
muito dura”, conclui Bittencourt.
ESPM
Carolina Junqueira Estudante do curso de Jornalismo
O JORNALISMO NA ESPM PREPARA VOCÊ PARA TRANSFORMAR O MUNDO. Diferenciais s %STRUTURA QUE POSSIBILITA O APRENDIZADO EM DIVERSAS MÓDIAS s .ÞCLEOS DO CURSO FORMA ÎO BÉSICA
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FOTO NATÁLIA OSIS
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO
NOVEMBRO DE 2013 // ANO 2 // NÚMERO 4
LUIZ F. AURICCHIO, 21, caiçara e skatista frustrado, busca o contato com o esporte pelo jornalismo.
DOUGLAS CLEMENTINO, 24, paulistano. Ama rock e uma cerveja com amigos; quer atuar com jornalismo investigativo. PAULA LERRER, 19, sonha em um dia poder trabalhar com cinema e audiovisual.
GIOVANNA HUEB, 19, acredita que, com o jornalismo, possa ir dormir deixando o mundo melhor do que ele estava ao acordar. LUCILA OLIVEIRA, 20, mineira. Quer trabalhar com algo que envolva entretenimento, música e cinema.
DORA BESSA GIGLIO, 20, com metade da alma americana, ama jornalismo cultural, bandas e sonhar alto.
PEDRO NEVES, 20, curte agora e não pensa muito no amanhã.
RENATO BONFIM, 20, fã de Sílvio Santos e de música brasileira. Gosta de ouvir as pessoas e suas histórias.
CAROLINA CARVALHO, 19, apaixonada por animais, sonha em morar na praia e trabalhar com o que ama.
MARIANA TEGON, 20, paulista. Amante de mídias sociais, de celebridades e de televisão.
BEATRIZ RAMIRES, 19, paulistana, busca sempre novos desafios. Deseja trabalhar com jornalismo de moda.
MARIANE TAMBELINI, 19, divide a paixão por moda, cultura e esporte e o sonho de morar fora.
ALISSON DE MORAES, 22, adora praticar esportes e tem como objetivo ser empreendedor.
HENRIQUE MARTORELLI, 20, certo da escolha de sua profissão, tem como prioridade o jornalismo esportivo.
LARA DE OLIVEIRA SANTOS, 19, paulistana com desejo de ser inglesa. Tem interesse em arte, principalmente em fotografia.
GIOVANNA LUPO, 19, paulistana. Crê que a vida é repleta de surpresas, e basta fazer dessas surpresas o caminho certo para a vida.
CATHARINA OBEID, 19, amante de gatos e de CocaCola. Frustada por não saber tocar todos os instrumentos musicais que deseja.