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APRESENTAÇÃO
O
importante é sentir-se parte de um universo, ver de dentro pra fora e dar visibilidade ao que é invisível aos olhos comuns, registrar o contato que está todo voltado para o que se vê, cheira, come, sente, numa relação do fotógrafo com a paisagem e com tudo que envolve essa paisagem. O fotógrafo, sem anunciar-se, fecha o ângulo e mira sua lente, que mantinha à distância. Aproxima-se o zoom, adentra-se, sem a permissão de eternizar pequenos instantes em grandes imagens. De barco, caminhando, flutuando pelas águas barrentas do Marutauíra, espreitando a movimentação desse universo sem ser percebido reveste-se da atmosfera do lugar. As fotografias do Helly tem essa particularidade, o foco direcionado para as belezas naturais e para o povo paraense, principalmente os ribeirinhos. Entrar no cais das embarcações que vem das lIhas, do Tocantins, do Baixo Tocantins,do Guajará, do Salgado, atracados defronte do Mercado, estacionadas no porto secular de transações transições seculares onde os velhos sobrados comerciais se perpetuam atravessando gerações da cidade sobre a Travessa Justo Chermont davam a Helly Pamplona a impressão dos lugares que via nas revistas que colecionava no Marajó. As embarcações construídas em municípios do interior do Pará, Vigia, Igarapé-Miri, Vigia, batizados pelos donos com nomes de santos, com nomes próprios à devoção, à homenagens, estacionam no mesmo lugar onde há mais de dois séculos atrás caravelas aportaram e fincaram seus pilares de civilização, de domínio territorial. Ao mesmo tempo que construíram uma fortaleza, e erigiram em seu centro uma pequenina Igreja, lançando assim os humildes cimentos de uma nova cidade, declarando a padroeira Nossa
Senhora de Conceição. Ao tempo da descoberta e da fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão Pará, era a raça tupi que predominava nessas vastíssimas regiões com o nome de tupinambá, raça e povo que herdaram os traços nativos dos caboclos e das tecnologias sociais da feitura da farinha, do tucupi, dos paneiros de talas de miriti, do artesanato e da gastronomia paraense, além dos vestígios de línguas perpetuados nos nomes de ruas, comidas típicas, animais e lugares de Belém. A fotografia não registra a algaravia da feira, os burburinhos, os tecnomelodis, os bregas e guitarradas, o ruído dos pôpôpôs dos motores, dos ônibus, do rádio cipó, oculta os odores e as dores do lugar, as insanidades, a prostituição, os pequenos crimes, as vozes de Abaetetuba no íntimo rumor de suas emoções, a cidade vem e vai, o mercado vai e vem, maré delirante de imagens e como num rio de Heráclito flutuando num mar invisível, toda vez que retorna ao porto de Abaeté, o rio não é o mesmo, a luz, a chuva, o calor, o lugar não são mais o mesmos, nem ele é mais o mesmo, um outro. Helly compara-se a um turista aprendiz, de um olhar estrangeiro que se encanta e se apaixona e se deixa arrastar pela intuição através daquele labirinto histórico cultural. Helly compara-se a um turista aprendiz, de um olhar estrangeiro que se encanta e se apaixona e se deixa arrastar pela intuição através daquele labirinto histórico cultural.
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A
feira livre (beira) lócus atrativo de sociabilidade dada à modalidade periódica do comércio varejista, é hoje na urbanidade ribeirinha a primeira rua (Justo Chermont). Esse nome vindo com os portugueses pretendia modificar, a partir da política de pombal o nome indígena dado pelos jesuítas ao povoado dos Abaetés, como o foram feitas nas cidades do baixo amazonas, a exemplo de: Óbidos, Breves, Portel etc.(topônimos de cidades portuguesas) com isso ele demarca o novo território com plano urbanístico, imagem de uma cidade civilizada, além disso, “fixou a população nas colônias e criou legislação protegendo os casamentos portugueses com índias” (MENDONÇA, 1963, p. 11). Ora, a feira é uma espécie de irmã gêmea do rio, ela compartilha com ele as origens da cidade. Diante do qual, um mercado se desenvolve, numa troca econômica e simbólica incessante dos bens culturais. As feiras foram desde as civilizações indígenas os lugares de contato, por isso, vai dizer Weber (1999, p. 407) elas significam uma localidade de mercado. A cidade é local por excelência de um mercado, e aí reside seu sentido econômico: Toda cidade no sentido aqui adotado da palavra é localidade de mercado, isto é, tem um mercado local como centro econômico do povoado, mercado no qual, em virtude da existente especialização da produção econômica, também a população não urbana satisfaz suas necessidades de produtos industriais ou artigos mercantis ou de ambos, e como é natural, também os próprios moradores da cidade trocam entre si os produtos especiais e satisfazem as necessidades de consumo de suas economias . Por outro lado, se nas grandes metrópoles como São Paulo as feiras itinerantes são um luxo de final de semana, nas cidades ribeirinhas como Abaetetuba elas são o cotidiano e têm fortes articulações socioeconômicas e culturais com o comércio local-regional. É nas feiras que os múltiplos tempos se encontram – o tempo metropolitano e o tempo ribeiri12 CATÁLOGO FOTOGRÁFICO
nho – numa espacialidade que converge para o limite com o rio. O rio e a frente da cidade enlaçaram na beira o espaço beira-rio-feira -beira, nessa imagem a cidade desde em seu nascimento seu oferece ao diálogo. Esses pequenos centros urbanos faziam-se a partir de fortes ou de construções como igrejas, portos e ordenamentos de ruas, pois precisavam de uma unidade entre povoamento, rios e o “destino dos fluxos”, foram espacialidades impostas, nascia lá uma espécie de urbanocolonial como lógica de penetração do território pelo colonizador. Por isso mesmo que portos, feiras e trapiches significaram também o ponto de contato e a troca de experiências dos povos envolvidos: Europeus, Africanos e Índios. Abaetetuba assim como Cametá, Baião, foi diretamente influenciadas por áreas portuárias, principais fontes de seu dinamismo comercial durante séculos. Os trapiches e feiras livres são a imagem da cidade de frente para o rio, e me fazem imaginar outras cidades beira-rio, pensar sobre suas diferenças e continuidades como espaço que são de produção da vida, do trabalho e da cultura popular. Ao consumir os bens advindos das regiões das ilhas e agora de mercados nacionais e mundiais, ao frequentar cotidianamente a feira da cidade, com facilidade de fluxo por conta de sua dimensão mediana; os transeuntes partilham hábitos e crenças de comunidades ribeirinhas e outros estilos de vida. Essa diferença permite a cultura ribeirinha ser perpetrada com mais intensidade pela materialidade da cultura do consumo, o que gera o paradoxo do desconhecimentoreconhecimento, como na fotografia abaixo, datada de janeiro de 1982, que demonstra numa imagem única da beira exatamente trinta anos atrás, no seu movimento típico, vê-se o porto e barcos nas margens do rio, pessoas comprando ao longo da rua, cheia de passantes de todas as cores, caminham sobre piçarras e poças de agua que denunciavam a chuva. Beira da cidade (1982) Essa multidão que se movimenta sobre o olhar fixo da máquina fotográfica contrasta
com o fundo da mata que dava limite à cidade, bem como, as casas comerciais, onde se vendem tecidos e roupas que dependuradas nas margens do Maratauíra, colorem fachadas de objetos. O que está a pensar esse ribeirinho ao centro da imagem, chapéu de palha, camisa branca com alguns rasgos atrás, shorts curtos e sandálias. Na sua mão direita um jarrão de plástico, provavelmente iria ao posto de gasolina abastecê-lo com vistas ao retorno a sua ilha. A senhora negra de lenços na cabeça aparentava está olhando em companhia do menino o produto que o senhor à sua frente lhe oferecia, talvez um daqueles paneiros de maparás, vindos da região de Soure no Marajó. Logo a frente um senhor com camisa escura e mangas longas, parecia negociar uma mercadoria; na outro lado da rua um grupo de jovens a conversar: será que estariam a combinar algo? Pelo centro, a menina solitária anda por sobre a viela, essa imagem demonstra um acentuado fluxo de crianças na feira, justamente em vista de trabalharem no comércio ou de mendigarem. O romance “Marajó” de Dalcídio afirma esse olhar sobre a cidade quando denuncia uma Abaetetuba onde a abundância do mel contrasta com a mendicância: “Oferece um peixe de chocolate à feiticeira e se pós a falar de tanto mel, cachaça, farinha e pobres pedindo esmolas no porto de Abaeté” (2008, p. 290). O poeta Adenaldo Cardoso (1994) vai mais a frente, define os sentimentos em jogo nas imagens da feira de Abaetetuba através da letra da música “beira”, onde descreve muito bem o comercio, a boêmia e a fluvial. Ele apodera-se da linguagem para pintar a face mais vista da cidade: Beira-feira, é bom te ver, Ó Beira... Braços abertos de Abaetetuba, caminho pro sol, passagem pra lua, ribanceira talhada nos moldes da rua, de dia se veste, de noite essa nua. Começo, comércio, beira da cidade, aconchego do rio hospitalidade, de grande verdade, do obrigado senhor, da
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nossa saudade, da alegria da dor... Do Maratauíra, de peixes pescados, da nossa cuíra, de barcos cansados, de sono perdido, de gente sofrida, do vento atrevido, de água ferida. (CARDOSO apud JUNIOR, 2008, p. 24). A frente da cidade como lugar tradicional de relações ribeirinhas é também o espaço da afetividade, para o qual, o olhar do poeta não deixa passar despercebido. Na urbanização crescente ele parece sentir-se à vontade num ambiente de múltiplas faces. A beira de Abaetetuba, tal como descreve Adenaldo, sinaliza para práticas de lazer, trabalho, prostituição, violência, solidariedade, contemplação etc. Acompanha, assim, as tendências da cidade, mas, ao mesmo tempo está aberta ao rio, ao novo, ao diferente. Para Barros (2009) a beira de Abaetetuba serve como ponto de fortalecimento das redes de interação social e valorização do comércio local. A descrição de Sato (in BARROS, 2009) faz referência ao que se denominou de ritmo da festa, embora cada um tenha seus objetivos a cumprir: Para isso um palco é criado: a chegada dos feirantes na madrugada trazendo seus equipamentos, mercadorias e montando suas bancas vai paulatinamente, construindo também vitrines. Após algumas horas um espaço protegido, circunscrito pelas bancas, dá o substrato para os fazeres e interações sociais que ali tem lugar. (p. 160). Nessa fala temos a ideia de que apesar da aparência caótica o espaço da feira é autorregulado pelos compromissos firmados internamente, os feirantes desdobram-se no espaço de melhor adequação das atividades de livre comércio, onde donos de bancas ajudam-se mutuamente, apesar dos eventuais conflitos. O grupo Muiraquitãs44 em outro registro, nos fala de uma dessas cenas: Buzina do Carregador Ti-ti, Ti-ti abre o caminho que eu quero passar Ti-ti Ti-ti estou carregado e não posso parar (bis)
Sou carregador da beira meu carrinho é de mão Sua bagagem lá da beira levo com satisfação Peço a Deus muita saúde e meus filhos se criar Pois Ti-ti é a buzina vamos todos buzinar. (MUIRAQUITÃS, 1977) Grupo famoso regionalmente nas décadas de 1970 e 1980, com seus carimbos de tons calientes lembrando os mambos caribenhos, registrou com uma melodia inigualável o cotidiano do carregador da beira, na música “Buzina do Carregador” que pode ser ouvida ainda hoje na mesma feira. O comerciante, conhecido personagem da beira, respeitado pela posição privilegiada das casas de comércio, juntamente com grande parte de feirantes; vendedores de produtos diversos e gêneros alimentícios como, verduras e legumes, carnes de: peixe, gado, porco, camarão, aves, além de farinha, açaí, bacaba, miriti, produtos extraídos das florestas e diferentes tipos de frutas. Esses elementos materiais e sócios culturais são em conjunto responsáveis pela atração do grande fluxo de pessoas na área de influência da beira. Vejamos na foto abaixo esse fluxo de objetos e pessoas coabitando na zona de contato entre primeira rua e o rio. Esse é o cenário privilegiado de uma pintura que poderia muito bem chamar-se de: “A beira”. Destaca-se também no espaço, logradouros públicos como: o Mercado de Carne, o Mercado de Peixe, a feira da Farinha, a feira de legumes e verduras próximas a ambos os mercados; o ponto dos balanceiros situado à frente do mercado de peixe, o ponto de camarão e de gêneros salgados, como: os peixes vindos do Amazonas e carnes e miudezas salgadas pelos próprios feirantes. Frente da cidade (2009) Na rua principal da cidade, a mais recente zona de importados e gêneros diversos de roupas; de sapatos às celulares e filmes de
DVD e CD de música, dos mais diversos gêneros. A beira da cidade, que corresponde a uma orla significativa rodeada de comércios, bancas e barracas, é um calidoscópio de sentidos. Uma prática típica da beira muito comum na cidade ribeirinha foi a dos comerciantes (feirantes em geral e outros comerciantes) internalizarem, por exemplo, o hábito da cesta, onde após uma manhã de trabalho seja no rio ou na floresta descansam após o almoço, retornando a outras atividades à tarde. No comércio da cidade fecham-se as portas às doze horas, quando por volta de três horas da tarde, elas são novamente erguidas para frequentação dos fregueses. Coisa impensável quando das atividades nos centros comercias das grandes cidades. É preciso destacar que essas formas de sociabilidades só são possíveis, justamente porque nelas muitas histórias se passam, muita gente se sente feliz, no convívio com cheiros, cores, sabores, rostos, paisagens; por outro lado, outros se sentem cansados, desmotivados, às vezes aguerridos pelos conflitos; é uma diversidade de tudo, um drama com cenário próprio, no entanto, com traços comuns a muitas cidades. A feira é essa infinidade de interações simbólicas de onde quase tudo é possível: dor, amor, amizade, resistência, ódio, pertencimento etc. Vejamos alguns aspectos dessas formas de interação e conflito. A fala de Dona Maria é exemplo disso quando ressalta sua profunda relação de pertencimento ao lugar: “Gosto muito da feira e aqui eu sou feliz. Chego todos os dias com meu marido por volta de 5 horas da manhã, os feirantes dão futuro a cidade” (BARROS, 2009, p. 156). Na versão do Sr. Pedro que destaca outras observações: “Aqui tem ladrão que vem pra roubar, tem gente que vem pra falar do passado, lembrarse das coisas boas. As mulheres vêm conquistar os caras que tem dinheiro” (Ibid., p. 154). Os bate-papos movidos quase sempre a café na beira, ou numa cuia de mingau de miriti, CATÁLOGO FOTOGRÁFICO 13
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açaí, tapioca, milho, pode se configurar de repente em uma roda de cachacinha ou “gelada” num dia úmido e quente da região; esses comportamentos são comuns em rodas de amigos que destacam esses ambientes festivos em suas boas lembranças. A violência espelhada nos pequenos e letais crimes também é comum na feira, além da prostituição que adquiriu níveis crescentes, inclusive de prostituição infantil. Ouçamos Celso de Alencar no poema-livro onde explora esses vários aspectos da beira da cidade já na década de 1970: Trinta rios em quarenta e cinco noites. Nos porões trouxeram carne de tingas e açus, Na beirada do porto e do canal, os moleques e os urubus alinharam-se e espreitaram a descarga. Os carregadores (bêbados e famintos) com aplausos e cantorias deixaram a dama e o dominó, atirando-se ao trabalho. Na banca do velho Praxedes, três bules com café, apareceram. Leite condensado e pãezinhos foram expostos e do depósito do pereira, vieram quatro banquinhos. Se estivesses lá, terias visto Cacilda e Eufrásia com suas vestes imorais e pecaminosas. A carne veio salgada de Breves e Santarém, das vilazinhas trouxeram: couros, mel açúcar grosso, batata cacau e maçaranduba. Se estivesses lá, terias apreciado os perfumes e as sedas de Paramaribo e Caiena. Terias gostado dos anéis, dos brincos e das pulseiras, caixas com garrafas de uísques, vinhos, licores, os mais finos foram trazidas. O Santa Margarida atracou no mercado de peixe. Remelentos e babões. Levavam: Bacaba, farinha, sardinha enlatada e camarão. O velho: não larga a mania de injuriar. Hoje na casa de celeste deverá ter baile, Suas meninas, inclusive, Esmeralda, Jovina e Nelma; com seus trajes do inferno e com as caras avermelhadas do cão, matarão as abelhas e engolirão o mel amarelado. Quarenta e cinco noites, o som de Torquato noticiará os dezessete anos de Clotilde. Dizem que ela veio da
vila de Concórdia. (ALENCAR, 1987, p. 27). Na feira linguajares adquirem novos significados, termos como vizinho, compadre, são bastante utilizados como sinônimo de pessoalidade, intimidade; bem como, são utilizadas expressões de vendedores que oferecem produtos a seus clientes: “Essa é só o creme” para designar um produto de qualidade, muito comum no mercado de peixe e de carne. As disputas discursivas em torno de times de futebol, partidos políticos, religião, relações amorosas e mesmo uma pitada de vida alheia, animam o bate pato e fazem da beira um espaço de circulação de ideias, opiniões e afetividade, como também de conflitos. Lá relações de poder são estabelecidas, laços solidários se consolidam ao longo do dia. Abaetetuba além de ser um centro comercial da região, como bem apontava Ignácio Moura (1989), famosa pela “beira” e pela abundância de produtos em geral que a caracteriza no setor de serviços. Num limiar entre a abundância das águas e a carência da partilha de bens sociais, o espaço da beira é ainda um multicolorido universo de dramas e solidariedades na face de uma cidade ribeirinha.
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Girandolas Porfiar era o verbo. Era o tempo. Era o mundo. Um lugar, uma sensação de pertencimento. Uma vida. Várias ilhas sem nome. Uma Abaeté. Vários sentimentos Um miriti. Um brinquedo, uma luz, Uma criatividade. Uma Resistência. Trecho do livro “Girândolas” do escritor Daniel da Rocha Leite
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argem ribeirinha, nela vemos os meninos das várzeas e seu cotidiano lúdico que se desenlaça entre a casa, ribanceiras, pontes e rios. Supomos que esses meninos pudessem falar de uma boa pescaria, no entanto, não temos mais a mesma convicção do alcance dessa prática em suas vidas. Apesar de toda uma organização dos moradores das ilhas de Abaetetuba, em torno das comunidades de pescadores, como: AMIA, (Associação dos Moradores das ilhas de Abaetetuba), Z14 (Colônia de Pescadores) e o MORIVA (Movimento dos Ribeirinhos das Ilhas e várzeas de Abaeteteuba) muito teria que se fazer para manter uma pesca sustentável na região. Por outro lado, a atividade extrativa também vai à mesma direção nas comunidades dos coletores: a coleta do açaí, miriti, mandioca e tantas outras frutas da floresta são feitas principalmente para o mercado, seja ele local, regional, nacional ou internacional. Se por um lado temos o aumento de empregos na região de várzeas, por outro cresceram os problemas de zoneamento, de exploração do trabalho e principalmente do uso privatizado de substâncias nutritivas, e hoje é associado ao grupo dos energéticos, bastante consumido nas grandes cidades. O que impede uma melhoria na qualidade de vida do ribeirinho, na mesma proporção ao aumento de demanda de seus produtos no mercado. O mapa abaixo ajuda-nos a visualizar a rota do açaí e a localização estratégica de Abaetetuba justamente por estar às margens dos rios do estuário, rota de saída para outros centros, facilitando assim o escoamento da produção, que se dá, sobretudo, pelos barcos e também por caminhões de grandes cargas.
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O açaí tem importância central na culinária ribeirinha, que é a grande responsável pelo sucesso do fruto enquanto produto extrativo mais importante da região. A imagem do gostoso açaí na mesa simples dos moradores e das árvores em abundância na visualidade das matas ilhas é demonstração de que a cidade ainda dependente da coleta do fruto, arranja-se no cenário regional como uma intensa contribuição à cultura do açaí
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“Sou a névoa branca do Açaí tuíra Que recobre o cacho de uma cor sutil”. Alfred Moraes - Abaetetubandiando
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As práticas de manejo do açaí além de fornecerem hoje o alimento básico para a dieta do abaetetubense, seja das ilhas ou das cidades, adapta-se ao ecossistema, gerando um número considerável de empregos nas regiões das ilhas pelo aumento da demanda nacional e internacional. O produto é parte de um extrativismo secular composto de vários outros como: miriti, cacau, bacaba, castanha do Pará e de tantas outras plantas. A coleta do fruto do açaí em particular auxilia em duas artes de fazer, bem conhecidas na cidade: a arte da peconha – peconheiro– (aquele que sobe nas árvores com um objeto circular feito da própria rama da árvore do açaí, em vista de retirada do cacho com os frutos), como os batedores do fruto, localizados em vários bairros, ilhas e colônias, com suas máquinas de bater, responsáveis pela manufatura do fruto em suco de açaí. A cultura paraense é uma civilização do açaí, e o delta amazônico é o nascedouro da produção e do consumo do fruto, conhecido também de juçara, em torno dessa atividade, tipifica-se formas de pertencimento e certos modos de afetividade, os papa-chibé. Tal como se descreve nesse trecho da música “sabor açaí” de Nilson Chaves e João Gomes, de onde é possível imaginarmos o sabor marajoara do açaí, numa boca de um ribeirinho:
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Sabor Açai E pra que tu foi plantado, E pra que tu foi plantada, pra invadir a nossa mesa, e abastar a nossa casa... Teu destino foi traçado pelas mãos da mãe do mato, mãos prendadas de uma deusa, mãos de toque abençoado. És a planta que alimenta A paixão do nosso povo macho fêmea das touceiras, onde Oxossi faz seu posto... A mais magra das palmeiras Mas mulher do sangue grosso E homem do sangue vasto Tu te entrega até o caroço... E tua fruta vai rolando Para os nossos alguidares Tu te entregas ao sacrifício fruta santa, fruta mártir tens o dom de seres muito Onde muitos não têm nada uns te chamam açaizeiro, outros te chamam juçara... Põe tapioca Põe farinha d'água Põe açúcar Não põe nada Come e bebe como um suco eu sou muito mais que um fruto sou sabor marajoara. (NILSON CHAVES e JOÃO GOMES, 1994)
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