Pzz abaetetuba

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ENSAIO FOTOGRÁFICO a história de DO HELLY PAMPLONA- abaetetuba por PORTO DE ABAETÉ jorge machado

entrevista com a prefeita francineti carvalho

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ABAETETUBA a cidade de abaetetuba no pará é rica em história,tradição e cultura. considerada a capital mundial do miriti é um lugar de homens e mulheres fortes e valentes. ALÉM DA PRODUÇÃO DE AÇAÍ QUE ABASTECE O ESTADO E O PAÍS

TEATRO

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FOTOGRAFIA

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MÚSICA

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CINEMA

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DOCUMENTÁRIOS

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1 ECONOMIA lwww.revistapzz.com.br ARTES VISUAIS


UMA HISTÓRIA QUE SEMPRE TERMINA BEM: EMPRESAS PARAENSES COMPRANDO NO PARÁ.

FIEPA: Unindo quem produz e quem compra, sem sair do Pará.

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O conhecimento é um grande parceiro de qualquer negócio. E é bom saber que, quando uma empresa paraense compra de outra empresa no Pará, faz o melhor negócio: fortalece o comércio e a indústria, melhora a arrecadação, gera empregos e o dinheiro circula dentro do estado. Os produtos chegam mais rápido, a confiança é maior e os impostos que você paga voltam em benefícios para a população. Muitos descobriram as vantagens de comprar no Pará, até quem não é daqui. Empresas nacionais responsáveis por grandes projetos no estado já compram mais da metade dos seus produtos de fornecedores paraenses, estimuladas pela iniciativa FIEPA/REDES. Este número pode crescer ainda mais. Escolha produtos paraenses para sua empresa, sua casa, seu município. Informe-se e comece a lucrar. Vamos juntos fortalecer a economia www.revistapzz.com.br do Pará. Comprou no Pará, lucrou.


HISTÓRIA

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Abaetetuba: Reminiscências históricas por Jorge Machado Vila de Beja

PATRIMÔNIO IMATERIAL

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Edição 24| 2016

O Círio de Nossa Senhora da Conceição

PATRIMÔNIO MATERIAL Multicoloridas Rabetas por Marise Maués

ECONOMIA

18 30

A produção do Açaí em Abaeté abastece o mercado e reflete na economia do Pará e do Brasil.

COMÉRCIO

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Os Engenhos e o Regatão foram as mais notáveis aventuras comerciais dos abaeteenses por Joorge Machado

FILOSOFIA

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Abaetetuba - Cidade das Artes - Uma poética da resistência nas margens de Abaetetuba por Jones Gomes Abaetetuba Encantada como Utopia Social por João de Jesus Paes Loureiro

LITERATURA

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Poesofia - Antologia de Poetas de Abaetetuba Romance - Girândolas, Livro do escritor Daniel da Rocha Leite Crônica - UM RIO E UMA RUA por Benilton Cruz

ENTREVISTA

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Entrevista com a Prefeita de Abaetetuba Francineti Carvalho

FOTOPOESIA

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O eterno ir e vir das comunidades ribeirinhas por Adriana Lima

ENSAIO FOTOGRÁFICO

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Helly Pamplona, o fotógrafo da selva, aporta suas lentes no Porto de Abaeté

COLETIVO FOTOGRÁFICO

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O Coletivo Fotográfico AtoRetrato

ESPECIAL

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Os Brinquedos de Miriri e as representações lúdicas

ARTES VISUAIS

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Diretoria Executiva Carlos Pará e Fábio Santos Editor Responsável Carlos Pará 2165 - DRT/PA Diagramação Carlos Pará Editora de Fotografia Adriana Lima Fotógrafos Helly Pamplona Adriana Lima Leonora Lagos Coletivo AtoRetrato Produção Executiva Carlos Pará Webdesigner Andrey dos Anjos Revisão Final: Elias Teles Impressão: Gráfica Sagrada Família Distribuição Belém, Pará, Brasil Assessoria Jurídica: Alfredo Nazareth Melo Santana 11341 - OAB-PA Contatos (91) 3229-2670 / (91) 98335-0000 email revistapzz@gmail.com Twitter @revistapzz Facebook https://www.facebook/revistapzz

cartas A Revista PZZ é uma publicação bimensal da M.M.M. Santos Editora EPP - Av. Magalhães Barata, 391, Belém, Pará, Amazônia, Brasil Cep 66093-400 Cnpj : 07.015.922/0001-11 Parceiros

Ary Cardoso em sua relação arte e natureza desenvolve a produção de esculturas e preserva um Parque Ambiental. Marcelo Vaz - Arte, Arquitetura e Design

ESPETÁCULO

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Mestre Solano - De Abaetetuba para o Mundo Cordões de Pássaro Grupo Encen’art

CARNAVAL

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Ei Sujo - Carnaval de Abaetetuba por Arthur Ghuma

MEMÓRIA

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Última Sessão do Cinema Imperador por Jorge Machado www.revistapzz.com.br 3


HISTÓRIA

Jorge Machado

ABAETETUBA o professor de história Jorge Machado revela a Fundação e gênese de Abaetetuba, uma Síntese do livro: História de Abaetetuba. mostra como o lugar avançou-se de vila até o pleno estabelecimento do município. A Vila que cresceu e assumiu proporções de cidade, o que já apontava para a necessidade de maiores perspectivas para evolução.

A

Amazônia do início do sé- família, de Belém para a sua propriedade, culo XVIII era, para muitos, Francisco Monteiro foi acossado por viopromessa de riquezas e de lenta tempestade, tendo sofrido desvio da sonhos realizados. rota pela qual viajava. Era o dia 8 de deDa Europa, muitos aven- zembro de 1724, dia consagrado a Nossa tureiros e exploradores partiram para o Senhora da Conceição. novo mundo em busca da riqueza. Poucos Monteiro, temendo por sua vida e pela dos a encontraram. seus, prometeu à santa Antes, bem antes da que, caso encontrasse chegada dos aventureiFrancisco de Azevedo Monteiro salvação, no local onde ros, toda a região em merece o crédito e a alcunha de aportasse erigiria uma torno de Beja já havia capela em Sua honra. sido visitada pelos mis- fundador de Abaetetuba por ter, Conseguiram aportar sionários Jesuítas em sem dúvida, lançado as bases do no local onde hoje se trabalho de catequese. o chamado povoado que mais tarde evoluiria localiza Porém, só com a che“Cruzeiro”, no início da na vila de Abaeté. Entretanto, o atual Travessa Pedro gada dos comerciantes e dos interesses econô- grande responsável pela formação Rodrigues, às margens micos é que os povorio Meruú (conhecido vilarejo foi Manoel da Silva do ados dito “civilizados” do em frente à cidade Raposo. começaram a surgir, como Maratauíra). Aí, devido basicamente à Monteiro construiu a política de não interferência dos missio- capela, como pagamento da promessa. nários na cultura indígena. Em seguida, tomou posse da terra e comuFrancisco Azevedo Monteiro, português nicou o fato ao governador da Província do de nascimento, atraído por promessas de Pará. riqueza, partiu para o novo mundo. É bastante provável, embora não certo, Monteiro era proprietário de uma sesma- que o viajante estivesse percorrendo a reria (sesmarias eram lotes de terra inculta gião com objetivos exploratórios, visando que os Reis de Portugal cediam a quem descobrir possíveis fontes de cravo, canela se dispusesse a cultivá-las), no rio Jarumã e outras especiarias. Tendo decidido ficar desde 1712. no lugar onde foi parar em decorrência da Diz a Tradição que, viajando com toda a tempestade, transferiu suas posses para o 4 www.revistapzz.com.br

PAISAGEM TRANSFORMADA Só com a chegada dos comerciantes e dos interesses econômicos é que os povoados dito “civilizados” começaram a surgir, devido basicamente à política de não interferência dos missionários na cultura indígena. novo lugar, no rio Meruú (Maratauíra). Dando vazão a sua religiosidade, Monteiro deu graças à padroeira do dia, N. Sra. da Conceição, construindo a capela. Assim teve início o culto à Imaculada Conceição, a padroeira dos abaetetubenses, tradição religiosa ligada definitivamente à história de Abaetetuba. Construída a capela, em torno da mesma se foram agrupando alguns casebres dando origem a um povoado. A este, Francisco Monteiro denominou Povoado de Nossa Senhora da Conceição de Abaeté. Porém, apesar da constante procura, as riquezas que buscava não se revelaram, se existiam. Ademais, o povoado levava uma vida miserável e, sem ter outra atividade capaz de gerar desenvolvimento econômico, tendia à desagregação. Assim, partindo para novos empreendimentos, Monteiro regressou à capi-


FOTO: acervo jorge machado

tal da província deixando a terra que lhe pertencia entregue aos cuidados dos escassos moradores. Mais tarde transferiu sua propriedade ao Governo para que se utilizasse dela. Francisco de Azevedo Monteiro merece o crédito e a alcunha de fundador de Abaetetuba por ter, sem dúvida, lançado as bases do povoado que mais tarde evoluiria na vila de Abaeté. Entretanto, o grande responsável pela formação do vilarejo foi Manoel da Silva Raposo. Por volta de 1773, vieram estabelecer-se no povoado várias famílias marajoaras. Manoel Raposo integrava uma dessas famílias. Raposo trabalhou liderando os moradores do lugarejo. Reconstruiu a antiga capela construída por Francisco Monteiro, bem perto da orla fluvial, e anexou a esta uma casa destinada à permanência dos missionários quando em visita ao povoado. Conseguiu alinhar as poucas casas existentes, dando origem à primeira rua do povoado, hoje Travessa Pedro Rodrigues. Ao redor da capela, no local onde está o “Cruzeiro”, construíram o primeiro cemitério do, na época, povoado. Em meados dos anos 1990, as obras para construção de galerias para águas pluviais na Travessa Pedro Rodrigues revelaram vestígios dos alicerces da capela de Manoel Raposo e do cemitério que, nos dizeres de cro-

nistas da época, ficava atrás de referida construção. O trabalho de Manoel Raposo atraiu outras famílias para o povoado. Essas famílias, por sua vez, fixaram residência e passaram a dedicar-se à agricultura de subsistência e ao extrativismo. Por seu empenho, Raposo conseguiu do Governo a posse de quase toda a sesma-

Estando anexada ao território de Belém, a freguesia de Abaeté passou a receber, em vários aspectos, grande influência da Capital. Assim, houve um rápido desenvolvimento e cogitou-se da possibilidade de uma Vila de Abaeté. ria que outrora pertencera a Francisco Monteiro. A FREGUESIA DE ABAETÉ O Padre Aluízio Conrado Pfeil, antigo servidor do povoado Samaúma, em uma de suas visitas à região, estimulou os moradores do povoado, organizou-os melhor e colaborou com Raposo na administração do lugar. Este, grato pelo auxílio, doou à Igreja, pouco antes de falecer, a sesmaria que havia recebido do governo.

A oferta levou Padre Pfeil a, primeiro aumentar a sesmaria às antigas dimensões da sesmaria de Francisco Monteiro. Depois, solicitou a seus superiores a elevação do povoado à categoria de Freguesia, no que foi atendido. Contudo, a nova freguesia estava anexada ao território eclesiástico de Beja, embora tal anexação tenha sido efêmera, uma vez que no ano seguinte ambos os territórios foram anexados ao da Capital. ABAETÉ VILA E MUNICÍPIO Estando anexada ao território de Belém, a freguesia de Abaeté passou a receber, em vários aspectos, grande influência da Capital. Assim, houve um rápido desenvolvimento e cogitou-se da possibilidade de uma Vila de Abaeté. Porém, o distrito de Abaeté era relativamente novo comparado aos vizinhos lgarapé-Miri, Cametá e Beja. Não parecia, portanto, que Abaeté pudesse crescer administrando seu próprio território. Através da Lei no 118 de 11 de setembro de 1844 o território de Abaeté foi anexado ao de lgarapé-Miri. Entretanto, tal anexação pouco durou, visto que Igarapé-Miri mal reunia condições de administrar seu território, muito menos os dois. Assim, uma nova lei, n. 121 de 19 de outubro de 1844, além de revogar a lei n. 118 ainda anexou ao território de Abaeté a ilha Jacarequara, antes www.revistapzz.com.br 5


HISTÓRIA

pertencente ao território de Igarapé-Miri. Porém, mesmo com o desmembramento, Abaeté não ganhou autonomia político-administrativa, visto que nova lei, de nº. 885 de 16 de abril de 1877 viria anexá-la novamente ao território de Belém. Em 1880, José Araújo Danim, governador provincial, desmembrou o território de Abaeté, incluindo Beja, do da capital e o transformou em município autônomo, elevando a antiga freguesia à categoria de Vila. A 7 de janeiro de 1881 instalou-se a primeira Câmara Municipal na VILA DE ABAETE. Ainda haviam dúvidas sobre onde se localizaria a sede do município, pois Beja, mesmo menos desenvolvida,

Com a Vila de Abaeté, avançouse mais no caminho para o pleno estabelecimento do município. A Vila cresceu e assumiu proporções de cidade, o que já apontava para a necessidade de maiores perspectivas para evolução. Tais perspectivas surgiram quando o governador Lauro Sodré, através da lei no 324 de 6 de julho de 1895 elevou a antiga vila à categoria de CIDADE. reivindicava para si tal direito por ser considerada mais antiga. Mas, a 23 de março de 1883 teve fim a questão, quando foi juridicamente instalada em Abaeté a sede do município de mesmo nome. ABAETÉ CIDADE Com a Vila de Abaeté, avançou-se mais no caminho para o pleno estabelecimento do município. A Vila cresceu e assumiu proporções de cidade, o que já apontava para a necessidade de maiores perspectivas para evolução. Tais perspectivas surgiram quando o governador Lauro Sodré, através da lei nº. 324 de 6 de julho de 1895 elevou a antiga vila à categoria de CIDADE., A 15 de agosto de 1895 o Dr. João Hozanah de Oliveira, procurador geral do Estado, procedeu à instalação da Cidade. Com isso, os aspectos jurídicos cederam lugar aos aspectos territoriais concer6 www.revistapzz.com.br

nentes à estruturação do patrimônio municipal, cujo território era de propriedade da Igreja Católica. OS NOMES DE ABAETETUBA Desde o início, quando Francisco Monteiro demarcou sua sesmaria, denominou a sua comunidade de POVOADO DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE ABAETÉ, primeiro pela sua devoção à virgem, segundo pelo nome do rio que banha parte da cidade. O nome foi logo abreviado para ABAETÉ, como ficou conhecido. O próprio termo Abaeté, originário do Tupi. significa “homem forte, valente e prudente. Homem ilustre”. Essa denominação perdurou até quando da publicação do decreto 4505 de 30 de setembro de 1943. Proclamava o mesmo que não haveria no Brasil mais de uma cidade ou vila com a mesma denominação. Nota-se existir, no Estado de Minas Gerais, o município e a cidade de Abaeté. Por ser a Abaeté de Francisco Monteiro a mais nova, ficou decidida a mudança do nome desta para ABAETETUBA. A deno-

minação de Abaetetuba originou-se por força de Decreto-lei do Governo do Estado do Pará. Tal denominação foi sugestão do historiador Jorge Hurley. É a junção do nome Abaeté com o sufixo “tuba”, que em Tupi significa “lugar de abundância”. Assim, podemos definir o nome ABAETETUBA como “lugar de muitos homens ilustres e verdadeiros”. Tal denominação durou até 1961, quando o Deputado Wilson Pedrosa Amanajás, enquanto deputado estadual, mudou o nome para ABAETÉ DO TOCANTINS. Segundo ele, tal denominação estaria mais arraigada na tradição local. Contudo, em 1963, o Deputado João Reis conseguiu que a cidade e o município voltassem a se chamar Abaetetuba, denominação que perdura até hoje. IGNÁCIO MOURA: CRONISTA DO TOCANTINS Em 1896, sob o governo de Lauro Sodré, o engenheiro Ignácio Baptista de Moura, cametaense de nascimento (1857), empreendeu viagem pelo vale do Tocantins


FOTO: acervo jorge machado

com a finalidade de inspecionar o burgo de Itacaiúnas, no sul do Pará. Tal expedição acabou por realizar importante estudo histórico e etnográfico da região do Tocantins e adjacências. Sua viagem está brilhantemente relatada na obra DE BELÉM A SÃO JOÃO DO ARAGUAIA, em cujo capítulo 2 o autor narra sua passagem pela Cidade de Abaeté. Deixemos ao cronista do Tocantins que relate, em belíssimo estilo, sua passagem por Abaeté no final do século XIX: “Quando nos acordamos na madrugada de 5 [de Março de 1896], a aragem do rio tinha a frescura doce das manhãs tropicais. Já havíamos deixado atrás as vilas de Conde e Beja com diminuta população, mas com importância agrícola relativa à cultura da mandioca. Deixávamos o torvelinho da baía, e navegávamos nas águas plácidas do rio Abaeté, onde poucas horas depois teria de atracar a Alcobaça. Um perfume de baunilha nos vinha suavemente da mata, de um e de outro lado, e um cheiro forte de fermen-

to de cana se fazia sentir, por vezes, dando sinal de canaviais maduros ou de algum

Desde o início, quando Francisco Monteiro demarcou sua sesmaria, denominou a sua comunidade de POVOADO DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE ABAETÉ, primeiro pela sua devoção à virgem, segundo pelo nome do rio que banha parte da cidade. O nome foi logo abreviado para ABAETÉ, como ficou conhecido. O próprio termo Abaeté, originário do Tupi. significa “homem forte, valente e prudente. Homem ilustre”. engenho de aguardente em operosa faina. Abaeté e Igarapé-Miri são dois municípios

onde a indústria da aguardente tem procurado competir com a que vem de Pernambuco. Outros habitantes se ocupam na fabricação da goma elástica ou na lavoura da mandioca, produzindo a farinha branca ou amarela, aqui chamada farinha d’água, que exportam para a capital do Estado e também para a cidade de Cametá. Poucas horas depois, atracamos ao trapiche ou ponte da cidade de Abaeté, situada em uma ponta de terra, entre as confluências dos rios Jurumã e Abaeté, e a margem esquerda do rio Moju e Igarapé-Miri. Encontramos nesse porto o vapor General Jardim. O município de Abaeté tem 12.054 habitantes, na sua maior parte lavradores e industriais. A cidade de Abaeté, em 1758, sendo desmembrada do município de Beja, então vila, a que pertencia, formou por seu turno um município independente, contanto, portanto, cento e cinqüenta anos de existência, sendo atualmente uma das cidades mais comerciais do Estado do Pará. O sistema potamográfico do município é www.revistapzz.com.br 7


HISTÓRIA

importante: rios caudalosos cortam-no em todos os sentidos, formando ilhas aprazíveis e férteis, lançando-se uns nos outros e, por fim, no majestoso Tocantins, que aí forma as duas enseadas entre a ilha do Capim, as quais são conhecidas vulgarmente com o nome de baía de Beja e baía de Marajó. O Sr. H. Amanajás, a quem devemos a maior parte destas notas, é administrador do Diário Oficial do Estado, e redigiu por muito tempo O Abaeteense, que se publicava ali hebdomadariamente. Entre os rios do município conta-se o Meruú, possante corrente d’água, que nasce no município de Igarapé-Miri, percorre-o em grande parte, comunica-se com o Tocantins pelos furos do Anapu, Mitipucu, Panacuera, Tucumanduba, Maracapucu e furo do Capim; com o Moju, pelo Igarapé-Miri e Canal; recebe no seu percurso o Cagi, o Santo Antonio, o Tauerá, o Acaraqui, o Abaeté, o Jurumã e outros pequenos rios, e lança-se no Tocantins, formando esse grupo brilhante de ilhas, que constitui uma parte do território de Abaeté, e em cuja extremidade está colocada a ilha do Capim, com o seu utilíssimo farol. (...) Quando saltamos na ponte de Abaeté, havia uma porção desse paneiros [de farinha de mandioca] empilhados na frente do trapiche, à espera de embarque para Belém. Visitamos a cidade, cheia de uma edificação antiga e sem gosto, com 3 grandes ruas, 5 travessas, 2 praças e 2 igrejas católicas. A rua fronteira ao rio quase é um seguimento de pontes, que dão desembarque para os estabelecimentos comerciais, que ali abundam. Fiz uma ligeira visita ao padre Pimentel, vigário daquela freguesia católica e um dos mais antigos sacerdotes do clero paraense, o qual me deu algumas informações para o meu canhenho de viagem. A cidade tem cerca de 1.000 habitantes, famílias quase todas de autoridades ou de comerciantes. O Paço Municipal funciona em um bom prédio de sobrado. (...) Algumas horas depois, desatracávamos do porto da cidade e continuávamos rapidamente a viagem, já um pouco incomodados pelo calor canicular que começava a fazer à bordo. (...) Às duas da tarde, chegávamos ao trapiche Hypólito, porto, quase obrigatório da navegação do Tocantins até para os vapores da Amazon Company, por causa da compra da 8 www.revistapzz.com.br

lenha para as fornalhas dos mesmos e do embarque ou desembarque dos passageiros dos arredores. (...) O Senhor Hypólito faz ali um excelente comércio de compra e venda de garrafões com aguardente, potes com mel de cana, cacau, borracha, etc. Foi ali o único porto do interior do Estado em que vi funcionar uma pequena linha telefônica, comunicando aquele estabelecimento comercial com um engenho pertencente a um cunhado do Sr. Hypólito, situado a mais de um quilômetro de distância. Depois de algumas curtas indagações, continuamos a viagem, e quase uma hora depois deixávamos aquela navegação de pequenos canais ou rios, para entrarmos no desassombrado estuário do Tocantins. A fresca e rija viração dos horizontes largos substituiu a aragem cálida e intermitente dos rios estreitos: era o franco esplendor das tardes belíssimas da minha terra, onde o céu, de um azul diáfano e imaculado, se casa com a múrmura quietude das matas e com a corrente límpida do rio.”

REFERÊNCIAS 1. SANTOS, Roberto. Um século de economia paraense (1800-1900). Pará Desenvolvimento - n. 4/5, p. 55-75, 1968. IDESP - Belém - Pará 2. CUNHA, Euclides. Um paraíso perdido: reunião dos ensaios amazônicos. Petrópolis, Vozes/INL, 1976. 3. Muitos comerciantes estabelecidos hoje na cidade de Abaetetuba tiveram a origem de seus negócios em engenhos ou no comércio de regatão. Pelo menos dois grandes grupos empresariais de Belém do ramo supermercadista, cujos fundadores são oriundos do Município de Igarapé-Miri, tem em sua origem negócios com engenhos ou regatão.


FOTO: acervo jorge machado

BIOGRAFIA Jorge Ricardo Coutinho Machado é escritor (contista), roteirista e professor universitário. Nasceu em Abaeté do Tocantins a 26 de Março de 1963. Nessa época, de 1962 a 1963, Abaetetuba não existia e a cidade tinha aquele nome poético que a ligava ao rio. É doutorando em Educação em Ciências no IEMCI/UFPA. Atualmente é professor da Faculdade de Educação da UFPA. Seu primeiro livro, Terras de Abaetetuba, (CEJUP, 1986) é um abrangente inventário sobre os aspectos históricos, geográficos e culturais do município. Também publicou Memória Photográphica (Imprensa Oficial do Pará, 1998), sobre a memória visual da Cidade de Abaetetuba e O que é alquimia? (Brasiliense, 1991, Coleção Primeiros Passos), livro que trata de história da química e pretende ser uma introdução ao estudo desse assunto. Obras de ficção: Belém (coletânea de autores paraenses) - FUNTELPA, 1987 Contos Paraenses (antologia de autores paraenses) - CULTURAL CEJUP, 1988 Novos Contos Paraenses - CULTURAL CEJUP, 1988 O domingo da Epifania (contos) - SECULT/PA, 1991 O Círio (coletânea de contos sobre o Círio de Nazaré) - CULTURAL CEJUP, 1995 Fundou em 2001 a EDIÇÕES ALQUIMIA, que publicou algumas de suas obras (O Município de Abaetetuba, História de Abaetetuba, Glossário Abaeteense, Histórias de Visagens vol.1, Histórias e Visagens vol. 2, Nosso Folclore) em formato semi-artesanal e escreveu o roteiro de Aquele que voltou, curta metragem em vídeo adaptado de um de seus contos. Recebeu em 2012 o Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura (Fundação Cultural do Pará) na categoria Conto com Mater Purissima: Histórias da Festa de Conceição em Abaeté do Tocantins. Escreve atualmente Floresta negra: contos de terror amazônico.

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HISTĂ“RIA

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FOTOs: helly pamplona

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO Diz a Tradição que, viajando com toda a família, de Belém para a sua propriedade, Francisco Monteiro foi acossado por violenta tempestade, tendo sofrido desvio da rota pela qual viajava. Era o dia 8 de dezembro de 1724, dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição. Monteiro, temendo por sua vida e pela dos seus, prometeu à santa que, caso encontrasse salvação, no local onde aportasse erigiria uma capela em Sua honra.

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HISTÓRIA

VILA DE BEJA

A origem do município de Abaetetuba está relacionada com a história de Beja. A constituíam Vilas distintas e, posteriormente, foram incorporadas e passaram a pertencer ao mesmo município.

O

s frades capuchos de Santo Antônio, após fundarem o Convento do Una, em Belém, em 1617, passaram a percorrer as terras onde habitavam os índios remanescentes da tribo Mortiguar. Nesse território construíram uma aldeia com caráter de missão religiosa. O então governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado nomeou a nova aldeia de Samaúma. Tempos depois, a aldeia de Samaúma foi instalada como Freguesia, com o nome de São Miguel de Beja. Os frades capuchos ali permaneceram até 1653, sendo substituídos pelos padres jesuítas, inicialmente através do padre alemão Aluízio Conrado Pfeil, que já catequizava a tribo dos índios abaetés. Em 1797, atendendo aos apelos do padre Aluísio Conrado Pfeil junto ao Bispado, o povoado foi elevado à categoria de Freguesia, sob o orago de Nossa Senhora da Conceição de Abaeté, subordinada, porém, ao território eclesiástico de Beja. Política A partir dos idos de 1804, a Freguesia São Miguel de Beja chegou a ter o seu Senado

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da Câmara, que era constituído por um juiz ordinário, o senhor Manoel Jorge Soares, e por cinco oficiais do Senado. Em 1805, quem passou a ocupar o cargo de juiz ordinário foi José Pereira de Lacerda, permanecendo como tal até o ano de 1822, quando, na realidade, foi criado o Corpo de Oficiais do Senado. Em 1824, o Pará já estava integrado ao Império do Brasil, e o

O então governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado nomeou a nova aldeia de Samaúma. Tempos depois, a aldeia de Samaúma foi instalada como Freguesia, com o nome de São Miguel de Beja. juiz constituído era o senhor Hermenegildo Francisco Melo. Em 1828, o Corpo de Oficiais do Senado foi extinto. Em 1833, em decorrência da decisão tomada pelo Governo Provincial em dar uma nova organização municipal ao Pará (sessões de 10 a 17 de maio daquele ano), extinguiu-se o Senado de Beja.

No dia 30 de setembro de 1839, mediante a determinação do presidente Bernardo de Souza Franco, a Freguesia de São Miguel de Beja perdeu a sua autonomia, tendo sido o seu território anexando ao da vila de Abaeté. Com a Divisão Judiciária estabelecida pelo Governo Provincial, em maio de 1833, a vila de Abaeté foi anexada ao território da Capital do Estado, a cuja jurisdição pertencia originalmente. Em 1839, o território de Beja também passou a compor a área patrimonial de Abaeté. Com a partida do padre alemão Aluízio Conrado Pfeil, substituiu-lhe o padre Antônio Ekel, que deu início à construção de um templo, concluído somente dois séculos depois, já em 1883, pelo padre Francisco Manoel Pimentel. Outro jesuíta de renome que por lá andou foi o padre João Felipe Bettendorf, autor da obra intitulada História, que serve de base para o estudo do passado colonial do Estado do Pará.


FOTO: helly pamplona

IGREJA DE SÃO MIGUEL ARCANJO A Igreja de São Miguel Arcanjo no município de Beja foi construída para reverenciar o padroeiro do lugar. Ao lado a orla da Vila de Beja, um dos lugares com o pôr do sol mais lindo da região

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PATRIMÔNIO IMATERIAL

CÍRIO DE N. Sra. da

CONCEIÇÃO O culto a Nossa Senhora da Conceição é a mais antiga devoção do povo católico de Abaetetuba. No período de fins de novembro a inicio de novembro acontecem as homenagem a Nossa Senhora da Conceição no município de Abaetetuba.

A

s homenagens do povo Francisco Azevedo Monteiro esteve pela católico do lugar início no primeira vez no aglomerado dos abaetés século XVIII. Diz a Tradição no ano de 1724, no dia 8 de dezembro, dia que, viajando com toda a em que já se comemorava N. S. da Conceifamília, de Belém para a ção em Portugal. Desde então, a pequena sua propriedade, Francisco Monteiro foi população do lugar passou, anualmente, acossado por violenprestar homenagem à ta tempestade, tenSanta Padroeira. Mas, do sofrido desvio da Era o dia 8 de dezembro de 1724, só a partir de 1912, rota pela qual viajaCírio da Imaculada dia consagrado a Nossa Senhora oConceição va. Era o dia 8 de depassou a ser zembro de 1724, dia da Conceição. Francisco Monteiro, oficial, isto é, já pôde consagrado a Nossa temendo por sua vida e pela dos contar com a presença Senhora da Conceisacerdotes e com a seus, prometeu à santa que, caso de ção. coordenação paroquial. Monteiro, temendo encontrasse salvação, no local onde Assim, o círio 2016 será por sua vida e pela aportasse erigiria uma capela em o 104°, na contagem dos seus, prometeu oficial registrado na PaSua honra. à santa que, caso róquia de Abaeté. encontrasse salvaA festa de N. S. da Conção, no local onde aportasse erigiria uma ceição deste ano tem como tema: “Da capela em Sua honra. Igreja que somos a Igreja que Cristo quer”. Trouxe de Portugal uma imagem de N.S. A programação religiosa começa, com a da Conceição esculpida em cedro mogno “Romaria Ciclística”, pois Abaetetuba é da Amazônia, e adquiriu, junto à Coroa, a a cidade do interior do Pará com maior área do atual município de Abaetetuba. número de bicicletas. A bicicleata, com A partir de então, o pequeno aglomerado a imagem da Santa, percorre as principassou a ser denominado de Vila de N. S. pais ruas da cidade. No Sábado, acontece da Conceição de Abaeté. Assim a história a “Romaria fluvial”, na qual participam da Festividade de N. S. da Conceição se centenas de embarcações que partem funde à história do Município. da Capela de N.S. de Nazaré, na Costa 14 www.revistapzz.com.br


A Festividade de N.S. da Conceição do Município de Abaetetuba é uma das maiores manifestações do povo católico do Baixo Tocantins. Quando os portugueses que vieram colonizar o Brasil já trouxeram consigo o culto a Nossa Senhora da Conceição. posse da sesmaria doada pelo Rei de Portugal. O culto a Nossa Senhora da Conceição encontrou terreno fértil entre os nativos do lugar, que se encarregaram de perpetuar essa devoção. Desde a criação do povoado de Abaeté, até a criação da Vila de Abaeté em 1880, foram 156 anos de devoção dos nativos e habitantes do lugar a Nossa Senhora da Conceição. Isso significa mais de um século e meio de devoção à Virgem da Conceição, com a precária assistência de padres, pois estes tinham um enorme território para dar assistência catequética. A 1ª procissão Oficial de Nossa Senhora da Conceição aconteceu no dia

FOTOs: leOnora lagos

FOTOS: lúcio coutinho

Sirituba, para o porto da cidade. Ao chegar ao porto da cidade, começa outra homenagem em forma de procissão. È a “Moto romaria”, da qual participam milhares de motoqueiros e motos-taxista, que, após percorrerem diversas ruas da cidade, chegam à Catedral da Santa Padroeira. Nesse mesmo dia, há a Transladação da imagem de N. S. da Conceição até a igreja de N. S, do Perpétuo Socorro no bairro do Algodoal, local de onde sairá o Círio no Domingo. A Festividade de N.S. da Conceição do Município de Abaetetuba é uma das maiores manifestações do povo católico do Baixo Tocantins. Quando os portugueses que vieram colonizar o Brasil já trouxeram consigo o culto a Nossa Senhora da Conceição. O navegador português Francisco de Azevedo Monteiro introduziu desse culto no povoado de Abaeté em 1724, quando veio tomar

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO Imagem mistificada de Maria, a Imaculada Conceição refere-se a um dogma através do qual a Igreja declarou que a concepção da Virgem Maria foi sem a mancha “macula em latin” desde o primeiro instante de sua existência. 8/12/1912, ainda na Igreja do Divino, situada na então Travessa Nova, em frente à Praça do Divino ou Praça da Conceição. Então, a devoção à Virgem da Conceição já vai avançando para os seus trezentos anos. Quanto ao Círio de Nossa Senhora da Conceição, sabemos que é uma procissão bem antiga, alguns historiadores de Abaetetuba contabilizam mais de cem procissões. Ao longo dos anos, a Procissão sofreu algumas mudanças, foi inserida a sonorização da procissão, através da Rádio Conceição, o uso da TV para gerar as imagens e comentários da procissão do círio. Houveram mudanças dos percursos da procissão do círio. Foram introduzidas outras procissões: círio fluvial, moto-romaria, círio mirim, auto da padroeira

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PATRIMテ年IO IMATERIAL

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MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA A principal manifestação religiosa do município de Abaetetuba é o Círio em homenagem à padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição. O seu culto constitui uma das mais antigas tradições do Município, com início datado de 1812. A festa tem início no final de novembro, com novenário e um arraial, que conta com a realização de leilão e a presença de barraquinhas com comidas e bebidas típicas. A procissão com destino à igreja Matriz sai no dia 8 de dezembro de um bairro diferente a cada ano. Outra festa religiosa importante no Município é a Festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, realizada no bairro do Algodoal. Os festejos, com novena e arraial, iniciam-se uma semana antes da procissão, que sai às ruas no dia 27 de julho, seguida de missa e do concurso de “bonecas” (meninas vestidas de bonecas), sendo que os recursos financeiros angariados são destinados às obras sociais da paróquia. Além dessas importantes comemorações religiosas, cabe destacar, ainda, a festa em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, realizada do dia 1º ao dia 8 de setembro, cujos festejos são acompanhados de procissão, novenas e arraial. No dia do encerramento, são encenadas peças teatrais de caráter religioso.

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PATRIMÔNIO MATERIAL

multicores rabetas Marise Maués *

A FOTÓGRAFA, PESQUISADORA E ARTISTA VISUAL MARISE MAUÉS faz das reminiscências de sua memória, do lugar onde nasceu, uma relação duradoura entre a lembrança, a vida e a arte. Durante a infância conviveu com rios, furos e igarapés, e dessas paisagens em viagens realizadas nos mais variados tipos de embarcações da região, se alternavam desde montarias movidas à vela e remos, até barcos de médio e grande porte no porto da cidade de Abaetetuba.

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FOTO: MARISE MAUÉS

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PATRIMÔNIO MATERIAL

“Toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas presentes num dado momento histórico. Sua reprodução também obedece a condições socais” Milton Santos “Toda criação de objetos responde a condi- utilizadas em viagens de pequenas distânções sociais e técnicas presentes num dado cias e recebem várias alcunhas como: rabumomento histórico. Sua reprodução também do, rabudinho, rabo azedo e casqueta. São obedece a condições socais” Milton Santos. movidas a motor de popa. Nesse sentido, as montarias perdem espaço Na ausência de montarias essas rabetas são na navegação fluvial por não responderem utilizadas no transporte do matapi ou na mais as exigências do homem contemporâ- pesca artesanal. Para isso os ribeirinhos inneo, na medida em que ele precisa executar vertem a posição dessas embarcações para mais atividades em um menor espaço de facilitar a navegação e o que é popa passa a tempo. ser proa. Nesse particular, estabeleço uma analogia As rabetas de uso pessoal ou doméstico conentre o transporte do habitante da zona rural quistaram a preferência dos ribeirinhos, pois ribeirinha e o da zona urbana, visto que assim o motor de popa pode ser retirado a qualcomo estes últimos fazem uso de motocicle- quer hora e transportado para o interior das tas pela relação custo benefício, aqueles ad- residências, evitando assim a ocorrência de quirem rabetas pelas mesmas razões. furtos. O automóvel fortalece no seu possuidor a As rabetas mais simples recebem pintura idéia de liberdade de movimento, dando-lhe nas cores básicas, enquanto as mais estilio sentimento de ganhar tempo, de não per- zadas recebem variados motivos gráficos, der um minuto, neste século da velocidade e associados à aplicação de tinta nas cores prida pressa. Com o veículo individual, o homem márias, secundárias e terciárias. se imagina mais plenamente realizado, assim Dentre as principais vantagens das rabetas respondendo às dedestacam-se a ecomandas de status e do Rabetas são embarcações de pequeno nomia de combusnarcisismo, característível, não encalham tica da era pós-moder- porte, confeccionadas com uma tábua com facilidade, sua na. O automóvel é um aquisição aufere reta no fundo e duas na lateral elemento do guarda menor custo, além (farca). Possuem a proa em estilo de serem mais ágeis -roupa, uma quase vesdeque, ou seja, afilada e a popa timenta. Usado na Rua, que os próprios barparece prolongar o cos. Segundo o Sr. quadrada. corpo do homem como Raimundo Nonato: As rabetas podem ser de uso uma prótese a mais, do “[...] a rabeta corre comercial e pessoal ou doméstico. 60% mais que um mesmo modo que os outros utensílios, denbarco. Uma viagem tro de casa, estão ao alcance da mão (BAU- que um barco faz em quatro horas, uma raDRILLARD apud SANTOS, 2006, p. 66-67). beta faz em duas horas e meia. É uma ecoÉ nesse cenário de economia de tempo que nomia muito grande de combustível e do surgem as rabetas nas comunidades ribeiri- tempo de transporte que facilitou muito”. nhas de Abaetetuba, da qual não se vê pode A mudança na forma de locomoção pelos prescindir. rios da região, de embarcações movidas à Rabetas são embarcações de pequeno porte, tração humana por embarcações movidas a confeccionadas com uma tábua reta no fun- motor traz em seu bojo alterações de ordem do e duas na lateral (farca). Possuem a proa arquitetônica e pictórica no fabrico dessas em estilo deque, ou seja, afilada e a popa qua- embarcações, pela adoção de um novo modrada. delo de embarcação que se convencionou As rabetas podem ser de uso comercial e chamar na região de rabeta. Segundo o Sr. pessoal ou doméstico. As rabetas de uso co- Raimundo Nonato esse modelo de embarmercial servem para carregar passageiros e cação foi copiado de Manaus. cargas e são movidas a motor de centro. Se fizermos uma comparação das embarcaAs rabetas de uso pessoal ou doméstico são ções levando em consideração as de peque20 www.revistapzz.com.br

RABETAS As rabetas mais simples recebem pintura nas cores básicas, enquanto as mais estilizadas recebem variados motivos gráficos, associados à aplicação de tinta nas cores primárias, secundárias e terciárias. no porte como montarias e rabetas, por serem utilizadas pela maioria da população nas suas respectivas épocas, verificamse essas transformações, por exemplo, na proa e na popa, pois nas montarias popas e proas são idênticas, diferindo apenas no tamanho, pois a proa é mais larga que a popa, enquanto a popa das rabetas é em estilo deque, ou seja afilada e atrás é quadrada, como se a popa tivesse sido estirpada. Contudo, ressalve-se que esse diferencial se aplica às rabetas de uso pessoal ou doméstico, pois as rabetas de uso comercial não possuem essa configuração, uma vez que o motor utilizado é de centro. Outra mudança substancial nessas embarcações diz respeito a sua pintura, pois as tradicionais montarias recebem em sua grande maioria pintura monocromática, optando-se por uma das cores primárias, onde é geralmente usado o verde ou o vermelho. Por outro lado, a pintura de


FOTO: marise mauĂŠs

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rabetas vem ganhando considerável apuro pictórico. Sua epiderme recebe os mais variados elementos gráficos, associados a uma espessa variedade de matiz cromático. Em muitas delas o nível de elaboração é tão grande que se assemelham ao grafite. Conforme nos relata o Sr. Domingos da Silva : “[...] na época em que eu comecei a pintar, em um desenho de dois metros quadrados eu metia uma cor de tinta e agora, se eu for fazer um desenho do tamanho desse eu meto vários tons de cor”. No passado, a procura pelos serviços de pintura era menor, pois estava associada sobremaneira a conservação das mesmas. Hoje, no entanto a procura cresceu bastante a que se atribui a uma questão estética, pois os pintores revelaram que o material que utilizam nos serviços é de boa qualidade e com 22 www.revistapzz.com.br

isso pintura tende a ter uma maior longevidade. Vejamos a fala do interlocutor Luciano nesse sentido: “Se fosse depender da minha vontade, do meu gosto eu tava mandando pintar de três em três meses, porque como eu lhe falei, a gente fica curioso, a gente acha bonito”. Outro aspecto passível de verificação dessa mudança diz respeito a inspiração na produção das pinturas, pois os pintores das antigas embarcações se inspiravam na natureza e nos motivos religiosos para suas criações, nelas eram aplicados desenhos de vegetais, pássaros e outros motivos que estivessem ligados a religiosidade. Hoje se verifica a incidência de elementos gráficos na pintura das rabetas, tendo os pintores como fonte de inspiração dessa nova estética as imagens coletadas em: revistas

de tatuagem, filmes que assistem na televisão ou DVD, carros de corrida de Fórmula 1, campos de futebol (alambrado), internet, dentre outros. Nesse sentido é a fala do Sr. Ronilson : [...] a gente olha muita revista de tatuagem, por exemplo, revista de carro. Aí a gente vai vendo alguma coisa que tem e então vai acrescentando no trabalho da gente, algum detalhe, aí a gente vai fazendo até ficar bonito. Um trabalho que a pessoa goste. Que a pessoa se interesse. Esse depoimento revela a influência de culturas externas no processo de criação dos pintores a partir da qual produzem a sua própria arte, criando novos desenhos e novos matizes de cores. No caso em tela, percebe-se que a televisão exerce um papel relevante na vida dos


FOTO: marise maués

ribeirinhos, pois por ocasião da pesquisa de campo, em uma média de 10 casas visitadas, apenas uma não possuía aparelho de televisor. Pelas minhas recordações, até a década de 1970 esses aparelhos não encontravam guarida nas residências naquelas comunidades e o único meio de comunicação presente eram os rádios à pilha. Ainda guardo na memória, a lembrança do velho rádio cor de madeira com detalhes dourados, assentado na prateleira do salão de visitas da casa de meus avôs, o que lhe conferia um lugar de destaque na residência. Destaque-se, entretanto, que nessa tarefa os pintores se utilizam apenas de pincéis, mantendo nesse aspecto a tradição da arte de pintar embarcações nos mesmos moldes dos seus antepassados, já que ainda não in-

corporaram a pintura com spray de tinta. Quem mais requer inovação na visualidade das embarcações são os mais jovens, sobremaneira os adolescentes, pois a sua relação com as mesmas não diz respeito tão somente ao fator utilidade, mas há uma relação de afetividade, status e auto-afirmação. Há um prazer proporcionado por seu aspecto pictórico pela riqueza de cores e detalhes que essas embarcações ostentam, assim como os carros “tunados ”. Já os mais velhos prezam por uma pintura mais tradicional, onde há uma presença forte de motivos religiosos, o que faz com que convivam ainda novas e velhas tradições. Nesse sentido é a fala do interlocutor Maximiano Miranda: “São três ou quatro cores no máximo, porque eu sempre digo que o que eu tenho é para eu trabalhar e não é

para eu fazer pinta, fazer pavulagem. É para eu trabalhar”. No passado, os nomes das embarcações estavam mais frequentemente ligados à religiosidade, como versículos bíblicos, expressões que indicassem proteção divina, nomes de filhos, de uma namorada dentre outros. Entretanto, essa forma de denominar as embarcações vem perdendo espaço e com frequência são adotados nomes de personagens de novela, o nome da novela que está em exibição no momento da encomenda do trabalho, nome de um animal da fauna, dentre outros. Outra alteração evidenciada é a presença de volume nas pinturas, evidenciando-se uma profundidade de campo, quer nos desenhos, quer na caligrafia vernacular, em opowww.revistapzz.com.br 23


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sição à pintura chapada e sem profundidade de campo. Um aspecto que me chamou atenção diz respeito a identificação do executor da pintura, pois no passado não havia assinatura nas embarcações que identificasse quem as pintou. Contudo encontrei um exemplar onde havia a identificação do pintor e porque não chamá -lo de artista pelo apuro estético que imprimiu em seu trabalho. Outro aspecto que merece menção diz respeito a uma prática incorporada de comunidades urbanas que é a da retirada do silenciador das rabetas, a fim de que provoque o ronco do motor, em situação que se assemelha a que os usuários de motocicletas fazem na cidade. Também tem sido adotada pelos jovens das comunidades ribeirinhas pesquisadas, a prática de competição de rabetas - os mal afamados rachas, onde os adolescentes se exibem nos rios da região, esgotando toda a potência dos motores. Uma outra situação identificada, diz respeito a indumentária. Ouvi de uma interlocutora que jovens ribeirinhos compram na loja mais cara da cidade, em sistema de crediário, roupas nas marcas Bad Boy, Maresia, dentre outras, as quais aliadas às suas velozes rabetas lhes imprimem um certo status. Identifico um forte indício de atravessamento de culturas na forma como as rabetas se apresentam, atribuindo as consideráveis mudanças aos meios de comunicação de massa, em especial à televisão, pois a utilização de outras mídias eletrônicas como computador, é quase inexistente, podendo se encontrado somente nos contíguos a cidade. No que tange as consequências da globalização nas culturas tradicionais muito se teorizou no sentido de que as trocas entre culturas provocaria o solapamento de algumas em favor de outras, todavia essa assertiva não se manifesta na culturas das embarcações alvo de estudo, pois ainda convivem juntos as velhas e as novas tradições.

A cultura das embarcações como patrimônio cultural Segundo as concepções de patrimônio cultural referenciadas, pode-se dizer que as rabetas constituem-se em um relevante patrimônio cultural material e imaterial das comunidades ribeirinhas de Abaetetuba, pois o objeto pronto é a parte visível, portanto passível de contemplação e com a qual o ribeirinho se relaciona diariamente, mas, ao mesmo tempo apresenta os saberes relativos à sua construção e pintura, formando o patrimônio imate24 www.revistapzz.com.br

rial daquelas comunidades. Na produção das rabetas percebe-se toda uma concepção estética, que vai da forma como os ribeirinhos se relacionam com elas, desde a sua apresentação, até o cuidado com que os profissionais têm na sua produção. Contudo, pergunta-se como essas comunidades poderiam concebê-lo como tal se não Ademais, conforme pontua Canclini (2003), na América Latina, em especial nas cidades objetos de estudo como o Brasil, o patrimônio digno de conhecimento, registro e preservação ainda é o que representa as elites nacionais, sobremaneira os mo-

Segundo as concepções de patrimônio cultural referenciadas, pode-se dizer que as rabetas constituem-se em um relevante patrimônio cultural material e imaterial das comunidades ribeirinhas de Abaetetuba, pois o objeto pronto é a parte visível, portanto passível de contemplação e com a qual o ribeirinho se relaciona diariamente, mas, ao mesmo tempo apresenta os saberes relativos à sua construção e pintura, formando o patrimônio imaterial daquelas comunidades. numentos, as construções arquitetônicas, dentre outros. Apesar de já termos avançado no que concerne à formulação de leis que contemplem como patrimônio cultural as culturas de classes menos favorecidas economicamente, como por exemplo, seus saberes e fazeres ou os objetos que utilizam no seu cotidiano e que é marcante na sua cultura, ainda são tímidas as políticas no sentido de inscrevê-las como patrimônio e assim guardar sua memória. Conforme Halbwachs (2006), a memória é sempre vivida no presente, quer fisicamente, quer herdada de outrem. Assim, depois de desaparecido o grupo que mantém determinadas tradições, o que sobrevive é a sua história, que não pode ser confundida com memória. No caso em estudo, a construção e pintura das rabetas dizem respeito ao patrimônio material e imaterial daquelas comunida-


FOTOs: marise maués

des e só pode estar a salvo para conhecimento das gerações vindouras se essas comunidades tiverem conhecimento de sua importância enquanto identificadora de sua identidade, pois só assim manterão acesas essas práticas, mesmo com a interferência de outras culturas. Nessa empreitada compete também a instituições devidamente constituídas como escolas e museus reforçarem a importância da cultura dessa comunidade desconstruíndo determinados conceitos transmitidos a gerações e que só servem para escamotear a verdade, legitimando assim as classes hegemônicas. Contudo, conforme observa Canclini (2003), instituições como os museus reforçam o abismo entre as classes subalternas e hegemônicas, pois são verdadeiros repositórios palcos de encenações que muitas das vezes privilegiam os objetos em detrimento dos seus idealizadores, sob que bases foram constituídos, a quem atenderam e a quem deixaram de atender. O que merecia ficar nos museus de feição mais tradicional era, em geral, o objeto da elite: a farda do general, o retrato do governante, a cadeira do político, a caneta do escritor, o anel de um bispo... Tudo isso compunha o discurso figurativo de glorificação da história de heróis e indivíduos de destaque (RAMOS, 2004, p. 10). Nesse sentido, em uma visão tradicionalista de museus, os mesmos guardam objetos e narram histórias a partir da ótica dos vencedores. Junte-se a isso o fato de que, segundo Halbwachs (2006), a memória coletiva pode ser herdada. Nesse caso, ainda que se trate de eventos em que não estivemos envolvidos e objetos que não vimos, a sensação que temos é que de alguma forma estivemos envolvidos com eles. Isso de certa forma turva a visão. Assim, é comum não darmos importância aos bens inseridos em nosso cotidiano. Até aqui estamos nos referindo a pessoas que tem acesso aos museus, ou a conhecimentos conteudisticos de qualquer das ciências ou das artes, mas o que dizer de comunidades ribeirinhas se nunca entraram em um museu, nem são postas em contato com literaturas que lhes ampliem a consciência. Contudo, a falta de museu não é a questão agravante nesse debate, pois em uma concepção atual de patrimônio tudo o que cerca as comunidades ribeirinhas como: os objetos, ambiente em que vivem, seus fazeres e saberes, são seus legítimos patrimônios culturais. Não quero com isso fazer uma apologia a ignorância acerca dos patrimônio cultural de outrem, mas mostrar que o que os cerca e constitui sua identidade também é um patrimônio. Nesse sentido, o educador ribeirinho pode towww.revistapzz.com.br 25


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sEU FRANCISCO, LOURIVAL E LAEL, DUAS GERAÇÕES DE PINTORES, PAI E FILHOS.

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FOTOS: MARISE MAUÉS

PINTOR DE EMBARCAÇÕES Robison é um dos muitos pintor es de embarcações na Região de Abaetetuba. Seu trabalho é conceituado na Ilha, tem um grande apuro técnico e artístico. Viu o trabalho de bons pintores o que acendeu o desejo de pintar. Sua primeira pintura foi um casco de sua propriedade e levou de 16 a 20 dias para concluir. Ao final decidiu que era isso o que queria fazer. Trabnalha há mais de 15 anos nessa profissão. www.revistapzz.com.br 27


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mar para si a tarefa de trazer a discussão a questão do patrimônio cultural, que pode ser trabalhada dando conhecer do patrimônio de outras culturas, sem, contudo perder de vista o patrimônio dessas comunidades. Como pode ser aplicado isso na prática? Quem sabe tirando os alunos da zona de conforte de uma sala de aula, por exemplo, e levando os alunos para conhecer o lugar onde as embarcações são construídas, a fim de que conheçam seu processo de construção, quais as técnicas de pintura empregadas, dentre outros. O processo de transformação das identidades é algo que não se pode controlar, pois as relações dos homens entre si e destes com a natureza não são algo estáticas, mas dinâmicas. Nessas relações estão em jogo os interesses de ordem econômica, política e social. Ademais, cada época produz suas próprias contingências que precisam ser

A construção e pintura das rabetas dizem respeito ao patrimônio material e imaterial daquelas comunidades e só pode estar a salvo para conhecimento das gerações vindouras se essas comunidades tiverem conhecimento de sua importância enquanto identificadora de sua identidade, pois só assim manterão acesas essas práticas, mesmo com a interferência de outras culturas. administradas e nessa relação barreiras que precisam ser transpostas. Assim, por exemplo, quem quer voltar a cortar de machado, ou acender o fogo friccionando graveto. No caso da navegação quem quer voltar a passar horas e até dias e um deslocamento nos moldes tradicionais. É nessa relação de constante transformação que pode ocorrer a sobreposição de hábitos e práticas antigas. Portanto, o que pode se preservar são as suas memórias, quer em forma de imagens, escrita, relatos orais, dentre outros. Removendo tuíras Os rios que ficam ao nível do mar sofrem influência de marés. Assim, em um ciclo de doze em doze horas “enche e vasa”, em uma linguagem cabocla ribeirinha. Nesse 28 www.revistapzz.com.br

processo carrega uma quantidade considerável de lama, depositando-a em tudo o que encontra no caminho e, quando tentamos removê-la surgem marcas esbranquiçadas. Em Abaetetuba, quando isso ocorre dizemos que a coisa ou corpo está tuíra. Portanto, a marca deixada pela lama seca, ou melhor dizendo, a tuíra oculta vestígios que para vermos há que se esfregar bastante. Sob esse conceito, início minhas considerações finais. O estudo revelou que modificações estão se operando na forma como se constrói e pinta as embarcações de pequeno porte nas comunidades estudadas, bem como na forma como essas populações se relacionam com as mesmas, em especial pela adoção de um meio de navegação movida a motor que é acessível a maioria desses comunidades, no caso em estudo, as rabetas. O resultado do estudo atribuiu essas modificações a importação de comportamentos e hábitos de culturas alheias às comunidades estudadas, pois hoje o intercâmbio entre

essas comunidades e as demais culturas é uma realidade. A quebra de barreiras geográficas físicas entre sociedades distintas - o acesso a outros centros urbanos é mais fácil, ante a gama de meios de transporte de que essas comunidades ribeirinhas dispõem, o que faz com que a barreira que separa o rural do urbano seja muito tênue. Outra forma de permuta e hibridização se dá pelos meios de comunicação de massa, em especial a televisão. A pesquisa revelou que aquelas comunidades não reconhecem, pelo menos em termos conceituais que as práticas relativas às culturas das embarcações, tais como o modo de construir, de pintar, se relacionar com as mesmas, dentre outras, se constitui patrimônio cultural daquelas comunidades. O estudo revela que no tocante ao patrimônio de um modo geral, apenas o natural vem sendo alvo de algum conscientização, como, por exemplo, com relação ao cultivo de espécies vegetais, com relação aos cuidados que devem ter com o rio, a fim de


FOTOS: MARISE MAUÉS

A HORA DA POESIA Eis-me diante de um rio retângulo corrente espelho de memórias caminho já por tantos navegado. Onda após onda palavra após palavra nauto-me, navego-me, arrisco-me nessa via por outros percorrida despojado de haveres nu, guiado pela invisível chama da candeia entre o rumor de fonemas submersos no silêncio... Paes Loureiro

que não fique poluído, com relação a prática da pesca e caça, pois aquelas comunidades hoje são assentadas pelo INCRA, que tem proporcionado políticas no sentido de conscientizá-los da sua importância e consequente conservação. O estudo ainda revela que o atravessamento de outras culturas nas comunidades estudadas não foi capaz de destruir por completo a sua cultura, pois podemos encontrar nas mesmas: remos, montarias, cascos. Entretanto, pergunta-se até quando, pois a cada dia esses objetos são menos procurados. Isso também pode ser identificado nas pinturas de motivos religiosos, nomes de parentes, pois nem todos os habitantes compactuam com a mudança, que é mais eficaz junto aos mais jovens em especial aos adolescentes. Sabe-se, contudo, no que tange a termos conceituais, propostas metodológicas para o desenvolvimento de ações educacionais voltadas para o uso e apropriação dos bens culturais datam de 1983, por ocasião do 1º

Seminário, realizado no Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro (HORTA, 1999). Espero que esse trabalho seja o início de uma ampliação de consciência acerca da importância dos saberes e fazeres relacionados à cultura de embarcações, em especial à rabeta, por ela ser um identificador da identidade cultural de Abaetetuba e como tal um patrimônio cultural daquelas comunidades. Nesse sentido, necessário se faz remover a lama seca, remover toda a tuíra que esconde a serviço de quem está a falta de interesse em dar importância à culturas “ditas populares”.

A Fotógrafa, Pesquisadora e Artista Visual Marise Maués faz das reminiscências de sua memória, do lugar onde nasceu, uma relação duradoura entre a lembrança, a vida e a arte. O artigo que publicamos nesta edição é um capítulo de sua Tese DE RIOS, REMOS, CASCOS E CORES: INDÍCIOS DA HIPERMODERNIDADE NAS EMBARCAÇÕES DA AMAZÔNIA RIBEIRINHA (2012). Produção de Graduação apresentada ao Curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, da Universidade da Amazônia. www.revistapzz.com.br 29


ECONOMIA

Adebaro Reis; Beatriz Santos; Cícero Ferreira; José Ricardo Reis; Layse Mendes; Leandra Palheta Silva;

A PRODUÇÃO DO AÇAÍ NO ABAETÉ A produção de Açaí no Brasil possui significativa participação no agronegócio brasileiro, é dinâmico e fortemente influenciado pela preferência dos consumidores que também tem redirecionado a produção para crescentes aumentos na dimensão territorial utilizada no processo produtivo, onde um dos casos é a agroindústria do Açaí no estado do Pará responsável por 95% do fruto

N

o Estado do Pará, o processo produtivo voltado para a produção do açaí foi responsável por 51% da produção extrativa nacional, em 2011 e em relação à Região Norte por aproximadamente 54% da produção extrativa regional, conforme dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2013). Nos anos anteriores a participação do Estado nunca foi inferior a 90%. A valorização do fruto vem despertando o interesse de outros estados da região, como por exemplo, o Amazonas, que nesse ano contribuiu com 44% da produção regional. A produção do açaí se destaca por exigir planejamentos adequados e em longo prazo, contudo observa-se que o açaí manejado apontou resultados significantes no aumento da produção, objetivando a maximização de lucro pelo produtor a partir do equilíbrio obtido no processo de produtividade e adequação e organização do arranjo produtivo. Nas últimas três décadas, o açaizeiro vem se destacando por seu impacto positivo na economia local principalmente para o estado do Pará, com a exploração extrativa do palmito e a partir dos anos 80 com o aumen-

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to do consumo do suco ou “vinho” de açaí, uma bebida feita do fruto. Enquanto o palmito é principalmente exportado para fora do país, o suco do açaí é um dos principais produtos da alimentação do povo paraense, com destaque para o município de Belém que constitui o seu principal mercado consumidor (NOGUEI-

A produção do açaí se destaca por exigir planejamentos adequados e em longo prazo, contudo observase que o açaí manejado apontou resultados significantes no aumento da produção, objetivando a maximização de lucro pelo produtor a partir do equilíbrio obtido no processo de produtividade e adequação e organização do arranjo produtivo

plantios gerou impacto de 44% na expansão da produção nacional, a produção de açaí no município de Abaetetuba estar concentrado em área de várzea. Portanto, na economia familiar da população ribeirinha da Amazônia, como a pesca e a produção de açaí têm demonstrado significativa contribuição na economia, ainda observavase a falta de politicas publicas e se fazem necessárias estratégias que permitam a continuidade desta atividade. Diante do exposto é importante destacar que o manejo ambiental pode ser destacado mediante os seguintes benefícios. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo compreender a dinâmica da caracterização do processo de produção, destinos comerciais e produtividade atrelada ao manejo até o processo de escoamento e comercialização da produção do açaí extrativista.

Áreas de estudo O município de Abaetetuba está localizado na região do Baixo-Tocantins, tem 141.110 habitantes, e possui uma área de 1610,606 Km2 (IBGE-2010). Além dos produtos comuns RA, 1997; GUIMARÃES et al, 2004). Neste das feiras Abaetetuba conta também, com sentido, o crescimento do processo produti- pescados característicos da região, camarão vo em termos de áreas utilizadas para novos de água doce e a poupa de miriti que é um fru-


FOTO: HELLY PAMPLONA

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ECONOMIA

to que simboliza o município que é conhecido como capital mundial do miriti. É evidente que a economia da cidade gira em torno da agricultura, do extrativismo, da pesca, da caça e do artesanato, também conta com 72 ilhas que são responsáveis pelo grande abastecimento principalmente de açaí. Desenvolvimento da pesquisa A pesquisa foi realizada com 24 produtores rurais das ilhas do município, relacionados à agricultura familiar da produção de açaí. Foi utilizado o método de análise comparativa, com transformação das variáveis produções agrícola, produtividade, área plantada, como embasamento as teorias da produção e aumento da produtividade. Levando em consideração o tamanho da área de produção dos 24 produtores entrevistados. A estratificação dos grupos definiu as seguintes amostras: tamanho da área cultivada; rasas colhidas, vendidas e consumidas; safra e entre safra, preço de rasa em período estacional de safra (inicio, pique e final) de açaí extrativista e manejado. As propriedades dos entrevistados foram selecionadas aleatoriamente de forma a garantir maior confiabili32 www.revistapzz.com.br

dade nos resultados obtidos e mapeadas a partir de produtores pertencentes à cooperativa COOFRUTA. Os questionários utilizados foram compostos por questões semiestruturadas subdivididas

A safra segundo os produtores é o período em que a produção atinge seu pico que vai geralmente de agosto a dezembro. Neste momento, existe uma grande quantidade de fruto que é ofertado nos principais mercados de Belém (principal centro consumidor do Estado do Pará), oriundos das ilhas próximas a Belém das microrregiões de Cametá e Arari (VEDOVETO 2008). em duas partes: a primeira visa abordar as questões econômicas envolvidas no processo de produção, a segunda foi estruturada de forma a permitir o entendimento sobre a

dinâmica e a caracterização da produção e dos custos de produção (processo de manejo da área e variação de preço quanto ao escoamento da produção por rasas), retornos sociais (melhoria da qualidade de vida dos produtores) e características ambientais a partir do uso da terra. RESULTADOS E DISCUSSÕES Quanto à média de preços da rasa de açaí comercializada pelos ribeirinhos na safra de 2012. O mercado do açaí está em alguns anos em rápido crescimento o que tem aumentado à demanda, o preço dos frutos e também atraído novos investimentos (PAGLIARUSSI 2010). Neste sentido é visível que preço da rasa ou lata de açaí vem sofrendo constantes variações, até mesmo por conta da oferta e da procura. É visível a importância do açaí na mesa dos paraenses, seu consumo já faz parte da cultura do estado. Isso faz com que na época de inicio da safra quando a procura é alta e a oferta baixa, dos questionários -realizados o açaí alcançou um preço elevado com média de R$ 27,00 a rasa. A safra segundo os produtores é o período


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em que a produção atinge seu pico que vai geralmente de agosto a dezembro. Neste momento, existe uma grande quantidade de fruto que é ofertado nos principais mercados de Belém (principal centro consumidor do Estado do Pará), oriundos das ilhas próximas a Belém das microrregiões de Cametá e Arari (VEDOVETO 2008). Neste período o preço do açaí sofre uma queda significativa devido a grande disposição de produtos no mercado baixando em média para R$ 12,00 a rasa. Na produção do açaí observa-se a distribuição de períodos estacionais quanto à produção, definidos por períodos de safra e entressafra, nesta questão têm-se o período final da safra onde é caracterizada pela queda na produção de açaí e alta no preço, neste período a média de preço chega à R$ 41,00 a rasa. O período da entressafra é aquele em que a produção é muito pequena para abastecer uma deman-

da muito alta acarretando na alta do preço para o produtor, ganhou produtividade deque pode chegar em média à R$ 54,00 . vido a melhoria com a tecnologia do manejo orientado por assistência técnica, deixando a Quanto à produtividade e o tamanho da cultura resistente aos efeitos climáticos e doárea segundo a estação de safra do ano. enças. Para (FIGUEIREDO 2007) existem proA produção no setor agrícola tem sido fun- dutores eficientes de todos os tamanhos, e damental na conjuntura econômica do Es- sugere que a produtividade não é necessariatado do Pará, o estudo da produção agrícola mente decrescente com o tamanho. O que com a produtividade é extremamente im- importa é o tipo de tecnologia empregada, a portante, pois estar atrelado à questão de qualidade do gerenciamento, e as vantagens que é importante a produção não com uma competitivas desenvolvidas através do temfonte de renda inesgotável, relacionado po. Percebe-se, o crescimento da produção e com o tamanho de terra do agricultor. Haja produtividade atrelado ao tamanho da área, vista que o trabalho desenvolvido é anali- podemos observar um exemplo entre os prosado levando em consideração a produção dutores quanto a produção e produtividade de safra do ano de 2012, o objetivo deste é relacionada com o tamanho da área, onde analisar a produção e a produtividade em observa-se que o tamanho da área não está função do comportamento da produção e relacionado com a produtividade, uma vez da produtividade do açaí manejado de área que alguns agricultores possuem uma área de várzea. menor e consequentemente maior produO açaí extrativista manejado possui resis- ção. tência aos fatores climáticos e de alto risco www.revistapzz.com.br 33


ECONOMIA

Quanto à produtividade e o tamanho da área segundo a estação de safra do ano. Castanhal, 2012 A produtividade é um indicador econômico que relaciona valores de produção com quantidades dos fatores de produção utilizados, sendo, portanto, um indicador importante para a análise comparativa da produção, em que no setor agrícola todos os três fatores de produção, terra, capital e trabalho têm grande importância, o indicador. A produção no setor agrícola tem sido fundamental na conjuntura econômica do Estado do Pará, devido à valorização do seu preço no mercado, o aumento da produção de açaí tem direcionado o aumento da produtividade agrícola, melhora o nível de vida das populações envolvidas e aumenta a ofertas, o que consequentemente aumenta a renda da população. CONCLUSÕES Esta pesquisa evidencia que a produção do açaí extrativista manejado é considerada rentável para a agricultura familiar e ainda neste resultado mostra sua importância na contribuição do agronegócio brasileiro, onde seu processo produtivo é forte gerador, seja no nível de pro34 www.revistapzz.com.br

dução, produtividade, oscilação de preço e a comercialização. Outro fator informado pelos produtores é a tendência de elevação do preço por rasa, que se encontra relacionado à safra e entressafra, estes são apontados como a principal fonte de elevação da produção. Devido o mercado e a produção do açaí ser fortemente influenciado pela preferência dos consumidores, os produtores podem obter um lucro razoavelmente elevado por hectare, e este não estar atrelado somente à extensão territorial, justifica-se por produção e produtividade. Por outro lado, a reestruturação e reorganização dos produtores pode levá-los a agregação de valor a produção desenvolvida, conforme a necessidade do mercado, de seus segmentos e dos consumidores, redirecionando assim o sistema produtivo até mesmo através de órgão de administração, como cooperativas e assistência técnica. Portanto, o desenvolvimento do sistema produtivo deve ocorrer de forma que os agentes envolvidos procurem solidificar suas práticas atrelando-as a estruturas de cooperação e de governança eficientes, de modo a viabilizar agregação de renda, desenvolvimento sócio local e inserção social.

REFERÊNCIAS Disponivel em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=150010. IBGE 2010 Informações estatísticas. Acesso em 11/08/2013. Ás 22 H: 00M FIGUEIREDO, A. M. R., MOREIRA, A. R., DE, R. A. E. O. P., & DA POBREZA, R. E. D. U. Ç. Ã. O. Explicando as Diferenças na Produtividade Agrícola no Brasil. XLV congresso da sober, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. Londrina, 22 a 25 de julho de 2007. PAGLIARUSSI, M. S., dos Santos, M. O., PESSOA, J. D. C., & Kronig, T. Proposta de um modelo matemático para a cadeia produtiva agroindustrial de açaí no Pará. SOUZA,N.J. Desenvolvimento econômico. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1999. 415p. VEDOVETO, M.; Vidal, E. J. da S. BAUCH, S.; AMARAL, P. Caracterização do mercado de açaí (Euterpe oleracea Mart.) em Belém entre 2006 e 2008. Universidade de São Paulo. Belém, 2008. Disponivel em: http://www.ncsu.edu/project/amazonia/brazil_ proj/Result/rel_Mariana_final.PDF. Acesso em: 17/08/2013


FOTO: HELLY PAMPLONA

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COMÉRCIO

Jorge Machado

OS ENGENHOS E O REGATÃO

O regatão foi a mais notável aventura comercial dos abaeteenses, uma jornada que ainda está para ser contada nos seus detalhes. Representou a maior dinamização comercial do município (e de todo o Baixo-Tocantins) em toda sua história e foi o responsável pela circulação de riquezas entre o BaixoAmazonas e o Baixo-Tocantins, beneficiando a produção dos engenhos.

D

as relações com a natureza tão. Foi forma de ampliar as fronteiras amazônica, ao mesmo tempo econômicas da região, junto com estípródiga, ciclópica e às vezes mulos externos (oriundos da explosão na opressora, nasceram as neces- demanda por borracha a partir de 1895) sidades de sobrevivência em e a superação de dois estrangulamentos um meio hostil, que em Abaetetuba inicial- regionais: o primitivo sistema de transmente se estabelecem sobre a agricultura portes e a escassez de mão-de-obra. de subsistência e o extrativismo e, posterior- A rigor, o aviamento do século XIX era a mente, sedimentam-se na indústria primiti- adaptação regional em miniatura do que va e em trocas comerciais seguindo as “ruas ocorria no Brasil. Em Abaeté esse sisteamazônicas”, os rios, que unem livremente ma perdurou praticamente em toda a existência dos enas comunidades rigenhos de cachaça. beirinhas da AmazôNo entender de Roberto Santos , o O centro das operania. Dois exemplos de empreendimentos de sistema de aviamento foi instituído ções de aviamento abaetetubenses que como um sistema de crédito capaz de era uma casa comercial que funmarcaram a história do município são os enge- induzir à progressiva monetarização cionava anexada ao engenho, onde nhos de aguardente da economia amazônica, que era primitiva con(que possibilitaram ao essencialmente de escambo até então. uma tabilidade registramunicípio a alcunha va no “caderninho” de “Terra da Cachaça”) as retiradas dos trae o comércio de regatão, autênticas “mercearias” que percorriam balhadores do engenho e a sua produção os rios da região e que foram, em certa épo- na forma de um salário combinado com o dono do engenho. No final do mês haca, importantes atividades econômicas. via o acerto de contas onde as retiradas O sistema de aviamento e os engenhos de eram abatidas do devido ao trabalhador. O estímulo inicial de ter e poder usar o cachaça dinheiro era, porém, uma ilusão para o No entender de Roberto Santos , o sistema trabalhador. Seu isolamento e a quase de aviamento foi instituído como um siste- absoluta exclusividade do seu vínculo ma de crédito capaz de induzir à progressi- com o dono do engenho (reforçada por va monetarização da economia amazônica, um paternalismo que oferecia apadrique era essencialmente de escambo até en- nhamentos e atendimentos médicos de

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emergência como pequenos curativos, afomentações, aplicação de injeções, etc.) faziam-no perder a liberdade de usar o que ganhava, se é que sobrava algo além do estritamente necessário à subsistência. A moeda praticamente só servia como meio de cálculo, pois o escambo persistia, embora disfarçadamente. Euclides da Cunha, em seus ensaios amazônicos (p.109) chama esse sistema de “a mais criminosa organização do trabalho que ainda engenhou o mais desaçamado egoísmo”. Sobre o seringueiro que era submetido ao aviamento, declara o jornalista-escritor: “O homem, ao penetrar as duas portas que levam ao paraíso diabólico dos seringais, abdica as melhores qualidades nativas e fulmina-se a si próprio, a rir, com aquela ironia formidável. (...) O seringueiro realiza uma tremenda ano-


FOTO: acervo jorge machado

malia: é o homem que trabalha para escravizar-se.” Esses sistema econômico primitivo suportou quase um século da principal atividade econômica de Abaeté, atividade sem paralelos na história do município, importante suporte ao comércio de regatão (e por ele suportada numa perfeita simbiose) que gerou muita riqueza, embora não tenha necessariamente distribuído essa riqueza, mas a concentrado nas mãos de poucas famílias de empresários, que com os lucros capitalizados posteriormente mudaram de ramo ou de cidade . Os engenhos funcionaram sempre de acordo com uma concepção primitiva de produção e de relação econômica. Os mesmos maquinários do século XIX que iniciaram a produção ainda eram utilizados no seu ocaso ao final dos anos 1960. Nenhum melhoramento tecnológico nos equipamentos

ou genético na matéria-prima foi introduzido e, talvez, aí esteja a razão de sua decadência. Costuma-se atribuir à Justiça e a rela-

Costuma-se atribuir à Justiça e a relações trabalhistas mais sofisticadas o fim dos engenhos de cachaça. Tal representa um grande equívoco, uma vez que a decadência dos engenhos deve-se principalmente ao atraso tecnológico e ao apego ao sistema de aviamento em detrimento de práticas financeiras mais modernas. ções trabalhistas mais sofisticadas o fim dos engenhos de cachaça. Tal represen-

ta um grande equívoco, uma vez que a decadência dos engenhos deve-se principalmente ao atraso tecnológico e ao apego ao sistema de aviamento em detrimento de práticas financeiras mais modernas. Com a abertura econômica da Amazônia ao grande capital, nos anos de 1960, as bebidas destiladas produzidas no nordeste e no sudeste do país invadiram a região, amparadas por financiamento bancário, por uma publicidade implacável e por preços sem concorrência. Essa invasão destruiu a indústria local, incapaz de reagir com o vigor necessário, o que dependeria de financiamento e medidas de planejamento econômico estratégico, ações que nunca vieram. Os engenhos surgiram inicialmente de pequenas moendas familiares onde se fabricava a rapadura, o mel, www.revistapzz.com.br 37


COMÉRCIO

o açúcar mascavo (chamado na região de “açúcar moreno”) e que posteriormente, com a linha do Amazonas, teve caminhos para o escoamento da produção, que começou a crescer em razão do aumento da demanda e resultou na instalação das primeiras máquinas a vapor destinadas à produção exclusiva da aguardente, cuja qualidade fez fama em todo o estado do Pará. Às moendas familiares coube continuar a fabricação do mel e da rapadura (uma vez que o açúcar refinado passou a ser importado) que ainda assim tinham mercado garantido, embora agregassem pouco valor ao produto, num processo rústico de produção que condenava à estagnação quem nele permanecia. Bem diferente era o que acontecia com a cachaça. O Estado, percebendo os grandes lucros oriundos dessa atividade econômica e as inúmeras possibilidades de sonegação fiscal, depressa estabeleceu coletorias que cuidavam da arrecadação de impostos e da emissão de “selos” a serem colocados sobre as tampas das garrafas de cachaça numa prova de que o produto nada devia à fazenda estadual. Na virada do século XIX para o XX e até mesmo depois de 1912, ano que em geral tem sido estabelecido para demarcar o final da belle époque amazônica - pe38 www.revistapzz.com.br

ríodo de riqueza e delírio para uma elite pretensamente afrancesada que gravitava em torno da exportação do látex coagulado da seringueira e que teve seu mundo radicalmente modificando quando o látex produzido a partir de seringueiras cultivadas na Ásia passou a ser comercializado e desbancou o produto extraído penosamente de seringais naturais da amazônia, levando a região à falência - os engenhos de Abaeté continuaram produzindo e sustentando, ainda que em menor escala, certa elite local que chegava a importar lanchas de ferro e maquinário para os engenhos. Com as linhas fluviais do Tocantins e do Amazonas, o produto - de excelente qualidade, aliás - era exportado e isso garantiu a sobrevivência dos engenhos até o início dos anos 1970, tendo o último dos engenhos vindo a encerrar sua produção regular já no século XXI. O comércio de regatão O regatão foi a mais notável aventura comercial dos abaeteenses, uma jornada que ainda está para ser contada nos seus detalhes. Representou a maior dinamização comercial do município (e de todo o Baixo-Tocantins) em toda sua história e foi o responsável pela circula-

ção de riquezas entre o Baixo-Amazonas e o Baixo-Tocantins, beneficiando a ambos. Esse tipo de atividade comercial funcionou com a instalação de verdadeiros armazéns à bordo de embarcações dos mais diversos tipos e calados, que saíam de Abaeté rumo ao Baixo-Amazonas indo geralmente até Santarém, embora algumas se aventurassem até o Peru. O início da atividade ainda era em embarcações a vela, passando depois para barcos movidos a motores diesel. Contam os que participaram dos primeiros anos do regatão que quando faltava vento e a maré corria conta o movimento do barco era necessário que os marinheiros, ladeando o rio, puxassem o barco de terra através de um grande cabo, o que demandava um esforço físico enorme que extenuava a todos. Na ida, os comerciantes levavam os produtos de Abaeté, principalmente a cachaça, os refrigerantes (os mais famosos eram o guaraná Amazônia, o guaraná Abaeté, o guaraná e a cola Alvorada) o mel e a rapadura, bem como querosene, sal e açúcar refinado, medicamentos e produtos industrializados adquiridos de atacadistas em Belém do Pará. Na volta, traziam os produtos da região, principalmente o pirarucu salgado, as peles de animais silvestres e a juta, importante fibra vegetal que abastecia os teares da CATA (Cia. Amazônia Têxtil de


FOTOs: acervo jorge machado

Aniagem) em Belém, na fabricação de sacos de aniagem. A criação da zona franca de Manaus, em 1967, implantou uma zona de livre comércio de importação e exportação na Amazônia e abasteceu os viajantes que retornavam “do Amazonas” (na verdade, como já dito, a maioria ia somente até Santarém, mas de lá recebiam os produtos da zona franca de Manaus) para Abaetetuba com produtos importados, aparelhos eletro-eletrônicos, brinquedos, perfumes (como o famoso Artimatic ou o Reve d’or e o Ramage, que muito sucesso faziam nas festas e nas tardes de domingo) ou cortes de seda importada que alegravam as costureiras e as jovens às vésperas da Festa de Conceição. Aproximadamente na mesma época houve a proibição da caça e comercialização da pele de animais silvestres, embora os regatões ainda tenham continuado a trazer as peles, principalmente as de jacaré, que atingiam alto preço no mercado exportador. A decadência do regatão deve-se a dois fatores principais: a abertura das grandes rodovias amazônicas, como a Belém-Brasília, a Santarém-Cuiabá e a Brasília-Acre, e a elevação dos custos de operação das embarcações, principalmente devido ao

choque do petróleo de 1973. No primeiro caso, os produtos começaram a entrar direto do centro-sul para o Baixo-Amazonas sem o custo de ir até Belém para só depois chegarem àquela região. No segundo caso, a elevação dos custos de manutenção e operação das embarcações tornava inviável a competição com outras formas de comércio direto com o Baixo-Amazonas, notadamente a praticada por grandes armazéns atacadistas do Centro-Sul, como aqueles do interior de Minas Gerais que, em caminhões, depressa dominaram o mercado da região com bons preços e prazos maiores, uma vez que financiados por grandes bancos, o que não acontecia com os regatões, que não dispunham de qualquer forma de financiamento para oferecer crédito aos clientes além do caderninho de contas e do ajuste destas durante a viagem de volta, cerca de 30 dias depois da ida. Muitos comerciantes praticaram o comércio de regatão intensamente, com mais vigor no final dos anos 50 e toda a década de 1960. Ao perceberem o início da decadência, procuraram mudar de ramo, geralmente estabelecendo-se como comerciantes em Abaetetuba ou em cidades vizinhas. Alguns ainda praticam o regatão até hoje, no início do sécu-

lo XXI, embora realizando essa atividade comercial de forma bastante diferente, valendo-se daquilo que a tecnologia coloca hoje à disposição. Sobre esta, aliás, vale ressaltar que a precariedade das comunicações na época dos regatões era impressionante. Os viajantes valiamse principalmente do telégrafo sem fio, serviço prestado pelos correios. Havia as cartas tradicionais e as mensagens pelo rádio (um serviço conhecido como “alô interior”) De Santarém era possível telefonar aos berros para os poucos aparelhos que a COTELPA (Companhia Telefônica Paraense) instalara em Abaeté. Rádios, somente os de ondas médias e ondas curtas instalados em poucas cidades do interior, além das estações de Belém. Deixar as famílias em casa e sair para comercializar pelo rio Amazonas de cidade em cidade era, como vimos, uma aventura, uma história de coragem ainda por ser contada.

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COMÉRCIO

CANTO ANGUSTIADO AOS PLANTADORES DE CANA Autoria: João de Jesus Paes Loureiro.

Plantador de Cana Verde, das terras de Abaetetuba, por que só tu quem trabalha, por que teu filho não estuda? Plantador de cana verde, das terras de Abaetetuba. Teus braços plantam doçuras, colhem braçadas de dor, o sol que te cresta a pele, doura a praia do senhor. Teus braços colhem doçuras, colhem braçadas de dor. Tuas mãos acendem esperanças de um certo verde esplendor. É um verde mar que propagas, um doce mar plantador. Tuas mãos acendem esperanças de um certo verde esplendor. Não vês, porém, que esta cana é cano cruel que aponta o lucro do teu patrão para o teu lar que não janta? Não vês. porém, que esta cana é cano cruel que aponta? Acaso foste a uma escola que teu patrão te mandasse? Acaso teu filho estuda na escola que não estudaste? Acaso foste a uma escola que teu patrão te mandasse? Teu filho acaso não nasce como nasce o do patrão? Por que só o dele é doutor e o teu não tem instrução? Teu filho acaso não nasce como nasce o do patrão? Não há ninguém que nascesse para aprender, outros não... Teu filho merece escola como o filho do patrão.

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Não há ninguém que nascesse para aprender, outros não... Trabalhas luas e sóis, vai teu patrão ao Senado votar as leis que te fazem viver mais escravizado. Trabalhas luas e sóis, vai teu patrão ao Senado. Quantos filhos já tivestes? Quantos deles já morreram? Uma cruz de cana verde foi o quanto que tiveram. Quantos filhos já tiveste? Quantos deles já morreram? Quantos filhos na moenda perderam o braço e a infância? que plantar cana e moê-la é seu brinquedo e folgança? Quantos filhos na moenda perdaram o braço e a infância? Deu-lhe o patrão outro braço? Deu-lhe o patrão outra infância? Em vez de matar no pólen a sua flor de esperança? Deu-lhe o patrão outro braço? Deu-lhe o patrão outra infância? Não deu porque de teu filho só quer a mão que trabalha. A mente que pensa e cria envolve em metal mortalha. Não deu porque de teu filho só quer a mão que trabalha. Só quer que a sua cartilha seja da cana cortada. Mas essa cana arrebenta os sulcos de tua alvorada. Só quer que a sua cartilha seja o da cana cortada.

Que verde alvorada verde há de brotar de tua mão, plantador de cana verde ao som de voz: hoje não! Que verde alvorada verde há de brotar de tua mão. Teus braços farão rolar os canaviais da injustiça. pondo final nesta infâmia pondo final nesta liça. Teus braços farão rolar os canaviais da injustiça. Então vais viver decente da cana que tu plantaste. Então vais comer o açúcar da cana que tu plantaste. Então vais vestir a roupa da cana que tu plantaste. Então vais tomar remédio da cana que tu plantaste. Então vais jantar a carne da cana que tu plantaste. Então vais educar teu filho da cana que tu plantaste. Então vais plantar tua casa da cana que tu plantaste. Então vais morrer como homem da cana que tu plantaste. Plantador de cana verde das terras de Abaetetuba, a liberdade é mais doce que a cana nova e polpuda! Plantador de cana verde das terras de Abaetetuba!

(Poesia extraída do livro “João de Jesus Paes Loureiro, o meu irmão”, autoria de Raimundo Nonato Paes Loureiro)


FOTO: helly pamplona

Sobre o Monumento do Plantador de Cana-Verde, obra em concreto criada por Ray Cardoso para homenagear o Ciclo Canavieiro de Abaetetuba, e que foi colocada à beira-rio, em frente da cidade de Abaetetuba, e que pelo alvorecer e entardecer criava um efeito belíssimo junto com as luzes do nascente e poente, essa peça, sabe-se lá por que razões, foi retirada do local em que estava e, desde aí, desapareceu sem nenhuma explicação plausível de parte dos administradores do município. Como esse antigo Monumento do Plantador de Cana-Verde era a peça mais representativa do Ciclo Canavieiro de Abaetetuba, o Coordenador do Campus Universário de Abaetetuba (2013), junto com seus pares da mesma entidade, e por estudantes que procuram resgatar a História-Memória de Abaetetuba e, em especial a História-Memória do Ciclo Canavieiro de Abaetetuba, convidaram o multi-artista Ray Cardoso para executar outra obra em concreto que pudesse resgatar essa importante parte de nossa Cultura, peça a ser montada em uma Praça que está sendo implantada nesse importante Campus. Ray não se fez de rogado e executou outro importante Monumento do Plantador de Cana-Verde, que foi solenemente inaugurado em 4/4/2013, com a presença de convidados especiais, TV Record, Professor e escritor Jorge Machado, Professor Garibaldi Parente, demais professores, alunos e tantos outros convidados para essa inauguração. Foram momentos de palestras, poesias e valiosas informações partidas de Jorge Machado e outros convidados desse verdadeiro Ato Cultural. Esse novo monumento, no nascente e no poente, ou outras quaisquer horas do dia, causa os belos efeitos visuais do anterior, ou até mais expressivos que aquele. Um novo monumento foi encomendado pelo Coordenador do Campus, e na imaginação do artista Ray Cardoso, será um monumento com 3 varas de cana entrecortados, sustentando uma fraqueira (garrafão) de 15 litros, isto é, o maior dos antigos garrafões e esse garrafão jorando "pinga", para também ser implantado no Campus, como parte da História-Memória do Ciclo Canavieiro de Abaeteuba. O belo verso abaixo, publicado pelo cantor e poeta Adenaldo Santos Cardoso, na página Xarão Cultural, do poeta João de Jesus Paes Loureiro, foi recitada no dia da inauguração do novo Monumento ao Plantador de Cana Verde. POR ADEMIR ROCHA www.revistapzz.com.br 41


FILOSOFIA

Jones da Silva Gomes *

cidade da arte

A

uma poética da resistência nas margens de Abaetetuba

baetetuba é uma Cidade da Arte e a exemplo do seu mito fundador (indígena), representado na narrativa da Pacoca , a urbe emerge das encantarias da linguagem e toma formas estéticas variadas na semântica cultural das margens ribeirinhas, no que chamamos de cidade das águas. Sendo assim, ela própria é uma utopia, um ser social, uma possibilidade de encontro em meio a desagregação. Podendo ser percebida nos diversos campos interpretativos, aqui a olhamos a partir do imaginário da arte em sua relação com a sociedade, o que vem se traduzir em dois contextos distintos, porém complementares: a) Ela representa um conjunto de imagens em que os símbolos de uma cidade se constituem; b) Ela é a expressão de uma emoção compartilhada sobre as quais as comunidades da arte organizam-se em meio a recriação destes mesmos símbolos. Entendo por comunidade da arte as relações sociais mediadas pela obra de arte num determinado contexto histórico-cultural, formando, assim, processos sensíveis solidários e imagéticos, onde um mundo artístico se autoproduz. Evocamos este conceito no momento em que se manifestam os eventos de arte, que ocorrem ciclicamente no município de Abaetetuba-PA, e ai estamos a falar destas imagens e relações. É nos Autos, Miritifest, Quadra Junina, Festival de Pássaros e Bois, Semana de Arte e Folclore; na música, poesia, artesanato artístico, fotografia, teatro, pintura e artes plásticas, que realizações artísticas se desenvolverem no espaço da cidade, contudo, ultrapassa suas fronteiras. Entende-se por “eventos” as realizações estéticas fomentadas pelo conjunto da so42 www.revistapzz.com.br

ciedade local num tempo de longa duração, sobre o qual se erige a cultura popular, que, neste sentido, não se confunde com o entretenimento, já que sua função dominante identifica expressões estéticas e éticas, ou seja, partem de uma comunidade de significação e chegam ao reconhecimento de um estar junto. O entretenimento, por sua vez, se faz global, fugaz e multiplamente determinado, tanto que no conjunto das relações ele apresenta-se desenraizado. Paradoxalmente a isto, coexistem com estas mesmas imagens a ausência de espaços de artes, tais como, os já consagrados no mundo ocidental, como: teatros, museus, salas especializadas de música e dança, além de formações acadêmicas e critica de arte, fato este que gera uma suspeita hermenêutica, já que esta em desconexão com a imagem de Cidade da Arte, se agrava quando a associamos com o consumo de drogas e a violência- fenômenos comuns nas cidades brasileiras- além do acesso restrito a renda, educação, saúde; que reforçam e inviabilizam os processos estéticos nesta Abaetetuba submersa. Entretanto, destoam do fato de que grande parte dos nossos artistas são jovens e adolescentes, muitíssimos interessados naquilo que fazem, além de uma vanguarda de poetas, músicos, coreógrafos, dançarinos, mestres-artesãos, atores e espectadores, colaboradores e agentes públicos, que ainda veem sentido no que fazem, sem viverem exclusivamente disto. Dai tratar-se de uma cidade encantada pela cultura, naquilo que o Prof. Dr. Paes Loureiro considera ser uma poética do imaginário possível na arte. Este fator sociológico de agregar pessoas em meio ao desencantamento da arte e da sociedade, como bem frisou a Profª. Drª

Kátia Mendonça, que suponho ser a contribuição ética antes que estética da cidade da Arte, sua dimensão valorativa. O reconhecimento das imagens da arte provoca um estar junto em meio a desagregação, uma criação coletiva que se entrelaça na ludicidade e no simbólico, bem como, na festiva realização da obra de arte, que confraterniza e comove as pessoas. Este reviver os eventos pelas comunidades resulta da criatividade dos lugares da imaginação, imprimindo resistência ao mero suceder de imagens- simulacros; É preciso lembrar para cuidar, vivenciar e reconhece. A Cidade da Arte que não se confunde com a Cidade das drogas, da violência e do caos social, doravante, aparece como a Pacoca, para dizer que é preciso olhar para além da nuvem espessa que nos envolve, e não só vermos, mais imaginarmos os horizontes que resultam do cuidado fraterno e do pertencimento a um lugar. Tal como o poeta Adenaldo Cardoso vem expressar ao conclamar a imagem materna de Cidade: “Mãe Oh! Mãe, o barco parte é de teimoso, Mãe Oh! Mãe, a gente vai a contragosto. Mãe Oh! Mãe, estrelas vão junto conosco, Mãe Oh! Mãe, e com as estrelas vai seu rosto”. A Abaetetuba de todo modo é este lugar do afeto e da vivência, que desperta sempre um retorno ao imaginário, bacia semântica (KAMAIG) de todos nós. * UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CAMPUS ABAETETUBA- (CUBT) Curso de Licenciatura em Educação do Campo Prof. Dr. Jones da SilvaGomes (Ciências Sociais) Email: jones@ufpa.comjonesgom@yahoo.com.br


FOTO: helly pamplona

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FILOSOFIA

João de Jesus Paes Loureiro

ABAETETUBA ENCANTADA COMO UTOPIA SOCIAL

A

s cidades encantadas compõem a parte humanizada dessa cartografia do imaginário paraense. Os nascidos em Abaetetuba, no Pará, sabem que ela é também uma cidade encantada. Ou era, antes de o processo de desencantamento do mundo ser iniciado também nela, pela explicação racional e pragmática de tudo. Estavam todos certos de que, do outro lado do rio que banha a cidade, na ilha da Pacoca, a Boiúna adormecida no perau submerso em frente a Abaetetuba, as seis horas das tardes de sempre, depois de até lá deslizar sob o silêncio das aguas, estendia-se ao longo da praia de alvas areias dessa ilha. Quem lhe cortasse/r, de um só golpe, o rabo, desencantaria/á a verdadeira cidade de Abaetetuba. A cidade visível desapareceria/á e em seu lugar, para a bem aventurança de seus habitantes, emergiria/á, das regiões submersas nas águas doces do rio do devaneio, a cidade encantada, como um lugar onde todos serão felizes, vivendo na igualdade, cultivando suas terras, na harmonia e na paz. As encantarias são lugares de encantados no fundo dos rios ou nas brenhas da floresta. São como olimpos submersos, onde vivem as divindades da teogonia amazônica. A condição mítica de Abaetetuba faz parte da geografia mágica do Pará Amazônico. A força do imaginário ribeirinho local ultrapassa a relação com o tempo passado. São narrativas míticas atuais, enquanto as mitologias clássicas têm uma gestação de séculos. Não foram séculos nem peripécias históricas nem migrações heroicas que conferiram a ela essa dimensão mitificada. Trata-se de um mito cultural, isto é, decorrente dessa relação de maravilhamento diante do kantiano sublime da natureza, onde o tempo 44 www.revistapzz.com.br

torna-se espaço e o espaço, tempo; um exemplo do que chamo de poética do imaginário dominante na cultura amazônica como um todo. Enfim, há uma dimensão utópica na crença daqueles que não precisaram ver para ter certeza de ser Abaetetuba uma cidade encantada. Diante disso, não se deve questionar se é certo ou errado, mas fazer uma suspensão da descrença, lem-

A condição mítica de Abaetetuba faz parte da geografia mágica do Pará Amazônico. A força do imaginário ribeirinho local ultrapassa a relação com o tempo passado. São narrativas míticas atuais, enquanto as mitologias clássicas têm uma gestação de séculos. Não foram séculos nem peripécias históricas nem migrações heroicas que conferiram a ela essa dimensão mitificada. brando uma lapidar proposição de Collerige, para quando se ouvir ou analisar narrativas do imaginário, como essa. É o sonho, o desejo, a busca de uma sociedade ideal. E que persiste ainda, mesmo diante do processo de desencantamento do mundo visto por Max Weber desde seu tempo. Esse desencantamento do mundo promove a supremacia explicativa, lógica e científica da vida, no esquecimento do que João Evangelista, nas Santas Escrituras, diz Tomás: Tu acreditas, Tomás, porque viste. Felizes os que não viram e acreditaram (citado por GD.; 1961, pg.26). nesse sentido é que a utopia é sempre uma alegoria exorcizando,

sublimando coisas, gentes, idéias e aflções, temores e ilusões, como esclarece Octávio Ianni, em seu texto Utopia, Conhecimento e Alegoria. Thomas Morus, em Utopia, sua obra emblemática, também considera que é pela ideologia que se configuram as dimensões de crença. A condição mítica de origem consagrada por sua gente, reveladora da busca de uma sociedade ideal em sua própria paisagem geográfica e cultural, denota a conversão semiótica da lenda em utopia. A conversão semiótica de algo como explicação de origens em um passado, em algo que é a destinação de um futuro. Um nativismo utópico. A utopia de uma cidade ideal, fruto do enlace idílico com a natureza, povoando a certeza imaginal do homem nativo, amoroso de sua terra e desejoso de que ela se torne o lugar feliz para os homens viverem em igualdade, com trabalho compartilhado, sonho, harmonia e paz. São inquietações em curso nela, buscando-se erigir uma sociedade perfeita com os meios existentes no presente. Há muitos fatores constitutivos de uma dimensão utópica, na poética da cidade encantada na ilha da Pacoca, que a Boiúna guarda como um raro tesouro escondido. A Utopia, de Morus, é um lugar imaginário no qual vive um povo perfeitamente sábio, poderoso e feliz, sob o influxo de instituições ideais. Exatamente como na tradição oral se descreve a cidade utópica em que Abaetetuba se poderá converter. Nesses aspectos, Abaetetuba, concebida como cidade encantada, assemelha-se à Cidade do Sol, de Tomaso Campanella, e ao Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.


FOTO: helly pamplona

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POESOFIA

Jones da Silva Gomes

abaetetubas Nossa seção de poesia é sala de recepção, um espaço de diálogo com o que chamamos de Abaetetubas, cidades poéticas. A poesia que reinventa uma cidade e sobre ela faz atuar o simbolismo da partilha e resistência, somam-se como referências de grande valor histórico e cultural para a sociedade abaetetubense e formam referências na produção literária BRASILEIRA.

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baetetuba é fonte de inspiração e berço da imaginação social de poetas e outros artistas, lugar de experiências estéticas por excelência, que, por sua vez, geram imagens, linguagens, símbolos sociais, elementos do imaginário urbano e rural. A arte poética surge da interação entre os indivíduos, a coletividade e a natureza mítica, mística e converte-se numa dessas forças sociais geradas no imaginário, fazendo nascer muitas Abaetetubas. O processo artístico é quase sempre o resultado dos contatos que os poetas tiveram ao longo de sua longa trajetória de Ser com essa realidade ou surrealidade que lhe possibilitaram fundar essas novas cidades margeantes em uma das planícies amazônicas. A maioria dos poemas desta Antologia foram extraídos da tese de Doutorado de Sociologia: CIDADE DA ARTE - uma poética da resistência nas margens de Abaetetuba do professor Jones da Silva Gomes. Ele diz que “Abaetetuba emerge das encantarias da linguagem e toma formas estéticas variadas na semântica cultural das margens ribeirinhas, no que chamamos de cidade das águas. Sendo assim, ela própria é uma utopia, um ser social, uma possibilidade de encontro em meio a desagregação”. Percebida nos diversos campos interpretativos de cada poeta, olhamos estes poemas a partir do imaginário da arte em sua relação com a sociedade, o que vem se traduzir em contextos distintos, porém complementares: que representam um conjunto de imagens em que os símbolos de uma cidade se constituem; E como forma da 46 www.revistapzz.com.br

expressão de uma emoção compartilhada sobre as quais os poetas organizamse em meio a recriação destes mesmos símbolos, apresentamos poemas líricos, épicos e fartos de que nos fazem sentir o rio, as várzeas, os arco-íris, as ribanceiras, em imagens quase surreais. Se colocado ao lado de um universo de fartura, devaneio e imensidão proporcionada pelo volume das águas, desdobrará no que João de Jesus Paes Loureiro em 1992 denominou de poética do imaginário, ou sentimento estético propicia-

Abaetetuba emerge das encantarias da linguagem e toma formas estéticas variadas na semântica cultural das margens ribeirinhas, no que chamamos de cidade das águas. Sendo assim, ela própria é uma utopia, um ser social, uma possibilidade de encontro em meio a desagregação. do pela visibilidade do espaço comum. As relações de uma estética e ética dá vida cotidiana nas margens do rio é muito bem registrada pelo poeta, dedicado a Abaetetuba de frente para o rio. Em sua “Arte Poética” Loureiro descreve esse ambiente das ilhas de Abaetetuba o universo mítico das origens, onde o mito ainda tem grande valor explicativo e domina a paisagem dos rios sobre os quais as relações do poeta ganharam sentido e existência. Através da poesia percebemos então uma cultura composta de

uma natureza própria em que o homem embebido pelo imaginário das margens, é influenciado pela contemplação estética da floresta, rios e seres encantados, além de uma religiosidade caracterizada pela sua forma mais popular. Compreende-se então que esta região ainda é um produto dessa grande bacia de significados cujo um olhar aponta para o tema da comunidade, no jeito festivo de lhe dá com o cotidiano; que reelabora suas crenças, mitos e sociabilidades. Legando para a cidade os seus lugares de memória, que ainda são bastante representativos na materialização dos estilos festivos ribeirinhos, numa forma de festejar que ainda ecoa com particularidades, sobre o qual se cumpre um ritual, uma imagem. Abaetetuba é formada por um centro comercial que se amplia a cada década sobre outros bairros, perdendo aos poucos sua centralidade, com relação à beira que, no entanto, não deixa de ter sua importância, essa cidade ribeirinha está próxima dos grandes projetos e da abundância de produtos e serviços, dos quais sua comunidade quer usufruir. É preciso entender que tais experiências estéticas continuam a ser vínculos com a memória. Consideramos que a memória de uma cidade está também naquilo que contemplamos como objeto estético. Assim, para além de sua dimensão sociológica, toda uma imagem poética e utópica pode ser redescoberta. Destacamos aqui as imagens de uma cidade, percorrendo as trilhas da memória dos eventos artísticos sobre os quais ainda percebemos um sentido de cidade. Reconhecer o caminho por onde essa


cultura trilhou sua jornada de experiências vivas no campo da arte é, de certo modo, entender que existe um subsolo a escavar, mobilizador de muitas estéticas para a cidade. Paulatinamente, essas expressões vão perdendo sua ressonância, à medida que a cidade vai reconfigurando seu imaginário, que agora ganha ares mais ou menos urbanos. Doando sentido, uma arte é como o poeta que dobra a esquina e já se esquece de si, entoando os lugares no ofício de falar pela comunidade e passando a recolher pacientemente suas imagens. Nosso Hermes vai de rio em rio, de rua em rua, e já não deixa mais de anotar: anota detalhe por detalhe, depois vai podando os galhos. Ele já não passa despercebido, impõe-se à consciência, torna-se um produtor de imagens, é personagem discreto das cenas públicas, que faz da cidade um paladar, quando “cheira à poesia”; um olhar “quando o sol no rio sem enterra” ou um escutar no momento em que “na igreja o sino berra”. A cidade é o conjunto de suas imagens particulares, de seus sentidos e sentimentos. Um texto no ad infinitum da urbanidade, fluxo que se processa a cada centelha de solidariedade, que se reflete na estética como comunidade, uma resistência ética que elabora formas de ser no âmbito da convivência urbana, uma obra coletiva que orienta um “estar juntos”. A poesia compõe-se também de muitas estéticas da comunidade, cujo cenário pintamos, aos poucos, com o nome de Cidade. Conta-se a história que as antigas polis gregas (comunidades) cegavam seus poetas, para que eles não

conseguissem sair de sua cidade, em vista de mantê-los sobre a jurisdição dos cidadãos. Abaetetuba não vivencia este drama, já que seus poetas percorrem em liberdade outros horizontes, mas sempre retornam como forma de reconhecimento de sua outra parte, de seu símbolo e de muitas memórias afetivas. A leitura poética da cidade é, portanto, um momento esperado, já que se trata de o poeta expressar uma visão de cidade, cabe a ele reunir as palavras certas para aquele momento propício, se realmente suas palavras contagiarem o público, elas jamais serão esquecidas, serão elas próprias a memória. O poeta convida seu leitor e ouvinte a conhecer essa cidade, a participar de suas imagens, a confrontá-las com outras, a se identificar ou não com ela. Lembrar uns nomes, mas esquecer outros personagens dessa cidade, em meio a tantos anônimos da cultura, faz de nosso objetivo: compreender os vestígios deixados por uma totalidade, configurar-se em um humilde esforço de adentrar-compreender o movimento daqueles que constroem cotidianamente a cultura. Nossa seção de poesia é sala de recepção, um espaço de diálogo com o que chamamos de Abaetetubas, cidades poéticas. A poesia que reinventa uma cidade e sobre ela faz atuar o simbolismo da partilha e resistência, somam-se como referências de grande valor histórico e cultural para a sociedade abaetetubense e formam referências na produção literária brasileira

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POESOFIA

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Quero ser forte como a cobra grande Outro dia veio a exploração do comércio Dos muitos rios que engoli. Quero ser feroz que nem a pororoca De matar Quero o perfume das cinzas do meu corpo Hoje em dia perseveras Arrotei um arco-íris Quando eu tiver enfim que ir embora Mijei alguns outros e cuspi diversas piracemas: O show não pode parar Só me julgueis, querida terra que eu adoro De teu discurso brota lições Abortei Serás a mesma que a 100 e poucos anos, De tua face o cansaço Fisguei um tucunaré Quando recebeste os foros de cidade Abaetetub De teus braços as ações Pensei que fosse boto, me embatuquei aqui está minha tocha acesa A vida que vivo e refaço. Arrebentou minha linha, levou meu anzol com o amor de todos nós. Conjuguei desalinhar de todos os modos JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO Enrolei-me todo para explicar GARIBALDI PARENTE O desespero com cheiro de chicória. ARTE POÉTICA Desaprendido de rimas CANTO ABAETEUARA Era o primeiro caminhar Farto de ribanceiras Ao Centenário de Abaetetuba entre as raízes que se aprisionam a terra, Multiplico meus remansos Tem cem anos este rio mas se libertam pela safra e os ramos, E ofendo era o primeiro caminhar na várzea mitomorfa, cem anos a navegar. A elegância das açaizeiras. O dia nos faz ribeirinhos onde os vestígios da vida regeneram a vida transformando-se em vestígios, em cem leitos de preamar. Monte Serrat era o primeiro caminhar pelas sementes Tem cem anos esta foz, no germinar de fartura das origens, POEMA DE AMOR à nascente a remontar. era o primeiro caminhar, E Abaeté cresceu embalada nas águas doces Tem cem anos esta voz, quando essas ilhas enlaçadas pelo rio De canas verdes que beijavam seus pés cantando preces ao mar. como as amantes alagavam-se em lendas, Travessias de desejos, Nas variantes mares preamares. Abaeté que acordava entre ilhas águas ferventes, Não era ainda o ser, nem era o sido, Com o apito estridente dos engenhos sem desvios nas entranhas, era por certo meu canto se formando, Que foram a base da economia a manar do peito ardente. o canto a me fazer se fazendo. Que nascente crescia. Lenda é coisa de contar, Outras coisas vieram para nossa alegria: é fonte dos afluentes. NONATO LOUREIRO O cacau, a borracha, a lavoura dos campos É galante o nosso porte, Muito simples surgia, em cada conto há cem valentes. UMA TOCHA DE AMOR O comércio, a indústria, sobretudo, as olarias. Eis a minha tocha de amor por ti, Abaetetuba A sabedoria é força Nossos rios com suas águas se abriam de virtude e de beleza, sorriso fértil da terra Quero te incendiar de amor por ti como estradas. em gestos de realeza. Quero iluminar teus prédios apinhados de ilusões Ao comércio fluvial e navegação; Sentimentos em sentido, Atiçar o fogo da paixão As canoas à vela seus leitos bordavam Que me invade a alma e te beijar com a chama aqui é o nosso lugar. E o Emiliano Pontes, Meu Deus! Há cem anos passa o rio, deste beijo O Emiliano! Que trazia de longe, anos sem conta há de ficar. Umedecido de carinho e de desejo, Já com atraso, Nesta noite lancinante, Notícias de além-mar. Onde a paixão mais forte da verdade MARÁ Deve aquecer no abraço amigo SANDOVAL NONATO No mará amarro Deste peito esfumaçante de prazer. Minha canoinha Permitas que eu te queime, Abaetetuba, A VIDA PELAS MÃOS Raiz absoluta do viver. Com o fogo que trago dentro da alma. Mãos na Massa Marceneiro Mará do Pará E deixes esta paixão ferver teu ventre, Nesta manhã que agora passa Grande Rio que é braço do mar Ao te beijar os seios palpitantes Neste trabalho sorrateiro Aurora da Foz Tocantina. Carregados de amor por quem te ama Marcha, Marcha Marceneiro Amarro-me O coração me arde feito brasa Nesta vida de penar De braços dados ao sol Na fogueira de uma paixão infinda, Com astúcia e olhar certeiro Em um braço corrente Na soturna noite de pecado Sabendo a madeira trabalhar Nas ondas de sonhos oradas de amor. Onde a multidão vive perdida A madeira é por lisonja Águas do tempo Queimo-te os lábios de mel e me embriago Agradável de se lidar Cedro, Contorcidas ilhas Toma meu corpo e me queima até a morte maçaranduba, mogno E horizontes alegres do mito. Não permitas sequer que me socorram. O Angelim e a macacaúba Agarro-me nesse paraná, Invade este meu peito Pra variar Marceneiro nossas mãos e dilacera o coração que aos poucos vai parando. E minha voz é um brinquedo Nosso cômodo é profissão Levo o meu computador, esse meu crânio, Nas odes serenas do teu cantar. ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................................................................................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


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ADENALDO CARDOSO ENCANTOS E DESENCANTOS Já cansei de matutar, Oh! Abaeté do meu Pará. Vila de Beja o que será? O boto preto não vi passar. Abaetetuba nossa morada. Quem vem aqui tende a voltar Mais muita coisa está errada, Se está errada vamos falar. Entenda que nós entendemos. Que a cobra grande não morreu no mar Sabemos que a curupira não morreu na mata Nem se perdeu por lá Já cansei de matutar... Nossa esperança é um pó mais nada Beira, beirada não tem mais cais. Praia de Beja apedrejada Fede a queimada nos matagais Entenda que nos entendemos Que o lobisomem não esqueceu o luar Sabemos que pela Pacoca o encanto desemboca Durante a preamar. Já cansei de matutar... A nossa fama está na cachaça, Mas não tem graça, ter que importar. Falta incentivo, nó na desgraça, Engenhos mortos sonhos no ar. Entenda que nós entendemos que tia Matinta Não morreu num bar, sabemos que o passarinho Só perdeu seu ninho, porque não quis lutar. Já cansei de matutar... NAZARÉ LOBATO CHORA E RI ABAETÉ

Chora e ri Abaeté Abaeté, ardente princesa De encantos suaves e agreste beleza És a joia destes confins Regada à aguardente, pura e tão somente Do meu Tocantins. Já vai longe o teu fantasma Noturno, brilhante, evapora no chão Tuas mangueiras, teu velejar, tuas ladainhas, folias, sonhar. As saudades dos lampiões, que iluminavam O teu coração. E vem o progresso, pra frente o asfalto negro, o presente

ALFRED MORAES ABAETETUBANDIANDO Da colônia Velha, sou fruto e semente, Que a brisa do tempo soprou para a vida; Da praia de Beja, sou o sol poente, Que solenemente descansa da lida. Da colônia Nova, sou a lua cheia, Que a noite desponta como um sol de prata. Lá do Pirucaba sou um grão de areia. Que a onda semeia entre o rio e a mata. Sou a névoa branca do Açaí tuíra Que recobre o cacho de uma cor sutil. Sou a correnteza do Maratauíra Que ainda respira nesse desvario. Sou o cio das águas na maré lançante, Emprenhando as ilhas e os igarapés. Sou uma viagem da Pacoca errante Sobre a borbulhante espuma das mares Sou o Boto amante que se fez rapaz Sou chapéu de palha sobre a cicatriz, Sou a cobra-grande que dormita em paz, Sobre as castiçais de bronze da matriz. Sou o Curupira legendário moço, Sou canoa a remo e pipa do arrebalde Sou calmaria de depois do almoço Sou água de poço engolindo balde. Sou o violão do eterno Chico Sena, Não! Não baladeira porque bem-te-vi Sou a talentosa Dira Paes em cena Uma artista plena que nasceu aqui. Sou a poesia de João Paes Loureiro Que nada no verso e mergulha na alma. Sou a plenitude do miritizeiro Que se doa inteiro caule, fruto e palma. Do antigo engenho, sou pura aguardente Que solenemente brota do alambique. Do MIRITIFEST, sou fantasia, Lúdica Magia de um brinquedo chique. No fundo do casco, sou cuia pitinga, Feito bomba d ‘agua movida à munheca Na várzea baldia, sou um pé de aninga, Que esconde a ginga quando a maré seca. Sou farinha d’agua na mesa, repleta De mapará fresco e camarão assado, Sou o frenesi de gente e bicicleta Na “beira” repleta de fruto pescado Sou ABA de estrelas no cocar brilhante Sou ETE guerreiro em seus rituais, Sou TUBA, e fui “Teba Tribo Tocantina”. Hoje, sou resina dos meus ancestrais.

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Abre um sorriso além da morte No encontro da dádiva com o segredo. Espelho e cortina da memória Onde navega um homem macho É uma mulher donzela: Maratauíra.

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POESOFIA

BEJA ME MUCHO

Veio o progresso do Brasil de norte a sul. a Albrás foi implantada bem no centro do baixo Tocantins. Beja Beja-me mucho, parece que eu te vi Beja Beja-me mucho antes do teu fim Existiram muitas tribos de índios por aqui Nos jardins do Abaeté do baixo Tocantins Amazônia uma insônia para as multinacionais Que explora em nome do capital. Quem foi que disse que os índios anabés de Moju Não foram estrumpados, aculturados pela sociedade nacional Extinguiram nossos mitos, nossos ídolos, nossos rios A nossa praia agora fede a ferrada de arraia. Repete refrão... Veio o progresso do Oiapoque ao Chuí Tucuruí foi implantado ameaçando o rio Tocantins.

RITACÍNIO CARVALHO ÁGUAS DE BEJA Ai que saudades do meu tempo nesta praia onde toda a minha infância com todos ia brincar.

e balança à beira do rio-mar. Belém, Belém, acordou a feira Que é bem na beira do Guajará Belém, Belém, menina morena, Vem ver-o-peso do meu cantar Belém, és minha bandeira És a flor que cheira no Grão-Pará... Belém, Belém do Paranatinga Do Bar do Parque, do bafafá Bem-te-vi, sabiá, palmeira Não baladeira deixa voar Belém, Belém, acordou a feira Que é bem na beira do Guajará Belém, menina morena, Vem ver-o-peso do meu cantar Belém, és minha bandeira És a flor que cheira no Grão-Pará.

ANTONIO MACEDO Abaetetuba: Terra do Contrário Abaetetuba é tudo ao contrário Não tem explicação O giz é preto Algodoal não tem algodão Pracaxi é uma árvore Corisco vende camarão Sapateiro não faz sapato Vaca é gente Gatão vende peixe Tiririca não é cantor Tudo isso acontece na cidade de Abaeté.

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GONZAGA MACIEL

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Não é liso, suave, é ganho Teu corpo de peixe, pele de peixe, não tem escamas. Quantos botos dormiram na tua cama? Alguém te pescou feito gente? Fisgaram-te feito peixe? Enganaram-se Você não é peixe Você não é gente É contrassenso Às vezes te entendo Às vezes nem penso Você é cardume É bicho das águas Perfume do rio, cio das vertentes Teu corpo bonito Se tivesse escrito a tua história Tua mitologia Seria água escorrendo.

CABINHO LACERDA

AQUARELA DE ABAETÉ Caminhei cedo pelas ruas da cidade tendo parceiro meu querido violão, nas margens do Maratauíra tal fartura A natureza que faz parte da cultura alimentar da região, era a maior riqueza buscando as ilhas naveguei numa rabeta, o rio era uma beleza chego ao rio Paramajo, nele aprendi a nadar. curtindo o verde sonho de Antonieta, Os japiins para se evitar que se cometa que cantavam na mangueira o crime da devastação, tinham festa à tarde inteira DAVISON FURTADO seguindo esta viagem antes da noite chegar. pelas ilhas de Abaetetuba AÇAÍ aplaudo a canoagem do rio Quianduba, Quero aqui lembrar tua grandeza A turma vinha na lenha cozinhando degusto com prazer o açaí com mapará Quero lembrar-te em nossas mesas e tocando na viola ao som de um bom esquema O quanto para nós és essencial e uma morena pra dançar, passei no Pirocaba para a lua nos olhar. Quanto teu sabor é sem igual. num caminho de dar inveja Quanta elegância em tuas palmeiras cheguei nas areais...lá de Beja, Uma barraca Quanta beleza em tua cor na volta arrepiei-me com a pacoca cheia de poetas Quero sempre falar de ti e sua boiúna que fazia umas canções Quero sempre lembrar teu sabor. e aproveitei o banho do Ipixuna. de lembranças pra chorar. Um presente da Natureza Pra relembrar os nomes da nossa cultura, Uma riqueza em nossas mesas tão popular o prestigiado Cardinal, ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................................................................................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Ou vive interessado por relembro Daniel Margalho genial, mistérios que ninguém sabe explicar: tem Dico Souza ponteando em sete cordas ouça com atenção a estória que eu tenho para narrar.... orvalhando quem acorda Num capricho da natureza Deus criou uma ilha que e uma beleza, pra este sonho tão real. lá para as bandas do nordeste do meu Para com o nome de Rio Bacuri esta ilha e De volta para o hoje pego um taxiclista faceira e tern um belo luar que e uma delícia para quem gosta de namorar... que logo vai informar mas a ilha faceira guarda um mistério que costuma apavorar todos os machos aonde tem artista, que passam por lá. portanto nem preciso rodar muito por ai Treze homens já desapareceram nas aguas daquele rio, encontro logo os mestres de brinquedo e miriti. ninguém sabe dizer como e nem porque o rio os engoliu. Tomando uma purinha Contam os ribeirinhos que cada homem que o rio antes que a cachaça acabe seduziu tem uma estória diferente entrei num bloco em pleno carnaval, e que nem um deles tem o mesmo perfil. e reverencie o eterno Rei o Vandoca, 0 que ha então em comum nas estórias dos Lacerda o velho Zuza sai da toca. homens que o rio engoliu? Nessa viagem entre o passado e o presente Todos eles são atraídos por um e foi na praça e vi o povo pedindo bis desejo incontrolável de se misturar com o rio. era conceituada banda Carlos Gomes mesmo sabendo nadar com maestria, sendo pois traz em seu nome a batuta de Pauxis. caboclo ou doutor Na poesia Paes Loureiro se destaca o macho encantado lança-se alucinado nas aguas daquele rio fazendo nossa poesia tão global, só depois de três dias e que o corpo do sumido reaparece nas margens do rio tão sem fronteiras orgulhando nossa gente, Ja chamaram padre e curandeira para desvendar o mistério do rio, mesmo longe tá presente de cunho internacional, os mais céticos dizem que isso tudo e besteira.... A doutora de psicanalise comenno artesanato temos a beleza da tia nina, tou que e um processo inconsciente que esta no imaginário da gente na dança temos e que leva os homens do lugar a pular no rio e se arriscar... os grupos de quadrilha junina, E eu o que posso falar? dando boas risadas Sei que e difícil de acreditar, mas na verdade so uma coisa e capaz de explicar o ouço os causos do castor enigma envolvendo a morte de treze homens deste lugar. e o Antônio Macedo que é poeta e gozador, Esta história começou há dez anos quando uma jovem mulher foi seduzida por não pode ficar fora um encantador pescador. os versos da Monte Serrat A jovem mulher ao pescador entregou o seu corpo e todo o seu amor e ao Chico Sena sempre tem lugar. desta relação a moca engravidou e foi ai que tudo começou. O mundo todo sabe que Abaeté tem Chico Paes O pescador que não passava de um irresponsável e é terra de talentos naturais. deste lugar. O mundo todo sabe que Abaeté tem Dira Paes Esta história começou há dez anos quando uma jovem mulher foi seduzida por é terra de talentos naturais. um encantador pescador. A jovem mulher ao pescador entregou o seu corpo e todo o seu amor desta relação a moca engravidou e foi ai que tudo começou. BENILTON CRUZ O pescador que não passava de um irresponsável sedutor a bela jovem rejeitou e GENTE DO RIO abandonou... atormentada pela dor da decepção a bela jovem jurou nunca mais amar e num ataque de fúria se enforcou, porem antes jurou que iria se vingar. Eu nasci com aquele rio que corre pelos meandros Só iria sossegar quando vinte três homens conseguisse matar, da memória. Todos os rios nascem na memória. pois esta foi a idade que a sua vida resolveu acabar. Todos os rios voltam à memória. São os rios que Coincidência ou não a partir de então o mistério começou escrevem a história. O meu povo tem o rio no core para completar essa explicação apenas um dos rapazes tentados pelo mistério po e tem o rio na alma. Nos olhos do meu povo do rio consegui escapar dessa maldição. Disse o rapaz que numa tarde ensolarada está o rio que brilha como um dia que virá radioso. sentiu uma vontade danada de mergulhar nas aguas daquele rio, Todos que convivem com o meu povo aprendem a mas antes de se entregar ao chamado lembrou-se dos treze desaparecidos. linguagem do rio, e não se perdem com os caminFez o sinal da cruz e pediu proteção a santa de sua devoção, hos das águas, porque são todos os caminhos, mas o chamado ficava mais forte... era uma sensação de medo, desejo e morte. porque são todos os homens. São todos que ainda Ao olhar para o rio via uma linda moca loira que para ele sorriu. falarão a língua iluminada da água. E caminharão Ela chamava, ela cantava, ela encantava... ele loucamente desejava. como um rio que ensinou a caminhar. Mas resolveu heroicamente o desejo enfrentar, ele não sucumbiu, Foi o rio que ensinou o homem a andar, por isso com muita luta resistiu ao chamado da loira que muitos homens levou para o fundo são todos feitos com a matéria da procura, a mesdo rio. ma matéria da água. É assim a lenda do meu povo: o rio procura o homem e o homem procura o rio.

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ROMANCE

Jones da Silva Gomes

GIRÂNDOLAS

O romance de Daniel da Rocha Leite, Girândolas, é o romance do ser para o outro como forma de ser para si mesmo. No romance, ALÉM DE TODA A POÉTICA DA VIDA, pregam-se as dores da vida:violências à infância, escalpelamentos, injustiças, falta de escolas, e outras desilusões.

G

irândolas são saberes ribeirinhos, podem ser os círculos ou travessões em que são colocados fogos de artifício para soltá-los em períodos de festividades de santos, ou podem ser cruzes de brações duplos, feita da vara do miriti, onde os artesões de Abaetetuba fincam os brinquedos (sonhos) para vender no Círio. Daniel Leite, autor do livro, nasceu no Rio de Janeiro e migrou para Belém do Pará ainda menino, onde até hoje reside, de uma família de leitores, costumava ouvir a mãe ler os clássicos da literatura como Dom Casmurro. Daniel é escritor, advogado, professor, entre outros livros e contos escreveu também: Águas imaginárias, Casa de Farinha e outros Mundos e Invisibilidades. Todos os livros premiados pelo IAP, no caso de Girândolas, ganhou o Prêmio Samuel Wallace Mac Dowell. O livro foi publicado em 2009, mas seu projeto foi elaborado dois anos antes, com oito meses de pesquisa em campo. O autor em entrevista ressalta que sua literatura se alimentou do mundo das pessoas, resultado de suas andanças no interior como advogado em audiências nas comunidades, e em particular, no contato que teve com os brinquedos de Miriti. Escrevendo Girândolas ele percebeu que era uma história contada pela perspectiva da vivência e da memória afetiva de sua infância: “O livro nasceu de um conto, que depois amadureceu, a partir da poética do brinquedo de miriti que me contaminou”. Para contar essa história, foi preciso, segundo ele, “andar pelas ruas e rios das nossas vidas que vai de Belém até Abaetetuba, ouvir as águas e ir ao encontro de suas gentes”. Escrever uma história, com base na pesquisa, é contá-la a partir dos sonhos das pessoas, das suas muitas lutas e esperanças, além de mergulhar no universo do brinquedo. Para isso, tomou

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mingau no mercado, andou na feira, visitou artesões, ia aos finais de semana para ilhas, onde era recebido na casa de ribeirinhos e ouvia suas histórias, andou muito de canoa. O romance é narrado nas vozes de duas pessoas pelas memórias quase entrelaçam numa comunidade de significação. Tobias era o fazedor de brinquedos de miriti, Maria era uma benzedeira que sabia dos segredos das formigas de chuva. Viviam numa das muitas ilhas sem nome que formam uma cidade das águas. A recusa em nomear estas ilhas, visa tornar a história impessoal, de todos nós, justamente porque é universal, ao apresentar a vida dos muitos ribeirinhos nas vozes

O autor escreveu outra história dentro de sua história. Uma história de vida pesada como os tijolos de olaria e leve como os brinquedos de miriti nas mãos das crianças. O leitor que ainda não visitou a mauritiosa cidade, ao virar das páginas desse Girândolas, vai sentir vontade de banhar-se naqueles rios. de Tobias, Maria, o contador de histórias, velho Tibúrcio, a professora D. Constância, a benzedeira D. Zefa, Dona Filomena, as crianças. Ele apresenta um mundo revestido também de humanidade, desse encontro pela palavra que aproxima. Vejamos o depoimento do poeta Paulo Viera ao tomar contato com o livro: O autor escreveu outra história dentro de sua história. Uma história de vida pesada como os tijolos de olaria e leve como os brinquedos de miriti nas mãos das crianças. O leitor que ainda não visitou a mauritiosa cidade, ao virar das páginas desse Girân-

dolas, vai sentir vontade de banhar-se naqueles rios. Já o leitor que alguma vez deitou nas águas do Maratauíra sentirá úmidas saudades. Agora, aquele que nasceu e cresceu em uma das pequenas ilhas sem nome de Abaetetuba, ao ler este livro, vai embarcar solidário na canoa das dores de Tobias. Vai pedir aos deuses que olhem por Maria. (VIEIRA in DANIEL 2009). Abaetetuba é pensada então como uma Pasárgada, ou mesmo Aruanda, uma utopia social que se encanta na arte de um brinquedo, nas histórias dessas muitas comunidades das águas, que o autor conheceu e se envolveu. Envolveu-se tanto, que se tornou um de seus filhos, escolheu e foi escolhido: O livro me fez nascer em Abaetetuba. Eu fui à câmara de vereadores receber a medalha de honra ao mérito, depois de cidadão Abaetetubense, foi legal porque é como o Paulo Vieira diz no livro, a gente nasce onde a gente escolhe e eu escolhi nascer em Abaetetuba. Eu nasci lá, agora também, ouvindo uma história e escrevendo outra . No entanto, não esquece que a cidade de Abaetetuba é lugar de paradoxos, ou seja, onde celebramos a infância pelo colorido e espontaneidade de um brinquedo, a mesma infância é negada na prostituição infantil, nas drogas e na violência. Mesmo assim ainda tenta reescrever uma cidade que se supera pela sensibilidade, criatividade, trabalho e sonho de seus moradores. Portanto, é uma história possível de um amor mediado por um brinquedo, uma experiência de cidade. Foi na possibilidade de um amor entre um barco amarelo e outro vermelho que os personagens teceram no limiar da infância “uma memória feliz” bem como, nos vai dizer Paul Ricoeur (2010), o amor de Tobias por sua Maria, é também o amor por uma cidade que cheira a infância, as águas, as matas e as matutagens. Registro do fazer ribeirinhos num diálogo tecido no limiar de ima-


Arte: Maciste Costa

Girandolas Porfiar era o verbo. Era o tempo. Era o mundo. Um lugar, uma sensação de pertencimento. Uma vida. Várias ilhas sem nome. Uma Abaeté. Vários sentimentos Um miriti. Um brinquedo, uma luz, Uma criatividade. Uma Resistência. (LEITE, 2009, p.107)

gens que se dão entre a arte e uma comunidade, o livro é o reconhecimento daquele a priori ético a que se referia Bosi (2002), para o qual a literatura constitui-se como resistência. Resultado de uma experiência de comunicação, o elemento dessa resistência estética, é uma ética da convivência que coincide com a espontaneidade dos povos das águas, imagem de uma forma de habitar a cidade, tal como, o fazem as crianças ribeirinhas das muitas ilhas sem nome, descrita no romance (LEITE, 2009), A prática do porfiar é em si uma brincadeira que resistiu as novas formas de atividades lúdicas praticadas nas metrópoles urbanizadas, nessa um processo de individualização da brincadeira, processa-se com o desenvolvimento de jogos de computadores e outras mídias, ao contrário, o porfiar socializa, reúne, educa, à medida que permite o contato com os outros, possibilitando pela ludicidade uma sociabilidade que se estetiza pela cultura, a arte nesse caso ainda é um pequeno detalhe. Mas, à medida que essa comunidade afetiva se desloca do lúdico ao fazer estético; novas dimensões serão dadas ao misterioso colorido de uma infância, recontada nos brinquedos, pela emoção partilhada de uma Abaetetuba, das muitas imagens que expressam uma criatividade, uma esperança, uma resistência. Na cidade polifônica de todos os símbolos, uma vida de brinquedos de miritis, um barco amarelo e outro vermelho, uma corrida em meio a rios e matas, a possibilidade do encontro com aquilo que havia sido perdido. Num pedido feito para uma Maria, numa oração para Tobias, um amor que não se revela pelo dizer, mas que sabe, reconhece e é paciente, um sentimento de ternura em algum tipo de estar juntos, nos “encantos e desencantos” das muitas margens de uma cidade, como nos versos de Tobias a sua Maria: “E tu já estavas prometida para a palavra, nascer é uma sensibilidade sensível, um mundo teu de mulher, uma ternura, um fazer de miriti, os segredos de um verbo amar. Eras tu o que a minha ternura foi capaz de desenhar” (LEITE, 2009, p. 7). www.revistapzz.com.br 53


CRテ年ICA

Benilton Cruz

UM RIO E UMA RUA 54 www.revistapzz.com.br


turminha da rua, à tarde, sempre depois das 16 horas, porque o velho Cruz, meu pai, não deixava ninguém da família tomar banho de rio antes desse horário, naturalmente por conta do sol. Ainda, por debaixo da Ponte Italiana, caminhávamos na lama, que muitos diziam ser saudável, sem nunca imaginar o risco de um corte, um ferimento. Rua, ponte e cinema: três realidades culturais distintas. Às vezes, o rio era a rua, outra vez a rua era o rio. Por sua vez, o cinema Imperador era sempre convidativo, pois lá de cima outro altofalante exaltava, com música de qualidade, a sétima arte, a alma da modernidade. O cinema é uma forma de conhecer o mundo a partir do seu próprio mundo. E a caminho do cinema, a biblioteca municipal, onde eu lia e emprestava livros, sobre história e sobre mitologias, os meus favoritos. Ler o que diziam as palavras e ler o que diziam os rios. E na leitura há sempre outra margem além

Como se sabe, a cidade de Abaetetuba, no Pará, é caracterizada por ter uma cultura própria muito forte, inconfundível, principalmente pelo artesanato dos coloridos brinquedos de miriti, uma típica palmeira abundante na região, de inúmeros igarapés, furos, rios e dezenas de ilhas. O que pode mais dizer uma cidade amazônica conectada às suas raízes, situada em um ponto estratégico, a meio caminho entre o Marajó, o rio Tocantins e Belém, a capital do Estado? São três as grandes lembranças da minha infância em Abaetetuba: a rua Justo Chermont, “essa rua que em rio quer ser”, como eu escreveria mais tarde; a Ponte Italiana, onde costumávamos tomar banho à tarde, principalmente quando aquela água da cor da esmeralda enchia o rio, convidando-nos a um “mergulho”, como falávamos à época; e, o Cine Imperador, o cinema que, na verdade, começava na rua, pois havia um fusquinha com alto-falantes, anunciando o filme às 15, 19 e 21 horas. A Ponte Italiana, infelizmente não existe mais. Ela era um casulo de madeira, ponto de encontro com a

O certo também é que cada cidade é sempre uma Poética, uma maneira de ver e descobrir o que o além da cidade que está nela mesma. Esta cidade começava com o rio e o rio foi o meu primeiro professor. Com ele aprendi que a vida é um fluir, um devir e um eterno passar. do rio. A vida na Amazônia é um conviver com a linguagem dos rios. E o que dizem os rios? Que todo homem é um animal que pensa e que passa, como depois eu haveria de escrever “os rios são a prova de que tudo passa para se poder existir”, e nesse existir, sempre haverá uma outra cidade, aquela que cada um constrói em seu imaginário, onde essa cidade é universal, revisitável sempre, renovada, ao mesmo tempo em que é vivaz na memória. O certo também é que cada cidade é sempre uma Poética, uma maneira de ver e descobrir o que o além da cidade que está nela mesma. Esta cidade começava com o rio e o rio foi o meu primeiro professor. Com ele aprendi que a vida é um fluir, um devir e um eterno passar. O rio foi o meu primeiro mestre a dizer que há um tempo para encher e um tempo para secar. O rio foi o meu primeiro caminho, e é preciso ter tarimba para não deixar a canoa virar. O rio foi o meu primeiro guia a me apontar que o

caminho de ir é o mesmo de voltar. Agradeço ao rio por me ter feito cidadão do mundo. É a sina de quem tem o destino por navegar: foi o rio que me “disse” uma coisa quase sem importância, mas elementar: é imprescindível aprender para depois ensinar. O rio nos decifra esse mistério do olhar, e no olhar que nada se repete tudo retorna, sem ficar. Já dizia um poeta que a infância é a idade poética do homem, e para o bom viajante o rio é o caminho da distância, princípio do viver adaptável a qualquer água, essa que não tem forma definida, tem apenas a linguagem do caminho. Nada existe sem os rios, nesse nosso mundo de verde e natural juventude. Eu olhava aquela multidão de canoas e barquinhos chegando de manhã e se dispersando por volta do meio-dia, e assim entendia que tudo dependia do rio. Estar ali à margem do Maratauíra, o rio que banha Abaetetuba, braço recôndito do imponente Tocantins, era algo como um encontro permanente com a água e a sua fluida e encantadora vitalidade amazônica. Onde existe um rio haverá sempre uma filosofia, uma arte, uma história, um mito...

BENILTON CRUZ

Professor de Teoria e História Literária, e de Alemão, do Campus do Baixo Tocantins da UFPa, em Abaetetuba, pesquisador sobre o Modernismo, autor do livro “Olhar, verbo expressionista” sobre a recepção do Expressionismo alemão no primeiro romance de Mário de Andrade. Pós-Doutor pela Universidade de Aveiro, em Portugal. Poeta e escritor. www.revistapzz.com.br 55


ENTREVISTA

francineti carvalho uma das mulheres mais aguerridas do cenário político paraense, francineti carvalho foi a primeira mulher eleitA E reeleita NO MUNICÍPIO de abaetetubA. EM ENTREVISTA ESPECIAL CONCEDIDA A PARÁ ZERO ZERO - PZZ , fala sobre suas principais ações NA EDUCAÇÃO E NA CULTURA

PZZ – Prefeita Francineti, primeiramente fale sobre sua trajetória na política, sua vocação e seu compromisso com o poder público municipal? Francineti Carvalho - Eu sempre digo que eu faço política desde criança, não uma política partidária vinculada a um partido A, B ou C, mas a política do bem comum, com a comunidade. Sou filha de líderes, meu Pai foi prefeito duas vezes em Abaetetuba e antes disso foi presidente da Liga de esporte, presidente da Associação Comercial de Abaetetuba. Era uma pessoa que sempre estava envolvido na questão da liderança. E minha mãe era uma pessoa ligada à política trabalhando com idosos, tinha uma ONG. Então, eu tive a influência grande dos meus pais, de pessoas que faziam além do que podiam e tinham um compromisso com o bem comum e com a comunidade. Minha vocação desde nova me estimulou a participar na escola de grêmio estudantil, do centro cívico, a ser líder de turma. Depois, quando fiz psicologia, sou psicóloga de formação, sempre fiz uma psicologia mais comunitária. Eu fui estagiária durante anos da Legião Brasileira da Assistência - LBA, aprendi a fazer a psicologia comunitária, de visitar domicílios, de 56 www.revistapzz.com.br

participar de reuniões em grupos, e sempre preocupada com aquele contexto, como mudar aquela comunidade, a vida das pessoas, porque eu entendia que você se constrói como sujeito na relação com a comunidade. Digo que comecei a fazer esse tipo de política. Depois me formei, e durante um período trabalhei em muitas instituições. Além da LBA, trabalhei na

A Caravana da Vontade Popular não é feita só de trabalho. Há atividades lúdicas para as crianças, programação cultural para a família toda e um dos destaques dessa Caravana é o casamento comunitário, festa que é toda organizada pela prefeitura, através da Secretaria de Assistência Social. APAE, com crianças especiais, trabalhei como psicóloga do presídio, na Santa Casa, no Hospital de Clínicas, sempre com essa problemática. Também fui Secretária de Assistência Social no período de 2001 a 2003 e de 2003 a 2004 fui Secretária de Saúde do município de Abaetetuba. Mas antes de ser secretária, quando já tinha a convicção

política partidária e já desenvolvia todo um trabalho em comunidades, me filiei no PSDB, militei no PSDB e comecei uma discussão partidária, onde tive a noção de governo e escolhi minhas bandeiras de luta. Escolhi dois temas muito importantes: A Defesa de Crianças e Adolescentes e a Luta pela causa das mulheres, a participação da mulher na política, a igualdade de gênero, são temas que até hoje eu defendo. Lógico, tanto as crianças e as mulheres e o idoso também, já olhava a partir do foco da perspectiva das políticas públicas integradas. Como eu tinha facilidade de entender a realidade sociocultural das comunidades por eu ter o Mestrado em Educação, tinha noção da complexidade e da compreensão de uma política de educação. E por ser psicóloga hospitalar, uma compreensão da saúde. Quando eu fui ser Secretária de Assistência Social, isso me deu um olhar mais amplo sobre a integração das ações. Isso meu deu a percepção e um olhar mais amplo para entender que você não pode atender a criança, a mulher, o idoso a partir de uma única política pública. Militei um período na Pastoral do Menor, um trabalho voluntário, atendendo vítimas do abuso e da exploração sexual. Sempre atuando nessa politica


FOTO: adriana lima

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ENTREVISTA

Articular as várias iniciativas voltadas para as crianças e adolescentes e fortalecer a rede de proteção de Abaetetuba, foi com esse objetivo que órgãos, conselhos municipais e entidades ligadas à infância e à adolescência uniram forças para a elaboração conjunta do Plano Municipal Decenal de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes de Abaetetuba. Em defesa da saúde mental, eu fazia parte do movimento de Luta contra os Manicômios, a luta em defesa dos doentes mentais. Eu sempre estive envolvida nisso. Até receber o convite do partido para vir a ser candidata à prefeita no ano de 2008 quando depois de uma campanha bem acirrada, disputei com o candidato que estava no poder e venci. Fui eleita a primeira mulher prefeita em Abaetetuba, a primeira mulher em toda a história a ocupar o cargo executivo, sem nunca exercer anteriormente um cargo legislativo ou executivo. Sou muito grata ao povo de Abaetetuba pela confiança e pela credibilidade para ganhar a eleição e depois ganhar mais um marco na história da cidade que foi ser prefeita reeleita. 58 www.revistapzz.com.br

comunitária. Depois que assumi os dois cargos públicos na área da saúde e da assistência social, fui aprovada nos concursos públicos da Santa Casa e do Hospital das Clínicas, mas sempre desenvolvendo meu lado político, não partidário, no HC fui eleita para presidir a Comissão de Prevenção Interna de Não Acidentes, em defesa da saúde do trabalhador. Na Santa Casa tinha um trabalho voltado para a formação de funcionários. A minha vida é uma política dia-a-dia. Mesmo não exercendo cargos políticos, eu atuo na política de forma diária. Em defesa da saúde mental, eu fazia parte do movimento de Luta contra os Manicômios, a luta em defesa dos doentes mentais. Eu sempre estive envolvida nisso. Até receber o convite do partido para vir a ser candidata à prefeita no ano de 2008 quando depois de uma campanha bem acirrada, disputei com o candidato que estava no poder e venci. Fui eleita a primeira mulher prefeita em Abaetetuba, a primeira mulher em toda a história a ocupar o cargo executivo, sem nunca exercer anteriormente um cargo legislativo ou executivo. Sou muito grata ao povo de Abaetetuba pela confiança e pela credibilidade para ganhar a eleição e depois ganhar mais um marco na história da cidade que foi ser prefeita reeleita. E hoje continuo a ser prefeita de Abaetetuba com muito orgulho enfrentado desafios diários, os mesmos que os prefeitos enfrentam no Brasil, com essa crise econômica nacional, de corte de verbas, fazendo a gestão dessa cidade complexa que é Abaetetuba. PZZ – A sua formação de psicóloga e o mestrado em Educação e toda essa vivência nas instituições de saúde e na assistência social ajudaram você a ter toda uma leitura para cuidar das pessoas principalmente nas fases essenciais que é a infância. Qual foi sua prioridade, colocando no planejamento da prefeitura? Francineti Carvalho Quando assumimos a gestão, a cidade não possuía nenhuma creche. Fizemos a primeira creche, fizemos um plano de metas, estabelecendo metas, a UTI neonatal no município para salvar a vida dos bebês recém-nascidos que nasciam com problemas ou alguma dificuldade. Implantamos a escola de tempo integral, trazendo a cultura, a arte e o esporte, para trabalhar com as crianças e os adolescentes no município.


Esse enfoque foi fundamental para que estabelecesse compromissos e objetivos de gestão. Desde a campanha eu assinei compromissos da rede Prefeito Criança, do Selo Unicef, compromissos que eu mantenho fiel, trabalhando para cumprir todas as exigências e com isso o município recebeu o selo aprovado pelo Unicef e atualmente está na fase final para receber o novo selo. Cumprimos as várias etapas. Na Fundação Abrinq já completamos as várias etapas, somos uns dos poucos municípios que permanece até o final. Novamente em março vem uma equipe e a gente espera trazer mais um prêmio. Se Deus quiser! Além do Prefeito Criança recebemos o prêmio de finalistas da UBN que são uns dos objetivos do milênio, com o Projeto Caravana, recebemos o Prêmio de Melhores Práticas da Caixa Econômica que avaliam projetos de inclusão social na área de Assistência Social, prêmios que reconhecem e certificam o trabalho que a nossa equipe vem construindo no decorrer do mandato. PZZ - Abaetetuba após intensificar ações para infância e adolescência foi um dos municípios que mais se dedicou ao projeto Selo UNICEF Município Aprovado. Fale do significado desta ação e como você considera os avanços na educação no município? Francineti Carvalho -Ter recebido o selo Unicef foi uma das maiores alegrias que tive durante o meu primeiro mandato. Carregamos este selo com muito orgulho. Estamos trabalhando intensamente para recebê-lo novamente em 2016. Para nós, os avanços já são evidentes. Avaliamos que o município cresceu muito na capacidade de trabalhar em rede, de maneira integrada e articulada, entre um dos nossos grandes avanços destacamos a construção coletiva do plano decenal de direitos humanos de crianças e adolescentes de Abaetetuba. Considero que a política de educação teve um grande avanço do número de creches e escolas, com o aumento do IDEB, com os projetos de inclusão e tantos outros. E a política de assistência social se expandiu levando os CRAs para a zona rural. PZZ – Uma das ações prioritárias do seu governo foi a elaboração do primeiro Plano de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes a se tornar Lei Municipal do Estado do Pará e principalmente no fortalecimento

do trabalho Inter setorial e da responsabilização compartilhada entre diferentes setores e órgãos da administração pública municipal. Fale como foi esse processo. Prefeita Francineti - Articular as várias iniciativas voltadas para as crianças e adolescentes e fortalecer a rede de proteção de Abaetetuba, foi com esse objetivo que órgãos, conselhos municipais e entidades ligadas à infância e à adolescência uniram forças para a elaboração conjunta do Plano Municipal Decenal de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes de Abaetetuba. Era preciso construir algo que fosse nosso, com a nossa cara e abordando nossa realidade. E isso foi feito, numa tarefa árdua, que demandou horas, dias e meses. A construção desse Plano se pautou

Ter recebido o selo Unicef foi uma das maiores alegrias que tive durante o meu primeiro mandato. Carregamos este selo com muito orgulho. Estamos trabalhando intensamente para recebê-lo novamente em 2016. pela adoção de uma metodologia participativa, pela qual se mobilizaram recursos das diferentes políticas públicas e parceiras entre governo e entidades da sociedade civil e dos conselhos de controle social buscando realizar diagnósticos da situação, identificar fragilidades e potencialidades nas comunidades e territórios do município, além de identificar e fortalecer as políticas exitosas executadas na rede de proteção. Para tanto se fazia necessário conhecer profundamente a realidade vivida pelos meninos e meninas dos diferentes territórios de nossa cidade e as políticas desenvolvidas por essa rede. Uma das angústias que nos afligia desde o início de nossas atividades era desconhecer a atual e real situação das crianças e adolescentes de Abaetetuba, bem como o fluxo de atendimentos na rede, haja vista que os números e registros disponíveis acerca da situação da infância eram insuficientes para a compreensão dessa realidade. Convencidos da dificuldade de obtenção do êxito pretendido com o nosso

trabalho apenas a partir desses dados genéricos de que dispúnhamos, bem como de que somente um conhecimento detalhado da situação das crianças e adolescentes do nosso município poderia nos conduzir para o caminho do que fazer e como fazer, sem comprometer as atividades e trabalho que cada um de nós já vinha desenvolvendo. Partimos para um trabalho articulado de estudo e pesquisa, quando cada membro da rede foi chamado a compartilhar informações, experiências e compromissos. Esse Plano Municipal foi construído com a participação dos diversos atores que compõe a rede de proteção e de forma inovadora, também com a participação de crianças, adolescentes, da cidade e das ilhas, com a participação dos adolescentes da APAE que puderam falar das suas necessidades. Muitas foram as etapas caminhadas até chegarmos à conclusão do plano: pesquisas, audiências públicas, estudos, coleta de dados, oficinas e sistematização do material coletado. Porém, todo esse esforço vale a pena, pois resultou na elaboração do primeiro plano de direitos humanos de crianças e adolescentes a se tornar Lei Municipal do Estado do Pará e principalmente no fortalecimento do trabalho Inter setorial e da responsabilização compartilhada entre diferentes setores e órgãos da administração pública municipal. Nossa gestão teve papel importante em todo esse processo, ao destacar profissionais das Secretarias de Assistência Social, da Saúde e da Educação para o acompanhamento de todas as etapas do levantamento de dados, elaboração e realização de eventos para discussão do tema. Agradeço a todos que contribuíram para a elaboração do documento e destaco que o Plano Decenal não é um plano de uma gestão, mas o Plano do Município de Abaetetuba foi construído por muitas mãos, e mais do que isso, por muitos corações. Esperamos que o relato de nossa prática inspire outros municípios a construir planos ou práticas coletivas que venham a fortalecer a rede de proteção da infância e dar voz e vez às crianças e jovens deste nosso país. Então o plano ele é um retrato da situação no município e um diagnóstico com as nossas fragilidades e são propostas de uma construção de uma política pública que vai além de nossa gestão. É uma grande conquista www.revistapzz.com.br 59


ENTREVISTA

do município de Abaetetuba deixar esse plano para os próximos 10 anos. Recentemente o Plano foi aprovado na Câmara Municipal, mais uma vitória no município e uma grande satisfação para toda a nossa equipe. PZZ - Foi realizado o Encontro de Educação Especial . Qual a importância desse encontro? Francineti Carvalho - O XVI Encontro de Educação Especial de Abaetetuba realizado no auditório do Colégio São Francisco Xavier, com a palestra “Acessibilidade como condição para a cidadania”. Essa foi a última etapa de uma programação iniciada com o tema “Refletindo a educação especial na perspectiva da educação inclusiva”. Foram quatro dias de evento que discutidos o processo de inclusão nas escolas, divulgando as metas do

Reunimos os secretários municipais para a missão da qual o governo municipal elabora uma série de medidas incluídas no orçamento geral do município para 2016, priorizando investimentos em projetos, programas e políticas públicas para a infância e a juventude. Plano Municipal de Educação quanto à oferta do atendimento educacional especializado no município, além de promover a integração de profissionais e instituições que atuam na área. O encontro foi organizado pela Prefeitura de Abaetetuba, através da Coordenação de Educação Especial da SEMEC e da Unidade Técnica de Educação Especial da SEDUC, e a parceria da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais-APAE, Associação dos Deficientes de AbaetetubaADEMA, Associação Beneficente de Educação Neurofuncional Milton Melo e o Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. PZZ – O Programa “Professor cuidador”, de Abaetetuba, é destaque como política pública que contribui para construção de cidades mais justas e democráticas, motivo de sua participação na 60 www.revistapzz.com.br

Conferência Internacional de Cidades Sustentáveis, fale sobre esse programa. Francineti Carvalho - O Programa Professor Cuidador sem dúvida é um dos programas que a Prefeitura de Abaetetuba realiza e que me enche de orgulho. Estive entre os gestores de várias cidades do mundo que participaram da I Conferência Internacional Cidades SustentáveisPolíticas Públicas Inovadoras, em Brasília, numa iniciativa da Frente Nacional de Prefeitos, Plataforma Cidades Sustentáveis e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O objetivo do evento foi apresentar exemplos bem sucedidos que podem servir como referências de

metas para o planejamento e a gestão das administrações municipais. Como uma das palestrantes na mesa-redonda que abordou o tema equidade, justiça social e cultura de paz, apresentei o projeto Professor Cuidador. A iniciativa, desenvolvida pela Secretaria Municipal de Educação de Abaetetuba, consiste em garantir um professor-auxiliar nas salas de aula das escolas da rede municipal. Cabe a esse profissional o acompanhamento, durante o ano todo, de alunos com algum tipo de necessidade especial. Explicamos que o investimento nessa ideia buscou mudar a visão do que usualmente se considera inclusão e que incluir não é simplesmente garantir o acesso às escolas públicas, mas criar práticas metodológicas que garantam


a permanência com sucesso deste educando na sala de aula. O Programa Plataforma Cidades Sustentáveis considerou ser esse um modelo de grande contribuição para a construção de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis, sendo eleito um exemplo a ser seguido. O Professor Cuidador já rendeu duas premiações, a de Boas práticas educacionais, em 2011, em Curitiba; e o Selo Unicef Município Aprovado 2009/2011, sendo uma das dezoito cidades paraenses detentoras desse título. Com esse novo reconhecimento, o Professor Cuidador passa a compor o banco de boas práticas, mantido pelo Programa Cidades Sustentáveis. Por isso motivo de tanto orgulho.

PZZ - Abaetetuba Integra o Programa Nacional de Educação Infantil fale sobre esse Programa. Francineti Carvalho - Abaetetuba passa a integrar um grupo de 20 municípios de todo o país, participantes do programa “Educação Infantil”, promovido pelo Banco Santander, em parceria com o Instituto Avisa Lá e coordenado pelo Ministério da Educação (MEC). O objetivo dessa iniciativa é garantir capacitações sobre políticas públicas com foco na educação infantil. Participei da solenidade de abertura em São Paulo e um grupo de professoras coordenadoras da educação infantil da Semec. A programação incluiu, ainda, o I Seminário Presencial Pedagógico e de Gestão para a Saúde. É uma honra para a gestão municipal ter sido selecionada neste Projeto que contribuirá para o fortalecimento da educação infantil, essa etapa primordial na educação e desenvolvimento das crianças. A inclusão no projeto requer o cumprimento de requisitos como ter um número de habitantes entre 30 e 300 mil; existência do conselho municipal de educação; obtenção de, no mínimo, uma unidade de educação Pro-infância e apresentar condições tecnológicas para o desenvolvimento do trabalho na plataforma de Educação à Distância (EAD). Depois de comprovado o cumprimento desses compromissos, Abaetetuba recebeu a visita de técnicos do Instituto Avisa Lá, que conheceram e verificaram a infraestrutura de algumas unidades de educação infantil, sendo todas consideradas dentro dos padrões exigidos. Agora, vencidas todas essas etapas, Abaetetuba passa a compor o grupo de municípios capacitados para propor e construir políticas públicas voltadas para o fortalecimento da educação infantil do Município durante três anos. A capacitação é oferecida para dois representantes da área pedagógica e um da área médica das secretarias de educação das cidades participantes, e é dividida em dois eixos: o trabalho pedagógico educacional para a educação infantil e um bom modelo de projeto de formação. Dentre os assuntos abordados estão “atividades e brincadeiras” e “saúde e bem estar”, além da elaboração de

programas e projetos com foco na qualidade educacional. A estratégia é multiplicar estes conhecimentos para todos os gestores e coordenadores pedagógicos das unidades de educação infantil da rede municipal, melhorando ainda mais a excelência de nossas políticas educacionais de Abaetetuba. PZZ - Falando sobre a questão de Formação de Professores, Abaetetuba realizou o ciclo de Formação Continuada para servidores de unidade de educação infantil, como foi esse processo? Francineti Carvalho - O fortalecimento da educação básica vem sendo um dos focos do município de Abaetetuba, que destacou em seu Plano de Ação atividades voltadas para a qualificação dos servidores. O município desenvolveu, no inicio do ano, um ciclo de formação continuada, para os funcionários da unidade de educação infantil do município, a Creche Prof.ª Aldenoura Ribeiro Araujo. Existe entre nossas metas a ampliação da oferta de vagas na educação infantil e também o fortalecimento da educação básica. Na creche Aldenoura Ribeiro, estamos iniciando os serviços. Realizamos o planejamento pedagógico da equipe de trabalho, com os 24 educadores, vigias, serventes, merendeiras e demais profissionais lotados no espaço. Com a ação, Abaetetuba promove ações ligadas a dois objetivos do Selo UNICEF: implementação de programas para a inclusão e permanência de crianças na Educação Básica e valorização/ oferta de oportunidades de educação continuada para os professores do Ensino Fundamental. Em 2008, quando assumimos a gestão municipal, não existia nenhuma unidade educacional para atendimento de meninos e meninas abaetetubenses de 0 a 3 anos. Atualmente, o município possui quatro creches em funcionamento, atendendo em cada unidade 150 alunos em tempo integral. Os profissionais lotados nas unidades são do quadro efetivo e passaram por seleção escrita e entrevista para que evidenciar se tinham perfil para cuidar e educar crianças. A formação continuada não se esgota, nesta semana. Durante todo o ano, juntamente com as outras equipes, haverão momentos de trocas de www.revistapzz.com.br 61


ENTREVISTA experiências exitosas sobre vivências nas diversas creches da rede. Temos ainda quatro creches em obras nos diversos bairros de Abaetetuba, dentre elas a primeira creche na região do campo, localizada na vila de Beja. PZZ - Como vocês trabalham com a formação de alunos associada a questão do empreendedorismo? Francineti Carvalho - A iniciativa foi desenvolvida em parceria entre a Prefeitura e o SEBRAE. Estimular nos estudantes a cultura empreendedora, desenvolvendo habilidades que os levem a alcançar sucesso no mundo dos negócios ou em qualquer outra

Um dos compromissos fundamentais da atual gestão para ano que vem é garantir a educação integral, a atenção à saúde e proteção para crianças e adolescentes. Nesse sentido, a Prefeitura tem se empenhado para garantir educação de qualidade para todos, inclusive desenvolvendo um programa que institui creches nos bairros onde há maior demanda deste serviço. atividade profissional. Esse é o objetivo do Projeto Jovens Empreendedores Primeiros Passos, que, agora, está sendo oferecido aos alunos do ensino fundamental da rede municipal de Abaetetuba. Como se trata de mais uma ferramenta que vem para contribuir para o futuro de nossos jovens, a prefeitura abraçou de imediato essa ideia. O projeto desenvolvido pelo Sebrae incentiva a busca pelo autoconhecimento, novas aprendizagens e espírito de coletividade, formando atitudes que aumentem as possibilidades de inserção e sucesso no mercado de trabalho. Inicialmente, o projeto atenderia uma única turma de cada escola, mas a prefeitura decidiu investir e arcar com todas as despesas para que as turmas desses estabelecimentos tivessem acesso a esses conhecimentos. A implantação do projeto foi precedida de cursos de formação para diretores, coordenadores e professores, para que todos esses 62 www.revistapzz.com.br

atores do processo de implantação do JEPP tivessem pleno conhecimento do tema e, no caso dos docentes, de como é a metodologia de ensino. A educação empreendedora forma para a vida e está muito além dos conteúdos transmitidos através das disciplinas. O projeto é importante para estimular nas crianças o comportamento empreendedor, e mais ainda, a busca de soluções criativas para os problemas enfrentados no diaa-dia. Abaetetuba, com isso, torna-se o quarto município paraense contemplado com o Projeto Jovens Empreendedores Primeiros Passos. São, ao todo, 376 alunos do 1º ao 5º ano contemplados, sendo 190 estudantes da escola Pedro Ferreira Costa e 186 da escola Joaquim Mendes Contente. A duração média desse projeto piloto é de quatro meses em cada estabelecimento. PZZ - A Cultura Popular em Abaetetuba é muito rica principalmente nas ilhas e os Cordões Juninos levam multidões à praça de Abaetetuba como a Prefeitura vem apoiando essa manifestação popular? Prefeita Francineti - Abaetetuba é uma cidade que tem um potencial imenso na Cultura, na Arte, Recentemente recebemos uma pesquisa da Confederação Nacional dos municípios sobre se o VCarnaval seria realizado porque 50 % dos municípios brasileiros suspenderam o carnaval pois achavam que tinham que aplicar o recurso do carnaval em outras áreas e ficou toda aquela polêmica. Inclusive algumas pessoas chegaram a escrever que os bons gestores foram aqueles que suspenderam o carnaval. Abaetetuba não suspendeu o carnaval por ser uma festa tradicional da cultura popular de Abaetetuba. E eu digo que não é porque todos os municípios vão agir dessa forma e nos também vamos seguir a mesma decisão diante de uma situação. Cada município tem a sua história, tem município em que o carnaval não representa coisa nenhuma e que é tranquilo para o prefeito chegar e dizer que vai suspender. É diferente de município como Abaetetuba onde o carnaval tem uma história marcada na cultura que é muito forte e as pessoas valorizam como um elemento cultural. E no nosso entendimento não adiantar reprimir ou anular uma manifestação cultural para resolver uma pendencia

econômica ou a questão da violência. Tanto prova que tivemos uma festa de carnaval com milhares de pessoas e não houve nenhum homicídio, Graças a Deus. Isso é uma realidade. Por outro lado há municípios em que o carnaval ele é uma fonte de gastos porque há prefeitos que não conseguem administrar essa festa como uma possibilidade da entrada de recursos. Abaetetuba tem uma outra leitura com relação ao carnaval porque articulamos parcerias. As grandes bandas que vieram, o Chiclete com Banana e a Araketu, vieram pela iniciativa privada. Garantimos a infraestrutura do evento e a Segurança Pública. A cidade se beneficiou muito com a vinda de turistas e brincantes para a folia, os hotéis ficaram lotados, os bares, restaurantes e os ambulantes ganharam dinheiro com o aumento das vendas, as lojas venderam fantasias. Então, em época de crise circulou dinheiro na cidade. Em nossa visão, gerar emprego e renda para o município é importante. Em outras cidades no Pará e no Brasil


Já o Festival de Cordões Juninos, em sua sexta edição, vem se consolidando como um dos maiores eventos de Abaetetuba, sendo incluído no calendário cultural da cidade. Promovemos essa festa popular, pela Prefeitura sob a coordenação da Secretaria de Assistência Social. Pela primeira vez é feito um trabalho que resgata uma das tradições culturais mais lindas do município. As apresentações lotam a praça da Matriz com aproximadamente quinze mil pessoas. Esse ano, dez cordões juninos subiram ao palco, levando a arte produzida pelos usuários dos Centros

O carnaval entra com elemento cultural forte e ao mesmo tempo com essa parceria com a iniciativa privada, o município ganha visibilidade na mídia e se beneficia economicamente em alguns setores. Abaetetuba é uma cidade em que a cultura pulsa muito forte onde tem eventos de janeiro a dezembro. talvez não tivesse esse retorno e essa contrapartida de investimento, só custo de subvenção de escolas de samba. Aqui temos uma outra cultura que engloba micaretas, blocos, trios, tem escola de samba mas é parceria com a UFPA que também entramos com apoio e o tema foi o esporte para as crianças e a valorização do trabalho. Só o bloco de sujos arrastou 30 mil pessoas. O carnaval entra com elemento cultural forte e ao mesmo tempo com essa parceria com a iniciativa privada, o município ganha visibilidade na mídia e se beneficia economicamente em alguns setores. Abaetetuba é uma cidade em que a cultura pulsa muito forte onde tem eventos de janeiro a dezembro. Em janeiro tem tiração de Reis, um tradição popular que existia no Brasil em que muitas cidades não existe mais e em Abaetetuba ainda resiste. Tem o carnaval, o Miritifest, a festividade da quadra junina, os cordões de pássaros, o Beja Verão no mês de julho, em agosto a semana de arte folclórica que se mantém forte em Abaetetuba com todas as

manifestações culturais, poesia, dança, fotografia, teatro. Tem o Círio de Nossa Senhora da Conceição, o aniversário da cidade, o mês de natal com uma série de comemorações na cidade e nas ilhas, festival de teatro, auto de natal, e como boa abaetetubense nascida e criada nesta cidade às margens do Marautauíra não tinha como toda a inspiração poética chegar até em mim para eu escrever poesia. Tenho livro publicado, o Alma Índia e participo de antologias com poesia e conto com outros escritores. A minha poesia é bem regional e romântica e nos contos minha leitura mais social e também escrevo literatura infantil, um pouco dessa mulher que tem vários focos, o da política, o da psicóloga, a mulher, a artista, todo esse universo que permeou a minha vida, na minha infância e juventude, contribuindo para a formação da minha personalidade e do meu caráter e que me ajudam a enfrentar os desafios e as adversidades que a vida impõe.

de Referência da Assistência SocialCRAS - da cidade, ilhas e localidades da estrada. Entre eles o Cordão do Boi Pingo de Ouro, Cordão da Arraia, Cordão do Boi Campineiro do Rio Parurú, Cordão do Mapará, Cordão do Papagaio do Rio da Prata, Cordão do Uirapuru, Cordão da Arara Encantada, Cordão do Pavão, Cordão do Boi Pai do Campo Ribeirinho, Cordão da Andorinha. O festival foi criado em 2010, como uma ação do Serviço de Fortalecimento de Vínculos dos programas socioassistenciais. Ao mesmo tempo em que resgatamos a tradição dos cordões, contribuímos para a integração dos centros de referência, dos CRAS, além de abrirmos espaço para que a cultura popular feita nos locais mais distantes da sede do município ganhem visibilidade. O Festival de Cordões Juninos deste ano teve como tema central a erradicação do trabalho infantil. Em todas as apresentações, o assunto foi abordado como parte dos enredos. www.revistapzz.com.br 63


ENTREVISTA O público recebeu cartões vermelhos, com os quais participavam de sorteios e, principalmente, manifestavam sua adesão à causa, movimentando os cartões nos intervalos dos espetáculos. Através dessa poderosa ferramenta que é a arte, você ensina aos nossos jovens a arte, o respeito aos idosos, a valorizar o resgate da nossa cultura. Sem contar que aqui temos uma mistura de arte, de valorização da cultura e até de geração de renda. A praça vira um verdadeiro arraial, com venda de comidas típicas e outros produtos. Fico até emocionada vendo tantas famílias vindo à praça, como nos velhos tempos dos antigos cordões. PZZ - Recentemente foi realizado em o Festival de Incentivo à Leitura que reuniu os melhores trabalhos literários produzidos nas escolas públicas da rede municipal. Qual a importância desse

Sou poeta, amo leitura e sei da importância da poesia da literatura em nossas vidas e na sociedade. É maravilhoso poder estimular a fantasia, a criatividade, principalmente o hábito da leitura nas crianças. Fazer ampliar seu universo particular e sua visão de mundo.

projeto? Francineti Cavalho - O Fest Leia, foi o primeiro Festival de Leitura das Escolas Públicas Municipais, realizado pela Prefeitura de Abaetetuba através da Secretaria Municipal de Educação, com apoio do Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU). O objetivo principal desse projeto em parceria com o Instituto Natura é apoiar o trabalho dos professores no campo da leitura, da escrita e da oralidade, contribuindo para o alcance da meta de alfabetização até os 8 anos. Foram reunidos os trabalhos selecionados nas feiras literárias dos estabelecimentos de ensino cujos profissionais participaram de uma formação oferecida pelo Projeto Trilhas, uma iniciativa dessa multinacional de cosméticos. Sou poeta, amo leitura e sei da importância da poesia da literatura 64 www.revistapzz.com.br

em nossas vidas e na sociedade. É maravilhoso poder estimular a fantasia, a criatividade, principalmente o hábito da leitura nas crianças. Fazer ampliar seu universo particular e sua visão de mundo. O Festleia além de ser uma grande mobilização em prol do hábito da leitura é um grande estímulo à prática das artes e da cultura nas escolas. Os alunos encenaram peças teatrais, realizaram espetáculos de música e dança e ainda criaram poemas e paródias. E para A Gincana Literária foi o momento em que os participantes puderam exercitar o conhecimento, enfrentando uma sabatina de perguntas e demonstraram suas habilidades na grafia das palavras, com o soletrando. Houve manhã de autógrafos e contação

de história com os escritores Antônio Neto, Alfredo Garcia Bragança, Maciste Costa e Juraci Siqueira. Acreditamos que a leitura rompe as fronteiras do desconhecido. Mas, além dessa produção literária, proporcionamos uma viagem pelas lendas, pelas fábulas, pelo folclore, por tudo aquilo que ouvimos desde criança. Esse é o propósito do Fest Leia. Nós, da Semec, estamos trabalhando fortemente por essa causa, que é a bandeira da educação pública de qualidade para todos. PZZ- Abaetetuba é a capital mundial do Miriti, fale sobre o Apoio e atenção concedida pela Prefeitura de Abaetetuba aos artesãos de miriti. Prefeita Francineti – Dentre as principais ações a essa classe de trabalhadores é


o Apoio à Feira do Miriti em Belém . A feira do artesanato de miriti denominada “Girândolas de Abaeté no Círio de Nazaré”. A realização é da Associação dos Artesãos de Miriti de Abaetetuba (ASAMAB), com apoio da Prefeitura de Abaetetuba, que foi quem garantiu toda a infraestrutura, transporte, passagens e camisas padronizadas para o evento com o objetivo de resgatar o antigo formato de vendas desse tipo de artesanato no Círio. A Feira do Miriti vem sendo instalada na Praça D. Pedro II há três anos e a Prefeitura de Abaetetuba garante todo o apoio para que nossos artesãos venham de forma organizada e com todo conforto. O espaço abriga cerca sessenta stands,

onde aproximadamente 250 artesãos expuseram mais de 30 mil peças de preços e modelos variados. É sempre gratificante poder contribuir, enquanto gestora, com essa oportunidade de manter viva essa tradição do nosso brinquedo de miriti na maior festa religiosa do povo paraense. Quando o turista compra esse brinquedo, ele vai perguntar de onde veio. Então, é uma oportunidade de cada artesão, de cada pessoa falar: ele veio de Abaetetuba, a capital mundial do brinquedo do miriti. Os brinquedos de miriti de Abaetetuba provocam encantamento nas pessoas pela sua estética e seu colorido. Outra iniciativa é o MIRITIFEST realizado pela ASAMAB, com apoio da Prefeitura de Abaetetuba. O Miritifest é um festival realizado pela Associação dos Artesãos de Miriti de Abaetetuba-ASAMAB em parceria com a prefeitura de Abaetetuba, tem como benefício imediato promover a autoestima de nossos artistas, vendo sua criatividade tão reconhecida. Um evento como esse representa, ao mesmo tempo, investimento na arte e na cultura, mas também na geração de renda e de emprego, incentivo ao turismo, além de mostrar as coisas boas que nosso município oferece para todo o estado, para o Brasil e para o mundo. São três dias de programação na praça Francisco Azevedo Monteiro, com feira de exposição do brinquedo e de outros produtos originários do miriti; praça de alimentação, com a culinária à base do fruto do miritizeiro; palco com shows artísticos e culturais; e stands para divulgação de produtos e serviços diversos. As novidades desse ano foram o tablado cultural para apresentação de artistas locais, tenda eletrônica e a decoração temática, com painéis que contaram, através de fotografias, a trajetória de um ofício que é passado de geração em geração. O festival recebe aproximadamente oitenta mil visitantes. Pessoas de outros municípios vem participar do evento e se encantar com as cores de uma das mais autênticas manifestações culturais do Pará. A estrutura montada na praça inclui a feira de exposição com 52 stands, tablado de arte para apresentações de várias expressões artísticas e culturais e praça de alimentação, com a culinária que utiliza como matéria-prima o fruto do miritizeiro. Neste ano foram aproximadamente 25 mil peças de todos os modelos, tamanhos e preços. No centro da praça, este ano foi construída

uma embarcação toda feita de miriti em tamanho real que atraiu a atenção de todos. Este ano também tivemos o Arrastão Cultural, com o Arraial do Pavulagem levando uma multidão da Praça do Barco, na entrada da cidade, até a praça onde acontecia o festival. São as nossas tradicionais boas-vindas a quem vem nos visitar nesse período de festa em Abaetetuba e conhecer a capital mundial do Miriti. PZZ - Quais os principais desafios para serem realizados em 2016? Francineti Carvalho - Nosso grande desafio para 2016 são o combate à violência e a melhora dos indicadores de saúde. Aguardamos ansiosos pela inauguração da UPA e principalmente do hospital municipal para intensificarmos as ações do projeto rede cegonha, em especial as ações voltadas ao parto humanizado. Em 2916 também pretendemos intensificar as ações de atenção básica, especialmente para melhorar as ações de pre- natal e vacina. O nosso grande desafio mesmo é cumprir as metas. Entre elas a construção de mais três creches, uma delas na zona rural na Vila de Beja. A conclusão das Unidades Básicas de Saúde e tudo aquilo que estava planejado. O grande desafio é fazer com que a crise nos afete menos possível e continuar com as estratégias de captação de recursos, de parcerias. Nós trabalhamos com todo um planejamento para que a gente possa deixar de fato a Prefeitura toda organizada, com pagamentos em dia e de todos os encargos para não acontecer que aconteceu conosco. Recebemos uma Prefeitura com inúmeras dívidas e dificuldades e que arcamos com isso. Então, queremos deixar tudo organizado, fazer uma transição tranquila independente de quem ganhe a eleição. Seja candidato do nosso partido ou não. Isso é um compromisso meu. Mostrar a situação verdadeira de todos os projetos em andamento com os avanços e os desafios a superar. Estamos em um ano de eleição, de crise nacional e ao mesmo tempo uma campanha política que sabemos que interfere. Todo o nosso planejamento é que sirva para blindar nosso planejamento desses fatores que afetam como campanha e a própria crise não afete a conclusão das nossas metas. www.revistapzz.com.br 65


FOTOPOESIA

O ETERNO

IR E VIR FOTOPOÉTICA DE DE ADRIANA LIMA

O COTIDIANO DO POVO DAS ÁGUAS RETRATADO POETICAMENTE PELA FOTÓGRAFA ADRIANA LI,MA REVELA O IR E VIR DE PRÁTICAS CULTURAIS NO PERCURSO DOS RIOS DE ABAETETUBA RELACIONANDO O TRABALHO, O DIA-A-DIA E AS RELAÇÕES NO DECORRER DO TEMPO LÍQUIDO .

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SABE O RIO Sabe o rio que escrever é pôr as águas na correnteza e nas margens Sabe o rio que a memória tem igarapés que se afinam ao nada Sabe o rio que antes do caminho existia a água Sabe o rio que o caminho da vazante é coroado de sementes Sabe o rio que o fundo é o começo e o fim da estrada Sabe o rio a dança da chuva e a oração da noite mágica Sabe o rio que a água é um confessar na passagem Benilton Cruz Do livro “No meio do teu coração há um rio” www.revistapzz.com.br 67


FOTOPOESIA

GENTE DO RIO Eu nasci com aquele rio que corre pelos meandros da memória. Todos os rios nascem na memória. Todos os rios voltam à memória. São os rios que escrevem a história. O meu povo tem o rio no corpo e tem o rio na alma. Nos olhos do meu povo está o rio que brilha como um dia que virá radioso. Todos que convivem com o meu povo aprendem a linguagem do rio, e não se perdem com os caminhos das águas, porque são todos os caminhos, porque são todos os homens. São todos que ainda falarão a língua iluminada da água. E caminharão como um rio que ensinou a caminhar. Foi o rio que ensinou o homem a andar, por isso são todos feitos com a matéria da procura, a mesma matéria da água. É assim a lenda do meu povo: o rio procura o homem e o homem procura o rio.

Benilton Cruz Do livro “No meio do teu coração há um rio” 68 www.revistapzz.com.br


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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Fotografias do Helly Pamplona

PORTO DE ABAETÉ a feira é uma espécie de irmã gêmea do rio, ela compartilha com ele as origens da cidade. Diante do qual, um mercado se desenvolve, numa troca econômica e simbólica incessante dos bens culturais.

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ENSAIO FOTOGRテ:ICO

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O

fotógrafo Helly Pamplona aporta suas lentes no Porto de Abaetetuba onde encontra-se o porto secular de transições culturais, eterno ir e vir de embarcações, mercadorias e pessoas. Lugar de origem da cidade é o Ver-o-Peso de Abaetetuba. O Professor Jones Gomes disserta sobre a feira livre como uma espécie de irmã gêmea do rio, ela compartilha com ele as origens da cidade. Diante do qual, um mercado se desenvolve, numa troca econômica e simbólica incessante dos bens culturais. As feiras foram desde as civilizações indígenas os lugares de contato, por isso, vai dizer Weber (1999, p. 407) elas significam uma localidade de mercado. A cidade é local por excelência de um mercado, e aí reside seu sentido econômico: Toda cidade no sentido aqui adotado da palavra é localidade de mercado, isto é, tem um mercado local como centro econômico do povoado, mercado no qual, em virtude da existente especialização da produção econômica, também a população não urbana satisfaz suas necessidades de produtos industriais ou artigos mercantis ou de ambos, e como é natural, também os próprios moradores da cidade trocam entre si os produtos especiais e satisfazem as necessidades de consumo de suas economias . Por outro lado, se nas grandes metrópoles como São Paulo as feiras itinerantes são um luxo de final de semana, nas cidades ribeirinhas como Abaetetuba elas são o cotidiano e têm fortes articulações socioeconômicas e culturais com o comércio local-regional. É nas feiras que os múltiplos tempos se encontram – o tempo metropolitano e o tempo ribeirinho – numa espacialidade que converge para o limite com o rio. O rio e a frente da cidade enlaçaram na beira o espaço beira-rio-feira-beira, nessa imagem a cidade desde em seu nascimento se oferece ao diálogo. Esses pequenos centros urbanos faziamse a partir de fortes ou de uma unidade entre povoamento, rios e o “destino dos fluxos”, foram espacialidades impostas, nascia lá uma espécie de urbanocolonial como lógica de penetração do território pelo colonizador. Por isso mesmo que portos, feiras e trapiches significaram www.revistapzz.com.br 73


ENSAIO FOTOGRÁFICO

também o ponto de contato e a troca de experiências dos povos envolvidos: Europeus, Africanos e Índios. Abaetetuba assim como Cametá, Baião, foi diretamente influenciadas por áreas portuárias, principais fontes de seu dinamismo comercial durante séculos. Os trapiches e feiras livres são a imagem da cidade de frente para o rio, e me fazem imaginar outras cidades beira-rio, pensar sobre suas diferenças e continuidades como espaço que são de produção da vida, do trabalho e da cultura popular. Ao consumir os bens advindos das regiões das ilhas e agora de mercados nacionais e mundiais, ao fre74 www.revistapzz.com.br

quentar cotidianamente a feira da cidade, com facilidade de fluxo por conta de sua dimensão mediana; os transeuntes partilham hábitos e crenças de comunidades ribeirinhas e outros estilos de vida. Essa diferença permite a cultura ribeirinha ser perpetrada com mais intensidade pela materialidade da cultura do consumo, o que gera o paradoxo do desconhecimentoreconhecimento, como na fotografia abaixo, datada de janeiro de 1982, que demonstra numa imagem única da beira exatamente trinta anos atrás, no seu movimento típico, vê-se o porto e barcos nas margens do rio, pessoas comprando ao

longo da rua, cheia de passantes de todas as cores, caminham sobre piçarras e poças de agua que denunciavam a chuva. Essa multidão que se movimenta sobre o olhar fixo da máquina fotográfica contrasta com o fundo da mata que dava limite à cidade, bem como, as casas comerciais, onde se vendem tecidos e roupas que dependuradas nas margens do Maratauíra, colorem fachadas de objetos. O romance “Marajó” de Dalcídio afirma esse olhar sobre a cidade quando denuncia uma Abaetetuba onde a abundância do mel contrasta com a mendicância: “Oferece um peixe de chocolate à feiti-


ceira e se pós a falar de tanto mel, cachaça, farinha e pobres pedindo esmolas no porto de Abaeté” (2008, p. 290). O poeta Adenaldo Cardoso (1994) vai mais a frente, define os sentimentos em jogo nas imagens da feira de Abaetetuba através da letra da música “beira”, onde descreve muito bem o comercio, a boêmia e a fluvial. Ele apodera-se da linguagem para pintar a face mais vista da cidade: Beira-feira, é bom te ver, Ó Beira... Braços abertos de Abaetetuba, caminho pro sol, passagem pra lua, ribanceira talhada nos moldes da rua, de dia se veste, de noite essa nua. Começo, comércio, beira da

cidade, aconchego do rio hospitalidade, de grande verdade, do obrigado senhor, da nossa saudade, da alegria da dor... Do Maratauíra, de peixes pescados, da nossa cuíra, de barcos cansados, de sono perdido, de gente sofrida, do vento atrevido, de água ferida. (CARDOSO apud JUNIOR, 2008, p. 24). A frente da cidade como lugar tradicional de relações ribeirinhas é também o espaço da afetividade, para o qual, o olhar do poeta não deixa passar despercebido. Na urbanização crescente ele parece sentir-se à vontade num ambiente de múltiplas faces. A beira de Abaetetuba, tal como des-

creve Adenaldo, sinaliza para práticas de lazer, trabalho, prostituição, violência, solidariedade, contemplação etc. Acompanha, assim, as tendências da cidade, mas, ao mesmo tempo está aberta ao rio, ao novo, ao diferente. Para Barros (2009) a beira de Abaetetuba serve como ponto de fortalecimento das redes de interação social e valorização do comércio local. A descrição de Sato (in BARROS, 2009) faz referência ao que se denominou de ritmo da festa, embora cada um tenha seus objetivos a cumprir: Para isso um palco é criado: a chewww.revistapzz.com.br 75


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gada dos feirantes na madrugada trazendo seus equipamentos, mercadorias e montando suas bancas vai paulatinamente, construindo também vitrines. Após algumas horas um espaço protegido, circunscrito pelas bancas, dá o substrato para os fazeres e interações sociais que ali tem lugar. (p. 160). Nessa fala temos a ideia de que apesar da aparência caótica o espaço da feira é autorregulado pelos compromissos firmados internamente, os feirantes desdobram-se no espaço de melhor adequação das atividades de livre comércio, onde donos de bancas ajudamse mutuamente, apesar dos eventuais conflitos. O grupo Muiraquitãs em outro registro, nos fala de uma dessas cenas: Buzina do Carregador i-ti, Ti-ti abre o caminho que eu quero passar Ti-ti Ti-ti estou carregado e não posso parar (bis) Sou carregador da beira meu carrinho é de mão Sua bagagem lá da beira levo com satisfação Peço a Deus muita saúde e meus filhos se criar Pois Ti-ti é a buzina vamos todos buzinar. (MUIRAQUITÃS, 1977) Grupo famoso regionalmente nas décadas de 1970 e 1980, com seus carimbos de tons calientes lembrando os mambos caribenhos, registrou com uma melodia inigualável o cotidiano do carregador da beira, na música “Buzina do Carregador” que pode ser ouvida ainda hoje na mesma feira. O comerciante, conhecido personagem da beira, respeitado pela posição privilegiada das casas de comércio, juntamente com grande parte de feirantes; vendedores de produtos diversos e gêneros alimentícios como, verduras e legumes, carnes de: peixe, gado, porco, camarão, aves, além de farinha, açaí, bacaba, miriti, produtos extraídos das florestas e diferentes tipos de frutas. Esses elementos materiais e sócios culturais são em conjunto responsáveis pela atração do grande fluxo de pessoas na área de influência da beira. Vejamos na foto abaixo esse fluxo de objetos e pessoas coabitando na www.revistapzz.com.br 77


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zona de contato entre primeira rua e o rio. Esse é o cenário privilegiado de uma pintura que poderia muito bem chamar-se de: “A beira”. Destaca-se também no espaço, logradouros públicos como: o Mercado de Carne, o Mercado de Peixe, a feira da Farinha, a feira de legumes e verduras próximas a ambos os mercados; o ponto dos balanceiros situado à frente do mercado de peixe, o ponto de camarão e de gêneros salgados, como: os peixes vindos do Amazonas e carnes e miudezas salgadas pelos próprios feirantes. Na rua principal da cidade, a mais recente zona de importados e gêneros diversos de roupas; de sapatos às celulares e filmes de DVD e CD de música, dos mais diversos gêneros. A beira da cidade, que corresponde a uma orla significativa rodeada de comércios, bancas e barracas, é um calidoscópio de sentidos. Uma prática típica da beira muito comum na cidade ribeirinha foi a dos comerciantes (feirantes em geral e outros comerciantes) internalizarem, por exemplo, o hábito da cesta, onde após uma manhã de trabalho seja no rio ou na floresta descansam após o almoço, retornando a outras atividades à 80 www.revistapzz.com.br

Os trapiches e feiras livres são a imagem da cidade de frente para o rio, e me fazem imaginar outras cidades beira-rio, pensar sobre suas diferenças e continuidades como espaço que são de produção da vida, do trabalho e da cultura popular. Ao consumir os bens advindos das regiões das ilhas e agora de mercados nacionais e mundiais, ao frequentar cotidianamente a feira da cidade, com facilidade de fluxo por conta de sua dimensão mediana; os transeuntes partilham hábitos e crenças de comunidades ribeirinhas e outros estilos de vida.

tarde. No comércio da cidade fecham-se as portas às doze horas, quando por volta de três horas da tarde, elas são novamente erguidas para frequentação dos fregueses. Coisa impensável quando das atividades nos centros comercias das grandes cidades. É preciso destacar que essas formas de sociabilidades só são possíveis, justamente porque nelas muitas histórias se passam, muita gente se sente feliz, no convívio com cheiros, cores, sabores, rostos, paisagens; por outro lado, outros se sentem cansados, desmotivados, às vezes aguerridos pelos conflitos; é uma diversidade de tudo, um drama com cenário próprio, no entanto, com traços comuns a muitas cidades. A feira é essa infinidade de interações simbólicas de onde quase tudo é possível: dor, amor, amizade, resistência, ódio, pertencimento etc. Vejamos alguns aspectos dessas formas de interação e conflito. A fala de Dona Maria é exemplo disso quando ressalta sua profunda relação de pertencimento ao lugar: “Gosto muito da feira e aqui eu sou feliz. Chego todos os dias com meu marido por volta de 5 horas da manhã, os feirantes dão futuro a cidade” (BARROS, 2009, p. 156). Na


FEIRA LIVRE A feira é uma espécie de irmã gêmea do rio, ela compartilha com ele as origens da cidade. Diante do qual, um mercado se desenvolve, numa troca econômica e simbólica incessante dos bens culturais.

vieram quatro banquinhos. Se estivesses lá, terias visto Cacilda e Eufrásia com suas vestes imorais e pecaminosas. A carne veio salgada de Breves e Santarém, das vilazinhas trouxeram: couros, mel açúcar grosso, batata cacau e maçaranduba. Se estivesses lá, terias apreciado os perfumes e as sedas de Paramaribo e Caiena. Terias gostado dos anéis, dos brincos e das pulseiras, caixas com garrafas de uísques, vinhos, licores, os mais finos foram trazidas. O Santa Margarida atracou no mercado de peixe. Remelentos e babões. Levavam: Bacaba, farinha, sardinha enlatada e camarão. O velho: não larga a mania de injuriar. Hoje na casa de celeste deverá ter baile, Suas meninas, inclusive, Esmeralda, Jovina e Nelma; com seus trajes do inferno e com as caras avermelhadas do cão, matarão as abelhas e engolirão o mel amarelado. Quarenta e cinco noites, o som de Torquato noticiará os dezessete anos de Clotilde. Dizem que ela veio da vila de Concórdia. (ALENCAR, 1987, p. 27). versão do Sr. Pedro que destaca outras observações: “Aqui tem ladrão que vem pra roubar, tem gente que vem pra falar do passado, lembrar-se das coisas boas. As mulheres vêm conquistar os caras que tem dinheiro” (Ibid., p. 154). Os bate-papos movidos quase sempre a café na beira, ou numa cuia de mingau de miriti, açaí, tapioca, milho, pode se configurar de repente em uma roda de cachacinha ou “gelada” num dia úmido e quente da região; esses comportamentos são comuns em rodas de amigos que destacam esses ambientes festivos em suas boas lembranças. A violência espelhada nos pequenos e letais crimes também é comum na feira, além da prostituição que adquiriu níveis crescentes, inclusive de prostituição infantil. Ouçamos Celso de Alencar no poema-livro onde explora esses vários aspectos da beira da cidade já na década de 1970: Trinta rios em quarenta e cinco noites. Nos porões trouxeram carne de tingas e açus, Na beirada do porto e do canal, os moleques e os urubus alinharam-se e espreitaram a descarga. Os carregadores (bêbados e famintos) com aplausos e cantorias deixaram a dama e o dominó, atirando-se ao trabalho. Na banca do velho Praxedes, três bules com café, apareceram. Leite condensado e pãezinhos foram expostos e do depósito do pereira,

Na feira linguajares adquirem novos significados, termos como vizinho, compadre, são bastante utilizados como sinônimo de pessoalidade, intimidade; bem como, são utilizadas expressões de vendedores que oferecem produtos a seus clientes: “Essa é só o creme” para designar um produto de qualidade, muito comum no mercado de peixe e de carne. As disputas discursivas em torno de times de futebol, partidos políticos, religião, relações amorosas e mesmo uma pitada de vida alheia, animam o bate pato e fazem da beira um espaço de circulação de ideias, opiniões e afetividade, como também de conflitos. Lá relações de poder são estabelecidas, laços solidários se consolidam ao longo do dia. Abaetetuba além de ser um centro comercial da região, como bem apontava Ignácio Moura (1989), famosa pela “beira” e pela abundância de produtos em geral que a caracteriza no setor de serviços. Num limiar entre a abundância das águas e a carência da partilha de bens sociais, o espaço da beira é ainda um multicolorido universo de dramas e solidariedades na face de uma cidade ribeirinha. Abaixo o poema de Miguel Caripuna retratando o lugar:

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

BEIRA Miguel Caripuna ...Beira...feira...eira... ...Feira...eira...beira... A beira é a feira de Abaeté! A feira à beira do rio, pois é! É lá em baixo! E não é riacho! É rima, remo, rumo ao Maratauíra. Ó, Pai que ira! Ao meio dia o sol ta quente! Gente como agente a comer de tudo. Pão, de tapioca e francês. E o freguês reclama com palavras que vão fundo: - Cruz credo! O chão tá sujo, imundo... É mundo de ratos, patos, moscas e urubus! Paisagem de sujeira! É a feira que fica na beira, Lá em baixo e como acho casca, caixa, cacho. Corte de cabelo e olha a sacola do tempero! Cebola, pimentão, cheiro verde e tomate. Opa! Cuidado! Não me bate! Vai o alho! E na esquina o baralho, mas que cara... Não! Não pode palavrão! Olha a pregação de domingo no Cruzeiro... É da Assembleia! E o beiradão tem plateia! É o carregador! Sofredor que movimenta os mantimentos. Beira também é lugar de sofrimento! Do homem mendigo! Da mulher desesperada! Do “batalhador” da “deixada”! Da criança explorada... Na venda do chopp, do crosquete, do pastel... Do corpo da prostituta! Oh! Vida cruel! E ainda tem o pobre drogado que coitado! Ao lado do bêbado e do aleijado, é caçoado! Aí! Baixo a cabeça para que esqueça aquilo. 82 www.revistapzz.com.br

E entro no mercado, onde tem mocotó a kilo... É a comida, minha lida! Vai junto carne! E o açougueiro, ligeiro, põe o osso e a fussura. Do outro lado da rua, vejo o Cura e o frango fresco. E na hora da merenda tomo refresco, suco... De caju, maracujá, salgado, mas que pecado! É e esse tal de caldo de cana! Peraí, Mana! Tem um recado na publicidade Copacabana. Agora sim! Segura o paneiro! Mas que cheiro! Vai pingando! É bóia pro dia inteiro! Picadinho, feijão, porco, arroz, bucho e mapará, Mas pera lá! Ainda tem o açaí de 3 “real”! E como é legal o mingau quente do Lambreta! E o vento frio de madrugada na rabeta. A menina não pode perder a consulta... No Hospital das Irmãs com a Antonieta. Barco na frente da cidade é verdade... A beira cai e não é Cobra Grande! É erosão! E olha o pescado gostoso no talho 28 do Gatão. De repente se grita: Segura! Pega ele... Pega o ladrão, correndo na multidão! Mas belisque, não liche, vamos ao trapiche... Ver o Caliandares e na direção dos rios Os olhares é do ribeirinho! Que sozinho traz miriti, manga e camarão pego na matapi. Que aqui a Mariazinha faz torta e desbarbado Eu gosto frito e assado! E...peí! E...peí! É foguete do Laçado em procissão fluvial! Tão original e a imagem do santo... No andor, a aliviar a dor do povo das águas, Que deságuas vindo do sítio e à beira... Embarca na embarcação enfeitada. E longe a molecada aprecia. Cuidado, João a maresia! O querosene não pode derramar! A beira também é lugar de sonhos e de amar...

Na ponte de tardinha, com a namoradinha. Onde o crepúsculo ao pôr-do-sol é belo E depois de tomar café com leite no Estelo Faço o jogo de fé: cachorro, cobra e jacaré E o bicho não irrita, o Gutierrez é cambista Lá perto do Jurita e quando passo mal... A saída é urgente! Procuro o Saúde, depois, o Seu Antônio e a Farmácia do Contente. A beira é de todos, é nossa do jeito dela Na Casa Santana vende ovo e mortadela, A farinha é logo ali no lado, na passagem, Prego, ferro e chave é na Aliança Ferragem A festa é na Maloca, antigo Nazareno. A freteira vem das ilhas em pleno sereno. O Carlinho vende peças e tem amizade! Quem passa na feira leva saudade... Lembram do Balaio e do Araponga? E do “Beleza”? A vida realmente não é longa... Por isso, anima Mario Perna e Banda! No Forrozão dos Peixeiros alegria manda. Beira é lugar de assobio e encarnação, Em dia de domingo tem REPA. Na segunda chora “leão” ou “papão” E assim a beira que é feira mi peneira. Não mexe com a moça! Pode ser casada! Fica só na olhada, no estilo da feira, Mas se for solteira deixa-a passar! Na certeza de que a beira-feira... É lugar de bicicleta, rede, roupa e confusão. Tem tinta no Girard e música com o Jorjão! E tenho que ir pra casa, a Mãe me conhece... Sou camelô e sei dos segredos da beira Onde todos dias sempre se amanhece!


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COLETIVO FOTOGRÁFICO

SÉRGIO RODRIGUES

ATORETRATO O Coletivo Fotográfico de Abaetetuba AtoRetrato desenvolve uma série de atividades e registros de imagens do universo abaetubense.

O

coletivo fotográfico surgiu em agosto de 2015, através da iniciativa da fotógrafa Leonora Lagos, que percebeu que em sua rede social no facebook existiam muitas pessoas que tinham um olhar fotográfico bastante interessante através das fotos postadas que mostravam a beleza da cidade e do seu povo, além dos fotógrafos percebeu também que pessoas curtiam essas fotos e faziam compartilhamentos, a partir daí decidiu criar um grupo para trocar informações e aproximar esses artistas e amantes que até então não se conheciam, e através do whatisApp isso foi possível , aquele grupo de admiradores e fotógrafos em menos de duas semanas já estavam todos engajados. O coletivo fotográfico AtoRetrato desde o princípio tem como objetivos principais a união dos adeptos pela arte de fotografar e reconhecimento da fotografia como arma social de incentivo a cultura local e regional. Desde sua criação o coletivo já organizou diversas saídas fotográficas e ensaios que já resultaram em três exposições a primeira na capital Belém na tradicional Feira do Miriti, com a Exposição Coletiva “Abaetetuba Nosso Olhar”, a segunda foi no dia da Posse do

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Conselho municipal de política cultural do município de Abaetetuba, onde representou a fotografia como arma fundamental para a cultural local, e a terceira exposição aconteceu na VI Mostra de ciência e tecnologia da Escola Açai –MCTEA Internacional que ocorreu no ginásio Hildo Carvalho também em Abaetetuba.

O coletivo fotográfico AtoRetrato desde o princípio tem como objetivos principais a união dos adeptos pela arte de fotografar e reconhecimento da fotografia como arma social de incentivo a cultura local e regional. O coletivo Fotografico AtoRetrato vem para Apoiar, promover e divulgar o desenvolvimento da arte fotográfica não só entre seus membros como também comunidade em geral, através de atividades culturais e educativas tais como: cursos, seminários, palestras, exposições e tarefas Fortalecimento, crescimento do setor através de qualificação

aos profissionais das diversas área da fotografia e vídeo entre outras atividades que foquem no desenvolvimento e a qualificação da arte fotográfica no município, divulgar, ensinar e propagar a fotografia como forma de exposição, registro, memória e arte. Dividindo conhecimento e multiplicando oportunidades. Hoje o coletivo fotográfico reúne cerca de 30 fotógrafos e amantes de fotografia, que se encontra quinzenalmente para fotografar a cena abaetetubense e dialogar questões de seus interesses sempre voltados para a realidade que os rodeia. Os membros são: Alan Ribeiro, Alessandra Negrão, Andreza Karoline, Anne Rodrigues, Ana Rodrigues, Alisson Lopes, Cleber Lobato, Diego Viégas, David Rodrigues, Edney Souza, Iolanda Matos, Jean Pinheiro, Jillyan Kleber, Joanaldo Silva, Jorge Pará, Luis Azevedo, Luis Carlos Nunes, Matheus Bittencourt, Miguel Caripuna, Layune Muriel, Raylene Campos, Jaqueline Fonseca, Icaro Rodrigues, Wesley Santos, Sergio Rodrigues, Alberto Valter Vinagre, Yohan Simões, Tacila Balieiro, Leonora Lagos, Valdeli Costa, Suê Ferreira, Hilton Martins.


LEONORA LAGOS

EDNEY SOUZA www.revistapzz.com.br 85


COLETIVO FOTOGRテ:ICO

WESLEY SANTOS

JOANALDO SILVA

DIEGO VIEGAS

ALAN RIBEIRO

ANDREZA CAROLINE 86 www.revistapzz.com.br

WANDERSON


ANA RODRIGUES

ALISSON LOPES www.revistapzz.com.br 87


COLETIVO FOTOGRÁFICO

ÍCARO RODRIGUES

VALDELI COSTA

Matheus Bittencourt 88 www.revistapzz.com.br


ALESSANDRA NEGRテグ www.revistapzz.com.br 89


ESPECIAL

João de Jesus Paes Loureiro

BRINQUEDOS DE

MIRITI

um trecho da tese de doutorado de joão de jesus paes loureiro apresentado na universidade de sourbonne em paris com orientação de michel maffesoli apresenta OS BRINQUEDOS DE MIRITI com a ARTE DE ENCANTAR O OLHAR E COLORIR A VIDA, REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO LÚDICO DO POVO DE ABAETETUBA Situação e contexto Os brinquedos de miriti são uma forma de artesanato artístico característico da cidade de Abaetetuba. São fabricados com material da polpa ou bucha do miriti, palmeira abundante no município e comum nas áreas de várzea da Amazônia. Abaetetuba fica localizada na zona fisiográfica Guajarina, à margem direita do rio Tocantins, em frente a baía de Marapatá, no Baixo Tocantins. É cidade antiga do Pará, fundada no século XVIII em um ponto situado a 50 km em linha reta da capital do Estado. A topografia é plana, sendo o solo representativo de três tipos: o solo de várzea, na chamada Zona das Ilhas, constituída, em parte, por mais de 45 ilhas; os tesos; e, finalmente, os solos de terra firme. Em virtude do clima quente e seco, sujeito a enchentes periódicas dos rios e igarapés, os miritizais se desenvolvem no alagado. A importância dessa situação climática e percebida na produção, fabricação e acabamento dos brinquedos, que exigem material perfeitamente seco. São brinquedos artisticamente criados, que revelam a necessidade e o desejo de concretizar na matéria os frutos de sonhos e experiências vividas. "Eu aprendi a fazer brinquedo da minha cabeça mesmo, olhando os outros fazendo, eu aprendi, mas nunca imitei 90 www.revistapzz.com.br

ninguém", explica o artesão Antonio Sil- as crianças que começaram a utilizar o va." miriti para fazer pequenos brinquedos, sobretudo pela maciez do material para A vaga história das origens entalhe e sua possibilidade de flutuar A origem histórica dos brinquedos de nas águas dos rios, igarapés, lagos e A origem histórica dos brinque- poça d'água deixadas pela chuva. Eram montarias e vigilengas navedos de miriti está perdida no pequenas gando por entre as inúmeras atividades tempo vago da cultura oralizada lúdicas infantis. Costuma-se associar o na Amazônia. A rememoração início da comercialização dos brinquedos de miriti ao Círio de Nossa Senhora e a oralidade da tradição são de Nazaré, em Belém, na suposição de vias que reimplumam as asas que tal fato tenha ocorrido já durante realização do primeiro Círio, em 1793. da imaginação, ultrapassando aHoje, esses brinquedos estão de tal maa realidade prática, na eterna neira integrados a essa procissão, que se busca das fontes, que caracteri- constituem num de seus mais represensignos culturais. za o desejo de autoconhecimen- tativos O Círio de Nazaré é uma procissão relito e conhecimento da vida que giosa culminante do culto da padroeira dos paraenses, realizada todos os anos move todos os homens no segundo domingo de outubro. É uma miriti está perdida no tempo vago da cul- espécie de apoteose epifânica da fé do tura oralizada na Amazônia. A rememo- povo do Pará percorrendo as ruas de ração e a oralidade da tradição são vias Belém. Representa uma modalidade de que reimplumam as asas da imaginação, síntese cultural, pela complexidade e ultrapassando a realidade prática, na diversidade de realidades e simbologias eterna busca das fontes, que caracteriza que constituem o seu processo e a sua o desejo de autoconhecimento e conhe- estrutura. De origem latina, cereus, o vocimento da vida que move todos os ho- cábulo "círio" designa uma tocha grande mens. O caboclo da Amazônia não pode- como a vela pascal. Tanto em Portugal ria fugir a essa atitude e condição. como no Brasil, serve para designar roEm Abaetetuba, acredita-se que foram marias ou mesmo procissões de maior


FOTO: ADRIANA LIMA

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ESPECIAL

“Vai curumim lá no mato, vai lá buscar miriti, Corta pedaços bem seco, tira sua tala pra mim”. Trecho da Canção do brinquedo de Miriti (CABINHO LACERDA E PAES LOUREIRO, 2004).

porte em celebração do santo padroei- no conjunto plástico da monumental ro do lugar. Isidoro Alves considera que procissão. Nessa condição pode ser visto o Círio exerce na festa do padroeiro o também como uma "arte representativa papel de intercâmbio ritual, no proces- de uma festividade tradicional de cunho so de trocas simbólicas. É um poderoso religioso, com características essencialaglutinador, em torno de uma gene- mente da Amazônia". ralizada ideia de identidade regional", Essa relação pode ser testemunhada constituindo-se em "um campo ritual pelos próprios artesãos. Seu Abaeté, de cruzamentos de por exemplo, explivárias dimensões da ca que foi vendo os As circunstâncias de vincu- brinquedos sendo vida social". Estimase, atualmente, que lação com o Círio revelam o vendidos no Círio cerca de um milhão caráter cíclico e periódico dos que aderiu a ideia de pessoas-romeide se tornar tamros — acompanham brinquedos de miriti. De certa bém um fabricante. o Círio de Nazaré maneira, há um componente "Eu acho tão bonito durante suas 4 ou 5 Se eu não de mercado motivado durante aquilo. horas de percurso, vou, eu me sinto a festa, o que estimula essa ruim. Eu não vou desde a Sé Catedral, na Cidade Velha, até só vender os brinperiodicidade é, ao mesmo à suntuosa Basílica quedos não... eu de Nazaré, no centro tempo, explica o caráter social vou pra ver a Santa evidente no processo desse da cidade, num pertambém" (As colocurso que se estende ridas girândolas de artesanato artístico. por 4,5 Km, aproximiriti). No entanto, madamente. sua produção atenAs circunstâncias de vinculação com o de também a outras finalidades, isto é, Círio revelam o caráter cíclico e perió- como pagamento de promessas feitas dico dos brinquedos de miriti. De certa a Santa, depositadas no carro dos milamaneira, há um componente de merca- gres (onde são depositados ex-votos no do motivado durante a festa, o que es- decorrer da procissão), miniaturas de timula essa periodicidade é, ao mesmo barcos ou casas, em reconhecimento a tempo, explica o caráter social evidente uma graça alcançada. A própria literano processo desse artesanato artístico. tura da Amazônia já registra essa utiliTorna-se, inclusive, um elemento a mais zação ritual dos brinquedos de miriti. O 92 www.revistapzz.com.br


FOTOs: ADRIANA LIMA

O miritizeiro, que é uma palmeira abundante na região de Abaetetuba, comum nas áreas alagadas, tem uma altura que varia de 30 a 50 metros. Seu nome científico é mauritia flexuosa. Trata-se de um material familiar de múltiplo uso, seja como meio de subsistência para os índios e caboclos, uma vez que seu fruto tem agradável sabor e inúmeras utilidades; seja como material de construção de habitações; seja pelo uso de suas talas na magnifica cestaria regional; seja na fabricação dos brinquedos de miriti com a polpa ou bucha.

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ESPECIAL

personagem central do conto Carro dos Milagres, de Benedicto Monteiro, diz: "Olhe compadre, nem quero lhe contar a triste sina deste meu barco a vela feito de tala de miriti. Eu trouxe ele, mas foi pra colocar no Carro dos Milagres". São numerosos os artesãos que confirmam essa hipótese: Começou a ideia de vender com as canoinhas de promessa. No Círio de Nazaré, o promesseiro levava aquelas canoinhas, que ele fazia promessa. Uma pessoa do interior, por exemplo, fez uma promessa de uma canoa dele que sumiu. Se aparecia, ele levava uma montaria para Nossa Senhora". Portanto, o uso desses brinquedos é diversificado. É um sinal de sua plurissignificação. Servem como signo mágico-religioso na forma de ex-votos, de brinquedos propriamente, de recordação da festa ou da região, de objeto estético entre os artistas plásticos e colecionadores, de elemento de decoração, de artefato museológico da cultura popular. "Quem compra mais é a criança (...) Outros compram pra enfeite, mas é mais brinquedo de criança. Qualquer brinquedo pode servir de enfeite. Muita gente de fora compra pra recordação. Agrada. Luís Carlos Morais afirma que o brinquedo “tem sua função sócio educativa no lazer,na religião, como adorno, objeto decorativo para turista ou coisa de agrado para uma pequena parcela de admiradores. O suporte material 94 www.revistapzz.com.br

Os brinquedos são modelados em um material que e a bucha do miritizeiro, uma polpa vegetal fibrosa e leve, de grande maciez e flexibilidade. O miritizeiro, que é uma palmeira abundante na região de Abaetetuba, comum nas áreas alagadas, tem uma altura que varia de 30 a 50 metros. Seu nome científico é mauritia flexu-

A fabricação do brinquedo de miriti estabelece a relação profunda que há entre o artista e sua obra, 0 fabricante é um artesão que tem a execução material de sua obra acompanhada de uma interação é um gesto estetizante em sua modelagem. É evidentemente possuidor de uma técnica apurada, a serviço de uma concepção de forma significante no contexto cultural em que está inserido. osa. Trata-se de um material familiar de múltiplo uso, seja como meio de subsistência para os índios e caboclos, uma vez que seu fruto tem agradável sabor e inúmeras utilidades; seja como material de construção de habitações; seja pelo uso de

suas talas na magnifica cestaria regional; seja na fabricação dos brinquedos com a polpa ou bucha. O miritizeiro é, portanto, uma árvore cultural da região onde estão disseminadas, embora predominem nos baixos ou áreas alagadiças resultantes do transbordamento dos rios. Um dos motivos da intensa produção dos brinquedos em Abaetetuba resulta da grande quantidade de tremendais de miriti existentes no município. A densa rede potâmica que o divide em um arquipélago, com ilhas que também são entrecortadas de rios, lagos e igarapés, criou condições para que se tomasse abundante essa espécie vegetal no município. Para que a polpa ou bucha do miritizeiro fique apropriada ao trabalho de entalhe, deve ser observada uma adequada metodologia. Em primeiro lugar, retiram-se as talas, que são fibras duras que revestem a polpa. Em seguida, as toras da polpa são postas ao sol para secar a fim de que o material adquira a consistência adequada ao entalhe. Os artesãos vão adquirindo o material ao longo do período de novembro de um ano até julho do outro quando os trabaIhos serão iniciados, para que fique bem seco no período menos úmido e quente do inverno. Nessas condições o miriti fica com a textura adequada ao corte e ao lixamento. "O miriti, a gente compra ele verde e bota pra secar com a


FOTOS: ADRIANA LIMA

quentura do tempo, dentro de casa. No sol, ele seca por fora, mas não fica bem seco. Dentro de casa, da tempo pra ele secar todo, descansa. Então ele fica bem apurado."

com muito cuidado, às vezes eu largo e vou embora, dar uma volta. Quando a gente tá fazendo o brinquedo, tem de tá com o olhar certo, com a visão certa, porque qualquer vacilo a gente tá se furando, se cortando." As obras apresentam uma individualidade O processo de trabalho com o material ou diversidade real em meio a uma aparente A fabricação do brinquedo de miriti esta- uniformidade, nunca sendo absolutamente belece a relação profunda que há entre o artista e sua obra, 0 fabricante é um A faca penetra como se estivesse artesão que tem a execução material de sua obra acompanhada de uma interatrabalhando numa forma suspensa ção é um gesto estetizante em sua mono ar. A maneira dos ceramistas delagem. É evidentemente possuidor de uma técnica apurada, a serviço de uma que, especialmente na poteria, vão concepção de forma significante no concom as mãos esculpindo formas texto cultural em que está inserido. Fano ar, assim os fabricantes desses bricando integralmente o seu objeto estetizado, ele reproduz ou cria modelos, brinquedos vão recortando suas assumindo sua completa execução. "Pra formas no miriti. 0 artesão de mim é uma arte, porque tem gente que brinquedos vai penetrando na faz aquilo que vê, eu crio" (Seu Abaeté, in Amazônia Hoje, p. 18). Em aditamento intimidade da matéria miriti, a a essa visão do brinquedo reconhecendo medida que nele vai objetivando sua artisticidade, opina o pesquisador sua imaginação seu desejo. Luís Carlos Morais: "Pelo visto, o brinquedo de miriti se apresenta como arte (...). iguais. Por isso, constituem-se objetos estiOs fabricantes de brinquedos de miriti lizados na modalidade de artesanato artístitrabalham fazendo sua obra, com redu- co, garantindo cada peça sua originalidade. zida utilização de instrumentos mecâ- Dentre seus principais procedimentos técninicos e sem o caráter de série, próprio cos de criação estão o corte, o lixamento, a dos casos em que se utiliza a máquina. É montagem e a pintura. E aparentemente fágrande sua habilidade manual. "A gente cil modelar pelo corte a polpa do miritizeiro. tem de estar com a cabeça fria. Trabalhar Ela é extremamente macia e não tem fibras

que dificultem o corte e os entalhes. Mas as facas precisam estar afiadas e a concentração permanente. A penetração da lâmina, o corte, o lento desbastar de seus contornos tem uma voluptuosidade carnal. A matéria não oferece quase resistência. A faca penetra como se estivesse trabalhando numa forma suspensa no ar. A maneira dos ceramistas que, especialmente na poteria, vão com as mãos esculpindo formas no ar, assim os fabricantes desses brinquedos vão recortando suas formas no miriti, 0 artesão de brinquedos vai penetrando na intimidade da matéria miriti, a medida que nele vai objetivando sua imaginação seu desejo. Vai atribuindo sentidos a matéria extraída natureza. Seu ponto de partida é uma espécie de espiritualidade poética. Pela fragilidade do material é como se fossem entalhando o efêmero. Os objetos e as figuras resultam numa simplificação de traços, persistindo os essenciais significantes, sem detalhamento naturalista, pois a textura do material não permite, assim como as lâminas de entalhe utilizadas. Há uma perfeita adequação entre procedimento, instrumentos e material para a obtenção desse resultado estético que define um gênero de criação. Dessa maneira, o artesão de brinquedos miriti é uma espécie de entalhador do www.revistapzz.com.br 95


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sonho. O artesão de brinquedos de miriti faz de suas mãos um instrumento vivo e inefável de sua relação com a matéria. Como se dialogasse com o miriti, ela vai extraindo as suas formas imanentes, vai convertendo — numa operativa conversão semiótica - a forma natural em forma expressiva. Ação libertadora de energia, a mão, além de veículo de trabalho, parece conter o sentimento do artesão nela impregnado. Elas vibram com intensidade diante da matéria leve e efêmera que é a polpa do miriti, no ato de atribuir-lhe a duração individualizadora da forma artística. Geralmente sentados no chão ou numa pequena banqueta, o fabricante de brinquedos estabelece com os materiais e objetos uma intimidade familiar e efetivizada. É o seu mundo. Com as mãos ele segura cuidadosamente um pedaço de miriti, confere sem pressa sua condição material, acaricia-o com as mãos ou algum instrumento a sua superfície levemente rugosa, a fim de torná-la uniforme e lisa. Corta com minuciosa delicadeza os contornos configurando as pecas ou partes do brinquedo. Não parece ferir, nem agredir a matéria que se oferece rica de possibilidades. Toca naquela polpa como no próprio corpo da ternura. Segura a lâmina como o poeta sua pena, como o pintor segura o pincel. Separa do geral da matéria do96 www.revistapzz.com.br

mesticada o particular que é o brinquedo, criando um objeto estético universal na sua significação. Cria um objeto distinto da natureza. Esse inútil essencial que constitui a magia dessas formas tão frágeis e singelas da beleza, esse mundo miniaturizado que o artesão sonhou naquela matéria e que vai

Os brinquedos de miriti estão impregnados de uma artisticidade singular adequada ao material do qual é feito, representando a penetração dessa esteticidade nutrida no devaneio operativo e poetizante da vida amazônica. Revela uma sensibilidade instintiva participando objetivamente das formalizações da vida. nascendo de suas mãos. "A curiosidade da infância, o artista a prolonga e privilegia além dos limites dessa idade. Ele toca, ele apalpa, ele estima o peso, ele mede o espaço, ele modela a fluidez do ar puro e prefigura a forma, ele acaricia o contorno de todas as coisas, e é da linguagem do olhar — um tom quente, um tom frio, um tom pesado, um tom vazio, uma linha dura, uma linha mole."

O artesão desnuda a polpa do miriti de sua veste de talas. Imprime nela uma forma econômica simples. A mesma mão que faz barcos de verdade, constrói casas, forja o ferro, navega e pesca, é a que imobiliza no miriti o acaso do seu devaneio. A mão do trabalho pesado fazendo o trabalho da leveza. Após a conformação da figura pelo entalhe, é necessário o amento, a fim de que as formas tenham suas superfícies entornos alisados ou amaciados. Toda aspereza deve ser desbastada. As superfícies devem estar suavizadas para o recebimento das cores, do toque das mãos e do olhar. É um processo, de suavização da matéria que se processa após os cortes modeladores. Objetiva-se a eliminação das farpas da polpa do miriti, a fim de que as peças tenham superfície alisada e suavizada. Pode-se dizer que é também um gesto de ternura. O objeto estético é criado por meio de movimentos que traduzem uma aproximação efetiva da matéria, uma efetivação crescente, a medida que a obra se vai configurando. Como o ceramista, o fabricante de brinquedos de miriti acaricia as formas objetivadas de sua imaginação criadora, impregnando-as de uma humanidade concentrada, transferida pelo toque das


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mãos, da pele, da emoção sensível. Com o uso complementar do cabo da lâmina do entalhe, a superfície porosa adquire uma impermeabilização que favorece à pintura. Quando há brinquedos compostos de várias partes, eles precisam ser montados — fixados por cola ou estiletes de tala — para receber a forma final. Os brinquedos estão prontos mas ainda apresentam a cor neutra do miriti. Alguns artesãos mantém neles essa tonalidade. Outros, pintamnos de cores ou signos. Poucos fabricantes, como, por exemplo, Antonio Jarumã, substituíam ou substituem a pintura das figuras por vestimentas. "Eu comecei a fazer com a idade de 7 anos. Aprendi lá no interior, em Jarumã. Fiz da minha cabeça, ser ninguém ensinar. Tinha uma turma de 5 a 6 moleques. A gente ia pra beira do igarapé, tirava miriti, botava pra secar e fazia barco pra brincar na água. Fazia avião, fazia currupio. A gente fazia barco grande, de vela de pano, enchia de pedra e punha pra disputar no rio. Tinha 8 a 10 canoas correndo todo dia de domingo. Fomos aprendendo assim, cadê qual fazia um mais bonito. A tinta, cada um fazia de açaí, porque não tinha tinta, não havia nem de anilina. Então nós pegávamos o açaí preto, amassava ele puro e botava limão. Ficava vermelho. Quanto mais limão, mais muda a cor, mais vermelha a

tinta. Agora eu não uso mais porque ficou tão caro o açaí, e tem também a facilidade de ter tinta." O fabricante desse artesanato artístico atenta para a sua artisticidade mesmo quando sua finalidade é lúdica ou utilitária. Trata-se de uma espécie de arte do tipo equivalente as artes momentâneas

Em sua localização como artesanato artístico, onde se percebe “o encontro de uma técnica e de uma intuição”, o brinquedo de miriti situa-se na zona fronteiriça entre a arte e a criação extra-artística. Nele, a função estética e muito mais visível do que em outros tipos de brinquedos e outras formas de artesanato da própria região, como os brinquedos de madeira e a poteria. como as instalações ou a arte do cartaz. Nessas artes, a sua destruição está intimamente ligada a sua existência. A destinação para o eterno próprio das artes auráticas, opõem uma fragilidade mortal e sem

conflitos, incorporando a brevidade como um valor inerente a elas mesmas. Artes do efêmero - o cartaz, as instalações, os brinquedos de miriti - tem na destruição pelo uso uma contingência constitutiva e não uma forma de valor negativo. No entanto, utilização como brinquedo propriamente é apenas um dos destinos desse artesanato artístico, capaz de alcançar durabilidade nos museus de arte popular e na decoração. Os brinquedos de miriti estão impregnados de uma artisticidade singular adequada ao material do qual é feito, representando a penetração dessa esteticidade nutrida no devaneio operativo e poetizante da vida amazônica. Revela uma sensibilidade instintiva participando objetivamente das formalizações da vida. O brinquedo de miriti é uma confluência dessas duas tendências que permitem converter em uma formasensível o desejo de liberdade do espírito, 0 caráter lúdico convive com a beleza, 0 brinquedo de miriti, por sua aparência artística é sua destinação lúdica, é uma forma intercambial de jogo e de beleza. Mesmo porque, sendo a arte um análogo do jogo, essa intersecção analógica constitui um dos fatores de legitimação do brinquedo de miriti como artesanato artístico. www.revistapzz.com.br 97


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Após a valorização da estética industrial, certas discussões sobre arte e utilidade perderam em grande parte seu fôlego. Evidentemente que, na mão das crianças, a função dominante do brinquedo de miriti é a de jogo. Mas é o mesmo que acontecera, em condições equivalentes, com os bonecos e bois do mestre Vitalino, que estão entre os mais representativos artesanatos artísticos brasileiros. O que ocorre no brinquedo de miriti é que persiste nele ainda a finalidade lúdica, se tendo deslocado a produção para o campo prioritário da recepção ou do consumo dominantemente artístico. Aliás, esse componente lúdico ainda é presença também dominante na produção. Os seus artesãos se confessam gratificados com esse trabalho, como pode ser testemunhado por seu Abaeté que, vendo o sucesso comercial de venda dos brinquedos durante o Círio de Nazaré, em Belém, ou o Círio de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Abaetetuba, conclui que "era bonito e dava dinheiro certo": "Pra mim é uma arte, porque tem gente que faz aquilo que vê , eu crio". Como todo artesão, ele vende pessoalmente seus objetos a. "Eu acho tão bonito aquilo. Eu não vou só vender os brinquedos não... eu vou pra ver a Santa também". Todos esses artesãos se confessam levados pelo prazer de fazer e vender os seus produtos. A perfeição desse jogo, a harmonia das formas produzidas, a originalidade, a composição plástica,- o cro98 www.revistapzz.com.br

matismo resultam em sua esteticidade. Em sua localização como artesanato artístico, onde se percebe "o encontro de uma técnica e de uma intuição", o brinquedo de miriti situa-se na zona fronteiriça entre a arte e a criação extra-artistica. Nele, a função estética é

Esses frágeis brinquedos de miriti, como um poema, como uma canção, como fragmentos de vida durando na memoria emotiva, quando são reencontrados em outras épocas ou lugares, recompõem todo um passado. Como todo caso de tempo comprimido (temps comprime) são como o repetido rebrotar da fonte do devaneio. muito mais visível do que em outros tipos de brinquedos e outras formas de artesanato da própria região, como os brinquedos de madeira e a poteria. Pela forma, pela cor, pelo conjunto expressivo e originalidade, o brinquedo de miriti é valorizado como objeto por via de sua aparência formal. Com isso, ele adquire uma independência ante a realidade. Foi por esse motivo de evidenciação estética que esse brinquedo ultrapassou o

publico infantil destinatário, para conquistar com uma finalidade não finalística ou lúdica, mas estética, um outro publico para esse "mundo sem idade", de que faia Luis Carlos Morais. Mukarovwsky considera que o artesanato artístico pode ser configurado historicamente nos fins do século XIX e inicios do século XX. São casos em que se opera uma evidenciação dos aspectos estéticos, evoluindo para casos em que a função utilitária se degrada, a intensidade de uso vai sendo anulada, surgindo objetos que, sendo anteriormente de uso — como, por exemplo, tacas — não podiam mais ser usados, mas somente apreciados. Eram tacas para ver e não para beber. No caso dos brinquedos de miriti, fora do uso como brinquedo infantil, mas apreciados nos museus e nas decorações, ou nas coleções particulares, houve a conversão em brinquedos para serem contemplados e não mais para brincar. Convertem-se em objetos para os adultos. Há uma transposição de estados, uma conversão semiótica de artesanato em arte. Um trajeto cruzado por meio do qual cresce a função estética a medida que decresce a função lúdica e utilitária. Sem poder competir com a sedução e a eficácia dos brinquedos industriais, eletrônicos ou mecânicos, o brinquedo de miriti se resguarda protegido por sua cativante singeleza estética. 0 que atrai nele não e a complexidade de efeitos, as o tempo de uma simplicidade atraente da infância nele


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concentrado. Volta-se aqui, ao conceito de temps comprimé ou concentrado de Gilbert Durand. Esses objetos deflagradores do tempo de uma vida, que fazem com que todo um passado possa emergir de uma taça de chá, ante o doce sabor de uma singela madalena. Esse fenômeno acontece em objetos intensamente energizados pela cultura, que sao como um botão de epifania prestes a desabrochar ao toque dos dedos de um momento qualquer no curso da existencial. Uma energização que se processa por acumulação de tempos e de vidas, sucessiva consolidação de significados universais, por via de uma cadeia de emoções individuais. Esses frágeis brinquedos de miriti, como um poema, como uma canção, como fragmentos de vida durando na memoria emotiva, quando são reencontrados em outras épocas ou lugares, recompõem todo um passado. Como todo caso de tempo comprimido (temps comprimé) são como o repetido rebrotar da fonte do devaneio. Tipos e características dos brinquedos. A execução material das representações do seu imaginário faz do trabalho de fabricarão dos brinquedos de miriti uma atividade de cunho artesanal, uma vez que o fabricante tem a responsabilidade completa nos objetos produzidos. Utilizando a mão e um instrumental reduzido, ele mesmo comercializa seus produtos. Na sua condição de artesanato artístico, o brinquedo de miriti "é o produto único de uma atividade que se situa, algumas vezes, sobre o piano das atividades imaginárias de um grupo social dado". Ele vai revelando o inesperado na sua matéria leve. 0 que antes era superfície, ângulos, rugosidade, vai-se refazendo em asas, braços, pernas, pássaros, figuras. A rugosidade se converte em maciez sob o toque das mãos dialogando com matéria. Liberando o imaginário aprisionado na matéria. E as figuras de brinquedo intermedeiam relações entre uma e outra alma. Por sua aparente ingenuidade, o brinquedo de miriti representa uma espécie de gloria efêmera da emoção, renovando e embelezando a matéria vegetal, que se torna cativante por recriar para o adulto uma encenação, a mis en scene de um estado de infância que vai ficando cada vez nos bastidores, a medida que o tempo passa. Para as crianças há uma adesão identificadora, uma vez que naqueles pássaros, aves, animais e homens no trabalho, há uma singela representação daquilo que elas não tem

ainda a Ventura de criar. Vai-se promovendo, ao mesmo tempo, uma pedagogia do gosto, uma educação da sensibilidade nos moldes teorizados por Schiller, visto que as crianças são atraídas para formas de beleza a partir de materiais e técnicas simples da região, do seu contexto, demonstramlhes possibilidades criadoras na relação com seu mundo. Um exemplo de como a matéria a sua frente pode se tornar sentimento e emoção. É nessa condição formadora de percepções de beleza -cria e recepção — como na educação da sensibilidade que repousa uma das características sociais da estética perceptível nos brinquedos de miriti. É um dos elementos que unem a população em torno de uma emoção partilhada, expansiva e extensiva. Essa atitude e emoção estéticas que penetram continuamente na vida, como uma das relações essenciais dos homens com a realidade. Como objeto estético, o brinquedo de miriti e o signo de sua própria simbolização. Dessa maneira, vão sendo orquestradas e renovadas

É nessa condição formadora de percepções de beleza -cria e recepção — como na educação da sensibilidade que repousa uma das características sociais da estética perceptível nos brinquedos de miriti. É um dos elementos que unem a população em torno de uma emoção partilhada, expansiva e extensiva. as relações entre o caboclo amazônico e sua realidade sobre a qual seu comportamento se reflete. A respeito dessa relação entre a norma estética e a organização social, Mukarowsky demonstra bem que é a condição social do homem que lhe permite compreender-se o caráter variável e obrigatório da norma estética. O contexto cultural amazônico, em que se observa uma interseção do mágico no real, explica essa valorização estética do brinquedo de miriti e a sua esteticidade singela presente ou dominante. A variedade dos objetos produzidos e muito grande relacionamento entre o simbólico e o real, podendo-se dar alguns exemplos ilustrativos: A "montaria", que é a representação em pequena escala de uma canoa ou igarité in-

dígena. Pode ser encontrada pintada ou sem pintura. Sua forma destaca-se pela plasticidade, reproduzindo fielmente as proporções do modelo original. A "canoa de vela" é um tipo mais complexo, uma vez que exige a cobertura no tombadilho, mastros, lemes com mobilidade e pintura onde aparecem, a par das cores básicas, os signos que fazem parte dos códigos semióticos das canoas grandes que navegam pelos rios da Amazônia. Os "navios ou motores", seja do tipo "gaiola" ou "marabaense", construídos segundo os modelos de grande porte, exigem maior complexidade na fabricação e na pintura. O mesmo acontece-com os "iates" de dois mastros com velas, que se assemelham a um tipo de embarcação comumente utilizada para o transporte de gado bovino da ilha do Marajó. A "cobra-que-mexe" é uma reprodução na região. Ela é engenhosamente articulada, o que lhe permite um movimento coleante de réptil quando agitada pelo vento ou arrastada por um fio. Divididas em partes de miriti que são unidas longitudinalmente por uma tira de pano que passa pelo meio da cabeça a cauda, as cobras-que-mexem tem no movimento um elemento visual constitutivo de sua função. Não é apenas uma cobra: é uma cobra-que-mexe. Outro componente dessa fauna de miriti é o "tatu". O tatu também incorpora o movimento e tem nisso um de seus sinais de interesse. Tendo no corpo, que é o apoio do conjunto, uma tala enfiada numa das partes laterais, pode ser manipulado com a mão que o movimenta para a esquerda ou para a direita oscilando como uma balança imaginária. Em consequência disso, a cabeça e o rabo, que são móveis, oscilam , numa estilização dos movimentos do animal vivo. 0 que permite esse movimento é um pequeno peso pendente em um fio sob o casco do tatu, cujas pontas estão atadas, de um lado, a cabeça e, de outro, ao rabo. Outro brinquedo de grande aceitação é o "soca-soca" representado por dois homens trabalhando com piladores, isto é, triturando uma substância imaginária no pilão. Estão ambos sentados segurando a mão-de-pilão para usar, um de frente para o outro. Entre eles fica o pilão. Por um artifício de fabricação, basta um pequeno movimento nas bases onde estão sentados - duas tiras articuladas e superpostas - para que, alternadamente, batam com a mão-de-pilão www.revistapzz.com.br 99


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no pilão. Pintados com cores primárias, eles constituem um interessante objeto plástico e, a semelhança dos outros brinquedos, podem ser agrupados em forma de painel de grande efeito visual. Na mesma linha de concepção de conjunto cromático e plástico estão as "pombinhas". São duas pombas pousadas numa - tira de miriti, uma de frente para a outra. Entre elas demora-se uma vasilha com imaginários grãos. Do pescoço articulado ao corpo de cada ave sai a ponta de um cordão que se ir amarrando um pequeno peso que fica pendurado embaixo. Segurando-se numa tala que esta espetada na base do brinquedo e oscilando-se pendularmente a esquerda e a direita provocase um movimento que faz as figuras simularem estar bicando alimento na vasilha. Os "dançarinos" representam um casal dançando. Estão abraçados e o movimento da dança pode ser provocado pelo vento, caso estejam pendurados, ou pelas mãos, a semelhança de marionetes. Esses dançarinos usam roupas de pano, o que os difere dos outros brinquedos. São alguns exemplos da variada tipologia dos brinquedos de miriti, representativas da invenção e do fértil imaginário do caboclo. Trabalhando com o miriti, complementam com outros materiais segundo a necessidade: algodão, argila, tecidos baratos, talas, fios, cola, resinas, tintas, 100 www.revistapzz.com.br

etc. Vão se acumulando novos elementos desde que exigidos pelo processo de fabricação e atendendo as novas ideias criativas dos artesãos. Os brinquedos de miriti são expostos ou levados à venda em uma estrutura que tem a forma de uma cruz de braço duplo, feita com pedaços do mesmo material, tendo por volta de 2 metros na haste

Os brinquedos de miriti são expostos ou levados à venda em uma estrutura que tem a forma de uma cruz de braço duplo, feita com pedaços do mesmo material, tendo por volta de 2 metros na haste vertical e 1 metro nos braços horizontais. Nessa estrutura são presos os brinquedos, formando uma espécie de painel de grande beleza visual. vertical e 1 metro nos braços horizontais. Nessa estrutura são presos os brinquedos, formando uma espécie de painel de grande beleza visual. Os brinquedos são colocados sem uma necessária ordem, de

modo que essa acumulação de formas, cores e movimento resulta em um conjunto estético original e atraente. São as "girândolas" ou "girandas", como popularmente são conhecidas. O nome é apropriado: girândolas. O conceito de girândola é de buquê, conjunto de fogos de artifício, travessão em que se reúnem certo número de foguetes que sobem e estouram simultaneamente. Os brinquedos reunidos em girândolas são como fogos de artificio imobilizados no ar e no tempo. Permanecem com seu esplendor exposto, suspenso e sem se extinguir diante de olhares atraídos por essas formas e cores exibidas como uma composição plástico-cromática. Uma espécie de resplendor barroco levado pelas ruas. Uma árvore de signos. Deixado ao acaso das demandas do mercado e da produção individualizada, o brinquedo de miriti exerce uma dupla função que se alterna ou substitui como dominante: a lúdica e a estética. Ambas estão relacionadas com suas relações com o mercado. A demanda maior de mercado resulta de sua situação lúdica. São relações que oscilam de forma pendular e inversante dentro da cultura. Quando a função estética domina, a lúdica torna-se secundária e vice-versa. Ocorre de uma forma dinâmica no campo sociocultural e o fenômeno que se vem denominando de


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conversão semiótica, isto é, uma alteração de dominante pela mudança de relação cultural no percurso de um objeto, de um acontecimento, de um signo. Ora triunfa o utilitário-lúdico, prosaico; ora o estético-expressivo, poético. Entendidos como ponto de encontro, “há neles uma perfeita conjugação entre razão e emoção. Construídos como se obedecessem tão-somente a necessidade, sem excessos, sem desperdícios, o que resulta em pura poesia". Representam um jogo de puxões: são produzidos manualmente para o público restrito e não -orientado, embora motivado, da época do Círio de Nazaré, em Belém ou do Círio de Nossa Senhora da Conceição, em Abaetetuba. Exprimem, nesse jogo, o devaneio de seus fabricantes: "Onde eu estou está cheio de criança. Todo o meu trabalho é feito para as crianças". Embora haja a fabricação de um número limitado de tipos dessa forma de artesanato, cada um dos objetos apresenta uma singularidade artística individualizadora. Todos tem uma forma, mas nunca uma forma. São, portanto, densamente simbólicos. Nenhum e idêntico ao outro, em sua condição artesanal. "Ora, o que caracteriza o objeto onde o inacessível não é mais deixado ao acaso da procura e da execução individuais, mas que é hoje em dia condenado e sis-

tematizado pela produção, que assegura através dele (e combinatória universal da moda) sua própria finalidade." Quando vão para as mãos do colecionador, do decorador ou para museus, os brinquedos de miriti experimentam o fenômeno que Jean Baudrillard chama de abstração da função. Quando é usado como brinquedo, ele não é um objeto estético, mas um brinquedo. Nas mãos do colecionador ou nos museus, ele é esvaziado de sua finalidade ou função, convertendo-se em objeto estético. Há a transferência de dominante nesse processo de conversão semiótica do brinquedo de miriti. Ele deixa de ser um instrumento para tornar-se um objeto auto-reflexivo. Não é mais um caminho para uma finalidade exterior a ele, mas um caminho para si mesmo. Não é mais curiosidade e instrumento de jogo para quem o utiliza, mas objeto de paixão de quem o possui. O país submerso Em texto de abertura da Exposição de Brinquedos Populares Municipal de Educação e Cultura de Belém promovida pela Secretaria em 1984, o pintor Emmanuel Nassar afirma que foi atraído pelos brinquedos pelo seu colorido, forma e curiosidade. Em seguida pelo interesse de resgatar o que ficou perdi-

do no tempo, de alegria e, certamente, de emoção. “Algo me dizia que aqueles brinquedos fazem parte daquilo que chamo de 'país submerso', que é o verdadeiro país por baixo da aparência imposta pelos padrões culturais internacionais." Para ele é necessário uma verdadeira arqueologia a fim de descobrir-se o Brasil encoberto, onde restam fragmentos de culturas extintas ou desaparecidas. Idealiza uma espécie de retorno a identidade original, a pardo que todos se tornassem sujeitos a sua própria voz. De certa maneira, essa ideia de compreensão profunda da sociedade amazônica por meio de sua arte, revelando-se seu mundo cultural submerso, coincide com "o destaque de Francastel que arte é um método de escolha para compreender a cultura escondida e os sentidos secretos de uma sociedade, pois que através das visões do paleolítico nós percebemos as primeiras classificações naturais do espírito e o dualismo provável da visão de mundo das sociedades primitivas", reiterado por Roger Bastide, ao estudar as origens das belas-artes numa perspectiva sociologica". Para Emmanuel Nassar, um dos pontos de convergência visível e social desse mundo submerso está nos brinquedos populares. "Na sua construção não estão as odiosas barreiras entre www.revistapzz.com.br 101


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a ciência e a arte, entre o criar e o fazer, artístico do que de sua destinação como que tanto caracterizam a esquizofrenia brinquedo. Na sua outra condição marda sociedade em que vivemos." cada pela artisticidade artesanal, ainda Os brinquedos de miriti são uma epi- que a fragilidade do suporte de miriti fanização de uma cultura amazônica permaneça, a condição de esteticidade submersa sob as camadas culturais que lhe atribui maior permanência no caso se foram espalhando na Amazônia. Re- de seu uso como arte decorativa, nas velam, portanto, essa outra que está maos do colecionador ou na vitrine dos além das evidências, essas raízes sub- museus. 0 certo e que sua eficácia está mersas prontas a aflorar em atividades também ligada a sua fragilidade. Como de cunho material ou simbólico do ima- certas flores que tem a duração de um ginário. Esse outro que a cultura ama- dia, o brinquedo de miriti é um artesazônica é além das aparências e que vem nato artístico que não se propõe como das realidades psicossociais cobertas duração indeterminada. Sua existência por tantas fases de coé a da brevidade. lonização ou desenvolFaz do efêmero vimento não engajado Nos brinquedos de miriti aparece sua matéria e tem na cultura. Esse país uma especie de outra natureza na duração sua submerso pode velar- miniaturizada, gulliverzada, fruto qualidade. Seu se pela mitologia, por tempo é uma forexemplo, nas encanta- do encontro entre a técnica e a ma acaso. Como rias usadas numa reali- intuição. Uma espécie de memó- o cartaz, a pudade além do real e da a "insria da natureza e da infância blicidade, cultura manifesta. talação", tempo esculpida no efêmero da polpa e limitado a sua Ou mesmo nas cidades encantadas submersas do miriti. Esse mundo sem idade utilidade ou funno imaginário, como ção. Somente o Abaetetuba, transfigu- guardado na memoria da cultura colecionador reoriginária e que constitui o rada na ilha da Pacoca faz sua aura. Não e guardada pela boi- lugar das realidades imaginárias, apresenta nem úna, a cobra-grande raridade nem esmítica. Nos brinquedos enraízadas na existência coletiva pecial dote em de miriti aparece uma seu material. da sociedade amazônica. especie de outra naTodo seu efeito tureza miniaturizada, advém da estetigulliverzada, fruto do encontro entre a zação que o transfigura. É o jogo entre técnica e a intuição. Uma espécie de me- a finalidade destino desse artesanato. mória da natureza e da infância esculpi- 0 eixo em torno do qual se opera movida no efêmero da polpa do miriti. Esse mento dialético da conversão semiótica mundo sem idade guardado na memo- na mudança cultural de dominância de ria da cultura originária e que constitui o instrumento lúdico-para objeto estétilugar das realidades imaginarias, enraí- co, que pela fragilidade de seu material zadas na existência coletiva da socieda- renuncia a expectativa aurática de durade amazônica. ção ou eternidade. Uma outra característica, enfim, do brinquedo de miriti como artesanato artístico e sua efemeridade. Uma fragilidade que contraria sua condição de brinquedo e o aproxima da condição de objeto estético, sob a qual ele pode resistir ao tempo. Isto significa que a fragilidade material de seu suporte de miriti é mais coerente com a condição de artesanato 102 www.revistapzz.com.br

Canção do brinquedo de Miriti

Vai curumim lá no mato, vai lá buscar miriti, Corta pedaços bem seco, tira sua tala pra mim. Traz a faquinha afiada, linha de pesca e formão lixa da fina e sovela larga a preguiça João! Diga a Mundica que faça nossa criança dormir, pegue na tinta e me traga pra me ajudar a colorir.

O Círio de Nazaré vem, vem antes de Conceição, corre Mundica e me ajude, mas não me deixe na mão.

Do artesão nasceram aves, de sua mão para voar, nasce a cobra se mexendo assim e casais só pra dançar.

Olha o pato no peneiro e as girândolas pelo ar, soca-soca está pilando assim as barquinhas não tem mar.

Quem diria que o sonho brotou da mão, que é de sonhos a casa de um artesão.

Quem diria que um anjo desceu ao chão Quem diria que o anjo virou artesão. (CABINHO LACERDA E PAES LOUREIRO, 2004).


FOTOS: ADRIANA LIMA

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FOTOS: HELLY PAMPLONA

ARTES PLÁSTICAS

RAY CARDOSO

Ray CARDOSO, em sua arte, procura retratar a cultura geral de Abaetetuba, especialmente a cultura religiosa e a rural. Ray, como MULTI-ARTISTA, através de desenhos, esculturas, alto relevo, artesanato variado em madeira, cipós, cimento e miriti, artes plásticas, cujo talento já criou centenas de pequenas e grandes peças, entalhadas ou criadas e montadas pela sua visão artística, que já circulam em igrejas, entidades de Abaetetuba, estados brasileiros e alguns países do mundo, através de peças entregues como brindes de Abaetetuba a personalidades nacionais e internacionais e qualquer Mostra de Artes que se faça em Abaetetuba, não pode prescindir das peças da criatividade de Ray Cardoso. A sua visão artística também é inata e que foi desenvolvida através da visão Espiritual-Cristã que diz: Deus é Amor, Justiça, Paz, mas que também é Beleza e Harmonia e tantos outros atributos. E se Deus é Beleza, essa beleza deve transparecer das mãos dos artistas cristãos em verdadeiras obras que também devem transmitir a Beleza de Deus na forma de músicas, danças, pinturas e esculturas belas e harmonio104 www.revistapzz.com.br

sas, que possam levar as pessoas àquela sensação de Beleza, Paz e Harmonia de Deus, que vem do próprio Deus e que são repassados ao homem através de dons maravilhosos, não só da música e dança, como de outras formas artísticas como: a pintura, a escultura, o artesana-

desperdiça peças em madeira, troncos e raízes retorcidas, cipós e outros materiais, que quando os vê, logo imagina a forma que esses materiais vão tomar, em figuras variadas de animais, humanas, cenas do cotidiano e não só nas figuras comuns, mas também estilizadas. Algumas peças da arte de Ray Cardoso: Ray não desperdiça peças em Na ESCULTURA: imagens esculpidas em madeira, troncos e raízes retor- madeira e tamanho natural: Nossa S. de cidas, cipós e outros materiais, Nazaré, de Barcarena; Imagem de Nossa da Conceição (réplica da imagem peque quando os vê, logo imagina S. regrina dessa santa); imagem de Nossa a forma que esses materiais S. de Guadalupe; figura em madeira de Lampião, o Rei do Cangaço; grandes vão tomar, em figuras variadas quadros esculpidos em alto relevo em de animais, humanas, cenas do madeira mostrando paisagens, atividacotidiano e não só nas figuras des culturais locais, do cotidiano rural comuns, mas também estilizadas. (Casa de Farinha, trabalho com tipiti, Aturá, árvores e palmeiras estilizadas) e to, a poesia, o canto e tantas formas em portas e janelas trabalhadas em alto reque o homem pode manifestar a Beleza levo em madeira; várias obras em pedra e a Harmonia que vêm de Deus. e cimento, como o famoso “Plantador de Ray, em sua arte, procura retratar a cul- Cana Verde”. tura geral de Abaetetuba, especialmente a cultura religiosa e a rural. Ray não POR ADEMIR ROCHA


Ray CARDOSO,

Ray, em sua arte, procura retratar a cultura geral de Abaetetuba, especialmente a cultura religiosa e a rural.

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ARTES PLÁSTICAS

MARCELO VAZ Por influência de suas origens interiorana e paixão pelos elementos naturais, expressa em cor e forma sua admiração e indignação pelo meio ambiente, o sistema de interrelação do ser humano com o meio e sobre tudo com a vida.

N

ascido em 10 de setembro de 1984, em Abaetetuba (nordeste do Estado do Pará), filhos dos abaetetubenses ribeirinhos Lúcio Feio Lopes e Matilde Vaz Lopes. Desde pequeno apresentou interesse pelas artes plásticas e ao processo de criação. Com o perfil criativo intelectual e artístico identificado na escola pública de ensino fundamental, participou de atividades artísticas do projeto de ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO no município de Abaetetuba. Ainda jovem iniciou o curso de Desenho Artístico e Publicitário (em 1999)

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no Instituto Padre Reus, sendo aluno de Jorge Bueno em 2006. Cursou Graduação em Ciências naturais pela UEPA em 2007, Especialista em Gestão Ambiental pela Faculdade de Educação Montenegro em 2011. Designer de Interiores pela UNAMA 2015. Por influência de suas origens interiorana e paixão pelos elementos naturais, expressa em cor e forma sua admiração e indignação pelo meio ambiente, o sistema de interrelação do ser humano com o meio e sobre tudo com a vida.

Com o perfil criativo intelectual e artístico identificado na escola pública de ensino fundamental, participou de atividades artísticas do projeto de ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO no município de Abaetetuba.


marcelo vaz,

Por influência de suas origens interiorana e paixão pelos elementos naturais, expressa em cor e forma sua admiração e indignação pelo meio ambiente, o sistema de interrelação do ser humano com o meio e sobre tudo com a vida.

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ESPETÁCULO /MÚSICA

Ademir Rocha

A GUITARRADA DE

SOLANO

Solano é pouco reverenciado fora de seu reino. A guitarra de Solano é imune a egos alterados, limpa de efeitos e transparente de técnica. Nada de distorções, nada de velocidade. Sua guitarrada é assim, uma música essencialmente instrumental e vibrante, pensada para fazer o baile ferver com o som puro de uma Gibson, uma Fender, uma Yamaha japonesa ou uma Condor brasileira.

S

e o Rio Mississippi cortasse o Pará e em suas margens brotasse cupuaçu em vez de algodão, blues seria só festa e BB King, um caboclo chamado Mestre Solano. Aos 72 anos, 60 de carreira, 17 discos lançados, só Deus sabe quantos vendidos, Solano é um totem pouco reverenciado fora de seu reino. Instituiu no final dos anos 70 a guitarrada, uma música tão brasileira e saborosa quanto o açaí, chamada assim a partir dos anos 90, quando sua progenitora, a lambada, entrou em decadência. Solano com sua Gibson, uma das quatro guitarras que possui (da mesma marca de Lucille, a menina dos olhos de BB King), acaba de lançar o mais cuidadoso álbum de sua discografia. Como só agora teve dinheiro de uma empresa patrocinadora, a Natura, honrou cada centavo. Mestre Solano - O Som da Amazônia tem 13 temas do guitarrista paraense, sete deles inéditos. Conta com outro hábil das seis cordas do Amapá, Manoel Cordeiro (pai do cantor Felipe Cordeiro), na faixa As Belezas do Marajó. E com o grande violonista de Santarém Sebastião Tapajós, que protagonizou a rara cena de deixar suas terras e ir a Belém apenas para gravar o tema que fez ao amigo, Rei Solano. A guitarra de Solano é imune a egos alterados, limpa de efeitos e transparente de técnica. Nada de distorções, nada de

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velocidade. Sua guitarrada é assim, uma música essencialmente instrumental e vibrante, pensada para fazer o baile ferver com o som puro de uma Gibson, uma Fender, uma Yamaha japonesa ou uma Condor

A guitarra de Solano é imune a egos alterados, limpa de efeitos e transparente de técnica. Nada de distorções, nada de velocidade. Sua guitarrada é assim, uma música essencialmente instrumental e vibrante, pensada para fazer o baile ferver com o som puro de uma Gibson, uma Fender, uma Yamaha japonesa ou uma Condor brasileira. brasileira. O tema é apresentado primeiro, geralmente sobre uma base rítmica de carimbó, bolero, lambada ou brega - o que no Norte não tem carga pejorativa nem é sinônimo de Reginaldo Rossi. E o improviso vem depois, mas não com o efeito vulcânico do blues. Cada frase pensada sobre as harmonias primitivas têm vida própria, como se fossem novos temas. Solano chegou até aqui se equilibrando em épocas de seca e dias de glória. Gravou

seus primeiros três discos pela Continental, ainda decodificado pelo Sul e Sudeste como um “cantor brega”. Seguiu depois para a Atração e RGE até desaguar no amazônico leito dos independentes. Sua vitória maior foi com Ela É Americana, de 1975, regravada por Dorgival Dantas, Aviões do Forró, Alípio Martins e Arnaldo Antunes. Se fosse BB King, estaria milionário. “Os vendedores diziam que não davam conta de repor meu disco nas lojas. Este com Ela É Americana deve ter vendido demais, acho que mais de 200 mil cópias”, ele calcula. Sua história melhor se deu dentro de uma prisão. Se fosse BB King, já teria seu filme. Fim de semana na penitenciária de Belém, 1970. Solano fazia um show para os detentos, que em dias de festa andavam livres pelo pátio central. Quando terminou a terceira ou a quarta música, um deles se aproximou. Era Denizar, homem perigoso de Abaetetuba, mesma cidade de Solano, no interior do Pará, condenado por matar um cabra e esfaquear outro. Como a justiça dos homens já o condenara, restava a Solano estender-lhe a mão. No meio da conversa, Denizar o surpreendeu. “Se você quiser, eu te faço uma guitarra muito melhor do que essa sua aí.” Solano aceitou meio que duvidando. As mesmas mãos que tiraram a vida de um homem seriam capazes de esculpir uma guitarra melhor


FOTO: bruno pellerin

que a dele? Meses depois, a encomenda estava pronta. Solano voltou à penitenciária e lá estava sua prometida: uma belezura de três captadores, cor de vinho, máscara preta e esculpida no cedro. “Com o tempo, acabei vendendo o instrumento. Como me arrependo”, diz ainda Solano. As sementes da guitarrada chegaram ao Brasil pelo radinho de pilhas Sharp de três faixas que o menino Solano ouvia ainda em Abaetetuba. Quando tentava sintonizar as emissoras de Belém, seguia de chiado em chiado até pescar uma cumbia colombiana, um bolero dominicano ou um calipso hondurenho. Em vez de emissoras brasileiras, os rádios do Norte sintonizavam as ondas saídas das antenas do Caribe. “Foi assim que começamos esse estilo aqui no Pará. E digam o que quiser: assim como o axé é da Bahia, a guitarrada é 100% paraense.” Assim como o blues é de BB King, a guitarrada é de Mestre Solano. GUITARRADA, é um estilo musical instrumental do Pará surgido no início da década de 1970, que mistura o choro, o carimbo, o merengue, o maxixe, a cúmbia e a lambada, em uma mistura de ritmos que leva a guitarra ao papel principal da composição. As maiores expressões da guitarrada são os mestres Vieira , Curica e Aldo Sena. Em Abaetetuba temos o Mestre Palheta, na localidade Abaetézinho, que nada fica a dever aos grandes nomes da Guitarrada do Pará e esse mestre se apresentou na XXXI Semana de Arte e Folclore, acontecida recentemente na cidade. Em Abaetetuba os rítmos lambada e guitarrada eram e ainda são muito tocadas nas residencias locais e dançadas nas festas e, principalmente, na quadra junina, quando os brincantes se esmeram em executar coreografias variadas ao som desses alegres e vibrantes rítmos musicais. Os discos CDs de lambada e guitarrada são fartamente vendidos por camelôs da cidade nas vozes dos cantores e grupos musicais do Pará.

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ESPETÁCULO / TEATRO

ENCEN’ART

O grupo Encen’art foi criado desde 2008 e resiste artisticamente em Abaetetuba. O grupo vem andando sozinho com seus próprios recursos e usa material reciclado. Mantém com vigor e arte um sonho envolvendo artes, música, canto dança, encenação

O

grupo Encen’art foi criado no dia 28/11/2008 em Abaetetuba e fundada por dois professores” de dança de Salão: Marcelo Nóbrega e Sônia Seixas e o professor de dança contemporânea, Dyego Santos. Em um desafio imposto por Dona Rosa Carvalho que por 3 anos apoiou através de projetos feitos por ela. Logo depois, o grupo vem andando sozinho com seus próprios recursos, pois o grupo não trabalha mais com patrocínio, trabalham com apoios e doações feitas com material descartado da quadra junina de Abaetetuba e entre outros. Confessa que é muito difícil. Antes era uma utopia muito longe do alcance de suas mãos, mas a vontade de manter o sonho é maior. O grupo mistura todas as artes no palco, música, canto, dança, encenação. As danças, trajes, adereços, textos e letras das paródias foram produzidos cuidadosamente por Sônia, Marcelo e com a ajuda dos in-

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tram uma nova versão em Pastorinhas “O nascimento de Jesus”. O fundo histórico principal de nossa pastorinhas foram baseadas nas pastorinhas de Cametá e tranformada em uma nova versao por Sonia Seixas. Ao longo desses 8 anos se apresentaAo longo desses 8 anos se apre- ram em comunidades dentro e fora do sentaram em comunidades dentro município. Na capital, em Belém se apreno Memorial dos Povos, Teatro e fora do município. Na capital, sentaram Claudio Barradas, Teatro Matgarida Schiem Belém se apresentaram vasappa, Praça Batista Campos, Portal da Amazônia e muitos outros. no Memorial dos Povos, Teatro “Não temos a pretenção de dizer que Claudio Barradas, Teatro Matga- somos os melhores. Mesmo sem formarida Schivasappa, Praça Batista ção, nos doamos de corpo e alma ao pouco tempo que temos e a nossa dedicação é Campos, Portal da Amazônia e um amor incondicional às artes, tranformuitos outros. mando assim nossa vida e a vida de muitos, deixando para o futuro um pouco de vens e adolescente senhoras crianças se cada um de nós do Encen’art” afirma o ditransformam em personagens natalinos retor do Grupo. e numa história engraçada e cultural mostegrantes do grupo. As melodias cantadas, 70% são paródias 30% são criadas e feitas com muitas dificuldades, mas isso também nunca foi barreira para prosseguir. Todos os anos no período do natal, jo-


FOTO: leonora lagos

ENCEN’ART O grupo mistura todas as artes no palco, música, canto, dança, encenação. As danças, trajes, adereços, textos e letras das paródias foram produzidos cuidadosamente por Sônia, Marcelo. www.revistapzz.com.br 111


ESPETÁCULO / CORDÃO

CORDÕES DE PÁSSARO

Entre as manifestações culturais locais, destacam-se os Grupos de Bois-Bumbás, Pássaros e Quadrilhas, Carimbó e Pastorinhas, também compõem o universo das manifestações culturais do município de Abaetetuba. Já em sua sexta edição, o Festival de Cordões Juninos vem se consolidando como um dos maiores eventos de Abaetetuba, sendo incluído no calendário cultural da cidade.

E

ntre as manifestações culturais locais, destacam-se os Grupos de Bois-Bumbás, Pássaros e Quadrilhas, Carimbó e Pastorinhas, também compõem o universo das manifestações culturais do município de Abaetetuba. Já em sua sexta edição, o Festival de Cordões Juninos vem se consolidando como um dos maiores eventos de Abaetetuba, sendo incluído no calendário cultural da cidade. Essa festa popular, é promovida pela Prefeitura sob a coordenação da Secretaria de Assistência Social. É feito um trabalho que resgata uma das tradições

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Entre as manifestações culturais locais, destacam-se os Grupos de Bois-Bumbás, Pássaros e Quadrilhas, Carimbó e Pastorinhas, também compõem o universo das manifestações culturais do município de Abaetetuba. Já em sua sexta edição, o Festival de Cordões Juninos vem se consolidando como um dos maiores eventos de Abaetetuba, sendo incluído no calendário cultural da cidade.

culturais mais lindas do município. As apresentações lotam a praça da Matriz com aproximadamente quinze mil pessoas. Esse ano, dez cordões juninos subiram ao palco, levando a arte produzida pelos usuários dos Centros de Referência da Assistência Social-CRAS - da cidade, ilhas e localidades da estrada. Entre eles o Cordão do Boi Pingo de Ouro, Cordão da Arraia, Cordão do Boi Campineiro do Rio Parurú, Cordão do Mapará, Cordão do Papagaio do Rio da Prata, Cordão do Uirapuru, Cordão da Arara Encantada, Cordão do Pavão, Cordão do Boi Pai do Campo Ribeirinho, Cordão da Andorinha.


FESTIVAL o Festival de Cordões Juninos vem se consolidando como um dos maiores eventos de Abaetetuba, sendo incluído no calendário cultural da cidade.

O festival foi criado em 2010, como uma ação do Serviço de Fortalecimento de Vínculos dos programas socioassistenciais. Ao mesmo tempo em que resgatamos a tradição dos cordões, contribuímos para a integração dos centros de referência, dos CRAS, além de abrir espaço para que a cultura popular feita nos locais mais distantes da sede do município ganhem visibilidade. O Festival de Cordões Juninos do ano passado teve como tema central a erradicação do trabalho infantil. Em todas as apresentações, o assunto foi abordado como parte dos enredos. O público recebeu cartões vermelhos, com os quais participavam de sorteios e, principalmente, manifestavam sua adesão à causa, movimentando os cartões nos intervalos dos espetáculos. Através dessa poderosa ferramenta que é a arte, você ensina aos nossos jovens a arte, o respeito aos idosos, a valorizar o resgate da nossa cultura. Sem contar que aqui temos uma mistura de arte, de valorização da cultura e até de geração de renda. A praça vira um verdadeiro arraial, com venda de comidas típicas e outros produtos. Um espetáculo emocionante onde tantas famílias vem à praça, como nos velhos tempos dos antigos cordões.

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ESPETÁCULO / CARNAVAL MÚSICA

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FOTOs: manoel negrão

FOLIA MULTI CULTURAL Uma festa de todos para todos em abaetetuba. De fato, pode-se ver neste carnaval diversos grupos de brincantes, cada um com sua especificidade, mas todos, imbuídos da responsabilidade de fazer um Carnaval de Paz. Escola de Samba, blocos infantis, blocos de amigos e familiares, os grandes Blocos de Trio, o Bloco dos Sujos que mobilizou todo o município, e, na culminância do carnaval, as Virgens.

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ESPETÁCULO / CARNAVAL

Arthur Ghuma

G

EI SUJO!

rita um espectador da arquibancada para um grupo de brincantes pintados, que se dirigia para a concentração do Bloco Kanto Nu Xadrez, para além do terminal rodoviário. O fato é que desde a manhã da segunda feira do carnaval, dia 16 de fevereiro, via-se em todos os cantos da cidade, uma movimentação de pessoas sujas, aleatoriamente, de tinta. Milhares de pessoas, homens, mulheres e até crianças ritualisticamente se preparavam como reminiscências indígenas- para a grande batalha contra a tristeza. Este Bloco se caracteriza como o ponto alto do carnaval abaetetubense. De fato, há quase quarenta anos, quando foi criado o Kanto Nu Xadrez, na época sem o peso cultural que agora representa, este grupo de brincantes só fez crescer em número de participantes (mais de 20 mil). Deixou de ser de um 116 www.revistapzz.com.br

grupo particular que se pintava no carnaval, para ser uma expressão coletiva de pertencimento. Democrático, reúne na sua multidão todos os tipos hu-

Aquela massa humana de pintados ou sujos de tinta preenche todo o espaço público do carnaval, e a avenida é pintada de escuro, mas, uma escuridão brilhante e luminosa (proposital o paradoxo) que ilumina todo o percurso com a singularidade colorida do abaetetubense. manos do município, independente de classe social, credo ou profissão. Neste momento de celebração popular, estes brincantes se apropriam da alma coletiva da cidade, sua cultura, revelando

peculiaridades do temperamento da sociedade na construção da sua história, onde a individualidade se perde na expressão coletiva. Um auto reconhecimento cultural para com seus próprios valores. O padrão estético herdado do europeu se dilui na rebeldia amazônica. Aquela massa humana de pintados ou sujos de tinta preenche todo o espaço público do carnaval, e a avenida é pintada de escuro, mas, uma escuridão brilhante e luminosa (proposital o paradoxo) que ilumina todo o percurso com a singularidade colorida do abaetetubense. E o espectador sai com a cara lavada, vitorioso na guerra contra a tristeza. Abaetetuba tem razão ao pintar seus alegres brincantes no carnaval como faziam as tribos indígenas antes das batalhas. A tradição está sendo construída a cada ano, e é neste caldo que o indivíduo desvela seus desejos, seus sonhos de “bem estar”, sua afirmação


no âmbito da sociedade em que está inserido, tendo a cultura não como um produto, mais um direito. A gestão municipal de Abaetetuba ao reconhecer a pluralidade dos seus cidadãos, e das suas manifestações artísticas e culturais, possibilita o acesso das comunidades aos processos criativos e a divulgação dos seus saberes, através de políticas públicas que respeitam as diferenças e criam uma identidade cultural para a cidade. A cultura abaetetubense ganha a legitimidade que lhe é de direito, e é assumida como elemento agregador e ao mesmo tempo transformador. Assim, a Prefeitura Municipal de Abaetetuba não só cria condições adequadas para manifestações culturais como o Carnaval, o MiritiFest, a Quadra Junina, o Festival de Bois e Pássaros, o Verão de Beja, o Festival de Arte e Folclore, e o Círio da Conceição, mas também as promove, alçando-as como “orgulho” municipal ao extrapolar a divulgação das mesmas para além dos limites do município. A prefeita Francineti Carvalho disse certa vez que: “onde vou representando o Município, ou quando vou requisitar um benefício para Abaetetuba, levo sempre brinquedos de miriti como presente, e eles fazem muito sucesso.”

AS VIRGENS Salve o Prazer! Salve o Prazer! (Assis Valente) Um carnaval eclético e democrático como o de Abaetetuba, organizado pela Prefeitura Municipal, depois de ouvir a sociedade abaetetubense sobre como desejavam que acontecesse, permitiu uma festa sem acidentes, ou ocorrências fora da normalidade. Uma festa de todos para todos. De fato, pode-se ver neste carnaval diversos grupos de brincantes, cada um com sua especificidade, mas todos, imbuídos da responsabilidade de fazer um Carnaval de Paz. Escola de Samba, blocos infantis, blocos de amigos e familiares, os grandes Blocos de Trio, o Bloco dos Sujos que mobilizou todo o município, e, na culminância do carnaval, as Virgens, que maior em número de brincantes que o dos Sujos, levou três horas para atravessar a avenida. As Virgens de Abaetetuba encheram de alegria e prazer o circuito carnavalesco, levando azaração, paqueras e tudo mais. Este Bloco, também anárquico e sem cordão trouxe para o circuito a irreverência e o deboche onde os homens transvestiram-se de mulheres e as mulheres em homens. Mais um dado positivo deste bloco é que ele, per si permite a participação de qualquer um. A incorporação dos automotivos ao carnaval, fez do desfile das Virgens uma aglomeração pulsante e viva de grupos de foliões, a maioria formada por amigos e ou familiares, cada grupo exibindo seu gosto musical, mas formando um conjunto único, o Bloco das Virgens, a versão muito particular do carnaval de Abaetetuba e que o distingue dos demais. Um carnaval para os abaetetubenses e para os que vem saborear o Melhor Carnaval do Pará.

ARTHUR GHUMA Nascido na Bahia, mora há mais de 10 anos em Abaetetuba onde trabalha e constitui família. Ghuma é poeta, designer gráfico e trabalha na Assessoria de Comunicação do Município.

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MEMÓRIA MÚSICA

ÚLTIMA SESSÃO

A

jovem morava na Praça da Bandeira, diante de uma enorme mangueira que sombreava generosamente o chão de terra batida. Chamava-se Ângela, de uma família que se mudou para Belém há muitos anos. Naquela noite banhara-se cedo para a dormida, jantara, escutara a novela no rádio, depois lera o catecismo. Durante a leitura, ouvira o rádio da vizinha, professora Carlaide, tocando boleros até tarde e sentira o odor de Glostora recendendo no ar frio e parado daquela noite. Adiante alguém usava um artimatica, perfumando-se talvez para um encontro noturno. Ângela ficou assim, absorta na leitura até que o grande relógio de pêndulo da sala bateu a meianoite. Fechou o catecismo, foi um instantinho na retrete, escovou os cabelos diante da penteadeira com espelho oval, trocou o vestido caseiro por uma camisola florida contemplando o reflexo da juventude seminua, atou a rede e deitou-se. Ainda ouvia o rádio da professora Carlaide tocando e embalavase lentamente ao som do Caribe. Raios distantes por vezes enfraqueciam a PRC-5 e ela contava os segundos antes 118 www.revistapzz.com.br

que o estrondo se fizesse ouvir nos trovões da noite fria. Ficou assim ainda um bom tempo, esperando o sono chegar e quando ele estava chegando, percebeu que os sons haviam mudado. Ainda ouvia música, mas era agora em surdina, com vozes e risos, como se houvesse uma festa. Tal percepção despertou-lhe do torpor do sono que chega e Ângela passou a prestar atenção. Parecia que agora havia uma grande e ruidosa festa por perto. Levantou-se, sentou na rede e ficou quieta, atenta. Todos na casa já dormiam, somente ela ainda acordada percebia os ruídos. Saiu pé ante pé e foi até a janela que dava para a rua. Abriu o grande e pesado ferrolho com cuidado, examinando a praça e... nada. Não havia ninguém na rua àquela hora. Jogou sobre os ombros um xale vermelho e assim mesmo, de camisola, abriu a porta e saiu. Caminhou um pouco pela calçada vazia, foi até a casa da professora e viu que ela estava completamente fechada e em silêncio. Certamente ali todos dormiam. Olhou para a praça e viu que ela estava envolta em um nevoeiro brilhante e fantasmagórico. De dentro dele vinham os sons. Tomada por uma curiosidade destemida, saiu caminhan-

do na direção dos ruídos. Chegou ao canto do cinema Imperador, onde um cartaz de faroeste ainda ilustrava a grande placa de madeira pendurada na parede que anunciava o filme da semana. Os sons vinham de lá de dentro. A cidade estava em silêncio, o cinema fechado, luzes apagadas, mas parecia que uma sessão estava em andamento lá dentro. Ruídos de tiros, cavalgadas, vozes em inglês, gritaria da plateia, aplausos, o ruído sonífero da máquina de projeção, Ângela ouvia tudo. Ficou por um bom tempo ali ouvindo, sentou-se na calçada, sozinha diante da cidade que dormia e sonhava. Sonhava com uma sessão de cinema, com a segurança noturna numa praça vazia, onde os únicos temores vinham do além. Quando finalmente compreendeu tudo, deu um sorriso e voltou para casa. Trancou a casa, deitou-se e dormiu tranquila. Abaeté do Tocantins, a eterna, estava ali naquela noite. Na praça da Bandeira, no Cinema Imperador, no faroeste, na gritaria, na molecada, na inesquecível sessão de cinema, aquela da qual até os mortos têm infinita saudade. JORGE MACHADO


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Foto: Rosa Gauditano

20 ANOS, O LONGO VOO PAN-AMAZÔNICO DAS LETRAS Ao tamanho que chegou e à abrangência que tem hoje eram inimagináveis há 20 anos, quando plantamos a semente da primeira versão da Feira. A rigor, muito mais do que uma exposição de títulos, ela é um encontro cultural de referência nacional e, até mesmo, internacional. Ou seja, ela é um espaço onde acontece as mais diversas trocas simbólicas que se aprimoram a cada ano, sem perder o caráter de uma feira de livros. Com uma dinâmica própria, estimulando as mais diversas linguagens artísticas e, em primeiro plano, o foco educacional, não reproduz e nem deixa a desejar aos mais notáveis e tradicionais eventos realizados no Brasil. Enquanto houver livros, e o que eles representam para tornar as pessoas melhores, haverá esperança para o entendimento entre os homens e a compreensão definitiva de que a terra é o país de todos. Paulo Chaves Fernandes

Escritora homenageada

Abertura - 27/5/2016 às 19h

Hangar - Belém - Pará

Amarílis Tupiassú

28/5 a 5/6/2016 - 10 às 22h

entrada franca

feirapanamazonicadolivro feiradolivro_pa

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www.secult.pa.gov.br

www.feiradolivro.pa.gov.br


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