Roteiro 281

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Ano XVII • nº 281 Setembro de 2018

R$ 5,90

Monstros sagrados Andrea Bocelli e Roger Waters são as grandes atrações da temporada musical




EMPOUCASPALAVRAS Rodrigo Ribeiro

“Se Deus aparecesse cantando, Ele teria a voz de Andrea Bocelli”, disse certa vez a cantora canadense Celine Dion. Alguém consegue discordar dessa afirmação? Pois é ele, o excepcional tenor italiano que no próximo dia 22 completa 60 anos, a estrela a alegrar a vida dos brasilienses, quatro dias depois, em apresentação única no Mané Garrincha. De outra vertente sonora, mas igualmente monstro sagrado da música mundial, Roger Waters, ex-líder da icônica Pink Floyd, também desembarca na cidade dia 13 de outubro para se apresentar no mesmo estádio. Razões suficientes, portanto, para ambos brilharem na capa desta edição. Todos os detalhes dos dois shows estão em Lendas da música internacional (página 22). Uma lenda também, mas da música brasiliense, recebe nesta edição as mais justas homenagens, prestadas pelo repórter Heitor Menezes. Joel Bello Soares é o decano dos pianistas eruditos da cidade. Aos 84 anos, segue lecionando, tocando e encantando plateias como a que recebeu nesta sexta-feira, 21, no CTJ Hall, da Casa Thomas Jefferson (706/906 Sul). Antes de seu recital foi exibido o documentário O pianista do sobrado, do alagoano Pedro da Rocha, sobre sua rica trajetória artística (página 20). Bem antes que a palavra diversidade adquirisse importância no meio cultural, Caio Fernando Abreu já empunhava a bandeira LGBT quando poucos se atreviam a enfrentar os preconceitos. O escritor gaúcho assumiu publicamente ser portador de HIV e traduziu toda a angústia de sua situação em histórias contadas com simplicidade, sagacidade, pitadas de humor e muito estilo. Na exposição Doces memórias, em cartaz no Museu da República, a vida e a obra desse escritor que morreu em 1996, aos 47 anos, poderão ser conhecidas em detalhes (página 30). Em nossa sessão mais salivante, trazemos três belas novidades em matéria de gastronomia italiana: Villapiana Massas Artesanais, na 310 Norte; Pastifício Ravioli & Cia, na 302 Sudoeste; e Pecorino Bar e Trattoria, no ParkShopping. Os dois primeiros, com propostas semelhantes de massas caseiras semiprontas para levar para casa e fazer bonito com as visitas, e o terceiro, uma cantina veramente italiana com toalhas xadrez e tudo o mais (página 6). Já que a Itália coloriu de verde e vermelho esta edição, eu me despeço cantarolando o primeiro sucesso do nosso tenor Andrea Bocelli: “Con te partirò, paesi che non ho mai, veduto e vissuto con te, adesso si li vivrò; Con te partirò, su navi per mari, che io lo so, no no non esistono più, con te io li vivrò...” Arrivederci e até outubro. Maria Teresa Fernandes Editora

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águanaboca

Massas artesanais como as produzidas pelo pastifício Ravioli & Cia, recentemente inaugurado no Sudoeste, são a marca registrada de três novas casas italianas.

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picadinho garfadas&goles pão&vinho dia&noite brasiliensedecoração graves&agudos diáriodeviagem galeriadearte luzcâmeraação crônicadaconceição

ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SHIN QI 14, Conjunto 2, Casa 7, Lago Norte – Brasília-DF – CEP 71.530-020 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Carlos Roberto Ferreira, com fotos de Luiz Franco e Kate Izor | Colaboradores Alexandre Marino, Alexandre Franco, Conceição Freitas, Heitor Menezes, Laís di Giorno, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Pedro Brandt, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá, Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle | Fotografia Rodrigo Ribeiro | Para anunciar 98275.0990 | Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares.

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2018 Múltiplas vozes. Vários talentos. Um único festival.

DE 25 A 28 DE OUTUBRO n o Te a t r o S e s c G a ra g e m ENTRADA FRANCA Vem aí mais um grande encontro para fomentar e valorizar a música autoral do Distrito Federal. Quatro dias de muita diversidade, muito talento e muitas vozes incríveis. Não perca!

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Pedro Santos

ÁGUANABOCA

O novo Pecorino

Três novos italianos casas especializadas em massas, todas com profundos vínculos com sua origem europeia e com promessas de manter as melhores tradições das cozinhas das nonas. Começamos pela Villapiana Massas Artesanais, onde Elô Mathias pratica, como se vê nas fotos abaixo, tudo o que aprendeu observando e ajudando a nona

POR LÚCIA LEÃO

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Pedro Santos

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á coisas que não custa lembrar. Uma delas é que as sociedades sempre se enriqueceram com os movimentos de idas e vindas dos povos pelo planeta. Não fossem os sabores e saberes dos árabes, gregos, espanhóis e franceses, que se estabeleceram por ali em diferentes épocas, a Itália não teria desenvolvido com tanta excelência e diversidade a que hoje é quase uma unanimidade no título de melhor gastronomia do mundo. E não fossem as hordas de imigrantes italianos que deixaram o país desde o final do Século 18, sua culinária não teria se espalhado pelos quatro continentes, se estabelecido marcantemente nas Américas e contribuído para criar outras identidades gastronômicas. Entre elas, a brasileira. Aproximando o foco, não fossem as andanças dos oriundi, descendentes dos imigrantes que se estabeleceram no Sul e Sudeste, Brasília não teria se tornado um dos principais polos da gastronomia italiana do país, posição que acaba de se fortalecer com a inauguração de três novas

Olinda Chechi à beira do fogão da casa simples da zona rural de Pérola do Oeste, no interior paranaense. Era um ritual cotidiano do preparo de massas e molhos tal e qual seus antepassados faziam na Itália e onde, sem tirar nem por, Elô aprendeu tudo o que sabe – e não é pouco! – sobre as artes e manhas do cozinhar. “Nunca


Rodrigo Ribeiro

frequentei nenhum curso de gastronomia”, conta, sem esconder o orgulho, a chef, cujo nome há quase cinco anos corre à boca pequena entre uma clientela privilegiada e faz a festa dos brasilienses amantes da boa pasta, que encomendavam seus pratos saídos diretamente de uma cozinha no subsolo da 309 norte. Agora, com a Villapiana de portas abertas, suas massas, molhos e carnes com receitas tradicionais estão disponíveis ao público em geral em embalagens da casa ou travessas do próprio consumidor. O cardápio tem mais de 30 opções de pratos prontos e massas pré-cozidas para finalizar em casa, onde se destacam os raviólis de vários sabores (entre R$ 17 e R$ 26), o tradicional nhoque, a lasanha de queijo gruyère ao molho de vinho (uma receita de família que é a vedete da casa), e o tortéi ao sugo (massa bem fina recheada de abóbora, típica da Serra Gaúcha, a R$ 19). Além da trattoria, o Villapiana dispõe de um sortido empório gourmet com mais de 200 itens, entre doces, condimentos, molhos, queijos e vinhos, a maior parte procedente de pequenos produtores gaúchos. A segunda novidade italiana na cidade também oferece produtos para serem degustados em casa. O pastifício Ravioli & Cia, uma iniciativa das empreendedoras Indianara Weisheimere e Daiana Paes – também de ascendência italiana –, abriu sua primeira loja no Sudoeste, no último dia de agosto, com o ambicioso projeto de, nos próximos 12 meses, ter uma rede de pontos de venda em vários locais da cidade. A proposta do esta-

Rodrigo Ribeiro

belecimento é oferecer não apenas as massas – seu carro-chefe, claro – mas também serviço completo para quem quiser servir em casa uma refeição italiana come dovrebbe essere (como deveria ser), com pratos e bebidas harmonizados, da entrada ao aperitivo final. “O cliente pode sair daqui com tudo pronto, não precisa ficar indo a um lugar e a outro... E também damos assessoria para ele montar uma refeição perfeita, harmonizada, com as entradas e sobremesas mais adequadas a cada prato, além dos vinhos e até dos aperitivos digestivos”, diz Indianara, advogada que faz sua primeira incursão no ramo da gastronomia com um serviço que ela diz que, como consumidora, gostaria de ter. “As pessoas têm cada vez menos tempo para se preocupar com detalhes e a qualidade do que vão servir, mas também não querem abrir mão deles, que fazem toda a diferença”. O cardápio, com 25 tipos de massas e sete de sobremesa, além de molhos, conservas e 40 rótulos de vinho, foi elaborado pelo chef italiano Orlando Giordan, que passou uma temporada no Brasil montando o projeto e preparando o chef Hector Fernandes, hoje no comando de uma equipe de 15 profissionais na cozinha industrial da Cidade dos Automóveis, de onde saem os produtos da Ravioli & Cia. Todos, segundo Indianara, preparados exclusivamente com farinha grano duro italiana e produtos selecionados, preferencialmente orgânicos. O preço das massas varia entre R$ 75 e R$ 80 o quilo e elas são porcionadas em

Rodrigo Ribeiro

Pedro Santos

A Ravioli & Cia produz delícias como o ravioli de salmão com limão siciliano e fiore de Nutella com molho de frutas

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ÁGUANABOCA embalagens desenvolvidas para conservar o produto por até 20 dias. A terceira novidade não é bem uma novidade: o Pecorino Bar e Trattoria, a tradicional casa de massas de origem paulistana que há cinco anos aportou na capital, acaba de abrir aqui a sua terceira unidade – as primeiras estão na 210 Sul e no Boulevard Shopping. “Acho que o brasiliense já conhece nosso trabalho e vem gostando cada vez mais da nossa cozinha”, diz Zito Silveira, o proprietário da marca, que em Brasília conta com o sócio-gestor Marcos Bezerra, responsável pelas três casas. O cardápio da nova filial brasiliense segue o da matriz paulistana, com opções de entradas, antepastos, massas, grelhados, risotos e sobremesas, entre pratos tradicionais da culinária italiana e algumas releituras. Destaque para o clássico ravióli de queijo de cabra com molho de tomates frescos (foto abaixo). Feito com massa de fabricação própria, é o mais pedido nos três Pecorinos. Com uma pegada aconchegante e também descontraída, o conceito do bar e trattoria é fazer uma releitura da tradicional cantina do país europeu com um toque de contemporaneidade, para que os clientes se sintam na Itália dos dias atuais, mas sem deixar de lado a tradição das toalhas de mesa xadrez e um cardápio recheado de massas, risotos, saladas, carnes e peixes.

Gastronomia

solidária

Pedro Santos

POR SÚSAN FARIA

Villapiana

310 Norte, Bloco D (3544.3796) De 2ª a 6ª feira, das 9h30 às 19h; sábado, das 9h30 às 18h.

Ravioli & Cia

302 Sudoeste, Bloco B (3344.0708) De 2ª a 6ª feira, das 9h30 às 20h; sábado, das 10 às 19h; domingo, das 10 às 14h.

Pecorino 8

ParkShopping (3967.1105) De 2ª a 5ª feira, das 12 às 23h; 6ª e sábado, das 12 à 1h; domingo, das 12 às 21h.

B

razólia – para quem não sabe, um apelido carinhoso de Brasília – dá nome também, desde o final de agosto, a um novo bar e restaurante da cidade. Arejado, aconchegante e com refeições e drinks especiais, tem mil metros quadrados, metade para servir ao público, metade para a retaguarda (cozinha, depósito, vestiários). Rústico e moderno, tem capacidade para abrigar mais de 300 pessoas e está próximo ao Palácio do Buriti, localização estratégica para funcionários de empresas públicas vizinhas e para quem mora ou trabalha no Sudoeste e no Noroeste. O Brazóila pertence aos empresários brasilienses Hélio e Éder Nogueira, proprietários dos restaurantes Santa Fé, no Jardim Botânico, e Basic, em Águas Claras, e do supermercado Santa Felicidade, em São Sebastião e Jardim Botânico. De família patureba (de Patos de Minas), os irmãos Hélio e Éder já empregam quase 600 funcionários nos cinco empreendi-

mentos. Dos 90 que estão no Brazólia, oito são venezuelanos, seis homens e duas mulheres, que trabalham como chefe de bar, barman, cozinheiros ou garçons. Nascido em Caracas, o chefe do bar do Brazólia, Emílio Pulgar, 30 anos, formado em Administração de Empresas Turísticas (de camisa vermelha na foto acima), começou a trabalhar aos 16 anos de idade e tem larga experiência profissional. Ele, um irmão e a mãe eram proprietários de uma empresa de turismo na Isla Margarita até 2012, quando o negócio ficou “inconstante e complexo, com a crise e a inflação altíssima”. A sociedade se desfez. O irmão foi para Londres e ele para Boa Vista, onde trabalhou em bares e boates. Sua mãe continua na ilha. Em conversas informais com Hélio Nogueira, durante três dias, Emílio ouviu a proposta, assistiu a vídeos do Basic e do Santa Fé e também soube que, caso o grupo venezuelano não correspondesse às expectativas, não ocuparia as funções. Não resistiu. Convidou sete conterrâneos


Franco Bachot. O projeto arquitetônico é do brasiliense Leo Lucar. O self-service funciona de segunda a sexta, no almoço, com carnes premium assadas na brasa, como picanha, bife ancho e bife de chorizo, além de carnes brancas, pratos vegetarianos e grande variedade de saladas. Pode-se pedir pratos individuais à la carte, durante o almoço ou à noite, como o bacalhau ao azeite com arroz, batata, tomate e ervilhas (R$ 59) e a salada Brazólia, com frango empanado, mix de folhas, palmito, cenoura, brócolis, couve flor, cebola, tomate seco, azeitonas, molho pesto e molho especial (R$ 35). Nos finais de semana há os pratos-fa-

Brazólia Cozinha e Bar

SGON, Quadra 3, Lojas 225/243 (3344.7399). Diariamente, das 11h30 às 2h. Fotos: Divulgação

qualificados para trabalhar no Brazóila – a maioria da Isla Margarita. Receberam as passagens e chegaram juntos. Hoje, vivem em dois apartamentos próximos ao restaurante. Como os demais empregados da casa, os venezuelanos têm horários e direitos trabalhistas garantidos. Eles mandam pequena parte de seus salários para familiares que continuam na Venezuela. “A proposta aqui é diferente, numa cidade maior. Não culpo Boa Vista pelos conflitos. Há dois anos, éramos poucos lá. Fui abençoado e bem acolhido”, afirma Emílio. Sua amiga Dariannys Jimenez, 27 anos, trabalha na confeitaria do Brazólia. Está há quase três anos no Brasil, primeiro em Boa Vista, depois em Florianópolis. Deixou os pais e cinco irmãos na Venezuela: “Gostaria muito de estar com eles. Não conheço meu irmão menor, de um ano e sete meses. Sou feliz e triste ao mesmo tempo”. Dia após dia, ela e os compatriotas têm que deixar a tristeza de lado para que, a partir das 11h30, esteja plenamente abastecido o bufê da casa, com 70 pratos quentes e frios, além de carnes nobres na chapa (R$ 69,90 o quilo). Depois, à tardinha, inicia-se a happy hour, com DJ no embalo do axé, rock ou sertanejo e chopinho a R$ 2,99. Inaugurado em 28 de agosto, o restaurante/bar exibe referências da capital, como a fachada de cobogó azul e fotos de ipês e monumentos da cidade. As mesas são de madeira, vindas de Curitiba, da

mília, acompanhados de saladas e com desconto de 30% até o final de setembro. Entre eles, a picanha com arroz, feijão tropeiro, batata frita, farofa e vinagrete (R$ 169) e o filé de tilápia com arroz branco ou brócolis e purê de batata (R$ 110). São refeições que servem de três a quatro pessoas. O suco de 500 ml (de laranja ou de qualquer outra fruta) custa R$ 12,90. De sobremesa, creme de papaia, petit-gâteau (ambos a R$ 15) e pudim de leite (R$ 10). O Brazólia serve também petiscos como o Santo Chorizo, dois medalhões de chorizo de 200g cada, com fatias de tomate e cebola roxa (R$ 59), e o presunto parma com fatias de melão, molho de mostarda dijon e limão siciliano (R$ 39). Há várias opções de bebidas caribenhas, cervejas, energéticos, caipiroscas, caipirinhas, proseccos e shots (bem alcoólicos, servidos em pequena quantidade), além de uma variada carta de vinhos. Poucos dias antes da inauguração, o Brazólia ofereceu almoço, com bufê completo, para 120 estudantes do Centrão, escola pública de São Sebastião, funcionários da casa e os que trabalharam na obra do restaurante. “Acreditamos que a inclusão deve ser feita em todas as esferas, inclusive na área gastronômica”, explica Hélio Nogueira. “É a nossa forma de dizer muito obrigado a quem nos ajudou”. Sobre os venezuelanos, acrescenta: “São dedicados, cultos, falam duas ou três línguas”.

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ÁGUANABOCA

Bar das antigas POR VICENTE SÁ FOTOS LÚCIA LEÃO

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eza a lenda que entre as instituições brasileiras mais respeitadas estão o boteco e o restaurante familiar. Pois é sabido que, desde sempre, os restaurantes e os bares são ponto de encontro de amigos, de confraternização entre colegas de trabalho, ambiente ideal para o almoço da família, no final de semana. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), eles já são mais de um milhão no Brasil e desse total 99% são pequenos ou micro empreendimentos, ou seja, os conhecidos botecos e restaurantes familiares. As duas entidades, não raramente, se confundem e se misturam. É o caso do Amigão Bar e Restaurante, da 506 Sul, que nos últimos 37 anos tem se mantido firme e forte, servindo uma comida trivial e honesta acompanhada de cerveja bem gelada, com uma equipe de garçons que atende com presteza e deixa os clientes, inclusive os novos, se sentindo membros da diretoria. Como um bom sobrevivente, o Amigão já passou por crises políticas e econô-

micas diversas, sempre apoiado em uma clientela fiel e que vem se renovando nos últimos anos. Nestes tempos em que restaurantes consagrados estão fechando as portas ou reclamando da ausência de clientes, o Amigão dá sinais de vitalidade, aumenta suas instalações e capacidade de atendimento e abre uma filial em Águas Claras. Qual seria o segredo dessa longevidade e, agora, desse fortalecimento? À frente do Amigão há 26 anos, Ru-

bens Arake (na foto acima) acredita que o atendimento especial oferecido por sua equipe, unido ao tempero tradicional mantido todos estes anos e à preservação do mesmo cardápio, são motivos suficientes para o sucesso da casa. “As pessoas vêm aqui já querendo comer um prato e sabem que vão encontrar igualzinho ao que comeram da vez anterior. Essa segurança é importante. E quem vem pela primeira vez, se gostar, volta”.

Romeu (centro), o garçom mais antigo da casa, com os colegas Davi e Fernando.


E volta, agora, para uma casa com mais espaço, pois o Amigão cresceu, adquiriu a loja ao lado e a transformou em um amplo salão com 80 lugares, que vieram se juntar aos antigos 60. As filas de espera, se não cessaram, pelo menos diminuíram. O veterano jornalista Carlos Henrique de Almeida Santos, conhecedor de muitos e muitos espaços gastronômicos da cidade, é cliente cultuado do Amigão e indica o joelho de porco para os iniciantes. “É, para mim, o grande prato da casa, e sem dúvida alguma o melhor joelho de porco da cidade“, garante. E sua indicação parece ser seguida por muitos, pois são vendidos, em média, 40 joelhos todos os dias, de segunda a sábado, a R$ 87,50 o prato para duas pessoas. Outros pratos que têm grande aceitação são o filé a cavalo (R$ 78), o filé parmegiana (R$ 79) e o chambaril (R$ 58,50), sem esquecer a respeitada feijoada das sextas e sábados (R$ 79,50). Sem música ao vivo ou mecânica e sem televisão, o Amigão é um bar à moda antiga: para beber, comer e conversar. “Assistir televisão é bom em casa, no sofá; aqui é lugar para os clientes se confra-

Carlos Henrique (à direita) com Raimundo Cerqueira Júnior: o Amigão serve o melhor joelho de porco da cidade.

ternizarem, trocarem ideias, fazerem amigos. É pra isso que serve o bar”, diz Romeu, o garçom mais antigo da casa. Fernando é outro titular absoluto da equipe e peça fundamental para garantir o sucesso no dia a dia da casa. Considerado por muitos fregueses como um dos melhores garçons da cidade, confessa que gosta muito da atmosfera do Amigão, da cumplicidade com os clientes: “Aqui, nós conhecemos muito bem nossos fregueses, sabemos do que eles gostam e até indicamos, de acordo com o estado de espírito, um tipo de bebida ou um prato. Isso não é comum em outros restaurantes”.

O simpático ambiente, assemelhado aos botequins do Rio de Janeiro dos anos 50, também ajuda, trazendo certa tranquilidade e paz de espírito aos clientes, garante Raimundo Cerqueira Júnior, freguês há mais de dez anos. Reza também a lenda que todo brasileiro torce por um time de futebol, tem uma escola de samba preferida e um botequim com seu prato predileto. Caso o leitor ainda não tenha o seu botequim preferido, fica aqui a dica. Amigão Bar e Restaurante

506 Sul, Bloco B, com entrada pela Avenida W2 (3244.1109). De 2ª a 6ª feira, das 11 às 22h15. Sábado, das 11 às 17h.

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PICADINHO

TERESA MELLO

picadinho.roteiro@gmail.com

Dá gosto admirar os 39 ambientes espalhados em 5 mil m2 na antiga Casa da Manchete, projetada por Oscar Niemeyer nos anos 1970. Um deles abriga o Libertad, restaurante oficial da 27ª edição da Casa Cor, assinado pela arquiteta Renata Dutra. No local, o chef peruano Marco Espinoza, do Taypá, com 18 anos de profissão, aproveita a essência do nome para criar sem amarras: “É um cardápio livre, sem um selo, uma proposta mais descontraída”, define. Um dos pratos de impacto é esse polvo escuro (polvo e mandioca com molho de tinta de lula e creme de pimentão ao carvão). Entre os principais estão também criações com cordeiro (pernil, purê de quinoa e batata) e outras preparadas na brasa, como o filé mignon com molho de queijo defumado e risoto de cogumelos; o churrasco com fritas trufadas com queijo grana padano; e o peixe com arroz cremoso. Fois gras e rollo de caranguejo são destaques nas opções de entrada, e o alfajor de chocolate com creme de pistache e sorbet é uma boa pedida para a sobremesa. Completam a gastronomia do evento a confeitaria e padaria alemã Bäckerei, de Mac Marques (da Galeria Karim, 110/111 Sul), e o Finitura, de Narciza Leão e André Amorim, um lounge bar especializado em gin. Visitação até 30 de outubro, de terça a sexta, das 15 às 22h, e fins de semana e feriados, das 12 às 22h. Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).

Bombom suíno

Tem café no prato Gui Teixeira

Pipotapas entra na primavera cheio de novidades. Em funcionamento desde abril e com capacidade para 50 pessoas, o gastrobar na 408 Norte (esquina do Bloco A, tel. 98375.2233) incorpora novos pratos ao cardápio. Entre os destaques criados pela chef Fátima Rolim estão as bruschettas de bacalhau e mel (bacalhau sobre crostini de pão com tapenade de azeitonas pretas e fio de mel, a R$ 28); os bombons suínos na colher da foto abaixo (lombinhos sobre picles de beterraba com wasabi e azeite trufado, também a R$ 28); e os pastéis de gorgonzola com geleia de abacaxi, preparados em fritadeira sem óleo. Permanecem no menu os sanduíches, entre eles o Tapa Burguer (R$ 33) e o Duxelles, opção vegetariana à base de cogumelos salteados em manteiga ghee, pesto de tomate seco e picles de pepino. Quem gosta de doce está bem-servido: há postre no pote (farofa de biscoitos com amêndoas tostadas, creme de queijo mascarpone e coulis de frutas vermelhas, a R$ 25) e ganache de chocolate com pipoca picante, por exemplo. A carta de bebidas oferece vinhos e cervejas, como a Estrela Galícia 500 ml (R$ 14), a Sul Americana e a Corona extra-long neck, além de drinques clássicos e autorais a cargo de Brigitt Bovary.

Até as 4 da manhã

Karina Zambrana

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Marca queridinha do brasiliense, o Café do Sítio investe em marketing para tornar os produtos premium ainda mais conhecidos. É o caso da linha de grãos Speciale Espresso, destinada ao setor de bares e restaurantes. Por isso, até 4 de outubro a cidade recebe um festival gastronômico do qual participam 11 restaurantes, obedecendo a um critério: menu de três pratos, sendo que dois deles com toques de café. Prepare-se. No almoço e no jantar, você pode provar as criações nos seguintes locais: Cantucci, Carpe Diem, Dom Francisco da Asbac (foto), Dolce Far Niente, Empório Árabe, Loca Como Tu Madre, Martinica Café, MaYuu Sushi, Pinella, Santé 13 e Ouriço. Com preços entre R$ 52 e R$ 69, o 1º Festival Gastronômico Momento Speciale pretende se fixar na capital, assim como ocorreu com o Café do Sítio. Em 1967, o casal maranhense Teones e Antônia Barbosa comprou a antiga fábrica no Núcleo Bandeirante. Hoje, na sede do Pistão Sul, filhos e netos trabalham na empresa de gestão familiar: “Vamos mostrar como o grão pode ser explorado de diferentes maneiras, seja como bebida, seja como base de molhos, e saborizar recheios e massas”, diz o diretor comercial e de marketing, Ricardo Barbosa, neto de Dona Antônia.

Existem 16 aparelhos de TV no Buddy Bar, inaugurado há três meses na 413 Sul (Bloco A, tel. 3547.2636) e inspirado no conceito norte-americano de sports bar. Há sinuca e fliperama no andar superior, um pub no subsolo e jardim vertical no térreo, projeto da arquiteta Luciana Canalli. Costelinha suína, molho barbecue, burgers e batatas fazem parte da gastronomia temática criada pelo consultor Tonico Lichtsztejn e dividida em assados, grelhados e sanduíches. “Para quem vai comer comida norte-americana, um bom barbecue é um diferencial”, lembra o chef, autor do molho feito com rapadura, café e Budweiser, que acompanha a costelinha — assada durante seis horas em baixa temperatura e temperada com pápricas doce, picante e defumada, além de pimenta-caiena. Já a carta de bebidas, assinada por Rinaldo Honorato, tem entre os destaques os coquetéis G&T (gin, xarope de hibisco, amora, limão-siciliano, espumante rosê e água tônica) e Buddy Bar (vodca, xarope de mirtilo, suco de cranberry, amora e espumante brut). Com capacidade para 150 pessoas, a casa funciona até as 4h da manhã. De terça a quinta, abre às 17h; de sexta a domingo, ao meio-dia.

Rayan Ribeiro

Fabricio Rodrigues

Liberdade na Casa Cor


Agência Joy

Banquete sensorial Uma degustação em até 20 etapas na qual você não precisa escolher nada. Tudo o que chega à mesa fica aos cuidados do chef. É a tradução de omakase, praticada no novo Sushi San Experience (106 Sul, Bloco C, tel. 3345.1804). “Muitos clientes chegam em dúvida do que pedir”, percebe Edu Viana (foto). “Preparamos um menu especial com pratos campeões de elogios, novidades e iguarias como o foie gras e o crab [caranguejo].” Depois de o cliente informar sobre restrição ou preferência alimentar, começa a sequência de 10, 15 ou 20 surpresas (R$ 100, R$ 140 e R$ 180 por pessoa). “Queremos que todos tenham experiências únicas, que agradem não somente ao paladar, mas também aos olhos”, completa a sócia Daniely Brito. O brasiliense só precisa decidir mesmo onde se acomodar: no térreo, o local sofisticado, com arquitetura de André Alf, oferece mesas tradicionais e sushi bar; no piso superior, tatames. Para ter uma ideia da degustação, você pode passear pelo extenso cardápio de entradas, carpaccios, pratos quentes, veganos, temakis, sushis, contemporâneos e sobremesas em www.sushisan.com.br .

Confit de pato

Orgânicos no shopping Uma feira com cerca de 50 tipos de itens da Associação dos Produtores Orgânicos do Bioma Cerrado (Agro Orgânica) vai ocupar o estacionamento externo do CasaPark Shopping neste sábado, 22. É a 1ª Casa Orgânica, evento previsto para ocorrer todo sábado, das 8 às 14h. Haverá bancas de hortifrútis, tudo fresco, com certificado e de qualidade. Além disso, estarão à venda artigos especiais, como mel, queijo, café, leite, iogurte, manteiga e azeite. “Será importante para os produtores, assim como uma oportunidade para o consumo de alimentos cultivados com respeito aos aspectos socioambientais”, avalia o diretor financeiro da associação, Eber Diniz. Criada no Lago Norte, a Agro Orgânica reúne cerca de 80 produtores em locais do DF e de Goiás, como Paranoá, Sobradinho, Vargem Bonita, Alexânia e Formosa.

Na agenda pra você 22 de setembro: Feijoada do Café Musical, a partir do meio dia, na área externa do Clube do Choro, com samba de raíz, afoxé, samba de roda e MPB na voz da cantora Teresa Lopes. Preço da feijoada: R$ 39,90 (crianças até 12 anos pagam R$ 20; até sete anos não pagam). Couvert artístico: R$ 10. De 28 a 30 de setembro: Festival PuroRitmo África. No Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Trecho 2), artesanato a partir das 16h e feira gastronômica das 19 às 22h, com entrada franca. Informações: bb.com.br/cultura. 30 de setembro: Curso de iniciação à degustação de cafés, no Los Baristas (404 Norte, Bloco C, tel. 3033.6183). Noções sobre grãos, processamento, torra, sabores e aromas. Degustação guiada. Informações: falecom@losbaristas.com.

Super-heróis no Pontão O almoço de 12 de outubro deve bombar no Pontão. O feriado, que cai numa sexta-feira, promete muita folia e nutrição para a meninada no evento Encontro Encantado. Até as 15h, personagens infantis receberão o público nas oito casas do complexo gastronômico: no BierFass estarão Lady Bug e Cat Noir; no Fausto & Manoel, Alice e o Chapeleiro Maluco; a Mulher Maravilha e o Super-Homem animam o Mormaii; Rapunzel e Flynn, o Sallva; e Alladin e Jasmin, o Soho. Na gelateria Stonia, os convidados especiais são Peter Pan e Sininho; no Geleia Hamburgueria, Woody e Jessie; e no Manzuá, Jake e Izzie. Às 12h30, todos eles, representados por atores da Cia. Teatral Néia e Nando, participam de uma parada a bordo de um minitrio elétrico. E haverá brindes, claro. As surpresinhas serão balões, bombons e picolés artesanais do La Paleta, com estoque limitado.

Divulgação

Domo Comunicação

Com dois anos de atividade, o restaurante contemporâneo Nebbiolo (409 Sul, Bloco D, tel. 2099.6640) apresenta dois novos cardápios, elaborados pelo chef goiano Wilian Mateus, 35 anos. No jantar e no fim de semana, são seis entradas, dez pratos individuais e quatro sobremesas. Para aguçar o apetite, o foie gras é servido em torradinhas com azeite de alho e compota de figo. “Por cima, coloco um leve toque de matchá, o chá verde japonês, só para tirar o doce”, explica. Entre as sugestões, ele aponta esse confit de pato (coxa e sobrecoxa, shiitake, aspargos, abobrinha marinada, batata sautée com alecrim e creme de queijos com tangerina). “É bonito, bem-feito, aromatizado”, classifica. Custa R$ 76. Outra indicação é o cupim: “A carne é assada durante 12 horas em baixa temperatura, fica desmanchando”. De segunda a sexta, o almoço segue padrão executivo: há três entradas, quatro principais (cupim, filé mignon, peixe à milanesa e vegetariano) e três sobremesas, entre elas a musse de doce de leite. Vem com crocante de cacau, amêndoas e anglaise (creme feito de gema, açúcar e leite) de café. “No jantar, indico o creme de mascarpone”, completa Wilian.

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GARFADAS&GOLES

LUIZ RECENA

lrecena@hotmail.com

Sobre noras e descendentes NORAS SÃO FILHAS que não tivemos e que tomamos dos outros. No começo por empréstimo, tempos curtos ou médios, dependendo do “entusiasmo” com que as nossas crianças se dedicam aos relacionamentos. Com o tempo aprendemos que, pelo menos no começo, não devemos nos afeiçoar tanto, pois quando, pouco tempo depois, eles terminam, parece que sofremos mais do que eles. Só parece, mas parece. Dias, semanas, meses e anos vão passando e de repente chegam as notícias de que estão morando juntos, ou se frequentando com assiduidade maior. Pequenos sustos, tipo “já?”, ocorrem espontâneos, frutos dos choques de geração. A minha não tinha nada disso, a deles tem. Melhor, muito melhor para eles, penso eu. O casamento definitivo passa a ser uma variável nova, constante, e ganha força a brincadeira, às vezes fácil, outras tensa, do “quando será?”. A nós cabe, no máximo, cruzar as mãos sobre a mesa e manter o sorriso mais neutro possível. Para não tomar partido ou não magoar ninguém. Ou então escancarar: “Yess! Vamos nessa! Está na hora!” e outros gritos de guerra adequados a ocasiões típicas. Nenhum vai resolver, pois quem decide não admite interferências. Apenas torcida, e bem de longe... O ANIVERSÁRIO DELA, a Marina, foi como ele gosta: numa churrascaria. Pequeno grupo familiar. Foi na Steak Bull. Boa casa do ramo, ressurgiu das cinzas, literalmente: fica na L-4, perto da ponte do meio, onde era o Porcão. Manteve a base, inclusive alguns garçons sulistas, uma prova de maturidade dos donos, que estão chegando agora nesse mercado, precedidos de muito sucesso em outras áreas. A equipe foi aumentada e misturada com outros “gaúchos”, do Nordeste ou da região de Brasília. Mix perfeito para atender público tão diversificado quanto o da capital da República. Quem já tinha passado por lá

informou que as carnes só melhoram, o que foi constatado na velha picanha e, para mim, na prova dos nove: a paleta de ovelha. Nota nove (a nota dez fica para um a próxima visita, mais noturna; esta foi de almoço, sempre atrapalhado por esse clima de seca). ALÉM DOS DOIS CORTES CITADOS, o desfile clássico se repetiu: sholder, fraldinha, ponta de picanha, costela especial, alcatra etc, além dos acompanhamentos – linguicinhas variadas, coração de galinha – e a turma de penetras que já entrou na família, saladas e saladinhas, farofas e farofinhas, peixes e peixinhos, camarões e camarõezinhos, japoneses e japonesinhos, aquele sem fim de alegorias para tirar a atenção do principal, o foco do samba-enredo: a carne! O DOMINGO ERA DE MARINA, festejada filha de Norma e Adolfo, amigos desde a chegada do colunista a terras planaltinas, ainda jovem repórter. O tempo melhora o vinho e pode aprimorar amizades. É o nosso caso. Adolfo levou um português de lei; Jaime, de Marina namorado, com tempo suficiente para novo estado civil, compareceu com um chileno soberbo, e o colunista completou com outro chileno mais modesto. Havia bocas suficientes para tanto néctar. Faltou registrar um polonês, tinto e novo. Está registrado. PARA UMA SEMANA DA PÁTRIA que começara difícil no pessoal, que se agravou em violência política depois, o domingo trouxe um fecho de tranquilidade. Boa carne, bom vinho, bons amigos, amores estáveis, filhos encaminhados. Não há indignidade humana, rasteiras mesquinhas ou invejas vazias que derrubem os prazeres do convívio. No pasarán! Salud!

AS DELÍCIAS DE MINAS PERTINHO DE VOCÊ 14

Queijos, doces, biscoitos, castanhas, pão de queijo, pimentas, farinhas, polvilho caipira, massa para tapioca, mel, manteiga, cachaças, linguiça, frango e ovos caipira.

Av. Castanheiras, Ed. Ônix Bl. A - Loja 2 - Águas Claras


PÃO&VINHO

ALEXANDRE FRANCO pao&vinho@agenciaalo.com.br

Emparelhamento Quando se viaja pelo mundo e se quer harmonizar vinhos com uma bela refeição, especialmente nos menusdegustação, pede-se pelo “wine paring”, que em tradução direta seria “emparelhamento de vinho”. O nome pode ser estranho, mas a ideia é clara e correta. Trata-se do que chamamos de harmonização. A combinação correta de vinhos com a comida nos traz um prazer gastronômico que é muito maior do que a simples soma de um bom vinho e uma boa comida. Enfim, aprendi que, quando se está disposto a gastar com uma comida especial, o gasto extra com o “wine paring” é mais do que compensador. Desta feita, em passagem pela Big Aple, a sempre impressionante Nova York, tive a oportunidade e o prazer de jantar no famoso Daniel. Enfrentando um calor acima dos 30 graus Célcius, tive a má idéia de que não fazer uso de um blazer seria perdoável... Ledo engano! Adentrando o restaurante, muito elegante por sinal, fui logo informado de que “the jaquet is required”. Com o trânsito louco da Big Apple, seria impossível retornar ao hotel e voltar ao restaurante a tempo da reserva. Salvo pelo gongo, fui informado de que o restaurante teria jaquets para emprestar aos clientes desavisados como eu. Menos mal. Cedido o blazer e cumprida a exigência, dirigimo-nos à mesa, primeiro no bar para um drink, no meu caso uma taça de champanhe de boa qualidade que teve o mérito de me possibilitar retornar ao bom humor da noite prometida. Depois fomos para a mesa de jantar e decidimos pelo menu-degustação de quatro pratos (o completo teria sete, o que me pareceu, e se confirmou, demasiado). Já sabendo da realidade declarada acima, pedi pelo

“wine paring”. Havia dois: um mais simples e um especial. Tendo em vista os preços e a certeza de que ambos seriam ótimos, optei pelo primeiro nível. O resultado não decepcionou. Iniciamos com uma excelente salada de lagosta, lindamente decorada e delicadamente preparada, “emparelhada” com o Stein Riesling Kabinett Feinherb 2016, da região do Mosel, cuja leveza e doçura realçaram o sabor leve da lagosta. Ótima harmonização! Seguimos com o meu preferido: foie fras do Vale do Hudson (quem diria que ali ao lado de New York se produziria um foie gras tão bom) flambado com vodka. Estava delicioso e ficou ainda melhor harmonizado com o Au Bon Climat Pinot Noir Daniel 2015, da região de Santa Bárbara. Vinho elegante, com aromas de morango e cerejas, bem ao estilo da Borgonha, ficou ótimo com o foie gras. Como prato principal dividimos um delicioso peixe assado em crosta de sal, um sole (não sei dizer qual seria esse peixe nos nossos cardápios, mas era mutio bom, saboroso e untuoso, mas ao mesmo tempo leve). Este escoltado por um Pinot Noir de alto nível, o Maison Druhin Santenay 2013, um Borgonha de boa estirpe. A combinação foi excelente, o vinho muito elegante e suave, mas ao mesmo tempo marcante, como o peixe. Por fim, uma sobremesa maravilhosa, como convém a qualquer bom restaurante, especialmente de culinária francesa, como o Daniel. Uma torta de figos com creme fraîche que estava sensacional e ficou ainda melhor acompanhada por uma taça do Domaine de Rancy Rivesaltes Ambré Roussilon 2001. Um vinho de sobremesa com acidez e doçura na exata medida. Grande jantar. Recomendo, sem restrições, aos visitantes da cidade que nunca dorme.

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Mila Petrillo

DIA&NOITE

vivamila! Fotografias de Fernanda Montenegro, Rodrigo Santoro, Nelson Pereira dos Santos, Grande Otelo, Tonico Pereira, Dira Paes, Denise Bandeira, Zezé Mota, Zezé Polessa e muitos outros artistas que já participaram de alguma edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro estão na mostra Momento em movimento, da fotógrafa Mila Petrillo. Com curadoria de Sérgio Moriconi, fica aberta ao público que for ao Cine Brasília (EQS 106/107) somente até este domingo, 23, quando termina a 51ª edição do festival. A exposição é parte do projeto Por outras lentes, que prevê um livro e um site para acesso ao acervo da fotógrafa, que comemora 40 anos de carreira. Entre as dez mil imagens de seu acervo a serem digitalizadas estão registros de importantes momentos não só do cinema como das artes cênicas do Distrito Federal, estes a serem exibidos em outra exposição prevista para abril do próximo ano. Mila já trabalhou em diversos jornais e revistas e realizou 32 exposições individuais, publicou dez livros e participou de outros três, além de somar diversos prêmios. Das 10 às 24h, na área externa do Cine Brasília, com entrada franca.

Maurício Araújo

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De que valem as palavras mal ditas? Esse verso é de autoria da poeta e artista plástica Vania Ferro, que expõe suas telas na galeria do Pátio Brasil até 29 de setembro. Intitulada Travessia, a mostra contempla obras que descrevem pessoas apáticas, desconsoladas, sem saber como reagir diante de um passado que tanto as ensinou e o presente que exige mudanças. É o momento que as incita a se reinventarem incansavelmente, apesar do cansaço. De acordo com a artista, “entre as ilusões que habitam essas pessoas estão o perfume das essências impregnadas, a tentativa de reviver velhas memórias, o querer retornar, mas a forte e imperial decisão de seguirem adiante valoriza a natureza e as coisas simples que as cercam”. O contexto de contemporaneidade acolhe a técnica mista e a utilização de renda do Nordeste, complementando o registro de imagens desse momento brasileiro. De segunda a sábado, das 10 às 22h; domingos e feriados, das 14 às 20h. Entrada franca.

dasarábias Elisa Lucinda e Mounir Maasri estão na foto de divulgação do filme A última estação, de Márcio Curi, que será exibido na Segunda Semana Árabe, de 26 a 29 de setembro, na Biblioteca Nacional. Conta a história do jovem libanês Tarik, que deixa sua cidade natal em busca de uma vida melhor no Brasil. Realizada pelo Instituto de Cultura Árabe-Brasileira e pela Federação das Entidades Árabes do Brasil, a Semana Árabe tem programação gratuita que inclui filmes, apresentações de música e dança, palestras, rodas de conversa, contação de histórias para crianças, além da exposição De Córdoba a Granada: detalhes de uma presença árabe na Andaluzia, com fotos de Nick Elmoor. Estará montado ainda o Espaço Khalil Gibran, em homenagem aos 135 anos de nascimento do escritor libanês. Ali será possível ler alguns de seus livros, saborear um chá e escutar música árabe. Dia 29 de setembro, as bandas Kervansarai e Mahur Trio se apresentam no Brasília Palace Hotel, às 20h. Entrada franca. Programação completa em http://semanaarabe.fearab.

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Espaços brasilienses embelezados com trabalhos de Athos Bulcão (1928-2008), como o Salão Verde do Congresso Nacional, a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, o Teatro Nacional e o Brasília Palace Hotel, assim como obras menos divulgadas do artista, foram fotografadas por Edgard César, Luis Jungmann Girafa, Rui Faquini, Zuleika de Souza, Patrick Grosner, Joana França e Maurício Araújo (foto). O resultado da homenagem por ocasião do centenário de seu nascimento está na mostra Athos – sete olhares, em cartaz até 6 de outubro na Fundação Athos Bulcão (404 Sul). As fotos retratam a admiração de sete artistas pela obra de outro artista, sobrepondo imagens, recortando, apresentando o jogo de sombra e luz, mas sem perder o que existe de mais precioso: o olhar singular do fotógrafo para a obra de Athos. As fotos estão à venda, a preços que variam entre R$ 150 e R$ 1.500. Parte da renda será revertida para manutenção da Fundação. De segunda a sexta, das 9 às 19h, e sábados, das 10 às 17h, com entrada franca.

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momentobrasileiro

athoscemanos


Horoya foto

aáfricaéaqui Muita música, gastronomia e tradições da África em grande celebração à cultura do continente são a marca registrada do Festival Puroritmo, que tomará conta da área externa do CCBB dias 28, 29 e 30 de setembro. A 13ª edição do festival vem repleta de atrações internacionais, nacionais e locais, tais como os grupos Fanta Konatê (Guiné), Songhoy Blues (Mali), que se apresenta pela primeira vez no Brasil, Sussa Kalunga (GO), Horoyá (Senegal, foto), Rita Benneditto (MA) e os brasilienses Mandé Moba, Afoxé Omo Ayô e Filhas de Oya. “Nossos ancestrais africanos são lembrados por meio de ritmos, costumes e temperos da Mãe África. A expectativa é de que o público acesse conteúdos, viva um pouco da África em plena capital federal e passe a valorizar mais a origem do ser brasileiro. Com isso, reconheça mais a si mesmo e a sua própria cultura”, afirma o idealizador do festival, Rafael Poubel. Ainda na programação da festa estão oficinas gratuitas de instrumentos musicais com material reciclável, de hortas orgânicas e de boneca Abayomi, símbolo de resistência e poder feminino na cultura africana. Programação completa em bb.com.br/cultura.

espaçoaotempo Divulgação

greenmove Vanessa da Mata, Pitty e Jota Quest foram convocados para encerrar a 7ª edição do Green move festival, dia 30 de setembro, na Esplanada dos Ministérios. Com o tema “alimentação sustentável”, o festival é aberto ao público e tem como objetivo gerar atitudes positivas e conscientes para um mundo melhor para as próximas gerações. Na véspera, 29 de setembro, a festa começa com bate-papo com especialistas em alimentação saudável, a feira BSB Verde e oficinas, na Área Informação. Já no palco principal serão apresentados quatro grupos orquestrais da Banda Sinfônica de Brasília. Por fim, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro e a mezzo-soprano Luísa Francioscone apresentam repertório com músicas eruditas. No domingo, 30 de setembro, o festival será encerrado com oficinas de design de pneu, artesanato de jornal e bijuteria em vidro. Enquanto isso, no palco principal, o público poderá assistir aos shows de Vanessa da Mata, Pitty e, finalmente, do grupo Jota Quest. Programação em www.greenmovefestival.com.br.

Eles se conheceram em 1992, na Escola de Música de Brasília. Na época, Oswaldo Amorim e Daniel Baker eram alunos, e Paulo André Tavares e Paulo Marques, professores. O primeiro show aconteceu em 1996, com formação inédita de guitarra, baixo elétrico, bateria e teclado, o primeiro do Clube do Choro, e a estreia do quarteto como solistas fora da Escola de Música. Dia 26, às 18h, o quarteto Espaço ao Tempo lança DVD homônimo no Teatro Carlos Galvão (602 Sul). O álbum traz 12 faixas totalmente autorais. São composições do violonista e guitarrista Paulo André Tavares, do pianista Daniel Baker, e do contrabaixista Oswaldo Amorim, intercaladas. No disco transparecem as influências de cada um dos músicos do quarteto, resultando numa riqueza de estilos como baião, bossa nova, samba, pop, rock, jazz, balada e maracatu.“Optamos por contrastar os estilos que vão se complementando no decorrer do disco”, salienta Oswaldo Amorim. Além das músicas, o DVD contém trechos de entrevistas relatando como os quatro começaram a tocar juntos e como esse trabalho evoluiu em duas décadas, até chegar à formação atual. Entrada franca.

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chegouoyurb Um show da dupla Bruno e Marrone neste domingo, 23, inaugura um novo espaço de entretenimento na cidade. Trata-se do Yurb, conjunto de 128 módulos de contêineres e 13 operações, como restaurantes, espaço kids e até um estúdio de realidade virtual. Localizado ao lado do Pier 21, tem capacidade para receber até sete mil pessoas e estacionamento com capacidade de abrigar 400 automóveis. Para o show de abertura, a dupla goiana com mais de três décadas de carreira apresenta o álbum e DVD Ensaio (Ao vivo), lançado em 2017. Além de sucessos do disco, como Na conta da loucura, Sua melhor versão e Beijo de varanda, Bruno e Marrone também interpretarão clássicos da extensa trajetória. Ingressos entre R$ 70 e R$ 180, à venda em www.bilheteriadigital.com.

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despertar

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DIA&NOITE

Dá pra imaginar o que se passa na cabeça de Débora, em coma há 29 anos, quando ela desperta de seu sono profundo com o mesmo comportamento de quando tinha 16 anos e contraiu a doença do sono? Pois esse cenário foi descrito pelo Prêmio Nobel de Literatura Harold Pinter, inspirado, por sua vez, em Oliver Sacks, autor do livro Despertando, e estará montado no palco da Caixa Cultural neste fim de semana (dias 22 e 23). Intitulada Uma espécie de Alasca, a peça vem de temporada de sucesso no Rio e em São Paulo e tem direção e adaptação de Gabriel Fontes Paiva. No elenco estão Yara de Novaes, que interpreta Débora, Miriam Rinaldi e Jorge Emil, nos papéis de Paulinha e Hornby, irmã e cunhado que cuidaram dela ao longo de todo esse tempo. Para escrever o texto, Harold Pinter se inspirou no livro do neurologista Oliver Sacks, que narrou histórias de pessoas com a vida suspensa por décadas e que acordaram após tomarem um novo tipo de remédio, descoberto na década de 1960. Pinter compreendeu aqueles pacientes até mais do que seus próprios médicos, segundo eles próprios observaram depois de assistir à primeira montagem do texto em Londres. “Por motivos explicados apenas pela espiritualidade ou sensibilidade de um gênio, o dramaturgo não precisou conversar com Sacks, nem visitar o hospital onde os doentes ficavam, para entender a fundo sua alma. Isso mostra como o teatro pode mergulhar no inconsciente, resgatando de lá, sem juízo de valor, nossa mais sincera humanidade”, comenta o diretor. Sábado, às 20h, e domingo, às 18h. Ingressos a R$ 30 e R$ 15. Bilheteria: 3206.6456.

sempalavras Studio Sartoryi

comédiasórdida Quatro mulheres ante uma mesa de chá. Outra, morta no banheiro. Acrescente-se a isso um segredo e uma obsessão das personagens: o queijo. Está assim exposta a trama de O queijo, em cartaz até domingo, 23 no Espaço Lieta de Ló, em Planaltina, e depois, de 28 a 14 de outubro, no Teatro Goldoni (208/209 Sul). Com direção de Julliano Mendes, marca a estreia do Grupo Residência Teatro e Audiovisual em Brasília. Criado em 2001 em Ouro Preto, é formado pelo diretor e por Nadja Dulci. Para montar o elenco, Nadja convidou artistas de diferentes linguagens da cena brasiliense: Dina Brandão, Paula Passos, Wol Nunes, Maurício Witckzak e Vanderlei Costa. “Que segredos esconderiam as personagens?” – indaga o diretor. “Seria o acondicionamento da mulher a um mundo paternalista e machista? A percepção de que a liberdade só é possível na intimidade? Esta é, como está anunciado, uma comédia sórdida. Portanto, não se preocupa com nenhuma dessas perguntas, embora saiba que, no seu decorrer, ensaie respostas”, provoca Julliano. Em Planaltina, sábados e domingos, às 20h, e na Asa Sul, de sextas a domingo, às 20h. Ingressos: R$ 20 e R$ 10.

A história Rainha do gelo, de Hans Christian Andersen (1805-1875), inspirou a companhia de teatro Néia e Nando na montagem da peça Uma aventura congelante, em cartaz no teatro da Escola Parque (307/308 Sul). O grupo conta a história da princesa Anna, que, ao lado do alpinista Kristoff e de sua rena Sven, parte para encontrar sua irmã Elsa, cujos poderes gelados condenaram o reino de Arendell a enfrentar um inverno sem fim. Lançada pela Disney há cinco anos, a adaptação da história batizada de Frozen rendeu Oscars de melhor filme de animação e de canção original (Let it go), além do recorde de bilheteria em 2013. Para transportar o público ao reino gelado, a Cia. Néia e Nando utiliza cinco cenários, efeitos especiais, projeções, gelo seco e até neve. Tudo criado por Carlos Terraço, Nando Villardo e Washington Alves. “Nossa realização é ver a plateia impressionada com a qualidade cênica, a plasticidade e os efeitos especiais”, afirma a diretora Néia Paz. Até 30 de setembro, sábados e domingos às 17h. Ingressos a R$ 40 e R$ 20.

Tthiago Torres

aventuracongelante

Andre Santangelo

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Uma experiência teatral diferente reúne três atores brasilienses – Karla Juliana, Marcelo Lucchesi e Renata Cardoso – no espetáculo Quando os elefantes saem para passear. Escrita e dirigida por Marcela Hollanda, a peça, uma comédia dramática, não utiliza palavras. No palco, os atores usam recursos corporais, visuais e cênicos para representar duas “elefantas” e um humano, durante um inusitado encontro. “Nossas personagens são figuras cênicas construídas nas bordas da fantasia, onde os corpos transbordam na tromba, nas grandes orelhas e no rabo fino e ágil”, descreve a autora. O elefante surge como uma metáfora de nosso próprio ser: ternura macia, delicada e sensível encapsulada por casca dura e grossa; couraças de proteção ao sofrimento e às duras aprendizagens. “O que pretendemos é mostrar a vida como ela é, ou como pode ser: um passeio poético e prazeroso, fluxo dinâmico entre o leve e o pesado”, acrescenta. Dias 28, 29 e 30 de setembro, e 5, 6 e 7 de outubro, às 20h, no Espaço Cultural Ary Barroso (Sesc da 504 Sul). Ingressos a R$ 20 e R$ 10.


Thiago Rodrigues

osonhodealice Depois de seguir um misterioso coelho, Alice embarca em uma aventura fantástica em um mundo mágico repleto de figuras inusitadas. Tentando se encontrar no País das Maravilhas, ela acaba conhecendo personagens esquisitos e se metendo em grandes confusões. O sonho de Alice, clássico do inglês Lewis Carroll (1832-1898) será encenado nos sábados 22 e 29, às 14h30 e às 16h30 no terceiro piso do Pátio Brasil, de graça. Depois da apresentação os personagens terão um encontro com os miniespectadores. Nos domingos 23 e 30, os fãs da história de Alice poderão participar de uma oficina de personalização de máscara do Gato Risonho. Informações: 2107.7400.

Renato Mangolin

ancestralidade Foi na tela O navio negreiro, do pintor inglês William Turner (1775-1851), que o bailarino Edson Beserra buscou inspiração para criar a coreografia que vai ao encontro de sua ancestralide negra. E foi no conto O horla, do escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893), que buscou as cores para criar o cenário fantasmagórico do espetáculo O homem na prancha, em cartaz no Teatro Garagem (713/913 Sul) neste fim de semana, dias 22 e 23. A confluência dos movimentos da água e do vento, assim como da incidência de luz, foi o mote para a construção do vocabulário coreográfico, assim como as pinceladas impressionistas de Turner aparecem em cena por meio dos movimentos diluídos da água e das nuvens provocados pela ação do vento. O espetáculo estreou no Rio de Janeiro, passou por São Paulo e depois de Brasília seguirá para outras cidades brasileiras. O bailarino já passou por várias companhias de dança, entre elas o Grupo Corpo, a Cia. de Dança Deborah Colker e a Quasar Cia. de Dança. Em 2011, fundou o coletivo de produção e criação Composto de Ideias e desde então atua como coreógrafo, professor, diretor e bailarino. Sábado, às 20h, e domingo, às 17 e às 20h, com entrada franca. Após a apresentação da estreia haverá um bate-papo com o multiartista.

espaçocultural Artistas que pretendam no próximo ano expor seus trabalhos em mostras individuais ou coletivas podem se inscrever até 6 de novembro no Espaço Cultural STJ. Uma comissão curadora vai avaliar a adequação dos projetos ao espaço físico, a originalidade, a qualidade técnica, bem como o ineditismo e a perspectiva de contribuição ao enriquecimento sociocultural da comunidade. As propostas devem ser acompanhadas de dossiê dos artistas ou produtores e entregues pessoalmente, pelo e-mail espaco.cultural@stj.jus.br, ou ainda enviadas pelos Correios à Coordenadoria de Memória e Cultura do Superior, Tribunal de Justiça (SAFS, Quadra6, Lote 1, Trecho III – Edifício dos Plenários, 2º Andar, CEP: 70.095900). Mais informações podem ser obtidas pelos telefones 3319.8521 e 3319.8373.

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BRASILIENSEDECORAÇÃO

Joel Bello Soares TEXTO E FOTOS HEITOR MENEZES

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á quem leve a vida na flauta e há quem faça do piano a razão de ser. Esses últimos, sem nenhum demérito aos que se dedicam aos sopros, escrevem trajetória à base de suor, dor nas costas, LER e anos e anos de estudos sobre as teclas brancas e pretas. Os concertistas nem todos almejam chegar à maestria de Liszt, o maior de todos os pianistas. Mas, felicidade suprema, poder tocar fundo corações e mentes com uma balada de Chopin, ah, isso é coisa de artista. Então, desce um Chopin redondo, porque na capital artista gabaritado para bem tratar a obra do polonês Fryderyk Franciszek Chopin (1810-1849) é o professor e concertista Joel Bello Soares, o decano dos pianistas eruditos de Brasília. Do alto de seus 84 anos, completados em 14 de setembro, professor Joel segue firme lecionando, tocando e encantando plateias. O grande pianista foi duplamente celebrado nesta sexta-feira, dia 21, no auditório da Casa Thomas Jefferson, na Asa Sul. Primeiro, com a exibição do documentário O pianista do sobrado, realizado

pelo diretor alagoano Pedro da Rocha. Em seguida, Joel Bello Soares dedilhou o reluzente Steinway & Sons da Thomas com um recital especialmente concebido para a ocasião. O pianista do sobrado conta um pouco da trajetória de Bello Soares, nascido em 1934, na pequena Rio Largo (a 80 km de Maceió). Talento precoce ao piano, iniciou estudos na capital alagoana, para depois seguir trajetória de concertista, com passagens pelo Rio de Janeiro, França e Espanha, antes de se lançar à aventura de percorrer todos os continentes em recitais solo ou acompanhado de grandes orquestras. “Fui aluno de Hermínia Roubaud, no Rio, Jacques Février, em Paris, e Rosa Sabater, em Santiago de Compostela”, ressalta, destacando os principais mestres com os quais trilhou o aperfeiçoamento ao piano. No livro Genealogia do piano (Editora Muiraquitã), de Licia Lucas e Marne Serrano Caldeira, Joel Bello Soares aparece na ampla rede de destacados pianistas e professores de piano do Brasil, em uma linhagem de A a Z, que remonta ao Século 19 e mira nomes como Liszt, Gottschalk, seus discípulos tornados mestres e grandes intérpretes, co-

mo Magda Tagliaferro, Guiomar Novaes, Arnaldo Estrela, Nelson Freire e Arthur Moreira Lima. Joel Bello conta que Brasília apareceu em seu caminho por volta de 1967, quando passou pela então desnuda capital. “Vivia no Rio de Janeiro e recebi convite para tocar na Festa dos Estados. A apresentação foi na Sala Martins Penna, do Teatro Nacional. Fui o primeiro a fazer um recital naquele espaço. O piano veio emprestado do Departamento de Música da Universidade de Brasília. Depois, fui até à universidade agradecer a cessão do piano, quando, para minha surpresa, fui convidado a integrar o quadro de professores daquele departamento”. Ele recorda que a decisão de trocar o agito cultural do Rio pelo matão de Brasília teve a ajuda de amigos que o aconselharam a aceitar o estranho convite. Ele só não contava com a estultice que foi a invasão da UnB, em 1968, por tropas do governo. Da barafunda, resultou a expulsão dos quadros da universidade. E agora? Tinha mandado até trazer o piano do Rio. São Chopin certamente intercedeu, porque, ato contínuo, recebeu convite da Secretaria de Educação do DF para integrar o antigo Núcleo de Música de Brasí-


lia, que funcionava em duas salas do colégio Elefante Branco. “A Escola de Música de Brasília ainda não existia nessa época. Fui um dos que ajudaram na sua implantação. Aquilo tinha futuro e teve”. A dedicação ao magistério não impediu o professor Joel de seguir a carreira de concertista. “Ocorre que depois recebi telefonema para passar no Departamento de Música da UnB. Queriam saber por que eu havia saído de lá. Naquela confusão, muitos documentos foram destruídos, mas eu tinha guardado todos os meus papéis, o que tornou mais simples a readmissão como professor do Departamento de Música”. Joel Bello Soares é remanescente de um período incrível, de grandes nomes da música na capital. Tocou com Cláudio Santoro (“Ele regendo, eu tocando”); teve como colegas e amigos os maestros Miguel Arquerons, Nasari Campos, o violinista Natan Schwartzman, a pianista Maria Aparecida Tavares, Vanda Oiticica. De Levino Alcântara, destaca: “Foi o fundador do grupo que virou a Escola de Música de Brasília. Um dos que mais lu-

taram pela música, aqui. Fui por ele convidado para ser o coordenador dos cursos de verão da Escola de Música. Graças a essa experiência, tive a oportunidade de ter alunos de várias partes do planeta”. O mais legal é que o professor Joel, embora seja um apaixonado pelo trabalho de Chopin, empenhou-se como nunca na divulgação de autores pouco conhecidos do público. Lançou um disco chamado Valsas, polkas e mazurkas – A música alagoana do início do século, no qual desfila obras de autores como Tavares de Figueiredo (no documentário, Joel toca a estupenda Canção dos jangadeiros), Misael Domingues, João Ulysses e Heitor Cardoso. Da mesma forma, suas pesquisas resultaram no disco Romantismo e pós-romantismo na Cidade do Porto – Música para piano, gravado em Portugal. Nesse aparecem autores como Oscar da Silva, Miguel Ângelo e Artur Napoleão (contemporâneo das estripulias de Gottschalk, no Rio imperial). Então, corram ao auditório da Thomas. O recital de Joel Bello Soares vai ter Felix Mendelssohn, duas peças do amigo

Alceo Bocchino (1918-2013), Sapo uururu e Boi barroso, e a estupenda Grande fantasia triunfal sobre o hino nacional brasileiro, do norte-americano Louis Moreau Gottschalk (1829-1869). Na plateia fica a torcida para que no bis surja a Balada n° 1 em sol menor e o Noturno n° 1 em si bemol, de Chopin. Para sair de mansinho, pisando em nuvens. Obrigado, mestre.

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Luiz Franco

GRAVES&AGUDOS

Lendas da música

internacional

POR HEITOR MENEZES

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lha o que a agenda cultural nos reserva de destaque para o período setembro/outubro: duas grandes atrações internacionais, o tenor italiano Andrea Bocelli e Roger Waters, ex-baixista, cantor e compositor do Pink Floyd. Os dois tocam pela primeira vez na capital, em diferentes datas, no Estádio Nacional Mané Garrincha. Como não é sempre que tal coisa acontece por aqui, fica a sugestão de você depenar mais ainda o combalido cartão de crédito para levar de lembrança que dois gigantes da música passaram por essa quebrada pequena e nos proporcionaram saudável escapismo, momentos de pura magia, que vale testemunhar e para sempre recordar.

Primeiro, Andrea Bocelli, quarta-feira, 26. O tenor italiano, 60 anos, é o que se pode chamar de assombro de artista. Ou, como lembrou a cantora canadense Celine Dion: “Se Deus aparecesse cantando, Ele teria a voz de Andrea Bocelli”. Cego desde os 12 anos de idade, o menino nascido na Toscana logo cedo mostrou extraordinários dotes vocais, que muito bem sabiam acariciar letras das mais belas canções italianas. O grande Luciano Pavarotti não só o recomendou como o teve como convidado em turnês. E que bom termos testemunhado a trajetória de Bocelli desde que o mundo tomou conhecimento do talento por trás de Con te partirò, canção da dupla Francesco Sartori e Lucio Quarantotto. Essa beleza, vejam, ficou em quarto lugar no Festival da Canção de San Remo de 1995.

Bastou gravá-la para que voasse aos quatro cantos da fama. É de tirar o chapéu sua iniciativa de regravar sucessos em outras línguas, de preferência em duetos com artistas de diferentes latitudes. Em 1996, Con te partirò virou Time to say goodbye, dueto arrasador com Sarah Brightman; em 1997, Vivo per lei virou Vivo por ela, no dueto gravado por Bocelli com a jovem Sandy para o mercado de língua portuguesa. O mesmo havia sido feito na Espanha e na França, resultando em audiências quadruplicadas mundo afora. Vieram duetos com Celine Dion, a portuguesa Dulce Pontes, o compatriota Eros Ramazotti, em alternância com discos de árias, tudo sempre naquela sensual embalagem latina: romântica, nostálgica e de bela erudição. Na verdade, Bocelli sabe cantar qual-


Kate Izor

quer coisa (menos funk carioca, nunca vi!) e encantar como ninguém. Peça Besame mucho que ele sabe cantar. No llores por mi Argentina é de arrasar. Enfim, a magia vai baixar no Mané, pois um grande e inspirador artista estará entre nós. Aí, depois, do outro lado da lua, melhor dizendo, em plena lua nova, dia 13 de outubro, quem ocupa o gramado e o concreto do Mané Garrincha é ninguém menos que Roger Waters, a voz angustiada do Pink Floyd. Trata-se de outro evento musical de alta magnitude que Brasília tem o privilégio de receber. O lendário Pink Floyd, uma das principais instituições do assim chamado rock progressivo, nunca veio ao Brasil, em que pese aqui terem vendido horrores de discos e tal. A banda não existe mais, mas seus três membros remanescentes – Roger Waters, David Gilmour e Nick Mason – continuam por aí, cada um ao seu modo carregando o legado do grande Floyd, cuja música atravessa décadas mantendo e conquistando novos fãs, e ainda há de perdurar por muitos e muitos anos. Waters e Gilmour, os dois principais compositores, já vieram ao Patropi em outras ocasiões. Waters é o que mais nos

visitou e desta vez realiza longa turnê por estas bandas. De uma tacada só, traz a turnê Us + Them a São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. Os fãs já sabem o que vem por aí. Se a David Gilmour cabia o lado pastoral, folk, e de viagens sonoras à base de lancinantes solos de guitarra, o velho Pink tinha também um lado sombrio, de forte inquietação, e que em The wall (1979) descambou geral para o canto da paranoia. O responsável? Roger Waters, claro. Um cara que conseguia fazer duas vozes, duas personagens distintas na mesma canção. Tudo com aquele cunho autobiográfico, como sabemos. Os que acompanham a história sabem o que rolou. Depois do estrondoso The wall, Waters resolveu acabar com o grupo, lançando o mediano The final cut (1983), no fundo um disco solo com o nome Pink Floyd escrito na capa. Só não contava que Gilmour, Mason e o extraordinário pianista Rick Wright desejavam mesmo era seguir em frente sem o problemático Waters. Houve disputa judicial em torno do nome, ficando a marca Pink Floyd de posse do trio Gilmour, Mason e Wright.

Lá se vão trinta e tantos anos. Desde 2010, Waters vinha rodando o planeta com uma versão ao vivo e turbinada de The wall. Agora, volta ao repertório variado de coisas do PF e da carreira solo. Há uma certa ênfase no material recente, representado pelas canções do inédito e ótimo disco Is this the life we really want?, o quinto de sua carreira solo, lançado em 2017. Esse, em verdade, é um alívio, pois havia grande expectativa por material novo. O disco de inéditas anterior é o Amused do death, de 1992. Pois não é que o produtor Nigel Godrich, o mesmo por trás de grandes discos do Radiohead, acertou em cheio? Is this the life... devolve Waters ao panteão dos grandes do rock. O disco está repleto de boa música, boa poesia e bons arranjos. Wait for her é, desde já, um clássico. Não é o Pink, mas é como se fosse. Portões abertos desde as cinco da tarde. Show às 21h30. É melhor correr! Andrea Bocelli

26/9, às 21h, no Estádio Mané Garrincha. Ingressos (meia): de R$ 125 a R$ 750.

Roger Waters – Us + Them

13/10, às 21h30, no Estádio Mané Garrincha. Ingressos (meia): cadeira superior, R$ 120; pista, R$ 170; cadeira inferior, R$ 245; pista premium, R$ 360.

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GRAVES&AGUDOS Vânia Toledo

Camilla Guimarães

Guilherme Arantes

MPB4

Alimentos

para a alma POR HEITOR MENEZES

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em só de pão viverá o homem, diz a sentença atribuída a Jota Cristo. Tem aqueles que adotaram a dieta low carb, isto é, com pouco carboidrato, hehehe. Mas, falando sério, o homem (em verdade, mulheres e homens) também precisa de alimento para a alma. Aí, irmãos e irmãs, entram aqueles biscoitos finos, de ingredientes indizíveis, servidos na forma de sons organizados, música que alimenta o espírito e traz um gole d’água para quem tem sede. Em tempos modernos, playlists de toda ordem, para todas as ocasiões, resolvem o problema. Outra maneira de desfrutar desse negócio chamado música é comparecer aos shows que, por acaso, prosseguem em alta nesta transição inverno/primavera que antecede o verão brasiliense. Não esqueça de checar datas, locais e serviços. Eis os mais interessantes:

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Humberto Gessinger – Ópera Hall, 22/9, às 22h. Houve um tempo em que o rock nacional dominava tudo e os gaúchos do Engenheiros do Hawaii eram um de seus principais construtores. O enge-

nheiro-mor Gessinger segue em frente, com um trabalho singular, no qual a preocupação existencial é uma constante. A ele atribui-se a tentativa de levar a intelectualidade para as massas, pela infinita highway do rock’n’roll, embora muita gente só conseguisse ficar na Sopa de Letrinhas. O que já era um ganho e tanto. É papo-cabeça, mas é divertido.

Guilherme Arantes – Centro de Convenções Ulysses Guimarães, 22/9, às 21h30. Da mesma forma, houve um tempo em que Guilherme Arantes era onipresente no rádio e na tevê. Um hitmaker de mão cheia, o cara emplacou coisas (do Brasil) que foram temas de novelas e de especiais, tendo aproveitado e muito as ondas de rádio FM que se espa-


Marcelo Cabanas

Zé Ramalho

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lharam pelo território, no início da década de 1980. Dizem até que ele nem precisava lançar discos e fazer turnês, pois cada canção que aparecia na tevê lhe garantia aposentadoria eterna. Deixa estar. Basta que sente ao piano e enfileire suas conhecidas canções, a magia está no ar.

DJ Jazzy Jeff – Estádio Nacional Mané Garrincha, 22/9, a partir das 16h. Essa é para os verdadeiros amantes do hip-hop. O norte-americano Jeffrey Allen Townes, mais conhecido como DJ Jazzy Jeff, é a cereja do bolo do primeiro Makossa Black Festival, celebração de música, dança, diversidade e cultura de rua. DJ Jazzy Jeff é o parça do ator Will Smith. No período 1987-1999 os dois gravaram várias pérolas de sucesso sob a alcunha DJ Jazzy Jeff & the Fresh Prince. Quem acompanhava a série cômica Um maluco no pedaço (The fresh prince of Bel-Air) sabe do que se trata. Programa finíssimo.

Zé Ramalho – Centro de Convenções Ulysses Guimarães, 29/9, às 21h. Outro cheio de canções mágicas e sempre misteriosas é o paraibano de Brejo do Cruz José Ramalho Neto. De volta à capital, Zé apresenta a terceira parte do show 40 anos de música, com o qual vem revisitando todas as fases da vitoriosa carreira. Ele pode até tentar uma ou outra menos conhecida que ache legal, mas o povo quer ouvir mesmo é Avôhai, Admirável gado novo, Frevo mulher, Chão de giz e por aí vai. Rubel – Cervejaria Criolina, 29/9, às 22h. Um dos novos artistas da música popular brasileira que bem equilibra a presença nos mundos virtual e real é o fluminense de Volta Redonda Rubel. Ele vem trilhando os caminhos da internet desde 2013, à base de um folk suave e cativante. Sua canção mais conhecida, Quando bate aquela saudade, tem qualquer coisa perto de um milhão de visualizações. Rubel promete duas sessões de lançamento do disco Casas no mesmo dia: uma começa às 18h, outra por volta das 20h. MPB4 & Quarteto em Cy – Espaço Cultural Brasília (Shopping Iguatemi), 6/10, às 18h. Houve um tempo em que tínhamos grande apreço pelos grupos vocais em nossa música popular. MPB4 e Quarteto em Cy foram, talvez, os mais atuantes, o segundo formado inicialmente pelas irmãs Cybele, Cynara, Cylene e Cyva, com um grande incentivo do inigualável Vinícius de Moraes. Pois agora, remanescentes dos dois quartetos jun-

tam forças, como fizeram em 1966, quando defenderam Canção a medo, de Sérgio Bittencourt, no I Festival da Canção Popular, da extinta TV Rio. Em cena, a fina flor da MPB. AnaVitória – Centro de Convenções Ulysses Guimarães, 6/10, às 21h. Ana Clara Caetano Costa e Vitória Fernandes Falcão, o duo AnaVitória, tocam em frente o sonho iniciado cinco, seis anos atrás, quando passaram a postar na internet vídeos de interpretações de suas canções favoritas. AnaVitória é o que se pode chamar de fenômeno viral, dado o alcance e repercussão on-line de sua música. Trevo (Tu), single do primeiro álbum, faturou Grammy Latino na categoria melhor canção em língua portuguesa. Há quem fique enternecido com tanta fofura. Em tempos confusos, isso vale ouro. Victor Affaro

Quarteto em Cy

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Clausem Bonifacio

GRAVES&AGUDOS

Duas décadas de Porão Para celebrar, o festival lança livro que conta sua trajetória

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m 29 e 30 de setembro o Porão do Rock chega à sua 21ª edição, reunindo no estacionamento do Mané Garrincha 46 bandas brasileiras, atrações novatas e veteranas. Entre os destaques estão CPM 22 (SP), Cordel do Fogo Encantado (PE), Francisco El Hombre (SP), Krisiun (RS), Letrux (RJ), Plebe Rude (DF), Barão Vermelho (RJ), o grupo Nação Zumbi (PE) em show especial em parceria com o rapper BNegão (RJ) e o quarteto Matanza (RJ), que recentemente anunciou sua aposentadoria e vai fazer uma de suas últimas apresentações. Em 2018, o Porão comemora duas décadas. Para contar essa trajetória foi produzido o livro Histórias do Porão (228 páginas, Ilustre Editora, R$ 50), escrito pelo jornalista niteroiense Pedro de Luna. Único profissional de imprensa de fora de Brasília a cobrir a edição inaugural do festival, em 1998, De Luna – autor cujo nono livro, sobre a banda Planet Hemp, sai em breve – reconta desde o surgimento do Porão do Rock até os preparativos para a edição de 2018. “Comparações podem soar injustas”, diz o jornalista, “mas o que diferenciava o Porão do Rock dos demais festivais pelo Brasil era, em pri-

meiro lugar, a infraestrutura, que cresceu rápido e exponencialmente, e em segundo lugar a localização geográfica, próxima ao poder e ao patrocinador, e os shows sempre com um line up bacana”. O Porão do Rock surgiu de um agrupamento de bandas que ensaiava em um subsolo da quadra comercial da 207 Norte. Logo tornou-se uma ONG. Em 20 anos, o festival reinventou-se algumas vezes, tendo um, dois ou três dias de programação, passando por vários endereços e realizando também edições paralelas. Até 2017, o Porão contou com um público de mais de 1,1 milhão de pessoas, recebeu 458 artistas, sendo 237 do Distrito Federal e 35 atrações internacionais – entre elas, os americanos CJ Ramone, Helmet, Jon Spencer Blues Explosion, Mudhoney, Suicidal Tendencies e Bellrays. Além de pesquisa em material de arquivo, Pedro de Luna entrevistou cinco pessoas ligadas ao festival: os vocalistas de três bandas fundadoras do Porão, Márcio Cokin, da Zamaster; Clausem Bonifácio, da Nulimit; e Alf Sá, da Rumbora; o jornalista e, durante muitos anos, assessor de imprensa do festival, Marcos Pinheiro; e ainda o produtor Gustavo

Sá, o único a ter trabalhado em todas as edições. “Eu faço eventos há 30 anos. A vontade de fazer acontecer, essa adrenalina – e mesmo o estresse – é o que nos move. A carga de satisfação que vem depois é enorme”, avalia Gustavo, que destaca a edição de 2008, com a presença do trio britânico Muse, então no auge da carreira, como um dos grandes momentos desses 20 anos. Compõem a publicação, além dos relatos dos entrevistados, dezenas de fotos, muitas delas inéditas.

Porão do Rock 2018

29 e 30/9, a partir das 16h, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. Ingressos (meia): R$ 20 (à venda em .sympla.com.br/festivalporao-do-rock-20-anos__332497). Programação completa em www.poraodorock.com.br. O livro estará à venda no local do evento.


DIÁRIODEVIAGEM

Castelo de Urquhart

De Outlander a Harry Potter Um roteiro inesquecível pelas Highlands, as terras altas da Escócia sentava, nas cores e padronagens, a “identidade” de cada família ou clã. O modelito mudou pouco nos últimos 300 anos, e é bom lembrar que nunca, em hipótese alguma, devemos denominá-lo de “saia”. A não ser que você empunhe uma bandeira contra a independência do país e queira ganhar inimigos. Cerca de um terço da população das Terras Altas vive em Inverness. A cidade e os arredores são cheios de histórias de lutas, complôs, intrigas e muitos, mas mui-

TEXTO E FOTOS MÔNICA SIQUEIRA

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o desembarque do navio na cidade de Inverness eu me senti em pleno cenário do seriado Outlander, da Netflix, com direito a portal do tempo. Infelizmente, o escocês que nos recebeu não era Jamie Fraser, o mocinho de Diana Gabaldon, mas um legítimo tocador de gaita das Highlands, com seu estilo musical celta e o traje nacional da Escócia, o kilt, marca registrada do país. Confeccionada com o tradicional tecido xadrez em lã, o tartan, a roupa repre-

Tijuana

tos fantasmas. Lá escolhemos visitar uma destilaria de 1838, Glen Ord, o vilarejo de Beauly Priory, o Castelo de Urquhart, o Lago Ness, Cawdor Castle e Cullonden. Não existe possibilidade de ir à Escócia sem incluir uma visita a alguma destilaria. Isso é lei! Glen Ord é uma das produtoras de single malt mais importantes das Highlands. Fabrica o malte 100%, o Singleton Glen Ord, da sua própria cevada, armazenado e necessariamente engarrafado no país. Entre os vários tipos de uísque produzidos, essa categoria só representa 8% do volume total da Escócia. O guia ficou encantado com minha disposição na degustação. Pelo menos acho que era isso que significava seus olhos arregalados.

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Abadia Beauly Priory

Cawdor Castle

Localizada em uma vila minúscula, a abadia (foto acima) foi construída em 1230 para os monges franceses. O pátio possui um dos cemitérios destinados aos chefes dos clãs Fraser e Mackenzie. Muitos sobrenomes na Escócia, aliás, começam com Mac ou Mc, que significam “filhos de” (Mackenzie, filho de Kenzie, por exemplo). Situado bem na curva do rio, o lugarejo é tão pacato que a última carteira furtada por lá foi notícia no jornal durante meses.

Thane of Cawdor, um título mencionado no livro Macbeth, de Shakespeare. Esse castelo do Século 15 (foto acima, à direita), hoje museu, pertence à família Cawdor até hoje e tudo parece em uso: quartos, salas, biblioteca e principalmente a cozinha e seus artefatos. E os jardins são encantadores.

Castelo de Urquhart

Segundo os registros históricos, a Escócia teve cerca de três mil castelos. O Castelo de Urquhart, construído no Século 13, é um dos mais próximos a Inverness. As margens do Lago Ness tiveram um papel importante no controle de uma das rotas das Highlands. O castelo mudou de proprietário várias vezes durante as guerras e resistiu à rivalidade de clãs e revoltas jacobitas. Lago Ness

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Bem próximo a Inverness, é o maior lago do Reino Unido em volume e, lógico, o lar do mítico “monstro de Loch Ness”, carinhosamente chamado de Nessie. Esse é um assunto levado a sério no povoado, sendo que em 1933 a lenda ganhou proporções internacionais. Dizem até que houve mais de mil aparições oficiais até hoje, estimulando um enorme debate entre a ciência e a crença. O que realmente conta, porém, é o grande fomento ao turismo, com registro de um milhão de visitas por ano.

Edimburgo que Harry Potter tomou forma definitiva. Como minha filha é totalmente apaixonada pelo bruxo, preparei o roteiro para mostrar como nascem as histórias, já que não é todo dia que se pode visitar as fontes de inspiração de autores. A agência Wee Scotia Tours organizou nossa visita com guia em português. Grassmarket

Culloden

A Batalha de Culloden, de 1746, é um trauma nacional. Foi a última tentativa de membros católicos dos clãs de Highlands, os Jacobitas, de reintegrar o monarca Charles Stuart no trono da Grã-Bretanha. A luta, que durou apenas uma hora, terminou com a vitória inglesa e o fim da era dos clãs. Edimburgo

A Escócia contribuiu de forma definitiva para a ciência com descobertas como a penicilina, a anestesia, as pesquisas genéticas, a clonagem (vide ovelha Dolly), o telefone, a bicicleta moderna, além de gerar o primeiro geólogo e o primeiro economista. De todas as invenções, entretanto, cheguei à conclusão de que a capa de chuva é uma das mais importantes, pois Edimburgo é sinônimo de chuva. Os livros Don Juan, O médico e o monstro, Ivanhoé, Sherlock Holmes, Peter Pan e os sete da saga do bruxo Harry Potter deram a Edimburgo, em 2004, o título, atribuído pela Unesco, de “Primeira Cidade de Literatura do Mundo”. Isso gerou vários tours literários interessantes. A escritora J.K. Rowling adotou a cidade há 20 anos e costuma dizer que foi em

O passeio com nosso guia, Damian, começou em frente a dois pubs na Grassmarket: The Last Drop e o Maggie Dickson. The Last Drop, que significa o último gole, é um marco macabro do local onde se realizavam enforcamentos públicos. Maggie Dickson foi uma vendedora de peixes condenada à forca em 1724 que sobreviveu milagrosamente. A justiça, na época, considerou que a pena foi executada. Se ela não morreu, foi por obra divina, logo deveria permanecer livre. E seguiu vivendo mais 40 anos como celebridade local.

Dinamarca


The Royal Mile

Principal rua do centro velho (foto abaixo), liga o Castelo de Edimburgo à Holyrood House (a residência oficial da Rainha na Escócia). Para beber uma boa cerveja escocesa (quente), vale a pena conhecer o Deacon Brodie’s, um pub criado em homenagem a William Brodie, inspiração para o romance O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson. Ainda na Royal Mile, atrás da Catedral de St. Giles, há um monumento, o Mercat Cross (Cruz Mercantil) de 1885, que dizem ter sido a inspiração para a “câmara secreta” de Harry Potter. A culinária escocesa

George Heriot’s School

Vizinho ao cemitério há uma prédio renascentista, do início do Século 17 (foto acima), que foi a inspiração para a criação da escola de magia e bruxaria de Hogwarts. É um dos colégios mais ilustres da Escócia e divide seus alunos em quatro casas distintas, com cores características, exatamente como nos livros de Rowling. Localizada no coração da antiga Edimburgo, a escola tem uma linhagem que remonta à sua fundação, em 1628. Segundo nosso guia, as pessoas que estudavam lá eram tão especiais que seriam até mágicas. Greyfriar

Embora resistentes a roteiros fúnebres, acabamos parando no Greyfriar Kirkyard, um cemitério no centro da cidade, do ano de 1560. Segundo dizem, é o mais assombrado do mundo. Além de ser o primeiro ponto do Tour Harry Potter, ele possui outras histórias incríveis. A autora J.K Rowling morava na rua de trás e os nomes de várias lápides serviram de inspiração para seus personagens, como Lord Voldemort, Tom Riddle, Minerva McGonagall, Severo Snape e Alastor Moody. O cemitério virou ponto turístico antes do bruxo por causa da história de um cão terrier chamado Greyfriars Bobby, que ficou vigiando o túmulo de seu dono por 14 anos, até a sua própria morte. A história rendeu vários livros e filmes.

rio, mas fica lotado de turistas, pois foi citado por J.K. Rowling como o local onde ela escreveu o primeiro livro da série. Victoria Street

A rua é, sem dúvida, o “Beco Diagonal” de J.K Rowling. Nela há lojas coloridas e chamativas de mágicas e brincadeiras como The Cadies & Witchery Tours, Diagon House, Aha Ha Ha Joke, The Boy Wizard (lincenciada Harry Potter), além de lojas de chapéus, joias e livrarias. Castelo de Edimburgo

Trata-se do ponto turístico mais importante do país. Foi construído sobre uma rocha vulcânica situada em um dos pontos mais altos da cidade. Certamente foi a inspiração para a localização de Hogwarts, no alto de uma colina. Entre suas maiores atrações estão as joias da coroa escocesa e numerosas exposições históricas, além da vista panorâmica da cidade.

Eu poderia afirmar que o Reino Unido consome única e exclusivamente fish & chips, mas resolvi fazer justiça à profissão de jornalista e, por paixão à Escócia, fiz uma incursão nas delícias locais. A cozinha escocesa é rica em embutidos de porco, carnes nobres bovinas e cordeiros. O prato mais famoso, o Haggis, equivale à nossa buchada de bode. É feito com vísceras, sangue cozido, farinha de aveia e bastante tempero. Foi difícil, mas meu instinto investigativo foi mais forte. Experimentei (e só). Agora, os destaques: o Fudge, que vale matéria à parte. É uma sobremesa caramelada, quentinha, feita na hora em forma de bolo. Outra tentação de lojas que hipnotizam (engorda-se do nada) são os biscoitos amanteigados, os shortbreads, também encontrados em Londres e que eu, por intimidade, chamo de biscoitos da rainha. Ainda que sejam o souvenir mais comum do Reino Unido, mato, morro e engordo por eles. Não deu outra: “ganhei” quatro quilos.

The Elephant House

O café inaugurado em 1995, localizado na George IV Bridge, não tem absolutamente nada de mais, ao contrá-

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GALERIADEARTE

Admirável transgressor POR LÚCIA LEÃO

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le viveu intensamente os maiores conflitos políticos, sociais e existenciais dos conflituados anos finais dos Século 20. Combateu e foi perseguido pela ditadura militar, andou à margem dos padrões sociais estabelecidos, tornou-se um ícone da contracultura, empunhou a bandeira LGBT quando poucos se atreviam a enfrentar os preconceitos, assumiu publicamente ser portador do vírus do HIV. Fez isso tudo com ousadia e uma assumida angústia, traduzidas em histórias contadas com simplicidade, sagacidade, pitadas de humor e muito estilo. Caio Fernando Abreu morreu em 1996 vítima de Aids. Tinha 47 anos e o reconhecimento de público e crítica – ganhou três prêmios Jabuti – que raríssimos escritores alcançaram nessa sua idade. Maior ainda o reconhecimento póstumo. Caio Fernando Abreu completaria 70 anos neste 12 de setembro e a data está sendo lembrada com a reedição de suas obras, um documentário sobre sua vida, saraus e montagens teatrais sobre seus textos em São Paulo e Porto Alegre

– ele era gaúcho – e eventos em várias cidades do país. Brasília recebe a exposição Caio Fernando Abreu – Doces memórias, que estará na Galeria Acervo do Museu Nacional da República até 28 de outubro, com entrada franca. “A exposição proporciona ao visitante uma viagem ao universo físico, profissional e psicológico do escritor, conduzida pelas suas próprias palavras”, explica a curadora Lara Souto Santana. Através de trechos da sua obra, inserida pela curadora dentro de suas principais referências, que foram a música, a literatura, o cinema e a astrologia, Doces memórias pretende aprofundar o conhecimento sobre Caio F., como ele gostava de se identificar, que se popularizou num plano mais raso nestes tempos de rede social, onde caiu no gosto dos novos leitores e rapidamente ascendeu ao pódium dos mais citados sob o clichê de “textos de auto-ajuda”. “Ele tem uma legião de novos leitores e admiradores que nem tinham nascido quando ele morreu, que o conhecem pelos textos reproduzidos nas redes sociais – que tampouco o Caio conheceu – e pensam até que ele está vivo. Vira e mexe ele recebe convites pelo site oficial

para fazer palestras e participar de eventos. Então, a ideia da exposição é apresentar ao público, especialmente aos jovens, a pessoa do Caio, que foi uma personagem icônica da sua época, e oferecer oportunidade de rever, ouvir e sentir sua obra de maneira peculiar, de ir além do óbvio e do superficial. Como ele mesmo dizia: há sempre mais por trás. Que não


Fotos: Felipe Delangelo

te baste nunca uma aparência do real”, diz a curadora. Entre os materiais expostos estão cartas, manuscritos e documentos de sua vida pessoal e profissional, emprestados pela família do autor e pelo acervo do Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUC-RS, que estavam acessíveis apenas a pesquisadores. Estão lá também a “Virginia Wolf”, sua inseparável máquina de escrever, e o laptop “Robocop”, onde imagina-se que exista um precioso acervo de textos inéditos num HD que ninguém consegue recuperar. Fotografias, roupas e vestimentas mapeiam suas andanças pelo mundo e apresentam um jovem transgressor, de postura contestadora, que sempre viveu no limite. E que foi a principal personagem de sua ficção.

Caio Fernando Abreu – Doces memórias

Até 28/10 na Galeria Acervo do Museu Nacional da República. De 3ª a domingo, das 9 às 18h30, com entrada franca. Mais informações: 3325.5220 / 3325.6410.

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Eugen Klagemann

LUZCÂMERAAÇÃO

Os assassinos estão entre nós, de Wolfgang Staudt.

Do lado de lá do muro Mostra no Cine Brasília vai exibir 11 filmes produzidos na Alemanha Oriental POR SÉRGIO MORICONI

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que sabemos sobre o cinema da Alemanha do leste? Nada, ou quase nada. A mostra de filmes produzidos pelo DEFA (Deutsche Film-Aktiengesellschaft) é, portanto, uma oportunidade de conhecer uma enorme produção totalmente esquecida (por motivos óbvios) no ocidente, posteriormente transformada em tabu até a reunificação do país, em 1990. Os curadores Pedro Henriques Ferreira e Thiago Brito tiveram a preocupação de fazer um recorte que abrangesse quatro décadas de produção do estúdio, fundado em 1946 e desativado em 1992, logo após a simbólica queda do muro de Berlim. Entre os filmes programados, Os assassinos estão entre nós (1946), de Wolfgang Staudt, marco inicial do DEFA, e Adeus inverno (1988), de Heike Misselwitz, documentário que já procura entender os desejos e aspirações das mulheres submetidas a um governo fechado já em vias de desaparição. O DEFA foi fundado na zona de ocu-

pação soviética e seria a primeira produtora de cinema na Alemanha do pós-guerra. Enquanto os aliados ocidentais, em suas zonas de ocupação, viam com suspeita a revitalização da indústria cinematográfica alemã, os soviéticos promoviam esse meio cultural e tinham uma ideia bem clara sobre sua importância. Inicialmente seus filmes queriam abordar o passado nazista, a partir de uma perspectiva claramente antifascista. Posteriormente a produção se abriria para muitos outros temas. Houve lugar até para a ficção científica. Filmes como Eolomea (1972), de Herrmann Zschoche, ou Der schweigende Stern (Destination Space: Vênus), de 1959, dirigido por Kurt Maetzig, exploravam o impacto causado pelo lançamento do Sputnik no ano de 1957. O assunto se tornaria recorrente no cinema pelo seu grande impacto social. Outro dos principais marcos da DEFA foi a produção, em 1989, do filme Coming out, de Heiner Carow, sobre a homossexualidade, surpreendentemente o primeiro filme na Alemanha (incluindo a Ocidental) a abordar abertamente essa questão.

Há vários aspectos interessantes em relação a Os assassinos estão entre nós (Die Mörder sind unter uns) Tendo trabalhado na República Federal Alemã (RFA), o diretor Wolfgang Staudt era considerado uma figura incômoda para os dirigentes da RDA. Esse realizador havia sido fortemente marcado pela Primeira Guerra Mundial, que, sem papas na língua, considerava um crime organizado pelo Estado. Os assassinos estão entre nós teve enorme repercussão e foi um sucesso mundial. Ele denuncia com realismo a responsabilidade individual nos crimes políticos. O DEFA deu ao cineasta alguma liberdade de expressão porque, em seu início, a ideia do estúdio não era fazer filme de entretenimento, mas obras que proporcionassem uma reflexão sobre a tragédia do nazismo. O filme é considerado o primeiro trabalho importante do cinema da Alemanha Oriental, especialmente porque dramatizava a questão não resolvida que assombra alma e espíritos alemães até os dias de hoje: teríamos sido todos culpados? Staudt lida com o problema de cons-


Stiftung Michael Loewenberg

Adeus inverno, de Heike Misselwitz.

cob Heym, aprisionado porque não respeita o toque de recolher. O longa difunde uma ideia muito simples para o cidadão da Alemanha Oriental: fascismo nunca mais! Seria esta uma preocupação presente no cinema que se fazia na área ocidental? Não é nada fácil tentar estabelecer pontos de convergência entre as cinematografias de uma nação que na verdade eram duas, com um muro (que não era uma metáfora) impedindo a comunicação e informação do que se passava de fato em cada um de seus lados. O cinema alemão da reconstrução do pós-guerra não foi fácil nem para um nem para outro, ambos preocupados em reunir os cacos da tragédia do conflito mundial. A Alemanha Ocidental só viria a tomar conhecimento do que se fazia no lado oriental com a unificação. Antes estavam, tam-

bém eles, preocupados em fazer a faxina da era nazista, livrando-se do cinema desossado herdado das três décadas anteriores. O Manifesto de Oberhausen, de 1962, foi uma primeira tentativa de se livrar do passado. Entretanto, no final da década, Alexander Kluge e Bernhard Wicki, dois remanescentes do manifesto, se juntariam a Fassbinder, Wim Wenders, Syberberg, Straub e Schölondorff para reafirmar as premissas contidas no documento de Oberhausen. Eles eram o “novo cinema alemão” – do ocidente, bem entendido. No novo século, iriam se juntar a toda uma geração de jovens cineastas (leste e oeste incluídos), dando origem ao que de fato podemos chamar de “o cinema alemão contemporâneo”. Filmes da DEFA – O Cinema da Alemanha Oriental

De 28/9 a 2/10 no Cine Brasília.

Coming out, de Heiner Carow.

DEFA-Stiftung

Wolfgang Fritsche

ciência e identidade alemãs através de uma história simples e forte, fazendo uso consciente de uma iluminação com fortes contrastes, muito próxima da estética expressionista. O filme repousa principalmete na tensão dos extremos de culpa reconhecida e a rejeição da culpa. Financiado pelo Estado, o DEFA fornecia as condições ideais de trabalho para cineastas e técnicos. Chegou a ter uma produção vigorosa. Entre 1946 e 1990, seus estúdios produziram aproximadamente 700 filmes de ficção e 750 de animação, além de 2.250 documentários e curtas-metragens. Quando, em 13 de agosto de 1961, é construído o Muro de Berlim, as circunstância mudam inteiramente. Os estúdios do DEFA ficam em parte isolados e, em virtude dessa realidade, novas preocupações ocupam as mentes dos cineastas da Alemanha do leste. A partir de então eles vão se defrontar com a dura realidade da censura. Realizado em 1965, Karla, de Herrmann Zschoche (1934), seria banido pela censura, assim como vários outros filmes do mesmo período. Por essa época, podia-se sentir alguma influência do cinema ocidental, em especial da nouvelle vague francesa. Karla é a história de um professor que se recusa a compactuar com a hipocrisia. Apesar da situação política hostil, o DEFA emprega mais de duas mil pessoas e segue produzindo, embora a qualidade dos filmes tenha piorado e deixado de ter a relevância de antes. Muitos dos filmes acabariam se tornando fracassos finaceiros. Mas, em 1975, Frank Beyer dirige Jacob, o mentiroso (Jakob, der Lügner), filme superinteressante sobre um gueto judeu em uma pequena cidade polonesa. É lá que vive Ja-

Jakob, o mentiroso, de Frank Beyer.

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CRÔNICADACONCEIÇÃO

Crônica da

Conceição

CONCEIÇÃO FREITAS

conceicaofreitas50@gmail.com

“Quem é esse?”

P

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or que tão poucos, sejam brasilienses, brasileiros ou estrangeiros, perguntam por Lucio Costa quando vão à banca? Anseiam por Athos Bulcão, o candango da moda, se interessam por Burle Marx e por Oscar (os estrangeiros são os que mais se interessam pelo arquiteto das curvas femininas). Raros, raríssimos, perguntam pelo homem de terno meio amarfanhado que espera os clientes à porta, com um sorriso quase severo e um olhar vívido, de quem olha para o mundo com os olhos do afeto. – Quem é esse? – Lucio Costa. – Ah. Daqui a pouco, a cidade que ele in-

ventou vai fazer 60 anos e há 60 anos ele continua quase anônimo para a maioria. A única vez que o vi quase desmaiei, sem exagero. Fui pautada para ir às pressas ao Palácio do Buriti, no governo de José Aparecido de Oliveira. Eu era repórter de polícia, havia chegado a Brasília há pouco mais de um ano. Sabia que ele era o inventor da cidade e que tinha vindo encontrar a criatura depois de longo tempo separados. Lembro de ter subido escadas de dois em dois degraus para ganhar tempo, mas o visitante já vinha descendo. Foi quando minhas pernas bambearam – ele dois ou três degraus acima, eu milhões de degraus abaixo. Quis desaparecer quando ele me olhou como quem pede licença para seguir adiante. A repórter que havia em mim virou pó. Abri passagem para ele e seus acompanhantes descerem e fiquei parada, esperando que minhas pernas voltassem a existir. Era só um homem, mas era de uma excepcional espécie que inventa cidades e, com isso, determina em muito o destino de cada um dos que habitam sua criação. Voltei à redação e inventei uma mentira qualquer – não consegui alcançá-lo, ele já tinha ido embora. E guardei meu batismo brasiliense tão bem guardado que só agora conto (uma repórter que se preza não bambeia as pernas, nem perde a chance de tentar uma entrevista exclusiva com tão extraordinário personagem).

Que Maria Elisa Costa não me ouça, mas tenho por doutor Lucio um sentimento filial. Não poucas vezes, senti como se ele tivesse me levando até o trecho exato de sua autobiografia para argumentar contra os ataques a Brasília. Registro de uma vivência é um livro lindo, gigante e esgotado. Certa vez, uma professora de arquitetura me perguntou por que eu só escrevia “doutor Lucio” e não Lucio Costa, como está padronizado no jornalismo. Balbuciei alguma coisa incompreensível porque para mim era como perguntar por que eu silencio nas igrejas – e olha que não sou das mais crentes. Ela ponderou, com devida propriedade acadêmica, que a minha reverência e de muitos outros ao doutor Lucio embaçava a capacidade crítica de avaliar obra e autor. Mas como não tenho compromisso com o conhecimento acadêmico, sigo chamando doutor Lucio de doutor Lucio. Não quero, com isso, divinizar doutor Lucio, que, aqui bem baixinho, tinha lá suas excentricidades e cometeu lá seus equívocos na invenção do lugar que nos acolhe. Mas doutor Lucio está na minha lista das pessoas que vieram para melhorar a espécie. E ele até criou uma espécie – a brasiliense, que se divide em subespécies, a do Plano e a das outras 30 cidades. E no entorno do quadradinho há outras variações, essas de forte tempero goiano. Fazia tempo que eu não me encontrava com doutor Lucio. Fiquei feliz de tê-lo novamente ao meu lado, aqui, agora, neste escrever pra não morrer.



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