ROTEIRO 298

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Ano XIX โ ข nยบ 298 Fevereiro de 2020

R$ 5,90



EMPOUCASPALAVRAS Bruno Aguiar

Na última hora, a folia teve que sair da Esplanada dos Ministérios para ficar mais segura na Funarte. Afinal, o choque de uma morte pré-carnavalesca em pleno Museu da República fez as autoridades acordarem para a necessidade de garantir tranquilidade a quem só quer se divertir. Na última hora, a animação de Elba Ramalho, Preta Gil e Psirico deu lugar a talentos locais para tornar mais barata a festa que contava com R$ 3,7 milhões de recursos da Lei Orçamentária Anual e agora custará a terça parte disso. O restante, segundo o secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, será revertido para a festa de aniversário de 60 anos da cidade. Apesar dos pesares, a programação oficial do Carnaval brasiliense tem tudo para acontecer em grande estilo com o reforço garantido dos blocos que arrastam milhares de foliões concentrados, este ano, no Setor Comercial Sul, transformado em Setor Carnavalesco Sul; no estacionamento do Ginásio Nilson Nelson e no Parque da Cidade, conforme informamos na matéria E vai rolar a folia, a partir da pág. 22. Em matéria de gastronomia, o que há de novo por aqui é o Bar 2gather, no Pontão do Lago Sul, capitanetado pelo chef Willian Chen. Sua proposta é unir dois conceitos da culinária oriental, ou seja, um izakaya com um noodle bar. O primeiro designa lojas de bebidas que servem pequenas refeições, enquanto o segundo se refere a locais maiores, especializados em refeições de ramens, ou lámens, como costumamos dizer por aqui (pág. 4) Apresentamos também uma nova pizzaria, a Grano & Oliva, dos mesmos donos do Cantucci Bistrô. Inaugurada há pouco mais de três meses, trabalha com massa de fermentação natural de 48 horas, para conseguir mais leveza nas pizzas. Para chegar à receita ideal, os proprietários contrataram a consultoria do chef Jaqueson Dichoff, de São Paulo, que ensinou: o ingrediente secreto é o maior tempo de fermentação natural, responsável pela leveza da pizza (pág. 8). Leve, também, fica o ambiente de bares e restaurantes que fizeram parceria com artistas locais e deixaram o grafite harmonizar com suas propostas etílico-gastronômicas. A repórter Evelin Campos visitou vários deles e constatou que a tendência só traz benefícios para os empresários e para os artistas que têm nesses locais espaço para divulgação de uma arte nascida nas ruas de Nova York na década de 70 e que agora tem permissão para entrar e alegrar alguns de nossos melhores bares, restaurantes, cafés e até padarias (a partir da pág. 19). Boa leitura e até março. Maria Teresa Fernandes Editora

19 galeriadearte A padaria Pão Dourado do Park Sul foi uma que aderiu à onda do grafite, que pouco a pouco invade badalados endereços gastronômicos brasilienses.

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ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SQSW 104 – E – 501 – Setor Sudoeste – Brasília-DF – CEP 70.670-405 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Carlos Roberto Ferreira, com foto do acervo do bloco Virgens da Asa Norte | Colaboradores Alexandre Marino, Alexandre Franco, Ana Vilela, Beth Almeida, Conceição Freitas, Evelin Campos, Heitor Menezes, Junio Silva, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Pedro Brandt, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá,Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle, Walquene Sousa | Fotografia Rodrigo Ribeiro, Sérgio Amaral | Para anunciar 98275.0990 | Impressão Foxy Editora Gráfica | Tiragem: 20.000 exemplares.

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ÁGUANABOCA

Black ramen

Pork bun

Delícias do Oriente N

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o último 25 de janeiro iniciou-se a configuração astrológica do ano do rato de metal no horóscopo chinês, que reinicia a rotação zodiacal da cosmologia oriental e é considerado, por muitos, um ano de renovação. Na mesma semana, aqui na capital, abriu as portas uma nova casa largamente inspirada nas tradições gastronômicas orientais: o Bar 2gather. Com o nome se referindo ao verbo inglês to gather (reunir, congregar), a casa é capitaneada por William Chen Yen, herdeiro de uma família há muito no ramo dos restaurantes orientais, como os chineses Fon Min e Taiwan, e também à frente dos contemporâneos Babel, La Table Cachée e Paris 6, além de passagens pelo Rio, Espanha e França. Localizado no Pontão do Lago Sul, o espaço é, nas palavras de Chen Yen, a únião de um izakaya com um noodle bar,

dois conceitos proeminentes na gastronomia oriental. Enquanto os izakayas denominam lojas de bebidas (mas comumente de saquê) que também servem petiscos e pequenas refeições, usualmente voltadas para a classe trabalhadora, os noodle bars são locais maiores, especializados nos ramens, refeições de macarrão com carne, vegetais e ovos, gyozas – tradicionais pães grelhados recheados – e outras iguarias. Na esteira dos izakayas, o cardápio do 2gather oferece, além de gyozas (R$ 21), baozis de porco (R$ 19), harumakis de legumes (R$16) e tempurás de filé de frango (R$ 26). A título de curiosidade, a diferença entre o gyoza e o baozi está no preparo: enquanto o primeiro tem formato de meia lua, sendo cozido e depois grelhado, o outro é um bolinho redondo chinês, em formato de trouxa, e apenas cozido no vapor. Na parte das refeições quentes há três versões, de nacionalidades distintas, do

carro-chefe de um noodle bar. Em primeiro lugar, o ramen japonês (R$ 42), com opções de caldo tonkotsu (feito com os ossos do porco), missô (à base de soja) e um caldo escuro chamado black, de traços mais pesados e salgados. Como opções Pedro Camargo

POR VICTOR CRUZEIRO


Fotos: Gui Teixeira

de proteína, o ramen pode conter tofu, barriga de porco e cupim. Da China, o chow mein, também conhecido como yakisoba, é um macarrão frito com legumes acompanhado de tofu, frango, carne ou camarão (R$ 38 ou R$ 42). Finalmente, representando a Tailândia, o Pad Thai, um macarrão de arroz picante com legumes, amendoim e uma dessas três opções: tofu, frango ou camarão (R$ 42 e R$ 48). Bem servidos, os pratos mostram bem a proposta da casa e o intuito do chef de oferecer um espaço que congregue referências selecionadas e variadas de um espectro tão amplo quanto o da gastronomia oriental. Contudo, há de se atentar para o fato de que a casa não arrisca tudo que tem e abre concessões impetuosas para o paladar brasiliense, como batatas fritas (R$ 19), rústicas, com furikake (um condimento de peixe, algas e gergelim), e um curioso aioli da casa, além de um cheesecake de frutas vermelhas com uma leveza da ricota no lugar do cream cheese, felizmente consonante com o cardápio e seus sabores. Há, claro, algumas preciosidades que despontam, ainda que não sejam as estrelas principais, merecendo destaque a nasu no missô, uma berinjela frita rechea-

Gyoza

da com pasta doce de missô e gergelim (R$ 19), e uma releitura do Moscow Mule, com saquê no lugar da vodca, que dá um toque interessante à experiência de intersecção entre as gastronomias (R$ 24). Incrustado em um local recheado de estabelecimentos variados, que se apegam ferrenhamente às suas propostas, o 2gather traz um respiro de autenticidade

Chow mein

gastronômica. Desejar sorte e encorajar o chef William Chen Yen neste recémchegado ano do rato, para muitos um ano vinculado à prosperidade e à inovação, é o mínimo que podemos fazer. Que seu ano seja muito abundante! Bar 2gather

Pontão do Lago Sul Diariamente, das 12 às 23h. Pedro Camargo

Nasu no missô

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ÁGUANABOCA

O Brooklyn é bem aqui Complexo composto por bar, café e loja colaborativa abre as portas ao público brasiliense com muita moda, gastronomia, arte e cultura. POR EVELIN CAMPOS FOTOS THIAGO RODRIGUES

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Brooklyn é um daqueles lugares que dispensam sutilezas do endereço, como bloco e número da loja, no caso de Brasília. Você não o encontra, ele simplesmente se impõe, se faz notar. Basta descer a 706/707 Norte para ter não só os olhos, mas principalmente a atenção e a curiosidade capturadas pelo prédio revestido de charmosos tijolinhos e com uma intervenção artística que já se destaca como selfie point e um dos maiores grafites verticais da capital, com 12 metros de altura. O rapaz descolado usando tênis sneaker e segurando uma caneca de café – criado pelo artista brasiliense Pomb exclusivamente para o projeto – interage perfeitamente com a arquitetura da fachada. E é um convite a conferir as surpresas do complexo, que reúne loja cola-

borativa, café e bar em um espaço inspirado no distrito novaiorquino que dá nome ao empreendimento, inaugurado oficialmente no último dia 30 de janeiro. A ideia do negócio, comandado pela empresária e DJ Camila Jun, pelo produtor cultural e DJ Chicco Aquino e pelos empresários Naor Luna e Carlos Alberto Ferreira, surgiu do desejo de oferecer uma coisa nova. “Pensamos: loja, café e bar já existem. Então, por que não fazer algo diferenciado nesse local incrível que é a 700? Isso aqui parece um grande centro urbano do mundo e uma das maiores referências de centro urbano é o Brooklyn”, conta Camila, que morou em Nova York durante um ano e meio para fazer mestrado. Assim, o quarteto revitalizou o prédio e a praça em frente e aplicou no complexo o conceito do distrito mais hipster da Big Apple, sem deixar de lado a conexão com Brasília. A arquiteta Marcela

Arantes trouxe referências do Brooklyn dos anos 90, com muita expressão da cultura de rua e espaços cosmopolitas e modernos, complementados por painel decorativo encabeçado pelo artista plástico Douglas Viana na linha da street pop art, com grafite, colagem, pintura, luzes e instalação de objetos. A casa possui capacidade para 40 pessoas na área externa e 10 na interna. A ideia é chegar a 80 após adaptações. A parte gastronômica ficou por conta de Cynthia Ashiuchi, do Salve Café Maravilha. No cardápio, que tem referências asiáticas e de street food, há sanduíches, comidinhas, doces e cafés especiais quentes ou gelados. Destaque para o sanduíche My Pastrami (focaccia de fermentação natural, pastrami, creme de parmesão da casa, tomatinho, espinafre e molho de mostarda e mel), a R$ 24, e para o Meet and Chips (pulled pork acompanhado de chips de batata), a R$ 28. Este


último possui versão com cogumelos da estação refogados no lugar da carne suína, o Mushroons and Chips (R$ 30). Assinada pelo mixologista Gustavo Guedes, a carta de drinques vem da coquetelaria clássica e impressiona pelos sabores – uns encorpados, outros refrescantes. O foco é em hits novaiorquinos e releituras, com infusões e misturas de bebidas alcoólicas. Entre os mais pedidos estão dois coquetéis batizados com nomes de bairros do Brooklyn: Dumbo (Ketel One, maracujá, xarope de cumaru, limão e espuma de gengibre com Stella Artois) e Greenpoint (drinque gaseificado com vinho verde, St-Germain, absinto com infusão de pera, ginger ale e lâmina de pepino). Cada um a R$ 27. Os pedidos são feitos no balcão. Além de apreciar os drinques ou uma boa cerveja com os amigos, o público também pode fazer umas comprinhas na loja colaborativa, que valoriza marcas brasilienses de roupas, acessórios, joias, biocosméticos, artigos de decoração e produtos sustentáveis. Dentre as marcas estão Babalong.co, Brechó dos Óculos,

Soulu, Galeno Brand, Marafa e Nave. A casa funciona, ainda, como vitrine para artistas locais, com espaço para exposição de telas, disponíveis para venda. Para completar a experiência, o complexo possui programação cultural. Às quartas, os DJs Camila Jun e Chicco Aquino dividem as pick-ups com sets inovadores e ritmos como soul, hip hop e blues. Às quintas, tem Jazz no Brooklyn, com banda ao vivo. Às sextas, mais agito com DJs, e aos sábados rola o Brooklyn

Barbecue, em parceria com Lucas BBQ e ao som de muito hip hop. De quarta a sexta, a música começa às 19; aos sábados, a partir das 12h. “Brooklyn é isso. Um ponto de encontro, de efervescência cultural e artística, com mistura de raízes e muita cultura de rua”, define Chicco Aquino. Brooklyn

706/707 Norte, Bloco C De 2ª a 3ª feira, das 12 às 20h; de 4ª a 6ª, das 12 às 24h; sábado, das 10 às 19h.

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O tempo como

ingrediente secreto

POR BETH ALMEIDA FOTOS SÉRGIO AMARAL

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ma pizza mais leve, com menos açúcar e elaborada a partir de produtos de qualidade, em que a grande virtude vem da paciência do pizzaiolo em esperar pela fermentação de 48 horas. É o que promete a Grano & Oliva, nova pizzaria da cidade, inaugurada há pouco mais de três meses no início da Asa Norte. O diferencial da casa não é apenas a fermentação natural da massa, mas também os sabores criados pelos proprietários, os mesmos do Cantucci Bistrô, que há quase nove anos funciona no mesmo Bloco E da 403 Norte. Aberta apenas à noite, a casa oferece 11 possibilidades de recheios, desde os mais tradicionais, como calabresa e margherita, até delícias como a pizza Funghi e Zucchini (cogumelo e abobrinha) ou a Domenica, que leva peperoni artesanal e straciatella, espécie de creme de queijo extraído do centro da burrata. Como entradas, cinco opções, entre elas a Katcha, receita tradicional da Geórgia, no leste

europeu, massa em formato ligeiramente ovalado, com as bordas altas, para recheios mais suculentos, como uma gema assada mole do Nostro Katcha (R$ 19) ou o Nostro Katcha di Parma (R$ 23), que leva crispy de presunto parma. A Katcha está presente também nas sobremesas, podendo ser recheadas com morango, nutella e castanha de caju ou

com queijo, banana, canela e açúcar. E se falamos em pizza, impossível não falar dos azeites servidos pela casa. Além do tradicional, o cliente pode optar por um dos nove tipos de aromatização, com sugestões de uso de acordo com o sabor da pizza escolhida. Na carta de vinhos, 22 rótulos nacionais e importados, além dos que fazem


Novo chinês TEXTO E FOTO SÚSAN FARIA

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parte da Enoteca, que serve tanto ao Cantucci quanto ao Grano & Oliva. Os rótulos disponíveis podem ser consultados por meio do perfil das duas casas no Instagram. Para chegar à massa ideal, os proprietários contrataram a consultoria do chef Jaqueson Dichoff, de São Paulo. “Queríamos utilizar esse tipo de processo porque o sabor e a leveza da massa deixam a pizza muito mais gostosa”, explica Rodrigo Mello, um dos sócios da Grano & Oliva e do Cantucci (na foto à esquerda). Segundo Dichoff, o ingrediente secreto da massa é exatamente o tempo, que, além de quebrar os açúcares e dar mais leveza, também quebra um pouco da malha glutínica, tornando a digestão muito mais fácil. Trabalhando com fermentação natural há quase 20 anos, Dichoff desenvolveu para o clima de Brasília uma massa que leva apenas 0,2% de fermento biológico, quando a maioria das pizzarias usa entre 4% e 5%. “Mas todo esse processo traz um bom resultado pelo uso da farinha importada 00, que não tem impurezas e contém glúten natural”, acrescenta o chef. Para resumir tudo: sabe aquele seu amigo que tem azia até quando engole ar? Pode levá-lo até a Grano & Oliva. Ele não vai parar para comprar sal de frutas na volta para casa.

cor, o sabor e o aroma da culinária chinesa são peculiares e há décadas caíram no gosto dos brasileiros. Mesmo em tempo do coronavírus, os restaurantes chineses no Brasil continuam fazendo sucesso. É o caso do Brazilian China, quarto restaurante montado pelo chef Jia, que abriu as portas em dezembro na 410 Sul. “Tudo cheio”, comemora o chef de 47 anos, da região de Zhejiang, que quase não fala português, apesar de viver há 16 anos em Brasília. Na verdade, os familiares de Jia têm oito restaurantes espalhados pelo Distrito Federal. O primeiro dele, em Taguatinga Sul, foi vendido para um primo, restando três: em Taguatinga Norte, próximo ao Carrefour Sul e agora na Asa Sul, onde durante quase três décadas funcionou o Bali, cujos donos se aposentaram. Jia conta que estudou cinco anos em uma escola de culinária em Zhejiang, no leste da China, terra de muitos rios e lagos, templos sagrados e antigas cidades. “Primeiro lava prato, depois cozinha”, explicou. Veio para Brasília já casado com uma conterrânea, com quem tem três filhos. Gosta dos brasilienses: “Gente boa, não briga”, comenta. Seus pais moram em Zhejiang, mas entre familiares e amigos não há vítimas do vírus que hoje assusta o mundo. O foco agora está no Brazilian China, inicialmente aberto para almoço à la carte e self service. Ali não faltam, é claro, peixe

frito, camarões empanados, rolinho primavera, chop suey, arroz colorido, carne suína com molho agridoce, arroz frito com camarão, bijun (macarrão chinês feito de arroz) e yakisoba de frango, carne ou camarão. Há variedade de saladas e de comida brasileira: omelete, batata frita, quiabo, abóbora, arroz, feijão e carnes na chapa. As porções à la carte, em média com 300 a 400 gramas, são muitas: arroz colorido a R$ 16,90 (ou R$ 20,90, com camarão), arroz frito tradicional à moda chinesa (R$ 17,90), lombo ou frango empanado (R$ 22,90), yakisoba com camarão (R$ 25,90) ou com carne, legumes e champignon(R$ 21,90); frango xadrez (R$ 22,90) ou ao molho de gengibre (R$ 24,90) e carne acebolada (R$ 23,90). Os pratos executivos também estão bem em conta, variando entre R$ 17,90 (macarrão com carne, arroz branco e sushi) e R$ 31,90 (camarão frito com salada). “Tive indicação para vir aqui. A apresentação e o gosto da comida são excelentes”, comentou a funcionária pública Heloísa Moreno, 64 anos, vizinha do restaurante. Durante três meses, a casa passou por reforma. A cozinha ficou em cima e o atendimento no térreo. São 50 mesas e 200 cadeiras de madeira. A decoração é modesta, com teto branco, duas TVs, alguns quadros chineses e duas vaquinhas de porcelana. Mas a comida é fresca, variada, saborosa e com excelente preço. Brazilian China

410 Sul, Bloco D (3242.0944) Diariamente, das 11 às 15h.

Grano & Oliva

403 Norte, Bloco E (3037-2147) De 3ª a domingo, das 18 às 24h.

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PICADINHO

Rayan Ribeiro

Restaurante Week A 22ª edição brasiliense do festival Restaurante Week chegou cheia de novidades. Agora, existem três categorias de menus, todos com entrada, prato principal e sobremesa. O mais barato custa R$ 43,90 no almoço e R$ 54,90 jantar; o intermediário, R$ 55 e R$ 68, respectivamente; o mais caro, R$ 68 e R$ 89. Até 1º de março, mais de 60 restaurantes da cidade servirão pratos inspirados nas culinárias de vários países do mundo, entre eles os estreantes Aglio, Bartô, Cão Véio, Così, Dom Francisco, Pecorino, Pecorino Bar & Trattoria, Primus Boutique de Carnes, Reduto Bar, SouthSide Brasília e Ver o Pará. O menu mais barato pode ser encontrado no Saj, Cowtainer e Paris 6, por exemplo; o intermediário, no Nau Frutos do Mar, Caminito ParrilLa, Oliver e Doma Rooftop; e o mais caro no Così e no Rubaiyat. Neste último, uma das opções de prato principal é o filé de pescada ao molho de tomate, azeitonas pretas e manjericão fresco e banana da terra, acompanhado de arroz branco e cebolete (foto). Como nas edições anteriores, os organizadores sugerem que cada cliente doe R$ 1 à ONG Amigos da Vida.

Dupla despedida Ainda dá tempo de aproveitar também a 10ª edição do festival Panelas da Casa, do qual participam 11 restaurantes – Belini Café, Bhumi, Cantucci Bistrô, Carpe Diem, El Paso, Nossa Cozinha Bistrô, Reverso, Kojima, The Plant e os estreantes Le Parisien Bistrot e Grano & Oliva. Somente até o dia 23 serão oferecidos menus individuais, com entrada, prato principal e sobremesa ao preço de R$ 55. Uma novidade desta edição é a parceria com a marca Kalvelage, fabricante de gin e vodka, que oferecerá aos comensais a opção de troca da entrada ou sobremesa por um drinque elaborado com essas bebidas. Outro parceiro do festival – este já tradicional – é a cerveja Colombina. Na foto, menu completo do Nossa Cozinha Bistrô, servido no almoço e no jantar: pastel de rabada com relish de pimenta biquinho e couve fininha; costelinha de porco flambada com cachaça, barbecue de goiaba, arroz e farofinha crocante; cobler de banana com doce de leite e sorvete de creme; e Caipiroska do Sítio, preparada com limão selvagem, xarope de jamelão, alecrim e vodka Kalvelage.

Gin com café espresso

Divulgação

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Ao mesmo tempo em que finaliza a montagem de três restaurantes na quadra 304 do Setor Sudoeste, a chef Lídia Nasser anuncia o encerramento das atividades do Dolce Far Niente e do Empório Árabe da 215 Sul. A dupla despedida será em grande estilo, com muitas atrações culturais e descontos especiais até o último dia de funcionamento, 22 de fevereiro. No Empório Árabe, por exemplo, a cada dia um dos cinco pratos individuais mais pedidos terá 30% de desconto. Na segundafeira, dia 17, esse suculento medalhão de filé mignon, acompanhado de arroz com lentilhas, cebola e fundo de alcachofra grelhada, terá seu preço reduzido de R$ 53,90 para R$ 37,73. No Dolce Far Niente, o rodízio de pizzas (R$ 55,90 por pessoa) será reforçado por duas massas artesanais recheadas – nhoque e ravióli – e por um risoto de filé com funghi. Ambas as marcas ressurgirão no Sudoeste em março, junto com o japonês MaYuu Sushi.

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Thiago Bueno

Panelas da Casa

Parece esquisito, mas não para um barista ousado como Daniel Viana, do Coffe, Wine & Co, espaço do Setor de Indústrias Gráficas que reúne múltiplas atividades. Ao preço de R$ 35, o Espresso Tônica (foto), preparado com o premiado Beg Gin, tem agradado em cheio a clientela. Em outras versões, apropriadas para apreciadores de drinques adocicados, o gin é misturado com canela e maçã verde ou com flor de sabugueiro e baunilha (R$ 30, ambos). Para completar, o clássico gin tônica (R$ 30, também).


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Porchetta no Clube de Golfe A iguaria mais famosa do Le Birosque, da Quituart, acaba de chegar ao Quintal, espaço de entretenimento ao lado do restaurante Oliver, do Clube de Golfe, cujos amplos espaços vêm sendo divididos pelo proprietário, Rodrigo Freire, entre operações e eventos os mais diversos. O Le Birosque vai cumprir ali uma temporada de dois meses, de quinta a sábado, servindo, além da porchetta com polenta cremosa (R$ 54), outras criações do chef Luiz Trigo, como o espaguete à carbonara com gema curada e o rigatone à matriciana com fonduta de pecorino (R$ 44, ambos). Reservas pelo telefone 3323.5961 e WathsApp 98111.9853.

Mês de frutos do mar

Davi Fernandes

Doido Burger Acaba de vir à luz mais uma criação do empresário Alexandre Geléia, ainda mais ousada do que as anteriores, oferecendo hambúrguer artesanal por apenas R$ 10. O Doido Burger, como foi convenientemente batizado, abriu as portas no dia 3 de fevereiro na quadra 5 do Setor Comercial Sul, um dos locais mais movimentados da cidade. O cardápio tem quatro versões de hambúrgueres, entre eles o da foto abaixo, que leva o nome da casa, composto de blend de carne smash (100g), queijo prato, alface, tomate e maionese no pão brioche artesanal. Qualquer um dos quatro custa R$ 10 e o cliente ainda pode optar por uma versão dupla, pagando mais R$ 6.

No Santé 13, da 413 Norte, os pratos especiais do mês, elaborados pelo chef Divino Barbosa, são a lagosta grelhada em pedaços com penne, tomate sweet grape, manjericão e crocante de alho (R$ 69) e a agulhinha com frutos do mar (R$ 67), composta por mexilhão, polvo, camarão, lula e salmão, além de arroz com açafrão da terra e pimenta dedo de moça.

Thiago Melo

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Mês do pisco sour O drinque mais famoso do Peru é a atração do mês no Dalí Cozinha Peruana, do Complexo Brasil 21. Até o final de fevereiro, de segunda a sábado, no almoço e no jantar, o restaurante oferecerá dois ceviches e um pisco sour (de limão, maracujá ou acerola) por apenas R$ 65. O drinque é preparado com pisco, aguardente com teor alcoólico entre 38 e 48 graus, obtida da destilação da uva. O pisco surgiu no Século 17 no Vale de Ica, próximo a um povoado de cujo nome se apropriou. Na fabricação da bebida, as uvas frescas passam por cubas de fermentação por um período de 7 a 14 dias. A etapa seguinte é a destilação no alambique. Finalmente, a bebida passa de três a nove meses em repouso.

Sexto Outback O JK Shopping, na divisa entre Taguatinga e Ceilândia, foi escolhido para abrigar a sexta unidade brasiliense do Outback Steakhouse, que, assim como as demais, oferecerá cardápio e decoração inspirados na Austrália, além do atendimento descontraído que é uma de suas marcas registradas. Algumas das especialidades da casa são a Bloomin’ Onion – aquela cebola gigante – e a costela de porco preparada em chama aberta, marinada com um mix de temperos secretos e coberta com molho barbecue. Nada menos de 110 funcionários serão recrutados para compor as equipes do salão e da cozinha, preferencialmente estudantes com mais de 18 anos, ensino médio/técnico completo e disponibilidade de horário, inclusive nos finais de semana e feriados.

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DIÁRIODEVIAGEM

Pastelaria

brazuca na Suíça

POR LÚCIA LEÃO FOTOS JOÃO TORIBIO

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ma embarca na estação de Montreaux, ao tempo em que a outra pega o trem em Biel, na direção oposta. Cerca de uma hora depois, acompanhadas das filhas, as amigas se encontram em Lausanne para colocar a conversa em dia e comer pastel. Essa é a rotina de todos os sábados das baianas Elizabeth Jansen e Dominique Portela (na foto acima) desde que descobriram a Rapid Lunch, da paraibana Melry Silva dos Santos (ao lado). As duas gostam da vida que levam na Suíça e, com a descoberta, já não têm mesmo do que reclamar: “Às vezes o que a gente sente falta é dos amigos e dos sa-


bores do Brasil. Então, a gente se encontra aqui para comer esse pastel maravilhoso, matar as saudades e a vida segue”, resume Elizabeth. É ali também, na discreta loja de uma rua de pouco charme da região central de Lausanne, que a paranaense Selma Barbosa (na foto acima) gosta de marcar um lanche com os amigos, brasileiros ou não, sem medo de errar na pedida: “Não existe nada na culinária europeia parecido com esse pastel”. A Rapid Lunch abriu as portas em 2010 como uma pastelaria e os quitutes seguem sendo seu carro-chefe, sem dever nada aos melhores pastéis das feiras paulistanas: super crocantes e sequinhos, com recheio farto e saboroso. Mas hoje é também uma coqueluche das festinhas e reuniões não só de brasileiros residentes na Suíça, mas dos próprios suíços, cada vez mais seduzidos pelos nossos tradicionais “salgadinhos”, especialmente coxinhas e empadinhas. “Chegamos a entregar mais de três mil salgadinhos por final de semana. Viramos a noite trabalhando, porque são todos feitos a mão”, conta a chef paraibana, que responde por todo o trabalho da cozinha junto com o marido português João Ganhão (com ela na foto ao lado). O sucesso não surpreende quem degusta os quitutes preparados pelo casal. Tudo o que sai da pequena cozinha, localizada no centro comercial de Lausanne, é muito saboroso: pasteis, salgadinhos, bolos confeitados – outra linha de produtos muito requisitada na casa – e alguns pratos brasileiros, como o galeto assado e a

vaca atolada. Como o espaço só comporta quatro mesas, a maior parte das refeições é servida em quentinhas para viagem. E ninguém diz que tudo começou num susto. “Eu achava que era só funcionária da lanchonete quando um belo dia o dono desapareceu e começaram a aparecer os cobradores. Aí eu descobri que era dona, que os contratos estavam todos no meu nome. Eu tinha sido usada como ‘laranja’. Aí eu tinha duas opções: ou ía pra polícia e arranjava um proble-

mão ou dava um jeito de pagar as dívidas e assumir o negócio. Foi o que eu e o João resolvemos fazer”. Foi também nas vagas da vida que Melry chegou ao ramo da gastronomia. Quando saiu do Brasil, em 2003, buscava uma nova oportunidade, depois que a casa de jogos onde trabalhava em João Pessoa foi fechada. A convite de uma amiga que migrara pouco antes, foi parar em Lausanne. Trabalhou como babá e faxineira até aparecer a primeira oportunidade num restaurante. O teste para o emprego era preparar um bufê com nove pratos. Por telefone, pediu assessoria ao avô, que tinha um pequeno restaurante na Paraíba, onde, por insistência da mãe, ela tinha aprendido noções básicas de cozinha. “Eu não tinha nenhum interesse por aquilo, mas minha mãe quase que me obrigava a ficar ali dizendo que aprender não ocupa espaço”. Seu Antonio, o avô, definiu o cardápio, passou as receitas e Melry, com o que tinha aprendido, sem nem perceber preparou os nove pratos. Conseguiu o emprego! Vida que anda, acabou convidada para trabalhar na Rapid Lunch... e o resto da história você já conhece! Se estiver em Lausanne, vale a pena conhecer Melry, uma brasileira de garra, e seus quitutes maravilhosos.

Rapid Lunch

Rue de la Borde 31, Lausanne (41-76-

Iza945.4083)

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GARFADAS&GOLES Cartas lusas

Dos pastorzinhos ao bacalhau Viseu, Portugal.

Meus prezados editores: Fátima é uma pacata cidade portuguesa com doze mil almas ali residentes e domiciliadas. Uma vez por ano, porém, ai Jesus!, é possível ter-se momentos de até 300 mil gentes a peregrinar pelas ruas do burgo. Fátima tem um santuário, uma basílica e um incontável número de recantos benditos a atrair e agasalhar essas multidões a cada primavera. O lugar principal é amplo, moderno, dotado de infraestrutura e capaz de acolher todo esse povo. Os mais jovens e os mais saudáveis, ou os repentinamente tocados por energia inexplicável, caminham e oram por todos os lugares e bosques, sagrados ou não, dos centros maiores às pequenas covas. Sábia, a Santa Madre promove e provê todos os sítios de carinho, hospitalidade e amor para os romeiros. Afinal, nos dias atuais, fé também é bizness. E salve a Santa Cova da Iria, onde num treze de maio a Virgem Maria apareceu para os três pastorzinhos. E ao colunista, ateu graças a deus, também coube ir a Fátima neste início de lusitana passagem. A fé muita vez elude a fome. Não é o caso. Ao pé do hotel, meus prezados editores, em guarda, feito atalaia, se perfila um tranquilo e devotado templo, outro tipo de templo: dedicado ao bacalhau. A remissão dos pecados existe e é milagrosa quando satisfaz a fome ou “mata o bicho”, no dizer dos antigos habitantes destas terras. O divino se prolonga faceiro aos goles do líquido produto das videiras que cá vicejam. A RUA FRANCISCO MARTO, 28, tem dupla serventia e igual abrigo: um hotel, o Ribeiro; e um restaurante, a Taberna do Bacalhau. Ao primeiro corresponde receber peregrinos e descansá-los. À segunda cabe o milenar ofício de restaurá-los, deixá-los outra vez novos e bem dispostos a praticar os santos misteres da fé. Rezado e menos ímpio, principalmente pelo ambiente beatíssimo da cidade, coube ao grupo de brazucas enfrentar os mistérios de tão afamada cozinha. E assim desfilaram: com natas, à casa, ao Zé do Pipo, com broas, grelhado, cozido, todos precedidos e acompanhados com

mimos de mesa e de tinto e farto néctar das uvas da região. Éramos oito e sobrou pouco, pois a gula insidiosa permeia a casta peregrinação. Um convescote familiar majoritário: madame, a matriarca serena e prateada, duas cunhadas, uma sobrinha e duas amigas. “Bendito é o fruto!”, exclamou o colunista a certa altura do ágape. Uma celebração digna. Tal e qual o previsto com guarida e quase sem mácula pelo direito canônico. Difícil precificar custos ou penas nessas horas, mas delfins terrenos não condenaram a mais de doze euros de penitência cada alminha participante nesse dia único de homenagem a Fátima. UNS FICARAM, OUTROS PARTIRAM e quem parte sempre leva uma saudade, igual ou maior do que a saudade de quem fica. E dessa palavra da qual temos o monopólio linguístico universal, egoísta, brotam pratos, receitas, sabores, preferências e memórias, todos a acompanhar a eterna aventura do viver. O ANIVERSÁRIO DO COLUNISTA, um desavergonhado a comemorar mais de seis décadas, por exemplo, deu sequência uma semana depois. Teve primazia no adentrar da avenida. Abriu libações na véspera com queijinhos e espumas. Um pas de deux, bien sûr. O almoço do jubileu mesmo foi no domingo. E, com sobreviventes das batalhas de Fátima e reforços novos, já lusitanos conquistados, depois de empadinhas mineiras, de massa podre e tudo mais, atacou-se um bacalhau desfiado, autoria de R., com creme e batata palha; e uma carne de receita própria, “la viande de Provence a la sauce roquefort”. Juste à cotê, le vin, “tinto e bastante”, padrão fronteira-oeste gaúcha, adaptado ao Rio Dão, onde erro não há. POR FIM, O DESCANSO. Justo e merecido interregno para quem, mesmo sem vírus, entrou definitivamente no reino dos “coronas”. Assim seja! Aos meus editores queridos o abraço saudoso e uma rara promessa de quarentena até o Carnaval. Quem viver verá, comerá e beberá. Amém!

AS DELÍCIAS DE MINAS PERTINHO DE VOCÊ 14

LUIZ RECENA

lrecena@hotmail.com

Queijos, doces, biscoitos, castanhas, pão de queijo, pimentas, farinhas, polvilho caipira, massa para tapioca, mel, manteiga, cachaças, linguiça, frango e ovos caipira.

Av. Castanheiras, Ed. Ônix Bl. A - Loja 2 - Águas Claras


PÃO&VINHO

Vinho de viagem Às vezes fazemos o que chamo de “viagem de vinho”, quando o objetivo essencial da viagem está relacionada ao precioso líquido, com visitas a feiras, vinícolas e outros eventos diretamente ligados ao mundo do vinho. Elas costumam ser mais raras, mesmo para mim, que me dedico, em certa medida, de forma profissional ao vinho. Muito mais comum a mim e a todos os apreciadores dessa maravilhosa bebida é fazer viagens em que se aproveite para descobrir e experimentar vinhos, além, é claro, de comprar bons exemplares para trazer conosco e saboreá-los mais tarde. É a esse “vinho de viagem” que me refiro no título da coluna. Gostaria, pois, hoje, de levantar alguns pontos sobre esse tema: vale a pena comprar vinhos quando viajamos e trazê-los para casa? Onde comprá-los? Como trazê-los? Quando bebê-los, já de volta ao lar? Em princípio, vale muito a pena comprar vinhos no exterior e trazê-los para nosso consumo em casa, mas há alguns pontos a se ponderar. As vantagens são o preço (no exterior quase sempre os vinhos são bem mais baratos que no Brasil), mas também a exclusividade (há muitos rótulos que não estão disponíveis no mercado brasileiro), a possibilidade de conseguir safras antigas e especiais (raramente disponíveis no Brasil), além de uma garantia maior de que o vinho será bem armazenado desde sua aquisição (há importadoras que armazenam mal os vinhos que trazem e eventualmente quando os compramos sofremos as consequências disso). Temos de considerar o trabalho envolvido no transporte das garrafas. Muitas vezes, após a aquisição dos vinhos desejados a viagem continuará, com vários deslocamentos, e deve-se ter em mente que as garrafas pesam e ocupam bastante espaço nas malas. A melhor opção é deixar, quando possível, para realizar as compras no local da última estada, a partir da qual retornaremos ao Brasil. As garrafas podem se quebrar e, além da perda do vinho em si, causar estragos nas roupas e outros itens que compõem a bagagem. Deve-se sempre solicitar ao vendedor que embale as garrafas compradas para viagem, com plástico bolha suficiente para impedir que as garrafas se quebrem com facilidade. O ideal,

ALEXANDRE FRANCO pao&vinho@agenciaalo.com.br

aliás, para quem adota a prática contínua de compra no exterior, é adquirir as malas especiais para transporte de vinhos (deixo aqui minha sugestão da VinGardeValise, excelente para esse transporte). Os preços costumam ser muito vantajosos, em média um terço do que pagaríamos no no Brasil. Quando comprados diretamente no produtor, a vantagem costuma ser ainda maior. De qualquer forma, na minha opinião, o trabalho só vale realmente quando compramos vinhos de preços mais altos do que costumamos gastar em vinhos por aqui, pois é a oportunidade de experimentarmos exemplares pelos quais não estaríamos dispostos a pagar os preços de mercado. Trazer vinhos baratos, creio, não é compensador. Em princípio, sempre vale mais a pena trazer vinhos da origem do país em que os compramos (exceção eventual para compra de vinhos europeus nos Estados Unidos, especialmente em Miami, Nova York e Boston, onde muitas vezes são mais baratos do que na própria origem. No exterior, especialmente em países com tradição na produção vínica, há muitas lojas especializadas que oferecem grande diversidade de rótulos a bons preços, com alternativas de safras especiais e sempre com embalamento próprio para viagem. Claro que nos próprios produtores sempre pode ser uma grande opção de compra. Quanto vinho trazer é também uma questão importante. Quanto quisermos e pudermos, claro, mas com limites legais se não quisermos nos arriscar a dissabores na alfândega de chegada. O limite de volume é de 12 litros, ou seja, 16 garrafas clássicas de 750ml, por pessoa. Mas cuidado, pois o limite de isenção de impostos continua sendo de 500 dólares por pessoa no total de bens comprados no exterior. E não pensem que uma nota fiscal com preços sub-faturados resolve, porque o fiscal, se achar necessário, pesquisará os valores na internet. Por fim, não consuma os vinhos logo que chegar de viagem, pois a movimentação excessiva da garrafa altera suas propriedades temporariamente. Deixe os vinhos descansarem em suas adegas ao menos uns três meses antes de consumi-los.

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irmãoslumière Refeição do bebê e Saída de fábrica foram os filmes exibidos na primeira sessão de cinema de todos os tempos. Era dia 28 de dezembro de 1895 quando os irmãos Auguste e Louis Lumière deixaram boquiabertos os privilegiados presentes no Salão Indien do Grand Café, no Boulevard des Capucines, em Paris. Uma boa amostra do que foram os primeiros registros cinematográficos feitos há quase 125 anos está em cartaz no CCBB até 1º de março. A mostra Lumière cineasta traz 190 filmes produzidos pela Societé Lumière entre 1895 e 1905, ao lado de obras realizadas por outros cineastas, de diferentes momentos históricos, como forma de investigar o legado estético da produção dos irmãos inventores. São filmes de ficção, documentários e filmes de vanguarda pouco vistos no Brasil. Cada sessão é aberta com o programa Vistas Lumière – registros de espaços públicos, praças, ruas, monumentos, além de cenas familiares, cenas de trabalho, eventos, paradas e exercícios militares – e complementada por filmes de realizadores como Jean Renoir, Jacques Tati, Andy Warhol, entre outros. Ingressos a R$ 10 e R$ 5. Programação em www.bb.com.br/cultura.

Essa e outras perguntas serão respondidas pelo professor e crítico de cinema da Roteiro, Sérgio Moriconi, no curso A natureza do filme, que tem duração de seis aulas e começa dia 2 de março, no Espaço F 508 (413 Norte). A proposta é apresentar todas as faces da arte cinematográfica: sua interseção com as outras artes, os modelos narrativos, não-narrativos e híbridos, assim como questionar o mito do filme como “uma história bem contada”. Moriconi pretende ajudar os inscritos a “ver um filme” através da análise das imagens e do discurso narrativo. “Por meio de exposição teórica, da análise de pinturas, de fotografias e de trechos de filmes pretendemos fazer o participante desenvolver uma profunda e prazerosa compreensão da arte do cinema”, explica Moriconi. Segundas e quartas-feiras, das 19 às 21h. Até 21 de fevereiro, inscrições a R$ 713,00, parcelados em três vezes. Depois dessa data, R$ 819,95, também em três vezes. Informações pelo telefone 3347.3985 e em www.f508.com.r/a-natureza-do-filme-2.

Homem com câmera na mão, de Dziga Vertov.

Cinco longas-metargens e cinco curtas serão exibidos gratuitamente no projeto A escola no cinema: luz, câmera, educação!, que chega a sua segunda edição e levará seis mil estudantes da rede pública do Distrito Federal gratuitamente ao cinema. A exibição será feita pela Associação Amigos do Cinema e da Cultura e os estudantes receberão pipoca, água e lanches, além de transporte. Ao final das sessões, os professores e alunos recebem folders com sugestões de atividades pedagógicas que podem ser desenvolvidas em sala de aula. Entre os longas exibidos está a elogiada animação Tito e os pássaros, que conta a história de um menino que, ao lado de seu pai, descobre que o canto dos pássaros pode curar uma doença conhecida como "o surto", altamente contagiosa, que tem paralisado pessoas ao redor do mundo. Dirigido por Gustavo Steinberg, André Catoto e Gabriel Bitar, o filme recebeu uma indicação ao Annie Award, o mais importante prêmio de animação do cinema. São 6.030 vagas e, para participar, os professores e diretores devem se inscrever gratuitamente no site www.aescolanocinema.com.br/2020 até 1º de março.

históriasdeunião

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Que tal criar argumentos originais para o desenvolvimento de séries, filmes e livros? Essa é a proposta do concurso Histórias para unir o Brasil, que parte do princípio segundo o qual a dramaturgia é capaz de criar diálogos entre extremos. Não é necessário o candidato ter formação ou experiência em criação de argumentos e roteiros. Basta enviar uma história e gravar um vídeo apresentando sua ideia até 3 de julho no site www.unirobrasil.com.br. Criado pelo cineasta Newton Cannito, diretor da Fábrica de Ideias Cinemáticas, o concurso pré-selecionará as 30 melhores propostas e, a seguir, uma comissão formada por diretores e produtores avaliará as histórias e selecionará dois vencedores. Cada um assinará um contrato de opção de cessão de direitos autorais de sua história e desenvolvimento de roteiro no valor de R$ 60.000, sendo R$ 8.000 na assinatura do contrato e o restante no caso de viabilização da produção da série ou filme baseado em sua história. A proposta de Cannito é realizar esse tipo de concursos até 2022, ano do centenário da Semana de Arte Moderna, do bicentenário da Independência do Brasil e da próxima eleição presidencial. “Enxergo que até lá temos de redescobrir nossa identidade nacional por meio de iniciativas como esse concurso que surgiu para ajudar a enfrentar as dificuldades e encontrar histórias que nos unem e buscam nossos sonhos”, diz o cineasta.

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“Quero unir as pessoas no Brasil, não importando sua origem, status social, formação educacional, nacionalidade ou qualquer outro fator divisor. Como humanos, devemos vir juntos e questionar o nosso propósito na vida e por que aqui estamos”. A afirmação é da artista plástica japonesa Chiharu Shiota, próxima atração do CCBB, a partir de 3 de março. Com curadoria de Tereza de Arruda, a exposição Linhas da vida reunirá trabalhos que datam do início da carreira de Shiota, em 1994, até instalações inéditas inspiradas no Brasil. Conhecida principalmente por seus trabalhos em grande escala, frequentemente compostos por emaranhados de linhas, Shiota é autora de uma obra multidisciplinar, desdobrada em suportes diversos: são instalações, performances, fotografias e pinturas que se propõem a alertar o espectador sobre a transitoriedade dos ciclos da vida. Nascida em Osaka e radicada há 23 anos em Berlim, a artista tomou a pintura como principal suporte, mas logo descobriu que o espaço bidimensional era limitado para seu processo criativo e tratou de partir para as outras linguagens. A mostra, que apresenta 70 obras que datam do início de sua produção artística aos dias atuais, já passou pelo CCBB de São Paulo e seguirá para do Rio de Janeiro após a temporada em Brasília. Entrada franca.

De um acervo de mais de três mil fotos, 33 foram escolhidas para mostrar ao público brasiliense o trabalho da Ong Fraternidade Sem Fronteiras, que no ano passado levou para Madagascar um grupo de 17 brasileiros para ver de perto e participar do trabalho de acolhimento de mais de três mil pessoas com alimentação diária, água limpa e cuidados com a higiene. Até 31 de março, a exposição fotográfica Olhar sem fronteiras: Madagascar – uma viagem para dentro de nós estará instalada no Espaço Cultural do DF Plaza Shopping, em Águas Claras, para depois seguir para São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. De acordo com um dos participantes da viagem e também curador da mostra, o jornalista Flávio Resende, a proposta é sensibilizar o público para o trabalho desenvolvido pela Fraternidade Sem Fronteiras na maior ilha da África e a quarta maior do mundo. “Para que mais pessoas possam ter acesso ao trabalho desenvolvido pela ONG brasileira é necessário que tenhamos mais padrinhos, que possam contribuir com valores a partir de R$ 50 mensais, que farão muita diferença na vida de crianças e adolescentes que não têm acesso, muitas vezes, ao básico, como água limpa e alimento para matar a fome”, afirma. Segundo Flávio, a missão humanitária é uma oportunidade ímpar de o indivíduo fazer uma viagem para dentro de si mesmo, conhecendo ou revisitando o melhor e o pior de cada um. Das 10 às 22h, com entrada franca.

feiradolivro Alunos da rede pública de Sobradinho II e Planaltina terão uma programação especial no retorno às aulas. Entre os dias 17 e 21 de fevereiro e 2 e 6 de março, dez escolas receberão a segunda fase da 1ª FeLiB Itinerante, projeto que visa a despertar o gosto pela leitura e pela produção literária fazendo o caminho inverso do tradicional, levando a magia da Feira do Livro de Brasília diretamente às escolas públicas. Nessa etapa, Rose Costa e William Reis serão responsáveis pela contação de histórias. Já os autores Alessandra Roscoe (foto) e Romont Willy apresentarão o mundo da produção literária aos estudantes. Ao fim das duas etapas, as 15 escolas visitadas receberão 15 livros cada, totalizando 225 obras entregues gratuitamente. A 1ª edição da FeLiB Itinerante começou entre os dias 9 a 13 de dezembro, contemplando estudantes da Educação Infantil e Ensino Fundamental I, em cinco escolas públicas de Sobradinho e da Fercal, com a participação da contadora de história Nyedja Gennari e do escritor Tino Freitas. A ação vai culminar na 36ª Feira do Livro de Brasília, programada para acontecer de 3 a 13 de setembro, no Conjunto Cultural da República, em comemoração aos 60 anos de Brasília.

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Gustavo Silvamaral, Lino Valente, Ludmilla Alves, Lis Marina Oliveira, João Trevisan, Mariana Destro (foto), Luciana Ferreira e Thiago Pinheiro são os artistas plásticos que estão expondo na Galeria Casa, do CasaPark, até 1º de março. A mostra Curare apresenta instalações criadas pelos oito artistas de Brasília ao longo do projeto de parceria entre eles e os curadores, ocorrido em 2018. O ciclo explorou o enfoque, definido por cada curador, ao acompanhamento de artistas em fase de formação, da concepção à realização de uma exposição. Por um período de dois meses, cada duo de curador e artista criou uma instalação para a vitrine do Curators (espaço de arte contemporânea não comercial gerido por artistas, pensado como uma vitrine para exercícios de curadoria), acompanhada de uma exposição individual e um pequeno texto curatorial. Todas as instalações originais foram repensadas para se adaptar ao espaço da Galeria Casa, formando um conjunto de oito obras criadas especialmente para o espaço. Visitas de terça a sábado, das 14 às 22h, e domingo, das 14 às 20h, com entrada franca. A Galeria Casa fica ao lado do Espaço Itaú de Cinema. Informações: 3403.5300.

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ritmoscubanos Há seis anos nasceu, aqui em Brasília, o grupo Sabor de Cuba, com a proposta de navegar nas águas da legítima música tradicional cubana. Dia 21 de fevereiro seus integrantes estarão no palco do Clube do Choro para executar os variados ritmos da música tradicional e contemporânea de Cuba, com interpretações que celebram as origens, mas também assimilam o novo. No repertório, músicas de diversos ritmos que refletem suas raízes culturais como son cubano, rumba, salsa, cumbia, mambo e bolero, contemplando criações musicais mais recentes. O son cubano, principal esteio rítmico da salsa, teve origem na área rural da parte oriental de Cuba, em meados do Século 18, marcado pela influência das cadências hispânicas, francesas e africanas. A salsa nasceu nos cabarés cubanos, na década de 40. É uma mescla de vários temperos musicais, daí ser chamada de salsa, que significa molho em português. A salsa une o son cubano ao mambo e à rumba, também provenientes de Cuba, à bomba e à plena, ritmos afro-caribenhos originários de Porto Rico. É igualmente inspirado no merengue da República Dominicana, no calipso de Trinidad e Tobago, na cumbia colombiana e no reggae jamaicano. A partir das 21h, com ingressos a R$ 40 e R$ 20. Informações em 3224.0599 e www.clubedochoro.com.br.

NayMesquita

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É esse musical infantil que inaugura a temporada 2020 da Cia. Teatral Néia e Nando no Teatro da Escola Parque (307/308 Sul). Só que a versão é bem diferente da apresentada no conto de fadas no qual a princesa beija o sapo e ele vira príncipe. A inusitada trama começa quando Tiana beija um sapo que é, na verdade, o príncipe Naveen, enfeitiçado no palácio real por ser um playboy. O sapo beijado, entretanto, não voltou a ser um príncipe e ainda transformou a pobre moça em uma rã. Para reverter essa desastrosa feitiçaria, a dupla parte em direção ao pântano, ambientado em Nova Orleans, e busca ajuda de outros animais, que também lutam com suas respectivas angústias. Todo o desespero é embalado pelo jazz da coreógrafa Patrícia Lamana, pela trilha sonora do filme mixada por Lucas Lima e pelo coro do elenco, que foi preparado vocalmente por Felipe Ramos. Sábados e domingos, às 17h, com ingressos entre R$ 40 e R$ 15, à venda na bilheteria do teatro a partir das 15h e na sede da Cia. Néia e Nando (510 Sul, Bloco B, Entrada 47 (pela W2), Sala 101. Informações: 3242.5278 e 98199.2120.

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Márcio Batista é o músico escalado para participar da programação musical do Le Parisien (103 Norte), dia 27 de fevereiro, das 19h30 às 23h. Músico autodidata com influências no jazz, bossa nova e clássicos internacionais e da MPB, o cantor e pianista atua na cena musical de Brasília, bem como em salões nobres, embaixadas e restaurantes mais frequentados da cidade. Entre os compositores do repertório estão Frank Sinatra, Michael Bublé, Djavan, Tom Jobim, João Gilberto etc. Couvert a R$ 10. Neste mês já passaram pelo palco do bistrô Paula Tortoretti e Anco Marcos. No último sábado de fevereiro será a vez de Rachel Alves (foto) se apresentar no mesmo espaço com ritmos franceses, além de muita bossa, jazz, etnojazz, cantos tradicionais e samba. Os músicos Farlley Derze no piano e Sandro Souza na bateria acompanham a cantora. Couvert a R$ 15. Reservas: 3033. 8426.

Para marcar o Dia da Mulher, comemorado a 8 de Março, o Clube do Choro apresenta, dia 28 de fevereiro, o projeto Blues Dellas, com o objetivo de dar visibilidade não só às cantoras e compositoras, como também ao estilo blues&jazz, em destaque na cena brasiliense. Sob curadoria da compositora, cantora e instrumentista Thaise Mandalla, cantoras de Brasília irão homenagear compositoras do estilo de épocas variadas, entre elas Mariana Coelho, Márcia Campus, Nina Molina, Mel Di Souza, Mariana Camelo, Lu Blues, Paula Tortoretti e a própria Thaise. Elas será acompanhadas por Tex (guitarra), André Lourenço (contrabaixo), Fernando Palau (teclado) e Pedro Diux (bateria). Sexta-feira, a partir das 21h, com ingressos a R$ 40 e R$ 20. Informações em 3224.0599 e www.clubedochoro.com.br.

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Estão abertas as inscrições para que as artistas plásticas da cidade possam participar da mostra Feminino plural, na Pátio Galeria. Serão aceitas obras em tela (pinturas a óleo, acrílica, vinílica, mista, aquarela, arte digital, colagens, reproduções em canvas) e em papel (desenhos, grafite, lápis de cor, pastel seco, pastel oleoso, aquarelas, gravuras, fotografias, colagens, arte digital, reproduções em fine arte), além de esculturas e objetos artísticos (madeira, cerâmica, bronze, alumínio, material reciclado, papel maché etc). As taxas de participação (cobradas por obra) e a comissão da galeria serão informadas no whatsapp 99816.4929 ou no e-mail contato.patiogaleria2019@gmail.com. Cada artista poderá expor de um a seis trabalhos, sejam eles bidimensionais (quadros) ou tridimensionais (esculturas e objetos de arte). As obras devem ser entregues até 1° de março, na galeria que fica no piso 2 do Pátio Brasil.


GALERIADEARTE

De Wow, para o Galpão 17.

Comer, olhar e apreciar Arte urbana em estabelecimentos gastronômicos tem deixado ambientes mais atrativos e dado a grafiteiros oportunidade de expor seus trabalhos. POR EVELIN CAMPOS

“T

emos a arte para não morrer da verdade”, já dizia Friedrich Nietzsche. Mas nem só de arte vive o homem. A comida, que nutriu o filósofo alemão e permitiu a ele pensar em frases imortais como essa, é fonte de alimento para o corpo e a alma. Se vivo fosse, o que será que Nietzsche acharia da união entre esses dois itens essenciais a nossa sobrevivência e felicidade? Mais precisamente da junção entre grafite e gastronomia. Nunca saberemos. O que está claro é o boom do grafite para além do espaço público em Brasília. A manifestação artística que nasceu nas ruas de Nova York na década de 1970 e está intimamente ligada a movimentos como o hip hop tem invadido estabelecimentos gastronômicos

já há alguns anos. No Authoral, restaurante de culinária brasileira e internacional, na 302 Sul, o chef André Castro fez questão de uma intervenção artística. “Nossa pegada é meio cosmopolita, industrial, com grades e parede de tijolinhos. A arte de rua deu mais aconchego e humanizou o ambiente”, conta o chef, que há quatro anos convidou o artista Pomb para fazer o mural. O desenho mescla figura feminina, formas geométricas (algumas tridimensionais) e plantas. “Os restaurantes costumam ser muito formais, pasteurizados. Gosto de inquietude, acho que podia ter mais arte por aí”, opina. O talento por trás de Pomb, Thales Fernando, de 30 anos, revela que a interação com os murais é um dos grandes baratos. “A arte tem esse poder de fazer você entrar naquele portal, por três segundos ou cinco minutos, seja para con-

templar, não gostar, esquecer alguma adversidade ou enxergar os problemas da sociedade”, ressalta o grafiteiro brasiliense, que desde 2016 mora em São Paulo. Seu trabalho mais recente por aqui, executado com o artista Mão, foi no Brooklyn, complexo que reúne loja, café e bar na 706/707 Norte. O grafite também tem conquistado espaço por compatibilidade de interesses. “Achamos que casava com o conceito da casa”, comenta Pedro Correia, um dos sócios do Galpão 17, que oferece serviços para motos, chope artesanal e muito rock’n’roll no Setor de Indústria e Abastecimento. Por lá, uma grande parede se transformou em quatro telas com personagens femininas como a mexicana Catrina, elementos urbanos, motos, serpentes e caveiras. Autor da obra, Miguel Molina, o

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GALERIADEARTE de que hoje integra a adega. “É legal ter trabalhos de artistas locais, nos tornamos vitrines para eles”, complementa. No Ernesto Café, da 115 Sul, foi o inverso. De cliente e admirador da marca, Pedro passou a autor do mural no piso superior, feito em 2016 e renovado em novembro do ano passado. “A gente sentia necessidade de fazer uma graça no andar da livraria e gostamos muito da relação do Gurulino com a cidade. Nas duas pinturas fica clara a experiência que buscamos oferecer, de fazer a pessoa tirar a cara da xícara, olhar ao redor e ter intimidade com o espaço”, destaca Giordano Bomfim, relações-públicas do Ernesto.

Fotos: Divulgação

De Toys e Omik, para a Bulls.

De Siren, para o Gato Preto.

Wow, contou com a ajuda do artista Leandro Raios na execução. Aos 28 anos, Miguel, que possui um estúdio de tatuagem no Galpão 17, acha importante esclarecer: grafite, mesmo, só nas ruas. “Quando essa arte vai para a galeria, a casa de alguém ou um estabelecimento comercial, passa a ser um mural com técnicas de grafite, ou pintura com spray. O grafite é essencialmente feito na rua, por artistas da cidade que querem passar uma mensagem. Mas um não exclui o outro”, argumenta.

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Amizade e identificação Com raízes na arte de protesto, o grafite pode ser feroz e provocativo. O criador do personagem Gurulino, Pedro

Sangeon, 39 anos, no entanto, segue outra linha. Com referências em meditação, yoga e filosofia, o brasiliense forma espaços de contemplação, inspiração e afeto. “A rua, por si só, já é hostil, dura, e os grafites normalmente refletem isso. Tento fazer uma contra-força. Não contra o grafite, mas para gerar disfunção”, diz. E são justamente a personalidade zen do artista e suas figuras sábias que atraem os clientes, com os quais ele constrói amizades. “Conhecemos o Pedro no bar e viramos grandes amigos. O Gurulino é lúdico, fofo, combina com nossa leveza”, revela Ariela Nobre, sócia-proprietária do IVV Swine Bar. A casa na 314 Norte possui mural em que o personagem aparece como Baco, deus do vinho, em pare-

Mulheres no grafite Apesar de serem minoria, elas têm habilidade com o spray. A Vai Té Chá, na 716 Norte, por exemplo, exibe um colorido grafite da Brixx. A partir da Tea Time, uma coleção de ilustrações da artista, Fabio Pedroza – sócio da casa de chás ao lado de Daya Sisson – decidiu convidá-la para fazer o lançamento no local e pintar uma parede. “Sou fã do trabalho dela. A mesa mais cobiçada fica em frente ao mural, muita gente tira fotos”, relata Fabio, que pretende convidar artistas para renovarem o painel de tempos em tempos. Fabrícia Furtado é a Brixx. Para a brasiliense de 32 anos, que também já pintou na My Pop, loja de waffles e gelatos em Águas Claras, a gastronomia é um bom mercado. “O olhar das pessoas para o grafite tem mudado e isso atrai convites para pintar em espaços privados. É gostoso ver que se identificam com seu trabalho e interagem com ele, postam... Eu adoro ir a lugares coloridos”, anima-se. As redes sociais também são uma vitrine para Camilla Santos, ou Siren. A brasiliense, que tem 22 anos e há seis atua com arte urbana, costuma retratar mulheres fortes e a natureza. No Gato Preto Bar (504 Norte), que chegou até ela pelo Instagram, fez um rosto de mulher junto ao felino na parede externa de tijolinhos, com tinta fluorescente. “Nos procuram porque o grafite é exclusivo e diferente. Ir a um lugar com arte, música legal, comida boa… acho que não tem nada melhor que isso, né?”, pondera a artista. Além de gostar do trabalho de Siren e considerar o grafite ideal para a estética do ambiente e a localização icônica da


Son Andrade

Giordano Bomfim

W3 Norte, o sócio-proprietário do Gato Preto Bar, Vitor Baravelli, queria evitar pichações no muro, já que pichadores respeitam superfícies com grafite. “Também ajuda na construção da marca ter um trabalho tão valorizado pelo público. Muita gente faz foto, isso contribui para divulgar o negócio”, avalia. O espetáculo e o caos São muitas as hamburguerias com grafites no DF. E vários são assinados por Toys e Omik. É o caso da Bulls da 405 Sul. Após identificar a tendência em São Paulo e fora do Brasil, os donos e arquitetos escolheram a dupla pela criatividade e variedade de cores. “Hamburgueria não é só lanche, é uma experiência. Deixamos atrativa uma parede que seria morta. É cartão de visitas e identidade”, alega um dos sócios, Francisco Júnior. Cada artista tem seu próprio processo criativo, que muda conforme a liberdade dada pelo cliente. Aos 28 anos – 14 deles no mundo do grafite –, Daniel Morais, o Toys, prefere não criar rascunhos do trabalho. “Acreditamos que tudo é feito na hora, em troca e harmonia com o ambiente. Não adianta elaborar um croqui no ateliê e reproduzir, pois é do lugar que surgem as ideias. De uma conversa, uma situação. É um trabalho orgânico”, defende. Entre pintar em um estabelecimento Selvagens À Procura de Lei comercial e nas ruas há um abismo. Se-

De Pomb, para o Authoral.

gundo Gurulino, enquanto o primeiro oferece uma experiência controlada, o segundo traz experiência social: “O grafite em ambiente fechado tem relação com espetáculo, mas a rua é um lugar caótico, complexo, onde revelamos uma foto da realidade no momento”. Para Toys, a rua é escola e liberdade. “Mas a arte é muito democrática, então cabe estar na rua ou no comércio. Grafite é a arte da nossa geração e está se moldando”, reflete. A Pão Dourado também acredita na acessibilidade da arte urbana. A indicação de Toys e Omik por uma colaboradora fez com que a dupla pintasse a unidade do Park Sul antes da abertura. “A partir daí todas as lojas inauguradas ou reformadas passaram a ter o trabalho deles. Reservamos a parede na planta. Já foram oito e vem mais por aí. A arte impacta 100% a experiência do cliente”, garante o gerente-geral da rede, Lucas Gonçalves. Omik concorda. Com 26 anos, oito de grafite e seis em parceria com Toys, Mikael Guedes acredita que a gastronomia faz “arte ao paladar” e a experiência de comer deve despertar todos os sentidos. “Nada que é verdadeiro deve envolver só um sentido. Se temos olfato, paladar, visão, audição e tato, por que não fazer uma composição de tudo isso?”, argumenta o artista, que gosta de fazer amizades e marcar ambientes com seu trabalho. Trabalho que todos os artistas de Brasília esperam ver cada vez mais valoriza-

do. “Não adianta só a gente ter talento, é preciso ter pessoas do setor privado para investir. Senão os artistas vão começar a desaparecer, trabalhar com outra coisa. Quando vejo um grafite no comércio eu aprecio esteticamente, mas o sorriso vem mais do prazer em saber o que aquele mural está movimentando. Desde a vida do artista e das pessoas que estão vendo até o estímulo ao surgimento de novos e melhores artistas”, comemora Gurulino. Divulgação

De Gurulino, para o Ernesto Café.

De Brixx, para o Vai Té Chá.

Funqquestra

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GALERIADEARTE

Tributo aos orixás POR VICENTE SÁ FOTOS SÉRGIO AMARAL

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ara muitos, os orixás são considerados ancestrais africanos divinizados após adquirirem um controle sobre aspectos da natureza como chuva, raios, árvores, minérios, o domínio de ofícios como pesca, agricultura, metalurgia e até da guerra, além do conhecimento das condições da alma humana. Para o pintor Josafá Neves, eles são, também, uma forma de resistência de boa parte do povo brasileiro, e é essa força que o visitante sente ao visitar o Museu Nacional da República e conhecer a exposição Orixás: geometria, símbolos e cores, que ocupa os três andares do edifício. São quadros em óleo sobre tela, esculturas, marchetaria e uma instalação sobre os dezesseis orixás mais cultuados no Brasil, trabalho desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos e que mostra o amadurecimento de Josafá. O artista, em algumas obras, faz referência às cores

e aos traços geométricos de Rubem Valentim, cuja influência agradece. Mas seu olhar firme e sua visão da religiosidade como resistência gritam mais forte nos quadros expostos. Para o curador da exposição, Marcos de Lontra Costa, Josafá contamina suas obras com referências expressionistas,

com elementos oriundos do concretismo ocidental, associando-os aos signos arquetípicos e a soluções formais presentes na escultura e na pintura corporal africana. “Essa é a dança, esse é o canto, essa é a essência da arte que Josafá Neves nos entrega”, resume. Um dos destaques da exposição é a


instalação Oxalá, que pode ser apreciada tanto ao nível do chão quanto pode ser vista de cima, do mezanino, num olhar que é quase um delírio. “São setecentas peças pequenas, figuras de mulheres e homens, que eu uso para possibilitar esses dois modos de ver a obra”, explica Josafá. No térreo do museu, o visitante pode admirar e até sentar nos bancos de madeira com entalhes criados pelo artista e apreciar as 16 cabeças de cerâmica produzidas na cidade de Tracunhaém, polo de artesanato popular do Estado de Pernambuco, que simbolizam Exu, Obá, Oxum, Oxóssi, Ogum, Oxalá, Oxaguian, Nanã, Ossain, Omulu, Iemanjá, Xangô, Iansã, Oxumaré, Logum Edé, Oxalunfan. E pode também ler os poemas de Cristiane Sobral sobre cada um deles. Josafá Neves nasceu no Gama, em 1971. Começou a desenhar aos cinco anos e nunca mais parou. Aos sete, mudou-se para Goiânia com a família e lá passou a dedicar-se integralmente às artes plásticas. Autodidata, encontra na prática da pintura diária sua força motriz e seu modo de dialogar com o mundo. Com 24

anos de carreira, já realizou exposições individuais e coletivas em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Goiânia, Cuba, Venezuela, França e Estados Unidos.

Orixás: geometria, símbolos e cores

Até 29/3 no Museu Nacional da República, com entrada franca. Segunda-feira, das 14h às 18h30; de terça a domingo, das 9h às 18h30. Classificação indicativa: livre.

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DivuçlgaçãO

CARNAVAL2020

E vai rolar a folia POR HEITOR MENEZES

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uando Vinicius de Moraes afirmou que São Paulo era o túmulo do samba, foi aquele mal-estar. O Poetinha estava sendo cruel (e injusto), pois a Pauliceia podia não ter o colorido, o ardor, a ginga e os problemas do Rio de Janeiro ou Salvador, mas o samba em Sampa é de alto nível, isso não se discute. E se lhe dissesse que Brasília não era o túmulo, mas o necrotério do samba? Uh! Pessoal do Pacotão, da Aruc e da Acadêmicos da Asa Norte, no mínimo, estariam desfilando em eterna contramão na W3. A fama do lugar é que é a peste. Vejam o que Millôr Fernandes, o Guru do Méier, cravou em sua definição de Carnaval, segundo consta na reunião de aforismos A bíblia do caos: “Pouco a pouco o Carnaval se transfere para Brasília. Brasília já tem, pelo menos, o maior bloco de sujos”. Ai, ai, o duplo sentido. Mas não se aflijam. A hora de dar o troco é agora. Chupa, Vinicius! Chupa, Millôr! O Carnaval de 2020 em Brasília é

um big acontecimento, qualquer coisa com um charme tal que faz a economia sorrir às custas de quem por aqui quiser esbaldar-se. Isso, o Carnaval de Brasília atrai turistas, é de qualidade linho nobre e pura seda. De quebra, mudamos o status de necrotério para berçário do samba. Vamos combinar assim: a programação-monstro do Carná 2020 começa dia 21 de fevereiro, a sexta-feira antes dos dias de folia propriamente dita. Nessa data, no Setor Carnavalesco Sul (Setor Comercial Sul), o abalo fica por conta do Bloco Vai Ter Auê, que convoca o respeitável público, além de pocs, sapatão, trava, trans, drags e afins, para aquela esbórnia colorida no meio da rua. No line-up, Carrie Myers (Pop Up Drag / Haus of Myers), Franklin (Drops), Luísa Rodrigues e Mariana Eiras (Festa #TB / Reputation). Antes de prosseguir, um aviso. Vocês sabem que o Carnaval propicia alegria, divertimento, encontros e desencontros. Ao mesmo tempo, atrai gente ruim, que acha por bem exercitar a baixaria, o preconceito, a homofobia, o assédio e outras

viagens pesadas que não combinam com nada. Assim, extremamente oportuna a campanha Folia com respeito, que visa a promover um carnaval sem violência, assédio etc. “A ideia é que blocos, plataformas, eventos, atrações e instituições façam a adesão voluntária assinando uma carta-compromisso em que aceitam desenvolver ações para inibir situações indesejadas e reforçar a postura respeitosa durante a folia. É possível brincar o Carnaval respeitando a diversão alheia e, se surgir alguma situação de assédio ou violência, que todos saibam que atitude tomar”, explica Letícia Helena, carnavalesca e organizadora da campanha. Dito isso, a sexta-feira, 21, vai do quente ao fervendo, é só escolher o lugar. Nesse mesmo Setor Carnavalesco Sul, o bloco É de Nãnan desfila em grande estilo a cultura afro-brasileira. Sob o comando da cantora e percussionista Nãnan Matos, afoxé, samba-reggae e afro-brasilidades pedem passagem. O bloco participa do Rejunta Meu Bulcão, no dia 22, no Setor Bancário Norte, e repete a dose dia 23, na Praça dos Prazeres (201 Norte).


Rafaela Zakarewicz

Patubatê

plena luz do dia, o bloco As Leis de Gaga comanda a pândega sob o lema “Levantem as patas, monstrinhos!”. A convocatória avisa que é o mais aguardado bloco de carnaval LGBTQI+ de Brasília. No Outro Calaf (Setor Bancário Sul), o divertimento fica por conta do Bloco Reconvexa, aquele cujo epíteto atende pela singela frase “Lisergia, brasilidades e fogo no rabo”. Ok, domingão gordo. No dia 23, um dos mais visados blocos de Brasília, o Eduardo & Mônica, promete arrastar a multidão que conseguir garantir ingresDivulgação

Enquanto isso, no estacionamento do ginásio Nilson Nelson (Eixo Monumental) acontece o Carnaval no Parque. Descontando o fato de que o parque é o parque e o Nilson Nelson é o Nilson Nelson, não tão distantes um do outro, mas cada um na sua, temos a mistura de sertanejo e funk com Carnaval que, sabese lá como e porque, o povo adora. Gusttavo Lima, MC Kekel, Adriana Samartini e atração-surpresa comandam a parada. O Carnaval no Parque promete mais de 50 atrações, em mais de 100 horas de festa, no período compreendido entre 15 e 29 de fevereiro. E se é para apresentar ritmos que não são genuinamente samba, a opção é o Trio Dona Zefa, que descasca um forró amuado em meio à folia. Na verdade, forró mutante, pois rola samba com sanfona, zabumba e triângulo. Onde? No Arena Futebol Clube (Setor de Clubes Sul). Ok, sábado gordo. No dia 22, o Carnaval no Parque continua com programação variada nos arredores do Nilson Nelson. Dilsinho, Yuri Martins, Barja, Dhi Ribeiro, É o Tchan e Monobloco prometem não estar nem aí pra chuva, pois, dizem, a estrutura do evento é bacana e aguenta o aguaceiro e horas e horas de som. No Parque da Cidade (aí, sim), a folia fica por conta do Bloco Rebu, autointitulado o mais “sapatômico” de Brasília. A patuscada começa às 3 da tarde, no Estacionamento 4. Detalhe: acesso gratuito. Mais ou menos ali perto, no Setor Carnavalesco Sul, a partir de 11h, em

É de Nãnan

so, a partir de 15h, no Yurb (ao lado do Pier 21, Setor de Clubes Sul). Ao que consta, esse tem bilheteria esgotada. No estacionamento do Nilson Nelson, prossegue o Carnaval no Parque em dia dedicado à mistureba Bahia + funk + eletrônico + pagodão. Defendendo essas cores, digo, esses sons, Dennis DJ, Banda Eva, Cat Dealers, DJ A e Menos É Mais. Na Vila Planalto, lugar outrora sossegado, a Praça da Igrejinha promete ficar lotada de foliões e amantes da gandaia quando passar o bloco Charretinha + Tropicaos. Nesse caso, é a folia elevada à terceira potência, pois serão três fanfarras administrando o telecoteco, a partir de 13h. Primeiro a fanfarra Tropicaos, com grandes sucessos da MPB. Em seguida, a fanfarra Soluça mandando Raul Seixas (caramba!). Pra finalizar, a Charretinha do Forró, com arranjos do som da moléstia para big band. No Setor Bancário Norte, o pau no samba fica por conta do Bloco das Montadas – o bloco da diversidade, a partir de 13h. O lance, segundo os organizadores, serão as novidades babadeiras, atrações lacradoras, diversidade e gente bonita. Em função dos 60 anos da capital, em abril próximo, o lema da festa é “Brasília, uma cidade montada”. Por falar em provocação, no Outro Calaf, sob o lema “foice e tesão”, o bloco Comuna Deusa Você Me Mantém pro-

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CARNAVAL2020

Folia Com Respeito

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no UK Music Hall de portas abertas. Ah, o seu lance é axé. Ok, segundafeira de Carnaval (24) a opção é o supergrupo ÊaÊaÔ mandando Axé 90, no Outro Calaf. Supergrupo porque é formado por músicos do Móveis Coloniais de Acajú, Consuelo, Muntchako, Passo Largo e Sr. Gonzalez Serenata Orquestra, juntos e misturados, fazendo um free-lance porque nem só de rock vivem o homem e a mulher. Já no estacionamento do Nilson Nelson, nessa segundona segue o Carnaval

no Parque, misturando eletrônico com axetrônico. Vintage Culture e o cantor Saulo encabeçam a programação, que conta ainda com Shevchenko e Elloco, Rivkah e Contém Dendê. Terça-feira de Carnaval o chiclete com banana prossegue com Wesley Safadão, Bhaskar, Molejo, Mojjo, Disstinto e Maria Vai Casotras. Cada um no seu quadrado, mostrando diferentes formas de diversão com os mais variados estilos musicais. Onde? No estacionamento do Nilson Nelson. Fotos: Divulgação

mete sacudir os prédios do Setor Bancário Sul. As organizadoras se auto-intitulam “bloco feminista comunista da República Socialista Brasiliense” e convidam “todas as revolucionárias e revolucionários do quadradinho para mostrar que não existe Carnaval sem a esquerda festiva”. Para quem curte os embalos na Cervejaria Criolina (SOF Sul), a casa programou o Carnavitrola (Vem pecar com a gente), com uma penca de DJs mandando o rebolation infernal nas carrepetas. A festa acontece em dias alternados de Carnaval, o domingo (23) e a terça-feira (25). Escalados DJs Cacai Nunes, Vhinny (BA), Chico Gorman (DF), Vitória (SP), Bruninho Faiscada (DF), Paulinho (SP) e no ataque Pedregulho (DF). Detalhe: parada 100% vinil. Haja bolacha. Nesses quatro dias (oficiais) de folia (22, 23, 24 e 25) o bar Na Venda e o pub UK Music Hall (vizinhos na 411 Sul) engatam um vamos dar as mãos e promovem o Carnavenda 2020. Das 14h à meia-noite, quem passar por lá vai se deparar com farra cuja trilha sonora vai do groove ao samba, passando pelo axé, pop, funk, disco etc e tal. No line-up tem Cavanha e Banda, DJ Maffra, Thiago Nascimento, DJ Tuy, DJ Maraskin, Dhi Ribeiro e DJ Rozy Acioli. As boas-vindas ficam por conta do DJ Lâmina, tocando

Vai Com as Profanas


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GRAVES&AGUDOS Emerson Henrique

Autoramas

Nina Lana

Edu Falaschi

Rock domina a agenda POR HEITOR MENEZES

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em tudo que batuca é tamborim, atabaque ou treme-terra. Assim como nem todo passista está no passo do samba. O Carnaval domina a programação musical do período, mas o rock e outros pops também ditam o ritmo, tornando a agenda tão diversa quanto extensa. Sorte de quem tem disposição e orçamento para ir atrás e se agraciar com os frutos da árvore da música. De 21 a 25 de fevereiro, no Blitz Lounge Bar (Clube da ASCEB, na 904 Sul) acontece a 20ª edição do Festival Carnarock. Durante cinco dias serão 30 (!!) bandas passeando pelo rock pop nacional, cover metal, indie, girl power e alternative cover. No quesito autoral, destaque absoluto para os Autoramas (RJ), liderados pelo incansável Gabriel “Little Quail” Thomaz, no dia 23. E ska, você é familiarizado? Yes, nós temos ska. O ritmo de origem jamaicana, que deu origem ao rocksteady e ao reggae, é o mote do Ska Folia!, em cartaz na sexta-feira, dia 21, na Cervejaria Criolina. Ska Niemeyer (bom nome), 2Tone40 e Brasília Ska Jazz Club prometem aquela

suadeira danada, enquanto o DJ Vinnie Crazy Boy arrebenta com a vinilzada. Vai pra Cuba! Bora agora. Falem o que quiser da ilha, mas no que se refere à música, dá licença, a qualidade do que vem de lá supera tudo. Pois a pedida é o Sabor de Cuba, grupo de música tradicional cubana, formada por conterrâneos de Fidel e brasileiros, em cartaz dia 21, no Clube do Choro. Prepare-se para uma jornada pelo son cubano, rumba, salsa, cumbia, mambo, bolero e otras cositas más. Carnaval com rock’n’roll está lá te esperando no UK Music Hall (411 Sul). Dia 21 está reservado para o Carna Classic Rock. Em ação, as meninas da Women In Rock (bom trocadilho!) e a banda Classic Rock detonando o que estiver pela frente. Promotores avisam que vai ter concurso de fantasia e homenagem ao lendário baterista do Rush, Neil Peart, que a uma hora dessas deve estar ajudando com os trovões que ouvimos no céu. Para quem procura um after-party, ou seja, depois que o rebolation do samba já quebrou tudo e ainda resta fôlego para um eletrônico, a pedida é o bloco Em Tempos de Crise, na Birosca do Co-

nic. Quem comanda o som é o DJ Benjamin Ferreira (SP), especialista em disco, house e techno. Preparam o caminho os DJs Gustavo FK, Kaka, Igor Alb b2b Anachuri, Preta e Demetria. Agora é rock’n’roll no Carnaval. Quem também sacou que não se vive só de samba e axé é o pessoal do Toinha Brasil Show, no SOF Sul. Dias 22 (sábado) e 24 (segunda-feira), a casa promove o Festival Carnarock 2020 (não confundir com evento de nome semelhante descrito acima). No Toinha, tributos ao Depeche Mode, Queen, David Bowie, Elton John e U2 dominam a programação do dia 22. No dia 24, o bicho pega com os tributos ao Iron Maiden, Pink Floyd e Led Zeppelin. A segunda-feira de Carnaval (24) tem rock’n’roll concorrente quando o O’Rilley Irish Pub (409 Sul) abrir as portas de seu Carnaval do Rock. Em ação, bandas covers de Pearl Jam, Foo Fighters, Red Hot Chili Peppers e Nirvana mandam microfonia e gritaria em formato musical. Interessante. No Toinha, tributos aos ingleses. No O’Rilley, aos americanos. Aí você não quer mais ouvir falar em Carnaval. Tudo bem, é dia 27, um ressa-


Divulgação

Shaman

ma de Carnaval, passa em revista a obra do grande, bota grande nisso, músico baiano, patrimônio de nossa melhor música popular. No palco, nomes conhecidos da cidade, como a cantora Emilia Monteiro, Flávio Cavanha (voz/violão), Marcus Moraes (guitarra), Vavá Afiouni (baixo), Esdras Nogueira (sax), Paulo Black (trompete) e Thiago Cunha (bateria) nos fazem lembrar o quanto Gil é importante. Passou o Carnaval, a vida segue e, em 5 de março, amantes do pop/rock finalmente têm a chance de conferir a Maroon 5, no Estádio Mané Garrincha (nome que deve mudar a qualquer hora ao sabor dos novos gestores do espaço). A

Toninho Tavares-Agencia Brasília

cão violento acomete o cidadão. Para o choque da volta à realidade não ser muito grande, a pedida é o grupo Praga de Baiano, no Clube do Choro. Ao contrário do que o nome pode sugerir, a praia aqui não é o axé, o bundalelê, mas a fusão rock/frevo/MPB estilo Novos Baianos. Nesse mesmo dia 27, a Cervejaria Criolina propõe curar a ressaca carnavalesca com muita surf music. Aficionados do gênero poderão curtir as bandas Oh Great, Oxy e Dennehy. O motivo da reunião é o lançamento de Shark biscuits, disco da Oh Great. Os três grupos fazem parte do cast da gravadora independente Motal. Então, o lance é indie surf music, para ser mais preciso. Agora, rock sério, brutal e pesado é o que vai encontrar pela frente aquele que se dispuser a ir ao Toinha Brasil Show (SOF Sul), dia 28. No palco, rodada dupla com as bandas Amon Marth (Suécia) e Powerwolf (Alemanha). A primeira traz um lance viking e engata um death metal melódico, enquanto a segunda mais parece os vilões do desenho Ben 10 em carne e osso e arrepia um power metal avassalador. Você sai do Carnaval, mas o Carnaval não sai de você. Tudo bem, a desintoxicação para essa recaída atende pelo nome Bloco Vamos FullGil. Dia 29 de fevereiro (!), um sábado, no Estacionamento 4 do Parque da Cidade, a banda tributo a Gilberto Gil, não exatamente em cli-

banda de Los Angeles, liderada pelo astro Adam Levine, já contabiliza mais de 25 anos de estrada, embora não pareça tanto assim. O primeiro álbum – Songs about Jane – saiu em 2002, e desde então a Maroon 5 passou a ser cotadíssima em festivais mundo afora. Dia 7, quem volta em grande estilo ao palco do Toinha Brasil Show é a Shaman, progressive/power metal made in Brasil. Nas origens, uma dissidência da Angra, quando o falecido André Matos (1971-2019), Luis Mariutti e Ricardo Confessori se juntaram ao guitarrista Hugo Mariutti para trilhar novos caminhos. Com a passagem de André Matos, o vocalista Alirio Netto assumiu a responsabilidade. No frigir dos ovos, tratase de reunião de cobras criadas, na qual o virtuosismo é lei. Para quem quiser dar um tempo de tudo quanto é metal e batucada, e acha que a vida não tem mais sentido, o remédio (se as taxas de glicose estiverem em dia) atende pelo nome de Fábio Jr. O cantor, suprassumo do romantismo, volta à capital derramando açúcar, mel e sacarina em doses cavalares, dia 7, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Fechando a tampa, sexta-feira, 13, é a vez de Edu Falaschi trazer a sua Moonlight Celebration ao Teatro da UNIP (913 Sul). Cantor, compositor, arranjador, produtor e multi-instrumentista, Falaschi é o atual vocalista da Angra, mas nos últimos tempos vem se dedicando a projetos solo. Em Moonlight Celebration temos o músico vertendo seus sucessos para o formato acústico. As canções Nova era, Rebirth, Bleeding heart e Breathe fazem parte dessa aventura.

Ska Niemeyer

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BRASILIENSEDECORAÇÃO

Zé do Cerrado “É pai convidando o pai, é filho chamado a filha! Venha assistir o forró, venha ver a cantoria na Casa do Cantador, Palácio da Poesia” POR VICENTE SÁ FOTOS SÉRGIO AMARAL

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ntes de ser Zé do Cerrado, ele foi Manoel de Souza Rodrigues, menino esperto e espigado que, no interior da Paraíba, no início dos anos 70, gostava de subir em pé de manga, brincar com os outros meninos e, quan-

do na casa, cuidava das poucas reses e carneiros da família. A cantoria ele não herdou nem da mãe nem do pai. Aprendeu ouvindo o radinho, que ficava ligado quase o dia todo na cozinha. Mas o avô e os tios, que o ouviam cantar sozinho pelos fundos da casa, já enxergavam no menino o cantador e violeiro. E assim se deu. Um belo dia, aos 17 anos, o agora rapagão começou a cantar nos sítios próximos de sua casa, depois chegou à rádio da cidade e, antes de ganhar mundo com sua cantoria, ganhou nome de cantador: Neíldo Rodrigues. Foi com o nome novo, a viola e uns poucos trocados que ele saiu de Piancó. Passou pelo Pernambuco, terra também rica de cantadores, onde ficou alguns anos aprimorando sua arte. Depois, chegou a São Paulo, onde um público saudoso das coisas de suas terras o recebeu com entu-

siasmo e firmou de vez sua carreira de cantador e radialista. Agora, ele já estava mais extrovertido, mais senhor de si, e havia descoberto que podia também improvisar nas entrevistas, nas conversas com os ouvintes e deixar sua alma de artista fluir nas ondas do rádio. Trabalhou por vários anos no Centro de Tradições Nordestinas (CTN), tanto cantando quanto apresentando seu programa de rádio. Mas sentia que sua jornada não tinha chegado ao fim. Não seria ali, em São Paulo, que ele iria amarrar sua montaria. E, em 1994, veio para Brasília, contratado como cantador para animar showmícios, que, na época, eram permitidos. “Senti que alguma coisa aqui me chamava, tanto era assim que acabei voltando de vez, em 1998, agora para ficar”, lembra. Aqui, trabalhou na Secretaria de Cul-


tura e dirigiu a Casa do Cantador de 2003 a 2006, sempre mantendo seu programa de rádio, onde ganhou o nome definitivo de Zé do Cerrado. “Foi o radialista Roberto Cavalcanti, o Perdigueiro, que me botou esse nome e não só eu gostei, como todo mundo da rádio gostou. O nome pegou e acho que para sempre serei Zé do Cerrado. Meu programa continua no ar das cinco às sete da manhã, acordando e animando os nordestinos da capital da República com alegria e boa música. É o Forrozeia Brasil”, conta Zé do Cerrado. Apaixonado por cultura popular e pela Casa do Cantador, que voltou a dirigir desde maio passado, Zé do Cerrado lembra que ela é o templo da cantoria, que o projeto arquitetônico é de Oscar Niemeyer e que por ela já passaram grandes nomes da poesia nacional e cantadores de renome. “É um espaço da cultura do povo e estamos trabalhando para valorizar ainda mais essa conquista. Inauguramos, em dezembro, a cordelteca João Melchiades Ferreira, que já está com 1.600 livros de cordel e que espera receber ainda mais durante este ano. Temos os festivais de cantoria, que promovemos de dois em dois meses, as cantigas de pé de parede, que são os encontros mais simples, e estamos, também, recebendo os projetos do Fundo de Apoio à Cultura para serem realizados aqui. Temos o Festival Nacional, para o qual trazemos cantores de todo o Brasil e é a grande festa da casa. Temos, ainda, curso de viola caipira, de sanfona, vamos ter o Carnaviola, durante o Carnaval, e estamos em conversação com os artistas de Ceilândia para unirmos os criadores de rap com os violeiros. Afinal, Ceilândia é a terra do rap e também dos repentistas.” Nos encontros de repentistas e violeiros, a Casa do Cantador fica parecida a uma feira nordestina, enfeitada e com os cheiros das comidas típicas que emanam da cantina Maria Bonita. Dona Niuva é quem prepara a buchada, o sarapatel, o baião de dois, a galinha caipira e as outras comidas, vendidas a preços populares. O negócio é conferir na agenda da Casa do Cantador e viver um pouco do Nordeste aqui, em Brasília. Como bem diz o cantador Zé do Cerrado:

“Quem vier pra cantoria Por essas bandas de cá Toma cachaça e cerveja Também come o jabá Passa o dia no Nordeste Sem precisar nem ir pra lá”.

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LUZCÂMERAAÇÃO

A guerra ainda pulsa Cicatrizes, premiado segundo longa-metragem de Miroslav Tersic, se utiliza do cinema de gênero para abordar e denunciar questões traumáticas da Sérvia contemporânea. POR SÉRGIO MORICONI

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egitimado por vários prêmios em festivais internacionais, entre eles o Audience Award e o Europa Cinema Label Award, Cicatrizes é uma dessas pequenas pérolas que chegam inesperadamente ao mercado brasileiro na semana pré-carnavalesca. Além das distinções recebidas, o filme fez grande sucesso numa sessão de pré-estreia na Berlinale do ano passado. Sua temática densa e dramática

talvez represente por aqui uma antecipação das dores do Carnaval se quisermos jogar um balde de água fria no assumido extase dionisíaco de nossa festa popular de “adeus à carne”. O filme assume por vezes um tratamento de thriller dramático – muito bem interpretado, por sinal – para contar a história do escândalo (real) de crianças roubadas na ex-Iugoslávia. Miroslav Tersic centra sua atenção na personagem de Ana, uma mãe em luta contra o Estado e contra todos que afirmam ter

sua filha nascida morta. Ana é uma das mais de quinhentas mães e famílias na ex-Iugoslávia que ainda estão procurando suas crianças roubadas durante a guerra. Ela é uma costureira sérvia que tem o excêntrico hábito de levar um bolo de aniversário com uma vela para a mesa onde estão o marido e a filha adolescente para comemorar o décimo oitavo aniversário do filho que morreu após o nascimento, segundo a versão oficial do hospital. Mas ela continua a


Fotos: Divulgação

suspeitar dessa morte, inclusive por nunca ter recebido informações sobre o enterro do recém-nascido. A situação dramatizada por Tersic é uma contundente denuncia sobre o tráfico clandestino de bebês recém-nascidos e do trauma social que isso provoca. O diretor levou sete anos para voltar ao cinema, muito embora tenha uma larga experiência como diretor de comerciais. Seu filme de estreia, Redemption street, é uma obra que também fala (desta vez diretamente) dos horrores experimentados na história recente da Sérvia. Como o nome já sugere, Cicarizes é um testemunho de que os crimes de guerra podem ser pressentidos como ecos ainda muito presentes. Se no seu primeiro filme ele lidou abertamente com os conflitos iugoslavos através da investigação de um batalhão paramilitar, agora enfrenta outra história que abalou o país numa perspectiva intimista, aparentemente, mas apenas aparentemente, sem nenhuma ligação com a guerra nos Balcãs. O escândalo que vemos na tela se baseia em fatos acontecidos há vinte anos com o fim da guerra no Kosovo. Fim do domínio de Milosevic e início de um contexto de grande desestabilização social e corrupção. É então que surge um gigantesco e lucrativo tráfico de bebês. Eles são vendidos a famílias abastadas por meio de uma rede clandestina, com a cumplicidade de médicos e funcionários do governo que certificam a morte fictícia dos filhos das famílias naturais. Um escândalo largamente noticiado fora da Sérvia, cujos contornos ainda hoje não são claros em função das manobras das autoridades para fazer desaparecer vestígios dos crimes. Numa de suas entrevistas no Festival de Berlim, Tersic declarou que, no momento em que o filme foi feito, nenhum caso das centenas de bebês desaparecidos havia sido resolvido. Cicatrizes segue o cotidiano de Ana e sua família. Uma costureira de vida simples, um marido que no fim das contas é aquele que vai dar pistas para o desenvolvimento da história – ou para o que inicialmente imaginamos ser uma mórbida obsessão da protagonista. Seria a teimosia de Ana para esclarecer o desaparecimento de seu filho uma fixação compulsiva? Todo mundo acha que Ana é louca, as enfermarias psiquiátricas a tomam como paciente, já que os seus períodos de calma e equilíbrio são realmente curtos.

O filme oscila entre os momentos temporários de resignação de Ana e sua busca por novas pistas, perambulando por uma Belgrado cinza, deprimente, com seus subúrbios esquálidos indicando a degradação geral que o país enfrenta. Belgrado reproduz, metaforicamente, Ana. Tersic usa e abusa do thriller nos momentos em que policiais, médicos e familiares se voltam contra ela. De todo modo, Ana tem o presentimento de mãe e simplesmente não pode aceitar que seu filho tenha desaparecido assim, sem ter sido enterrado, simplesmente (ela devaneia) jogado no lixo hospitalar. O diretor joga com as convicções e as falsas convicções que afligem a personagem. Quantas mentiras e quantas verdades estão por trás das afirmações dos indivíduos que interagem com Ana? Existiriam questões de classe ou ao menos a intenção de tangenciar a dicotomia entre ricos e pobres nas interrelações entre os indivíduos? A quem é dado o direito de sofrer ou não com o promíscuo ambiente do pós-guerra? Como já foi colocado

mais acima, desde as primeiras cenas, o drama de uma família destruída e psicologicamente frágil se entrelaça com os aspectos típicos do thriller cinematográfico, deixando no ar um rosário de dúvidas: quem é realmente louco? Quem está certo? Quem teria permanecido verdadeiramente saudável vivendo com dúvidas e circunstâncias tão hediondas? Na Belgrado atrasada e pobre que vemos, vivem Ana e sua família, microcosmo, mundo em miniatura narrado no ritmo ordinário e moroso da vida cotidiana. Um cotidiano feminino. Tersic coloca-se no lugar da mulher. O título original em inglês (Stitches) alude ao ponto de coser do tricô. Pode ser que não seja politicamente correto, muito menos uma perspectiva “inclusiva” de lugar de fala, mas seguramente é uma tentativa oportuna e encorajadora de dizer o não dito. Cicatrizes

Sérvia/Eslovênia/Croácia/2019, drama/ suspense, 97min. Direção: Miroslav Terzic. Com Snezana Bogdanovid, Jovana Stojilijkovic, Vesna Trivalic, Pavle Cemerikic.

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Crônica da

Conceição

CONCEIÇÃO FREITAS

conceicaofreitas50@gmail.com

Antes de morrer

S

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e eu soubesse que iria morrer daqui a pouco, deixaria uma carta para meu filho e para todos os filhos que quisessem ler a carta de uma mãe morta para o filho amado. Diria a ele para ficar o máximo de tempo possível longe do celular, especialmente das redes sociais e das notícias. A internet está destruindo nossa capacidade de sonhar. Somos engolidos pelo real, ininterruptamente (mesmo o fake é o real em sua falsidade). Diria a ele para prestar atenção em tudo aquilo que clareia a alma: um sabor, um cheiro, uma foto, um objeto, uma ideia, um desejo, um autor, um filme, um livro, uma música. E se agarrar a ela com todas as forças. É lá que está a salvação, em tudo o que nos toca fundamente. Por mais ridículo ou absurdo que possa parecer. Diria pra tirar um tempo diário para o silêncio e outro para o sonho. Deixar-se devanear sem amarras como quem flutua sobre as águas. Diria para cuidar muito bem das pessoas que gostam dele, mesmo que às vezes seja alguém a quem ele nem dá tanta importância. Nos momentos mais difíceis, são essas pessoas que estarão ao nosso lado. E outras que nem imaginávamos. O anjo que nos salva às vezes é o porteiro do prédio, o caixa do banco, o flanelinha do estacionamento. Alguém que parece ser o portador de um recado que veio do mundo invisível. Diria pra ficar atento aos recados do invisível. O tempo todo o mundo nos manda recado. Um acaso pode ser um recado. Diria pra cuidar da saúde, principal-

mente da saúde mental. E quando alguma angústia ficar insuportável, procurar ajuda, sem pudor. De um psicanalista, se possível. Ou de uma mãe de santo ou de um homeopata ou do professor de ioga, de alguém que lhe pareça verdadeiro e afetuoso, sensível e atento. Diria pra viajar muito, sempre que possível, pra qualquer lugar, até mesmo dentro de sua cidade. Sair do quadrado e do urbano, conhecer os mares e as montanhas, os vulcões e os desertos, os povoados e as metrópoles, os países que deram certo e os que deram errado. Diria pra nunca construir uma casa grande, quatro quartos, três suítes, uma sauna, uma piscina. Casas grandes costumam abrigar solidões de maior tamanho. Diria para não amealhar mais dinheiro do que o suficiente para uma vida digna e para o plano de saúde. Dinheiro piora o pior das pessoas. Mais ainda que a miséria – porque a falta nos faz solidários por absoluta necessidade de se ter uns aos outros. Diria para não dar ouvidos às verdades ideológicas, quaisquer que sejam, quando o que estiver em jogo é o próprio destino. Pegue do mundo aquilo que mais se identificar consigo mesmo. Em silêncio. O limite das nossas escolhas é o que nos faz bem sem fazer mal a ninguém. Diria também para não se iludir com o sucesso nem com o amor. O sucesso passa e o amor também. O sucesso é temporário e tem o efeito das drogas – nunca é suficiente. O amor vai embora (de dentro de nós ou de dentro do outro ou de dentro dos dois). Mas tanto o sucesso

quanto o amor nos devolvem a sensação inesquecível e insubstituível de estar no colo da mãe. Ficam como parte de nós. Diria pra meu filho fazer tudo sem pressa. Cada instante é eterno. Diria também para não se levar muito a sério. Somos todos ridículos, a gente é que não sabe. Do mesmo modo, não levar a opinião do outro tão a sério. Mesmo que o outro seja o seu amor, o seu patrão, alguém a quem você muito admira. Diria que o mais importante é ouvir a si mesmo e ser ao mesmo tempo implacável e benevolente com o espelho. Saber-se falível e reconhecer-se único e ao mesmo tempo parte de um todo misterioso (do qual nada sabemos, apenas inventamos versões para enfrentar tão excruciante solidão). Diria a meu filho para nem que seja uma vez se entregar ao amor, com desespero. Um dia vai terminar, a dor será insuportável, mas o amor nos leva a lugares que nenhuma nave espacial, nenhum alucinógeno, nos levaria. Diria a ele que o perdão faz mais bem a quem perdoa do que a quem é perdoado. Diria a meu filho que tudo passa, o bom e o ruim. O ruim a gente esquece; o bom, guarda no peito. Diria a todos os filhos que viver é mais simples do que a gente imagina. O difícil é renunciar às amarras das ilusões vãs. E se deixar embalar pelos sonhos – mesmo que seja o de comer um pão de queijo quentinho com café preto depois de escrever esta crônica.




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