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Sorria, você não está sendo filmado

LARISSA PURCHIO

QUANTO MAIS EXCLUSIVA, MAIS CARA ELA É: PORQUE A PRIVACIDADE SE TORNOU UM DOS MAIORES LUXOS DA ATUALIDADE

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por JULIANA SAYURI

Manter a privacidade é uma tarefa difícil com a grande exposição na internet e nas mídias sociais

Isolar-se em uma ilha paradisíaca, com areia branca e água azul cristalina do Oceano Índico, as melhores iguarias servidas por chefs estrelados, atendidos por concierges habilidosos como gênios da lâmpada de Aladim – e sorrir, pois, você não está sendo filmado. Se instalar num lugar assim já é exclusivo a poucos, poder fazer tudo isso sem precisar se expor é a cereja dos privilégios. Isso porque a privacidade se tornou um valor agregado ao mercado de alto luxo. Há pessoas e situações que primam pela preservação da privacidade, preferem manter na esfera privada e tentam se proteger de invasões externas de “espíritos vigilantes”

ESTRATÉGIA EMOJI

Para Jayme Drummond, a pandemia dividiu os clientes em dois tipos: os hedonistas, que agora querem curtir a vida ao máximo pois ficaram muito tempo dentro de casa; e os minimalistas, que passaram a priorizar um estilo de vida reservado. “Privacidade faz parte do universo de alto luxo”, diz Drummond, o carioca do canal no YouTube Carioca NoMundo.

“Há quem prefira privacidade total e nem sequer têm contas em redes sociais; são extremamente bem-sucedidos, fazem viagens incríveis e não têm perfil no Instagram, por exemplo”, conta Drummond.

PRIVACIDADE SE TORNOU UM TIPO DE MOEDA DE TROCA

“Outros querem compartilhar suas experiências em redes sociais e transformam sua vida quase num reality. Outros ainda as usam como ferramenta de trabalho.

Mesmo quem trabalha com isso quer uma privacidade em certos momentos”, avalia.

A busca por essa privacidade às vezes se manifesta em emojis. Mais precisamente, em emojis cobrindo rostos das pessoas: há perfis abertos de pessoas públicas, como influenciadores digitais e artistas, que vêm utilizando essa estratégia para preservar a identidade dos fotografados. A autora Olivia Harrison destacou num artigo na revista Refinery29 celebridades que estão cobrindo o rosto de seus filhos ao postar fotos. “O que torna esse fenômeno tão interessante”, ela escreveu, “é que muitas das celebridades que usam emojis para talvez pôr uma barreira de privacidade em torno de seus filhos são as que compartilham todos os outros aspectos de suas vidas pessoais com seus seguidores”.

LARISSA PURCHIO

Pessoas procuram estratégias para manter suas vidas privadas

EXCLUSIVO A 1%

A pandemia expôs desigualdades nas mais diversas áreas e na privacidade não foi diferente. Afinal, a quem é possível isolar-se com acesso ilimitado a serviços, produtos e lazer, com segurança digital e integridade física, um teto sob a cabeça e três refeições quentes por dia, sem necessidade de se deslocar para trabalhar – aliás, sem necessidade de sequer trabalhar? Ter tudo isso com uma pitada extra de luxo, a privacidade, talvez seja imaginável apenas para os mais ricos dentre os mais ricos, o 1%.

“A vida dos 99% hoje é forçadamente mediada pelas mídias digitais ligadas ao capi-

talismo de vigilância”, diz o pesquisador e antropólogo Rafael Evangelista. Assimetrias que se notam nos mínimos detalhes do dia a dia na internet e nas ruas: depender do Wi-Fi grátis de um parque público ou ter o próprio 5G; alugar um AirBnb ou arremeter uma ilha; ou, acrescenta Evangelista, pedir um Uber ou ter um motorista particular e não deixar rastros de deslocamento, nem digitais. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais inclui todas as dimensões da vida, lembra Mariana Gomes. “Isso porque a privacidade se tornou um tipo de moeda de troca. Os dados acabam sendo usados no mercado, extrapolando a esfera digital”. E, como os algoritmos não são neutros, sempre há quem está mais exposto que outros: corpos negros são mais visados do que brancos, por exemplo; corpos femininos, mais que masculinos.

“’Poesia não é um luxo‘, dizia a autora Audre Lorde, ativista negra e referência da teoria feminista contemporânea. Pois é, muitos elementos da nossa vida são tratados como privilégios, como algo além e para poucos. Mas, tal como a poesia, a privacidade não é um privilégio, um luxo. Ou, ao menos, não deveria ser.”

A privacidade se tornou um aspecto valioso em virtude da pandemia

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