Revista Subjetiva - Mar/2018

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ARTIGOS Anitta

e

a

militância midiática

CULTURA Um

ensaio

sobre

a

construção de

personagens

em

Logan

LIVROS "Outros

Jeitos

de a

Boca":

Sensibilidade,

poesia

e

REVISTA SUBJETIVA

Usar

força.

CONTOS & CRÔNICAS: O

que meu

eu

aprendi

rabo

de

com

cavalo

03/2018


Oi sumido! REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS COM AMIZADES NA VIDA ADULTA, COBRANÇAS E AMADURECIMENTO. Pra mim não foi fácil virar adulta! Senti e muito todos os pesos, obrigações, sacrifícios de uma vida independente. Mesmo antes, ainda morando com minha família, sentia o peso das cobranças, responsabilidades, decisões, que a princípio, imaginamos que vamos levar para o resto da vida. Não sei se devido a maneira que fui criada, ou se é um sentimento maior do que eu mesma, acho que li em algum lugar, que esse era um dos flagelos da minha geração (X, Y, Z, ou seja lá qual for), essa dificuldade e incapacidade de amadurecer. Hoje já me sinto mais confortável com esse título de: adulta, mas não tão confortável assim para me considerar plenamente uma adulta, digo sinceramente: nada é para o resto da vida. Na vida quantas vezes você já passou por essa situação? Você está na rua, passeando, fazendo compras ou qualquer outra coisa e acaba por ver ao longe uma pessoa que já foi um amigo e hoje por situações diversas da vida é apenas um conhecido. Você não sabe se fala com aquela pessoa, começa a ficar tenso, até começa a suar em alguns casos, se deixar você quer até desviar ou passar rápido pela pessoa. Se a sua timidez deixar e for uma pessoa que você considere legal, você vai acabar olhando fixamente pra ela esperando que ela olhe de volta, se a timidez da pessoa deixar ela retribui o olhar e em muitas vezes vocês só passam um pelo outro. Em alguns casos acenam timidamente, há quem dê um inaudível “oi”, mas existe um tipo de pessoa que sempre vem com essa pequena, porém devastadora frase: “Oi Sumido!”. Pra que gente? Vamos começar do começo. Ao longo da vida passamos por muitas fases; infância, adolescência, juventude, idade adulta e assim vai. É óbvio que muitas pessoas vão passar pela nossa vida, afinal essa vida é verdadeiramente de encontros e desencontros. Durante a infância achamos que nossos amigos serão os mesmos pra sempre, eles são os melhores, os mais legais, divertidos, eu sei “não há ninguém como a Fulana” ou “eu nunca poderia ter outra melhor amiga”, isso faz parte dessa fase da vida. Nessa época descobrimos o quão é bom não estarmos sozinhos, e o quanto precisamos de pessoas da nossa idade para conversar e brincar, nós aprendemos a socializar e a criar laços. Mas o que nos leva a crer que esses laços serão para sempre? Na fase da infância achamos que não só as amizades, mas que tudo durará para sempre, afinal ainda temos muito a viver, temos muito tempo, mas não é exatamente assim.


Quando chegamos à adolescência temos as primeiras perdas. Acontece que as pessoas mudam, fisicamente mesmo, mudam de cidade ou Estado; as pessoas começam a desenvolver uma personalidade própria e passam a questionar a maioria das coisas. Inclusive na nossa cabeça nessa fase estamos cheios de tópicos, assuntos, problemas é muita coisa pra lidar, são muitos hormônios e mudanças, tanto corporais como comportamentais. Nessa etapa acabamos por descobrir que nem tudo é pra sempre, quantas vezes, inutilmente, não guardamos rancor daquela nossa melhor amiga, que mudou de colégio e fez outras amizades? Ou que simplesmente mudou e hoje não fala mais com a gente? Isso faz parte do aprendizado e do amadurecimento, mas passar muito tempo carregando essas mágoas e sentimentos nos mostra o quanto ainda somos infantis. Na fase da juventude e da idade adulta, espera-se que você já tenha entendido que na vida nada é pra sempre, e que na verdade raros são os momentos, as amizades que perduram e que o amor e as lembranças é o que realmente fica e que vamos levar. Mas até ai tudo bem, o que me intriga na maioria das situações que acontecem comigo são as cobranças de pessoas já adultas. Quando alguém já começa a conversa com a frase “Oi sumida!”, implicitamente me soa como cobrança, como se eu tivesse que estar obrigatoriamente mais presente na vida daquela pessoa. Existem muitos amigos que hoje não estão mais tão presentes na minha vida no dia a dia, sinto falta de alguns deles, mas os diferentes caminhos que tomamos durante a vida, até aquele momento, nos levaram a nos separar e está tudo bem, isso é normal. Não existe motivo para cobrança, é um movimento natural que acontece com TODAS as pessoas do mundo. Ao fazer escolhas deixamos de fazer outras, algumas dessas escolhas nos aproximam de algumas pessoas, mas ao mesmo tempo em que aproximam de algumas, nos afastam de outras e isso é natural e normal. Aprendi desde muito pequena, que não só as amizades, mas qualquer relacionamento é via de mão dupla. O carinho, a disponibilidade, a atenção, TUDO, tem que ser dado mutuamente. Reciprocidade é a palavra chave em um relacionamento. Pra mim nunca fez sentido uma amizade em que só eu me dispusesse fisicamente e emocionalmente, acho que embora devesse, não sou tão evoluída assim como gostaria, para amar sem esperar receber de volta. Mesmo que algumas vezes eu fale e tente agir assim, eu acabo esperando receber de volta o carinho e a atenção. Acredito não ser a única. Acontece que na vida adulta são muitas responsabilidades, obrigações, planos, enfim… Acaba que não conseguimos dar atenção e estar presente na vida de todos os amigos que gostaríamos, normal, mais uma vez essa foi uma escolha que fizemos ou que acabou por ser imposta a nós pela vida, e o nosso círculo social acaba por ser bem reduzido a aqueles amigos que também nos colocam como prioridade e que tem mais disponibilidade e interesse em estar conosco. Isso não significa que o carinho, o afeto e a importância dos outros amigos sejam diminuídos, você apenas não consegue mais estar presente para todos nesse momento.


A vida é feita de ciclos, encontros e reencontros (assim acredito eu), todos que passaram por nossas vidas tiveram sua importância no momento em que precisavam passar por ela. O que não quer dizer que futuramente não voltarão a estar tão presentes em nossas vidas tanto quanto no passado. Você sempre pode retomar suas amizades, se há amor genuíno, saudade, vontade de estar com a pessoa novamente, não deixe que a timidez ou qualquer outra coisa te bloqueie. Procure o seu amigo, seja a pessoa a dar o primeiro passo não deixe que o ego e o orgulho o impeçam de retomar a amizade com aquela pessoa que te faz falta, vá e seja feliz. Também não se ressinta, se aquela pessoa que você gostaria de estar mais próximo, não puder no momento, entenda o momento do seu amigo, se a amizade tiver de continuar futuramente vocês voltarão a conviver, mas se não, entenda que o afastamento é natural e faz parte da vida! Agora o que não é legal é não estar disponível, não ter tempo para aquela pessoa na sua vida e cobrar que ela esteja disponível pra você, isso não é ser verdadeiramente amigo. Não seja aquela pessoa que usa a frase “Oi Sumido”, para deixar a outra pessoa culpada por não estar presente em um relacionamento que nem você faz questão de manter.

CAMI MONTEIRO (TWITTER: @MILLEMONTE)


ANITTA E A MILITÂNCIA MIDIÁTICA

UMA OPINIÃO SINCERA SOBRE O DISCURSO FRACO DE ANITTA A RESPEITO DO ASSASSINATO DA VERADORA MARIELLE FRANCO. No dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco, junto de seu motorista, foi assassinada a tiros no Rio de Janeiro. Não foi em meio a um assalto. Não foi uma bala perdida. Foi uma execução. Foi um “cala a boca” definitivo para Marielle, que era uma militante ativa e lutava em meio a política porca brasileira pelas causas que defendia. Eu não escrevi sobre Marielle. Discuti o assunto com amigos próximos, mas não comentei sobre Marielle em minhas redes sociais, por dois motivos: o primeiro sendo a minha incapacidade de colocar em palavras minha indignação. E o segundo, sendo ele a razão pela qual escrevo isso agora antes de focar no motivo deste texto, porque eu não sou ninguém “na fila do pão". Eu não tenho alcance midiático. Eu não tenho milhares de seguidores. Eu escrevo e publico meus textos? Sim. Mas qual o alcance que eles tem? Talvez não chegue a 1% do alcance da Anitta. Então foi “ok” meu silêncio sobre a morte de Marielle. E seria “ok” o silêncio de Anitta sobre o assunto, se ela não tivesse vendido sua imagem como defensora dos direitos das mulheres, pobres e de periferia. Tudo o que Marielle era e defendia.

A declaração de Anitta sobre o assassinato de Marielle foi péssima, para não dizer ridícula. Ela deixou bem claro para todos que estavam cobrando sua posição, que a militância dela é apenas o suficiente para lhe render lucro. Ao se posicionar dizendo que não importava se Marielle era “de direita, de esquerda, de frente, de costas” ela ignorou totalmente o motivo pelo qual Marielle foi assassinada. Marielle foi assassinada por ser de esquerda. Por ser mulher. Por ser negra. De periferia. Pobre. E por lutar pelas pessoas que eram exatamente como ela. Marielle morreu por isso. E Anitta ignorar tudo isso, só mostra o quanto a militância dela é fraca. Mas tudo bem. Não existe uma militância correta. Não existe uma porcentagem do quão militante alguém deve ser. As pessoas lutam pelo que acreditam. Mas Anitta não acredita em nada disso. O clipe de “Vai Malandra” mostrou a realidade da periferia? Sim. Mas o quanto ela lucrou com isso? Ela não vem se destacando na grande mídia desde que se “assumiu” militante? Não foi a falha da selfie com a Rihanna que rendeu sorte para ela. Foi assumir uma luta, da qual no fundo, ela não acredita. Eu ainda lembro das declarações dela no programa Altas Horas, onde Pitty deu uma lição (linda de se ver) nas frases machistas dela. Eu ainda lembro do casamento dela com um homem com histórico de agressão contra a ex namorada.


Para mim, a militância de Anitta não passa de publicidade. Dá dinheiro ser feminista. Dá dinheiro lutar pelas minorias. Dá dinheiro ser militante. Em um mundo onde tudo é comercializado, não existe limite na comercialização de ideais. Anitta não é militante. Ela assume causas que vão lhe proporcionar visualizações e destaques na mídia, e por consequência, dinheiro. E por este motivo, o discurso de Anitta sobre Marielle foi fraco. Ridículo. Ofensivo. Foi ofensivo por ser tão raso e estúpido, ao falar da morte de uma mulher que deu a vida por seus ideais. Cobrar uma posição de Anitta só serviu para nos mostrar que ela não tem os mesmos ideais que nós. Não serve para nos representar. Não lutamos pela mesma causa, como Marielle lutou. Marielle vai permanecer presente daqui três meses. E não vai ser pelo discurso de Anitta. Vai ser porque ela morreu por causas que nós também acreditamos. Podem ter calado Marielle, mas não podem apagar a nossa memória. Ela continuará a inspirar e a motivar nossa luta por um futuro melhor. Marielle, presente!

GRAZIELA SANTOS (TWITTER: @NETUNXS)


PROTAGONISTA X

Um ensaio sobre a construção de personagens em Logan

O cinema atual vive a era dos heróis. Anualmente as telonas se enchem de efeitos, lutas coreografadas e batalhas do bem contra o mal em pelo menos cinco filmes diferentes. Do universo compartilhado da Marvel aos longas da trindade DC, todas as produções do gênero têm um precursor em comum. Essa peça primordial, que trouxe de vez as hq’s para Hollywood, é o filme dos X-Men, lançado em 2000 e dirigido por Bryan Singer. Mesmo longe da perfeição, o longa é reconhecido por ser o pontapé inicial das aventuras de heróis no cinema moderno. Quase duas décadas depois, os mutantes ainda estão vivos no imaginário popular. Dentre todas as produções do gênero, uma estória dos x-men voltou a se destacar, desta vez por ser listada na 90a edição do Oscar. Em Logan, vemos um futuro onde os x-men foram praticamente erradicados. Nesse cenário, um Wolverine (Hugh Jackman) velho e doente vive sua última aventura ao lado do senil Professor Xavier (Patrick Stewart) e de Laura (Dafne Keen), uma criança mutante criada em laboratório. Mesmo com uma participação tímida na premiação — o longa foi indicado apenas por roteiro adaptado — vale a pena analisarmos a obra mais atentamente. Dentre suas várias qualidades, Logan se destaca por uma construção de personagem exemplar. O comportamento de Wolverine segue à risca todas as regras que regem a elaboração da personalidade de um protagonista.

O Arco do Personagem Tendo como base os conceitos de Robert Mckee, em um filme interessante o personagem deve viver situações diversas que gerem mudanças em seu interior, sejam elas boas ou ruins. Para isso a estória deve caracterizar seu protagonista. Na obra em questão, temos um Logan descrente, adoentado e sorumbático. Após ter vivido tantas aventuras ao lado de seus companheiros, ele foi testemunha da morte de todos, bem como do extermínio de sua raça. Este Logan perdeu seu heroísmo e recusa ajuda àqueles que precisam dele, como faz diversas vezes com Gabriela (Elizabeth Rodrigues). Entretanto, seu coração continua primordialmente bom. Essa característica revela-se quando o mutante decide atender ao chamado da enfermeira e ajudar a pequena Laura a chegar à fronteira com o Canadá. Neste momento estamos diante de uma contradição onde a forma como o personagem age vai de encontro a suas características externas. O Wolverine egoísta e abatido ainda é capaz de se compadecer com inocentes, mesmo que a contragosto. Gradativamente a narrativa exerce pressões sobre Logan que o fazem tomar decisões cada vez mais difíceis. Por sofrer de uma doença degenerativa, seu corpo agora é incapaz de se curar com a mesma rapidez de antes. Em meio a dores crônicas, ele é obrigado a lutar com diversos inimigos. Entre eles a nêmesis X-24: um clone seu criado em laboratório e repleto de ódio. Por fim, mesmo atormentado pela morte de Xavier e de uma família de inocentes, o personagem se vê obrigado a levar Laura até a fronteira. A tarefa é cumprida, mesmo Logan estando em condições críticas. Em seu destino final, a dupla encontra outros jovens mutantes, companheiros de cárcere de Laura. No local, Logan é tratado pelas crianças com um soro, porém rechaça tal abordagem ao saber que este é o mesmo princípio que ativa o X-24. No clímax da estória, Wolverine abraça sua doença e injeta uma dose cavalar da substância em questão para salvar os pequenos. Esta última decisão muda profundamente sua personalidade e, por alguns momentos, o faz sentir-se jovem. Com a propulsão momentânea ele consegue derrotar os algozes, mesmo que isto custe sua vida. Diante do túmulo do x-men, o público vê que o objetivo inicial foi cumprido: Laura e seus amigos chegaram à segurança e o herói realizou seu arco de mudanças com louvor.


A revelação do verdadeiro personagem, bem como o o contraste com a caracterização inicial é fundamental para uma boa estória. Isso mostra que o roteirista se debruçou sobre o texto e fez escolhas assertivas para gerar a identificação do público. Afinal, muitas vezes as pessoas não são quem aparentam ser. Via de regra, essa mudança é sempre necessária. Personagens que não apresentam tais diferenças existem, mas são superficiais e, por consequência, chatos. Protagonista X Como parte do trabalho de conexão do público com o filme, Hollywood costuma inserir em suas produções modelos a serem seguidos. Em Logan não é diferente. Como protagonista ele possui todas as qualidades da cartilha: é voluntarioso, autocontraditório, obstinado, convincente em suas batalhas e empático, mesmo que nem sempre seja simpático. Como resultado, a audiência sai do cinema acreditando nos dilemas vividos por ele e endossando suas escolhas. Ao ver um bom protagonista o público torce por ele, acredita em suas decisões e vai para casa certo de que faria o mesmo, se por acaso vivesse alguma situação semelhante. A Herança Final Do além-túmulo, Wolverine nos envia uma mensagem importante. Subestimados por uns e superestimados por tantos outros, os filmes de heróis podem sim ser elevados ao status de cult. Para isso, as produções devem fazer como Logan: se dedicarem à originalidade verdadeira e à arte da escrita, priorizando o roteiro em detrimento da ação psicodélica. Seguindo essa fórmula não será nenhuma surpresa se, daqui a alguns anos, títulos do gênero concorrerem e até ganharem um Oscar em categorias mais importantes. Por tantas lições aprendidas, desejo longa vida aos mutantes e longa vida aos heróis.

BRUNO TAVARES (INSTAGRAM: @BRUNO_STAV)


1) Epidemia de Cores (2016) Começo por este filme, que foi um feliz achado no Google Play. Dirigido por Mário Eugênio Saretta Poglia, este filme conta histórias de integrantes das oficinas de arte que acontecem no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre —

REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA EM 7 FILMES.

importante instituição no Os manicômios e as práticas

cenário manicomial brasileiro.

desumanas exercidos dentro

As histórias e experiências nos

deles foram substituídos por

emocionam, impactam e

políticas de saúde mental

fazem rir. Estas oficinas e a

inclusivas, em que o objetivo é

maneira de cuidar de pessoas

promover saúde, cidadania e

com sofrimento mental,

inclusão às pessoas com

exemplificam as mudanças

sofrimento mental. No entanto,

que a Reforma Psiquiátrica

ainda faz-se necessário resgatar

trouxe. É um filme sobre

A reforma psiquiátrica brasileira

este pedaço da história

promoção de vida, arte e

foi um movimento social,

manicomial brasileira, para

artistas, cuidado e cidadania.

político e institucional pela

acabarmos não somente com os

extinção da maneira como

prédios, mas com as concepções

Eu acompanho as páginas do

pessoas com sofrimento mental

e práticas que ainda excluem

filme no Facebook e YouTube,

eram tratadas nos manicômios.

pessoas no contexto da saúde

que possuem informações

O sofrimento e morte de

mental, bem como, evitar

extras do Epidemia das cores.

milhares de pessoas nos

retrocessos. Para assistir: Google Play.

manicômios infelizmente faz parte da história da saúde mental brasileira.

“Desconstruir o manicômio não é só implodir o edifício, é desconstruir as práticas teóricas, os conceitos, as teorias que fundam o manicômio, que fundam a ideia de doente mental, a ideia de diferença, de inferioridade e de tudo o mais.” (Paulo Amarante)


2) Holocausto Brasileiro (2016) Originado do livro homônimo, este documentário foi produzido pela HBO e dirigido por Daniela Arbex (autora do livro) e Armando Mendz. O documentário traz relatos de sobreviventes, funcionários e ex-funcionários do Hospital Colônia, em Barbacena, no interior de Minas Gerais (MG). Documentário e livro denunciam uma história que não pode ser esquecida, em que tudo que não deveria acontecer, aconteceu. Em entrevista, Daniela Arbex disse que “ o livro complementa o filme e o filme complementa o livro, um não esgota o outro, porque o livro tem personagens que o filme não tem e o filme traz personagens muito poderosos”. Curiosidade: As fotos do livro, que também aparecem no documentário, foram feitas por Luiz Alfredo, quando era jornalista do jornal O Cruzeiro. Para assistir: Youtube. Ou, na HBO, com transmissões semanais. 3) Olhar de Nise: A psiquiatra das imagens do inconsciente (2015) Este documentário, dirigido por Jorge Oliveira, traz depoimentos de Nise da Silveira e de pessoas que trabalharam nos ateliês organizados por ela e protagonizados pelos artistas residentes no hospital. Eu prefiro este documentário ao filme Nise: Coração da loucura, pois nesta obra fatos políticos e sociais que determinaram a vida e atuação de Nise têm mais atenção, dentre eles, uma acusação criminal (na época) de comunista, que a levou para a prisão. Curiosidade: As produções destes ateliês, deram origem ao Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Para assistir: Eu assisti ele em uma mostra no Sesc. Não sei indicar outra forma de encontrá-lo. 4) A loucura entre nós (2015) Este documentário foi dirigido por Fernanda Vareille, e também foi inspirado em um livro, homônimo, de Marcelo Veras. Tem como pano de fundo o Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, em Salvador. Os relatos são de pacientes, ex-pacientes, familiares e profissionais do hospital. Esta obra me prendeu a atenção pela forma como aborda e problematiza a linha tênue que existe entre normalidade e loucura, afinal: “Quais os limites da nossa sanidade? O que nos define como normais?”. Página oficial: A loucura entre nós Para assistir: Google Play.


5) Nise: O coração da loucura (2016) Dirigido por Roberto Berliner, conta sobre o trabalho de Nise da Silveira no Manicômio Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Entendo que o filme caiu na apreciação popular brasileira em decorrência linguagem usada (mas, não só), tornando-o acessível e, consequentemente, popular. O filme conta apenas uma parte da história de Nise, que pode ser complementada com o filme supracitado: Olhar de Nise. Independente de qual dos dois filmes se tornar o seu preferido, ambos são geniais, nos deixam desconfortáveis e emocionados. Curiosidade: Em 2017, o ator Flávio Bauraqui, que interpretou Otávio Ignácio (paciente do hospital), ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante, no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Para assistir: Netflix ou Google Play. 6) Em nome da razão (1979) Filme documentário dirigido, ainda na década de 70, por Helvécio Ratton. Em nome da razão foi gravado dentro do Hospital Colônia, de Barbacena (MG). São pouco mais de 20 minutos de angústia, tristeza e revolta em frente a tela. Não é possível ficar apático diante da condição de desumanidade dos pacientes. O filme, que impactou e impacta todos que assistem, é considerado um importante dispositivo para o início das discussões sobre o contexto de Barbacena e o Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil. Curiosidades: 1) “Porões da loucura” é uma menção ao período ditatorial que o país vivia naquele momento, em que pessoas era levadas e morriam nos porões dos departamentos militares. 2) Ratton foi diretor do filme Batismo de sangue, que conta um pedaço da história da ditadura militar, a partir das experiências dos frades Tito, Frei Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo. Para assistir: Vimeo. 7) Bicho de sete cabeças (2001) Filme dirigido por Laís Bodanzky, baseado na autobiografia de Austregésilo Bueno, Canto dos Malditos, conta a história de um adolescente, com conflitos com pai, pego com um cigarro de maconha, interpretado como dependente químico e internado em um hospital psiquiátrico para tratamento. Bicho de sete cabeças denuncia as condições sofridas por pessoas com dependência química ou sofrimento mental internadas em hospitais psiquiátricos. Mais que isso, o filme permite analisar como estas instituições que tinham a proposta de “cura” acabavam agravando o estado de saúde dos pacientes, matando, ou, ainda, criando doenças que sequer existam antes da internação. Curiosidade: Bicho de sete cabeça está entre os filmes brasileiros que mais receberam prêmios. Para assistir: Youtube.

ANA PAULA RISSON (TWITTER: @ANNARISSON)


“Outros Jeitos de Usar a Boca”: sensibilidade, poesia e força RUPI KAUR ENSINA TAMBÉM OUTRAS FORMAS DE USAR A DOR. Esse não é um livro de poesias qualquer, desses que a gente pega aleatoriamente em estantes de livrarias e lê qualquer poema. Não é um livro com poesias distantes, que falam de coisas em palavras difíceis que a gente não entende meia dúzia de palavras. Esse é um livro de dor, em que dói ao ler, em que dói ouvir, em que dói pois fala de machucados vividos ao menos uma vez na vida por qualquer um. O livro de Rupi Kaur é dividido em quatro partes: a dor, o amor, a ruptura e a cura. Tendo como título original “Milk and Honey”, o livro foi lançado originalmente de maneira independente por Rupi, se tornando um dos maiores fenômenos de poesia dos Estados Unidos na última década, ficando durante quarenta semanas no topo da lista de best-sellers, com mais de um milhão de exemplares vendidos. Assim que abrimos o livro damos de cara com uma das citações mais sensíveis e sinceras da escritora “meu coração me acordou chorando ontem à noite o que posso fazer eu supliquei meu coração disse escreva o livro”, e não importa em qual parte do livro iremos abrir, sempre será um misto de lágrimas e conforto. A cada linha escrita e acompanhada pelos desenhos de Rupi Kaur, nós nos sentiremos convidados a continuar, a cada verso sentiremos em nosso coração uma dorzinha, enquanto nossos olhos estarão em lágrimas, mas será como se um peso fosse tomado de nossos ombros. A poesia de Rupi Kaur é libertadora. A cada novo poema você pensa “eu queria ter escrito isso”, e é essa a receita secreta de Rupi, que nasceu na Índia mas desde pequena mora no Canadá. As palavras dela são de dor acompanhadas de um abraço, pois ela fala sobre as dores que ninguém diz, mas todos sentem.

Deixo com vocês um dos meus poemas — entre tantos — preferidos nessa obra. “Outros Jeitos de Usar a Boca” ensina que a dor pode fazer coisas belas, como esse livro. “pai. você sempre liga sem ter nada especial a dizer. você pergunta o que estou fazendo ou onde estou e se o silêncio entre nós se estende por uma vida dou um jeito de encontrar perguntas que façam a conversa continuar. o que eu queria mesmo dizer é. eu sei que o mundo te despedaçou. foi com tudo pra cima de você. não te culpo por não saber ser delicado comigo. às vezes fico acordada pensando em todos os machucados que você tem e nunca vai dizer. eu venho do mesmo sangue dolorido. do mesmo osso tão sedento por atenção que desabo em mim mesma. eu sou sua filha. eu sei que a conversa-fiada é o único jeito que você conhece de dizer que me ama. porque é o único jeito que eu conheço.”

NATALI CARVALHO (FACEBOOK: @NATALI.CARVALHO.589)


Fome por respeito Aos 12 anos, ela foi abusada por um grupo de garotos — um deles, ela conhecia e confiava. Ela guardou esse segredo por mais de 20 anos. O garoto seguiu a vida e se tornou alguém “importante”. Ela também. Mas a vida não seguiu de forma leve para ela. Para evitar que seu corpo se tornasse alvo novamente, ela comeu. Comeu muito. Comeu até achar que seu corpo era tão repulsivo que ninguém desejaria tocá-lo. Ela queria se sentir segura. Uma segurança que foi tirada dela tão jovem: a segurança de existir plena e em paz. A história de Roxane Gay é uma dentre tantas outras mulheres que são agredidas e violentadas simplesmente por serem quem são. No livro “Fome: uma autobiografia do (meu) corpo”, a escritora, professora e ativista constrói , por meio de um relato duro e direto, a biografia de um corpo que sofreu por habitar uma sociedade violenta. E aí, na tentativa de se proteger de uma violência, Roxane começa a sofrer outras: um corpo gordo não é bem-vindo nessa mesma sociedade. “(…) logo percebi que não estava apenas escrevendo uma autobiografia do meu corpo; eu estava me forçando a olhar o que meu corpo havia suportado, o peso que eu havia ganhado e o quão difícil tem sido conviver com esse peso, assim como perdê-lo”. Ao longo do livro, ela conta sua relação com a comida e a pressão cada vez maior que sofria cada vez que ganhava mais peso. É aquela mesma pressão que todas as mulheres sofrem, em diferentes graus, para alcançar um padrão inalcançável para a maioria. Em vez de nos ensinarem a nos amarmos, nos ensinam a sermos constantemente insatisfeitas com nossos corpos. O autoamor é meta impossível, dizem. “Somente agora, aos quarenta e poucos anos, consigo admitir que gosto de mim, embora eu seja perturbada por uma desconfiança de que não deveria gostar”. Roxane Gay investiu na carreira acadêmica e, mesmo se tornando alguém conhecida, os desrespeitos não pararam. Seja por não enxergarem nela uma pessoa capaz de ser dotada de conhecimento, seja pelo grande problema da acessibilidade em espaços públicos e a falta de um olhar da indústria da moda para os corpos que fogem à “norma”, ela é lembrada o tempo todo o quanto seu corpo é rechaçado.


A pessoa gorda é resumida por seu corpo. Como ela mesma destaca, “independente do que eu realize, serei gorda, em primeiro lugar”. Além disso, ainda há o excesso de opiniões acerca dos corpos gordos; todos parecem ter uma receita para emagrecer — sem nem mesmo perguntar se é aquilo que a pessoa deseja. Durante a leitura, fica clara a mensagem que Gay quer passar: os corpos gordos não têm as mesmas condições e infraestrutura. É como se não fizessem parte da sociedade. Como se não merecessem fazer parte da sociedade. São recados constantes, dos mais sutis aos mais agressivos, da inadequação das pessoas gordas. “Quando você está acima do peso, seu corpo se transforma num registro público, em muitos sentidos. Seu corpo está constantemente em exposição. As pessoas projetam narrativas presumidas em seu corpo e não estão nem um pouco interessadas na verdade dele, qualquer que seja essa verdade”. “Fome” é daqueles livros que não deveriam precisar existir. A cada página, é possível sentir a dor dela, mas também a coragem de dividir essa história com o leitor. Que cada pessoa que leia esse livro consiga olhar o outro com mais empatia e sem julgamentos. Que respeitem os corpos gordos e não definam quem alguém é somente pela aparência. Essa é a maior lição que o livro deixa.

CAROL VIDAL (TWITTER: @CAROLVIDAL_ INSTAGRAM: @CAROLVIDAL_)


SENTIMENTOS VIRTUAIS Sobre carências, aplicativos e outras drogas. Quais foram mesmo as suas palavras? Era algo do tipo: “O carnaval já passou e agora? O que eu faço? O inverno está quase aí”. Lembro de ter lido essas palavras e pensando que ou você está assistindo muito Game Of Thrones ou você recebeu aquela visitinha de novo. A sua prioridade é afastar essa sensação avassaladora que te persegue desde a primeira vez que você desejou alguém. A pior de tudo é que esse sentimento é parcialmente curável e aí é que está o perigo, afinal, quando pensamos que nos livramos dele… BANG! voltamos a estaca zero.

Se a carência fosse um ser humano, ela seria, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais ingrata do mundo, ela sempre pede e pede e pede por algo que infelizmente falta em você… aquele amor própria do qual você tanto fala se esvaziou um dia e nunca foi reposto, não é? Eu bem sei. Acho que você sabe onde eu quero chegar… Não se acanhe, eu sei que você o tem instalado ai no seu smartphone, aposto que ele não está na tela principal, eu diria que você acessa o menu e arrasta a tela duas vezes no máximo para encontrá-lo, o símbolo flamejante que tanto te assombra. Quantas vezes você o desinstalou, mas depois mudou de ideia e o reinstalou naquele momento de fraqueza? É… acredito que você não é a única pessoa dentro desse barco. Mas não sejamos hipócritas, um aplicativo facilita muito as coisas, por exemplo, você não precisa dizer que não gostou de alguém, basta passá-lo para a esquerda e ele ou ela nunca saberá. Em contrapartida, é muito ruim esperar aquele Like que nunca virá, mas tudo bem… sempre é possível tentar de novo.


Falando nisso, como foi o seu último Like? Você leu a

Carol VidalVocê não acha engraçado como os

descrição e passou para a direita ou só as fotos do/da

nossos sentimentos se tornaram reféns de um

pretendente foram suficientes? E você parou para

pacote de dados e de um sem-fim de códigos

pensar como aconteceu do outro lado? Será que ele/ela

binários? Aquela corrente de autoconfiança gerada

leu o teu perfil e pensou “Wow” ou você foi só um

através de um coraçãozinho verde (sendo alguns

rostinho bonito na sequência?

deles por puro engano) que toma nossas estruturas é reconfortante.

Estranho pensar sobre isso, não é? E mais estranho ainda é pensar como por vezes o Like é suficiente para

Um conforto que não dura o bastante.

acalmar os ânimos, às vezes você não gosta daquilo que

Uma maquiagem colocada sobre as nossas

vê no espelho, entretanto basta a notificação subir na

expectativas.

sua tela para você sentir aquela dose de amor próprio (bem de segunda mão) fluir pelo seu corpo abaixo.

Às vezes você culpa o querido Karma por toda essa patifaria que você chama de relacionamentos…

Eu nem deveria tocar nesse assunto, mas acumular

como assim você dá amor, carinho e o escambau,

Likes e Contatinhos não te faz uma pessoa esperta ou

contudo não recebe o mesmo de volta? Onde já se

prevenida, brincar com os sentimentos dos outros e

viu uma coisa dessas?

organizá-los em uma fila prioritária não te torna alguém mais amado ou desejado. Acho que o mais prejudicial

Você passa grande parte do tempo querendo um

disso tudo é pensar que só você se antecipou, talvez

relacionamento fixo e quando alguém aparece você

você não seja a primeira opção dos seus pretendentes.

se assusta, imagine só se roubam a sua liberdade? Que loucura seria… Logo você que quer todo mundo e ninguém ao mesmo tempo. E esse aplicativo simplesmente fica escondido até a sua próxima crise de carência, aí você volta correndo para ele em busca de uma aceitação e uma coragem que não flui naturalmente de dentro para fora… Alguém terá que dizer o quão interessante e aprazível você é, alguém do outro lado da tela que possui (ou não) as mesmas intenções… alguém que pode (ou não) estar mentindo para conseguir o que quer… ou pior, alguém que pode não ser a mesma da foto. Todo dia surge um aplicativo novo, todo dia passamos pessoas para a esquerda e para a direita enquanto agradecemos essa belezinha chamada de anonimato, mas ainda sofremos para acreditar que a plenitude se encontra dentro de nós. Ninguém deveria ter esse poder sobre nós. Mas até lá não custa nada ligar a sua geolocalização e checar quem está por perto, talvez seja a pessoa que vai salvar o seu dia (ou aquela que é igual a todas as outras). Um “Viva!” às nossas emoções virtualmente inócuas e dissipadas.

DANILO HENRIQUE (TWITTER: @DANILEK INSTAGRAM: @ALLNEONDAN_)


você quer amor ou atenção? “você não acha que no final das contas é tudo a mesma coisa? amor e atenção?” eu ouvi essa pergunta feita de forma retórica e nesse momento todo o contexto no qual ela estava sendo aplicada desapareceu. foi uma daquelas epifanias que gosto de achar que sou importante o suficiente para ter. no final das contas, pensei eu de forma nada retórica: você quer amor ou atenção? eu não consegui responder rápido — óbvio, mas levei essa pergunta comigo nos caminhos pelos quais ando todos os dias. sempre que havia um silêncio era para lá que minha mente me levava. o que é receber atenção? minha primeira resposta a essa pergunta veio na forma de outra pergunta: ser notado? será? achei injusto atribuir a uma palavra tão cheia de nuances um significado simplista desse jeito. atenção não tem nada a ver com ser notado. atenção tem a ver com outra coisa. e devia ser nisso que quem falou aquela frase — que, infelizmente, não foi direcionada a mim, acreditava. só assim era possível, afinal, compará-la ao amor. amor. se tenho minhas dúvidas sobre o que é receber atenção não preciso dizer que passo muito mais longe da resposta sobre o que é receber amor. (o que dá pra perceber, quando analisamos minha linha editorial) a linha imaginária que amarra amor e atenção é isso mesmo: imaginária. eu queria fazer parte daquela conversa, muito embora ela tenha sido parte de um roteiro de filme. eu queria estar junto de quem escreveu o roteiro daquela conversa. para dizer que acredito que o amor não se iguala a atenção, mas os dois são elos de uma mesma corrente, porque o amor usa a atenção como forma prática. é como algo tão abstrato quanto o amor — quase como fumaça — toma forma. atenção permite que os olhos se encontrem, repousem, se reconheçam. atenção faz com que consideremos o sentimento do outro. faz com que o pedido de desculpas venha mais fácil. o sexo é mais gostoso. completo. atenção não tem nada a ver com reaparecer depois de muito tempo agindo como se tudo o que aconteceu jamais tivesse acontecido. e propor sexo casual porque ah, deu vontade. atenção tem a ver com amor mesmo quando o amor já passou. tem a ver com conseguir falar sobre o que passou sem apontar dedos, nem justificar o injustificável. atenção tem a ver com conseguir assumir pra si mesmo as partes do outro que você idealizou. interpretálas e seguir. juntos ou não. com sexo casual ou não. tem a ver com enxergar o outro além o pau. pra variar. eu me contento em receber atenção — mas a do melhor tipo. a que me enxerga além do pau. pra variar. e você?

GUSTAVO ROÇAS (TWITTER: @GUSTAVOROCAS)


O AGORA QUE NÃO SEI SER

Nasci em lugar nenhum Não tenho destino Não lido com o passado Não acredito no futuro A terra que suja meus pés é a terra do agora Sou fruto do presente Desse momento que aqui estamos Que posso tocar Que posso ver, ouvir e sentir Pouco importa para onde vou O amanhã é uma causa que cabe apenas ao amanhã.

LEONARDO GONÇALVES (INSTAGRAM: @LEO_GON_)


Decidiram por nós a sexualidade, a posição ideológica, a religião, o emprego dos sonhos, o salário justo, o trabalho digno, a quem amar, a quem odiar, de quem tirar e a quem responder. Decidiram por nós coisas demais. Decidiram pôr nós em nossas gargantas. Nós foi tudo o que nos restou.

GUILHERME ANICETO (INSTAGRAM: @GUILHERMEANICETO)


ANEDOTAS SOBRE MORAR SOZINHO NÃO

TEM

DIÁLOGO

Gabriel mudara-se há pouco menos de dois meses do apartamento que dividia com outros três amigos. Concluiu, quatro anos após terminar a faculdade, que chegou na idade em que a maturidade exige de cada um o seu espaço. Ainda acostumando-se à rotina e ao apartamento não de todo mobiliado, mas que acredita ter a sua cara, Gabriel acorda atrasado, pois não há barulho na casa. Pelo menos não tem fila pro banheiro, pensa. Entra na sala e dois envelopes foram jogados por debaixo da porta. Mas será possível que toda conta que chega eu tenho que pagar? A louça de três dias atrás ainda está na pia e tsc, não tem nenhum copo limpo. A verdade é que, ao todo, só tem três copos e, de fato, nenhum está limpo. Olha em volta, na sala, e se arrepende de ter trazido a planta do apartamento anterior, pois ela já apresenta claros sinais de abandono. Sai de casa, ele e a planta ainda sem água. Tânia mora sozinha há oito anos, e fez da sua casa o seu lugar no mundo. Cada móvel, tapete, vaso e quadro foi delicadamente escolhido para refletir sua personalidade — e a luz que vem da janela em dias de sol. Seis desses anos, porém, esteve em um relacionamento sério, cada vez mais sério, com Diogo. O dia que Diogo chegou em sua casa, direto do trabalho, segurando um quadro de um metro de altura com os personagens do Star Wars e exclamando “Acho que vai ficar perfeito no escritório!”, Tânia terminou tudo. Tinha agora sua casa de volta só para si. Nas últimas semanas, só vestia roupa quando era extremamente inconveniente ficar sem, ou seja: visita da mãe ou do técnico da NET. Ela tinha até duas novas manchinhas redondas e vermelhas, uma no seio esquerdo e uma ao lado do umbigo, causadas por respingos de óleo em uma irresponsável empreitada com frituras e nudez. Olhava com graça para as novas manchinhas, que em meses passariam de vermelhas para algum tom de marrom e ficariam ali para sempre, sabia. Sentia que as manchinhas eram mais um detalhe na decoração. Pedro tem dezoito anos e saiu da casa e da cidade dos pais quando passou no vestibular. Mora agora em uma kit net, pois sua mãe não queria que fosse influenciado pelo ambiente de drogas e falta de estudo das repúblicas.

Certo dia, ao fechar a torneira do chuveiro, notou que esquecera a toalha. Não havia como gritar para que a mãe a buscasse, e não sabia como proceder nessa situação inédita. Em pé debaixo do chuveiro fechado, pelado e ensopado, Pedro não sabe se a melhor decisão seria correr até a lavanderia para buscar a toalha, percurso que atravessa e, por consequência, molha, toda a casa, ou ficar ali, parado, até que não houvessem mais gotas escorrendo.


Optou por correr até a lavanderia. No caminho, pisou no baseado que ficou no chão da sala após o almoço.

Ilustração de Kelsey Smith Laura é freelancer e trabalha de casa. Inicialmente, o plano era trabalhar no escritório, pois é importante que se separe o ambiente de trabalho do ambiente de lazer da casa, leu certa vez em um revista de sala de espera. Mas após oito meses nessa situação, a verdade é que o trabalho e o lazer se espalham por todos os ambientes. No sofá, manchas de caneta colorida no tecido, bem ali ao lado do controle remoto. Na bancada, dois copos com um fundinho de bebida colorida e um pote com migalhas, em cima de um amontoado de papéis de rascunho.

No criado mudo, uma pilha de livros de referência. Em épocas de prazos apertados, Laura descuida da organização e da alimentação, sobrevive à base de café e bolachas. Não sai de casa há três dias, mas a procrastinação faz com que sua vida social fique muito agitada: não se passam dez minutos sem que o celular apite com mensagem de algum amigo, enviando fotos e histórias do mundo lá fora.

No último dia antes da entrega, Laura faz planos de comemoração. Lavar e pentear o cabelo, afinal. Escovar os dentes. Trocar o pijama por uma roupa. Os grupos de mensagem estão mais agitados que nunca. Decidem o bar. Chega a hora. Laura encontra os amigos e mal reconhece a própria voz: oi!

Caio fecha o portão do prédio apalpando o bolso da calça com a mão livre, em busca do isqueiro, o cigarro já na boca. Será que tranquei, pensa, ao dar os primeiros passos na calçada. Hesita. Tranquei. Chega no ponto de ônibus junto com uma chuva fina, e a janela do quarto, ficou aberta?

No escritório, liga o computador e se depara com a data, dezoito de março. Pagar a conta de luz amanhã, sem falta. Intervalo do almoço, caminha e fuma outro cigarro, sob o céu coberto de nuvens fortemente carregadas, merda, não vai dar pra lavar roupa hoje. Um trago. Vou ter que repetir meia. Entre uma tarefa e outra, tenta fazer uma lista mental de mercado pão, manteiga, sabão em pó, detergente acho que ainda tem… E pensa, com desânimo, na pior de todas as tarefas domésticas: desempacotar e guardar as compras.

Uns dois ou três cigarros depois, com as duas mãos já cheias de sacolas, uma deles com o detergente, afinal, uma hora ou outra vai precisar, Caio se contorce para pegar o chaveiro na mochila sem deixar cair nada das sacolas, e, principalmente, sem deixar a sacola dos ovos bater em nenhuma outra. Põe a chave na fechadura. Não gira. Ficou aberta.

GIOVANNA INDELICATO (TWITTER: @ALITTLEBITG)


o que eu aprendi com o rabo de cavalo EU FALO SÉRIO

Quando eu era pequena, eu não sabia prender o meu cabelo. Minha mãe sempre fazia o meu rabo de cavalo, com bastante gel e no topo da cabeça. Precisava ser bem puxado e sem nenhum fio fora do lugar, receita para dor de cabeça imediata. A gente vivia uma vida de bairro e tudo era perto: o colégio, o trabalho, a padaria e a sorveteria. Eu estudava à tarde e, como meu pai não tinha a menor habilidade com meu cabelo, a gente batia o ponto no trabalho da minha mãe antes de seguir viagem. Eu colocava o gel, a escova e o rabicó na mochila e chegava cumprimentando todas as colegas da minha mãe. A gente tinha 15 minutos para o tal penteado, mas minha mãe não precisava de 2 minutos. No resto do tempo eu era assistente dela, falava com os pacientes, brincava o estetoscópio e carimbava qualquer folha em branco de bobeira no balcão.

Guardei o segredo e continuei carregando meu gel, escova e rabicó pra cima e pra baixo. Só que a vida dá um jeito de tirar a gente da zona de conforto e, no ano seguinte, eu passei a estudar de manhã. É quando a gente percebe a falta de controle que a gente tem. Só que não demorou muito para eu começar a amar a nova rotina. Eu prendia o cabelo sozinha e tomava café da manhã com meus pais, ouvindo rádio todos os dias. Que maravilha, eu pensava. Seja quando você aprende a fazer o rabo de cavalo sozinha, quando você muda de casa, de relacionamento ou de cidade. Abrir mão é difícil porque a gente não sabe o que tem do outro lado. No entanto, dizem que só com as mãos livres, é que a gente consegue tatear e nutrir outros terrenos. Até o dia em que a vida resolve mudar tudo de novo.

Certo dia eu acordei inspirada, tentei fazer meu próprio rabo de cavalo e consegui. Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo. Eu não contei pra ninguém que eu tinha aprendido a me virar sozinha. Eu não queria abrir mão daquela rotina que era de nós três. E não queria lidar com as consequências que envolveriam dispensar a minha mãe e os 15 minutos de saracoteio antes de ir pra aula. Afinal, que criança tinha o privilégio de ir quase todos os dias no trabalho dos pais?

GABI FAVARINI (FACEBOOK: @GABIWF)


AUTORES Cami Monteiro

Graziela Santos

Bruno Tavares

Ansiosa, produtora,

Graduanda em História,

Um publicitário que

musicista, poetiza,

professora, escritora e

adora viajar, seja nos

escritora? Editora do

feminista. Não

livros, nos filmes ou na

Tudo Poesia. Fanática por

exatamente nessa ordem.

vida real.

Ana Paula Risson

Natali Carvalho

Carol Vidal

xxx

Estudante de jornalismo

Descrição: Jornalista que

séries, manteiga derretida, ser humano em construção.

na UFC. Resenhista da

trabalha com revisão, é fã

Revista Subjetiva. Escreve

das artes que tocam a

de tudo, quando tem

alma e está escrevendo o

inspiração. E aspirante à

1º livro

fotógrafa quando tem equipamento.

Danilo Henrique

Gustavo Roças

Leonardo Gonçalves

xxx

Paulistano, gosto de

xxx

rimas exagero nas vírgulas. Escrevo porque é mais fácil que falar. Eu escrevo pelos cotovelos.


AUTORES Guilherme Aniceto

Giovanna Indelicato

Gabi Favarini

Autor de “Nós Líricos”

Paulistana,

Escrevo sobre a vida,

(Editora LiteraCidade) e

comunicóloga, estudante

sobre você, sobre o que

de “Guerra” (Editora

de Letras, entusiasta de

não entendo e também

Penalux).

coisas demais.

gosto de astrologia.

Escritor/Colaborador da Revista Subjetiva. LGBTQ.

editores

Lucas

Mayra

Graduando em Ciências Sociais. Amante de Cultura Pop. Editor e Criador da Revista Subjetiva.

Pisciana, eterna sonhadora. Estudante de Ciências Sociais e apaixonada pela história. Editora e Escritora da Subjetiva.


MARI DIAGRAMAÇÃO E CRIAÇÃO

@marifcass

ANITELLI


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