Revista Subjetiva - Ed. 4 - 2019

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SUBJETIVA REVISTA SUBJETIVA 2019 | MEDIUM.COM/REVISTA-SUBJETIVA

ABRIL | MAIO | JUNHO

JOICE BERTH

QUANDO SER MÃE NOS OPRIME (OU O MITO DO AMOR MATERNO REVISTO)

VICTOR HUGO LIPORAGE

NEYMAR, IRRESPONSABILIDADE MASCULINA, MEMES E O TRIBUNAL PÚBLICO


REVISTA SUBJETIVA Neymar, irresponsabilidade masculina, memes e o tribunal público Victor Hugo Liporage

Quando ser mãe nos oprime (ou o mito do amor materno revisto) Joice Berth

Não é para ser Danilo H.

Masculinidade, expressão e RuPaul’s Drag Race: “Nós todos nascemos nus e o resto é drag”. Matheus Morais Inácio

Você não precisa monetizar as suas paixões Dayanne Dockhorn

As coisas que eu odeio em mim Gabriel Martins

Pequenas grandes ações que mudam o mundo Regiane Folter

A mitologia brasileira do século XXI Pedro Vinicius Paliares de Freitas

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NEYMAR, IRRESPONSABILIDADE MASCULINA, MEMES E O TRIBUNAL PÚBLICO Escrito por Victor Hugo Liporage Neymar, principal jogador de futebol brasileiro em atividade, foi acusado de estupro. Em sua defesa, o jogador publicou expôs nas redes sociais a conversa íntima que teve com a mulher que o acusou. Neymar de fato estuprou a mulher? Não se sabe, o caso está em investigação e cabe à Justiça definir. Contudo, o jogador decidiu tornar o tribunal público. E é isso que estará em questão neste artigo.

... Quanto vale um homem

Neymar não foi obrigado a nada. Na ânsia de se provar inocente, decidiu, no calor do momento, desabafar em seu Instagram e, de quebra, expôs uma conversa íntima com a mulher que o acusou no processo. É de se espantar que uma personalidade pública com mais de 200 milhões de seguidores somados em redes sociais e patrocinado por Nike, Gillette, RedBull, Mastercard e afins, tenha tomado uma decisão tão precipitada. Neymar atinge um público enorme e representa um valor bilionário de mercado. Ao reagir com tamanha imprudência diante de um tema sério como o estupro, o atleta direciona um debate delicado a caminhos contraproducentes, banalizados e distorcidos.

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O tribunal público e como um homem reage a acusação de estupro

Ao tornar as mensagens públicas — mensagens que inclusive expõem fotos íntimas — Neymar já pode ser processado por um novo crime. Além disso, o atleta simplifica o debate sobre como agir em acusações de estupro. Uma personalidade futebolística com milhões de seguidores tem um vasto público masculino, de diferentes idades. Ao se defender de forma tão sensacionalista, expondo a vítima publicamente e a acusando de extorsão, Neymar induz seus fãs ao senso comum:

“Ela é interesseira. Tá criando história pra se aproveitar do dinheiro dele.” Uma defesa recorrente, que visa eximir homens famosos de julgamento e desmoralizar a vítima. Por ser um homem elevado ao status de ídolo, Neymar exerce uma influência enorme sobre seus seguidores (massivamente homens) e cria um desserviço de proporções globais no debate acerca de masculinidade e abuso sexual.

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Datena, quebra de sigilo policial e seletividade punitiva

Na noite em que o caso veio à publico, o jornalista José Luiz Datena entrevistou ao vivo o pai e empresário de Neymar a respeito do processo. Durante a transmissão, o apresentador expôs o nome completo da vítima, quebrando sigilo policial e ética jornalística. Dado o histórico do jornalista e a abordagem parcial a favor do atleta, Datena o fez, provavelmente, no intuito de fragilizar e acuar a vítima. O apresentador, que é famoso por suas ideologias conservadoras, favoráveis ao punitivismo, demonstrou atípica ponderação ao sair em defesa de Neymar, dando a entender que a justiça não é igual para todos.

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Os memes, desvio de foco Imediatamente após a divulgação da conversa no WhatsApp, memes começaram a surgir nas redes. Uma ressalva pessoal que faço: também me senti induzido a rir da situação, dada a natureza das mensagens. A primeira reação foi fazer graça. Contudo, ao tornarmos a situação cômica, fazemos um fenômeno parecido com o caso do Golden Shower do Presidente da República: desvio de foco.


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A acusação de estupro contra um homem que já foi queridinho da mídia, é astro do esporte símbolo nacional e é tido como herói é gravíssima. No dia seguinte, o Twitter e redes sociais estão dominadas por memes de trechos da conversa e da situação, no geral. Há imagens e declarações íntimas da mulher sendo expostas. Neymar, ciente da visão machista que ele e a sociedade dividem, o fez com consciência de que a exposição da intimidade sexual da vítima a desmoralizaria. O próprio atleta também se expõe, mas para ele, está reservado o privilégio de apenas virar meme. Até que ponto a memificação passa de inocente a contraproducente no debate deste caso?

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Neymar e a mídia: as fragilidades de um homem e a espetacularização midiática Todo o caso que envolve Neymar, desde o processo à maneira precipitada como reagiu, é grave. O atleta deve ser julgado e precisa ser assessorado urgentemente. Contudo, é preciso haver uma reflexão: como foi construída midiaticamente a jornada do Neymar, de herói a vilão; de menino a homem? Seus momentos de exaltação emocional são incontáveis, desde brigas com técnicos, indisciplina em campo, agressão a torcedores, discussões com colegas de time, desabafos irritados em redes sociais… Seria Neymar perseguido ou apenas cobrado? São questões que deixo para reflexão, mas o ponto principal é o seguinte: a masculinidade é extremamente frágil e precisa ser debatida com mais frequência e responsabilidade. Neymar já se mostrou um homem frágil e a mídia hegemônica insiste em utilizar, os diversos arquétipos que construiu dele, como e quando a convém. O reflexo é esse: um homem espetacularizado, à beira de seu limite emocional e que toma decisões precipitadas, as quais influenciam outros homens na mesma direção: vários passos atrás. O caso do Neymar é de responsabilidade coletiva.


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QUANDO SER MÃE NOS OPRIME (OU O MITO DO AMOR MATERNO REVISTO) Escrito por Joice Berth

O amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo sentimento, é incerto, frágil e imperfeito. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não esteja profundamente inscrito na natureza feminina. Observando-se a evolução das atitudes maternas, constata-se que o interesse e a dedicação à criança se manifestam ou não se manifestam. A ternura existe ou não existe. Élisabeth Badinter em “O mito do amor materno”. Quando eu era criança, a ideia de ser mãe me era muito simpática. Gostava de brincar com bonecas e me alegrava ao ajudar as mulheres adultas a cuidar dos seus bebês. Todos diziam que eu tinha um instinto materno aflorado. Mas a ideia de ter meus próprios filhos me parecia assustadora. Questionava na minha inocência infantil esse paradoxo: como eu poderia ter instinto materno se a possibilidade de ser mãe me era tão assustadora? Fato é que todos os discursos ao meu redor assinalavam a maternidade como uma experiência inata e obrigatória, sem a qual eu nunca obteria o título de mulher definitivamente. Anos se passaram, hoje, de fato, sou mãe e me sinto feliz e realizada com as vidas que ajudei a trazer ao mundo. Mas as meninas que não o fizeram teriam perdido o direito a patente de mulher. E pior, as que embarcaram na “ordenação celestial” e tornaram-se mães e em meio as dificuldades, dores, desconstruções e limitações diárias, não se identificaram com a função e são explicitamente infelizes? Também perderam a patente.

O mito do amor materno é um fenômeno que depositam sobre nossos ombros nem sempre dispostas e preparadas para carregar tamanho peso. O preço que pagamos em qualquer escolha é alto. Mas nos dizem que é “lindo”, “nobre”, “divino”, “honroso”. E todo esse arsenal de elogios esconde um sórdido jogo de manipulação social, econômico e psicológico.


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Se é tão sublime a maternidade porque todas as portas sutilmente se fecham para as mães? Se uma mulher se torna tão especial após assumir o legado de portadora da continuidade da vida, por que é rejeitada e desvalorizada pelos homens, incluindo seu parceiro amoroso após a maternidade? Se nos torna seres tão dignos de honrarias, porque os empregos, a diversão, a sexualidade, entre outras coisas nos é negada após o parto? A coisa não melhora quando escolhemos (ou simplesmente não podemos) não ter filhos. Somos tidas como irresponsáveis, egoístas, nosso gênero é questionado e representamos uma ameaça à família e mais especificamente ao ser geneticamente masculino.

A maternidade deve ser uma escolha, consciente e conveniente. Escolho ser mãe porque quero experimentar outras formas de amar. E que esse amor não tenha o peso impositivo da incondicionalidade. Uma vez mãe, eu posso ou não amar meu filho. E esse amor terá os limites que coincidem com meus interesses. Ponto. Ou ainda, não quero ser mãe e não serei menos mulher que qualquer outra que o seja. Tenho condições de amar mas não de arcar com as responsabilidades inerentes ao posto. Qualquer coisa contrária a esse pensamento ou escolha é uma forma de controle sórdida, porque se vale de armas emocionais para se estabelecer. E o emocional se descontrola. Quantas mulheres sentem culpa diante de um filho com o qual não se identifica limitando ou anulando a possibilidade de uma construção de sentimentos. E é baixa, porque não é sutil, uma vez que todos os olhos sociais, masculinos ou não estão voltados para essa decisão única, pessoal e intransferível. E o julgamento se dá nesse nível, onde se estabelece inclusive um sistema de valores nas relações entre mulheres: você não é tão valiosa quanto eu, porque não é mãe ou não é capaz de amar (incondicionalmente) seu filho.


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NÃO É PARA SER. Sobre tudo aquilo que não nos cabe controlar. Escrito por Danilo H. Só passando para dizer que talvez isso aí que você tanto deseja não te pertença. Seja um beijo, um emprego, uma palavra, um pensamento, um alguém, uma amizade, um objeto, uma noite, um orgasmo, uma situação… há tanta coisa que pode ser e não é. Não me leve a mal, não estou aqui para abalar o seu otimismo, apenas notei que todos nós estamos imersos num ambiente de falsa esperanças, acho que o mundo lá fora está um pouco mais agressivo do que de costume. Doses de realidade são sempre bem-vindas (na minha concepção), eu bem sei que não há nada mais encantador do que cair naquele vórtice infinito de pensamentos sobre o que poderia acontecer (o “e se”)… por vezes nos perdemos entre tantas idealizações não comedidas. O querer é tão sedutor que nos cega e nos afasta para longe da realidade, longe do que de fato pode acontecer, deixamos os detalhes rodopiarem na nossa cara e voltamos a realidade apenas quando a cara já está quebrada. Raramente nós vemos as coisas como elas são, pois vemos o mundo através do nosso próprio mundo.

Talvez você esteja forçando a barra sem querer. Talvez a mensagem não chegue mesmo, já é tarde da noite. Talvez foi só um gesto de bondade e não um desejo recíproco. Abra seus olhos aos sinais mais excêntricos que possam surgir no horizonte… Uma coisa é ser persistente, outra é não saber a hora de parar e analisar se vale a pena. Sabe aquela sensação de que só você está se esforçando enquanto o outro lado nada faz? Então, esse é um alerta precioso.


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Nem tudo depende integralmente de nós e ainda bem que as coisas fluem assim. Se não tem troca, então está tudo errado.

Quando necessário, volte duas casas. Em prol do nosso ego somos capazes de atitudes inimagináveis, tem gente que puxa o tapete dos outros, mas também há quem se autossabote a fim de obter um êxito passageiro. Vale mesmo a pena todo esse gasto de energia? Acho que você já teve o desprazer de finalmente conseguir algo e não saber o que fazer com ele, né? Acredito que somente nesse momento é que notamos o real valor das coisas. E viver é assim mesmo, algumas coisas nunca estarão ao nosso alcance mesmo: Pessoas, beijos, vagas de emprego, viagens, mensagens às 3h da manhã, declarações de afeto, bens materiais… dói saber que jamais teremos algo que uma pessoa possui. Por outro lado nós já vivemos tantas coisas boas, momentos transcendentais só nossos, sentimentos que só nós sabemos distinguir… como quando a música tocou na hora certo e você entrou em um mini transe, ou quando você teve a impressão de estar no lugar certo, na hora certa e com as pessoas ideais.

Muitas coisas deram certo para que você estivesse aqui. Ao menor sinal de que o desgaste é maior do que o êxito em si, pare e tente traçar o caminho da sua energia, se for algo ao seu alcance então continue, caso contrário, redirecione seu foco. Controlar o incontrolável é a meta de muitos e o êxito de poucos.

Solte aquilo que insiste em não se fazer presente na sua vida.

Às vezes não ter algo na sua vida é a melhor coisa que pode te acontecer.


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MASCULINIDADE, EXPRESSÃO E RUPAUL’S DRAG RACE: “NÓS TODOS NASCEMOS NUS E O RESTO É DRAG”. Escrito por Matheus Morais Inácio Tenho a percepção que textos iniciam fazendo algum tipo de disclaimer ganham um tom desconfiado no restante da leitura, há de se ter uma boa noção da sua escrita para que o texto não vire um grande “Eu acho tal coisa, MAS…”, enfim, todavia, na reflexão que hei de fazer no decorrer de todo esse ensaio, a meu ver, apenas soma e não deixa instável. A voz palavreada aqui vem de um homem negro cisgênero e heterossexual. Ou seja, há símbolos coniventes que fazem que essas características me deem espectros muito taxativos. São símbolos representados para além das características pele, gênero ou sexualidade, são suas compreensões imediatas, hão, nessas mesmas palavras, o que as fazem ter seus devidos pesos sociais, sexuais, existenciais, comportamentais, performáticos, afirmativos e tudo que constitui um ser individual.

RuPaul’s Drag Race está na sua décima primeira temporada. Já são onze anos, isso quer dizer

que o programa iniciou em 2008. Estando em 2019, vivendo no Brasil, principalmente, é notório que coisa pra caralho mudou em relação a muitas coisas, não tantas coisas pra melhor e muitas coisas pra pior, pensando num sentido macro e principalmente político, não é mesmo? No decorrer dessa uma década, a realidade universal, pelo menos ocidental, acompanhou um dinâmica em que o status quo não mudou, porém, meio que todo mundo percebeu que estava tudo um tanto quebrado e em crise, os seres humanos se mostraram um tanto quanto mais animalescos e selváticos do que se pensava que seriam na pósmodernidade, a soltura dos preconceitos sem véus, as ofensas fáceis, as mortes fáceis. Vocês todos e todas sabem do que estou falando, entretanto, em meio a esse momento de balas, sangue e chorume, as drag queens, desde os tempos shakespearianos — literalmentemostram completamente contrário ao que foi dito anterior, onde é, indubitavelmente revolucionário, homens se expressando com feminilidade, arte, estética, estravaganza e paus aquendados. Tenho plena noção das problemáticas do programa, ainda mais por ser um tipo de reality show que, notoriamente, tem uma dose de desespero pelo entretenimento que as vezes beira ou chega no absurdo, assim como boa parte das mídias televisivas. Seu funcionamento que em alguns ou até vários momentos no decorrer das temporadas se mostra, através dos/das participantes, gordofóbico, transfóbico, racista e também misógino, além de dar uma noção completa de competição entre as/os participantes, criando conflitos em entre seres que terão um aspecto simbólico grandioso em relação a influência sobre uma comunidade LGBTQI+ e, principalmente, na comunidade de drag queens, ou seja, minorias são sinônimos de conflitos por serem majoritariamente oprimidas, ainda mais, se tratando de um microcultura dentro dessa minoria, definitivamente não é um lugar para se ter mais conflitos, principalmente internos. Todavia, da mesma forma que RuPaul’s tem suas feridas, RuPaul’s tem suas glórias, por isso é tão complexo.


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Ando fascinado a meses por RuPaul’s e o quanto mais eu penso sobre o conceito de drag, mais eu fico fascinado. RuPaul’s é facilmente a forma mais acessível — ainda que não seja tanto — e massiva de conseguir enxergar essa cultura e, apesar dos pesares, uma forma que destrincha inúmeros aspectos do que é essa expressão e, se tratando de expressão, eu arrisco dizer que expressar-se drag é uma das maiores formas de arte e expressão que já aproximei minha compreensão, pelo menos pensando em seres únicos. Conheço o programa faz um tempo, mas, me negava a assistir por conta do que me diziam sobre competição e colocar pessoas umas contra as outras, ou pelo menos usava isso como justificativa para negar algo que tinha a possibilidade de afetar minha masculinidade frágil. De fato, eu não sei dizer se havia algum aspecto preconceituoso, mas, ainda mais tendo o viés de um graduando em psicologia, provavelmente sim, havia algo do tipo, talvez não em sua totalidade, mas pelo menos partes dessa negação eu apostaria que teria haver sim. Entretanto, agora, mais maduro existencialmente, psicologicamente e socialmente, acabei por começar a ver aleatoriamente e simplesmente me ver diante de uma paixão por um novo braço artístico, de completa apreciação, nada diferente do que ir a um museu, um teatro ou uma exposição de obras, afinal, pouco se sabe sobre o que é arte ou qual o papel da mesma, porém, é sabido que uma das certezas sobre a mesma é que gera afetação e eu fui afetado e agradeço plenamente por essa afetação. O símbolo reduzido por si só tem suas problemáticas e justificativas. Homens se vestindo de mulher. Todavia, não tem sua totalidade. As drag queens abarcam um aglomerado glorioso de inúmeros aspectos de expressão que se conversam de forma em que não haveria palavra melhor do que posto em extravagância, onde essa mesma expressão usufrui de moda, dança, discurso, música, teatro, adaptação, estética e perspicácia. Faz usufruto do exagero lapidando-o o bastante para se tornar extravagância e vez ou outra, transforma o absurdismo num cotidiano. A redução de superficialidade na didática falha e reduzida em “homens se vestindo de mulher” além de tudo, é completamente injusta. Há muito mais, tanto mais que essa sentença oprimida se perde na facilmente no horizonte em se ver diante de drag queens desfilando ou cantando ou simplesmente desfilando numa passarela. Um ser que se denomina drag queen é imediatamente e eloquentemente político. Não há como frente uma sociedade ocidental completamente machista e homofóbica, um ser tomar um símbolo e extravasar ele para que seja uma contracultura, um ataque e uma resistência é muita coisa, muita mesmo. Aquendar a neca ou, em termos mais explícitos, esconder o pau tem uma simbologia gritante. Faz parte do ser que o pau não fique aparente, faz parte da performance da queen, faz parte da performance do ser que é uma explosão expressiva e essa expressão é incompleta se o pau estiver ali.


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Não, a ilusão tem de ser feita por completo para que não seja uma ilusão e sim uma verdade. O falo precisa deixar de existir, pelo menos naquele momento. O ato consciente e de completude em aquendar a neca é, também, um dos maiores símbolos que eu pude compreender em toda a vida. É preciso que falte aquela parte para que seja acompletude. Esconder o pau traz consigo toda a metáfora possível que destrói as bases da masculinidade e até de teorias incisivas, como a psicanalise. O instrumento de poder, o tal falo, o símbolo do falo, a concretude daquilo que baseou-se milhares de anos de criação de sociedade não tem lugar nessa existência e essa existência consigo ser exagerada a ponto de fazer com que a falta seja concreta. Não é sobre esse poder, é sobre outro poder. É aniquilar um símbolo expressivo que é deturpado e que oprime, para que o símbolo expressivo seja absolutamente todo o restante, todo o corpo, toda a expressão facial, toda a personalidade, todo o andar, todoÉ como a queda de um ditador e esse ditador é um totem. Quanto mais me aproximava desse microcosmo cultural, mais havia a afetação, não só por tudo que foi citado, mas por ver pessoas completamente humanas. O programa está longe de ser criatividade e desfiles. O que há por trás e o que há na frente das drags são uma outra interpretação sobre passado, presente e futuro, em que é concretizado em performances existenciais que vivem num mesmo ser e isso é tão surreal que, de fato, eu pensava estar vendo mágica em sua maioria, pois, o deslumbre faz parte da magia e, com certeza, em suas diversas formas, é atingido com maestria brilhante. Eu me vi, naquele momento, confortável mais rápido do que eu pude e, desse conforto, deixando-me não só afetar, mas absorver o que me cabia, assim como maioria de expressões artísticas, mas, dessa vez, lidava com minha masculinidade e, inevitavelmente, com a minha sexualidade também, afinal, as imposições sociais são espinhos na garganta que demoram a descer e, confesso que independente do quão ampla for a desconstrução, esses mesmos espinhos vão demorar alguns séculos para serem digeridos, isso se forem. Eu achava aquilo tão bonito e a intimidade que se cria é notória também, pois, grande parte do programa se passa dentro de uma sala de trabalho onde são mostradas através e além do glamour drag, são mostradas as angústias, os risos, as gírias internas, o cuidado, a desavença e isso aproxima muito daquele que assiste, junto as frases memoráveis das diversas participantes e da própria RuPaul que me encantou com uma sagacidade, oralidade e habilidade discursiva que é invejável, na irmandade e em toda a forma que as relações se formavam. Era fabuloso como realmente é para parecer ser. Acho que ao final das contas, me deixei absorver pelas afetações que foram dadas diante as minhas afetações como homem, conseguindo quase que como obter um alvará para também ser expressivo, não como uma drag, mas compreender que naqueles seres tinham expressões que é provável que eu não fosse encontrar tão facilmente no meu meio e arriscaria dizer que na maioria dos meios. Meu olhar sobre como eu me olhava ganhou mais camadas, hora dessas eu peguei olhando no espelho e analisando detalhes do meu próprio corpo que eu não para analisar, fazendo


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inúmeras expressões para que eu visse como elas ficariam, a moda já convive comigo a um tempo, ainda que de forma superficialíssima, mas os detalhes foram atentados também, em como eu me expressaria, afinal, aquilo é o que cobre meu corpo inteiro, que, ao meu ver, é a vestimenta primária do ser e se eu tenho que cobri-la pela pressão moral e ética da sociedade, que expresse algo que seja o mais próximo que eu poderia expressar se estivesse completamente nu e isso inclui afrouxar ainda mais as linhas entre a imbecilidade de divisão entre roupas masculinas e femininas, me aproximar não só de uma realidade que não é minha, mas me aproximar do seu próprio exagero e sátira frente a sociedade e isso é incrível. Perceber que a vergonha ou a timidez tem opostos que vão além de só a extroversão e isso alivia um pouco a tensão de ambos os sentimentos e mesmo o tal conflito que os homens provavelmente se amedrontam dentro de suas calças de sequer balancearem sexualidade. “Oh, meu deus, minha sexualidade tão bruta que se ameaçada vai se desestabilizar e vou estar cavalgando no colo de homens grandes, sarados e suados, oh meu deus”. Pois é, eu não estou. Acho que com o devido conforto, acho inevitável que não toque nesse sentido, afinal, há uma vigência estética e sobre beleza que percorre todo o cerne do programa, todavia, foi muito interessante se perceber atraído por um mesmo ser em uma performance e em outra performance completamente desatraído.

Performances essas do feminino e performances do masculino. Claro que não só baseado em questões físicas, obviamente, mas perceber o quanto a feminilidade pode ser incrível no sentido de me atrair sexualmente como também absorvida para o meu próprio ser e fazer me sentir não só mais homem e menos como o estereótipo sujo que se criou sobre o homem-hetero-cis. Não sei até onde essa atração por drags montadas iria, mas só de ela existir, isso é grandiosamente expansivo e interessante, tanto em como eu vejo o feminino, o masculino, a mulher, o homem, etc. A frase “We all born naked and the rest is drag” é uma verdade incrível, pois, tudo que performado só por existir, não passa de uma falta de exacerbação e grito nosso. As drag queens mostram que da existência dá pra se sugar até o talo. Que o exagero é existencialmente extravagante. Que a verdade pode nascer sim de uma ilusão. E tudo isso só prova que nós, os normalopatas, sabemos existir pouco.

Now… Sashay away.


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VOCÊ NÃO PRECISA MONETIZAR AS SUAS PAIXÕES Ao contrário do que vão te fazer acreditar. Escrito por Dayanne Dockhorn Eu trabalho o mínimo possível. É feio dizer isso? Acho que sim. Nessa cultura louca de trabalhar até a exaustão ou pelo menos até “ficar rico”, é inesperado, estranho e até ingrato dizer que não gosto de trabalhar. E também é feio porque o trabalho nos define como pessoa e quem não trabalha é automaticamente marginalizado. Mas é a verdade. Eu não gosto de trabalhar.

Acontece que trabalhar é vender tempo e eu quero muito que o meu tempo permaneça aqui, comigo. Eu trabalho o mínimo possível na atividade que me dá dinheiro para cobrir os meus gastos, que são bastante baixos. O que eu faço com o resto do tempo é uma escolha minha. Pode parecer que eu não tenho ambição alguma, mas é porque a minha ambição não tem a ver com números e carreiras com futuros previsíveis. Ela ultrapassa os limites de empresas e de arranha-céus. A minha ambição é voltada à criatividade. Eu não quero nem espero um trabalho que pague milhões. O legado que eu espero deixar não é material. Eu poderia trabalhar mais para ganhar mais? Sem dúvidas. Mas aí eu não teria tempo restante para construir significado na vida. Quando estamos constantemente sendo pressionados a nos reafirmar como seres produtivos, se torna fácil nos tornarmos algo que não queremos ser. Até porque, como sempre esquecemos, os nossos próprios quereres são totalmente condicionados. Se vivemos em uma sociedade que valoriza o material acima de tudo, os meus e os seus desejos naturalmente se inclinam para esse lado. O que eu tento sempre lembrar é que eu não estou aqui para colecionar zeros no banco (nenhum de nós, aliás, embora muitos façam disto sua missão de vida). Não vim aqui me divertir como se não houvesse amanhã. Entendo que a vida não é passeio, e o mundo não é nosso parque de diversões (vejo muitos estrangeiros dizendo exatamente isso: “the world is our playground”, só que não é).


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A vida é trabalho constante, mas não daquele que paga dinheiro. Confuso. Eu sei.

O trabalho que ninguém poderia comprar Eu escolho trabalhar o mínimo para que eu tenha sanidade suficiente para me dedicar aos meus próprios interesses, aqueles que não pagam dinheiro. Eu escrevo regularmente sobre o que sinto que deve ser dito. Artigos, livros, poemas, rabiscos… Chame do que quiser. Eu leio, escuto, discuto. Me conecto. Alimento meu corpo com comida feita pelas minhas mãos. Aprendo sobre o mundo dentro de mim e o mundo à minha volta. Trabalho para criar (e às vezes destruir) pontes entre pessoas e ideias. Entre o que é material e o que não é. Viajo, conheço, vou, volto e, principalmente, me mantenho em constante transformação. Às vezes só descanso. Descansar é uma parte tão importante e tão negligenciada do trabalho. Infelizmente, nada disso é considerado trabalho de verdade porque essas horas não significam números entrando no cartão que eu uso para comprar comida. Pago ou não, é trabalho do mesmo jeito. Consome tempo, dedicação, esforço, energia física, mental e emocional. Mas é o tipo do trabalho que parte do desejo, não da obrigação. Eu não sou obrigada a fazer qualquer uma destas coisas, eu faço por escolha, porque elas significam algo para mim. Antes, eu queria converter as horas criativas na minha fonte de renda. Unir o útil ao agradável, não é o que dizem? “Se você faz algo bem, nunca faça de graça”? Mas não somos todos gananciosos a esse ponto. Eu sei que eu não sou. Posso oferecer o meu melhor sem esperar nada em troca quando existirem oportunidades — e há muitas. Hoje, em meio a uma cultura de monetização de estilos de vida e de virtualmente qualquer atividade, eu entendo que não preciso ganhar dinheiro com a minha criatividade. Entendo que esse papo de monetizar sua vida e suas paixões é furada.

Entendo que colocar uma etiqueta de preço em algo não significa que aquilo tem valor. E se você coloca essa etiqueta de preço na sua vida ou em algo que você cria por amor, é perigoso cair na armadilha de se medir exclusivamente por quanto você fatura.


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Em outras palavras, eu entendi que não preciso estragar o que eu crio por amor colocando em cima disso a pressão de pagar o meu aluguel. Se um dia isso acontecer naturalmente, ótimo. Enquanto não acontece, eu percebo que aprecio muito o ato de criar pelo simples prazer de criar. E não há nada de errado em ter um trabalho chato que pague dinheiro para MEDIUM que eu possa continuar criando por prazer. Agora, por favor, não me venha com aquela velha história de “trabalhe com o que você ama e você não terá que trabalhar um dia da sua vida”. Que baboseira absurda. Trabalho pago, independente se você gosta dele ou não, continua sendo trabalho. E esse discurso comum inflacionado por fotos bonitinhas no Instagram com a legenda “faça o que você ama” não inspira. Pelo contrário, serve apenas para nos fazer sentir inadequados nas posições que ocupamos. “Trabalhe com o que você ama, e você vai acabar odiando o que ama” é uma afirmação que não combina com as fotos, mas é assim que eu vejo. Quando a obrigação entra na equação, ela tem o potencial de destruir o seu amor.

A sua criatividade não é obrigada a pagar as suas contas Finalmente entendi. Eu não preciso que a minha criatividade pague as minhas contas, porque esta simplesmente não é a sua função. Não é com essa intenção que eu escrevo. Existem coisas que precisam ser feitas, e estas se tornam trabalhos pagos. Casas precisam ser construídas, por exemplo. Já a arte que vai decorar as paredes é puramente arte. Ela não precisa estar ali. Arte não precisa ser feita, na prática, mas sem ela a vida não tem muita cor ou sentido. Dizer que não estamos aqui para trabalhar, pagar contas e criar filhos é uma afirmação já bastante gastada. Mas quando todos que vivem ao nosso redor reproduzem esse comportamento automático, eu preciso lembrar: estamos aqui para criar, aprender e conectar. E por menor que sejam as suas criações, elas são seu legado e seu legado, com sorte, torna o seu canto do mundo um pouco melhor. Seja uma poesia, um quadro, um jardim, uma música, murais de grafite, quadrinhos, esculturas de lixo reciclado; criamos o que precisamos. O que fala conosco. Não porque estas criações são particularmente úteis ao mundo ou nos concedem uma identidade valorizada como artistas, mas porque são necessárias aos seus criadores. Porque elas nos transformam.


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Cada processo criativo tem valor intrínseco, independente do resultado. O processo é a recompensa. Isso vai na contramão do que somos ensinados, que o fim é o propósito e a recompensa é monetária. Por isso tantas pessoas reprimemqualquer célula criativa dos seus corpos. Quando a recompensa é tida no processo, não no resultado, nascem as melhores criações. Elas são despretensiosas, não carregam a intenção de mudar a vida de pessoas estranhas ("escrevi este livro para AJUDAR as pessoas"), mas de transformar a si, primeiramente, porque o que realmente estamos fazendo quando estamos criando por prazer é formar conexões. Nos conectamos com a nossa essência, entendemos melhor nosso lugar no mundo e abrimos espaço para diálogo com quem virá a testemunhar as nossas criações.

Eu escrevo somente o que eu preciso escrever, sem a pressão de ter que criar algo fantástico por ter boletos esperando em cima da mesa. Depois de formada, fiquei por muito tempo sofrendo e me sentindo completamente inútil por não conseguir um trabalho que pagasse as contas. Associei meu valor como pessoa ao dinheiro que eu ganhava por mês(zero), e me deprimi. Eu sabia que tudo que eu tinha vivido durante os anos de pesquisa acadêmica tinham sentido e potencial de melhorar muitas vidas, mas não me pagavam para fazer isso “no mundo real”. Em troca, queriam me pagar 500 reais para trabalhar seis horas de segunda a sexta como secretária de uma “startup” criada por dois homens que, provavelmente, faturariam mais do que o suficiente para pagar um salário decente a uma secretária. Mas eles optaram por aproveitar a mão de obra barata, que é abundante no Brasil. E eu considerei. Contei para todos, animada, porque na realidade eu estava desesperada. Desesperada para adquirir aquela identidade, aquela carteira de trabalho que me definiria, finalmente, como alguém útil. Mais tarde eu entendi que aquele trabalho não seria proveitoso para mim em nenhum quesito. Nem de perto. Eu sabia, também, que não queria viver para trabalhar, independente do trabalho que fosse, independente de gostar ou não desse trabalho.

Escolho viver o meu tempo, em vez de sobreviver a ele. Não somos imortais e isso me faz escolher conscientemente trabalhar mais tempo não no que me dá dinheiro e conforto material, mas no que me torna melhor e no que torna o meu cantinho do mundo um pouco melhor também.

Adeus ao que eles decidem que vale milhões e olá ao que me faz sentir milionária.


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AS COISAS QUE EU ODEIO EM MIM Escrito por Gabriel Martins Numa constante roleta russa de ódio gratuito de desconhecidos que nunca terão a chance de te conhecer flutuando pela internet; eu encontro muita tranquilidade em saber que consigo antecipar uma lista (interminável) de coisas que eu sei que poderiam ser melhores sobre mim. Eu odeio que não consigo mais dormir até tarde. Já adquiri aquela habilidade peculiar de jovem-adulto que regula seu relógio biológico para os primeiros horários do dia — independente de que dia seja, sem discriminação de feriados— e que mal consegue manter uma conversa atenta com amigos após as 21 hrs. Eu odeio que não me sinto seguro o suficiente pra andar de bicicleta.Mesmo sabendo que sei andar mas sinto a intimidação da falta de desenvoltura de quem faz isso com frequência e não se preocupa com o olhar alheio — que provavelmente está muito ocupado olhando outra coisa. Eu odeio que eu seja um advogado feroz da aventura, da novidade, do diferente. Mas só para os outros. Quando a aventura, a novidade e o diferente a mim se aplica, eu reajo como todas as outras pessoas que buscam em mim um direcionamento do que eu falo e não de como eu ajo. Eu odeio que eu tenha virado aquela pessoa que, depois de ativado a consciência sobre algum problema, não consegue diminuir o volume das ideias de como resolver que inundam minha cabeça e me impedem de aproveitar qualquer outra coisa além do problema.

Será que existe alguém que não seja assim? Eu odeio que eu não consigo me despreocupar da dieta. Só consigo me lembrar que ela está super ignorada nas últimas 3 semanas. Mas o certo mesmo era me esforçar em reconhecer por conta própria o progresso que os 15 kgs deixados pra trás representam.


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Eu odeio que, ao contrário do que dizem minhas tatuagens, minha mente encontre satisfação em controlar o incontrolável, prever o imprevisível, evitar o inevitável e todas as variáveis que, se inexistentes, me garantiriam com certeza mais tranquilidade para dormir por mais horas quando posso/preciso. Mesmo que o exercício de auto-depreciação pareça exagerado e maldoso, tudo que eu mais odeio é também tudo o que me coloca onde estou, como estou e do jeito que sou. Ou seja, ou tenho isso tudo ou não sou mais eu. Foi (e ainda é) preciso um olhar crítico e minucioso do que eu gostaria de fazer diferente para compreender que eu estou fazendo o mais certo pra quem realmente importa.

(Só uma chance de acertar quem.) Assim tudo isso que eu odeio sobre mim vira facilmente tudo que eu agradeço por ser.


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PEQUENAS GRANDES AÇÕES QUE MUDAM O MUNDO Uma lista para me inspirar a ser uma boa pessoa

Escrito por Regiane Folter Às vezes ser uma boa pessoa me sai naturalmente. Às vezes nem tanto. E nessas vezes, preciso me esforçar para ver o mundo de uma maneira positiva em meio a tanta tristeza, sofrimento e injustiça. Para esses momentos, decidi fazer uma lista de coisas que me ajudam a apaziguar minhas dúvidas e sentir que posso sim fazer a diferença. São coisas pequenas, mas poderosas: se todos nos dedicássemos às pequenas boas ações, juntas elas teriam mais força que as más. Em meus dias coloridos, sempre vejo o copo meio cheio e busco novas maneiras de colaborar com o mundo ao meu redor (essa lista não para de crescer!). Já nos dias cinzentos, a listinha é algo que me ajuda a lembrar de que mudar o mundo não é algo imediato ou drástico; a mudança vem pouco a pouco, devagarinho, serena, e precisa começar dentro de nós.

“Mucha gente pequeña, en lugares pequeños, haciendo cosas pequeñas, puede cambiar el mundo” (Eduardo Galeano) Qual pequena grande ação está na sua lista?


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A MITOLOGIA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI Escrito por Pedro Vinicius Paliares de Freitas

- mitologia :substantivo feminino. 1. conjunto de mitos de determinado povo, 2. estudo dos mitos, suas origens, evolução e significado. Logia, do grego lógos, significa estudo, ciência. A Mitologia é o estudo dos mitos e narrativas que os povos antigos utilizavam para reverenciar deuses e heróis, assim como para explicar o desconhecido, o “inexplicável” e o que não eram capazes de entender. - mito : substantivo masculino. 1. relato fantástico de tradição oral. 2. narrativa acerca dos tempos heróicos. Mito, em grego, significa narrar, contar. No sentido figurado pode significar coisa inacreditável. Mito significa, também, personagem divinizado. Um dos maiores expoentes de mitologia que nós temos, sem dúvidas, é a Mitologia Grega. A mitologia grega estabelecia uma conexão íntima com a natureza e seus fenômenos, através da tentativa de explicar a existência da vida e entender melhor o mundo. Suas divindades eram antropomorfizadas, isso quer dizer que adquiriam características, atitudes e aparência igual à dos humanos. A partir de certos avanços sociais e desenvolvimento humano, como a criação da democracia e a publicidade das leis, a utilização do mito para explicação foi questionada e substituída por uma forma crítica, racional e sistemática de pensar o mundo. Nós conhecemos essa nova forma de pensar como Filosofia. A Filosofia Ocidental foi criada na Grécia Antiga, no século VI a.C, desde então, se dedica a responder de forma racional e embasada as questões que tangem a existência, a natureza e o universo.


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Algumas dúzias de séculos mais tarde, após o imensurável desenvolvimento filosófico e científico, cá estamos, no Brasil do século XXI, questionando a legitimidade da filosofia e a sua existência. Quando não há valorização da filosofia e da racionalidade, quando não há razão, surge um terreno fértil para o retorno da mitologia e a criação de mitos. E é sobre isso que eu gostaria de discutir hoje, sejam bem-vindos à mitologia brasileira do século XXI. A filosofia surgiu na Grécia como base de sua Paideia (educação), para se contrapor à autoridade das narrativas míticas que predominaram por muito tempo na Grécia. No Brasil, atualmente, esse movimento parece estar tomando um rumo contrário, parece estar às avessas. Através do menosprezo pela Filosofia e pela racionalidade, o que está ganhando espaço é a narrativa mítica e suas explicações simplistas e desprovidas de embasamento, assim como a divinização de seus personagens e expoentes principais. Rapidamente, o movimento ficou conhecido como “anti-intelectual”, que, originalmente, se refere ao sentimento de hostilidade em relação a intelectuais e seus objetos de pesquisa, tal como ataques aos méritos da ciência, educação, arte ou literatura. Ao descreditar os intelectuais e expoentes da ciência e da filosofia, automaticamente, seus objetos de pesquisa e estudo perdem a importância no senso comum, estruturando, assim, o movimento anti-intelectual. Essa estratégia de hostilidade, historicamente, tem se mostrado eficaz. Em movimentos políticos estadunidenses essa prática é muito comum. O macarthismo (ato de formular acusações e fazer insinuações sem prova, liderado pelo senador Joseph McCarthy em 1950) é um ótimo exemplo. Motivado pela Guerra Fria e por razões eleitorais, McCarthy descreditou e e perseguiu seus adversários políticos, artistas, professores e escritores através da difamação e de acusações sem embasamento, e foi muito bem sucedido. No Brasil, o precursor dessa estratégia e líder do movimento anti-intelectual é Olavo de Carvalho. Astrólogo por formação, Olavo propagou a estratégia de hostilidade para ganhar debates, com o intuito de diminuir seu oponente e descreditar suas ideias. Alem disso, ele defende abertamente bandeiras anti-intelectuais e pseudocientíficas, como o movimento terraplanista e o movimento anti-vacina.


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Olavo, infelizmente, não pode se considerar filósofo, nem academicamente (por não possuir formação na área), nem no sentido original da criação da filosofia na Grécia Antiga, pois não propõe questionamentos racionais nem embasados. Na verdade, ele exerce o contrário, cria conspirações dogmáticas para explicar os fenômenos da natureza e da humanidade que ele não entende. Isso não é filosofia, é mitologia. Ao descreditar seus adversários políticos e ideológicos, o astrólogo e seus seguidores advogam a serviço da irracionalidade, contra o método científico e contra a filosofia, assim, tomam para si toda a autoridade da narrativa mítica e se tornam convincentes através do uso da estratégia de hostilização. Desta forma, o desenvolvimento da narrativa mítica ganha espaço na sociedade brasileira, e conta com muitos adeptos. No entanto, assim como na Grécia Antiga, não estamos totalmente induzidos ao pensamento mítico e às suas consequências. Ainda temos a oportunidade de reverter o retrocesso e retomar o apreço às bases filosóficas e científicas. Não obstante, o único caminho para concretizar isso é a valorização da educação. Somente através da razão, da filosofia e do letramento crítico poderemos combater a narrativa mítica e o cenário distópico no qual estamos inseridos.


VOZES DA SUBJETIVA

“Escreva seus textos, conte suas histórias, mesmo quando você sentir que não é capaz”

COM THAÍS CAMPOLINA

Vozes na Subjetiva é um projeto de valorização de quem faz a Subjetiva, seus autores e suas autores. A ideia é elaborar uma entrevista que fale sobre a trajetória de cada colaborador da nossa redação, onde eles possam falar mais sobre si mesmos e responder algumas curiosidades dos leitores. Thaís Campolina é formada em Direito, criadora do blog Ativismo de Sofá e do projeto Mulheres Notáveis; colabora com a Revista Subjetiva, Fale Com Elas e Mulheres que Escrevem aqui no Medium.

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Thaís, conta pra gente, como você começou a escrever? Teve algum autor ou autora que te fez querer começar? Sempre fui fascinada por ouvir e contar histórias e a escrita surgiu para mim como uma possibilidade de tornar sentimentos, opiniões e narrações minhas e até dos outros algo mais difícil de se diluir no tempo. O medo de esquecer é o que me atraiu para a escrita. Escrever para mim, pelo menos inicialmente, foi um exercício de preservar as histórias que eu ouvia ou mesmo lia ou que eu criava. J.K Rowling, Agatha Christie, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Machado de Assis, Carolina Maria de Jesus, Paulo Leminski, Graciliano Ramos são escritores que marcaram minha formação como leitora, junto com vários livros da Coleção Vagalume, as histórias da Bruxa Onilda e os gibis da Turma da Mônica. Posso apontar todos esses nomes como os responsáveis pelo meu


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amor pela literatura e Caio Fernando como um cara que me inspirou a escrever sem medo de marcar detalhes da época que vivo, mas a escrita com intenção mesmo foi algo que ressurgiu para mim a partir da leitura do livro “Meus desacontecimentos” da Eliane Brum. Com essa obra, eu finalmente entendi o que a escrita representava para minha identidade e resolvi abraçála de vez. O tema que você costuma abordar frequentemente nos seus textos é gênero, como esse assunto despertou o seu interesse? E de que forma? Como diz o Amarante numa célebre entrevista sobre a música Anna Júlia, nem sempre abordo gênero em meus textos, mesmo que esse tema tangencie minha existência e me toque muito. Com certeza a realidade das mulheres afeta minha escrita, mas minha escrita ficcional não é pensada para ser militante ou algo assim. Só que o “algo assim” acontece bastante, porque, como mulher e feminista, essas histórias deixaram de ser invisíveis para mim e acabam aparecendo nos meus contos. Mas tenho outros interesses também, entre eles, o cotidiano, as cidades, o humor e a contação de “causos”. Tem vez que tudo isso mescla, como no conto “Mãe de planta”. Meu interesse em feminismo surgiu quando entrei em contato com debates relacionados com o machismo cotidiano e passei a entender melhor incômodos que sempre tive. Tudo começou no Orkut numa comunidade chamada “Mulheres que não sabem provocar”. Ali, no meio de muitas outras mulheres, eu passei a conseguir nomear melhor o que me incomodava na realidade feminina e pude entender que eu poderia lutar para que eles deixassem de existir um dia. Foi graças a essas mulheres que soube que o machismo não era algo simplesmente natural e imutável e fico feliz demais quando penso que ainda hoje, mais de dez anos depois, ainda trocamos tanto. Gosto de pensar que meu feminismo surgiu a partir de um exercício de dialética e contato com a realidade de mulheres diversas. Fale um pouco sobre os projetos relacionados a gênero que você construiu/constrói. Sou a criadora, administradora e principal escritora do blog e página Ativismo de Sofá e do projeto Mulheres Notáveis. Também criei a page do FacebookIndiretas Feministase fui uma das organizadoras de duas edições da Virada Feminista Online. Participei do coletivo Alpaca Press, enquanto ele existiu, e vez ou outra colaboro com o site Delirium Nerd. Além disso, junto com a Lívia Aguiar, fiz parte da organização de um projeto de escrita coletiva de mulheres na cidade de Belo Horizonte chamado Colmeia. Infelizmente ele foi interrompido, mas a experiência, ainda que curta, foi fantástica.


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Fora isso, posso destacar a minha participação na publicação da coletânea literária Jurema, projeto que inicialmente não seria exclusivamente feminino, mas acabou sendo e minha participação nas publicações Fale Com Elas e Mulheres Que Escrevem aqui no Medium. Vivemos tempo de retrocesso, você acredita que a escrita é uma das formas de militância eficazes? Quando mulheres de todas as etnias, homens negros e indígenas, pessoas com deficiência e outros membros de grupos vulneráveis escrevem, eles se colocam no mundo como sujeitos, depois de séculos em que isso lhes foi negado. Com a palavra, a posição de objeto que antes vigorava se modifica, o que, de certa maneira, mexe com a realidade, já que a escrita ficcional ou não desses indivíduos não é esperada. Além disso, escrever é um meio de comunicação muito poderoso que nos permite pensar bem na construção da mensagem que queremos passar e, principalmente, no mundo que queremos viver. Tudo isso faz diferença, mas a escrita não se basta. Ela é uma ferramenta importante de luta, mas não é a única. O uso de imagens, ações coletivas, manifestações e afins também são fundamentais. A escrita se soma aos outros meios, mas isolada não tem tanto potencial quanto a gente, como escritor, pode imaginar num primeiro momento. Você publica resenha de livros frequentemente em seu perfil, quando você despertou o interesse pela leitura? Tem um livro que você gostaria de falar sobre? O meu interesse pela leitura surgiu na infância e se intensificou na adolescência. As aulas de literatura da escola me fizeram criar curiosidade sobre diferentes estilos de escrita e a querer entender o contexto das obras, especialmente as de literatura brasileira. Foi assim que conheci duas obras que me marcaram: Vidas Secas do Graciliano Ramos e Quarto do Despejo da Carolina Maria de Jesus. Ambos me ensinaram o poder da literatura de nos fazer entender melhor outras realidades e a se abrir, de verdade, para ouvir os Outros. Sobre a resenha de livros, o que você acha que uma boa resenha deve ter? E o que uma resenha não deve ter? Gosto de resenhas que mesclem informações do livro com pensamentos sobre a temática da obra. Acredito que essa abordagem acrescenta uma bagagem interessante para os leitores e amplia o olhar sobre o que foi escrito. Um filme


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ou um livro podem ser mais do que eles aparentam ser e é assim que a gente descobre isso. A experiência desse tipo de leitura nos ajuda a aprender a observar outros ângulos de uma mesma obra. Não gosto de resenhas que se resumem a dizer gosto, não gosto ou usem muitos adjetivos sem qualquer argumentação sobre. Acredito que o leitor busca nesse tipo de texto saber algo um pouco mais objetivo do que meras impressões. Você é formada em Direito, acha que sua formação contribui de alguma forma pra sua escrita? Não acredito que minha formação tenha contribuído muito nisso diretamente. Foi durante o curso de Direito, a época que mais me afastei da escrita. Acredito que a visão super tecnicista do ensino jurídico padrão engessou minha criatividade na época. Não nego, entretanto, que o contato com certas temáticas trabalhadas no curso me permitiu conhecer mais sobre conflitos, pessoas, mundo e direitos humanos, o que com certeza aumentou minha bagagem enquanto escritora Se pudesse dar uma dica pra quem escreve, qual seria? Não tenha medo de fracassar. Escreva seus textos, conte suas histórias, mesmo quando você sentir que não é capaz. Escrever é exercício e a gente não pode esquecer disso. Todo escritor que admiramos escreveu muita coisa mais ou menos também, mas a gente só não sabe disso. Conhecemos dos grandes nomes só o que já foi amadurecido, editado e publicado e acabamos esquecendo que mesmo quem admiramos também passou por todo um processo. Estamos em desenvolvimento e tudo bem, sabe? Não se cobre estar pronto para então começar. Comece agora.Tentar e errar não é demérito. Destaco, inclusive, que preciso falar tudo isso para mim sempre. Sei que é verdade, mas nem sempre a insegurança nos permite perceber isso.. Entrevista realizada por Lucas Machado


EDITORES Mayra Chomski @maychomski

MEDIUM @mayrachomski

Lucas Machado @luquismos

MEDIUM

@luquismos

AUTORES Danilo H. @allneondan_

MEDIUM

@allneondan

Dayanne Dockhorn @dayannedockhorn

MEDIUM

@dayannedockhorn

Gabriel Martins @bielfelipe

MEDIUM

@bielfelipe

Joice Berth @joiberth

MEDIUM

@joiceberth

Matheus Morais Inรกcio @moraisx

MEDIUM @matheusmoraisincio

Pedro Vinicius Paliares @pedroviniciuspaliaresdefreitas

MEDIUM

@pedropaliares

Regiane Folter @maychomski

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@regianefolter

Victor Hugo Liporage @liporageosexy

MEDIUM

@Liporage


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