Revista Subjetiva Edição N° 1

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SUBJETIVA EDIÇÃO JULHO, AGOSTO E SETEMBRO / 2018

POR QUE DISCUTO COM ELEITORES DO BOLSONARO?

LINHAS TÊNUES

TRAGÉDIA MUSEU NACIONAL

POR VICTOR HUGO LIPORAGE

POR JOICE BERTH

POR VICTOR HUGO LIMA


S U B J E T I V A

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1 | Entre Hannah Gadsby e eu — sobre o enjoo pós-Nanette 2 | Outras formas de amor são possíveis 3 | Linhas tênues: sobre dinâmicas afetivas e sobrevivência 4 | Cavalo-de-troia chamado sororidade 5 | As sete vencedoras do prêmio Para Mulheres na Ciência 6 | Uma mulher, no meio de um mundo de homens. 7 | Política, desmanche do Brasil e Museu Nacional do Rio 8 | Por todas as vezes em que não me quis assim ser. 9 | Temos Que Aprender A Cair. 1 0 | Por que discuto com eleitores do Bolsonaro?

Editores Mayra Chomski Medium @mayrachomski Instagram @maychomski

Lucas Machado Medium @nadaenatural Instagram @apenasmachado

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ENTRE HANNAH GADSBY E EU — SOBRE O ENJOO PÓS-NANETTE Por Maíra Ferreira Faz alguns dias que eu estou engasgada. Engasguei quando dei play em Nanette — stand-up comedy da australiana Hannah Gadsby, que agora está disponível na Netflix. Engasguei quando dei play em Nanette e ainda não consegui desengasgar. Fico voltando pra certas cenas, revejo, repenso, reengasgo, rio de novo, choro de novo, sinto de novo essa vontade de abraçar a Hannah. Depois dos dias de engasgo, veio a imensa vontade de escrever sobre, embora eu não fizesse a menor ideia do que escrever. Como dizer? Como falar sobre esse violento soco no estômago que eu levei — e precisei levar? Foram muitas as reflexões sensacionais sobre a história da arte (e o papel das mulheres e dos homens dentro dela), sobre sexualidade, comédia e a necessidade de construir uma narrativa própria sendo alguém que está à margem do discurso dominante. Hannah não só é mulher, gorda e lésbica, mas também não se encaixa nenhum pouco nos estereótipos de gênero. Sendo uma mulher “incorreta”, como ela mesma se denomina em certo momento, e sendo homossexual em uma cidade pequena onde — nos anos 90 — o maior debate era se a homossexualidade deveria ou não ser legalizada (!!!), Hannah fala sobre como gostaria de ter ouvido uma história como a dela durante a sua adolescência. Teria feito com que ela se sentisse menos sozinha. Afinal, o mundo ainda é, no fim das contas, escrito pelos homens brancos heterossexuais. É deles o discurso que predomina, são eles os personagens principais de grande parte das histórias. Daí a importância da gente começar a levantar a voz, começar a construir uma narrativa própria, uma reafirmação da nossa experiência no mundo (a referência que Hannah gostaria de ter tido durante a adolescência, por exemplo, fico pensando que alguns adolescentes estejam começando a ter agora — com bastante ênfase no começando, claro, porque estamos caminhando a passos mais lentos do que eu gostaria). 01


ENTRE HANNAH GADSBY E EU — SOBRE O ENJOO PÓS-NANETTE

Mas, entre os muitos questionamentos impactantes de Nanette, o que mais continuou sendo repassado em looping na minha cabeça foi o momento em que Hannah fala sobre a violência que sofreu. He beat the shit out of me and nobody stopped him: revi essa cena e ouvi ela dizer essa frase muitas e muitas vezes e em nenhuma delas deixou de doer. Acolho a dor dela porque também sou mulher, acolho a dor dela porque sei que a lesbofobia mata todos os dias, mas de alguma forma também sei que essa dor me coloca em uma outra posição. Não sou como a Hannah. Eu, com as minhas maquiagens, os meus batons, os meus vestidos, meus brincos e anéis, eu não sou como a Hannah. Embora não me adeque ao padrão magro de beleza, sei que, em muitos outros aspectos, sou uma mulher socialmente aceitável. Sei que, se eu estivesse conversando com outra mulher em um ponto de ônibus (como aconteceu com ela), muito provavelmente a minha feminilidade convenceria qualquer namorado ciumento de que eu sou só uma mulher feminina e heterossexual — e não uma ameaça. A violência que me assombra não é a mesma que assombra a Hannah (embora as duas se encostem em muitos pontos). Depois do looping de He beat the shit out of me and nobody stopped him, tentei voltar à minha vida e comecei a sentir um enjoo recorrente. Um enjoo quando vou passar o corretivo, o blush, o rímel e o batom de cada dia. Um enjoo quando pinto as unhas. Um enjoo quando coloco longos brincos nas minhas orelhas que foram furadas quando eu ainda era um bebê e precisava ser marcada como uma bebê do gênero feminino (com tudo que esse conceito é capaz de carregar). Sinto enjoo em pensar naquele ponto de ônibus, em pensar que eu, naquele ponto de ônibus, talvez não apanhasse como ela. Desde que assisti Nanette, me olho no espelho e vejo uma construção de mulher com a qual eu me acostumei tanto que já não estranhava mais. A gente aprende a gostar, a querer, a assimilar. Não sei dizer quando ganhei meu primeiro batom, mas acho que eu tinha uns 10 ou 11 anos. Lembro de ter feito a primeira depilação aos 12. É provável que aos 15 eu já não conseguisse me sentir bonita sem 3 quilos de base e corretivo escondendo as olheiras, espinhas e teóricas imperfeições. A gente aprende a se adequar (e, sendo uma mulher gorda, a gente aprende, inclusive, a compensar, como se estar perfeitamente adequada ao padrão de beleza em outros quesitos pudesse suavizar a falta grave que é estar fora dele no quesito magreza). Mas a construção de mulher que vejo no espelho agora me faz retomar tudo a que Hannah — ao contrário de mim — não se adéqua. No meu batom e minha base e meu rímel, vejo a mulher que senti a necessidade de sustentar socialmente, mas também vejo o rosto nu e limpo de Hannah, e o impacto diário dessa recusa sobre a vida dela. Afinal, se recusar a atender às demandas de um padrão de beleza criado por homens para o benefício dos homens é o suficiente para ser espancada em um ponto de ônibus. É como homens vêm tratando mulheres (especialmente lésbicas), no fim das contas: se estiverem de acordo com os padrões de feminilidade, que sejam fetichizadas; se não estiverem, simbolizam o ápice da afronta.

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ENTRE HANNAH GADSBY E EU — SOBRE O ENJOO PÓS-NANETTE

Mulheres cuja existência não pode servir ao desejo masculino — e, se tem uma coisa que o patriarcado nos ensina diariamente, é que mulheres que não servem ao desejo masculino não servem para mais nada. A construção que vejo no espelho agora me lança diretamente a pergunta: até que ponto não tenho me construído também em função do desejo masculino? Até que ponto não tenho ostentado como se fosse uma escolha uma série de necessidades que o mundo jogou nas minhas mãos sem perguntar se eu de fato queria? Se o espancamento de Hannah me dói de forma tão pontual, é justamente porque o meu rosto maquiado, feminino e depilado também é uma peça do mesmo sistema que produz a violência contra o rosto limpo e não-feminino dela. Para que a engrenagem siga funcionando, é preciso que mulheres como eu adotem a feminilidade e se convençam de que ela é de fato uma escolha, de que ela é natural, de que não há nada de errado em furar a orelha de bebês que não escolheram usar brincos — e, para que a engrenagem siga funcionando, é preciso que mulheres como Hannah sejam espancadas e invisibilizadas, tratadas como mulheres incorretas (que tantas vezes são vítimas de estupros corretivos “para aprender”). Depois de falar sobre o espancamento, ela ainda diz que deveria ter denunciado ele, mas não denunciou porque sentiu que merecia aquilo. A lógica perversa da heterossexualidade compulsória e dos papéis de gênero passa exatamente por aí: não se adequar ao molde pode ser a fonte de uma angústia tão grande, de um auto-ódio tão profundo, que não conseguimos nem levantar qualquer voz contra a violência. Somos resignadamente engolidos e mastigados por ela. E a verdade é que eu não sei o que fazer com isso. Eu não sei o que fazer com o engasgo e o enjoo que Nanette deixou em mim. No dia seguinte, uma vontade louca de raspar a cabeça. Mas também a consciência de que, ainda que eu raspasse, provavelmente compensaria com longos brincos e maquiagens ainda mais pesadas. Para não fugir da lógica. Para que eu, como uma mulher gorda, ainda me sinta minimamente integrada, parte de um grupo legitimado socialmente. Qual é a minha responsabilidade aqui agora? Como utilizar esse enjoo como um grito pelas outras Hannahs que estão por aí sendo espancadas? Eu não faço ideia. Mas, conforme vou reassistindo, vou olhando mais o rosto dela, sem maquiagem e sem brincos, e vou achando ela cada vez mais bonita. Vou enxergando no rosto dela uma beleza que me acalma. Não a beleza da mídia, dos produtos e exigências, mas a beleza de uma mulher que, como ela própria diz, foi destruída, mas se reconstruiu — e agora enfrenta uma plateia imensa com uma nudez que me fascina. Enxergo nela algo tão bonito que, de repente, começo a experimentar em mim essa disposição para acolher a minha própria nudez e aprender a ver nela qualquer coisa de valioso que eu talvez já tenha esquecido. É verdade mesmo que não há nada mais forte que uma mulher destruída que se reconstruiu. E não há nada melhor que mulheres reconstruídas para renovar o fôlego das que ainda estão precisando se reconstruir.

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OUTRAS FORMAS DE AMOR SÃO POSSÍVEIS

Por Carol Baiter

No show, a cantora Luedji Luna explicou a história da música Banho de Folhas. Ela estava em busca de um pai de santo para um jogo de búzios. Queria saber sobre carreira, dinheiro e amor. “Todo mundo pensa que eu estou falando de um amor”, brincou. Sim. Meus amigos concordaram. Todo mundo jurava que o eu-lírico da música saía pelas ruas de Salvador em busca de um amor perdido. A gente sempre acha que é sobre amor romântico. Tipo All Star, do Nando Reis. Uma declaração de amor à amiga Cássia Eller. Dia desses, o Nando respondeu a um rapaz sobre a cor do All Star da Cássia e eu pensei no tanto de carinho por trás dessa letra. Quando soubemos da morte de Anthony Bourdain, mais uma vez falamos sobre suicídio nas redes sociais e um recado me chamou atenção. No Twitter, alguém postou: “cuide do seu amigo forte”. O Anthony não dava sinais de tristeza ou desespero. Às vezes, é assim que acontece. Horas antes do Dia dos Namorados, um amigo me mandou mensagem. Pediu desculpas pela ausência e terminou com “Obrigado por não desistir de mim”. Ele vem se recuperando de uma depressão.

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OUTRAS FORMAS DE AMOR SÃO POSSÍVEIS

Então, no dia 12, quando as fotos de casais enchiam os murais, eu pensava: como tenho cuidado dos meus amigos? Lembro da primeira vez em que desejei ter um namorado. Eu devia ter 11 anos e possivelmente tirei essa ideia dos filmes de princesas da Disney. E de tudo que observava ao redor: comerciais de margarina, fotos de revista, perguntas sobre “namoradinhos”. Tudo nos diz que a única possibilidade afetiva da vida adulta é o amor romântico e nós acabamos dedicando uma energia imensa a isso. Às vezes, tamanha, que o essencial passa batido. Algumas pessoas vão casar, assinar contratos, ter filhos mas outras, talvez, passem a vida dividindo momentos com amigos. É uma possibilidade que deveríamos considerar com seriedade. Com dedicação e carinho, também. Não é difícil, nas engrenagens da rotina, perder a cabeça. As contas chegam, a geladeira queima, a avó adoece. No meio disso tudo, a gente vai se acomodando com as possibilidades óbvias de felicidade e esquecendo que podemos sempre criar novos caminhos. Ou, como diz Manoel de Barros, “Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras. Liberdade caça jeito”. Amor também. Talvez alguns de nós não vivamos um amor arrebatador da forma como dizem os filmes. Mas, se prestarmos atenção, vamos descobrir muitos amores ao redor. Talvez, alguns deles estejam precisando de atenção agora. Como você tem cuidado dos seus amigos? A Luedji por fim encontrou o babalorixá e saiu da consulta sem nenhuma respostas. Por que não há. A única certeza é isso que já nos cerca: as relações que fazem o dia a dia mais leve. É isso que de fato importa. É disso que devemos cuidar. Talvez o amor das nossas vidas use all star azul.

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(foto: divulgação/revista glamour)

LINHAS TÊNUES: SOBRE DINÂMICAS AFETIVAS E SOBREVIVÊNCIA

Por Joice Berth

Não podemos, e se pudéssemos não deveríamos, obrigar pessoas a gostar da gente. Não vira, não rola, não acontece só porque a gente quer. E vamos combinar que obrigação e sentimento não cabem na mesma mala. Não importa o motivo da ausência de reciprocidade dos nossos afetos, devemos respeitar a rejeição da outra parte. Quem valoriza as próprias escolhas sabe respeitar as escolhas alheias. Mesmo as escolhas mais cretinas, pautadas pelas distorções e padrões mesquinhos da sociedade, devem ser respeitadas. Existe racismo e machismo(esse combo amargo) pautando as escolhas? Sim, evidentemente. Existem preconceitos diversos pautando as escolhas afetivas? Claro, sempre existiu e vai continuar existindo enquanto eles sustentarem a nossa formação social. 06


LINHAS TÊNUES: SOBRE DINÂMICAS AFETIVAS E SOBREVIVÊNCIA

E é exatamente por isso que devemos cada vez mais desenvolver nossa independência emocional e nossa autonomia afetiva. Ser reservatório de bons sentimentos a espera de usá-los com nós mesmos, toda vez que a vida demandar e as pessoas se mostrarem incapazes de responder nossas carências. E isso será quase sempre. Se nós não estamos a disposição do emocional dos outros, porque teriam que estar a disposição do nosso. Isso é uma percepção fundamental sobre responsabilidade afetiva. Nada pode ser mudado no grito, já que estamos falando de um contingente enorme de pessoas e de uma situação histórica, ou seja, que não começou ontem. Perceber e apontar que em uma sociedade tão deformada por opressões e dinâmicas de dominação que formam grupos excluídos é uma obrigação. Refletir sobre o jargão do senso comum acrítico “gosto não se discute”, por exemplo, é vital. Mas entender que nem todos estão dispostos a usar o cérebro para mudar padrões prejudiciais de comportamento social é vital para nossa saúde mental. O racismo define o sistema de meritocracia amorosa. E não apenas ele: o etarismo, a classe social, a ascendência europeia, a passividade e grau de submissão(em especial das mulheres), a performance de gênero, entre outros diversos fatores que nada tem a ver com amor. Muitas vezes, vejo casais fazendo juras de amor e por instante eu acho tão bonito, mas minha lucidez me faz questionar logo em seguida essas manifestações românticas cênicas: Se esses casais fossem reprovados pelo crivo da inadequação social que implica, por exemplo, a não aceitação de relações fora do padrão heteronormativo, estariam ainda tão apaixonados? Será que se o casal não for bonito o bastante para sair em belas fotos que servem de deleite para as estruturas de poder da sociedade, estariam tão suspirantes e ronronantes? Dificilmente. O que quero dizer é que precisamos compreender que nossas rejeições, grosso modo nada tem a ver com nossa capacidade de dar e receber amor, porque isso não é a busca. A busca é pelo status social, pela aceitação e ostentação de uma felicidade duvidosa, forjada para manter o teatro de uma sociedade que pula corpos diariamente até 23/12 mas dia 25, devidamente envolto na fantasia da moral cristã (mesmo quando não é cristão assumido) vai falar em amor, fraternidade, união, etc. 07


LINHAS TÊNUES: SOBRE DINÂMICAS AFETIVAS E SOBREVIVÊNCIA

Aimée Cesaire, fala sobre a permissão que a sociedade branca dá para que crimes continuem acontecendo em Discurso sobre Colonialismo. Essa mesma permissão faz parte da dinâmica que forma hierarquias afetivas. Se não entendemos isso, sobretudo quem é atingido diretamente, corremos o risco de terminar nossos dias antes do tempo e por vontade própria, pelo vazio interior construído pela tristeza de múltiplas violências vivenciadas Se esses casais estivesses totalmente inseridos nos estereótipos de raça, por exemplo, haveria esse amor todo e proclamado com tanta veemência? Obviamente não. Se os estruturantes sociais atuam em todas as áreas, porque a afetividade ficaria de fora? Mas apesar de sabermos tudo isso, em especial quem faz parte do grupo social que sofre essas exclusões, nós mulheres negras ou fora do padrão de aceitabilidade decantado pelos filmes românticos e pares novelescos, não dá para ficar presa/o na ideia de que devemos ser amadas a qualquer custo por outras pessoas. Desejamos isso, ok. Mas sejamos honestas com nós mesmas, não depende de nossa vontade. E precisamos ter maturidade para encarar rejeições de toda espécie, porque elas são inevitáveis. A gente precisa entender que sentimento nosso é nosso, de dentro da gente. Rejeição não é necessariamente pelo que falta no rejeitado, existem milhões de motivos pra se rejeitar uma pessoa. Muitos deles podem estar relacionados a quem rejeita. Os sedutores pegam os vulneráveis, os desatentos ou…os masoquistas…os polyanas…os que estão afim mesmo de serem fisgados. Ser “fisgado” pressupõe alguém sem o menor cuidado com o próprio coração, sem o menor respeito pelos seus sentimentos. Não é o outro que deve decidir que te quer, é você que tem que medir até que ponto uma proximidade é verdadeira e, se ela realmente vale a pena se levada adiante. Se caiu na rede, decida se quer mesmo ser peixe, nadar em águas turvas e incertas…as vezes nem é mar…é só piscina mesmo, banheira, bacia, usada, deformada por uso indevido ou suja por anos de negligência e descaso com as próprias imperfeições. 08


LINHAS TÊNUES: SOBRE DINÂMICAS AFETIVAS E SOBREVIVÊNCIA

Isso é com a gente, essa escolha de se abrir pra quem tá fechado ou aberto pra outros/as, não necessariamente de maneira sincera e desprendida dos efeitos das estruturas sociais em suas vidas. Isso a gente pode controlar, decidir e sofrer sozinho se for o caso. Mas sem achar que o outro “deve” ficar, gostar, corresponder ou seja lá o que for. Em muitos casos, o outro não pediu teu afeto e não é obrigado a devolver. E se pediu a decisão de dar ou não é nossa. É imaturo pensar o contrário. É cruel consigo mesmo se torturar esperando, insistindo, tentando regar semente que não foi plantada. Nem acho que é falta de amor-próprio…as vezes é excesso de vaidade, é birra egoísta de se achar tão foda que o outro não tem o direito de te dizer não(principalmente no caso dos homens). Vamos crescer néam… Respeitar os nãos e se permitir achar outra(s) terras(s) onde caibam nossas sementes de futuros afetos é sinal óbvio de maturidade. Buscar outras águas, mais cristalinas e amenas, onde a gente possa nadar largado, sem crises e com total serenidade. Sentimento bom e perturbação de qualquer espécie são antagônicos sempre. Coisa boa, gente boa, relação boa traz primeiramente a calma. Pode reparar. Sempre tem. Sempre. Nem que seja você mesmo. A gente é uma companhia massa pra gente mesmo. Esse amor completo, incondicional, que aceita a gente do jeitinho que a gente é, com todos os defeitos que mais desejamos esconder e as qualidades que desejamos ostentar, só vem de nós mesmos. Tem gente pra caramba no mundo buscando gente pra amar. Isso é uma realidade que ninguém fala, porque no fundo, somos todos desejosos de status social que adquirimos ao nos relacionarmos com o ideal construído pelo senso comum. 09


LINHAS TÊNUES: SOBRE DINÂMICAS AFETIVAS E SOBREVIVÊNCIA

Se a gente se despe das limitações mundanas acaba achando gente bem bacana, pelo menos para uma amizade honesta. Amizade também é uma forma de amor poderosa. E sexo…bom sexo e amor não são necessariamente amigos íntimos…mas isso é outra conversa. Já dizia minha avó: “sempre tem um chinelo véio prum pé cansado.” Mas tudo bem também andar descalço.

proteja-se, ame-se e respeite-se como se não houvesse amanhã. (foto: internet)

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CAVALO-DE-TROIA CHAMADO SORORIDADE

Por Coletivo Aurora Maria

O feminismo é uma pauta liberal já há um tempo. Desde a década de 1920, Alexandra Kollontai escreveu como havia uma distância enorme entre as pautas das feministas burguesas e as pautas das mulheres trabalhadoras. Dessa forma, Kollontai percebe que tais feministas (burguesas) só desejam a igualdade de direito com os homens, porém, sem o fim da opressão de classe e sem a melhoria de vida das mulheres pobres da época. Com o passar dos anos, o movimento feminista classista, nascido dessa corrente de pensamento proposto por Kollontai (mas, claro, não só ela, como também Clara Zetkin e Angela Davis), onde colocava as mulheres trabalhadoras como impulsionadoras de mudanças, foi se diversificando. Além do gênero e classe, olhar as questões que envolvem etnia também passou a ser fundamental, sempre ligado à classe. Apesar de ser um movimento importante e antigo na luta dos trabalhadores, o feminismo classista perde espaço frente ao feminismo liberal. Claramente, os patrões, burgueses, empresários não tem interesse na expansão de correntes de pensamento que visam a união entre a classe trabalhadora e dos mais pobres. Sendo assim, vemos crescer nas telas de TV programas onde o feminismo liberal é amplamente promovido, com propagandas como do Itaú Mulher Empreendora, quadros em programas como Amor & Sexo e Malhação. Falar do feminino, do empoderado, da sororidade está em alta, mas a distorção do real significado dessas palavras causa confusão teórica em quem está conhecendo o feminismo, ou, pior, pode fortalecer a desonestidade intelectual de supostas teóricas da luta das mulheres. Falemos sobre sororidade, então… Uma rápida pesquisa no Google nos mostra o significado posto a sororidade: relação de irmandade, união, afeto ou amizade entre mulheres, assemelhandose àquela estabelecida entre irmãs. União de mulheres que compartilham os mesmos ideais e propósitos, normalmente de teor feminista. 11


CAVALO-DE-TROIA CHAMADO SORORIDADE

Bonita ideia, porém desonesta e que foge à realidade. Em uma sociedade de classes, onde tal fato fundamenta a desigualdade de gênero, raça e salário, onde a mulher mais rica já falou que o salário deveria ser de 4 reais ao dia, como a união e o fim da rivalidade seria possível? Melhor dizendo: o fim da rivalidade feminina só seria possível com o fim da desigualdade entre os homens e mulheres, ou seja, com o fim da diferença de classes, etnia e gênero, todos eles juntos, pois eles não podem acontecer separadamente. Isso não se daria em um sistema capitalista, já que ele está fundamentado em desigualdade. Assim sendo, também não seria apoiado pelas feministas liberais e suas teóricas. Porém, isso não impede que haja um malabarismo teórico que faça justificar certos conceitos com base na sororidade e empoderamento. A utilização hipócrita de um feminismo distorcido esquece, óbvio, a questão de classe e etnia, pois não lhes interessa o fim do que fundamenta a desigualdade entre os homens. É nisso que cresce o blá-blá-blá não-fundamentado em postagens rápidas no facebook e twitter: o mais recente sucesso disso é a postagem que justifica traição porque relacionamentos são opressivos e por isso devemos entender quando alguma mulher trai ou participa de uma traição. “Tenhamos sororidade! Não fique triste por eu ter te traído… somos mulheres e devemos nos apoiar!”, dizem. Não só isso, mas a sororidade é uma ideia facilmente vendida, como uma máscara, para ser colocada em certas situações sociais, principalmente no meio feminino. É um cavalo-de-troia das mulheres desonestas que utilizam do feminismo a seu bel-prazer para sacanear, expor e atacar outras mulheres. A máscara da sororidade cai quando a hipocrisia vem à tona: é muito fácil pregar a união entre as mulheres enquanto nega a luta de classes; enquanto continua o abuso de torcer pela infelicidade de outra mulher apenas porque ela não satisfez algum plano seu; quando, mesmo sabendo dos males da indústria pornográfica, continua vendo mulheres sendo violentadas; e outros inúmeros exemplos poderiam ser utilizados aqui. Enquanto o feminismo não se tornar uma pauta emancipatória, que, como dizia Kollontai, tenha o objetivo de “construir no local do velho mundo, obsoleto, um templo brilhante de trabalho universal, solidariedade fraterna e alegre liberdade”, não teremos a possibilidade de que essa união entre as mulheres seja real. E, ainda nesse sentido, teremos mais e mais mulheres desonestas e hipócritas utilizando do conceito distorcido de feminismo para justificar a aceitação de abuso com outras mulheres. 12


AS SETE VENCEDORAS DO PRÊMIO PARA MULHERES NA CIÊNCIA Por Yara Laiz Souza O prêmio Para Mulheres na Ciência, fomentada pela L’Oréal Paris em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) anunciou as sete cientistas brasileiras vencedoras da premiação neste ano. Segundo dados oficiais, as inscrições em 2018 foram recorde (37% a mais que o ano passado) e cada uma das cientistas receberão um auxílio de R$ 50 mil reais para que continuem com seus trabalhos. As categorias premiadas foram: Ciências da Vida, Química, Matemática e Física. Um grupo de jurados escolheram os projetos mais importantes para as questões de saúde, ambiente e economia. As vencedoras foram: Angélica Vieira, bióloga da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): procura no organismo humano bactérias que aliadas a uma alimentação balanceada sejam capazes de produzir metabólitos que auxiliem no combate a bactérias ‘invasoras’; Ethel Wilhelm, bioquímica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel): busca entender o motivo das dores nas extremidades do corpo relatadas por idosos em tratamento de câncer;

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AS SETE VENCEDORAS DO PRÊMIO PARA MULHERES NA CIÊNCIA

Fernanda Cruz, especialista em medicina regenerativa do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ): busca tratamentos menos invasivos para problemas respiratórios crônicos, em especial, a asma grave e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); Sabrina Lisboa, biomédica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo: busca melhor tratamento para pacientes com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Um dos medicamentos avaliados como uma possível terapia, que susbtitui a terapia atual que mistura uma grande quantidade de remédios, é um composto sintético semelhante ao THC encontrado na cannabis. Jaqueline Soares, física da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP): estuda a utilização de pedra-sabão aliado a nanotecnologia para a construção de próteses ortopédicas e dentárias mais resistentes. Luna Lomonaco, matemática do Instituto de Matemática: analisa o Conjunto de Mandelbrot fractal conhecido no mundo da matemática, e suas possíveis cópias dentro e fora do objeto geométrico para analisar o comportamento de sistemas que mudam com o tempo e tentar prever seus próximos movimentos; Nathalia Lima, química da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE): estuda como pode aumentar o prazo de validade do cimento, amplamente utilizado na construção civil brasileira, que dura apenas cerca de 90 dias após a fabricação.

Ilustração da norte-americana Rachel Ignotofsky.

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UMA MULHER, NO MEIO DE UM MUNDO DE HOMENS. Por Bia Quadros Num grupo de Facebook que faço parte, um questionamento: Homens, vocês sabem quando a mina que vocês estão transando gozou? A resposta era não, ninguém sabe. Espalhei a pergunta para alguns colegas e eles responderam a mesma coisa. Um, inclusive, tive que informar que o Clitóris não é só aquela pontinha, é mais que aquilo. Para mim, como mulher, é simples: O corpo da mulher reage da mesma forma que o do homem, ficamos cansadas, descarregamos todas as nossas energias naquela boa gozada. Temos sono, dá vontade de dormir. E a vagina fica seca, sensível, para esperar um pouco para recomeçar. Precisa de escuta, afinal nossos órgãos reprodutores são internos. Mas quem disse que querem fazer tal função? Fui perguntada estes dias como eu gozava (após transar com a pessoa, veja bem) e tive que explicar tim por tim algo que para mim é bem simples e visível. Estes dias o menino que me deu o fora resolveu puxar assunto comigo no Zap. Depois de falar muito DELE e não perguntar nada sobre mim, me chamou para tomar uma cerveja. Disse que não podia, que a gente poderia ir NOUTRO DIA. Ele recusou, disse claramente que nos encontraríamos apenas na terça, dia de nossas aulas. Ele nem quis conhecer meu outro lado, aquele maravilhoso, emponderado e engraçado. Ele ficou com o registro antigo e tomou aquilo como verdade.

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Uma mulher, no meio de um mundo de homens.

Levei 2 bolos estes dias. Um o cara me fez ir até o ponto de encontro, me fez esperar meia hora para dizer que tinha mudado de idéia, resolveu sair com seus amigos. Em nenhum momento ele me avisou, só me informou após eu ter perguntado se ali estava à toa. O outro me apareceu meia noite para dizer que seu celular tinha sido perdido. Depois, não respondeu a MINHA mensagem e ficou por isso mesmo. Em todos meus relacionamentos, nos relacionamentos das minhas amigas, nos sexos ruins, a minha volta. No micro (o menino ficou comigo uma vez e depois não quis mais ficar), no macro (ele me bateu), no assédio, no aborto, no #porramaridos, na violência, na opinião sobre adoção, na não tentativa da mulher gozar, na não utilização da camisinha, na falta de cuidado, em tudo. Chego a conclusão, os homens não amam as mulheres. Eles não ligam para o que pensamos, para o que passamos, para o que fazemos.

A pergunta também é: Vocês rapazes amam verdadeiramente uma mulher que não seja a sua mãe? Uma mulher que vai além do elogio relacionado a nossa beleza, algo além do “ela é gostosa”, vocês nos admiram? Vocês gostam mesmo da gente ou querem nos controlar? Procuram uma mulher emponderada para deixa-la para baixo, assim deixando sua autoestima lá em cima por finalmente poder sanar sua insegurança com a fragilidade recém posta nela? Vocês querem que sejamos suas parceiras ou que cuidemos de vocês, passem as suas roupas e façam sopa quando estão doentes? Pensem comigo, qual mulher vocês acham incríveis? Não, não precisam responder “minha namorada” nem “minha mãe”. Quem vocês pagam pau? Quem vocês dizem que são fodas estes são seres femininos? Vejo que nosso emponderamento os dá medo. Em algumas música e seriados pop, o emponderamento é mais um artifício para atrair mais macho em nossas vidas, eu já digo que não é e isso dá medo. Meu emponderamento é para conquistar o mundo. Não a toa que vejo homem pedindo para não ser radical, quando na primeira oportunidade nos dão tapas na cara para calarem a nossa boca. Este texto é de reflexão de um turbilhão de acontecimentos que estão surgindo nesta semana, seja na minha vida, das minhas amigas e num âmbito geral que aparece na mídia. Neste caminho de poder e emancipação, vejo que cada vez mais sigo sozinha. 16


POLÍTICA, DESMANCHE DO BRASIL E MUSEU NACIONAL DO RIO Por Victor Hugo Lima Não sei quantos de vocês tem o hábito de ver vídeos educativos no Youtube, como os que a TEDx lança por aí, mas eu tenho essa mania. E hoje eu estava vendo o vídeo feito pelo TEDx com a Eliane Brum sobre o impacto da usina de Belo Monte nos ribeirinhos, em Porto Alegre, vale a pena assistir. No vídeo ela diz: “O Brasil é um construtor de ruínas. O Brasil constrói ruínas em dimensões continentais.”

E tem como discordar do que ela disse? Historicamente o Brasil realmente sempre fez isso, e o caso que eu quero e preciso abordar é o de ontem: o incêndio do Museu Nacional do Rio e seus desdobramentos na política continental, internacional brasileira, e seus motivos.

Darcy Ribeiro e o desmanche do Brasil Desde o início de sua carreira como antropólogo, Darcy Ribeiro afirmava que o Brasil tinha um projeto pra desmanchar educação, cultura, e silenciar um povo que surgia reivindicando voz e espaço. Ninguém acreditava muito no que ele falava, parecia surreal, até mesmo porque ele foi ministro da educação e participou de uma reforma estrondosa na educação brasileira, sendo convidado pra fazer o mesmo em outros países como o Chile, Uruguai, Peru, Venezuela, e México. Deu pra entender que ele tem um certo gabarito pra falar o que ele falava. 17


Politica, desmanche do Brasil e Museu Nacional do Rio

“As elites brasileiras são cruéis, elas asfixiam as massas mantendo-as na escuridão da ignorância. As escolas não cumprem com o papel de educar e preparar os meninos do Brasil. Só vamos acabar com a violência quando resolvermos a questão da Educação”.

Darcy acreditou tanto em seu ideal de educação e modificação da história que o Brasil começou a mudar, lentamente, mas mudava. As universidades brasileiras estavam entrando nos rankings das melhores do mundo. Frequentemente ocorriam intercâmbios de conhecimento, o Brasil andava pra frente e o povo se educava. Realmente funcionou. Até a eclosão do Golpe Militar de 1964. Mas o que os militares têm a ver com isso? Então, o desmanche da educação, cultura e outras coisas começou com o Golpe. Os militares exilaram todos aqueles que ameaçavam o regime, e pra ser contra os militares não era muito difícil, só precisava de um pouco de educação e revolta. Bem, os militares deram um jeito de desaparecer com os catalisadores da educação, exilando ou os matando. Não satisfeitos com tais ações, comandavam ações de espionagem dentro das universidades, em conjunto com uma invasão do exército dentro das mesmas. Foi tudo um grande projeto. Na Universidade de Brasília, na qual eu estudei, as feridas do período militar nunca estancaram. Darcy foi fundador da UnB juntamente com seu amigo pessoal Anísio Teixeira, e ali seu projeto educacional começou. Quando todos fugiram do Brasil com medo do regime, a educação começou a sangrar, e a opressão quase a matou de vez. O que sobreviveu está se acabando agora com o sucateamento das universidades públicas pelo corte excessivo e errado nas verbas, e pelo aparente corte de verba do CNPq. Isso é um absurdo.

O IBRAM e o Museu Nacional do Rio O que é IBRAM? Se você não sabe, há grandes chances do desmanche educacional brasileiro ter chegado até você. O Instituto Brasileiro de Museus é o órgão público regulador dos museus dentro do nosso país, muito simples mas nem tanto. São milhares de museus espalhados pelo país, dos mais diversos temas. Nem todos são do governo, mas tem muito museu. Com uma verba muito pequena, é muito difícil regular e controlar tudo como se tem que fazer, é uma pena. Então a culpa é de quem? Do governo mesmo.

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Politica, desmanche do Brasil e Museu Nacional do Rio

Esse incêndio só nos mostra que o Estado não tem interesse em promover cultura e educação. Se você pensar bem, faz muito sentido o que a elite brasileira junto com o Estado faz com o país. Se você chega ao topo, o objetivo é se manter lá. E um povo inteligente não o manteria lá, porque se alguém quer se manter e não ajudar ou fazer sua parte, ele já chegou mal intencionado. O IBRAM bem que tentou fazer alguma coisa pra ajudar o museu, mas é muito difícil quando não se tem apoio do próprio Estado e menos ainda da população. Sim, o apoio populacional é baixo. Um povo que não recebe educação adequada não se interessa por cultura ou história, muito menos por um museu. O instituto tentou realizar diversos eventos para conseguir arrecadar dinheiro para o museu, e outros museus também, mas não deu em nada. Os funcionários do museu fizeram diversas vaquinhas online pra tentar manter o museu e realizar reformas para ao menos mantê-lo aberto. Deu tudo errado e não foi por acaso. Como última alternativa, o IBRAM entrou para o IBERMUSEUS, que é um programa de apoio à proteção e salvaguarda do patrimônio museológico em situação de risco ou emergência dos países ibero-americanos. Ou seja, o Brasil aderiu a uma cooperação internacional para conseguir manter o Museu Nacional. “O Fundo Ibermuseus para o Patrimônio Museológico é um exemplo disso. Desde 2013 apoiamos ações de assistência, socorro e proteção ao patrimônio museológico de regiões atingidas por inundações, terremotos, incêndios, conflitos bélicos, ameaças humanas e outras situações de calamidade no Brasil, no Equador e na Espanha. Mesmo com aportes modestos, estamos atuando para ajudar a preservar os bens da nossa região.”

Mesmo assim, não deu certo. O museu foi engolido pelas chamas ontem a noite, após anos de descaso. Sem falar que há alguns meses riscos de incêndio devido a idade da fiação do prédio. Interesses políticos, principalmente da elite, comandam o Brasil, e não dá pra negar. Nós vimos como tudo isso terminou. 19


Politica, desmanche do Brasil e Museu Nacional do Rio

Desfecho O que nos resta é tristeza e arrependimento. Fico triste pela perda imensurável que aconteceu ontem, e me sinto arrependido por este ser um dos museus que não consegui visitar. A vontade das elites brasileiras em conjunto com governantes que só querem a perpetuação do poder nos tirou mais um patrimônio. Um museu foi torturado durante anos e assassinado ontem a noite. Para aqueles que se sentem revoltados e tristes como eu me sinto, há uma saída. Não podemos recuperar grande parte do que foi perdido ontem, não mesmo. Ainda não inventaram uma tecnologia pra reconstruir destroços de incêndio, ainda mais se forem de papel. Mas podemos evitar que isso aconteça de novo. Apoie o seu museu local, faça propaganda, se interesse por ele, visite museus quando você viajar, acesse os portais do IBRAM, links estarão abaixo, só não deixe eles morrerem. A história que está dentro do museu é sua, não é só do Brasil. Neste incêndio nós perdemos Luzia, não deixemos que outros também sejam apagados da nossa história. Não deixemos que o Brasil se torne ruínas como o Museu Nacional do Rio. Essa ferida nós vamos conseguir estancar, mas o país precisa se unir.

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POR TODAS AS VEZES EM QUE NÃO ME QUIS ASSIM SER. Por todas as vezes em que, em mim, fiz descrer a possibilidade de, um dia, dar um sorriso novo.

Por S. Paiva

Por todas as vezes em que, eu, em minha ansiedade, achei que não caberia em mim de agonia. Aquelas tantas vezes em que, numa noite solitária, na mera companhia de sonhos que ainda não se realizaram, e de compromissos a fazer, nem vontade de me levantar eu tinha, quando o sol, outrora, se avizinha. Por todas as vezes em que me constituí verme inútil, ou, que, em pouco tempo, viria a ser carne podre e matéria-prima, combustível do crescimento de plantas e transformações compostas do solo. Pensei que fosse morrer. Pensei que tivesse dias, e pessoas, e momentos aos quais não conseguiria sobreviver. Pensei que me faltaria o ar, e a notícia do dia seguinte fosse a do perecer. Pensei que fosse me faltar capacidade de trabalhar em conjunto com outras pessoas. O medo da falha já me paralisou muito. Pensava ser falha e que, assim, era julgada por outrem.

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Por todas as vezes em que não me quis assim ser.

Pensava ser a filha indesejada, a namorada de estepe e a amiga de conveniência. Não acreditava que ninguém realmente gostasse de mim. Mas, isto, é porque nem eu gostava de mim mesma. Logo, quem iria gostar de mim se eu nem mesmo gostava? Passaram-se dias. Depois, meses. Me permiti ser assim e deixei de me julgar. Fui atrás de me conhecer e foi me conhecendo, que eu me permiti ser quem eu era. Foi vislumbrando meus problemas, desvencilhando traumas e comparações, que me achei, dentro de mim, de novo. E de novo. A cada dia. Num lento e gradual processo de amor próprio. Não fosse isso e não fossem as pessoas maravilhosas de quem julguei terem falso afeto por mim, talvez eu não estivesse aqui. Deixei de me sentir estrume. Passei a me sentir flor: delicada e com intenso perfume; de interesses e papeis amiúde. Que me faziam ser, especialmente, quem eu era. E, afinal de contas, eu sempre fui.

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The Bully Project Mural — Helena Perez Garcia

TEMOS QUE APRENDER A CAIR. Sobre o direito de errar.

Por Danilo H. Você vai errar. Você vai errar muuuuito ainda. Você vai errar umas coisas bestas e se perguntará “Como eu fiz isso?” Você vai errar feio ao ponto de ficar chocado com suas capacidades. Você vai cometer um daqueles erros que você tanto condena. Resumindo: Você vai errar. Ponto.

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Ufa! Pronto, prepara o baile e me segue.

A gente cresce com a concepção de que a perfeição é o caminho correto… não sei você, mas meus olhos automaticamente giram nas órbitas quando eu escuto aquela frasezinha clichê:

“A Prática Leva à Perfeição” Ok, ao fazer algo várias e várias vezes há uma grande chance de você se tornar bom nisso… mas aonde entra a perfeição? Exato, ela não entra porque você não é um ser perfeito e, lamentavelmente, nunca será. 23


Temos que aprender a cair.

Engraçado essa premissa de nos levar a algo que não existe… então por que corremos freneticamente atrás dela? Fomos ensinados a sustentar algo que não cabe em nossas mãos. Em nome da perfeição nós evitamos pensar sobre a possibilidade de errar, até porque isso não é nem uma opção… Errar? Para alguns essa palavra sequer existe. Você acha que só você erra e as pessoas ao seu redor fazem tudo certinho? Hm… tenho péssimas notícias para você… O acerto é escancarado aos quatro cantos enquanto o erro é sutilmente abafado e jogado para debaixo do tapete. É feio errar, né? Quando você acerta é aquele mérito de encher a alma, mas quando você tem aquele deslize é como se tudo que você tivesse feito corretamente na sua vida não valesse de nada.

Um erro invalida mil acertos, não te disseram? A gente passa a vida a toda sendo ensinado a acertar, mas ninguém fala nada sobre o errar… é igual aquele assunto de família que você não pode tocar ou aquele determinado tema (#climão) que você não pode discutir com qualquer pessoa. Tá, mas o que fazemos ao errar? Assumimos o erro e consertamos as coisas, né?! Não é o que parece às vezes… Quantos de nós verdadeiramente bate no peito e fala “Eu errei”? Saber assumir os próprios erros é uma dádiva para poucos, entretanto deveria ser o mínimo. Ainda tropeçaremos muito nos nossos próprios pés. Ainda levaremos muitas rasteiras. A gente vai cair muito nessa vida. E está tudo bem. 24


Temos que aprender a cair.

Se você acha que só se tornará uma pessoa melhor aprendendo mais com os acertos do que com os erros, bem, te trago más notícias… você está equivocado. Talvez o RH da sua empresa ache isso um extremo absurdo sem pé nem cabeça, mas eles nunca te dirão que um erro é aceitável. Não importa quantas palestras motivacionais você tenha, você errará porque você é um ser humano naturalmente imperfeito. O que te resta é buscar ser a melhor versão de você diariamente, se você der o seu melhor e, eventualmente, errar será menos pior. O importante é ter a consciência de que nos limites da sua capacidade você fez tudo o que pôde… se for o caso, então o seu dia estará a salvo. O medo de alguém descobrir que você errou duplica as suas chances de falhar. O medo de não ser bom o bastante triplica as suas chances de falhar O medo de errar quadruplica as suas chances de falhar. Dar o seu melhor (pessoal) em tudo zera o placar. Erre, aprenda (com os deslizes pequenos e com os irreversíveis) e seja honesto consigo mesmo, faça a sua parte e seja o melhor o que você puder, mas jamais seja perfeito. Tire essa palavra horrorosa do seu vocabulário. Sua sanidade mental agradece.

... Trivia: A palavra “Errar” (e suas variáveis) foram citadas 27 vezes nesse texto só para você entender que isso faz parte da vida!

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Fonte: Monólitos Post

POR QUE DISCUTO COM ELEITORES DO BOLSONARO? Talvez seja porque eu adoro alguns deles.

Por Victor Hugo Liporage

Meu pai outro dia veio me perguntar: “O que tu acha do Bolsonaro?” A minha resposta não importa. O que tiro dessa pergunta é que, pra ele, minha opinião importa. Meu pai é um cara bacana. Homem, hétero, negro, 50 anos, classe média, funcionário público e casado há mais de 20 anos. Pasmem: o eleitor do Bolsonaro não é um homem branco rico racista homofóbico e misógino. Não apenas ele. Esse eleitor não cabe num rótulo; tem várias nuances. Meu tio é um homem gay, negro, professor universitário e eleitor do Bolsonaro. Só isso aí me dá o primeiro motivo pra discutir com esse tipo de eleitor: a contradição entre o papel social que representam e o desejo de votar nesse candidato. Como assim homens negros e homens gays votam em Bolsonaro? Ô se votam.

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Por que discuto com eleitores do Bolsonaro?

O que seria discutir?

Segundo o Dicio, “discutir” significa “apresentar questões acerca de alguma coisa; analisar apresentando questionamentos; examinar.”, ou então “entrar em acordo sobre alguma coisa”, dentre outros significados parecidos. Minha primeira reação, lá em 2017, quando meu pai começou a rir do que recebia no zap sobre o Bolsonaro, foi discutir. Discutir agressivamente. A contra reação do meu pai? “Você acha que eu sou ignorante, mas um cara tão ignorante assim te criou”. Meu pai sempre foi um bom pai e me ensinou valores que considero fundamentais pra ser um ser humano que trouxesse coisas positivas pro convívio em sociedade. Esse homem me criou bem. Se existe uma coisa que devo a ele, é respeito. E foi em função desse débito que decidi discutir com meu pai de verdade. Argumentar, mostrar suas contradições, conhecer as minhas próprias contradições e, juntos, nos entendermos sobre nossas virtudes. Hoje em dia, ele ouve tudo que eu tenho a dizer. Respeita minha posição e entende que respeito a dele. Isso tudo o fez mudar de perspectiva. Menos um pro “mito”.

Resultado de pesquisa “eleitores do bolsonaro” no Google 27


...

Por que discuto com eleitores do Bolsonaro?

Devemos tentar convencer todos os eleitores do Bolsonaro? Jamais. Tem gente que acumulou tanto rancor, mágoa e arrogância, que simplesmente não vale a pena. O Bolsonaro é racista, misógino e homofóbico. Mas nem todos seus eleitores entendem a gravidade das ideologias de seu candidato. Nem todos conhecem completamente as ideologias dele. Alguns relevam e dizem ser “brincadeira”, mas com uma boa conversa, muitos começam a entender que a brincadeira sempre tem limite. Eu, como homem branco, hétero e de classe média, gozo do privilégio de não sofrer opressões. Portanto, considero que o meu papel é ser anti racista, anti homofóbico e desconstruir cada dia mais meu machismo. Contudo, não se pode pedir para uma pessoa negra, por exemplo, ter paciência com eleitores do Bolsonaro, pois como Frantz Fanon deixava claro, é preciso compreender que o oprimido não é obrigado a receber uma opressão passivamente. Alguns eleitores do Bolsonaro estão definitivamente indispostos ao diálogo, e alguns de nós, que queremos ir contra essa corrente, simplesmente não têm mais força para o diálogo. Portanto, cabe aos nossos que estamos, sobretudo em posição de privilégio e conforto, nos darmos ao trabalho de debater.

...

Todos nós já estivemos nessa posição: ter uma verdade absoluta em mente, ou simplesmente um preconceito que não queremos superar. Muitas vezes fomos confrontados agressivamente em função disso. A primeira reação é confrontar de volta, não se deixar abater. É natural que a gente reaja com mais raiva ainda com quem foi agressivo conosco. E de uma interação dessas, quase nada de positivo prospera. Quando alguém vem armado de ideologias agressivas, normalmente o que a pessoa quer é alguém pra nutrir a agressividade dela com mais violência, seja verbal ou física. 28


Por que discuto com eleitores do Bolsonaro?

Um bom exercício é desarmar. Quantas pessoas que a gente adora e depois de um tempo descobriu que é fã do “mito”? Dá um nó na cabeça, né. O jeito é se apegar a parte daquela pessoa que nos fez sentir carinho por ela e nos esforçar, lá no fundo, pra não sacar as facas.

(foto: internet)

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AUTORES Maíra Ferreira Medium @mairabferreira Instagram @mairacomacento

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julho/agosto/setembro 2018


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