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EDSON DUARTE | DA VINDA DOS VENTOS
DA VINDA DOS VENTOS
EDSON DUARTE | Dublin, Irlanda.
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Não, não é assim que o vento escoiceia a gente, É bem rápido, corpulenta e feroz lufada vindo E se esparramando, tomando tudo. Vindo na contramão do nosso eterno caminhar Que quase sempre é em vão como Em vão é nosso viver aqui na Terra.
Não, não é assim sopro de brisa Vindo veludosa e delicada pele Tocando a nossa, coisa insípida ou inodora. O que falo para vocês é de algo vivo, pulsante. Áspero e virulento é o escoicear do vento. É algo raro. Rancoroso e violento.
Não, meus senhores, não há nada que possamos fazer Para evitar um possível susto. Para suspender nossas dores Para algum instante seguinte Que só aconteça depois do nunca. Há um assombro de pânico dentro de mim Ou o que é mais grave e triste demais: Uma catástrofe iminente.
Ventos virão, quero dizer, gigantes desajeitados Com muitos olhos e muitas mãos. Braços e pernas. O corpo todo pulsando pestilência Doenças infectas que causarão grande mortantande De seres que nada sabem Do perigoso respirar os ares contaminados Há milênios.
Não, eu não paro, continuo irresoluto. É preciso dizer até o fim.
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Não se pode cortar ao meio um assunto tão grave assim como comemos um pão aos pedaços.
É preciso manter a calma porque tudo está prestes a se acabar. Eu já disse umas tantas vezes não, não E continuarei dizendo outras tantas Porque os ventos não só escoiceam, eles mugem, relincham Latem e abanam os rabos também
Mas na maioria das vezes são seres escusos.
São piratas. Contrabandistas. Assassinos. Padres pedófilos. Políticos e milionários e bilionários
Que fazem caridade sem nenhuma culpa Acreditando que dessa forma eles Não contribuem para a miséria do mundo.
Calma. Não. Não estou fazendo a sintomatologia De coisas ruins, catalogando ressentimentos e ódios. Não estou fazendo uma taxonomia dos ventos pútridos e malditos Que com suas lufadas destruidoras criam os párias da sociedade Aqueles que viram mendigos, que morrem de fome Por causa das guerras entre os ventos extremistas.
Não, não quero mais falar da virulência dos ventos Da violência de sua vida, de sua futilidade atávica Que pode ser encontrada Até mesmo quando os recordamos em seus inícios.
Quero ficar mudo. Esperando que venha uma nova brisa - azul e carinhosamente lenta Que toque suavemente meu rosto. Que me acaricie.
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Estou farto deste mundo esquizofrênico Que existe como se fosse uma asneira dita com uma seriedade real. Ou uma horrível piada de mal gosto calorosamente Aplaudida pelo público-zumbi que não está entendendo nada.
Não, não sei de nada. Nem de mim eu sei mais. Que venham, então, os ventos. E que eu continue Com os olhos marejados por causa De tudo isso que vejo e penso a cada dia. Tudo isso que sempre me faz acreditar menos no ser humano. Acreditar que as pessoas são boas. Que elas pensam nas dores dos outros. Definitivamente o mundo realmente não tem conserto.
É o fim. Que venham os ventos. Que eu os quero Desesperadamente vívidos, pulsantes e antagônicos. Enquanto isso eu faço minhas preces ao tempo. Diluído no agora que pulsa. É vivo. É intenso.
Não. Não. Os ventos escoiceiam abruptos Minha cabeça. Eu tombo ao chão. Pode-se pensar que estou morto, Mas ainda não. Algo como um fino e frágil sopro de vida ainda pulsa em mim. Muito lento, é certo. Muito incerto, delicado caminho para os finais da vida. Respiração cada vez mais lenta. Os sinais vitais apagando-se aos poucos Como se apaga uma lousa absolutamente Lotada de palavras, frases, conceitos Que pouco a pouco se diluem Até que cheguemos ao vazio. Ao nada.
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Até que não pensemos mais O nosso eu, o nosso existir na Terra. Até que saibamos como é a existência De um trêmulo vegetal. Ou de uma pedra. Tudo se apaga e eu me deito Neste quente colchão pontilhado De tantos flahses do instante. É bom quando posso ser Gratuitamente e mergulho Na cama. No sono reconfortante.
Agonizar mentalmente tem sido meu aprendizado cotidiano de como ser límpido e transparente.
Enquanto isso há os ventos, não, não Essa coisa aqui nunca acaba, nunca terá um fim. Eu poderia continuar até o nunca. Invento, então, um fim. Mas a conversa continua.
EDSON COSTA DUARTE nasceu em Pratápolis, MG, mas mudou-se para Campinas, SP, quando criança. Estudou letras na Unicamp (1988-1991), fez mestrado sobre a obra de Clarice Lispector (1992-1996), na mesma universidade, e doutorado na USFC (2002-2006), sobre a poesia de Hilda Hilst. Entre 2007 e 2009, fez pós-doutorado, no IFCH, Unicamp, sobre e prosa de Hilda Hilst. Publicou 4 livros e vários ensaios e textos literários em jornais e revistas impressos e na internet. Atualmente mora em Dublin, Irlanda. |