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FIO DE ARIADNE
UM BURACO DE AGULHA PARA O FIO DE ARIADNE
LOECY ROSA DAMÁSIO | Porto Alegre, RS.
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Se encontrasse Ariadne, pediria que lhe desse um fio. Mas um que passe através do buraco da agulha. Por que, afinal, fabricam agulhas com buracos tão estreitos? Devia haver só uma agulha, grande o bastante, e com um buraco largo. Pois [o fato parece este] estas agulhas não são grandes o bastante. Ariadne! Mas o que poderia fazer ao longo disso? Se as agulhas são fabricadas com este tamanho! Ora, mas Ariadne bem poderia ter pensado em um fio mais fino e mais curto! Por favor! Quem pensaria antes em um fio para buracos de agulhas, sem que houvesse agulhas? Porque o fato [e deve ser este] é esta desigualdade de dimensões. Qualquer bom costureiro [estes que se espetam enquanto costuram] reconhece tal desigualdade. E claro que xingam Ariadne! Porque [se] os buracos são costurados vazios, poderiam se alargar o bastante? Ariadne cometera um erro de cálculo. Mas nenhum bom costureiro apreende um erro tão largo! Deve haver uma ordem. Uma sequência. Ora, todo costureiro [mesmo o mau] sabe que há um primeiro ponto para que uma costura não descosture. É preciso um primeiro ponto. [E o fato] é que Ariadne costurou tudo primeiro. Foi isso. Pensou a costura, e agora o fio não atravessa bem os buracos. A ausência de um ponto! Claro que Ariadne não é uma costureira. Nem boa nem má! Não, nunca foi costureira! Pelos céus! Se tem algo que todo costureiro sabe é isto [e este era o ponto]: há uma ordem. Ariadne deveria descosturar tudo! Algum bom costureiro [este que já se espetou várias vezes] deveria conhecê-la só para dizer-lhe isto: Ariadne, é melhor descosturar tudo. Não que a costura não tivesse ficado boa. [Na verdade] é uma daquelas costuras que começam do nada, continuam até um certo ponto [nunca se sabe qual], até que não há mais o que costurar. É simples [todo costureiro sabe]: a costura entrelaça seus pontos. Claro que um bom costureiro pontua a costura. Mas nem o alfaiate dos alfaiates [e a agulha deveria reconhecer] costura uma veste para gregos e troianos. A questão é simples: o buraco da agulha e o fio de Ariadne são desproporcionais. E [por
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favor!] estas máquinas de costura! Um bom costureiro espeta os dedos! Deve-se costurar à mão. Não, máquinas de costura só alinhavam em linha reta. Melhor desistir da costura do que confiá-la a uma máquina! E Ariadne devia tê-lo feito. Não que tivesse costurado mal [Ariadne costura bem]. Só que é preciso um ponto. Um primeiro ponto a partir do qual a costura e a descostura são ambas possíveis. Pois há também este fato: é impossível descosturar o que não se costura. Pela alfaiataria! Se encontrasse Ariadne! Mas o que poderia lhe pedir? Afinal, dera-lhe o fio. E ele não atravessa bem o buraco da agulha. Mas lhe dera o fio. Deve, sendo assim, desfazer-se do fio? E costurar o quê? Bem, é isso. Não devia costurar. Está óbvio que Ariadne não pensou num fio para buracos de agulha. E isso pois não havia agulhas para espetarem dedos de bons costureiros. Nem havia costureiros! A questão é outra [para gregos e troianos!]: nada, senão um buraco, por mais estreito, concede a travessia de um fio. E o fio, ajustando-se para além do buraco, suspende uma agulha [que espeta os bons costureiros]. Talvez porque amarram as pontas. Ora, mas o que podem fazer os costureiros senão amarrar as pontas? Se não amarram, não podem costurar! Pois [e todo bom costureiro sabe] se não estão amarradas, a linha não costura. Não dá pontos. Uma descostura da costura enquanto se costura [só o que falta!]. Não. Deve haver um ponto. Estreitar a visão, à altura da agulha, para que a extremidade da linha se estenda o suficiente a fim de que costure [é isso]. E é bem verdade que todas as costuras se descosturam em algum ponto e as vestes rasgam. Mas é só uma questão de recosturar. Todo costureiro [até o mau!] sabe isto: só é preciso agulha e fio. Mas seria melhor procurar Ariadne antes de recosturar e pedir que lhe dê um buraco largo o bastante. Porque [a este comprimento] Ariadne já deve ter pensado nisso. Pelas barbas do profeta, se Ariadne [por acaso] pensou que os costureiros pensariam nisso! Pois costureiros só pensam em costura. Costuram primeiro. É uma questão de ordem. O costureiro e [dele] a costura. [E costurar {em si} costura o costureiro]. E só
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para dizer-lhe isto: Ariadne, é melhor descosturar tudo. Por tudo de sagrado! Os dedos já se espetaram o bastante! Não há costureiro [bom e mau] que já não teve os dedos espetados nestas agulhas que pesam o fio. Só as máquinas de costura não se espetam. Mas também! Só alinhavam em linha reta! O costureiro redobra a costura. Alfaiate de gregos e troianos. Ora, Ariadne nunca foi costureira! Pelos céus! Ainda assim, antes de recosturar, pediria à Ariadne um fio [que atravessasse]. Afinal, fabricam agulhas com buracos! E o que devem fazer os costureiros [senão esburacar costurando pontas]? Pela alfaiataria!
LOECY ROSA DAMÁSIO é formada em Letras [Licenciatura em Língua Portuguesa e respectivas Literaturas] pela PUCRS [Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. Pesquisadora em Teoria Literária e Escrita Criativa. Ex-integrante do grupo musical RimaQ’Age, em Campinas-SP. | LOECYDAMASIO@OUTLOOK.COM