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editorial editorial Filmar pelo prazer de filmar. Claire Denis. Before Effects. o cinema como única expressão possível. Aqui, ontem, catatau. “o impossível faça na hora. o milagre consinto que demore um pouco mais.” Chantal akerman filma para que o tempo não seja roubado. Terra deu, terra come. Cati. a ordem do cao(s) shizuko takamatsu. tokyo press_infinity. o menino que via luz. Ouro verde. Coyote está entre nós. o plano-seqüência de dois segundos. Sem planos. O plano não é mais possível. O que interessa é o fora de quadro. Brecht, sartre, doc eve. Ianckievicz anderson craveiro vê a luz. Helo passos ouve e sente,.
um é tinta o outro é número griffith, o pai de todos. Sempre.
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A Kinoarte (Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina) estréia em outubro desse ano o documentário Galeria, filme de estréia da londrinense Evelyssa Sanches. Rodado em suporte digital, o filme conta com patrocínio do Ministério da Cultura por meio do Edital Nós na Tela, iniciativa que oferece a ex-alunos de Oficinas de Cinema a possibilidade concreta de realizar um filme. Produzido por uma equipe local desde o começo desse ano, o documentário tem como objetivo principal registrar a trajetória do projeto Criando a Liberdade. Essa iniciativa, coordenada pelas atrizes do grupo teatral Atená, Letícia Ferreira e Ana Sardinha, tinha como meta realizar oficinas de teatro em meio ao ambiente carcerário, estimulando de forma direta uma discussão sobre a realidade prisional a partir do processo criativo da elaboração de uma peça. Realizado entre 2004 e 2006 em unidades prisionais de Londrina, o projeto chegou a ter cerca de 20 presos em seu ápice, contando até com uma apresentação especial no prestigiado Filo (Festival Internacional de Londrina). Entre os colaboradores do projeto estavam o ator, escritor e jornalista Apolo Theodoro, o diretor Luiz Valcazaras, o professor de filosofia Vanderson Teixeira e o ator Ed Sombrio. Em meio a exercícios teatrais, os integrantes das Oficinas chegaram a encenar dois textos: Entre Quatro Paredes, do pensador francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), e O Analfabeto
Político, do dramaturgo alemão Berthold Brecht (1898-1956). Inicialmente centrado na experiência desse grupo de teatro, o filme ganhou novo direcionamento quando, ainda na fase de pesquisas, a equipe optou por uma abordagem temática que não se restringisse apenas às oficinas realizadas nos presídios. A idéia agora seria inserir o conceito de liberdade no filme a partir de uma série de visualizações e questionamentos relacionados ao próprio processo criativo, uma atividade que pode ser considerada libertária em si mesma, como propõe a diretora do curta, Evelyssa Sanches: “Quando começamos, o documentário era uma tentativa de mostrar como a arte pode influenciar o meio onde ela está sendo produzida. No caso, os detentos que sofrem constantemente a opressão do sistema carcerário encontraram uma forma de transcender a realidade vivida: por alguns momentos, eles se tornam o que quiserem ser através dos personagens que representam. Porém, com o tempo, comecei a pensar que arte é uma forma possível de liberdade, porque a criação só ocorre quando deixamos todas as amarras e preconceitos de lado e mergulhamos num mundo sobre o qual nem sempre temos controle e nem sempre sabemos como será o resultado. Dessa forma, partimos para esse novo caminho que o documentário também poderia seguir. Um momento que expressa bem essa relação liberdade-arte surge na hora em que a professora Marta Dantas fala que ‘a arte tem que ser anárquica, e se a arte tem que ser anárquica, necessariamente ela tem que ser libertária, pois a anarquia só é possível em liberdade, sendo ela ideológica ou pragmática’”.
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ve Imaginário que reforça o real A partir desse novo recorte, pode-se dizer que o filme Galeria ganhou novas texturas. Ao ampliar a sua abordagem temática, a diretora Evelyssa Sanches introduziu na linguagem do seu documentário diversos procedimentos típicos de um filme de ficção, incluindo a encenação de uma peça de teatro e a produção de imagens abstratas como elementos não dissociativos da questão central do filme: pode a arte estimular a reflexão sobre o conceito de liberdade? Esses novos elementos, contudo, ao invés de transformarem o filme em uma peça de ficção, se desenvolveram em um sentido contrário, fortalecendo o aspecto documental do projeto: “Considerar o meu filme como um documentário porque tem depoimentos é uma questão de categorização. Eu acredito que, no momento em que você liga uma câmera na frente de um entrevistado, ele passa a agir de uma forma ficcional. Não que ele minta ou não fale a verdade, mas ele passa a formular os seus pensamentos de forma diferente do que seria uma conversa sem a câmera. Ainda assim, acredito que o nosso filme pode ser considerado um documentário, pois o único trecho realmente ficcional é a encenação de uma peça que montamos no antigo cadeião de Londrina, que é uma construção de 1939 e só foi desativado em 1994. O local está completamente deteriorado e essa peça se utilizou das antigas celas como se fossem instalações - isso nos proporcionou muitas imagens legais. Com essas imagens, conseguimos deixar o documentário com várias cenas ficcionais que só contribuíram para a estrutura geral do filme. Por exemplo, a cena em que Isadora Rara interpreta uma cigana que escreve obsessivamente nas paredes do cadeião é uma cena de ficção, porém, ela fala muito dos detentos que deixaram suas histórias naquelas paredes e dos detentos que entrevistamos. Quase todos nos disseram que escrever é a forma que eles usam para expressar o que sentem e o que pensam”, explica Evelyssa.
Galeria tenta fugir de dois modelos narrativos que poderiam limitar o alcance estético do projeto: o modelo televisivo, que visa apenas conjugar por alguns minutos uma série de depoimentos encadeados sob uma lógica elucidativa; e o documentário social, que se reveste do tema discutido no filme como um manifesto político e não atua a partir de uma perspectiva estética. Tão importante quanto a discussão sobre a liberdade no filme seria a discussão sobre o papel da arte seu fundamento e sua forma de atuação, explica a diretora: “Nossa intenção desde o princípio era tratar a arte como meio de libertação subjetiva, que possibilitasse aos detentos criar formas de conviver e compreender a situação que eles estão vivendo, mas o tempo todo sem criar discussões sociais - algo necessário, claro, mas que não cabia no documentário. Nas entrevistas, as pessoas já chegavam com uma tentativa ou de falar mal ou de defender o sistema carcerário, mas logo percebiam que a gente não queria tratar desse assunto, porque em momento nenhum perguntávamos nem do sistema e nem os porquês deles estarem ali. Nunca passou na cabeça de ninguém da equipe essa coisa de querer mostrar que ‘aquele cara é bandido’, ou ‘que coitado deles’. Nossa intenção era mostrar como a arte pode mudar aquele momento da vida daqueles homens. Também não tentamos mostrar ou defender que a solução de todos os problemas é a arte. Ela até pode ser, mas depende de cada um. Não queríamos impor nenhum pensamento a
ninguém, porque de certa forma a arte também é isso: liberdade de expressão e de interpretação das expressões do outro”. O filme contém trechos de uma peça encenada pelo grupo de teatro que realizou o projeto Criando a Liberdade com ambientação em um antigo presídio desativado de Londrina, que fora palco em 2002 da peça Apocalipse I, 11, do grupo Vertigem, e do curta-metragem Nem Todos que Estão São. Nem Todos que São Estão, produção coletiva realizada durante uma Oficina de Documentário promovida pela Kinoarte em julho de 2005 sob a coordenação do cineasta Kiko Goifman. A concepção visual do filme foi criada a partir de um sentimento de desolação, de degradação do tempo – quase uma decomposição orgânica, explica o diretor de fotografia, Anderson Craveiro: “O diretor de arte Felipe Augusto havia sugerido uma paleta de cores que se aproximasse de algumas ilustrações de James Jean (artista nascido em Taipei/Taiwan, que cresceu em New Jersey e vive hoje em Los Angeles), mais especificamente de suas obras Maze (2008), Hive (2008) e Sink (2006). Vê-se nessas obras a predominância de tons terrosos que oscilam entre o ocre, verde claro/escuro e cinza. Essa gama de cores nos guiou a definir a paleta do filme como ocre/ cinza esverdeado. Além das penitenciárias em funcionamento, tivemos acesso a uma cadeia desativada onde, além da paleta citada acima, acrescente a deterioração e textura, proporcionando um clima pesado e medonho. Esses tons naturais dos ambientes por si só já nos transmitem certa idéia e sentimento de melancolia conseqüente do aprisionamento, da espera. Por isso, não foi necessário intervir de forma direta no ambiente ou mesmo alterar as cores. Dessa forma, trabalhamos com temperaturas de cor médias entre 3900K a 4900K utilizando algumas vezes o realce do verde no color level”, explica Anderson Craveiro, diretor do curta João Pipoca (2004) e co-diretor de fotografia do curta Londrina em Três Movimentos (2004).
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Imagens orgânicas A fotografia em Galeria potencializa uma incapacidade de apreensão do tema de forma plena e imediata, já que por meio de sombras e vestígios surgem apenas indícios, vultos de um conceito que não pode ser facilmente apreendido nem traduzido (como é o caso do conceito de liberdade). O ambiente de uma antiga cadeia desativada, nesse caso, se revelou o ideal para a construção da abordagem visual do filme: “Ali temos desde a composição mais racional (devido à geometria do ambiente) até a composição mais abstrata proporcionada pela textura desgastada das paredes (somadas a depoimentos escritos e colagens realizadas pelos detentos que ali viveram). Optamos por explorar essas duas formas de composição. Esse processo se deu de forma puramente instintiva, como dizia o grande mestre Mário Carneiro, ‘Não uso regras pré-estabelecidas; uso o instinto
quando estou filmando’. Estando no ambiente, você sente onde estão os melhores lugares, desenha a luz e arrisca os planos. De repente, vamos vendo que na composição visual mais racional, principalmente nos planos gerais mais contemplativos, estamos expondo o ambiente das regras, da institucionalização. Quando vamos para a composição visual abs-trata, principalmente nos planos mais fechados, vemos o ambiente orgânico, vivo ou vivido, resquícios de um sistema sub-humano e, ao mesmo tempo, o questionamento do que é a liberdade. Dessa forma conseguimos driblar as limitações e deixar o filme mais enigmático e reflexivo”, observa Craveiro. Para compor o cenário da peça ambientada no antigo cadeião de Londrina, foram produzidas fotos de lugares variados de Londrina, aliadas a uma composição de cena muito próxima de uma certa anarquia: “As fotos que foram projetadas foram tiradas em Cromo e reveladas no processo invertido para a busca de uma textura e cor diferenciadas do simples digital. Nas discussões com a diretora sobre a construção do figurino e a própria instalação, ela teve a idéia de uma possível alusão à obra do (Arthur) Bispo do Rosário”, complementa o diretor de arte Felipe Augusto, diretor dos curtas Patologia da Balbúrdia (2007), Fita do Tempo Tempo da Fita (2008) e Alguns Olhos Nunca Dormem (2008).
FICHA TÉCNICA_GALERIA (PR, doc, cor, 15 min, HD, 2010) Direção: Evelyssa Sanches Produção: Bruno Gehring Direção de Fotografia e Câmera: Anderson Craveiro Direção de Arte: Felipe Augusto Elenco: Ana Sardinha, Danilo Lagoeiro, Isadora Rara, Jonas Batista da Silva, Letícia Ferreira e Sidney dos Santos Depoimentos: os internos Edson Alves Souza, Heuler Johnny de Almeida, Jonas Batista da Silva, Juliano Bento, Sidney dos Santos e Sinivaldo Domingues Neves; o chefe de segurança José Roberto dos Santos (Jota), o carcereiro Gilson Battini, o Capitão Diógenes Gonçalves, o Major Raul Leão de Araújo Vidal, as psicólogas Lilian Chanquini Fernades, Iris Mirian do Nascimento e Isabel Cristina Martins; os atores Ana Sardinha, Apolo Theodoro e Letícia Ferreira; e os professores Gabriel Giannattasio, Marta Dantas e Vanderson Teixeira Montagem: Rodrigo Grota Som Direto: Bruno Bergamo Assistente de Direção e Assistente de Montagem: Artur Ianckievicz Still e 1º Assistente de Fotografia: Guilherme Gerais Eletricista-chefe: Danilo Miranda Cenotécnico: Ricardo “Carioca” Assistentes de Arte: Natália Turini & Yara Balboni Projeto Gráfico: Felipe Augusto & Guilherme Gerais Trilha Sonora: Mizão e Sassá Patrocínio: Ministério da Cultura – Secretaria do Audiovisual Realização: Kinoarte – Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina
Em julho desse ano, em meio ao 5º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, duas produções uruguaias se destacaram: Hiroshima (2009), de Pablo Stoll, e A Casa Muda (2010), do diretor estreante Gustavo Hernández. O primeiro filme, realizado pelo co-autor de Whisky (2004) e 25 Watts (2001), mostra um dia na vida de um jovem em meio a uma Montevidéu solar e ao mesmo tempo tediosa. É uma espécie de desenvolvimento do tema central dos seus longas anteriores, realizados em parceria com Juan Pablo Rebella (falecido em 2006), mas que traz agora uma nota de esperança, como se fosse possível reencontrar a vida diante de tanta melancolia. Hiroshima custou cerca de 100 mil dólares (de acordo com os seus produtores), conta com uma trilha sonora excelente (repleta de bandas de rock da cena underground uruguaia), é mudo e está recheado de planos-sequência em que o protagonista fuma maconha. É um grito de liberdade, registro de uma geração que, desiludida, se vê obrigada a continuar. A Casa Muda, por sua vez, fora exibido no Festival de Cannes, se insere no gênero de cinema de terror e é extremamente bem realizado ao pequeno custo de 6 mil dólares (novamente segundo os produtores). Também rodado em uma série de longos planos-sequência, o filme conta com um visual sombrio e fascinante produzido pelos efeitos da Canon 5D Mark II, a câmera predileta da nova cena independente. Ao assistir a esses filmes, fiquei tão fascinado com a experiência uruguaia que comecei a me perguntar: mas, e o Brasil? Temos filmes que se inserem nesse contexto?
Bem, no 38º Festival de Cinema de Gramado, realizado na serra gaúcha entre 6 e 14 de agosto de 2010, encontramos alguns exemplos de filmes muito ricos em proposta de linguagem e que foram realizados a baixíssimos orçamentos. O maior exemplo nesse caso é a nova experiência do realizador mineiro Cao Guimarães com o filme ExIsto (2010), obra já analisada em outra seção desta taturana. No ano passado, uma produção gaúcha tinha se destacado como uma das obras mais interessantes do festival: Morro do Céu (2009), de Gustavo Spolidoro. Neste ano, um antigo parceiro de Gustavo na produtora Clube Silêncio fez a sua estréia no formato longa-metragem – o filme A Última Estrada da Praia (2010), de Fabiano de Souza, fora realizado a partir de um edital para a TV com orçamento estimado de 200 mil reais. Fabiano é um conhecido diretor de curtas, é professor de cinema e colabora com a revista Teorema, publicação semestral editada por um grupo de críticos gaúchos. Seu filme é inspirado em O Louco do Cati, de Dyonélio Machado, foi rodado com uma Panasonic HVX 200 e expressa em cada frame o prazer que a equipe teve em fazer esse filme. Impossibilitado de integrar a Mostra Competitiva Nacional por ter sido exibido em uma versão menor por uma TV de Porto Alegre, A Última Estrada da Praia se destacou na Mostra Panorâmica, seção que os curadores do Festival de Gramado, José Carlos Avellar e Sérgio Sanz, reconhecem como uma das mais interessantes do festival. O primeiro ponto alto do filme é a sua honestidade: Fabiano realizou uma obra a partir de um contexto que lhe é muito familiar – sente-se em cada cena que os jovens atores estão interpretando experiências viscerais muito próximas de uma certa postura diante do mundo. Ao iniciarem sua jornada, os protagonistas mostram predileção por tudo que se relaciona a um contexto marginalizado, analógico, tradicional – há sempre a negação da alta tecnologia, do mundo civilizado e suas possibilidades de conforto em meio à vida urbana. Como companheiro silencioso de viagem está um rapaz extremamente singular, do qual não sabemos o nome e não conhecemos a vida pregressa. O filme acaba concretizando uma jornada ao desconhecido, que opta sempre pela vida em detrimento a tudo o que é controlado, previsto ou até mesmo racionalizado. O fim do percurso dramático dos dois protagonistas, consegue, mesmo sendo conclusivo, não exagerar na auto-explicação. A contradição final reserva duas possibilidades de destino e ninguém é condenado por suas escolhas. Um filme livre, revestido do prazer de compor o quadro, de ouvir a música bem alto durante as cenas e que também registra praias desertas do Sul como
uma espécie de lembrança do futuro. Outra boa surpresa desse Festival de Gramado – agora no gênero documentário – foi o filme Terra Deu, Terra Come (2009), de Rodrigo Siqueira, Melhor Filme da Mostra Panorâmica segundo o júri formado por estudantes de cinema. A produção já havia saído vencedora do último É Tudo Verdade e recebeu elogios de gente como João Moreira Salles e Eduardo Coutinho. Este último, segundo Siqueira, teria chegado à redação da Revista Piauí comentando entre os amigos que havia visto um filme maravilhoso, que trazia um personagem que entraria imediatamente para o contexto da cultura popular brasileira no cinema. O personagem em questão é “seu” Pedro de Almeida, garimpeiro de 81 anos de idade que comanda o velório, o cortejo e o enterro de “seu” João Batista, morto aos 120 anos. O impacto inicial é de que estamos diante de Guimarães Rosa em imagens – a fala, a cantoria, as expressões faciais, o gestual – tudo remete ao universo do criador de Grande Sertão: Veredas. A expressão “Nonada”, por exemplo, que abre o romance de Guimarães, é pronunciada por “seu” Pedro sob uma expressividade assustadora. Esse homem humilde e de fala agitada, muito inteligente e extremamente místico, nos revela a sua cultura, o seu mundo, como se não houvesse uma equipe de filmagem a mediar essa relação, tamanha é a espontaneidade. O diretor Rodrigo Siqueira, uma espécie de personagem do filme e ao mesmo tempo um espectador que pode interagir diante dos seus entrevistados, soube construir um retrato muito afetivo e respeitoso de um universo que invariavelmente é registrado sob a óptica do exótico. Para além da fotografia exímia de Pierre de Kerchove (que, segundo Siqueira, contou apenas com uma “chinesinha” - luz artificial bem suave), o filme celebra a literatura de Guimarães por meio de uma prosódia tão expressiva quanto rica em mistérios. Uma ode à literatura e ao Brasil profundo sem pretensões literárias ou sociológicas. Ainda entre os filmes apresentados em Gramado podemos destacar uma produção realizada a custo zero: Chantal Akerman, de Cá (2010), do realizador carioca Gustavo Beck, autor também de A Casa de Sandro (2009) e do curta-metragem Ismar (2007). O filme contém uma entrevista de cerca de uma hora com a realizadora belga Chantal Akerman, um dos principais nomes da geração pós nouvelle vague na França junto a Jean Eustache, Maurice Pialat e
Philippe Garrel. A entrevista é conduzida em inglês pelo crítico carioca Leonardo Luiz Ferreira e aborda os principais temas da obra de Akerman, assim como expõe explicitamente o dispositivo que é utilizado para a realização desse filme. Ao longo dessa conversa vemos cliques de fotos de still, ouvimos ruídos do ambiente exterior e até mesmo o que ocorre após o diálogo final. Esse desnudamento do processo criativo do filme insere em sua análise um rico paradoxo: ao mesmo tempo em que Gustavo e equipe dizem: “Olha, isso é um documentário”, o filme é construído de tal forma que surge a impressão de que estamos diante de uma obra de ficção. Isso seja porque Chantal Akerman tem uma fala pausada, estilosa, e está sempre agindo de forma inesperada (principalmente no que se refere ao seu gestual, à expressividade do seu corpo), como também porque é a personagem Akerman diretora (e não a Akerman real) que está ali a falar com os realizadores. Chantal Akerman está e não está no filme. Há ali a personagem e o comentário sobre sua obra. Por outro lado, esse filme não está preocupado em encontrar uma verdade definitiva sobre o seu tema, muito menos ser uma peça de introdução didática a esse cinema proposto por Akerman. O filme é quase um ensaio crítico, um deleite para os fãs da diretora e para todos os que se interessam por um cinema pessoal. A questão do tempo evocada pelo crítico Leonardo recebe uma resposta muito rica de Akerman – ela diz que em seus filmes o espectador sente o tempo da narrativa, sente fisicamente o ato de assistir a uma série de imagens em movimento justamente porque ela não quer iludir o espectador, não quer lhe roubar algo. Ela gosta de que o público mantenha a consciência de que está assistindo a um filme. Essa idéia está totalmente impregnada no filme de Gustavo Beck, assim como moldava seu primeiro longa. Trata-se, portanto, de uma obra fiel à sua personagem justamente pela forma como constrói a ficção por vias indiretas e como esculpe o tempo sem ao menos cortar a cena. É um filme de material bruto, a ser lapidado, potencializando a relação com o espectador como se esse fosse co-autor dessa obra. Entre as características que unem esses três filmes brasileiros citados, além do suporte digital, do baixo orçamento e do êxito estético, gostaria de ressaltar que são todos diretores jovens, e que parecem conversar entre seus amigos sobre a atividade de realizar filmes. Isso talvez seja algo essencial – algo que a nouvelle vague fazia, os pernambucanos fazem e o cinema brasileiro de mercado parece ignorar – filmes feitos de forma coletiva preservam melhor a unidade de espírito e o sentimento expresso pela imagem. A partir da experiência em grupo, o autor reconhece a sua identidade de forma mais clara. O cinema brasileiro, que tanto oscila entre o mercado e uma herança social do cinema novo, pode encontrar caminhos para respirar novamente e aí está um deles – filmar pelo prazer de filmar. Sempre.
David Wark Griffith, um dos pais da linguagem cinematográfica, foi também um dos primeiros cineastas a refletir sobre a natureza dos filmes e a apostar no cinema como o mais universal dos meios de expressão. O texto que aqui apresentamos, publicado inicialmente em 1921 nos Estados Unidos, ganhou uma revisão histórica em uma edição da revista Cahiers de Cinema em 1967 com tradução do inglês para o francês de Noel Burch e André S. Labarthe. Labarthe, aliás, é o autor da nota introdutória mantida aqui na íntegra – a ideia é preservar a importância dessa reflexão produzida nos anos 60 sobre um pensamento originado no cinema mudo. Por questões de espaço, optamos por privilegiar os principais momentos da reflexão de Griffith em nossa versão impressa, apresentando também a versão integral em nossa página na internet: revistataturana.com. A tradução do francês para o português foi realizada por Artur Ianckievicz. *** O texto o qual nos propomos a tradução abaixo foi publicado em julho de 1921 em uma revista novaiorquina, “The Mentor”. 1921: com 46 anos, Griffith está no topo de sua glória. Ele tem atrás de si mais de 500 filmes, entre eles: The Birth of a Nation (O Nascimento de uma Nação, 1915), Intolerance (Intolerância, 1916), Hearts of the World (Aos Corações do Mundo, 1918), Broken Blossoms (Lírio Partido, 1919), Way Down East (As Duas Tormentas, 1920). Dez anos mais tarde ele assinará sua última obra: The Struggle (1931). Esse texto espantará primeiro por sua ingenuidade: é um texto de vulgarização, que não se endereça a uma elite, mas visa, de fato, a um número maior de leitores. Entre duas profissões de fé, Griffith sobrevoa a história técnica e estilística do cinema até suas próprias descobertas. Dessas descobertas – aquelas que as Histórias do Cinema o creditavam há tempos – Griffith tem plena consciência. Mas sabemos também que ele era bastante suscetível no capítulo de prioridades: quando Iris Barry lhe sugere uma influência do cinema dinamarquês, Griffith desmente categoricamente afirmando nunca ter visto um filme dinamarquês (ainda que estes fossem largamente distribuídos nos U.S.A. de então). Plena consciência, dizíamos. A primeira observação que se impõe à leitura desse texto é que, independente do quão consciente fosse, Griffith é um inventor empírico, empurrado para suas inovações estilísticas pela própria prática de sua arte. Na verdade, ninguém é menos teórico que ele, ninguém menos levado a analisar suas descobertas – contudo, como vamos ver, ele sabe reconhecer o alcance. Quanto à aula de Griffith – as conseqüências teóricas de sua obra – foram os russos que tiraram as primeiras conclusões (não nos esqueçamos que Lenin trouxe Intolerance desde 1919), a começar por Eisenstein, Pudovkin e Kuleshov.
A segunda reflexão que pode inspirar esse texto (mais evidentemente em sua versão original) é que no momento em que Griffith escreve a terminologia própria ao cinema ainda não estava fixada, mas “flutuava” entre vocábulos aproximativos formados a partir de horizontes vizinhos (o teatro, o romance, a fotografia). Assim os termos “photo-tale”, “photo-play”, “screenplay”, “photodrama” – todos termos que o vocabulário francês de cinéroman só traduz imperfeitamente (e o que significam esses termos se não o estado histórico, hoje em dia ultrapassado de um vocabulário em plena evolução?). Além disso, a realidade que essas palavras encobrem não é necessariamente a mesma de uma língua para outra. Uma vez que a língua inglesa parece somente decupar uma realidade empírica, de ordem operacional (é o que aprendemos com as inúmeras entrevistas com realizadores americanos há 15 anos nessas Cahiers), parece que o gênio da língua francesa seja de decupar ao mesmo tempo duas ordens de realidade: uma realidade empírica e uma realidade conceitual: tudo acontece como se o gênio anglo-saxônico consistisse em multiplicar as palavras para apreender a trama empírica do real, o gênio francês estando mais propenso a dividir o sentido das palavras para refinar seu poder de análise e manipular melhor os conceitos. O cinema, disse essencialmente Griffith (depois, sem dúvida, e, de qualquer maneira, antes de vários outros), é o mais universal dos meios de expressão. Sem dúvida. Mas, e os filmes? Mas e as imagens desde que elas sejam investidas por um homem que lhes olha, lhes penetra: lhes fala? Esperanto ou Torre de Babel? André S. Labarthe. Pouco depois do lançamento do meu primeiro filme de guerra Hearts of the World, recebi uma carta de um eminente historiador. Essa carta me será muito querida para sempre, particularmente por causa da seguinte passagem: “Daqui pra frente, é preciso dividir a História em quatro grandes épocas: a Idade da Pedra, a Idade do Bronze, a Idade da Imprensa – e a Idade do Cinema. Com somente um filme, você criou um documento humano essencial que encarna o espírito e a alma da guerra com um realismo mais profundo que todos os livros sobre esse assunto em conjunto”. Lembre-se das notícias sombrias que chegavam do front até nós durante a primavera de 1917. O Primeiro Ministro, dizem, trouxe os grandes gênios da Inglaterra e se aconselhou com eles quanto às maneiras mais rápidas e eficazes de reforçar o moral das nações. Barrie, Wells, Shaw, Bennet, Galsworthy, Chesterton, assistiram
todos a essa primeira reunião. O que eles poderiam fazer para abrir os olhos do resto do mundo sobre o que se passava nesse forte sangrento? Como insuflar à América o ardor necessário para se engajar na guerra justa? Eles deveriam unir seus talentos para escrever um livro? Ou uma peça de teatro de alcance universal? Foi decidido no fim das contas que o veículo mais apto a servir eficazmente à Inglaterra e aos Aliados seria um drama da humanidade, fotografado no próprio teatro das operações. Eu sempre terei prazer em me lembrar de que o telegrama mandado à América foi endereçado a mim pessoalmente. Como os macedônios a Paulo, eles me enviaram essa mensagem: “Venha para cá e nos ajude”. A resposta lhes informou que eu estava em Londres, no Savoy Hotel. Nesse mesmo dia eu tinha intenção de embarcar para a América. Ao invés disso, fui ao número 10 da Downing Street para me entreter com David Lloyd George, Primeiro Ministro da Inglaterra. Eu estava orgulhoso de ter sido escolhido para dirigir um filme sobre esses eventos de tamanho alcance histórico. Mas o que me tocava mais era esse reconhecimento oficial do poder do cinema quando se trata de contar uma história, de estimular um público, de perpetuar um evento. A visão, função essencial De cada 100 impressões coletadas pelo espírito, 87 são transmitidas pelos olhos. O amor ao movimento é instintivo no homem. Amamos olhar o mundo se mexer. E para todos e para cada um é um prazer ver o mundo, e sua mulher, e seus filhos consumirem suas vidas nesse “palco vertical” que é a tela. Um sábio nos informou que enquanto assistimos a um filme cumprimos o ato mais fácil que um homem possa cumprir, “pelo menos no que diz respeito às reações intelectuais suscitadas pela presença de um mundo exterior. O olho do cinema é o mais primitivo que existe. Quase podemos dizer que o cinema nasceu da lama dos primeiros oceanos. Assistir a um filme é se tornar novamente primitivo. E é porque o cinema exige somente as faculdades humanas mais primitivas que ele atinge uma popularidade assustadora”. M. Dana não afirma, naturalmente, que o cinema é “fácil de se olhar”. Tenho certeza que ele concorda comigo reconhecendo que coloca a duras provas tanto o olho quanto o espírito.
As imagens constituem o primeiro meio do qual o homem se serviu para transcrever seu pensamento. Encontramos esses pensamentos primitivos gravados na pedra, nas paredes de grutas ou nas encostas de altas falésias. É tão fácil para um Finlandês quanto para um Turco compreender a imagem de um cavalo. A imagem é o símbolo universal, e uma imagem que se mexe, uma linguagem universal. Alguém disse que o cinema “talvez solucionaria o problema da Torre de Babel”. A câmera cinematográfica é o veículo da democracia. Ela derruba as barreiras entre raças e classes. A demonstração visual é o mais eficaz dos métodos de ensino. Os propagandistas o sabem bem. Os educadores dizem que uma lição aprendida por meio do cinema é mais difícil de esquecer que qualquer outra. O cinema eclode para nós as pétalas das flores, descobre para nós os segredos das borboletas. Ele nos faz assistir aos grandes eventos. Ele nos ergue até o topo das montanhas, nos faz descer até o fundo do mar, nos arrasta aos pólos – literalmente aos confins. Freqüentemente a câmera conta o argumento de um romance popular melhor do que a pena. Eu penso que isso é verdade sobre vários filmes adaptados de romances célebres. Na tela, Ibsen, Hugo, Barrie, Mark Twain conheceram novos triunfos. Naturalmente, um diretor de cinema deve saber distinguir entre o que é exprimível por gestos e o que não é. Quando se trata de traduzir para a tela o argumento de uma peça, o diretor de cinema possui sobre o diretor de teatro uma porção de vantagens evidentes. Em uma peça filmada é possível mostrar peripécias e cenários que no teatro só seria possível evocar em diálogo. Para desvelar a personalidade de um personagem, o close é uma ferramenta mais eficaz do que qualquer procedimento cênico. Quanto ao flashback, sua utilidade reside na reunião de elementos do roteiro e da exposição das motivações. A ciência e a invenção Quem inventou o cinema? Entre os 13 milhões de espectadores cotidianos que pagam por seus assentos nas 30 mil salas
de cinema dos Estados Unidos, são poucos os que se dão conta do quão longa e imponente é a lista de homens que contribuíram para a invenção do cinema. São numerosos e diversos aqueles que desempenharam seu papel na elaboração técnica do que se tornou hoje o mais popular dos meios de expressão dramática. Foi Lucrèce, físico romano nascido por volta de 96 a.C., que formulou o primeiro princípio científico das imagens que se movem, ou melhor, das imagens que parecem se mover. Porque o movimento, no cinema, é uma ilusão. Vocês todos viram garotos rodar uma pedra no fim de um barbante e vocês se lembram que o efeito produzido é de um círculo contínuo. O olho retém a impressão de um objeto durante cerca de 1/16 de segundo após o objeto ter passado ou desaparecido. Quando o garoto faz a pedra girar, o olho do espectador retém sua imagem durante uma fração de segundo após cada etapa sucessiva da revolução. Em outros termos, a visão persiste. A imagem de cada posição se confunde com a próxima. Quando uma bobina de película passa por um mecanismo e é projetada sobre uma tela por meio de uma lâmpada, o efeito obtido é de um movimento interrompido. Você só precisa ver uma bobina de filme depois da revelação: você verá uma série de imagens. Só depois de comparar com cuidado as imagens entre elas que você poderá detectar uma modificação. Na realidade, uma imagem de cinema é uma seqüência de fotografias fixas representando poses diferentes e aumentadas cerca de 35.000 vezes por uma lanterna de projeção. O ano de 1872 foi decisivo para o desenvolvimento de análises fotográficas do movimento. A fim de determinar se um cavalo perdia totalmente o contato com o chão durante seu galope, um agrimensor inglês de nome Edward Muybridge fotografou vários clichês de um cavalo de corrida californiano. Ele começou alinhando 24 câmeras fotográficas, distantes alguns centímetros algumas das outras. Ele colocou através da pista alguns barbantes amarrados aos obturadores. No momento que o cavalo passava, os cascos enganchavam nos barbantes e acionavam os obturadores, o que provocava a exposição das chapas. Essa experiência permitiu determinar que em intervalos regulares o cavalo perdia todo o contato com o solo. Alguns anos mais tarde, Muybridge surpreende o mundo fotografando os batimentos do coração de um cachorro. A invenção de película em rolo foi tão importante para o futuro da indústria quanto foi a da agulha com buraco para a máquina de costura de Elias Howe. A película flexível empregada hoje nas câmeras do tipo corrente é do mesmo formato que aquela apresentada por Edison há 30 anos. O filme é munido de perfurações laterais que se engrenam ao eixo denteado que guia a tira de filme através de câmeras e projetores. O desenrolar de uma bobina dura 13 ou 14 minutos. Thomas Edison, inventor da película em celulóide, fez a primeira demonstração
de seu Kinematoscope em 1893. O americano Edison, os franceses Lumière e o inglês Paul; todos contribuíram para proporcionar divertimentos aos espectadores do mundo inteiro. O primeiro espetáculo de cinema Um dia do mês de junho de 1894, um ajudante geral chamado Jenkins reencontrava sua cidade natal de Indiana. Empregado no Departamento do Tesouro Nacional em Washington, ele estava aproveitando suas férias anuais. Ele havia sido precedido por um pacote postal misterioso. Quando desembrulhado, ele chamou os vizinhos para lhes mostrar o que devia ser o primeiro espetáculo cinematográfico da História – a primeira projeção de filme sobre uma tela. Quando Jenkins mostrava seus filmes em uma exposição, em Atlanta, as pessoas se recusavam a pagar por seus lugares antes. Foi preciso que o organizador das sessões deixasse as pessoas assistirem ao milagre antes de convencê-las de que não se tratava de uma vigarice. A junção de Jenkins com os precedentes Edison e Jenkins-Armat fez nascer o Vitascope, melhoria radical em relação aos outros mecanismos pelos quais a gente assistia através de uma espécie de mira. O primeiro “longa” metragem foi The Great Train Robbery. Tinha 1 800 pés (aproximadamente 550 metros. NR.) e custara 400 dólares. A visão desse filme causa um grande espanto no público. Há 12 anos os “picture acts” aconteciam nos programas de music-halls populares enquanto no Museu Éden de Nova York eram projetados os “topicals” de Edison. Foi perto dessa época que eu comecei a fazer filmes no antigo estúdio Biograph na Rua 14, em Nova Iorque. Treze anos se passaram desde então e eu dirigi 500 filmes. Alguns de meus cine-romances foram criados sob condições difíceis. Quando propus de rodar um filme em duas bobinas meus financiadores declararam que nunca ninguém assistiria até o fim de um filme desse tamanho. Encontramos uma solução que consistia em dividir o filme em duas partes. Intitulamos a primeira His Faith e a segunda His Faith Fulfilled. O público gostou e pediu mais. Pouco tempo depois eu dirigi um filme com cinco bobinas The Escape, então houve o primeiro drama em dez bobinas: The Birth of a Nation. Em nossos dias, a maior exigência de produção cinematográfica foi que os cenários, a iluminação e a fotografia deviam ser tão refinados quanto a atuação e a direção dos atores. Projetores potentes permitem inundar interiores com uma luz mais forte que a do sol e mais fácil de controlar. Sob o teto de um estúdio a chuva nunca atrapalha uma filmagem. Lá onde queimam as lâmpadas de arco o tempo é bom todo dia. Meu estúdio de Orienta Point, em Long Island Sound, não possui nenhum estúdio a céu aberto. Mesmo na Califórnia, os diretores estão abandonando os estúdios iluminados pelo sol e aderindo àqueles equipados com “Kliegs” e “CooperHewitts” de última moda. Freqüentemente até mesmo os cenários exteriores são construídos em estúdio com melhores resultados do que se o tivessem sido feitos no solo ou em locações naturais. O mundo se move rapidamente, e nada no mundo se move
tão rapidamente quanto o cinema. Em 15 anos ele passou do estado experimental para o de uma gigantesca indústria. Todo ano, nos Estados Unidos, gastamos meio bilhão para fazer dramas, comédias, filmes educativos, desenhos animados, atualidades filmadas. Atualmente o diretor dispõe de vários processos novos: a abertura e fechamento em “fondu”, o movimento para trás, o close, o desfoque artístico, a vinheta, a sobreposição, a imagem composta. Se eu tivesse tido tino comercial, teria patenteado alguns desses processos e ganhado mais dinheiro do que se fizesse filmes durante 100 anos. A primeira vez que fotografei os atores de perto, meus produtores e espectadores condenaram a técnica porque ela só mostrava o rosto dos meus personagens. Atualmente a maior parte dos diretores se serve do close para levar ao espectador um conhecimento íntimo das emoções do ator. Quando, durante a filmagem de Birth of a Nation, eu quis rodar um “plano geral” de um vale repleto de soldados, minha equipe se opôs formalmente. Até então, na tela, um exército era formado por meiadúzia de homens de uniforme. O resto das tropas era deixado à imaginação. Eu adotei o movimento para trás para criar suspense. Ingrediente que até ali fazia falta ao cinema. Ao invés de mostrar um plano contínuo de uma garota trazida à superfície dentro de um tonel, eu intercalava os movimentos para trás que contribuíam para a compreensão da cena. Em nossos dias um “cine-romance” seria conside-rado seco e irritante sem o derivativo trazido por esses processos que hoje são tão familiares. Desenvolvemos recentemente uma tela que permite ver filmes à luz do dia. Há muito tempo o Sr. Edison e outros inventores trabalham na associação da voz e da imagem. Eu adaptei algumas partes de Dream Street (1921) usando de “imagens falantes” melhoradas. Acredito que a combinação gramofone-projetor tem um grande futuro. A fotografia em cores abre possibilidades fascinantes. Graças a dispositivos recentemente patenteados é possível registrar com precisão cores doces e naturais sem os “saltos” que uma vez alteraram as imagens tingidas. Ainda resta muito a fazer para melhorar os métodos de distribuição e de operação dos filmes. Eu espero que chegue um dia no qual não será permitido ao espectador entrar depois do início do filme – que as anárquicas boasvindas das salas atuais desaparecerão. Quando esse dia chegar, o público terá para o espetáculo cinematográfico os mesmos olhares que tem hoje para uma peça de teatro. Este é só um aspecto do problema que envolve a todos: como transformar uma indústria em arte e como satisfazer as exigências de um público cultivado. Porque, para parafrasear Walt Whitman, “se queremos grandes filmes, nos é necessário também um público de qualidade”. David Wark Griffith
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Heloisa Passos é uma das mais respeitadas diretoras de fotografia do cinema brasileiro contemporâneo. Sua filmografia inclui a colaboração com diretores como Marcelo Gomes, Karim Aïnouz, Beto Brant, Caetano Gotardo e Vera Egito, entre outros. Também realizadora, Helô dirigiu os curtas Viva Volta e Osório, desenvolvendo uma estética muito pessoal e que ao mesmo tempo está em constante diálogo com algumas vertentes do cinema contemporâneo. Dividida entre São Paulo e Curitiba, a diretora de fotografia atendeu ao pedido da revista taturana e comentou seu processo de criação com foco específico em Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (possivelmente o melhor longa brasileiro de 2009) e no curtametragem Areia, realizado em 2008 e que traz uma abordagem extremamente singular e cuidadosa daquilo que compõe nossa memória afetiva.
“Comecei a fotografar filmes no final dos anos 90 – em 1998 passei o ano experimentando a técnica e o desafio de fotografar publicidade, como sócia de uma produtora em Curitiba. Por algum motivo forte e subjetivo, deixei a produtora e fui atrás do desconhecido, do novo, do que poderia naquele momento fazer de mim uma artista. Desde pequena briguei pela liberdade e posso dizer que a conquistei trabalhando, fazendo filmes. Através da câmera eu descobri um jeito de me expressar, comunicar, expor, gritar e me deixar transbordar. Com o olho no visor eu aprendi a ouvir e foi onde eu descobri o silêncio. Em 1999 eu tive o privilégio de conhecer o sertão com Karim Aïnouz e Marcelo Gomes. Eles estavam pesquisando, descobrindo e redescobrindo um lugar que lhes pertence e que eu estava conhecendo – tão árido e tão colorido. Começamos nossa viagem em Juazeiro do Norte, véspera da Festa de Nossa Senhora das Dores. A Basílica, os vendedores ambulantes, o parque de diversões, os caminhões lotados de fiéis que cruzavam a nossa câmera. Entrei num desses caminhões e, deitada na lona daquele pau de arara, fui tomada por um mar de cores e sons, até focar uma senhora que estava a centímetros de mim. Fui então hipnotizada. Era o primeiro dia de pesquisa de um filme que até então se chamava CARRANCA DE ACRÍLICO AZUL PISCINA. Enfeitiçados, passamos alguns dias em Juazeiro, com muitas conversas à beira da piscina de um hotel de muro verde. Seguimos caminho com nossas câmeras, minha Nikon F4, uma Bolex (16mm), uma Meopta (16mm) e também uma PD150.
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Em Campina Grande encontramos uma rua onde ficava a pequena delegacia da cidade, barracas de galinhas vivas, uma fábrica de colchões de chita, alguns botecos, e no meio de muita gente circulando conhecemos Pati, que à noite nos levou a um forró que jamais esquecerei. De coração aberto, livres, percorremos seis Estados (Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia). A experiência que tive com Karim e Marcelo nas estradas do sertão brasileiro me deram todas as possibilidades de desapego e de olhar a fotografia como uma forma de expressão absolutamente livre. Existe a Helô antes e depois do CARRANCA. Os diretores acreditaram tanto nas imagens que depois de 10 anos as transformaram num roteiro delirante e fizeram de nossa experiência o filme VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO.
Ano passado fomos todos juntos (produtores, diretores, montador) para uma outra viagem, a estréia mundial do filme no Festival de Veneza. O filme foi finalizado digitalmente e projetado em 2K na sala Darsena. Em 2004, Marcelo, Karim e eu vivemos algo parecido quando filmamos o carnaval de Olinda e mais tarde essas imagens se transformaram na instalação AH, SE TUDO FOSSE SEMPRE ASSIM, exibida na 26ª Bienal de São Paulo. Em 2009 fiquei surpresa e emocionada quando soube que havia sido premiada com a melhor fotografia no Festival do Rio com dois longas que realizei de forma tão simples e despojada: além do VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO, também O AMOR SEGUNDO B. SCHIANBERG, de Beto Brant. É um enorme prazer filmar com um diretor jovem, que sabe o que quer e pensa a imagem o tempo todo. Caetano Gotardo e eu iniciamos nossas conversas para filmar AREIA sem nenhuma referência; só sabíamos que queríamos quebrar a realidade. Um menino e uma mulher na areia, uma praia ensolarada. Decidimos por uma praia sem muitos elementos, quase desértica. Um menino de calção vermelho e uma mulher de biquíni conversam, trocam sentimentos. Pensei: temos um filme, mas como transformá-lo em algo cinematográfico?
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No caminho de desconstruir a realidade, optei por filmar com lentes Ultra Prime, muitos filtros ND e negativo asa 500. Filmar em 35mm com essas lentes trouxe a porosidade da pele (maior definição); os filtros provocaram um desfoque interessante (profundidade de campo); a asa 500 trouxe um grão fino para o filme. Fizemos alguns testes com o negativo Kodak asa 500, expondo sob diferentes formas e revelamos normal e super. Também experimentamos o bleach by pass, que estilizava muito o filme. Não era o que buscávamos. Decidi então expor o filme (asa 500) na asa 250 e revelar no banho a menos um ponto: o grão do filme ficou um veludo. Tecnicamente tínhamos então dois momentos: o diálogo, ensolarado, e o final do filme, sem brilho. Este final foi filmado no único momento em que nublou – não usei o filtro de correção 85 e inseri um filtro azul muito suave. Marquei a luz do AREIA no tradicional color analyzer do Megacolor, ou seja, a cópia 35mm do filme foi feita através do processo ótico.
AREIA me rendeu a melhor fotografia no Festival de Cinema de Gramado em 2008. Com o mesmo diretor, fotografei também em 2009 O MENINO JAPONÊS, e neste momento, Caetano está em fase de captação do seu primeiro longa- metragem, que terei o privilégio de fotografar. Estou escrevendo dentro de um avião, cruzando o céu alaranjado num domingo de inverno e me aproximando do Rio de Janeiro. Sigo amanhã filmando... e que venham outros lindos filmes! Heloisa Passos Julho 2010” *conheça mais sobre a obra de Helô Passos no site www.heloisapassos.com
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A alteridade é outra palavra-chave para se ambientar com a obra de Denis. Enquanto uma leva de filmes se vale da interatividade cibernética e da supressão de fronteiras para estilizar a solidão, o Outro é figura onipresente no cinema da diretora. Dentro ou fora de quadro; amigo, inimigo ou ambos; a interação (ou o receio dela) e a identificação (ou o estranhamento) obrigam os personagens a se posicionar perante aquilo que lhes é diferente, aquilo que lhes é estrangeiro. A Filha do Diplomata Nascida em Paris no ano de 1948, Claire Denis passou a infância com a família viajando entre a França e a África, onde seu pai era administrador colonial. O mais próximo que a cineasta já chegou de colocar um alter-ego na frente das câmeras foi em seu primeiro longa-metragem – que a diretora já afirmou em várias entrevistas não ser “(...) tão autobiográfico assim”. Chocolate (Chocolat, 1998) retrata o flashback de uma mulher que viaja por Camarões e se lembra de sua infância passada ali nos anos 50, quando o país ainda era uma colônia francesa. Batizar os principais personagens com nomes claramente simbólicos (France, Protée) dá grandes pistas sobre o que significou o Outro nos primeiros anos de vida da diretora e diz muito a respeito do sentimento de atração e repulsa que os corpos costumam representar em seus filmes. O contato com a diferença, especialmente em um país próximo do processo de independência, parece ter sido capital para o futuro de Denis. “Quando estava filmando Chocolat, acho que eu tinha um desejo de expressar uma certa culpa que sentia quando criança em um mundo
colonial (...) sabendo que era branca, eu tentei ser honesta e admitir que Chocolat é essencialmente uma visão do branco sobre o Outro”.* Se os temas vêm da infância passada na África, a maneira de imprimir essas histórias em celulóide foi formalmente estudada no ultra-conceituado IDHEC (Institut des hautes études cinématographiques), onde Denis se graduou em 1971. Vieram os anos 80, o nome do instituto mudou para La FEMIS (Fondation Européenne pour les Métiers de l’Image et du Son) e Claire passou de aluna a professora; enquanto fora da academia suas experiências como assistente de direção de diretores do naipe de Costa-Gavras (em Hanna K, de 1983), Jim Jarmusch (em Down by Law, de 1986) e Wim Wenders (em Paris, Texas, de 1984 e Wings of Desire, de 1987) levavam-na cada vez mais perto de tomar as rédeas de seu próprio material. Desde o começo dos anos 90, seus filmes já apresentavam uma grande sensibilidade e apuro na construção dos personagens, além de uma estrutura um pouco mais próxima do formal. Texto, Trama e Diálogo S’en Fout la Mort (1990), J’ai Pas Sommeil (1994) e Nénette et Boni (1996) junto com as mais recentes ficções dirigidas pela francesa – 35 Doses de Rum (35 Rhums, 2008) e White Material (2009) – confirmam que, mesmo quando o texto se faz mais marcadamente presente, é a imagem que detém o maior peso. Ao invés de uma costumeira voz em off psicologizante, a personalidade (ou parte dela, já que o segredo pertence somente aos próprios personagens, deixando o espectador com meros lampejos do que suas subjetividades possam vir a ser) e os pensamentos são documentados pela câmera através de gestos dos mais prosaicos. A maneira como as pessoas se olham ou um sorriso espontâneo ao ouvir uma resposta inesperada trazem as figuras mais para perto de quem assiste. Apesar de fortemente ligados ao tipo de trabalho que executam e carregarem consigo quase que o tempo todo uma poderosa aura de transgressão, protagonistas e coadjuvantes dos filmes de Denis apenas julgam se encontrar em um merecido meio-termo entre suas atividades e suas aspirações. A câmera da cineasta não vigia os atores sobre o ombro esperando o momento quando estes tomarão uma decisão que os transformará no epítome do bem ou do mal. Inconformistas, os personagens criados por
Claire Denis não chafurdam em auto-piedade. Pelo contrário, agem como adolescentes que julgam precisar discordar de algo para demonstrar que têm opinião e personalidade. Há pouco espaço para vitimização e impor-se passa de questão de orgulho a necessidade para a sobrevivência. Frequentemente assombrados pela ilegalidade, as pessoas se colocam em situações nas quais dependem muito de gente que mal conhecem, e logo o receio e a desconfiança dão a tônica dos diálogos. Outra característica do texto nessa fase da carreira de Denis é a de não explicitar as relações interpessoais de quem divide a tela. Em S’en Fout la Mort e 35 Rhums, por exemplo, atores conversam por vários minutos antes de se tratarem por “pai” e “filho”. Mesmo quando supostamente controladas por rígidas regras de conduta e de moral, a diretora registra em imagens singelas o quão curiosa pode se tornar a convivência entre pessoas muito próximas. A intimidade compartilhada pelos personagens durante muito tempo leva a relação a se pautar por uma gramática muito particular, mas sem chamar a atenção pra si mesma. Longe de confissões redentoras e do overacting, a maior parte do que pode ser classificado como clímax nos filmes de Claire Denis acontece na privacidade. O Corpo Para falar sobre a importância dos corpos no cinema de Claire Denis é preciso citar o nome de Agnès Godard. A exemplo de Claire, Agnès passou seus anos de recém-formada trabalhando como assistente em filmes de diretores renomados (Joseph Losey, Peter Greenaway, Alain Resnais e Wim Wenders – as duas se conheceram durante as filmagens d’O Quarto 666). O estilo de câmera na mão da cinegrafista aliado à montagem repleta de jump-cuts geralmente empregada pela diretora contamina o filme todo transformando-o em um organismo vivo. Organismo esse que, por trazer tanta densidade e se apresentar de uma forma tão particular, torna-se por vezes o Outro de quem assiste. Na contra-mão dos complexos processos psicológicos do texto, o corpo se basta em sua materialidade. As
relações de poder e os julgamentos de valor começam com a simples visão do corpo do outro, e Denis registra que a diferença entre os homens começa em sua figura. Documentado na película, o peso (em termos de massa e em termos de importância) do corpo sobrepõe-se ao da narrativa. Mais do que preencher a superfície da tela, mais do que ilustrar estados de espírito com ações concretas, o corpo é vetor de pulsões que servem de combustível para a câmera de Agnès Godard. Filmes como Trouble Every Day (2001), Vendredi Soir (2002) e L’Intrus (2004) evidenciam a dinâmica entre os corpos e subliminam as tensões que estes carregam. O silêncio que exclui dá lugar a um sentimento que incita a interação, ou pelo menos tentativas dela. Atração, repulsa e principalmente atrito entre os corpos orientam a direção do filme mais do que a narrativa. Essas características tornaram-se mais flagrantes a partir do filme que tornou Claire Denis conhecida mundialmente. Um exercício de estilo sobre a Legião Estrangeira: Beau Travail, de 1999. Independente do quão inóspito possa parecer o contexto, o olho de Claire Denis vai buscar a existência. A câmera parece atraída pela capacidade de encapsular vida. Um dos exemplos mais significativos é a cena do suicídio de Galloup (Denis Lavant), em Beau Travail. Uma vida carregada de frustração e amargura se aproxima do fim, mas enquanto a câmera está ligada, a imagem que ocupa boa parte do quadro é a veia do pescoço do ator, que continua pulsando. Como a de Janet Leigh em Piscose (Psycho, 1960). Para além da dramaturgia, o celulóide não rouba a alma, mas eterniza a vida. *Judith Mayne, “Foreign Bodies in the Films of Claire Denis”, The Chronicle of Higher Education, 51.43 (Julho
Inspirado na obra hermĂŠtica Catatau, de Leminski, Cao GuimarĂŁes apresenta o melhor filme brasileiro de 2010 Por Roberta Takamatsu Arte Anderson Craveiro, Bruno Bergamo e Guilherme Gerais
Antes de subir ao palco do 38º Festival de Cinema de Gramado, Cao Guimarães já era ansiosamente aguardado. Burburinhos durante a semana, especulações a respeito de seu novo trabalho, com estreia marcada para a sexta-feira 13, último dia de exibição dos longas-metragens do festival. Foi com o semblante sereno que Ex-Isto, seu novo filme, foi apresentado pelo próprio diretor como sendo um filme difícil. “Tenham paciência. Tentem apenas se deixar levar, imergir”. Um modo de nos preparar? Após a exibição, muitos se aproximavam do diretor mineiro e eram atenciosamente atendidos - a sensação era compartilhada: havíamos todos vivido uma experiência singular, algo que extrapolava a racionalização: uma catarse sensorial, poética, única. Ex-Isto foi livremente inspirado na obra mais hermética (e também a preferida) do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), o livro “Catatau” (lançado em 1975). A partir da hipótese-mote “E se René Descartes tivesse vindo ao Brasil com Maurício de Nassau?”, Leminski nos transporta para uma viagem em que o pai da Filosofia Moderna adentra no universo estranho e particular da Recife de outrora, a Recife dos tempos de Nassau. Na livre adaptação da prosa experimental de Leminski, Cao Guimarães convidou o ator baiano João Miguel. A proposta de filmar o poeta curitibano faz parte de um projeto do Itaú Cultural intitulado Os Iconoclássicos. Previsto como uma série a ser lançada entre o final deste ano e início do ano que vem fora do circuito comercial, cinco diretores foram convidados para dar sua visão pessoal, por meio de longas metragens, de cinco artistas brasileiros que se destacaram por sua expressividade no cenário cultural do país. Dessa forma, como Cao Guimarães com Leminski, a diretora Carla Gallo dará sua contribuição com um filme sobre o universo de Nelson Leirner, Joel Pizzini o fará com Rogério Sganzerla, Rogério Veloso com Itamar Assumpção e Tadeu Jungle e Elaine César com Zé Celso Martinez.
O primeiro dos cinco filmes, Ex-Isto, é um instante de ruptura poética. Uma viagem sinestésica (sonora, visual) para a qual se deve estar preparado. Abaixo, trechos da entrevista coletiva concedida na manhã após a estreia em Gramado e da conversa com a revista taturana após a mesma. “Catatau”, uma escolha Escolhi para filmar Leminski o livro “Catatau”, a mais hermética das obras do poeta, aquela em que ele passou 10 anos escrevendo com dedicação quase integral. Lembro do impacto que ela causou em mim quando a li. A investigação profunda da linguagem, os neologismos, os provérbios populares, as diferentes línguas usadas num único livro. Eu o lia em voz alta e não mais que três ou quatro páginas por dia, não agüentava mais que isso. O que busquei fazer com o filme foi voltar ao estágio da pré-fala a que o livro me conduzia. Aquela fase em que a linguagem tem apenas um horizonte de sentido, quando se é conduzido pela musicalidade – o filme busca essa sensação. A possibilidade do derretimento da razão cartesiana. O incontrolável do caos Temos diante de nós, o processo de enlouquecimento da razão, o incontrolável de uma situação caótica – da natureza e do próprio homem. É o confronto da razão (“Penso, logo existo”) e do caos, daí o título Ex-Isto (expressão de Leminski e presente em sua obra). A trajetória de uma forma de pensamento – em que o molde do mundo deveria ser repensado através da óptica geométrica de Descartes (sem erros) - em um país caótico. Assim, o espectador é lançado num estado de torpor, numa dilatação rítmica do tempo. Um não-roteiro, uma montagem sensitiva, contemplação A filmagem foi rápida. Filmamos em 13 dias, com uma equipe reduzida (6 pessoas), em Recife.
Apresentei um argumento, “um pré-roteiro”. Nunca faço roteiros. Acredito que o filme é um processo em que a escritura se faz na montagem. E sempre tive medo de adaptações literárias: literatura é uma coisa e cinema é outra. O cinema não pode ser um ornamento da linguagem. (…) O filme apresenta uma multiplicidade de gêneros, ele muda o tempo todo, deslocando o espectador o tempo todo. A montagem foi bastante sensitiva. Buscamos um filme propositalmente alegórico, anti-naturalista, de contemplação de um tempo futuro. (…) Trabalhei na montagem sozinho, internado. Mas quando já estava impregnado do material, precisei de um olhar de fora. Alguém que pudesse ver coisas que eu já não poderia mais devido ao tempo em que estava em contato com o material… Chamei então Marcelo Gomes (cineasta)... uma parceria que vem desde de 2003, 2004, lá em BH, quando ele estava realizando a montagem do Cinema, Aspirinas e Urubus. Temos uma identidade cinéfila. João Miguel e o desnudamento do ser Eu e João Miguel somos amigos. Como preparação, fiz um convite para que ele fosse comigo para o sítio do meu pai. Lá ele leu o Catatau e entrou num estado de transe. João Miguel é um ator que possui o “prazer de fazer”. Ele me perguntava do roteiro, de como compor um personagem sem roteiro, sem falas... Ele nunca tinha feito um filme sem roteiro. E eu não faço roteiros. Eu disse: você é um filósofo, então leia e pense, pense, pense... (…) As falas em off foram gravadas logo após os 13 dias de filmagem, quando João estava impregnado de Descartes, Leminski, do filme... quando tinha atingido o desnudamento do ser. Canon 5D na plasticidade da imagem Usamos a câmera Canon 5D, lente 1.4. Eu mesmo filmei, utilizando a câmera como um olho, num balé entre corpos. Nas
circunstâncias de hoje, do ano de 2010, a evolução tecnológica permitiu o surgimento de algo que não podíamos ter antes em vídeo, como a questão da profundidade, a versatilidade... esse novo contexto (tecnológico) trouxe consequências radicais ao filme. Do antes Cada filme é uma busca radicalmente diferente, um negativo do filme anterior. Não é serialismo. Rua de Mão Dupla é diferente de Andarilho, que é diferente de Acidente.
Por Rodrigo Grota Arte Anderson Craveiro, Bruno Bergamo e Guilherme Gerais
Não ver para ver. Ver para não ver. Para não ver é que estou vendo. Ver é fabular. Sol. Luz. Renascido. Algumas ideias expressas pela obra Catatau, do escritor paranaense Paulo Leminski, estão tão próximas do universo estético de Cao Guimarães que parecem ter sido escritas pelo próprio realizador mineiro. Esses pontos em comum não estão presentes apenas em seu mais recente filme, Ex-Isto. Desde os seus primeiros trabalhos, ainda no final dos anos 80, Cao apresenta essa linguagem que parte de uma específica realidade ordenada para só então potencializar o caos. É como se em princípio, em um primeiro olhar, toda a realidade aparente fosse organizada, e só após uma nova relação de apreensão do mundo (que não se limita a uma mediação racional) pudéssemos encontrar uma dimensão mais orgânica, estabelecida por uma originária ordem do instável. Nascido em Belo Horizonte, em 1965, com formação em Jornalismo e Filosofia, Cao vem construindo uma obra única no restrito universo do cinema brasileiro contemporâneo. Um dos seus primeiros curtas, Otto – Eu Sou Um Outro (1998) (co-dirigido por Lucas Bambozzi), já apresentava possibilidades narrativas que recusam o naturalismo. Filmes mais ensaísticos como Sopro (2000), Hypnosis (2001), Nanofania (2003) e Concerto para Clorofila (2005) partem de uma rigorosa fissura do real, não permitindo mais a identificação imediata ou precisa do objeto a ser filmado. Aliás, não há mais importância na relação que se estabelece entre sujeito e objeto nesses curtas – ambos se fundem em um só corpo expressivo: o filme. Em seus longas, principalmente em Acidente (2006) e Andarilho (2007), temos uma linguagem mais próxima do documentário, mas que nunca se limita às convenções desse gênero. Figuras tradicionais como a do entrevistado e a do personagem real podem ser encontradas nesses filmes, mas há também uma espécie de camada oculta a dizer que aquela apreensão do real não está apenas no visível, no que pode ser ouvido, tateado pela nossa percepção. Há sempre vestígios de uma irrealidade que ora é acentuada pela trilha sonora, ora pela abordagem visual. Cao não está preocupado em informar o seu espectador – ele é um escultor de formas, de tempos narrativos – o cineasta ordena o mundo para que ele possa reencontrar novamente sua textura embrionária – algo que não pode ser dissociado, analisado, compreendido ou retido como mera representação do real. O que importa nesses filmes é sempre o que está ausente – uma espécie de fora de quadro conceitual – que não se limita ao extracampo da imagem.
Essas opções, que aproximam a obra de Cao da estética defendida pelo realizador francês Robert Bresson (1901-1999), estão presentes em Ex-Isto, mas não se configuram como elementos centrais dessa narrativa. Pois o que realmente diferencia esse último filme das produções anteriores do cineasta mineiro é que a gênese do projeto é uma ideia ficcional. Tudo em Ex-Isto é inspirado na obra e no livro Catatau, de Leminski. Cao não está mais partindo do real para criar uma fabulação, e sim encontrando possibilidades de linguagem em meio a um universo poético para potencializar ao máximo a ordenação do caos. Uma das principais características da linguagem de Cao, a observação, o registro que contempla e amplia a dimensão do que está sendo filmado, também está em Ex-Isto. No curta Da Janela do Meu Quarto (2004), por exemplo, Cao registrava em super-8 uma espécie de duelo infantil entre dois garotos em uma pequena cidade do interior de Minas. Singela e ao mesmo tempo muito específica, aquela imagem trazia todo um universo de recordações, de sentimentos que não se traduzem de forma imediata, que não se revelam em palavras. Ex-Isto oferece essa mesma potência. Apesar de o filme conter trechos narrativos, e se apoiar em um personagem ficcional muito concreto – o pensador francês René Descartes (1596-1650), haverá sempre uma espécie de tradução imperfeita do real - construção visual que não se baseia na ideia de reprodução do mundo tal qual ele é e sim na criação de um outro mundo, com uma relação espaço-tempo singular. No que se refere à direção de atores,
Ex-Isto novamente se aproxima da estética de Bresson. Não estamos diante de um ator, de um intérprete – e sim de um modelo, de uma presença real. João Miguel não está a interpretar René Descartes – como diz o próprio Cao, João Miguel é a um só tempo Descartes, Leminski, Cao e si mesmo. Possivelmente Ex-Isto será o filme de Cao Guimarães que melhor irá se comunicar com o público, já que o carisma do ator João Miguel e a voz em off que conduz todo o percurso do filme são elementos de imediata comunicação com quem assiste. Por outro lado, essa aventura de sons e imagens empreendida por Cao e sua reduzida equipe poderá ser também uma das adaptações mais fiéis ao universo do poeta paranaense. Não se trata aqui de criar uma adaptação de Catatau, ou uma ilustração visual de determinado universo poético. Cao Guimarães está criando junto, lado a lado, correndo os mesmos ricos e compartilhando das mesmas dificuldades e limitações do escritor curitibano. Admirador de Andrea Tonacci e Abbas Kiarostami, parceiro de Marcelo Gomes e do coletivo O Grivo, possivelmente influenciado por Apichatpong Weerasethakul e Naomi Kawase, o realizador mineiro ocupa um espaço único quando pensamos no cinema que se faz hoje no Brasil. Seus filmes não apresentam temas – os desenvolvem; não se relacionam com o real – criam uma realidade em si; não só dilata o tempo como esculpe unidades temporais específicas. Aparentemente dividido entre as artes plásticas, a fotografia e o cinema, Cao promove uma união indissolúvel entre essas três
linguagens e cria o que ele reconhece como um processo artístico que não é serial, repetitivo. A cada filme uma nova proposta, um novo desafio. O filme pelo prazer de filmar, de estar entre amigos. A tecnologia a serviço da estética – a lente 1.4 da Canon 5D Mark II possibilitando o que antes era uma ideia conceitual – o foco e o desfoque, o estar ali e não estar, o ver e não ver. Esse modo de produção, que reuniu uma equipe de 6 pessoas a filmar por 13 dias em Alagoas, no Amapá, em Recife e em Brasília, é claramente a melhor solução de um cinema que se quer independente no Brasil. O cineasta chinês Jia Zhang-ke, em entrevista à revista Cinética há alguns anos, dizia que não se pode mais dissociar a estética de um filme de sua logística de produção. Filmes emblemáticos como Limite (1931), de Mario Peixoto, e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, foram feitos por equipes reduzidas. O cinema mais interessante que se faz no Brasil atualmente, que inclui produções de Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Sul, parte de grupos de amigos que conversam entre si e filmam, sobretudo, pelo prazer de filmar. É o que ocorre em Ex-Isto e em boa parte da filmografia de Cao. Sua obra não é voltada para um cinema que se quer autoral, independente ou com pretensões poéticas – trata-se de um trabalho autêntico de um realizador singular que há 20 anos vem construindo uma poética continuamente em fluxo, em processo, em constante autodescoberta. Um cinema que busca na vida a possibilidade de uma incerteza e não a certeza de uma impossibilidade. Um cinema que busca a ordem no caos e corporifica a multiplicidade do instante. Um cinema imensamente pessoal e por isso mesmo realista – como se apenas no imaginário reinasse o absoluto.
FILMOGRAFIA (como diretor) CURTAS 1998_Otto, Eu Sou Um Outro (20 min) 1999_The Eyeland (11 min) 2000_Between – Inventário de Pequenas Mortes (10 min) 2000_Sopro (5 min) 2001_Hypnosis (7 min) 2001_Word World (8 min) 2002_Coletivo (3 min) 2002_Volta ao Mundo em Algumas Páginas (15 min) 2003_Aula de Anatomia (5 min) 2003_Nanofania (3 min) 2004_Da Janela do Meu Quarto (5 min) 2005_Concerto para Clorofila (7 min) 2006_Atrás dos Olhos de Oaxaca (8 min) 2006_Quarta-Feira de Cinzas (6 min) 2007_Peiote (4 min) 2007_Sin Peso (7 min) 2008_Memória (5 min) 2008_El Pintor Tira el Cine a La Basura (5 min) 2008_O Sonho da Casa Própria (15 min) MÉDIA 2008_Mestres da Gambiarra (DV, 30 min) LONGAS 2001_O Fim do Sem-Fim (92 min) 2002_Rua de Mão Dupla (75 min) 2004_A Alma do Osso (74 min) 2006_Acidente (72 min) 2006_Andarilho (80 min)
2010_Ex-Isto (86 min)
o cangace
eiro
Arte Anderson Craveiro, Fรกbio Augusto, Felipe Augusto e Guilherme Gerais
o canga
aceiro
o cangac
ceiro
Ele usava uma camiseta com a estampa do Super-Pateta comendo amendoim nas nuvens. Era um garoto gordo com os dedos sujos de tinta que usava tênis de cadarços desamarrados. Parecia ter em torno de 12 ou 13 anos. Nunca fiquei sabendo sua idade real. Nunca perguntei. Ele nunca falou. Foi no banheiro do Cine Ouro Verde que cruzei com Nico pela primeira vez. Era uma segunda-feira à tarde, meu dia de folga. Toda segundafeira eu ia ao cinema. Era mais que uma mania, mais que um hábito. Era quase uma religião. Era simplesmente o melhor dia da semana – Tudo bem aí? e o melhor horário para um ser humano assistir a um filme em paz. – Tudo. – Precisa de alguma ajuda? Segunda-feira, na sessão das 14 horas, o Ouro Verde era um pa- – Não, tudo bem. raíso deserto. Na sala de exibição você poderia encontrar apenas uns gatos pingados esparramados pelas poltronas. Figuras Enquanto eu enxugava as mãos, a porta da divisória discretas querendo ver um filme sem alarde. Sem barulhos de se abriu. Era um garoto envergonhado, cabeça baixa, latas de refrigerante estourando, sem chiado de balas, sem com uma camiseta com a imagem do Super-Pateta. nenhum imbecil querendo participar do filme. Você sabia que Era a primeira vez, em toda a minha vida, que eu via seria o único sentado numa fileira de poltronas. E ninguém alguém com o Super-Pateta estampado na roupa. nas três fileiras da frente, ninguém nas três fileiras de trás. Tentei puxar assunto da maneira mais absurda. Uma espécie de templo escuro e silencioso do sossego. – Legal essa camiseta. Onde você comprou? Nesse dia, eu havia abandonado o filme no meio para dar uma – Não comprei, fui eu que pintei. rápida mijada. Ao entrar no banheiro, ouvi um choro contido – Legal. O Super-Pateta sempre foi meu super-herói vindo de uma das divisórias fechadas. Algo próximo de um favorito. lamento. Os passos, o ruído do jato na privada, o barulho – Ninguém dá bola pra ele. da água lavando as mãos, todos meus sons abafaram – É, parece que todo mundo baba por aquele babaca do o choro, mas ele está lá, alheio a tudo, fechado em sua Super-Homem. divisória. Eu poderia ter voltado ao filme, voltado ao abrigo da poltrona solitária. Poderia ter ficado na minha, mas achei que alguém poderia estar precisando ajuda.
Depois desse nosso primeiro encontro, passei a cruzar com Nico quase toda segunda-feira no Ouro Verde. No sofá do saguão, cabisbaixo. No banheiro, chorando. Sempre dentro de uma camiseta estampada com antigos e secundários personagens de histórias em quadrinhos Não sei o que passou pela minha cabeça, mas achei da Disney. Vilões obsoletos como o Mancha que tinha que fazer alguma coisa por Nico. Queria que Negra, o João Bafo-de-Onça e os Irmãos Metralha. ele tivesse pelo menos a chance de assistir a um filme inteiro, completo, do começo ao fim, nem que fosse Apesar de ir constantemente ao cinema, Nico nunca uma única vez. E a única possibilidade seria projetar tinha assistido a um filme inteiro. Via apenas pequenos um filme com as luzes da sala de exibição acessas. fragmentos. O começo de determinado filme, o meio de outro, o final de um terceiro. A partir desses Conversei com o projecionista do Ouro Verde e fragmentos, montava em sua cabeça um filme particular. inventei uma história esfarrapada. Falei que era Com os pequenos elementos que conseguia captar, ima- uma aposta absurda e que precisava saldá-la. Ele ginava o filme completo na tela de sua cabeça. não entendeu nada, me olhou como se eu fosse um maluco, mas com uma grana na jogada tudo Aos poucos, em nossos breves encontros no Ouro Verde, ficou certo. Eu jamais poderia revelar o segredo Nico foi revelando alguma coisa sobre o assunto. Ele de Nico. amava cinema, tinha uma verdadeira adoração por filmes. A projeção foi numa segunda-feira Tinha também, paralelamente, um incontrolável pavor de de manhã. Na sala de exibição, apenas escuro. Um medo que tumultuava suas noites. Por mais que Nico, o filme e as luzes acesas. Fiquei se esforçasse, não conseguia permanecer num ambiente esperando sentado no sofá do saguão, não escuro por muito tempo. Desde pequeno só conseguia dormir queria atrapalhar aquela experiência tão com a luz acesa. Quando se via na escuridão, suava frio, tremia, importante para ele. seu corpo entrava em colapso. O pânico se instalava em seus olhos, seus pensamentos entravam em completo desespero. No final, Nico saiu da sala se arrastando, de cabeça baixa, não havia nenhum Vivia uma contradição doentia. Quando as luzes da sala de sinal de satisfação em seu rosto. exibição se apagavam, Nico era invadido pela sensação de Perguntei ansioso o que ele tinha paixão pelo cinema. Ao mesmo tempo, imerso na escuridão, achado, se tinha gostado e outras era convulsionado pela opressão do medo. Para estar próximo coisas mais. Nico disse apenas uma daquilo que amava precisava estar perto daquilo que odiava. única frase antes de sair pela porta sem olhar para trás: “Não é cinema, Apesar de viver nessa contradição maluca, Nico não desistia do cinema. com as luzes acesas, não é cinema”. Mas também não conseguia superar o medo. Ficava dentro da sala de exibição o tempo suficiente que o medo deixava, até o instante em que o pânico explodia em seu corpo. Corria para o banheiro e chorava. Primeiro de angústia, depois de raiva. Para ver a revelação da luz, ele precisava estar na escuridão. Um fantasma cobria seus olhos. O sol deixava de existir todos os dias, mas sempre voltava. A noite executava caminho semelhante.
capa 2