ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
NÚMERO 28 Maio/Ago 2009
Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/aspheQuadrimestral História da Educação
Pelotas
v. 13
n. 28
p. 1-292
Maio/Ago 2009
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ASPHE Presidente: Maria Stephanou Vice-Presidente: Beatriz Daudt Fischer Secretário: Claudemir de Quadros Conselho Editorial Nacional Dra. Carlota Reis Boto (USP) Dra. Denice Cattani (USP) Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) Dra. Flávia Obino Werle (Unisinos) Dr. Jorge Carvalho do Nascimento (UFS) Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) Dr. Lúcio Kreutz (UCS) Dr. Marcus Levy Albino Bencosta (UFPr) Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS) Dra. Maria Juraci Maia Cavalcanti (UFC) Dra. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)
Conselho Editorial Internacional Dr. Alain Choppin (INRP, França) Dr. Antonio Castillo Gómez (Univer. de Alcalá – Espanha) Dr. Luís Miguel Carvalho (Univer. Técnica de Lisboa) Dr. Rogério Fernandes (Univer. de Lisboa) Dr. Antonio Viñao Frago (Univer. de Murcia – Espanha)
Editores Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos
Editoração eletrônica e capa Flávia Guidotti flaviaguidotti@hotmail.com
Consultores Ad-hoc Rita Grecco (Furg) Giana Lange do Amaral (UFPel) Claudemir de Quadros (Unifra) Berenice Corsetti (Unisinos)
Imagem da capa FARINA, Frederico. Oasi Benedettine in Ciociaria. 3. ed. Itália: Edizioni Torchio de' Ricci, 1999. p. 37. La biblioteca.
História da Educação Número avulso: R$ 15,00 Single Number: U$ 10,00 (postage included). História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 28 (Maio/Ago 2009) - Pelotas: ASPHE - Quadrimestral. ISSN 1414-3518 v. 1 n. 1 Abril, 1997 1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel CDD: 370-5 Indexação: CLASE (Citas Latinoamericas em Ciências Sociales y Humanidades) Bibliografia brasileira de Educação – BBE.CIBEC/INEP/MEC EDUBASE (FE/UNICAMP)
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................... 5 A HISTORIOGRAFIA FRANCESA DA EDUCAÇÃO EM UM CONTEXTO MEMORIALÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS PROBLEMÁTICAS EVOLUÇÕES HE FRENCH EDUCATION HISTORIOGRAPHY IN A MEMORIALISTIC CONTEXT: REFLECTIONS ABOUT SOME PROBLEMATIC EVOLUTIONS Pierre Caspard; Tradução: Maria Helena C. Bastos ........................................ 9 APONTAMENTOS EM RELAÇÃO ÀS FORMAS DE TRATAMENTO DOS NEGROS PELA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO REPORTS RELATING TO THE FORMS OF BLACK PEOPLE’S TREATMENT THROUGH THE HISTORY OF EDUCATION Marcus Vinícius Fonseca............................................................................ 29 EL SENTIDO Y EL PAPEL QUE DESEMPEÑA EL “ALAFABETO” EN COMENIO THE MEANING AND THE ROLE OF LITERACY IN COMENIO Alessandra Avanzini ................................................................................... 61 DISCURSOS DO PODER, POLÍTICA EDUCACIONAL E OS LIVROS DIDÁTICOS DE LEITURA NO RIO GRANDE DO SUL (1930/1945) DISCOURSES OF POWER, INTERNATIONAL POLITICS, AND READING EDUCATIONAL BOOKS IN RIO GRANDE DO SUL (1930 – 1945) Berenice Corsetti; Elisabete Magda Klaus; Márcia Cristina Furtado Ecoten... 79 A EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO: ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS (1850-1889) THE EDUCATION IN BRAZIL’ S MONARCHY: ANALYSIS OF THE INSTRUCTION ORGANIZATION IN THE PROVINCE OF MINAS GERAIS (1850-1889) Renata Fernandes; Maia de Andrade; Carlos Henrique de Carvalho............. 105
4 TRABALHO DO PROFESSOR: DO DIZER DAS TRADIÇÕES A EMERGÊNCIA DE SENTIDOS CONTEMPORÂNEOS THE WORK OF THE TEACHER: ASKING FOR NEW MEAMINGS ABOUT TRADITIONS Rosa Maria Filippozzi Martini; Paulo Roberto Corrêa Glasorester ...............135 O MUNICÍPIO E A EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS: A IMPLEMENTAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NO INÍCIO DO PERÍODO REPUBLICANO MUNICIPALITY AND EDUCATION IN MINAS GERAIS: THE IMPLEMENTATION OF PUBLIC INSTRUCTION IN THE BEGINNING OF THE REPUBLICAN PERIOD Wenceslau Gonçalves Neto........................................................................159 DESDE EL “PARAISO” SOVIETICO. CULTURA ESCRITA, EDUCACION Y PROPAGANDA EN LAS REDACCIONES ESCOLARES DE LOS NIÑOS ESPAÑOLES EVACUADOS A RUSIA DURANTE LA GUERRA CIVIL ESPAÑOLA FROM THE SOVIETIC “PARADISE”. WRITTEN CULTURE, EDUCATION AND ADVERTISEMENT IN THE SCHOOL WRITINGS OF SPANISH CHILDREN EGRESSED FROM RUSSIA DURING THE SPANISH CIVIL WAR María del Mar del Pozo Andrés; Verónica Sierra Blas .................................187 Resenha FARIA FILHO, Luciano Mendes de (org.). Pensadores Sociais e História da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 311p. Gisele Francisca da Silva Carvalho.............................................................241 Documento Reforma João Luiz Alves (conhecida por Lei Rocha Vaz) Decreto Nº 16.782 A – de 13 de Janeiro de 1925 ......................................253 ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES ........................................291
APRESENTAÇÃO
Temos a satistação de oferecer para nosso público leitor mais um número de nossa revista. Temos a certeza que neste mais uma vez contribuimos para a produção e divulgação de conhecimento em nossa área de atuação a história da educação e a qual este periódico tem como missão e razão de existir. Abrimos este número de nossa revista com o trabalho do professor francês Pierre Caspard: A historiografia francesa da educação em um contexto memorialistico: Reflexões sobre algumas problematicas evoluções. Neste trabalho este renomado pesquisador propõe algumas explicações para a discrepância, que diz respeito às mudanças recentes no sistema educativo, nas condições em que operam os historiadores da educação, e da evanescência de dois quadros de análise há muito tempo paradigmáticos: as classes sociais e a nação. É com satisfação que publicamos o trabalho do professor Marcus Vinicius Fonseca: Apontamentos em relação às formas de tratamento dos negros pela história da educação. Neste artigo o autor procura demonstrar a necessidade de uma mudança de postura dos historiadores no sentido de integrar de forma plena os negros à história da educação. A seguir publicamos um texto sobre um dos clássicos da história da educação mundial – Comenius. A professora Alessandra Avanzini em seu texto: O sentido e o papel que desempenha o “alfabeto” em Comenius destaca que a maneira que Comenius concebeu a idéia de educação para todos deriva de uma visão particularmente sugestiva de alfabetização universal. No artigo Discursos do poder, política educacional e os livros didáticos de leitura no Rio Grande do Sul (1930/1945) as professoras Berenice Corsetti, Elisabete Magda Klaus, Márcia Cristina Furtado Ecoten tratam da relação percebida entre os discursos pronunciados pelos dirigentes maiores da educação História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 5-7, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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brasileira, no período de 1930 a 1945, os quais explicitaram os pressupostos da política educacional então vigente, e os manuais didáticos de leitura utilizados nas escolas primárias do Rio Grande do Sul. Com o texto A educação no Brasil Império: análise da organização da instrução na Província de Minas Gerais (18501889) os investigadores Renata Fernandes Maia de Andrade e Carlos Henrique de Carvalho propõem-se a discutir as concepções de educação do governo mineiro na segunda metade do século XIX. Há um destaque na compreensão de importantes facetas das políticas provinciais para a instrução, tais como a profissão docente e as escolas normais; a organização administrativa; a instrução pública e particular dentre outras apontadas e discutidas ao longo trabalho. No artigo seguinte Trabalho do professor: do dizer das tradições a emergencia de sentidos contemporaneos os investigadores Rosa Maria Filippozzi Martini e Paulo Roberto Corrêa Glasorester analisam as diferentes tradições que deram sentido ao trabalho docente. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada em textos de história da educação e de filosofia com caráter interdisciplinar.. Foi possível constatar a emergência de antigos significados que assumiram novas dimensões na atualidade. O professor Wenceslau Gonçalves Neto no trabalho O município e a educação em minas gerais: a implementação da instrução pública no início do período republicano. O resultado de pesquisa realizada com financiamento do CNPq, evidencia como o poder local participa do esforço pela instrução pública, a aproximação/distanciamento com a proposta oficial do estado, as dimensões político-ideológicas, o grau de complexidade das iniciativas, as perspectivas que se abrem, o funcionamento e a eficácia do sistema, etc. Ou seja, estender aos municípios a análise da formação dos sistemas públicos de ensino no início do período republicano. Fechando a seção de artigos, deste número, as professoras espanholas María del Mar del Pozo Andrés e Verónica História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 5-7, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Sierra Blas no texto Do "paraíso" soviético. Cultura escrita, educação e propaganda nas redaçoes escolares das crianças espanholas enviadas à Rússia durante a guerra civil espanhola analisam um singular acontecimento da Guerra Civil espanhola onde se propõem analisar a importância da redação como prática pedagógica nas escolas e estudar a influência da propaganda e a ideologia nas mentes infantis. Em nossa tradicional seção «Documentos» apresentamos a primeira parte da Reforma João Luiz Alves de 1925 que estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primario, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e o superior e dá outras providências. Contamos que nossos leitores e colaboradores continuem a nos prestigiar como têm feito até o momento. De modo que a revista se constitua em mais um difusor da produção científica na área de História da Educação. Boa Leitura
Os editores
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A HISTORIOGRAFIA FRANCESA DA EDUCAÇÃO EM UM CONTEXTO MEMORIALÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS PROBLEMÁTICAS EVOLUÇÕES1 Pierre Caspard Tradução: Maria Helena C. Bastos
Resumo Há um fosso crescente entre as análises as mais sutis que os historiadores propõem para compreender o passado da educação francesa, e os parâmetros de referência que oferece a produção memorial para situar a escola atual em relação ao passado. O artigo propõe algumas explicações para essa discrepância, que dizem respeito às mudanças recentes no sistema educativo, nas condições em que operam os historiadores da educação, e da evanescência de dois quadros de análise há muito tempo paradigmáticos: as classes sociais e a nação. Palavras-chave: Historiografia da educação; Educação na França; Cultura profissional dos professores. HE FRENCH EDUCATION HISTORIOGRAPHY IN A MEMORIALISTIC CONTEXT: REFLECTIONS ABOUT SOME PROBLEMATIC EVOLUTIONS Abstract We can observe a growing discrepancy between the increasingly subtle analyses of education historians offer in order to explain the past and the over-simplicity of reference points used by memorial vulgate to situate contemporary education in relationship to this very same past. This article offers some explanations of this discrepancy. They relate to the recent upheavals within the educational system, the conditions under which education historians operate, and the evanescence of two longstanding paradigmatic analytical frameworks – social classes and the nation. Keywords: Historiography of education; French Education; Teacher’s professional Culture
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Artigo especialmente escrito para publicação na revista História da Educação. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
10 LA HISTORIOGRAFÍA FRANCESA DE LA EDUCACIÓN EN UN CONTEXTO MEMORIALÍSTICO: REFLEXIONES SOBRE ALGUNAS PROBLEMÁTICAS EVOLUCIONES Resumen Hay un surco creciente entre las análisis las más sutiles que los historiadores proponen para comprender el pasado de la educación francesa, y los parámetros de referencia que ofrece la producción memorial para situar la escuela actual en relación al pasado. El artículo propone algunas explicaciones para esa discrepancia, que dicen respecto a las mudanzas recientes en el sistema educativo, en las condiciones en que operan los historiadores de la educación, y de la evanescencia de dos cuadros de análisis ha mucho tiempo paradigmáticos: las clases sociales y la nación. Palabras clave: Historiografía de la educación; Educación en Francia; Cultura profesional de los profesores. L’HISTORIOGRAPHIE FRANÇAISE DE L’ÉDUCATION DANS UN CONTEXTE MÉMORIEL: RÉFLEXION SUR QUELQUES ÉVOLUTIONS PROBLÉMATIQUES Résumé On observe un décalage croissant entre les analyses de plus en plus subtiles que les historiens proposent pour comprendre le passé de l’éducation française, et le schématisme des repères qu’offre la vulgate mémorielle pour situer l’école actuelle par rapport à ce même passé. L’article propose quelques explications à ce décalage, qui tiennent aux bouleversements récents du système éducatif, aux conditions où opèrent les historiens de l’éducation, et à l’évanescence de deux cadres d’analyse longtemps paradigmatiques: les classes sociales et la nation. Mots-clés: Historiographie de l’éducation; Education en France; Culture professionnelle des enseignants.
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11 La mémoire est aussi menteuse que l’imagination, et bien plus dangereuse, avec ses petits airs studieux. Françoise Sagan2
Como em outros países, as questões de «memória» têm hoje invadido a cena intelectual francesa, pela maneira que remetem ou pretendem remeter a relação da França com seu passado. Os debates, ver as «guerras»3 que suscitam mesmo que marginalmente na história da educação, se desenrolam em um contexto maior de confrontação entre «história» e «memória» que afeta igualmente esse campo de pesquisa. O que está mais particularmente em jogo aqui é a capacidade da história de analisar as raízes ou a origem das questões educativas atuais, e de contribuir assim a cultura dos diferentes atores envolvidos. Clarificar os ganhos dessa confrontação entre história e memória supõe definir precisamente o sentido desse último termo, fortemente polissêmico, ao contrário do de história. Embora a história signifique invariavelmente, desde Heródoto, um inquérito, ou seja, um trabalho intelectual de estudar o passado; a memória refere-se tanto aos vestígios inertes desse passado, como a uma função cerebral com as lembranças que ela contém, ou às (re)construções individuais ou coletivas do passado, o caráter coletivo da memória, tomado nesse último sentido, é por si só altamente problemático4. Os debates atuais devem ser compreendidos no limite da lembrança de que tem sido a evolução “A memória é tão mentirosa como a imaginação, e bem mais perigosa, com seu pouco ar de estudiosa”. Françoise Sagan.
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Pascal Blanchard, Isabelle Veyrat-Masson (Dir.): Les guerres de mémoires. La France et son histoire. Enjeux politiques, controverses historiques, stratégies médiatiques. Paris, La Découverte, 2008. Pascal Blanchard, Marc Ferro, Isabelle Veyrat-Masson (Dir.): “Les guerres de mémoire dans le monde”. Número especial da revista Hermès, 2008. 3
Maurice Halbwachs: La mémoire collective. Paris, PUF, 1950 et Les Cadres sociaux de la mémoire. Paris, PUF, 1952.
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das relações entre história e memória em curso nas últimas décadas.
1 A memória ao serviço da história A história tem mantido com a memória, nos anos 1970-1980, relações de uma cumplicidade particular. Durante esses anos, tem sido uma das conquistas da «Nova história», tal que é definida em um livro-manifesto, que apareceu em 19785. Jacques Le Goff não hesitou em dizer que ela suscitou uma « conversão do olhar histórico»6. Os historiadores então interrogaram a memória de populações essencialmente definidas pelas suas características sociais – camponeses, operários, notáveis, nobres… –, mas também por uma experiência comum – Camisards de Philippe Joutard7, Antigos combatentes de Antoine Prost8 – ou por um meio de vida e de trabalho – Plozevet na Bretanha, Minot na Borgonha, estudados por equipes pluridisciplinares9. Interessam-se também pela memória da Roger Chartier, Jacques Le Goff, Jacques Revel (Dir.): La nouvelle histoire. Paris, Retz, 1978.
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Jacques Le Goff: Histoire et mémoire. Paris; Gallimard, 1988 (1ère éd. Italienne: 1977-1982). 6
Os Camisards são os protestantes de Languedoc, no sul da França, perseguidos por Luís XIV e que mantiveram uma guerrilha contra ele no fim de seu reinado. P. Joutard estudou a maneira que as lembranças desses perseguidos se transmitiram até os nossos dias. P. Joutard: La légende des Camisards: une sensibilité au passé. Paris, Gallimard, 1977 7
Antoine Prost: Les anciens combattants et la société française, 1914-1939. Paris, Presses de la FNSP, 1977, 3 vol. 8
André Burguière: Bretons de Plozevet. Paris, Flammarion, 1975. Cf. O balanço retrospectivo apresentado durante o colóquio “Les grandes enquêtes pluridisciplinaires des années 1960-1970 en France: bilans et perspectives”, ocorrido na Universidade de Brest, nos dias 16 e 17 de maio de 2008, cujos anais estão em preparação.
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identidade nacional. Pierre Nora lança o conceito e publica, em 1984, o primeiro volume do Lieux de mémoire (Lugares de Memória)10; Fernand Braudel publica, em 1986, L’identité de la France (A identidade da França)11. Depois de Maurice Crubellier ou Marc Ferro, numerosos estudos são consagrados à forma que os manuais de história forjaram essa memória nacional12; de Ernest Lavisse, que P. Nora erige como «lugar de memória»13. A educação e o ensino não ficaram longe desse idílio entre história e memória, mas tiveram um lugar privilegiado, especialmente os objetos de memória e os atores de uma transmissão de memória. Jacques Ozouf publica, em 1967, um livro pioneiro - Nous, les maîtres d’école, que trata sobre o testemunho de quatro mil professores e professoras primárias que ensinaram antes da guerra de 191414. O interesse pela memória dos professores também se traduz na moda das lembranças que iniciam nos anos de 1970: estas de Pierre Jakez Hélias, que se auto proclama “Quêteur de mémoire” (Mendigo da memória), ou de Émilie Carles que conheceu um retumbante sucesso de livraria15. 10
Pierre Nora: Les lieux de mémoire. Paris, Gallimard, 1984-1992, 7 vol.
Fernand Braudel: L’identité de la France. Les hommes et les choses. Paris, Flammarion, 1986, 2 vol.
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Maurice Crubellier: Histoire culturelle de la France. XIXe-XXe siècles. Paris, Colin, 1974. Marc Ferro: Comment on raconte l’histoire aux enfants à travers le monde. Paris, Payot, 1986. Os estudos consagrados depois desse tema inúmeros. Cf. A Bibliografia da história da educação francesa no endereço eletrônico www.inrp.fr/she/bhef. 12
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Pierre Nora, op. cit, t. II.
Jacques Ozouf: Nous, les maîtres d’école. Autobiographies d’instituteurs de la Belle Epoque. Paris, Gallimard, 1967.
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Pierre Jakez Hélias: Le cheval d’orgueil. Mémoires d’un Breton du pays bigouden. Paris, Plon, 1975. Id: Le quêteur de mémoire. Paris, Plon, 1990. Emilie Carles: Une soupe aux herbes sauvages. Paris, Robert Laffont, 1977. E. Carles é professora primária, P.J. Hélias professor da escola normal; sobre esse último, ver Jean-Luc Le Cam: “Le parcours de Pierre-Jakez Hélias vu par l’historien de l’éducation ou La mythologie de l’école républicaine” in: J.-L. Le Cam (Dir.): 15
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O interesse se dirige também sobre as autobiografias e as lembranças mais antigas; Philippe Lejeune dirigiu uma enquete sobre as autobiografias dos professores primários16, Mona Ozouf publica, em 1979, sobre a dinastias de professores primários de Sandre17. Por fim, a história oral aperfeiçoa seu arsenal de métodos visando recolher e analisar os testemunhos18, enquanto que o Service d’histoire de l’éducation (INRP-CNRS) lança em 1989 um vasto programa de constituição de arquivos orais de testemunhas e atores da educação, desde o início da IVe República francesa (1945-1958)19. Durante esses anos, a memória foi também investida pelos historiadores como se depreende de sua produção. As comemorações que florescem implicam de maneira muito direta a comunidade dos historiadores, que têm seguidamente a iniciativa e o controle. Duas comemorações foram particularmente marcantes, a ponto de suscitar não somente inúmeros colóquios e publicações, mas também obras consagradas… ao fenômeno comemorativo ele mesmo: os mil anos da dinastia dos Capetos (1987) e o bicentenário da Revolução francesa (1989). Este último comportou vários eventos consagrados ao ensino, notadamente às grandes criações revolucionárias (Escola normal, Escola politécnica, Conservatório nacional de Artes e Ofícios…), cujas comemorações se escalonaram até 1995 com colóquios e publicações Hélias et les siens. Helias hag e dud. Brest, Université de Bretagne occidentale, 2001, pp. 87-113. 16
Philippe Lejeune: “Les instituteurs du XIXe siècle racontent leur vie”, suivi d’un “Répertoire des autobiographies écrites en France au XIXe siècle: vies d’instituteurs”, Histoire de l’éducation, janvier 1985, pp. 53-104. Mona Ozouf: La classe ininterrompue. Cahiers de la famille Sandre, enseignants, 1780-1960. Paris, Hachette, 1979. 17
O nascimento da história oral é recordado em Florence Descamps: L’historien, l’archiviste et le magnétophone. De la constitution de la source orale à son exploitation. Paris, Comité pour l’histoire économique et financière de la France, 2001. 18
Marie-Thérèse Frank: “Pour une histoire orale de l’éducation en France depuis 1945”, Histoire de l’éducation, janvier 1992, pp. 13-40.
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assinadas por alguns dos melhores especialistas, como Dominique Julia, Jean-François Sirinelli, André Grelon ou Bruno Belhoste20. O ensino foi também objeto de comemorações específicas, como o centenário das leis de Jules Ferry (1981) ou do ensino técnico (1987), este último de uma pertinência histórica duvidosa, o ensino técnico francês é evidentemente muito mais antigo, porém significativo, por isso mesmo, a febre comemorativa da época. Dois grandes paradigmas estruturam então as relações entre história e memória. O primeiro é o da nação. A construção da Europa, antes mesmo da aceleração e o aumento dos fluxos migratórios que induziram a mundialização, já coloca em discussão o etnocentrismo mais ou menos agressivo que a idéia de nação pudesse implicar anteriormente. Mas se o estigma cada vez mais da escola como «uma máquina de moldar as almas à semelhança da França»21, o uso que P. Nora ou F. Braudel fizeram dos conceitos de nação e de identidade nacional é de fato puro, isento de exaltação como de deploração do passado: trata-se de compreender como dimensões essenciais de uma história coletiva. O segundo paradigma é aquele da classe social. Esse é um objeto e uma ferramenta de análise para a pesquisa histórica, como tem sido o caso desde dois ou três séculos, com ou sem os pressupostos teóricos e os objetivos políticos que lhe deram o marxismo. Interrogar a «memória do operário» como a «memória do professor» se inscreve diretamente no prolongamento da história social clássica, em que são respeitados os esquemas de contextualização, quer sejam econômicos – a revolução industrial, a ascensão das classes médias, o fim dos camponeses…–, políticos ou socioculturais – lutas sindicais, engajamentos, solidariedades, A revista Histoire de l’éducation consagrou, entre 1990 e 1992, vários boletins críticos às publicações sobre essas comemorações que ocorreram. Encontra-se uma série de reflexões sobre o fenômeno comemorativo em Maurice Agulhon et alii: 1789. La commémoration. Paris, Gallimard, 1999.
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Segundo a expressão citada por Maurice Crubellier, La mémoire des Français. Recherches d’histoire culturelle. Paris, Veyrier, 1991. 21
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sociabilidades… No espírito desde de 1968, seu próprio engajamento conduz os historiadores a se interessar mais particularmente à na memória daqueles que acusam a história universitária de ter «reduzido ao silêncio» ou «excluído da palavra»: o povo, as mulheres, os marginais; mas suas pesquisas respeitam em geral as exigências do método histórico e, especialmente, a necessidade de cruzar os dados da memória, escritas ou orais, com as fontes valorizadas pelos historiadores tradicionais, as quais deram um enriquecimento real. A história da educação está ligada naturalmente nesse quadro. A memória dos professores primários é analisada como aquela dos mediadores culturais entre os meios populares e as classes médias, aquela dos militantes sindicais ou associativos como um componente do movimento social. Investigamos a memória dos filhos de camponeses, de operários ou de burgueses para compreender a maneira que a escola e a educação familiar lhes inculcou os habitus de classe, ou os signos de resistência a essa inculcação. A memória das mulheres, as quais começamos a se interessar especificamente para por fim o « silêncio » em que elas foram reduzidas, é interrogada sob o duplo aspecto de gênero e de meio social onde elas foram educadas, a burguesia mais seguidamente, por razões de fontes22. Isso não impedede que a tese da ocultação da memória dos débeis e das vítimas pela história anuncie o fim do idílio, e o retorno que vem em seguida.
2 História versus memória As relações entre história e memória são ainda hoje conflitantes, ao ponto que não dá conta mais dos apelos dos Desde o fim dos anos de 1970, os diários femininos foram naturalmente objeto de edições acadêmicas, como o de Caroline Brame, do Segundo Império, editado por Michelle Perrot e Georges Ribeill (Paris, Montalba, 1985). Quanto à memória oral de mulheres, ela é de hoje em diante julgada «indispensável a toda pesquisa da história viva do nosso século». Cf. a brochura Histoire orale et histoire des femmes. Table ronde, 16 octobre 1981, Paris, IHTP-CNRS, 1982. 22
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historiadores ao «dever da história» contra o «dever da memória» que atraiu na época. Um grupo de eminentes historiadores de todas as especialidadess assinou, em 12 de dezembro de 2005, uma petição intitulada «liberdade para a história» lembrando solenemente, entre outras, que «a história não é memória»…23. Em seus recentes escritos, os historiadores da educação evocam também «a memória bricolage», «a memória contra a história», «a tensão entre memória e história»24. Esses apelos traduzem a irritação, a consternação, a franca inquietude que hoje experimentam os historiadores. A inquietude é, sobretudo, dos especialistas em história política e social. Esses últimos são particularmente visados pelos lobistas da memória que, desde alguns anos, levam diretamente sua visão do passado para o parlamento, sem passar pelo setor da história. Escritora e membro do Conselho de Estado, Françoise Chandernagor recentemente assinalou que, apesar das leis memoriais votadas pelo parlamento francês sobre a escravatura (2001), a colonização (2005) ou o genocídio armeniano (2001 e 2006) «violarem deliberadamente» a Constituição (nos seus artigos 34 e 37), uma dezena de outros projetos da mesma natureza estão depositados na secretaria da Assembléia Nacional25. Essas disputas são de outra natureza, a história da educação está longe de ser ameaçada da mesma maneira pela usurpação da memória, nas suas injunções éticas ou legais. Mas a questão da relação entre história e memória se impõe igualmente aos historiadores especializados Em 5 janeiro de 2009, essa expressão aparece 2070 vezes, em uma pesquisa feita na internet no Google…
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Cf., por exemplo, Marie-Madeleine Compère, Philippe Savoie: “L’histoire de l’école et de ce qu’on y apprend”, Revue française de pédagogie, juillet 2005, pp. 107-146. 24
Françoise Chandernagor: “Historiens, changez de métier!” L’histoire, février 2007, pp. 54-61. desde então, e sob a pressão dos historiadores, um relatório parlamentar intitulado “Rassembler la nation autour d’une mémoire partagée”, diferido em 18 novembro de 2008, recomendou por fim a votação das leis memorialísticas no parlamento.
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neste campo, preocupados com a distância existente entre as representações mais ou menos coletivas do passado da educação e os resultados das pesquisas que dirigem por tentarem aumentar o conhecimento que a sociedade pode ter. Desde a metade do século XIX, antes mesmo da Terceira República, a história da educação se constrói sobre a idéia de progresso. Assim foi vista pelos governantes do Estado, pelos pedagogos, pelos professores sempre melhor formados, permitindo que as crianças, cada vez em maior número, realizem seus estudos, cada vez mais obrigados. Naturalmente, essa exaltação tem sido objeto de controvérsias, de questionamentos, de reinterpretações que têm estimulado e progredido a pesquisa; especialmente para os anos de 1870-1900, quando as intensas lutas entre os ideólogos clericais e republicanos suscitaram uma primeira idade do ouro da história da educação. Mas justamente nos anos de 1980, essa discussão abalou o alicerce de uma memória largamente compartilhada, ao menos pelos atores do serviço público de ensino e identificados aos grandes episódios fundadores (a Revolução de 1789, os momentos Guizot (1833), Duruy (1863), Ferry (1879) ou Zay (1936)…), seus protagonistas, individuais ou coletivos (grandes pedagogos, os «hussards noirs de la République»26, militantes da Educação nova…) e aqueles que foram, inegavalmente, os beneficários: burgueses, classes médias, operários e camponeses. Depois de quase vinte anos, o fio dessa grande idéia do progresso se rompeu. A primeira razão deriva do sistema educativo ele mesmo. Nele encontram-se problemas especialmente inéditos que, não tendo equivalente no passado, procuram encontrar na memória referências que ela tem a função de oferecer: violências endêmicas em certas escolas, entre alunos ou contra professores, vandalismo, perda de crença no valor dos diplomas fornecidos e, Segundo a expressão de Charles Péguy designando os jovens estudantes dasescolas normais de professores primários (L’Argent, 1913), e que é desde então ritualmente citado. 26
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mais importante, a falta de sentido do trabalho escolar e dos estudos, ao menos para uma fração significativa da população escolarizada. Uma mesma descontinuidade se observa no uso das fontes de análise da educação. Já evocamos as questões ligadas à memória da nação. Em educação, mais precisamente, se opera uma fragmentação e um alargamento simultâneos dos quadros espaciais e institucionais nos quais funcionam ou se observam o sistema educativo27; que induzem uma ampla ruptura com a dimensão essencialmente nacional na qual é estudado o passado da educação e construída sua memória. Um outro conceito chave de análise histórica se dilui: é o de classe social. Camponeses, operários, artesãos, classes médias, pequenos ou grandes proprietários, estão definidos, não somente pelos nível de renda e de relações sociais de produção, mas por um conjunto de traços que caracterizam propriamente uma cultura: constitutivo dessa cultura, a concepção de família e das relações entre os sexos, a ética religiosa ou a moral profissional, que podem ser colocados antes para explicar as relações dessas classes com a instrução28. O conceito sociológico de habitus de classe, que foi Paralelamente à esses níveis de decisão tradicionais (Ministério, academias ou departamento, estabelecimentos), o sistema educativo francês compreende também as «zonas», as «redes» ou os «polos» de extensão e de natureza diversa; ao contrário, as instâncias ou organizações internacionais (Comunidade Européia, OCDE, universidade de Shanghai…) introduzem nesse sistema de recomendações ou de princípios de avaliação, classificação, que dissipam amplamente a iniciativa dos responsáveis pela educação nacional.
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Sobre as aspirações da classe operária, ver por exemplo Georges Duveau: La pensée ouvrière sur l’éducation pendant la Seconde République et le Second Empire. Paris, Domat-Montchrétien, 1947; Maurice Dommanget: Les Grands socialistes et l’éducation. Paris, Colin, 1970; Jean Jaurès: De l’éducation. Anthologie. Introd. de Gilles Candar. Paris, Syllepse, 2005. Do mesmo modo ou inversamente, os historiadores são seguidamente apegados a mostrar – de uma maneira mais ou menos convincente segundo nós, mas pouco importa: ao menos a discussão é possível – a resistência especificamente opõe para camponeses à escolarização de seus filhos, até o século XIX inclusive. Quanto à sobredeterminação religiosa das 28
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posto para o mercado por Pierre Bourdieu29, pode ainda reenviar a uma história, familiar ou coletiva: a dos processos educativos que visam à incorporação individual de disposições permanentes. A oposição dicotômica entre «meios desfavorecidos» e «favorecidos», onipresente hoje nos discursos para caracterizar aquilo que é convencionalmente chamado os «públicos» da escola, é privada de tudo isso. Os «meios desfavorecidos» não se definem que pelas ausências e lacunas. Os termos de «meio» e de «favorecido», que pertencem respectivamente a registros geográficos e religiosos particularmente apagados, são desprovidos de toda densidade histórica, qual seja individual ou coletiva: é, portanto, inútil procurar no passado próximo ou longínquo o que permite compreender as relações que hoje mantêm esses «meios» com a escola e a instrução. O abandono dos antigos paradigmas de análise é logicamente acompanhado de uma revolução linguística. É um verdadeiro dilúvio de neologismos que se abatem sobre a educação nestes vinte anos, ocorrido mais nas ciências sociais que nos administradores do sistema. Sabemos o lugar que a compreensão justa do léxico e da língua tem no método histórico e os riscos do anacronismo ou da falsa familiaridade que o desconhecimento do vocabulário, historicamente contextualizado, pode induzir na memória coletiva, a da educação em particular30. Esse perigo é um fato clássico e, podemos dizer, constitutivo das tensões entre memória e história. A ilusão da polissemia que caracteriza relações sociais na escola e na instrução, ela é de fato, na linha de Max Weber, objeto de uma abundante literatura histórica interessada nas especificidades das populações católicas, protestantes ou judaicas nesse domínio. É especialmente uma das problemáticas de François Furet, Jacques Ozouf (Dir.): Lire et écrire. L’alphabétisation des Français de Calvin à Jules Ferry. Paris, Editions de Minuit, 1977, 2 vol. 29
Pierre Bourdieu: Le sens pratique. Paris, Editions de Minuit, 1980.
A importância dessa questão fou assinalada por Charles-Victor Langlois, Charles Seignobos: Introduction aux études historiques, Paris, Hachette, 1897. 30
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historicamente as palavras de colégio, de bacharelado, de universidade ou as de redação, de classe, de curso magistral, todas em uso muito claro hoje, mas que são historicamente de falsos amigos. Ou, inversamente, a terminologia que designa as instituições ou as práticas educativas hoje desaparecidas (preleção, sala de asilo, lições de coisas…) em que a compreensão exige um grande esforço de reconstrução do saber. O recurso massivo ao neologismo e à renomear, observado nos últimos vinte anos, complica singularmente as relações entre história e memória. Exite ruptura ou continuidade entre os que antigamente denominavam gazetear a aula ou o absenteísmo, e os que nomeiam doravante como abandono e desfiliação? Entre as atitudes, o gosto do trabalho e da relação com o saber? Entre a cabula e as vítimas do fracasso escolar? Entre as aprendizagens elementares, a socialização e o alicerce comum de conhecimentos, de competências e de atitudes? Entre a indisciplina, as algazarras, as revoltas estudantis e as recentes incivilidades cometidas pelas crianças frágeis nos estabelecimentos sensíveis dos bairros difíceis, degradados ou relegados? Não é seguro que o historiador da educação consciente fazer servir a história à compreensão do presente, nem o educador ou o professor procurar no passado um esclarecimento aos seus problemas, disponha de uma tabela de equivalência ou de um glossário bilíngue necessários para responder suas questões. O que seja deliberadamente visado ou acidentalmente esperado, o resultado dessas denominações ou renomeações é, nesse caso, de aumentar a distância entre memória e história da educação que constatamos hoje.
3 Pesquisa histórica e preservação da memória Os historiadores da educação trabalham hoje segundo duas grandes orientações. Uma é a da história geral, política, social, religiosa ou cultural, em que respeitam as grades de questionamento e os grandes paradigmas de pesquisa. A outra História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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parte, mais dos problemas atuais do sistema educativo, em que os pesquisadores procuram analisar a origem e as evoluções, antigas ou recentes. As duas orientações não são contraditórias. Pelos temas e objetos que abarca, a segunda orientação é portanto mais próxima das preocupações dos atores da educação, em primeiro lugar os formadores e os professores. Isso explica, por exemplo, o dinamismo muito particular que tem conhecido, depois de duas ou três décadas, a história das disciplinas de ensino, a qual tem fortemente contribuído, ao lado das histórias de formação, os representantes da cada uma das disciplinas concernentes, sejam literárias ou científicas. Mas mesmo as questões que tocam mais diretamente o exercício de seu metier, a integração do resultado das pesquisas históricas na cultura profissional dos professores coloca problemas. Os «hussards noirs», que J. Ozouf interrogou a memória, tiveram uma visão do seu ofício fortemente apoiada sobre uma história, mesmo eufemística. Quem são os mestres atuais? Por ocasião de uma enquete realizada em 2002 em um Instituto universitário de formação de professores (IUFM) de uma província, interrogamos os estagiárioa em formação sobre a representação que eles tinham dos mestres de escolas do passado31. A maioria tem demonstrado conhecimentos factuais não negligenciáveis sobre essa questão. Mas, para grande surpresa do entrevistador, o discurso tradicional estruturado pela passagem do modesto regente de escola, sob o controle do padre, ao missionário da República e da Civilização, em seguida, ao professor ou militante defensor do serviço público de educação, foi despedaçada. Essas figuras sucessivas do passado se confundem em uma imagem única, aquela do pobre mestre, respeitado, culto, mas incapaz de ensinar eficazmente por não ser capaz de formar e «colocar a criança no centro da aprendizagem» no lugar de ser «transmissor» e de ensinar «frontalmente». Pierre Caspard: “A profissão docente – entre historia e memória. Uma pesquisa em um Instituto Francês de formação de professores”. Historia da educação, setembro 2002, pp. 5-16. 31
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Recorrente nas respostas são esses pobres estereótipos verbais que estruturam as memórias dos estagiários do IUFM e não lhes permite distinguir um «antes» e um «após» a lei de orientação que, em 1989, reformou o ensino e celebrou, para eles, a figura do ano 1 de sua «profissionalização». Esta estruturação da memória da educação entre um «outrora» e um «doravante» passa amplamente do grupo profissional dos professores. Sob uma maneira explícita ou simplesmente subliminar, ela é recorrente nos discursos mais políticos que midiáticos e frequentemente presente nas invocações da história feitas pelas outras ciências sociais que se interessam pela educação. Daremos tão somente um exemplo que, sobre uma questão de importância maior, é particularmente representativo da maneira como é forjada sob nossos olhos uma memória da educação tirada do saber histórico constituído: refere-se à evocação, reiterada e ritual depois de uma quinzena de anos, da «pane do elevador social»32. Que a mobilidade social seja hoje mais ou menos forte que durante as décadas precedentes é uma questão complexa sobre a qual a história da educação não pode se pronunciar, apesar de tentar. Não tem a mesma correlação explicitamente estabelecida por toda nova vulgata memorialística com os problemas da escola atual: a perda de sentido que sofre, o «tempo morto no desejo do saber» (J.F. Lyotard) que conhece, é uma das maiores causas da ruptura do «pacto» que a República teve outrora com cada pequeno Francês e da «promessa» que fez: freqüentar a escola será «garantia» de subir na ascensão social, hoje em pane. O que nos diz em realidade a história, isto é, sobre essa questão? Lembraremos algumas balizas. 1. A ascensão social começa na França em torno do século XI; é um lugar comum historiográfico depois ao menos de Guizot e Tocqueville, um dos Encontramos uma amostra de que isso é um verdadeiro memorial vulgar percorrendo algumas… 80 000 citações da expressão «pane da ascensão social» as quais se encontra na pesquisa realizada no Google no início de 2009.
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mecanismos de ascensão mais eficazes foi a Igreja, em razão dos numerosos rendimentos, prebendas e benefícios que pode ofertar aqueles que possuíam um mínimo de instrução. 2. Uma brusca aceleração da ascensão é produzida no século XVIII, sob a monarquia absoluta. A escolarização, a alfabetização e a modernização da agricultura, do comércio e da indústria progridem nesse momento igualmente, a ponto que, desde o início do século, Montesquieu admira «as revoluções que elevam o pobre, com asas rápidas, acumular riquezas»33. Durante esse tempo, muitos dos mais eminentes representantes das Luzes (Voltaire, Rousseau…) demandam que é muito razoável instruir o povo… 3. A IIIe République (1870-1940) não prometeu jamais uma promoção social massiva aos escolares, que acolheu gratuita, laica e obrigatoriamente. É suficiente ler os capítulos consagrados à instrução e à escola nos mauais de instrução cívica da época para ver que, ao contrário, recomendam prudência contra as ilusões perigosas e as ambições descabidas. 4. A aceleração mais sensível da ascensão social durante os «Trinta gloriosos» (1945-1973) resultou de uma recuperação parcial dos Trinta desastrosos que o precederam; esses últimos não deram lugar a nenhuma perda de sentido da escola para os alunos e as famílias, pelo contrário, absorveram nas regiões industriais a forte população imigrada do Norte ou da Lorraine, por exemplo. 5. As crianças do Baby boom não tiveram mais consciência de se engajar nos Trinta gloriosos do que os cavaleiros da Idade Média não tiveram de partir para a guerra dos Cem anos, segundo o duplo anacronismo que ilude os historiadores sempre; as perspectivas de mobilidade social não são suficientes para explicar suas motivações escolares nos anos imediatos do após guerra. Mesmo sumariamente esboçado, a história da escola como ascensão social contradiz significativamente a memória refletida que ativa só o diagnóstico da «pane» desse Montesquieu: Lettres persanes, 1721. Um estudo de caso concernente a esse período em Pierre Caspard: “L’école, les ouvriers et les ouvrières. Quel ascenseur social au Siècle des Lumières?” (a publicar, início de 2009).
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mecanismo de ascensão e seus efeitos sobre o sentido do trabalho escolar. Os exemplos podem ser multiplicados em seus descompassos ou contradições entre memória e história da educação. Nos anos de 1980, Mona Ozouf já havia qualificado a memória de «mercado das pulgas» em que cada um pode criticar uma idéia, uma tese, uma desculpa. Depois, a situação é mais agravada, por razões que estão ligadas, como vimos, à evolução recente da escola e dos paradigmas de sua análise, outras à pesquisa histórica e às condições nas quais ele se exerce. Desde os anos 1960, a história da educação tem consideravelmente desenvolvido a inteligência coletiva do domínio que estuda, mas ao preço de uma divisão de trabalho que induz a um esmigalhamento e à uma multiplicação incessante de seus objetos de pesquisa. À história política e institucional que constitui, com aquela das idéias pedagógicas, o essencial da pesquisa, depois do século XIX, se junta à história social do ensino e de seus conteúdos, que sublinhamos o particular dinamismo. Mesmos os historiadores da educação têm dificuldade hoje de abraçar o conjunto da produção de seu domínio, mesmo para um dado período; a fortiori levar em conta as longas evoluções é muito árduo, é particularmente problemático para os contemporâneos, frequentemente condenados a ignorar ou esquematizar as revoluções anteriores à Revolução. Assim, não é surpreendente que os não-historiadores têm ainda dificuldade de encontrar no que escrevem os historiadores as idéias fortes e justas para poderem expor suas análises ou esclarecer seus problemas com a profundidade de campo necessárias. Da mesma forma, a tendência natural dos historiadores os leva a complexificar as coisas que a simplificar. Marc Bloch assinala o já dito por Charles Seignobos: «É muito útil por questões, mas... muito perigoso respondê-las!»34. A brincadeira com razão evoca um certo ethos historiador. O problema é que os atores da educação esperam o quase o oposto… 34
Citado por Antoine Prost: Douze leçons sur l’histoire. Paris, Seuil, 1996. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Fazer servir a história da educação à cultura dos seus atores é, da mesma maneira, muito árduo, ao contrário da situação que ocorre em muitos países, ela é, na França, pouco ensinada na universidade ou nos locais de formação de professores. Isso não promove a redação de manuais ou de obras de síntese suscetíveis de resgatar as linhas fortes da pesquisa para um público não especializado, e especialmente aos futuros professores; é significativo que as grandes obras de síntese, ainda as mais utilizadas em 2009, foram publicados nos anos 197035. Por outras vias colocam-se igualmente problemas. Os lindos livros ilustrados sobre a escola, a infância são suscetíveis de vulgarizar agradavelmente o estado do conhecimento, trazendo traços materiais do passado. Eles são editados em quantidade e conhecem, perto do Natal especialmente, uma difusão apreciável que visa e toca um público bem mais amplo que aquele dos livros de história36. Isso não é excepcional37, essas obras têm somente a É o caso daqueles que permanecem em 2009, os très manuais de base, isto é, Antoine Prost: L’enseignement en France, 1800-1967. Paris, Colin, 1968; Roger Chartier, Marie-Madeleine Compère, Dominique Julia: L’éducation en France du XVIe au XVIIIe siècle. Paris, SEDES-CDU, 1976; Louis-Henri Parias (Dir.): Histoire générale de l’enseignement et de l’éducation en France. Paris, Nouvelle Librairie de France, 1981, 4 vol; o fato desses quatro últimos volumes ainda serem editados no formato de livro de bolso, sem mudança de seu conteúdo, expressam a dificuldade de redigir novas sínteses integrando as aquisições da pesquisa depois de um quarto de século. 35
Testemunho de uma observação feita em 31 de dezembro de 2008 em uma das mais importantes livrarias de Paris, la FNAC-Italie. A estante « pedagogia » apresenta pelo menos doze obras « memoriais », alternando luxuosamente, para a maioria, fotos, documentos e ilustrações de época em papel couché colorida e com capa encadernada; os títulos são evocadores: Le temps de l’encre, Sur les murs de la classe, Les écoliers d’hier et leurs instituteurs, Carnets de dictées, Carnets de leçons de choses, Cahiers de l’école rurale, Cahiers de récitations, Cahiers de mathématiques, Nos années baccalauréat, Paroles d’enfance, Mémoire de maîtres, paroles d’élèves, Manuel de l’instituteur primaire. 1831. A maioria remete aos anos de 1880 à 1950. Esses álbuns estão próximos a outras quinze obras de reflexão sobre a escola, os quais afirmam – para resumir o título ou o espírito – que ela está abandonada, em questão, sob influência, louca, acabada, desprovida de sentido, cretinismo, ineficaz, 36
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ambição de suscitar um sentimento de nostalgia confortanto os esteriótipos memoriais os mais rudimentares. Da mesma forma, podemos ir aos museus de educação ou da escola, que imaginamos serem por excelência lugares de memória. Como todos os grandes países, a França conta com dezenas, mas sua função patrimonial e memorial vai raramente além da celebração infinita da escola da IIIe República, suas mesas em madeira, seus manuais antigos, os cadernos bem guardados, para contrastar com a miséria e a ineficácia da escola anterior, como com os problemas da escola atual. Todo o período de pósguerra, com a preparação da crise da escolarização de massa, é amplamente ausente do que propõem para ser olhado. Por outro lado, a educação, processo eminentemente espiritual, pode ser realmente dado a ver? Os tesouros das catedrais, com seus ostensórios e seus excessos de sobrepeliz, nos dizem alguma coisa sobre a Igreja, mas nada sobre fé, e menos ainda sobre a salvação.
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* * As condições nas quais se escreve hoje a história da educação são problemáticas. De um lado, não param de multiplicar seus temas ou objetos de pesquisa e de afinar seus métodos de análise, procurando por sua vez uma legitimidade inédita no interior do campo de pesquisa histórica como aos olhos das ciências sociais vizinhas. Por outro lado, há um afastamento desprovida, impotente, demissionária, anarquista, impossível, à agonia ou à queda. É a escola atual que julgam essas obras, mais por confrontação, não explícita, nem subliminar, com um passado mítico e magnífico, os quais ilustram os luxuosos álbuns memoriais citados acima. Observando, a mesma livraria apresenta em tudo e por tudo um só livro de história da educação, consagrado às pedagogas mulheres. A relação de forças numérica entre esses três tipos de obras ilustra muito bem o contexto memorial no qual trabalham hoje os historiadores da educação. Jean-Noël Luc, Gilbert Nicolas: Le temps de l’école. De la maternelle au lycée, 1880-1960. Paris, Ed. du Chêne, 2006.
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considerável entre as análises que se faz do passado e os estereótipos memoriais os mais conhecidos, inclusive pelos atores do mundo educativo. A diferença reside em um fato facilmente compreensível. Para fornecer as referências que demandam, para evocar ou invocar o passado basta a memória; não garante o conhecimento das evoluções e da compreensão da mudança, que são objetos próprios da história. Isso pode ter alguma relação com a capacidade dos sistemas educativos para reformar-se, e levantar a questão do lugar da história na cultura profissional de seu atores. Pierre Caspard é diretor de pesquisas em História. Desde 1977, dirige o Service d’histoire de l’éducation do Institut national de recherche pédagogique (SHE/INRP), e é um dos editores da revista Histoire de l’éducation. Suas pesquisas tratam especialmente da história social do ensino na época moderna, na Suíça e na França. E-mail: pierre.caspard@inrp.fr. Maria Helena Camara Bastos é professora Titular em História da Educação. Atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisadora CNPq. Atua na área História da Educação, com pesquisasnos seguintes temas: ensino laico e liberdade do ensino no século XIX; história de impressos de educação e de ensino; livros, leitura e leitores na escola brasileira. E-mail: mhbastos@pucrs.br Data de recebimento: 15/01/2009 Data de aceite: 20/02/2009
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APONTAMENTOS EM RELAÇÃO ÀS FORMAS DE TRATAMENTO DOS NEGROS PELA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Marcus Vinícius Fonseca
Resumo Este artigo tem como objetivo reunir parte da bibliografia sobre os negros na historiografia educacional tentando destacar as principais características da produção que ocorre nesta área. Confere destaque a um posicionamento que mais recentemente começa a reivindicar a constituição de uma dimensão particular da historiografia e que deveria se constituir como uma história da educação dos negros. O artigo procura demonstrar os riscos inerentes a este tipo de operação no âmbito da historiografia educacional brasileira e defende a necessidade de uma mudança de postura dos historiadores no sentido de integrar de forma plena os negros à história da educação. Palavras-chave: historiografia
história
da
educação;
negros;
bibliografia;
REPORTS RELATING TO THE FORMS OF BLACK PEOPLE’S TREATMENT THROUGH THE HISTORY OF EDUCATION Abstract This article has as its aim to assemble a part of the bibliography on black people in the educational historiography attempting to highlight the main features of production that occurs in this field. Attention is given on the position that recently has claimed for a constitution of a particular dimension of historiography and it should be built as a history of black people education. This paper is also looking for to demonstrate the inner risks related to this sort of operation in the field of Brazilian Educational Historiography and it advocates a need for change in the posture of historians in the sense of integrating the black people to the educational history effectively. Keywords: history of education; black people; bibliography; historiography.
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30 APUNTES EN RELACIÓN A LAS FORMAS DE TRATAMIENTO DE LOS NEGROS POR LA HISTÓRIA DE LA EDUCACIÓN Resumen Este artículo tiene como objetivo reunir parte de la bibliografia sobre los negros en la historiografia educacional tratando de destacar las principales características de la producción que ocurre en esta área. Confiere destaque a un posicionamiento que más recientemente comienza a reivindicar la constitución de una dimensión particular de la historiografia y que debería ser constituída como una história de la educación de los negros. El artículo procura demostrar los riesgos inherentes a este tipo de operación en el ámbito de la historiografia educacional brasilera y defiende la necesidad de una mudanza de postura de los historiadores en el sentido de integrar de forma plena a los negros a la historia de la educación. Palabras clave: historia de la educación; negros; bibliografia; historiografia NOTES SUR LES FORMES DE TRAITEMENT DES NOIRS PAR L’HISTOIRE DE L’ÉDUCATION Résumé Cet article a pour but de réunir une partie de la bibliographie sur les noirs dans l’historiographie de l’éducation afin de mettre en relief les caractéristiques principales de la production dans ce domaine. On observe une position qui commence plus récemment à révendiquer la constitution d’une dimension particulière de l’historiographie c’est à dire une histoire de l’éducation des noirs. L’on cherche à montrer les risques concernant ce type d’opération dans le contexte de l’historiographie de l’éducation brésilienne et on défend la nécessité d’un changement de position des historiens de façon à intégrer pleinement les noirs à l’histoire de l’éducation. Mots-Clés: histoire historiographie
de
l’éducation;
noirs;
bibliographie;
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Introdução Este artigo reúne parte da bibliografia mais recente sobre os negros na história da educação tentando detectar os caminhos percorridos por esta produção e alguns aspectos relativos às dificuldades de incorporação deste tema no espectro mais geral da historiografia educacional. Em relação a esta última questão, confere destaque ao posicionamento de alguns pesquisadores que reivindicam a necessidade do surgimento de uma dimensão específica da historiografia que é denominada de história da educação dos negros. Estabelecemos algumas considerações em relação às motivações que são apresentadas para que a produção sobre o assunto seja reunida nesta dimensão específica da história e em seguida tentamos demonstrar os riscos inerentes a este ato. Por outro lado, procuramos destacar a necessidade de uma circulação maior dos trabalhos relativos à população negra em meio aos pesquisadores da área e a necessidade de uma incorporação plena dos negros às narrativas construídas com objetivo de interpretar o desenvolvimento histórico dos processos educacionais. Portanto, este artigo não tem a pretensão de ser uma revisão bibliográfica sobre o tema e nem tampouco um balanço geral sobre a produção que vem ocorrendo nas últimas décadas. Trata-se de uma tentativa de apontar alguns problemas que são decorrentes das dificuldades apresentadas pela historiografia educacional para incorporar a população negra em suas interpretações relativas à sociedade brasileira.
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O processo de tematização dos negros na história da educação As questões relativas à população negra ganharam destaque nos debates educacionais que passaram a ocorrer a partir dos anos de 1980. Neste debate ela era freqüentemente caracterizada por uma ênfase em análises sociológicas que procuravam demonstrar os padrões de desigualdade que acompanhavam a experiência de negros e brancos na educação brasileira. A compreensão quanto a esta diferença foi um elemento importante para conscientização acerca da reprodução das desigualdades raciais e também para a construção de um movimento que objetivava levar os pesquisadores educacionais a reconhecer a importância da categoria raça para compreensão de aspectos relativos à sociedade brasileira. Este debate durou cerca de duas décadas e obteve avanços em meio aos pesquisadores, que em parte passaram a admitir a pertinência da categoria raça como instrumento de análise. Este reconhecimento possibilitou mudanças em relação às práticas educativas e fomentou o surgimento de pesquisas que ampliaram o nível de entendimento sobre o assunto chegando mesmo a revelar que a questão racial é um elemento estruturante da realidade social brasileira e por isso participaria com intensidade do processo educacional. A história da educação não acompanhou de perto este movimento e ainda não há clareza quanto à importância da categoria raça – e dentro dela a população negra - como elemento a ser utilizados pelos pesquisadores desta área. Nos anos de 1990, surgiram as primeiras críticas sobre a indiferença dos pesquisadores da área em relação a esta temática que ainda continua a ter um lugar periférico na produção da maioria dos historiadores que investigam a questão educacional. Em Raça e Educação: uma relação incipiente, artigo publicado em 1992 por Regina Pahim Pinto, encontramos um balanço geral das pesquisas educacionais que levavam em conta a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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questão racial e uma denúncia quanto ao fato da categoria raça não ser utilizada pela maioria dos pesquisadores que atuavam na área da educação. Em meio a esta crítica dirigida aos pesquisadores da educação como um todo, a autora estabeleceu algumas considerações específicas sobre a história da educação: A História da Educação, por sua vez, também vem ignorando sistematicamente as iniciativas de grupos negros no campo da educação, tais como a criação de escolas, centros culturais, seu engajamento em campanhas de alfabetização visando a população negra, ou mesmo suas propostas de uma pedagogia que leve em conta a pluralidade étnica do alunado” (PINTO, 1992, p. 47).
Mais de uma década depois desta denúncia quanto à indiferença dos historiadores em relação à temática relativa aos negros, Mariléia dos Santos Cruz (2005) elaborou uma análise em que permanece o mesmo sentido crítico apresentado por Regina Pahim Pinto (1992). Para ela, o final anos de 1990 se caracterizariam por ser um período em que teria se iniciado uma abordagem sobre os negros na história da educação, mas esta produção ainda estaria muito aquém das necessidades colocadas para a educação brasileira. O número de pesquisas é muito reduzido e há um sentido específico nesta produção, que, segundo ela, vem sendo encaminhada sobretudo por pesquisadores afrobrasileiros. Este fato seria uma demonstração do papel da subjetividade na produção do conhecimento em história da educação e também representaria um certo padrão de invisibilidade no tratamento conferido a este tema: Apesar de a história da educação brasileira ter funcionado como um dos veículos de continuísmo da reprodução do tratamento desigual relegado aos negros na sociedade brasileira, não se pode negar que existe uma história da educação e da escolarização das camadas afro-brasileiras. Essa história tem sido resgatada por pesquisadores, grande parte afro-descendentes, que têm procurado História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
34 evidenciar informações que retratam as relações educativas do negro com as escolas oficiais e com o próprio movimento negro brasileiro. Esses trabalhos têm sido em sua grande maioria voltados para abordagens de períodos mais atuais da história. Diante do quadro de informações sobre a história da educação dos afrobrasileiros em épocas mais remotas, e principalmente devido à sua omissão nos conteúdos oficiais da disciplina História da Educação, torna-se necessário e urgente o incentivo a pesquisa nesta área (CRUZ, 2005, p. 30).
Entre o ato de ignorar denunciado por Regina Pahim Pinto, em 1992, e a invisibilidade constatada por Mariléia S. Cruz, em 2005, temos mais do que uma simples variação semântica na qualificação da postura dos historiadores da educação em relação ao tratamento conferido à população negra. Os dois artigos são separados por mais de uma década e, na verdade, descrevem um processo que coloca em questão as interpretações históricas construídas com objetivo de analisar os processos educacionais. No início dos anos de 1990, havia por parte dos historiadores uma atitude sistemática de ignorar a temática racial, pois, pressupunha-se que a inserção dos negros nos espaços escolares havia se dado tardiamente. Na história da educação esta concepção se manifesta através de uma idéia que é reafirmada com certa freqüência, a de que, no período anterior ao século XX, os negros não freqüentaram escolas. De um modo geral, acreditava-se que a população negra havia penetrado nos espaços escolares apenas após a expansão das escolas públicas, na segunda metade do século XX. Estas idéias começaram a encontrar uma contestação nos trabalhos que foram realizados sobre o tema que, como veremos mais adiante, passaram a demonstrar a presença dos negros nos mais variados momentos do processo de constituição da educação e a registrá-los nas mais diversas condições que se referem ao processo educacional.
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Esta produção não foi plenamente absorvida pelos pesquisadores da área que passaram a não ignorar totalmente o tema, mas demonstram uma certa resistência quanto à operacionalização das análises a partir de uma perspectiva que incorpore de forma plena a categoria raça. Esta atitude mantém vivo os marcos tradicionalmente construídos sobre a história da educação brasileira e promove uma invisibilidade dos negros, pois alimenta a crença de que, no Brasil, a educação se desenvolveu sem a construção de um padrão de relações com a questão racial.
Características da produção sobre os negros na história da educação A presença dos negros em espaços escolares é um aspecto central da produção que vem sendo realizada sobre esta temática. O predomínio deste tema pode ser entendido como uma resposta ao padrão de invisibilidade que durante muito tempo imperou na historiografia. Desta forma, a produção que vem sendo realizada sobre esse assunto aponta para a necessidade de uma revisão da maneira como a população negra foi tradicionalmente tratada pela história da educação. O conjunto dos trabalhos produzidos sobre o tema caminha no sentido de superar uma tradição de entendimento que promoveu a invisibilidade dos negros apontando para o fato de que raça não é uma categoria periférica na construção da sociedade brasileira, mas sim, um elemento estrutural que se manifesta em todas as sua dimensões, inclusive na educação. Este tipo de abordagem pode ser encontrado em Professoras negras na Primeira República, de Maria Lúcia Muller (1999). A autora toma como ponto de partida o lugar da raça nas discussões sobre a constituição da identidade nacional brasileira e a importância que neste período se atribuía à educação. Em meio aos discursos sobre a educação, detecta uma importância particular nas questões relativas ao perfil do magistério, que passou a ser História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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dotado de características bem específicas. Entre estas, destaca a consolidação das mulheres como principais agentes educativos e uma forte conotação moral que passou a acompanhar a presença feminina nos espaços escolares. A partir destas características, Muller (1999) procura avaliar a presença de mulheres negras na função de professoras e até que ponto elas se aproximavam do perfil de educadora que foi construído na época. Constatou que havia professoras negras nas escolas do Rio de Janeiro, mas, em função da ausência do registro do pertencimento racial na documentação, não foi possível detectar com que regularidade elas ocuparam cargos no magistério. No entanto, as professoras negras que foram detectadas na pesquisa de Muller (1999) permitiram a análise de uma série de conflitos de natureza racial, que são reveladores do distanciamento das mulheres negras do perfil de professora idealizado na época, cujo modelo era a mulher branca tida como ideal por suas qualidades físicas e morais. Como conseqüência desta preferência pelas mulheres brancas, constatou que, nos anos de 1920, houve uma série de procedimentos que foram colocados em curso nas reformas educacionais do Rio de Janeiro que dificultaram o acesso das mulheres negras ao magistério. Segundo Muller (1999), este processo de homogenização do magistério só começaria a ser revertido a partir da década de 1950, quando houve a expansão das escolas públicas, que ampliou as possibilidades de escolarização da população negra em vários níveis. O período que corresponde à expansão da escola pública foi tema de uma pesquisa que também se refere à presença de professoras negras no magistério. Trata-se do trabalho Mulher negra e magistério primário: a construção da identidade racial pela representação do outro, de Gláucia Romualdo dos Santos (2000), que aborda a questão entre os anos de 1963 e 1979, a partir da escola normal do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG). Este trabalho tem como ponto de partida questões semelhantes às que foram apontadas por Muller (1999), pois, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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procura avaliar a presença de alunas negras na escola normal e sua relação com uma idéia tradicionalmente construída sobre o perfil do magistério que foi construído a partir de uma apropriação da imagem das mulheres brancas. Segundo Santos (2000), a análise dos dados relativos ao Instituto de Educação de Minas Gerais confirma a idéia de que nos anos de 1960 e 1970 havia um número maior de mulheres negras nas escolas para a formação de professoras. Até os anos de 1960, o Instituto de Educação de Minas Gerais era tido como uma instituição elitista e, após este período, sua imagem foi modificada coincidindo com o aumento de mulheres negras em meio ao seu alunado. A mudança no perfil das alunas foi acompanhada por um discurso de desqualificação da instituição. Este discurso não era explicitamente fundamentado por questões raciais, mas sim, pelo baixo capital cultural das alunas, sobretudo do ensino noturno que era freqüentado principalmente por trabalhadoras do comércio e empregadas domésticas. No entanto, para Santos (2000) a condição racial das alunas foi um elemento importante na re-elaboração da imagem da instituição e mesmo nas transformações mais recentes em torno da imagem das profissionais do magistério. Adriana Maria P. da Silva (2000) também tratou da presença de professores negros em espaços escolares, mas construiu sua análise a partir da experiência de um mestre de primeiras letras da Corte do Rio de Janeiro, nos anos de 1850. No livro Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para meninos pretos e pardos na Corte, Silva (2000) procurou recuperar a experiência da escola particular de primeiras letras do professor Pretextato dos Passos e Silva, que se destacou pelo fato de ser dirigida por um homem negro e por ser freqüentada por alunos que eram da mesma condição. Durante o processo de regularização do funcionamento das escolas da Corte, o referido professor enviou uma série de documentos ao Inspetor Geral de Instrução Primária e Secundária História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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alegando que as crianças de cor eram discriminadas nas aulas dos professores brancos. Isto justificava a manutenção da sua escola, pois nela as crianças não eram submetidas a este tipo de constrangimento por ser ele um professor negro. Para garantir a continuidade do funcionamento de sua escola, Pretextato apresentou listas de pais que apoiavam sua iniciativa de manter uma escola para meninos pretos e pardos, e testemunhos que avalizavam seu comportamento pessoal e profissional. Há indícios de que o professor foi bem sucedido em sua iniciativa, pois a escola comandada por ele funcionou por pelo menos vinte anos, ou seja, entre os anos de 1850 e 1870. Neste sentido, a experiência da escola particular comandada por Pretextato dos Passos e Silva indica a presença de professores e alunos negros nas escolas de primeiras letras do século XIX, e também os conflitos que se davam na convivência de diferentes grupos raciais nos espaços escolares. Revela ainda a diversidade de experiências educacionais no século XIX e a anterioridade dos conflitos pedagógicos em torno da questão racial. A presença de alunos negros nas escolas do século XIX é um dos temas que vem mobilizando as pesquisas em história da educação e foi objeto de análise de Cynthia Greive Veiga (2004), em Crianças negras e mestiças no processo de institucionalização da instrução elementar, Minas Gerais, século XIX. Este artigo tenta detectar a presença de crianças não brancas nas escolas mineiras do século XIX e para isso utiliza um conjunto de documentos que permitiram à pesquisadora concluir que não havia discriminação de cor para a matrícula nas aulas de instrução elementar em Minas, pois não era incomum encontrar crianças negras e mestiças em meio ao público que gravitava em torno das aulas de primeiras letras. Apontou também a necessidade de uma reelaboração teórica da história da educação afirmando a necessidade das pesquisas colocarem em destaque a diversidade de sujeitos no interior das escolas. Esta questão é apresentada quando trata do problema da precariedade das escolas do século XIX: História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
39 Talvez seja possível pensar esses problemas relacionados a sua clientela, ou seja, alunos pobres, negros e mestiços e as expectativas e o imaginário produzido pelas elites em relação às condições de educação desses grupos sociais. De qualquer forma tem-se como conclusão fundamental que a história da educação e a história da escola não se faz sem uma problematização de seus sujeitos, alunos e professores. (VEIGA, 2004)
A presença de crianças negras nas escolas do século XIX também foi tema da pesquisa de Surya Aaronovich Pombo de Barros (2005). Em Negrinhos que por ahi andão: a escolarização da população negra em São Paulo (1870-1920), Barros (2005) se propõe a investigar a presença de alunos negros nas escolas públicas da cidade de São Paulo e as experiências vivenciadas por este grupo no processo de escolarização. A análise é dirigida em direção a dois aspectos específicos: o discurso das elites intelectuais que defendiam a necessidade de escolarização do povo e o interesse da população negra em ter acesso à cultura letrada. Em relação ao primeiro aspecto, Barros (2005) demonstra que o processo de transformação social que se encontrava em curso na segunda metade do século XIX - que, entre outras coisas, estava relacionado ao fim da escravidão - deu origem a um discurso enfático de defesa da educação como instrumento capaz de disciplinar a sociedade. Uma das dimensões deste discurso voltava-se especificamente para a população negra, que era tida como um grupo que necessitava ser submetido à educação como forma de preparação para sua inserção na sociedade organizada a partir do trabalho livre. Tal fato tornou possível um conjunto de políticas que favoreceram a presença de crianças negras nas escolas de São Paulo. No entanto, este movimento em favor da escolarização da população negra não ocorreu sem conflitos, pois esta presença incomodava alguns professores. Barros (2005) chega mesmo a citar propostas semelhantes à experiência narrada por Silva (2000), através da figura do professor Pretextato. Em São Paulo, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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havia casos de professores que se sentiam incomodados com o fato dos “filhos de africanos” serem educados junto com alunos brancos. Isto os levou a reivindicar escolas que mantivessem estas crianças separadas. Como contraponto desta análise que revela o papel que as elites atribuíam à educação, Barros (2005) analisa também uma série de experiências que são reveladoras do interesse da comunidade negra em se inserir na cultura letrada. Deste modo, a presença negra nas escolas não se justificaria somente em termos dos interesses da elite, mas também a partir da percepção e atuação dos negros que reconheciam a importância da educação para seu processo de afirmação no espaço social. Esta questão recebe uma abordagem específica no artigo A escolarização da população negra na cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século XX, de Zeila de Brito Fabri Demartini (1989). Ela toma como principal fonte de pesquisa o depoimento do intelectual negro José Correia Leite, que foi um importante personagem na organização da imprensa negra que atuou em São Paulo, na primeira metade do século XX. Através deste depoimento avalia o comportamento dos negros na concorrência com outros grupos (principalmente imigrantes) e o papel conferido à escolarização em meio a este processo. A análise revela que a educação foi um instrumento importante na construção das ações desenvolvidas pela comunidade negra e um elemento de aglutinação das bandeiras de luta construídas pelas organizações negras paulistas: Os negros percebiam sua condição de segmento discriminado na sociedade paulistana, e a situação de disputa em que se achavam inseridos ao lado de grupos imigrantes em situação econômica semelhante. Alguns deles, que passaram a organizar-se em entidades negras, achavam que o caminho para a ascensão social era a escola, mas sua própria vivência como elementos discriminados os levava a cogitar que eles próprios tinham que batalhar por esta causa. De um lado, porque a República criava muitas escolas, e muitos negros História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
41 freqüentavam escolas públicas, mas havia entraves colocados por estas escolas ao processo de escolarização dos negros pertencentes a famílias mais pobres, ou sem família; de outro lado, porque verificavam que havia uma acomodação de parcela desta população às condições impostas pela escravidão, uma quase aceitação do fato de não ter seus direitos (como o da escolaridade obrigatória e gratuita) efetivados. (DEMARTINI, 1989, p.60)
Os mesmos elementos destacados por Barros (2005) e Demartini (1989) podem ser encontrados na pesquisa de José Antônio dos Santos (2002) sobre os negros da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, na passagem do século XIX para o século XX. Em Etnicidade nação e cultura: intelectuais negros – educação e militância, Santos (2002) utiliza os jornais produzidos pela imprensa negra pelotense para recuperar a atuação de intelectuais e o papel que a escolarização desempenhou nas ações em defesa dos interesses da comunidade negra. Os jornais exibiam uma série de biografias de personalidades negras e Santos (2002) as utiliza para demonstrar como as histórias de vida de negros escolarizados eram apresentadas com intuito de demarcar a importância da educação no processo de afirmação na sociedade. As biografias também foram utilizadas para analisar a dinâmica dos jornais e dos indivíduos que os construíram, pois estes os fizeram a partir da apropriação dos códigos utilizados pela elite pelotense, entre os quais se destacava a valorização da educação como elemento fundamental no processo de afirmação social. Numa perspectiva mais ampla, os jornais revelam a importância da educação na luta dos negros pelotenses que vivenciaram a transição do escravismo para a sociedade livre. A relação entre escolarização, intelectuais e entidades negras é também tematizada no trabalho de Jeruse Romão (2005) sobre o Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro dos anos de 1940. Em Educação, instrução e alfabetização no teatro experimental do negro, Romão (2005) resgata a tentativa do TEN História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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de interferir na produção cultural através da formação de atores negros e da promoção de manifestações artísticas que expressassem a visão de mundo destes indivíduos. As iniciativas do TEN não estavam restritas às artes e eram articuladas a partir de uma noção ampla de cultura, o que fazia desse grupo uma organização que funcionava como uma frente de lutas em torno da questão racial. Entre as iniciativas levadas a cabo por este grupo, destacavam-se aquelas que foram construídas com objetivos educacionais. Elas foram amplas, pois congregaram iniciativas em diversas dimensões, como criação de escolas, desenvolvimento de uma pedagogia específica, campanhas contra o racismo das escolas oficiais, artigos sobre a importância da educação no jornal do grupo e críticas em relação ao preconceito racial nos livros didáticos. As pesquisas em história da educação vêm demonstrando de forma a presença dos negros nos diferentes momentos de constituição do processo educacional e têm destacado a sua presença nas mais variadas funções, ou seja, na condição de alunos, professores e intelectuais que se ligavam de diferentes formas à educação. Além destes trabalhos que resgatam a relação entre os negros e a educação, há outros que também se preocupam com este tema, associando-o a aspectos teóricos em relação à história da educação. Esta questão foi abordada por Eliane Peres (2002) através de uma problematização sobre as fontes de pesquisa. No artigo Sob(re) o silêncio das fontes... A trajetória de uma pesquisa em história da educação no tratamento das questões étnico-raciais ela analisa a presença de alunos negros em uma escola criada junto a Biblioteca Pública de Pelotas, no Rio Grande do Sul, no final do século XIX. Na documentação da escola não havia registro da condição racial dos alunos e Peres (2002) só conseguiu constatar a presença dos negros quando cruzou os registros escolares com outras fontes, como os jornais de entidades negras. O cruzamento revelou que alguns alunos que passaram pela escola da Biblioteca História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Pública tornaram-se importantes figuras das entidades negras da cidade de Pelotas. Segundo Peres (2002), as fontes nem sempre registram o pertencimento racial dos educandos e isto deve ser tomado como um desafio pelos pesquisadores, que devem se manter atentos para superar os limites estabelecidos pelos registros documentais e se preocupar com a problematização acerca dos sujeitos para os quais determinadas propostas educacionais eram dirigidas. A reflexão sobre fontes documentais também é apresentada no artigo A população negra nos conteúdos ministrados no curso normal e nas escolas públicas primárias de Pernambuco, de 1919 a 1934, de Lídia Nunes Cunha (2005). A autora elabora uma análise dos programas de ensino que foram utilizados em Pernambuco e afirma, a partir da maneira como a questão racial é tratada neste material, a importância de se levar em consideração o contexto no qual se inscrevem as práticas educativas, pois, segundo ela, sempre há referências que permitem compreender aspectos que se dirigem aos negros. As questões teóricas também se tornaram objeto de problematização e foram examinadas a partir de uma crítica ao tratamento que os negros recebem na historiografia educacional brasileira. No artigo A arte de construir invisível: o negro na historiografia educacional brasileira, Marcus V. Fonseca (2007) elaborou uma análise que procura elucidar as formas de tratamento dos negros na história da educação. Para isso, utiliza como referência as diferentes configurações que a disciplina recebeu ao longo do seu processo de estabelecimento destacando que desde de seu surgimento, nos anos de 1940, a história da educação tem se caracterizado por uma ausência de reconhecimento dos negros como sujeitos, tendendo a tratá-los apenas na condição de escravos e, em conseqüência disso, sem relações com os processos de educação formal. O artigo procura demonstrar como esta percepção é problemática e aponta para a necessidade de um amplo processo de revisão da historiografia educacional e suas formar de tratamento da população negra.. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Esta questão reaparece em um outro trabalho deste mesmo autor, onde recebe um tratamento mais aprofundado. Em Pretos, pardos, crioulos e cabras nas escolas mineiras do século XIX, Fonseca (2007b) demonstra a partir de uma documentação censitária que os negros eram a maioria dos alunos das escolas de primeiras letras da província de Minas Gerais, nos anos de 1830, e isso estava em absoluta correspondência com a sua superioridade em meio à população mineira, onde eram maioria inclusive entre os indivíduos livre. A partir da semelhança entre o perfil da população e o perfil racial das escolas mineiras o trabalho destaca a importância de se confrontar dados demográficos e escolares e contesta algumas idéias que estão consolidadas na história da educação, entre elas a de que a escravidão impedia os negros de freqüentarem escolas. A escravidão é interpretada como uma instituição relativamente eficaz para manter os negros escravizados distantes dos processos de escolarização, mas, por outro lado, é apresentada como algo que estimulava os negros livres a se inserirem nas escolas como forma de reafirmar sua condição de pessoas livres. Desta forma, a supremacia numérica dos negros nas escolas mineiras é explicada a partir de dois aspectos: seu predomínio na estrutura demográfica e sua importância como instrumento de afirmação social dos negros de condição livre. Em outro trabalho deste mesmo autor a questão é analisada a partir de uma perspectiva centrada na figura dos negros escravizados. Em Educação e escravidão: um desafio para a análise historiográfica, Fonseca (2002b) estabelece considerações teóricas que procuram demonstrar a importância de se incorporar a educação nas abordagens em relação à escravidão. A aproximação entre escravidão e educação foi construída a partir de uma percepção que considera que uma das questões fundamentais do processo de re-elaboração da historiografia da escravidão é a recuperação da subjetividade dos indivíduos escravizados. Neste sentido, o artigo procura demonstrar a importância da educação em abordagens sobre a escravidão, pois, mesmo na condição de cativo, os indivíduos eram formados por práticas que podem ser História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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interpretadas como educacionais e que demonstram uma intencionalidade por parte dos senhores e também da comunidade de escravos a que os novos cativos estavam ligados. Neste sentido, o artigo defende uma aproximação entre a história da educação e a história da escravidão e uma elaboração de ordem conceitual que permita a construção de uma noção de educação que seja capaz de dar sentido ao processo de formação dos trabalhadores escravizados. O conceito de educação é apresentado como algo que permite a ampliação das possibilidades de compreensão dos escravos como sujeitos e também as diferentes formas de dominação e subalternização que foram mobilizadas para o funcionamento do escravismo. Os escravos também vêm sendo abordados a partir das suas relações com as práticas de escrita e leitura. Em geral, estes trabalhos se caracterizam por uma abordagem típica da história da escravidão1, mas são importantes na compreensão dos aspectos históricos que se referem à educação demonstrando a existência de escravos ligados às práticas de leitura e escrita e o uso destas habilidades como um elemento capaz de ampliar a margem de liberdade destes indivíduos no mundo escravista. Este tipo de análise pode ser visto nos trabalhos de Wissenbach (2002), Paiva (2000) e Moysés (1994). Os escravos também são abordados na condição de sujeitos que gravitavam em torno de um universo que conferia poder aos códigos de leitura e escrita com os quais os cativos, apesar de não terem domínio, aprendiam a estabelecer relações. Estas abordagens são construídas a partir das diferentes formas de apropriação que os indivíduos escravizados desenvolviam para A história da escravidão passa por um processo de mudança em relação às perspectivas teóricas que o orientam os pesquisadores que atuam neste campo. Dentre elas, destaca-se a tentativa de recuperar a dimensão subjetiva dos trabalhadores escravizados. Neste sentido, a inserção dos escravos na cultura letrada é utilizada como uma forma de caracterização das apropriações realizadas pelos indivíduos que se encontravam ligados à escravidão. 1
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garantir uma mobilidade nos centros urbanos, como demonstra Hébrard (2003) em relação à Bahia, no século XIX, e Morais (2007) em relação aos negros livres e aos libertos de Minas Gerais, no século XVIII. Esta questão também aparece em Souza (2001), que a trata a partir da trajetória de Luiz Gama que foi um indivíduo que saiu da condição de escravo para se tornar um importante intelectual no contexto do movimento abolicionista. Segundo Souza (2001, p. 103): Assim, sendo de alto custo e de rara possibilidade o aprender a ler e a escrever individualmente, os escravos não deixaram de perceber coletivamente a natureza da escrita e as possibilidades que abre. Assim recorriam a escribas, negros, brancos libertos ou cativos, para realizar os gestos inéditos proporcionados pela escrita – gerência de ganhos, confecção de listas, documentos, e a comunicação com ausentes.
Outra dimensão importante da produção sobre os negros na história da educação encontra-se nas considerações em relação às diferentes configurações que a questão recebeu no processo de transformação da sociedade brasileira. Em A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição do trabalho escravo no Brasil, Fonseca (2002a) analisou o processo de desmantelamento do trabalho escravo como um período que demarcou o surgimento de uma nova concepção de educação em relação aos negros. No processo de abolição da escravidão a educação deixou de ser considerada a partir do mundo privado e passou a adquirir um sentido estratégico na transição para a sociedade livre. Políticos, intelectuais e senhores de escravos passaram a reivindicar e a propor a educação como um importante mecanismo para garantir que os ex-escravos e seus descendentes continuassem a exercer funções no mundo do trabalho e assim minimizar o impacto político que estes sujeitos poderiam desempenhar no processo de transformação social que ocorria na segunda metade do século XIX. Estas propostas tiveram uma evolução muito História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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pequena do ponto de vista da prática, mas, como discurso relativamente consensual entre as elites, representaram o papel disciplinar assumido pela educação, que passou a ser concebida como um importante instrumento na continuidade da hierarquia racial e social construída ao longo do escravismo. Na mesma perspectiva segue o trabalho Igualdade y libertad, pluralismo y cidadania: el aceso a la educación de los negros y mestizos en Bahia, tese de doutorado apresentada à Universidad Católica de Córdoba, na Argentina, por Jacy Maria Ferraz de Menezes (1997). Este trabalho procura compreender as desigualdades educacionais na Bahia, e para isso realiza uma análise sobre as condições de acesso de negros e brancos à educação, entre os séculos XIX e XX. Menezes (1997) constata através da análise de censos demográficos e escolares que desde o século XIX houve um acesso crescente dos indivíduos às escolas, mas em nenhum momento isto significou uma configuração democrática da educação, que tanto no escravismo como na sociedade livre sempre esteve marcada por um padrão de desigualdade quando se considera a população branca e a negra. Este fato se verifica tanto na sociedade baiana como na brasileira, pois, a pesquisa leva em conta dados relativos à Bahia e os analisa a partir de uma comparação com outros Estados brasileiros. Neste sentido, a análise de Menezes (1997) revela que apesar das diferentes configurações assumidas pela educação, há uma continuidade no padrão de desigualdade de acesso em relação aos dois principais grupos raciais que compõem a sociedade brasileira. No artigo Quantos passos foram dados... A questão da raça nas leis educacionais – da LDB de 1961 à Lei 10.639 de 2003, Lucimar Rosa Dias (2005) procura compreender as tensões raciais a partir de sua manifestação no processo de legislação e normatização do campo educacional. Constata que já na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 havia um tratamento da questão racial, mas este tratamento foi mantido no limite dos recursos argumentativos que buscavam estabelecer a escola como História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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princípio básico de um ideal igualitário que não poderia admitir distinções de classe e raça no acesso à educação. Nos debates do período relativo à LDB/1961, a questão racial desempenhou um papel secundário e não foi objeto de qualquer análise cujo foco fosse a preocupação específica com as desigualdades raciais e as demandas educacionais da população negra. Foi apenas mais um dos argumentos utilizados na defesa da idéia de ensino público que mobilizava os intelectuais daquela época. Este conjunto de trabalhos que apresentamos e que representa uma parte da produção sobre os negros na história da educação mais recente, indica as diversas formas de relação entre a educação e a população negra. Eles apontam para a existência de indícios claros de que há uma tradição de tratamento da questão racial no desenvolvimento histórico da educação e que a própria educação se fez a partir de um certo nível de entendimento e tratamento dos problemas relativos às condições raciais da sociedade brasileira2. No entanto, esta tradição que vem sendo resgatada pela produção mais recente não tem merecido a atenção da maioria dos historiadores da educação, que em geral mantêm esta questão fora de suas análises. Esta produção ainda não foi capaz de sobrepor o padrão de tratamento dos negros na historiografia educacional, que se manifesta através de abordagens que tratam os indivíduos deste grupo apenas na condição de escravos e por isso afirma de forma recorrente que nos séculos XVIII e XIX os negros não freqüentaram escolas. O processo de interpretação da história que reduz os negros à condição de escravos é parte de um movimento que É preciso chamar a atenção para o fato de que estes trabalhos se referem aos séculos XIX e XX e que não encontramos pesquisas em relação aos períodos anteriores. Isto indica a necessidade de se empreender um esforço maior para que os períodos anteriores se tornem objeto das análises que consideram as relações entre os negros e a educação.
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possui um nível de consolidação que está além da historiografia educacional. Na verdade, trata-se de um elemento através do qual foi construída a concepção que nega a dimensão subjetiva aos negros e isso é uma característica da própria historiografia brasileira: O negro foi freqüentemente, associado na historiografia brasileira, à condição social do escravo. A menção ao primeiro remete-se quase automaticamente à imagem do segundo. Negro e escravo foram vocábulos que assumiram conotações intercambiáveis, pois o primeiro equivalia a indivíduos sem autonomia e liberdade e o segundo correspondia – especialmente a partir do século XVIII – a indivíduo de cor. Para a historiografia tradicional, este binômio (negro-escravo) significa um ser economicamente ativo, mas submetido ao sistema escravista, no qual as possibilidades de tornar-se sujeito histórico, tanto no sentido coletivo como particular do termo, foram quase nulas (CORREA, 2000, p. 87).
Neste sentido, a idéia de que o negro não foi à escola seria a versão da historiografia educacional para aquilo que Chalhoub (1990) chamou de teoria-do-escravo-coisa, que representa a desconsideração de qualquer dimensão subjetiva em relação aos negros escravizados. Desta forma, a história da educação se apropriou desta imagem dos escravos e a estendeu aos negros livres que passaram a ser interpretados a partir da legislação que era dirigida aos cativos, ou seja, não podiam freqüentar escolas. Este tipo de interpretação representa uma negação veemente da legislação do Império, que, como vem sendo indicado pelas pesquisas, em nenhum momento estabeleceu restrições para que os negros freqüentassem escolas, pois o que havia era um impedimento de que os escravos fossem admitidos em escolas públicas (VEIGA, 2007)3. Uma das exceções encontra-se no Rio Grande do Sul, onde, segundo MOACYR (1940, p. 431), foi estabelecido em 1837 que “são proibidos de freqüentar as escolas públicas: 1o. as pessoas que padecerem de moléstias
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Nas últimas décadas, a história da educação vem modificando seus procedimentos de construção das análises e vem se tornando cada vez mais criteriosa quanto ao processo de produção do conhecimento, mas, este movimento de transformação não foi capaz de modificar a atitude da disciplina para com as formas de abordagem sobre a população negra. No período mais recente, a historiografia da educação reformulou vários aspectos relativos às formas de interpretação dos processos que envolveram a educação, mas, no que diz respeito à temática racial, há uma linha de continuidade que demonstra que a renovação da disciplina incorporou o padrão de tratamento que praticamente exclui a população negra do movimento histórico que dá forma aos processos educacionais4.
A história da educação dos negros ou os negros na história da educação? Os trabalhos sobre a história da educação que tratam da relação dos negros com os espaços educacionais apresentados anteriormente estão relacionados com o movimento de contagiosas; 2o. Os escravos e pretos ainda que sejam livres ou libertos” (MOACYR, 1940, p. 431). Mas, a situação do Rio Grande do Sul merece uma investigação específica, pois pode ser que o termo preto signifique africano. No século XIX, era absolutamente comum a utilização desta terminologia em relação aos africanos. Este uso particular da terminologia preto desapareceu da linguagem nos períodos posteriores e freqüentemente não é problematizada pela historiografia. Por outro lado, deve-se considerar que impedir negros livres de freqüentarem escolas era inconstitucional e as discussões sobre a improcedência deste tipo de restrição não era incomum no século XIX. Portanto, pode ser que esta determinação se referia exclusivamente aos africanos que – embora com implicações raciais – teriam sido deslocados para a condição de estrangeiros. Para uma análise dos processos de transformação da historiografia educacional brasileira ver: Carvalho (1998), Lopes e Galvão (2001), Vidal e Faria Filho (2005). No que se refere ao processo de incorporação dos negros aos processos de mudança da história da educação ver: Fonseca (2007a).
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transformação pelo qual passa a história da educação nas últimas décadas. No entanto, eles representam uma dinâmica específica deste processo, pois contestam a tradição de invisibilidade que caracteriza os negros na historiografia e tentam estabelecer um padrão de entendimento que procura recuperar, em diferentes momentos, as tensões raciais que se manifestaram no campo educacional. Embora tenham obtido resultados satisfatórios no que se refere à demonstração quanto à recorrência de aspectos raciais em diferentes momentos da educação brasileira, esta produção é muito dispersa e não conseguiu modificar os padrões de análise da historiografia, que na maioria das vezes constrói suas interpretações sem levar em conta aspectos ligados a raça, e sem levar em consideração a população negra como um dos sujeitos ligados ao processo de constituição da sociedade brasileira. Em conseqüência disso, os trabalhos relativos à população negra ocupam um lugar periférico na historiografia educacional, o que, por sua vez, tem determinado o surgimento de um movimento de reivindicação para que esta produção seja aglutinada em torno de uma dimensão específica da historiografia. Esta dimensão que vem sendo proposta por alguns pesquisadores é denominada de história da educação dos negros. As características deste tipo de abordagem historiográfica aparece da seguinte forma em um livro organizado por Jeruse Romão (2005, p. 12) que se intitula A história da educação do negro e outras histórias: A história da educação do negro é a história de um conjunto de fenômenos. Parte da concepção do veto ao negro; percorre os caminhos da articulação de consciências dos seus direitos; ressignifica a função social da escola; recupera os movimentos, no sentido de organizar suas experiências educativas e escrever uma história social da educação do negro; e revela imagens que não conhecemos, embora os indicadores sociais e educacionais nos dêem muitas pistas acerca da moldura do quadro. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Os processos de exclusão social revelados pelas estatísticas educacionais e a invisibilidade da população negra na historiografia devem ser tomados como elementos básicos para a construção desta reação que motiva a construção de uma história da educação dos negros. Mas, trata-se de uma questão que é discutível, pois está implícito neste procedimento o fato de que as questões relativas aos negros deveriam ser abordadas no âmbito desta dimensão da história, enquanto que as análises voltadas para outros temas estariam praticamente isentas de fazer referências à questão racial. Este tipo de procedimento estabelece uma operação que tornaria a questão racial isolável e minimizaria o impacto do tema na educação. Por outro lado, sugere que o tema deveria ficar entregue a um conjunto de pesquisadores que se especializariam no tratamento do assunto, enquanto que os demais prosseguiriam tratando da forma convencional os seus objetos e temas de análise. É o que sugere Mariléia dos S. Cruz (2005), que também se posiciona em relação à questão afirmando a história da educação do negro como parte do processo de construção da identidade dos membros deste grupo racial: Nesta perspectiva, não nos parece arbitrário que afrobrasileiros desenvolvam estudos que contemplem sua própria história, tanto porque os estudos nas Ciências Sociais possuem uma objetividade marcada por elementos de subjetividade, quanto porque há atualmente uma imensa necessidade de estudos voltados para a realidade afro-descendente brasileira. A partir de estudos nessa perspectiva, poderemos construir uma nova história da educação no Brasil, que deve ser uma história em que se possa ver a narrativa de acontecimentos por vários observadores, sendo conhecido o lugar que cada um ocupa como historiador e como participante do contexto estudado. Assim, teremos um fenômeno histórico visto por vários ângulos, a partir de várias lentes. Uma história nessa perspectiva merece ser denominada história brasileira. (CRUZ, 2005 p. 25) História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Estes posicionamentos não podem ser compreendidos sem se levar em conta o lugar secundário que a população negra ocupa nas interpretações da história e da história da educação. Neste sentido, cumprem um papel fundamental em relação a um processo de caracterização da produção elaborada no interior da área e em relação à necessidade de uma discussão sobre o lugar do negro na historiografia brasileira. No entanto, não se pode deixar de considerar que é inerente a esta reivindicação o risco da história da educação do negro ser tomada como um adendo da história da educação. Assim, não caberia aos historiadores uma atenção com o papel desempenhado pela questão racial no processo de constituição da sociedade brasileira e suas manifestações na educação, mas sim, apoiar o surgimento de uma dimensão específica da história que em nada comprometeria a forma convencional de se construir as abordagens em história da educação5. Uma análise detida da produção mais recente em relação à população negra indica que é necessária a incorporação plena dos negros à história da educação e o conjunto dos pesquisadores que atuam nesta área precisa levar em conta esta questão, independente dos objetos que tomam para análise. A questão racial e dentro dela a população negra, é elemento central na constituição da sociedade brasileira, por isso trata-se de algo que está relacionado com as mais diferentes dimensões do desenvolvimento dos processos educativos. Portanto, entre os Este procedimento em torno da reivindicação de uma dimensão particular da historiografia assemelha-se àquele que tem sido acionado para legitimar as políticas de ação afirmativa, cujo objetivo é o estabelecimento de regras dirigidas a um grupo específico com objetivo de combater o padrão de desigualdade racial que marca a sociedade brasileira. Mas, deve-se considerar que o que vale para o mundo da política não necessariamente tem validade no campo da epistemologia. A dimensão política e a epistemológica estão relacionadas, mas, a rigor, são de natureza distinta, pois, enquanto a primeira esta relacionada com as questões que se referem à construção da igualdade, a segunda está relacionada com as questões que se referem ao problema da verdade.
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vários sentidos que podem ser dados à história da educação, podemos dizer que ela é a história dos processos de incorporação dos negros à sociedade brasileira, assim como a história da população negra pode ser entendida como a história dos diferentes papéis desempenhados pelas práticas educativas no processo de construção do Brasil como nação. Lidar com esta dupla dimensão do movimento histórico é um desafio para aqueles que tratam da questão educacional, pois abordagens deste tipo são fundamentais para que as narrativas históricas possam descrever a singularidade dos processos educacionais desenvolvidos no interior da sociedade brasileira.
Considerações finais Na segunda metade dos anos de 1990 surgiu uma produção que trata da população negra na história da educação. Esta produção foi uma resposta a maneira convencional de tratamento do tema no interior desta disciplina e teve como motivação básica a tentativa de demonstrar que os negros estiveram ligados aos processos de educação formal. Além desta tentativa de demonstrar a ligação da população negra com a educação, esta produção também se desdobra em uma análise crítica que aborda aspectos que se referem a temas como fontes de pesquisas e aspectos teóricos que orientam produção historiográfica. Esta produção ainda não teve o impacto necessário para que a população negra seja de fato incorporada como sujeito nas análises realizadas no âmbito mais geral da história da educação e nem tampouco para que a temática racial seja um dos aspectos considerado pelos historiadores que investigam os processos educacionais. Como conseqüência disso, vem surgindo a reivindicação de que é necessário o estabelecimento de uma modalidade específica da historiografia educacional para o tratamento deste tema. Esta reivindicação expõe o campo História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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representado pela história da educação a uma interpelação política legítima e indica os pressupostos ideológicos que guiaram – e guiam - a suas interpretações acerca da sociedade brasileira. Mas, esta reivindicação carece de uma fundamentação epistemológica, pois a questão racial deve ser operacionalizada a partir de uma percepção que reconheça seu nível de participação na sociedade brasileira. Desta forma, não se trata apenas de criar mecanismos que contemplem a população negra, mas o reconhecimento da raça como um elemento primordial no desenvolvimento histórico do Brasil. Isto, por sua vez, determinaria uma interpretação da educação a partir de suas relações com os diferentes grupos raciais que participaram do processo de construção da sociedade brasileira.
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Marcus Vinícius Fonseca é Mestre em Educação pela UFMG, Doutor em Educação pela USP e Pós-doutorando em Educação pela UFMG.
Data de recebimento: 12/11/2009 Data de aceite: 20/02/2009
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EL SENTIDO Y EL PAPEL QUE DESEMPEÑA EL “ALAFABETO” EN COMENIO Alessandra Avanzini
Resumen Comenius es un testigo impotente de las guerras de religión que alterar su tiempo; por esta razón trató de solucionar esta terrible situación de una manera intelectual, la forma de la cultura y de la ciencia, que tenía la intención de realizar en un «simple» la siguiente manera: la enseñanza de todo a todo el mundo, es decir, dar a todos la posibilidad de la alfabetización. Hombres y mujeres, ricos y pobres, cada pueblo debe tener la oportunidad de instrucción. La forma en que concibió la idea de la educación para todos derivados de una sugestiva visión de la alfabetización universal. Él tenía grandes expectativas: a) las expectativas técnicas (que quería enseñar todo a todos de una forma simple, rápida y segura), b) las expectativas cognitivas (la alfabetización es la única manera de descifrar la naturaleza racional y el mundo en general), c) ética expectativas (este proceso tiene como objetivo transformar al hombre en un verdadero hombre, es decir, un hombre sabio, con el objetivo final de poner fin a todas las guerras). La alfabetización es el principio base de la educación universal, por lo que es lo que puede distinguir al hombre del animal: el hombre gracias a la alfabetización puede hacer su deber de perfeccionar su mente racional, que comparte con Dios. A partir de esta ideas Comenius también quería lograr su sueño de la paz universal: el hombre en materia de alfabetización no sólo descubrir su naturaleza divina, sino que también podría darse cuenta de ello vinculado a cada hombre. Para desarrollar este proceso, el principio fue la atención que debe darse a la educación, que es la única garantía de la alfabetización universal. Desde este punto de vista, la alfabetización no sólo significa enseñar el alfabeto, sino dar a todos la posibilidad de compartir un ideal alfabético mundo, una especie de «utopía», que todos puedan alcanzar solamente a través de la palabra: si todo el mundo-gracias a la razón - puede compartir este mundo ideal, intelectual, pacífica y debate en todo el mundo y, finalmente, sustituir definitivamente a la utilización de las guerras. Palabras clave: Comenio, pansofia, alfabetización, cultura
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62 O SENTIDO E O PAPEL QUE DESEMPENHA O “ALFABETO” EM COMENIUS Resumo Comenius foi testemunha impotente das guerras de religião que perturbaram o seu tempo, por esta razão tentou resolver esta terrível situação de uma forma intelectual, o caminho da cultura e da ciência, que pretendia realizar de uma maneira 'simples': ensinando tudo para todos, isto é, dando a todos a possibilidade de alfabetização. Homens e mulheres, os ricos e os pobres, cada povo deve ter a chance de instrução. A maneira em que concebeu a idéia de educação para todos deriva de uma visão particularmente sugestiva de alfabetização universal. Tinha grandes expectativas: a) técnicas (queria ensinar tudo a todos de forma simples, rápida e de maneira segura), b) cognitivas (alfabetização é a única maneira racional de decodificar natureza e do mundo em geral), c) ética (este processo visa transformar o homem em um homem real, isto é, um homem sábio, com o objetivo final de pôr fim a todas as guerras). A alfabetização é o princípio base da educação universal, por isso é que podemos distinguir o homem do animal: graças à alfabetização, o homem pode fazer o seu dever de aperfeiçoar a sua mente racional, que partilha com Deus. A partir destas idéias, Comenius também queria alcançar seu sonho de paz universal: o homem na alfabetização, não só para descobrir a sua natureza divina, mas também para perceber isso, ele vinculado a qualquer outro homem. Para desenvolver este processo, a princípio era para ser dada atenção à educação, que era a única garantia de alfabetização universal. Deste ponto de vista, a alfabetização não significa apenas ensinar o alfabeto, mas sim dar a todos a possibilidade de partilhar um mundo ideal letrado, uma espécie de "utopia", que todos possam alcançar apenas através de palavras: se toda a gente, graças à razão, pode compartilhar esse mundo ideal, intelectual, através de uma pacífica e mundial discussão, para, finalmente, substituir definitivamente qualquer utilização de guerras. Palavras-chave: Comenius, pansofia, letramento, cultura THE MEANING AND THE ROLE OF LITERACY IN COMENIO Abstract Comenius was an impotent witness of religion wars that upset his time; for this reason he tried to solve this terrible situation in an intellectual way, the way of culture and of science, that he intended to realize in a ‘simple’ way: teaching everything to everyone, i.e. giving to everyone the possibility of literacy. Men and women, the rich and the poor, every people should have the chance of instruction. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
63 The way in which he conceived the idea of education for all derived from a particularly suggestive vision of universal literacy. He had great expectations: a) technical expectations (he wanted to teach everything to everyone in a simple, fast and safe way); b) cognitive expectations (literacy is the only way of rationally decode nature and world in general); c) ethic expectations (this process aims at transforming man into a real man, i.e. a wise man, with the final goal to put an end to every war). Literacy is the principle foundation of universal education, so it is what can distinguish man from animal: thanks to literacy man can do his duty of refining his rational mind, that he shares with God. Starting from this ideas Comenius also wanted to achieve his dream of universal peace: in literacy man not only find out his divine nature, but could also realize that reason bound him to every other man. To develop this process the principle attention was to be given to education, that was the only guarantee of universal literacy. From this point of view, literacy not only means teaching the alphabet, but rather giving to everyone the possibility of sharing an ideal alphabetical world, a sort of ‘utopia’, that everyone can reach only through word: if everyone – thanks to reason- can share this ideal world, intellectual, peaceful and worldwide discussion will finally and definitely substitute any use of wars. Keywords: Comenio, pansofia, literacy, culture. LE SENS DE L’ «ALPHABET» ET SON RÔLE CHEZ COMENIUS Résumé Comenius a été un témoin important des guerres de religion qui ont troublé son temps, c’est pourquoi il a essayé de résoudre cette situation terrible d’une façon intellectuelle, par le chemin de la culture et de la science, qu’il prétendait réaliser d’une manière « simple »: en apprenant tout à tous c’est-à-dire en offrant à tous la possibilité de l’alphabétisation. Des hommes et des femmes, des riches et des pauvres, chaque peuple doit recevoir de l’instruction. La façon dont il a conçu l’idée de l’éducation pour tous dérive d’une vision particulièrement suggestive d’alphabétisation universelle. Il avait de grandes expectatives: a) techniques (il voulait enseigner tout à tous de manière simple, rapide et sûre), b) cognitives (l’alphabétisation est la seule manière rationnelle de décoder la nature et le monde en général), c) éthiques (l’objectif de ce processus est de tranformer l’homme en un homme réel c’est-à-dire en un homme sage, dans le but final de mettre fin à toutes les guerres). L’alphabétisation est le principe de base de l’éducation universelle, c’est pourquoi nous pouvons distinguer l’homme de l’animal: grâce à História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
64 l’alphabétisation l’homme peut remplir son devoir de perfectionner son esprit rationnel, qu’il partage avec Dieu. À partir de ces idées, Comenius voulait atteindre aussi son rêve de paix universelle: l’homme alphabétisé peut et découvrir sa nature divine et aussi la percevoir chez n’importe quel autre homme. Pour mettre en marche ce processus il fallait au début faire attention à l’éducation, seul garant de l’alphabétisation universelle. De ce point de vue l’alphabétisation ne signifie pas seulement l’enseignement de l’alphabet mais aussi la possibilité générale de partager un monde idéal lettré, une espèce d’ «utopie» que les gens ne puissent atteindre qu’à travers les mots: que tout le monde puisse, grâce à la raison, partager ce monde idéal, intellectuel, à travers une discussion mondiale et pacifique, pour, finalement, remplacer définitivement toute guerre. Mots-Clés: Comenius, pansophie, alphabétisation, culture
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1 El “alfabeto” entre convención y naturalidad “Cuando el estallido de la guerra [...] amenazaba con arruinar la cristiandad, el mejor alivio que se encontraba eran las antiguas promesas divinas acerca de la definitiva victoria de la Luz sobre las Tinieblas. Y si se quisiese buscar alguna forma posible de colaboración humana, pensaba yo que lo que habría que hacer sería formar mejor a la juventud en todos los aspectos (sobre todo en aspectos fundamentales), juventud a la que habría que sustraer a los laberintos del mundo”1: con estas palabras Comenio (15921670) se dirige a los miembros de la Royal Society (creada en Londres desde hacía pocos años) en la carta que sirve de dedicatoria a su obra (publicada en 1668) El camino de la luz- lo que ya ha sido investigado y lo que queda por investigar; es decir un estudio racional sobre como la Sabiduría, Luz intelectual de los animos se pueda final y exitosamente difundir en este atardecer del mundo, en la mente de todos los hombres y de todas las naciones. Testigo impotente de las guerras religiosas que perturban su época, Comenio organiza una salida a este desorden irracional a través de un camino indirecto, quizas ineficaz en el momento, pero de gran clarividencia intelectual: el camino de la cultura y de la ciencia, posible, con la condición de que haya una educación para todos, sin que nadie sea excluido, una educación para todos, desde los políticos más ilustres hasta los campesinos más humildes, desde los hombres de la Iglesia hasta las mujeres. El modo en el que Comenio concibe esta educación para todos, se estructura a través de una sugestiva visión de alfabetización universal, una alfabetización en la cual convergen contemporaneamente expectativas de tipo técnico (enseñar todo a todos de manera rápida y segura), cognitivo (el “alfabeto” es la Comenio, La via della luce [El camino de la luz], Tirrenia-Pisa, Del Cerro, 1992, pp. 3-4. 1
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unica via para reconstruir racionalmente el mundo) y valorativo (este proceso debe convertir al hombre en un ser señor de sí mismo y no víctima de un odio irracional hacia los demas seres humanos). Ademas de todas estas expectativas, hay que destacar en Comenio una valencia estructural religiosa: el alfabeto es lo que distingue al hombre del animal, al ser éste el instrumento “princeps” del proceso de culturalizacion/concienciacion gracias al cual el ser humano se da cuenta de que participa de la naturaleza divina, con la cual comparte el orden estructural intelectual. Es de esta suposición de la que parte el ideal IRÉNICO: el hombre con este proceso de culturalización/concienciación descubre no sólo su naturaleza divina sino tambien que ésta le une al resto de la humanidad. Para el desarrollo de este proceso es fundamental el momento educativo y, a su vez, la alfabetización es sostén de este momento educativo convirtiéndose, bajo esta óptica, en el eje de toda la reflexión comeniana. A una criatura con raciocinio- escribe Comenio- hay que guiarla no con gritos, cárcel o palos, sino con la razón. Quien se comporte de otro modo, ofende a Dios que lo ha creado a su imagen y semejanza y la vida del hombre estará llena, como de hecho está, de violencia y de malestar [...] para todos aquellos nacidos como seres humanos la educación es absolutamente necesaria para que estos sean hombres y no bestias feroces2 (2). El “alfabeto” se presenta como un instrumento fundamental y divino, dado que, ofrece al hombre no sólo el poder de utilizar el mundo para sus propios fines, sino que une este poder a un objetivo preciso, el de compartir y comprender la humanidad/divinidad de los demás: es decir que el “alfabeto” es una via para reconstruir el mundo, basándolo en un ideal racional e irénico. La alfabetización emerge como eje fundamental del concepto comeniano de educación universal, es el centro de un Comenio, La Grande Didattica [La Gran Didactica], Firenze, La Nuova Italia, 1993, p. 99. 2
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proyecto utópico que tiende hacia una rebelión total contra la situación caótica del mundo que rodea a Comenio, para fundar una humanidad capaz de realizar la propia esencia profunda. “ Que nadie piense que pueda ser un hombre de verdad – escribe en la Didáctica Magna (1657)- si no ha aprendido a comportarse como tal, es decir, educado en los valores que hacen al hombre”3 (3). Lo que se afirma es la necesidad de la educación- y por lo tanto de la instrucción- como condición imprescindible de la humanidad. Desde el punto de vista educativo, lo relevante es que los valores no se transmiten acríticamente como preceptos sino que coinciden con la estructura del proceso de alfabetización. No es un contenido específico lo que hace que el hombre sea tal, sino el hecho estructural de tener que “forzar” la propia naturaleza hacia un proceso de culturalización. La técnica y el valor constituyen un UNICUM que se estructura a través del proceso de alfabetización y que, por lo que ya se ha dicho, coincide con el proceso educativo. Por lo tanto, en el proyecto de Comenio, la alfabetización estructura la idea de Educación: de hecho, este es el paso fundamental para que se pueda hablar de educación universal. Todos, por así decir, tienen que tener la posibilidad de que se les alfabetice, a todos se les debe ofrecer “el mundo”, no tal y como es, sino un mundo que el género humano pueda comprender y comunicar, lo que cartesianamente se puede definir como “el doble” del mundo. La alfabetización, bajo esta óptica es un derecho y un deber, posición en la que convergen tanto las exigencias de valor del IRENISMO de Comenio (la paz es posible sólo si hay igualdad en el valor) como las exigencias técnicas (el conocimiento es posible solo si hay igualdad en la técnica). Convertir estas igualdades en realidad es la función de la educación. Es por esto que a través de la alfabetización el proceso educativo se presenta con un objetivo autofundado: la educación no es un objeto manipulado y 3
Ibidem, p. 91. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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expropiado para uso y consumo por parte de la política, de la religión o de cualquier otra cosa: la educación es objeto de reflexión autónoma y se estructura como un proceso de liberación del hombre: se trate de ofrecer a todos los hombres – dado que participan todos al mismo nivel de la racional esencia divina- los mismos instrumentos para poder tener un acceso consciente a un mundo compartido que significa un mundo alfabetizado. La sabiduría de este modo se convierte en algo público, convencional y etico convirtiendose en el eje que le permite al hombre pasar a formar parte del mundo de manera feliz. Para sostener esta visión aparece en el discurso de Comenio un aspecto estructural, que es la condicion sobre la que se funda la misma alfabetización: la estructura utópica sustancial y por lo tanto la intrinseca convencionalidad, de la idea de educación. Esta dimensión es esencial para poder comprender la función adjudicada al alfabeto. Alfabetizar, en este contexto, no significa sólo literalmente aprender el alfabeto sino “darle un nombre a las cosas”, significa orientarse en el mundo, tener un dominio de las cosas que consienta poder funcionar en el mundo. No es algo casual que el hombre pueda hacer todo esto, puesto que (como explica Comenio en su obra Grande Didáctica) es Dios quien lo legitima directamente; Dios que es principio y fin, fin al que no se puede llegar –una verdadera tensión ilimitada y que tiende a mejorar - de este proceso educativo/cognitivo. La complejidad de esta prospectiva educativa del pensamiento de Comenio emerge liberada de cualquier atadura de eventuales necesidades – a veces incluso “distorsionadas”- de la realidad, en su última obra de fuerte tono educativo: el Via Lucis. Desde este punto de vista, a las obras de mayor éxito inmediato ((l’Orbis sensualium pictus –Mundo visible en dibujos, 1658- e la Janua linguarum reserata –La puerta abierta de las lenguas, 1631-) les cuesta salir adelante. Parte de culpa se puede dar incluso al entusiasmo con el que fueron acogidas, el propio valor innovador. Esto, sobre todo porque se leían como instrumentos operativos. Por otra parte, estas obras son História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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verdaderos manuale, instrumentos educativos, pero se corre el peligro de oscurecer la estructura educativa de base si los contenidos de éstos se interpretan de forma absolutista. No es, de hecho, una casualidad que la obra Orbis se haya traducido y editado en numerosas ocasiones en casi todo el mundo occidental (hubo incluso una edicion americana en 1670 y una rusa-japonesa en 1736-39). Esto choca con el olvido general durante dos siglos de una de las grandes obras educativas de Comenio: La Didáctica General. Tampoco carece de significado que la obra Orbis en un determinado momento empezase a circular sin el nombre del autor4 (4). En este dualismo tiene un cierto peso la idea de ciencia que poco a poco va echando raíces en el mundo occidental. La técnica sale como vencedora en un plano netamente escindido de la teoría. Esto es posible por el afirmarse de un comportamiento movido por una ilusión de absoluto del que no se revelan ni la dinámica ni la finalidad convencional. Estudiar a Comenio de modo específico significa destacar la distorsión que padecen el sentido y el resultado del concepto de educación en su obra: dejando de ser una idea estructural/cognitiva para convertirse en una imposición/transmisión de contenidos, metodos, preceptos. Con esta óptica se produce un desbarajuste total del pensamiento del autor: la idea de educación que de este modo emerge no es la de una educación para todos que sirva para construir un mundo donde reine la paz sino un método usado de modo absolutista para obtener resultados específicos basados en una visión acrítica, tradicionalista y netamente transmisiva; significativo es que en esta visión ya no sea indispensable la implicación de todos. En el camino de la absolutidad existe un riesgo insito en el pensamiento de Comenio. El autor concibe el método natural como el único posible y lo hace con una tal convicción que –en la Cfr. Comenio, Il mondo sensibile [Mundo visible en dibujos], Napoli, Tecnodid, 1994. 4
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parte final de La Gran Didáctica- le lleva a afirmar la unicidad de sus ideas, tan evidente que segun el autor no podrá más que ser comprendida por todos, dada su incontrastabilidad: “ que no entre la envidia en vuestros corazones, oh siervos de Dios, conducid a vuestros semejantes hacia una caridad que no conoce rivalidad, que no es ambiciosa y que no busca ventajas para sí misma [...] no seais envidiosos de quien realiza algo que a vosotros no se os había ocurrido antes”5 (5). Una afirmación en la que aparece expresada la idea que a partir de este periodo animará los descubrimientos científicos. En resumidas cuentas, dice Comenio, no seais envidiosos si esta idea se me ha ocurrido a mí y no a vosotros. Ahora que la idea existe y es totalmente cierta, es necesario comprender la importancia y realizarla. La idea- el método natural- es objetiva y por lo tanto no se puede y no se debe someter a discusión dado que tiene un fundamento científico y sus raíces se encuentran en la misma naturaleza. De este modo, Comenio, manifiesta la contradictoriedad de una época que gracias a un esfuerzo utópico modifica estructuralmente la visión del mundo y al mismo tiempo se deslumbra con el mito de la objetividad, con los datos comprobados que se autosostienen con la evidencia de la verdad absoluta que emerge del libro de la naturaleza. Posición precursora de grandes distorsiones, dado que expulsa al hombre de su propia construcción cognitiva, reduciendo de hecho la ciencia a técnica y en lo que atañe a la educación se corre el riesgo de construir un sistema que no tiende a construir estructuras de pensamiento sino a la transmisión de una estructura estatica, predefinida e indiscutible del mundo. Subrayar estos riesgos, y su enraizamiento en la reflexión de Comenio no significa desvalorizar o disminuir el interés y el caracter innovador del tema del convencionalismo que 5
Comenio, La Grande Didattica, cit., pp. 527-529. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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tiene tanto peso en su pensamiento. En este sentido el concepto de alfabetización representa el punto de máximo interés. La estructuración alfabética del mundo lleva a que emerja en el pensamiento educativo un concepto fundamental para la didáctica de hoy. La aspiración a un “mundo en común”6 (6) del conocimiento entendido como una objetividad relacional, convencional. Objetividad en la que todos y cada uno de los hombres tiene el derecho y el deber de participar si quiere ser un ser humano y si quiere formar parte de la construcción de un mundo feliz donde reine la paz.
2 El mundo alfabético Si se quiere ahondar en este aspecto es útil concentrarse, como ya hemos dicho antes, en la obra “Via Lucis”. De hecho, en esta obra, Comenio lleva a cabo lo que en “La Gran Didáctica” era solamente un auspicio, sin una argumentación adecuada y que en “Janua” y en “Orbis” quedaba relegado por una necesidad de experimentación empírica y con todos los riesgos que se han mencionado previamente. En la obra “Via Lucis”, Comenio teoriza y argumenta de manera difusa la idea de alfabetizar a todos, aclarando y puntualizando su pensamiento con la intencion explicita de abrir un camino hacia la comprensión universal: “ Para que podamos ser juiciosos y con nosotros el mundo entero, enseñemos a los hombres [...] a aprender, no por el mero hecho de aprender, sino para conocer; a conocer, no por el mero hecho de conocer, sino para ejercitarse en el obrar y finalmente a obrar, no sólo para estar Para poder profundizar la idea educativa de mundo en comun come eje de la relacion educativa y como objeto especifico de la didactica cual elemento estructural de la ciencia de la educación, remito a A. Avanzini, Didactica. Teoria e prassi [Didactica. Teoria y praxis], Tirrenia-Pisa, Edizioni Del Cerro, 2006 e A. Avanzini, L’educazione attraverso lo Specchio [La educación atraves del Espejo], Milano, Franco Angeli, 2008.
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entretenidos con algo sino para que se pueda alcanzar el objetivo de todas las acciones, esto es, la paz y la felicidad”7 (7). El impulso que le había mantenido ocupado durante toda su vida y cuya mira era que la adquisicion del alfabeto, el conocimiento de la propia lengua y de la lengua latina fuese accesible a todos, se amplía ahora de modo pragmático y renueva su sentido profundo: en estas pagina, se traza una verdadera utopía, un impulso hacia un mundo mejor que se identifica totalmente con una cultura basada en cierto sentido en la educación, algo que Comenio define como “pansofia”8 (8). La luz es el conocimiento que se opone y que vencerá a las tinieblas de la ignorancia: es cercano el tiempo, nos dice Comenio, que estructurará – y aparece como algo más que una vaga esperanza- el camino para liberarse de las tinieblas. Vencer a la ignorancia es posible solamente si se difunde universalmente el ideal “pansófico”, pero su difusión es posible solo si la alfabetización es capilar. El objetivo que se obtiene de este modo es que todos participen en un mundo cultural común y que se pueda a través del diálogo resolver cualquier tipo de conflicto realizando plenamente la propia humanidad – y por consiguiente la propia felicidad- en una panarmonia universal. En este contexto emerge con fuerza el papel estructural de la alfabetización. El mundo alfabético esta convencional reconstrucción del mundo es el ambiente indispensable para los ideales tanto “pansófico” como “irénico”. Ahora bien, ¿cuál es la naturaleza de este mundo alfabético? La característica principal tanto de estructura como de contenido es la de constituir el libro universal de la ‘pansofia”: 7
Comenio, La via della luce, cit., p. 113.
Con relacion al tema de la pansofia remito a A. Avanzini, La Pansofia. Comenio, en L. Bellatalla, G. Genovesi (a cargo de), Storia della pedagogia. Questioni di metodo e momenti paradigmatici [Historia de la Pedagogia. Cuestion de metodo y momentos paradigmaticos], Firenze, Le Monnier, 2006. 8
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“este libro no será más que la copia compendiada de forma ordenada de los libros de Dios, es decir, de la naturaleza, de la Escritura y de las ideas innatas del hombre, de modo que sea quien sea que lo lea y lo comprenda, lea y comprenda al mismo tiempo a sí mismo, a la naturaleza y a Dios. Será, por lo tanto el Libro general al máximo y universal [...] Libro regular al máximo [...] Libro ordenado al máximo”9 (9). Existe por lo tanto para Comenio un concepto sustancial de naturalidad, formado por la naturaleza, por Dios y por la mente del hombre pero esta naturalidad es accesible sólo como una tensión límite que se estructura en la construcción de una copia convencional-cultural, gestionada y dominada por la mente del hombre: es el hombre el que ordena, que universaliza a través de la razón y que da un sentido a esta copia doble de la realidad. Como ya se ha destacado, existe en Comenio el riesgo de que esta copia adquiera el valor de una nueva naturalidad, pero tambien es cierto que en el pensamiento de Comenio, siguiendo esta linea, la dinámica de la convencionalidad adquiere una función estructural. Este mundo cultural, reconstruido por el hombre, tiene que ser estructurado de tal modo que pueda ser difundido en las escuelas universales, las escuelas de todos: la ‘pansofia”, en este punto, toma la forma de un repensamiento de todo el saber en clave educativa, que sirva para ser una estructura gracias a la cual el hombre se forma y se convierte en un sujeto consciente. La “pansofia” -posible gracias a la alfabetización-tiene de este modo la semblanza de una copia del mundo intrínsecamente imbuida de orden y de sentido educativo. Es en este momento cuando se plantea un problema fundamental: ¿a quién se puede entregar esta complicada misión de construir este mundo convencional?, ¿dónde y con qué modalidad se puede llevar a cabo este objetivo?
9
Comenio, La via della luce, cit., pp. 124-125. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Ya en la “Gran Didáctica” Comenio anticipaba que “sería necesario fundar en todos los paises del mundo una escuela de escuelas, es decir, un colegio didáctico; o [...] por lo menos cultivar una sociedad entre personas instruidas, dedicadas a promover de este modo la gloria de Dios dejando de lado distancias y diferencias”10 (10). En “El camino de la luz” este proyecto está delineado de un modo más detallado y definido y el Colegio de la Luz se define como “un colegio universal del cual [...] forman parte sabios de todo el mundo”11 (11), hombres “dotados de ingenio, diligentes, justos, fervientes amantes del bien universal12 (12) [...] imitadores del celo de los Apóstoles que se comprometen” a formar a todos los hombres en todos los saberes”13 (13). A estos hombres doctos se les define como ‘profetas de la ciencia universal’ y tambien como ‘mediadores de la felicidad universal’: como se puede ver alfabetización/conocimiento y educación son dos caras indivisibles dado que el conocimiento tiene su principio y su fin en el hombre, en la calidad de su existencia en este mundo. Este Colegio de la Luz – que es el motor de todo el proceso de alfabetización universal- lo presenta Comenio como un lugar al mismo tiempo real e ideal, un lugar animado por una profunda tensión utópica: tendría que ser una sociedad con sede en Inglaterra donde los sabios puedan verse y alimentar el debate y la comparacion ampliando el espacio de la meditacion y resolver de este modo fricciones y divergencias en un plano de imparable investigacion cultural. El Colegio de la Luz, estructurado como un dialogo permanente cuya finalidad es mantener el saber anclado en las manos del hombre, se perfila como una especie de volante hacia 10
Ibidem, p. 503.
11
Comenio, La via della luce, cit., p. 119.
12
Ibidem, p. 143.
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Ibidem, p. 142. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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una verdadera y propia teoría de la escuela: ademas de las reflexiones y estructuraciones del saber en clave educativa, los profetas de la luz tambien tienen la mision de llevar a cabo un monitorizaje constante de las escuelas universales en las que se difunde este tipo de saber. Seran ellos los encargados de la mision de estructurar y monitorizar el sistema de la escuela: “se dedicaran además a edificar escuelas en todas las naciones, ciudades, barrios y presentaran esta necesidad a los Magistrados y a demas personal con cargos publicos. Otro de los objetivos es tambien el de controlar que estas escuelas funcionen bien”14 (14). Para que este mecanismo – que prevé una continua circularidad del saber entre sabios y hombres comunes a través de la pansofia- pueda funcionar de modo perfecto es indispensable una condicion fundamental: el mundo alfabético. He aquí que vuelve a aparecer el problema clave del alfabeto, aparece con su rostro más ambiguo que es el de mediador cultural. Los hombres, de hecho, no atribuyen necesariamente a las palabras el mismo significado, creando así incomprensiones y hostilidad. ¿Cómo se puede superar la diversidad de la subjetividad que inevitablemente altera la requerida objetividad universal del alfabeto con el riesgo de modificarlo y convertirlo en un instrumento de confusion en vez que en un instrumento de comprensión? La subjetividad, con toda su alteridad, es en este momento para Comenio un problema: Si tambien en el mundo cultural esta doblez alfabética está acometida por la diversidad, por las mezquindades de las individualidades singulares, la posibilidad de diálogo cae y la ilusión de un mecanismo perfecto sufre una implosión. El camino propuesto por Comenio para resolver este dilema explica emblemáticamente la paradójica contradictoriedad entre convencionalidad y naturalidad ya mencionada. Comenio propone la creacion, ex novo, de una lengua universal, una lengua perfecta, animada por los principios de la pansofia y por lo tanto 14
Ibidem, p. 142-143. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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racional, armónica, ordenada: “es necesario que la lengua universal sea la más rica y la más copiosa de todas, tiene que ser totalmente capaz de expresar todas las cosas y de manifestar fácilmente todos los pensamiento del ánimo”. Además, ésta tiene que ser remedio universal para la confusión del alma. Esto puede obtenerse solamente si el ritmo de la lengua es paralelo al ritmo de las cosas, si esta contiene un numero de palabras que no sea ni mayor ni menor que el numero de las cosas, solo si une las palabras con el mismo, exacto orden con el que están unidas las cosas entre sí. De este modo, la lengua, imita con las palabras las cosas reales y se las presenta a la mente¨15 (15). A cada palabra, por lo tanto, tal y como Comenio había mantenido siempre en todos sus manuales, corresponde una única y sola cosa, no puede haber ningún margen para la ambigüedad: Habrá que reproducir el libro de la naturaleza en su perfección original incluso en la doblez cultural que se forma en la mente del hombre.¨ Por lo tanto proyectamos una lengua que sea totalmente 1) ¨Racional¨, que no tenga nada [...] que no este henchido de significado 2) “Analógica”, que no contenga ningún tipo de irregularidad 3)“ Armoniosa”, que no cree discordancia entre las cosas y el concepto de las cosas, y que defina, por lo tanto, con la misma palabra las cualidades esenciales de las cosas y las características diferenciales¨16 (16). La lengua universal, racional, analógica, armoniosa se le presenta a Comenio como la posibilidad de dar una forma concreta a lo que en la obra ¨Orbis¨ era un complejo reto, dado que la lengua estaba condicionada por el inevitable uso consolidado de las palabras, por el exceso interpretativo, por toda la subjetividad que cada lengua lleva en sí misma dado el uso cotidiano de ésta por parte del niño en el seno de la familia desde el momento del nacimiento. La lengua universal nos hace a todos 15
Ibidem, p. 149.
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Ibidem, p. 150. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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iguales y construye un perfecto y alfabetizado doble del mundo natural inalcanzable para el hombre sino a través de la palabra. La lengua, por lo tanto es un mundo que ha sido ordenado por una mente pensante: llevar esta lengua a todos significa llevar a la mente de todos un mundo armonioso, racional, unitario, un mundo sin guerras ni conflictos dado que en su interior no hay lugar para la ambigüedad subjetiva. Todo esto lo escribiran primero aquellos sabios que conseguirán dar una nueva vida al mundo a través de una nueva lengua. La confianza puesta en la potencia infinita de la mente humana le permite hipotetizar la posibilidad de eliminar cualquier tipo de ambigüedad abrazando la lógica de un mundo tan artificial y perfecto que se convierta de forma paradójica en el único posible. De este modo se abre a la naturalización de la naturaleza. De todas formas, es importante no subestimar como en la estructuración de esta nueva lengua, Comenio hace emerger una indicación educativa fundamental: el vínculo de unión indisoluble entre la alfabetización y la construcción a nivel de valores del mundo. El hombre es el mundo que consiga construir culturalmente. No es posible ser hombres de verdad si no se consigue llevar a cabo este pasaje cognitivo: el saber que la cultura da sustancia a nuestra identidad y que por lo tanto es posible una existencia pacífica entre los hombres. Sin subestimar como - con la condición de que se mantenga una fuerte connotación convencional de fondo- la exigencia de eliminarle la ambigüedad al lenguaje constituya un paso fundamental en la construcción de mundos realmente percibidos como algo en común. En este sentido Comenio es un hombre de su tiempo, por una parte se da cuenta de la necesidad de dar forma a un conocimiento convencional que convierte al hombre en sujeto y actor del conocimiento/transformación del mundo; por otra parte, siente la necesidad de eliminar esta subjetividad, causa de estorbo infinito para la posibilidad de conocer un mundo unitario y seguro. De este modo, al final, mueve el baricentro hacia otro mundo – un doble alfabético/cultural del mundo- del que se História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 61-78, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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eliminará cualquier tipo de residuo de imperfección y desorden a favor de reglas racionales, armónicas, que den identidad y que se reflejen a sí mismas y que den vida a una ciudad ideal que no tiende hacia la perfección sino que es ya absoluta y definitivamente perfecta.
Alessandra Avanzini, Phd, é professora de Historia da pedagogia na Universidade de Milano-Bicocca e de Didática na Universidade de Ferrara. Suas publicações: Apologia della pedagogia (Milano, 2003); Didactica. Teoria e prassi (Pisa-Tirrenia, 2006); L’educazione attraverso lo specchio (Milano, 2008); (con Luciana Bellatalla) Peter Pan. Il racconto, il mito il senso educativo (Milano, 2009).
Data de recebimento: 15/12/2008 Data de aceite:20/02/2009
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DISCURSOS DO PODER, POLÍTICA EDUCACIONAL E OS LIVROS DIDÁTICOS DE LEITURA NO RIO GRANDE DO SUL (1930/1945) Berenice Corsetti Elisabete Magda Klaus Márcia Cristina Furtado Ecoten
Resumo Este trabalho trata da relação percebida entre os discursos pronunciados pelos dirigentes maiores da educação brasileira, no período de 1930 a 1945, os quais explicitaram os pressupostos da política educacional então vigente, e os manuais didáticos de leitura utilizados nas escolas primárias do Rio Grande do Sul. Buscou-se perceber o papel por eles desenvolvidos na construção do ideário legitimador do modelo sócio-econômico e político, à época, bem como do imaginário coletivo que respaldou a consolidação desse modelo. Através de categorias teóricas que sistematizaram as informações, percebemos o universo de valores transmitidos às crianças das escolas primárias, preparando-as para a sua inserção ordeira e disciplinada na sociedade de então. Palavras-chave: Livros de leitura; Rio Grande do Sul; Política educacional. DISCOURSES OF POWER, INTERNATIONAL POLITICS, AND READING EDUCATIONAL BOOKS IN RIO GRANDE DO SUL (1930 – 1945) Abstract This paper is about the connection that has been noticed relating the discourses pronounced by the most important leaders of the Brazilian education from 1930 to 1945, that clearly stated the presuppositions of the educational politics which were current on that time, and the reading educational manuals that were used at the primary schools in Rio Grande do Sul. We have tried to notice the role played by them on building up the legitimizing ideas of the political and socioeconomic model of that time and also the collective ideas which supported the consolidation of this model. Having as our base the theoretical categories that systematized the information, we noticed the universe of values that was transmitted to the children who studied in the primary schools, preparing them to become an orderly and disciplined part of the society of that time. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
80 Keywords: Reading books; Rio Grande do Sul; Educational politics. DISCURSOS DE PODER, POLÍTICA EDUCATIVA Y LOS LIBROS DIDÁCTICOS DE LECTURA EN RÍO GRANDE DO SUL (1930/1945) Resumen Este trabajo trata de la relación que se percibe entre los discursos pronunciados por los dirigentes más importantes de la educación brasileña, en el período de 1930 a 1945, que dejaron explícitos los objetivos de la política educativa vigente de ese momento, y los manuales didácticos de lectura utilizados en las escuelas primarias de Río Grande do Sul. Se procuró entender el rol que estos manuales desarrollaron en la construcción del ideario legitimador del modelo socioeconómico y político de la época, así como el imaginario colectivo que respaldó la consolidación de ese modelo. A través de categorías teóricas que sistematizaron las informaciones, hemos notado el universo de valores transmitidos a los niños de las escuelas primarias, preparándolos para su inserción organizada y disciplinada en la sociedad de entonces. Palabras clave: Libros de lectura; Río Grande do Sul; Política educativa. DISCOURS DU POUVOIR, POLITIQUE ÉDUCATIONNELLE ET LES LIVRES DIDACTIQUES DE LECTURE AU RIO GRANDE DO SUL (1930/1945) Résumé Ce travail se penche sur la relation entre les discours prononcés par les dirigeants de l’éducation brésilienne entre 1930 et 1945, qui ont exprimé les présuposés de la politique éducationnelle d’alors et les manuels didactiques de lecture utilisés dans les écoles primaires du Rio Grande do Sul. L’on a cherché à comprendre le rôle qu’ils ont joué dans la construction de l’idéal qui légitimait le modèle socioéconomique et politique à cette époque-là et de l’imaginaire collectif qui a soutenu la consolidation de ce modèle. Au moyen de catégories théoriques qui ont systématisé les informations, on perçoit l’univers de valeurs transmises aux enfants des écoles primaires, qui les préparent pour leur insertion disciplinée dans la société de l’époque. Mots-Clés: livres de lecture; Rio Grande do Sul; politique éducationnelle.
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Introdução Este trabalho apresenta resultados parciais alcançados através de investigação que vem sendo realizada em manuais didáticos do período de 1930/1945, bem como sobre sua relação com a política educacional adotada no Rio Grande do Sul, no período. Aqui tratamos especificamente da utilização dos livros de leitura, que foram analisados com vistas à percepção do papel por eles desenvolvidos na construção do ideário legitimador do modelo sócio-econômico e político, à época, bem como do imaginário coletivo que respaldou a consolidação desse modelo. O procedimento metodológico utilizado foi o de selecionar o conteúdo identificado nos livros, agrupando-o através de categorias teóricas escolhidas para organizar as informações. As categorias definidas foram: trabalho, propriedade, hierarquia, família, ordem, civismo, heróis, higienização e educação, que foram aproximadas e analisadas dialeticamente. Esses elementos foram cruzados com os discursos dos dirigentes maiores da política educacional brasileira, permitindo perceber a articulação que se estabeleceu entre os pressupostos políticos e educacionais divulgados nacionalmente e o papel dos livros de leitura na sua divulgação e disseminação junto às crianças das escolas primárias do Rio Grande do Sul.
1 O contexto histórico e a política educacional Entre 1930 e 1945, a história brasileira iniciou um expressivo esforço de construção de um projeto nacional baseado na industrialização, fundamentado numa política de substituição de importações. O modelo de desenvolvimento nacional constituído a partir de então se relacionou com a consolidação do poder central, que se esboçou em 1930 e se confirmou em 1937. O país foi dotado de um centro de decisões com considerável História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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autonomia, no contraponto aos grupos econômicos e políticos tradicionais. Diversas ações políticas foram desenvolvidas, caracterizando políticas públicas peculiares da época, tanto no campo econômico como social. O Rio Grande do Sul, entre 1930 e 1945, de forma distinta do processo que se desenvolvia a nível nacional, manteve sua economia baseada na agropecuária. É um período em que as atividades econômicas permitiam a seus dirigentes – homens de Estado, empresários e muitos outros – alimentarem-se de muito otimismo, frente à convicção de que uma industrialização diferenciada surgiria organicamente das forças econômicas sulinas. Na década de 1950, essa certeza deu lugar a dúvidas e ao pessimismo, o que reorientará a ação do Estado no campo econômico. Para os fins deste trabalho, iremos nos restringir á caracterização do período que é alvo de nosso interesse. Durante os anos situados entre 1930 e 1945, a economia política gaúcha caracterizou-se por atingir o apogeu de seu modelo histórico de desenvolvimento, construído ao longo de um século. O referido modelo implicou num processo de acumulação de riquezas, de capital e de dominação política bastante próprio, com características econômicas, políticas e ideológicas. O modelo histórico gaúcho foi composto por uma economia regional capitalista com linhas próprias, cujo eixo central esteve fundamentado nas atividades agropecuárias conectadas às atividades fabris e exportadoras. A ideologia de “democracia agrária”, “desenvolvimento harmônico das forças produtivas” e a perspectiva do Estado depender sempre de suas próprias forças para avançar no seu desenvolvimento, completou esse modelo. Evidenciou-se, assim, uma dinâmica econômica caracterizada por sua dependência das remessas para outras regiões brasileiras e da expansão dos mercados urbanos, bem como por encontrar, na organização agrária, um mercado pouco expressivo para seu crescimento. O papel do Rio Grande do Sul, no cenário nacional, restringiu-se, nesse período, o de ser uma área de História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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abastecimento, sobretudo de matérias-primas para o exterior e de gêneros alimentícios para o mercado interno nacional. Em termos políticos, o período em questão foi marcado pelos governos de Flores da Cunha (interventor de 1930/1914 e governador de 1914 a 1937), bem como pela administração dos interventores indicados durante o Estado Novo: o coronel Daltro Filho (1937/1938), o coronel Osvaldo Cordeiro de Farias (1938/1943) e o coronel Ernesto Dornelles (1943/1945). Durante o período ditatorial, consolidou-se a intervenção estatal na economia, na política e na sociedade. O Rio Grande do Sul passou a aplicar uma série de medidas determinadas pelo governo federal. Foram extintos os partidos políticos, queimadas as bandeiras estaduais e eliminados os símbolos regionais. A campanha de nacionalização teve forte extensão no Estado, sobretudo nas regiões coloniais de origem italiana e alemã. As pesquisas que realizamos demonstraram o impacto das medidas nacionalizadoras implementadas no período, integrando a política educacional adotada à época, cujo conjunto de ingredientes estamos ainda investigando. É nesse contexto, que merece ser considerado como pano de fundo histórico do período que estamos analisando, que a política educacional vai ter importância significativa, tendo sido sintonizada, a nível nacional, com a modernização industrial e o projeto de desenvolvimento posto em curso no país, à época.
2 Discursos do poder e política educacional Visando perceber a relação existente entre o conteúdo dos discursos proferidos pelos formuladores das políticas educacionais no Brasil e os pressupostos dessas políticas existentes nos livros didáticos de leitura, no período estudado, no Rio Grande do Sul, utilizamos quatro textos que registram os discursos pronunciados, no período de 1933 a 1938, pelo Presidente Getúlio Vargas, em momentos específicos, ou seja: os História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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discursos pronunciados por Vargas, na Bahia, em 18 de agosto de 1933, sobre a instrução profissional e a educação moral, cívica e agrícola: em 10 de maio de 1936, em resposta à manifestação popular recebida, na capital federal, por ocasião do regresso de Petrópolis, sobre a necessidade e dever de repressão ao comunismo; na cerimônia comemorativa do primeiro centenário da Fundação do Colégio Pedro II, no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1937, sobre os problemas da educação nacional. O quarto texto retratou parte do discurso de Vargas, nesta última solenidade, bem como o pronunciamento do Ministro Gustavo Capanema, nessa ocasião. O papel da política educacional aparece com muita relevância, nas falas oficiais, como podemos perceber nas palavras de Getúlio Vargas1: [...] precisamos, com maior urgência, dar sentido claro, diretrizes construtoras e regras uniformes à política educacional, o mais poderoso instrumento a utilizar no fortalecimento da nossa estrutura moral e econômica. Dentro dessa orientação se vem processando, precisamente, desde 1930, a atividade governamental. Cuidou-se de ampliar as possibilidades do Estado em todos as graus da instrução e ramos do ensino. Houve sempre [...] convicção de que educar não é apenas transmitir conhecimento ou conferir diplomas de capacidade intelectual.”(1937: 09) [...] O preparo profissional constitui outro aspecto urgente do problema e foi igualmente considerado nas responsabilidades do novo regime. Cabe aos elementos do trabalho e da produção, agrupados corporativamente, colaborar com o Governo para formar os técnicos de que tanto carecemos. (1937, p. 9-10)”.
Esclarecemos que, em todas as citações que estamos apresentando nesse trabalho, os grifos são nossos e estão sendo utilizados para ressaltar não apenas elementos relevantes dos conteúdos escolhidos, mas, também, para permitir a percepção da articulação entre as diferentes categorias teóricas que escolhemos para organizar as informações coletadas.
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Em relação à política educacional, outros ingredientes podem ser percebidos, nos discursos do Presidente, onde a forte vinculação com a nacionalização e com os valores cívicos e morais é claramente perceptível: A iniciativa federal, para maior difusão do ensino primário, em obediência aos preceitos da nova Constituição, se processará de forma intensiva e rápida, estendendo-se a todo o território do país. Não se cogitará apenas de alfabetizar o maior número possível, mas, também, de difundir princípios uniformes de disciplina cívica e moral, de sorte a transformar a escola primária em fator eficiente na formação do caráter das novas gerações, imprimindo-lhes rumos de nacionalismo sadio [...] A educação é, entretanto, um problema nacional por excelência. Torna-se preciso e urgente, por isso, fazer emanar no poder federal tudo o que se refere à sua definição e disciplina. O Código de Educação Nacional, quase terminado, se destina a sanar tão considerável falha, e possivelmente será decretado ainda em 1938. (1938, p.183)
Essa perspectiva é respaldada por Gustavo Capanema, que discute a expansão do ensino relacionada com a questão nacional: Não bastará difundir escolas. É preciso que cada uma delas, desde a mais singela até a mais complexa, seja organizada de tal modo que funcione [...] como centro de preparação integral de cada indivíduo, para o serviço da Nação [...] o programa educativo que por ela deve ser desenvolvido [...] constituem, pois, essencial tarefa a que se deve propor o Governo Federal. Ele pretende realizá-la por meio do Instituto Nacional de Pedagogia [...] montado como um centro de estudos, inquéritos e pesquisas educacionais, e constituirá um órgão de orientação pedagógica, destinado a influir decisivamente na organização e no funcionamento das escolas. (1937, p. 25-26)
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A importância da educação é salientada de forma expressiva, tanto nos discursos de Vargas como de Capanema, numa relação muito forte com o projeto nacional. Selecionamos algumas das falas desses dirigentes, que possibilitam identificar o projeto educacional do governo, no período em estudo. O processo mais adequado às nossas condições sociais é o que consiste na preparação equilibrada do espírito e do corpo, transformando cada brasileiro em fator consciente e entusiasta do engrandecimento pátrio. [...] A Constituição em vigor estabelece a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário. O volume dos iletrados constitui obstáculo ponderável, tanto ao aparelhamento institucional, como para o desenvolvimento das atividades produtivas. (VARGAS: 1937, p. 10) A partir dos [...] pioneiros da escola nova [...] A educação passou, então a ser considerada como uma função social de excepcional relevo, e a sua finalidade já não era simplesmente ministrar noções e conhecimentos assentados, mas essencialmente preparar a criança e o adolescente para viver em sociedade [...] Educar seria rigorosamente socializar o ser humano. Despertar no indivíduo o máximo de eficiência, e atirá-lo no largo fórum das competições humanas, eis aí a finalidade visada pela nova pedagogia. (CAPANEMA: 1937, p. 17-18)
Uma longa exposição de Gustavo Capanema merece destaque, pelo conjunto de pressupostos que apresenta, no que tange à política educacional: A educação, no Brasil, tem que colocar-se agora decisivamente ao serviço da Nação. Sabemos que o Estado tem por função fazer com que a Nação viva, progrida, aumente as suas energias e dilate os limites de seu poder e de sua glória. É esta a decisão com que, no Brasil, o Estado agora se estrutura e mobiliza os seus instrumentos. Ora, sendo a educação um dos instrumentos do Estado, seu papel será ficar ao serviço da nação. [...] A nação tem um conteúdo específico. É uma realidade moral, política e econômica. Assim, quando História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
87 dizemos que a educação ficará ao serviço da nação, queremos significar que ela, longe de ser neutra, deve tomar partido, ou melhor, deve adotar uma filosofia e seguir uma tábua de valores, deve reger-se pelo sistema das diretrizes morais, políticas e econômicas, que formam a base ideológica da Nação, e que, por isso, estão sob a guarda, o controle ou a defesa do Estado. A educação atuará, pois, não no sentido de preparar o homem para a ação qualquer na sociedade, mas precisamente no sentido de prepará-lo para uma ação necessária e definida de modo que ele entre a constituir uma unidade moral, política e econômica, que integre e engrandeça a Nação. O indivíduo assim preparado [...] Virá para construir a Nação, nos seus elementos materiais e espirituais, conforme as linhas de uma ideologia precisa e assentada, e ainda para tomar a posição de defesa contra as agressões de qualquer gênero que tentem corromper essa ideologia ou abalar os fundamentos da estrutura e da vida nacional. (1937, p. 19-22)
Vargas destaca, no desenvolvimento da educação nacional, o papel do professor: A palavra do professor não transmite apenas conhecimentos e noções do mundo exterior. Atua agilmente pelas sugestões emotivas, inspiradas nos mais elevados sentimentos do coração humano. Desperta nas almas jovens o impulso heróico e a chama dos entusiasmos criadores. Concito-vos, por isso, a utilizá-la no puro e exemplar sentido do apostolado cívico – infundindo o amor à terra, o respeito às tradições e a crença inabalável nos grandes destinos do Brasil.” (1937, p.12) [...] Trabalhadores intelectuais de todo o país, especialmente aqueles que se consagram ao grave ofício de educar, devem ter, neste momento, os olhos e o coração voltados para o Brasil, procurando compreender as exigências duras do presente e correndo a oferecer a vocação, o esforço e o sacrifício à maior das empresas, de que a salvação nacional depende, e que é a educação completa da infância e da juventude. Em matéria de educação, cabe, sem dúvida, ao Governo federal o papel precípuo e decisivo. (1937, p.16) História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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A formação dos professores é preocupação expressa pelo Ministro Capanema: [...] a primeira medida a ser tomada para a organização de um grande programa de realizações educacionais, é instituir os cursos e montar os estabelecimentos necessários à formação moral e técnica dos professores. [...] preparação de professores primários, já se fundaram [...] Esta necessidade é sobretudo imperiosa, no que diz respeito à formação de professores para o ensino secundário, para o ensino profissional de todos os ramos e graus e para o ensino rural. O Governo Federal, nesta matéria, atuará [...] fundando e mantendo estabelecimentos especiais de preparação do magistério. (1937, p. 41)
A utilização da escola, sobretudo a primária, para a formação do cidadão que interessava ao projeto de desenvolvimento capitalista patrocinado pelo Estado, na Era Vargas, aparece com destaque, nas falas pronunciadas pelo Ministro da Educação, em 1937: [...] se a educação visa preparar o homem completo, isto é, como pessoa, como cidadão e como trabalhador, afim de que êle realize integralmente, no plano moral, político e econômico, a sua vida, para servir a Nação, se a educação tem esta grave finalidade, claro está que o Estado deve assumir a sua suprema direção [...] Cumpre fixar, em um corpo de lei, os preceitos diretores da educação nacional, de modo que todas as atividades educacionais do país, de caráter federal, estadual, municipal ou privado, se rejam pela mesma disciplina. Serão aí estabelecidas as diretrizes ideológicas, sob cuja influência toda a educação será realizada [...] Tal corpo de lei constituirá o Código da Educação nacional. (p. 23) [...] O ensino primário tem que ser considerado, sobretudo, como o verdadeiro instrumento de modelação do ser humano [...] despertar e acentuar na criança as qualidades e aptidões de ordem física, intelectual e moral, que a tornem rica de personalidade e ao mesmo tempo dotada de disciplina e eficiência, estes dois atributos essenciais do cidadão e do trabalhador. (p. 27) História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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O ensino profissional, criado no período do Estado Novo, é uma das marcas constitutivas da política educacional à época. Vargas e Capanema reforçam essa iniciativa, conforme suas palavras apresentadas abaixo deixam perceber: [...] a Constituição declara que, em matéria de educação, difundir o ensino profissional é o primeiro dever do Estado. [...] o Brasil precisa urgentemente de adaptar-se às condições contemporâneas, formando numerosas equipes de profissionais, aptos a servir-se das forças mecânicas, que dominam tôdas as formas da atividade do homem moderno [...] O ensino profissional está sendo considerado em seus vários ramos: industrial, agrícola, comercial e doméstico [...] O Ministério da Educação e Saúde está procedendo à montagem de um sistema de liceus, em todo o território do país, nas zonas urbanas e rurais, afim de levar a educação profissional de todos os ramos e graus aonde que as necessidades técnicas da população não possas cabalmente ser atendidas pelas iniciativas locais. [...] Prosseguirá o Governo Federal, com esforço cada vez maior, na construção e no aparelhamento dessa rede de liceus, destinados a dar a todo o país, conforme as peculiaridades de cada região, o ensino profissional capaz de transformar a juventude brasileira que aí vem, num exército de trabalhadores competentes, úteis a si mesmos e à Nação. (CAPANEMA: 1937, p. 28-31)
Como é possível depreender dos trechos selecionados, a visão hierárquica da sociedade marca, também a educação brasileira, ou seja, para os pobres, o ensino primário e profissional, para a elite, o ensino secundário e superior. Essa compreensão pode ser complementada com a passagem exposta a seguir: [...] acentuar o caráter cultural do ensino secundário, de modo que êle se torne verdadeiramente o ensino preparador da elite intelectual do país. Para isto, força é excluir toda a preocupação de enciclopedismo, que é de natureza estéril, para que tomem o primeiro lugar,
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90 no programa secundário, sólidos estudos das clássicas humanidades. (CAPANEMA: 1937, p. 31-32)
A defesa da ordem, envolvendo a hierarquia social e o trabalho, tem forte presença nos discursos oficiais: A nova Constituição, colocando a realidade acima dos formalismos jurídicos, guarda fidelidade às nossas tradições e mantém a coesão nacional, com a paz necessária ao desenvolvimento orgânico de todas as energias do país. Os imperativos de ordem e segurança predominam. Garante o trabalho e o capital, a família e o Estado, as atividades produtivas e o funcionamento regular do poder público. [...] Nenhum governo, nos dias presentes, pode desempenhar a sua função sem satisfazer as justas aspirações das massas trabalhadoras. Podeis interrogar, talvez: quais são as aspirações das massas obreiras, quais os seus interesses? E eu vos responderei: a ordem e o trabalho! Em primeiro lugar, a ordem, porque na desordem nada se constrói; porque, num país como o nosso, onde há tanto trabalho a realizar, onde há tantas iniciativas a adotar, onde há tantas possibilidades a desenvolver, só a ordem assegura a confiança e a estabilidade. [...] O trabalho só se pode desenvolver em ambiente de ordem. [...] O trabalho é o maior fator da elevação da dignidade humana! Ninguém pode viver sem trabalhar; e o operário não pode viver ganhando, apenas, o indispensável para não morrer de fome! O trabalho justamente remunerado eleva-o na dignidade social. (VARGAS: 1938, p.114/115 e 203-204)
A defesa da hierarquia social e da família também merece destaque, através da abordagem que é feita da educação da mulher. O trecho a seguir traduz exemplarmente essa situação. Os poderes públicos, tendo em mira que a finalidade da educação é preparar o indivíduo para a vida moral, política e econômica da Nação, devem na organização dos estabelecimentos de ensino, considerar diversamente o homem e a mulher. [...] no mundo moderno, um e outro são chamados à mesma quantidade de esforços pela obra História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
91 comum. Pois a mulher se mostrou capaz de tarefas as mais difíceis e penosas, outrora retiradas de sua participação. A educação a ser dada aos dois há de, porém, diferir, na medida em que diferem os destinos, que a Providência lhes deu. Assim, se o homem deve ser preparado, com têmpera militar, para os negócios e as lutas, a educação feminina terá outra finalidade, que é o preparo para a vida do lar. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, é a base de nossa organização social e está, por isso, colocada sob proteção especial do Estado. Ora, é a mulher que funda e conserva a família, como é também por suas mãos que a família se destrói. Ao Estado, pois, compete, pela educação que lhe ministra, prepará-la convenientemente para a sua grave missão. E é assim que a educação feminina, pela importância de que se reveste, passa a exigir dos poderes públicos cuidados e medidas especiais. (CAPANEMA, 1937, p. 40)
O conteúdo moral do processo educativo é ressaltado em inúmeras passagens dos discursos oficiais dos dirigentes brasileiros, das quais selecionamos a seguinte: Qualquer escola, seja qual for o grau ou ramo do seu ensino, mas sobretudo a escola primária, deve incluir, no programa de seus trabalhos, a educação moral. [...] O Governo Federal tem em alta conta este aspecto do problema educacional. No Código da Educação Nacional, a educação moral, de que o ensino religioso é a base das mais sólidas, terá definição plena. [...] À propósito da educação moral [...] um dos elementos educativos de mais alto valor, o canto orfeônico, que deverá ser organizado e praticado em todas as escolas do país. (CAPANEMA: 1937, p. 39)
A relação entre educação, trabalho, saúde e higiene, é expressa de forma significativa nas falas oficiais, constituindo-se, igualmente, em forte conteúdo da política educacional do período. As palavras de Vargas e Capanema, nesse sentido, são expressivas: A par da instrução, a educação: dar ao sertanejo [...] a consciência dos seus direitos e deveres; fortalecer-lhe a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
92 alma, convencendo-o de que existe solidariedade humana; enrijar-lhe o físico pela higiene e pelo trabalho, para premiá-lo, enfim, com a alegria de viver, proveniente do conforto conquistado pelas próprias mãos. [...] instruir [...] dotando cada cidadão de um ofício que o habilite a ganhar independência, a vida ou transformando-o em um produtor inteligente de riqueza, com hábitos de higiene e de trabalho, consciente do seu valor moral (VARGAS: 1933: p. 119, 121- 122) A educação física, pelo papel que representa na formação integral da personalidade, deve ser ministrada em todas as escolas. As crianças e os adolescentes, sejam quais forem os estudos a que estejam consagrados, precisam receber, com método, segundo processos racionais, esta espécie de educação, que lhes será propícia à saúde, que lhe dará ao corpo equilíbrio e agilidade, que o dotará de coragem, alegria e fervor, que concorrerá, afinal, para lhes robustecer o caráter e a inteligência. (CAPANEMA: 1937, p. 38)
O combate ao comunismo é largamente pregado pelo Presidente Vargas, em sua manifestação na capital federal, em 1936: A ação devastadora do comunismo russo é vária e multiforme [...] engendrou uma técnica especializada do crime contra a ordem social [...] atividade anti-social dos audazes agitadores adestrados e mantidos pela INTERNACIONAL COMUNISTA instalada em Moscou. [...] aos comunistas [...] aos que nos afrontam e atacam dentro de nossa própria casa devemos dispensar tratamento bem diverso. Contra os inimigos de portas a dentro [...] a luta deve ser dura., decidida e constante. Para combatê-los, é indispensável a união dos brasileiros de todas as camadas sociais e de todos os matizes políticos, antepondo uma muralha intransponível à onda dissolvente que pretende destruir os nossos lares e aniquilar, com o patrimônio material e espiritual dos nossos maiores, o próprio futuro dos nossos filhos. (p. 151-154)
Os elementos acima apresentados, e que refletem importantes aspectos da política educacional nacional do período, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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serão relacionados com o conteúdo que encontramos nos livros de leitura, adotados no Rio Grande do Sul à época.
3 Os livros de leitura como instrumento da política educacional Na busca de elementos empíricos que nos possibilitassem compreender a política educacional implementada no Rio Grande do Sul, no período de 1930 a 1945, os livros didáticos nos permitiram perceber aspectos significativos do processo estudado. Do conjunto de exemplares localizados, a opção inicial foi a análise dos livros de leitura, pelo conjunto de elementos que afloraram, em termos do conteúdo dos mesmos, em que foi possível identificar forte relação com a política educacional então implementada. O procedimento metodológico utilizado foi o de selecionar o conteúdo identificado nos livros, agrupando-o através de categorias teóricas escolhidas para organizar as informações. Essas categorias, uma vez aproximadas, permitiram perceber os ingredientes ideológicos que integraram o processo de consolidação do modelo político, econômico e social implementado no Rio Grande do Sul, à época. As categorias escolhidas foram: trabalho, propriedade, hierarquia, família, ordem, civismo, heróis, higienização e educação. Esclarecemos que algumas dessas categorias encontramse articuladas, em diversos momentos, na construção dos conteúdos dos livros de leitura, que eram utilizados pelas crianças das escolas primárias do Rio Grande do Sul. Chama a atenção a afirmativa que encontramos, na introdução da obra de Erasmo Braga, sobre o papel que foi destinado ao livro de leitura que o autor apresentava e que é um indicativo do papel a ele conferido, como podemos apreciar através das palavras do autor:
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94 Este livro de leitura tem por fim principal fornecer ao professor material para o ensino da leitura, ao passo que proporciona ao alumno assuntos vários que visam a sua educação intelectual, cívica e moral sem perder de vista os elementos estheticos [...] O presente volume constitui uma galeria de quadros da vida comum, singela e sadia de indivíduos a quem a economia e um inteligente governo doméstico fazem otimistas e felizes. (BRAGA, S/D. III.)
Para fins deste trabalho, iremos trazer as reflexões que desenvolvemos a partir das categorias indicadas, ressaltando que se trata de uma primeira sistematização de um universo de informações bem mais amplas do que poderemos retratar aqui. A consolidação do ideário nacionalizador e legitimador do Estado-Nação que se afirmava, à época, destacam-se elementos que merecem ser explicitados. O civismo é permanentemente salientado, como podemos observar através dos trechos escolhidos e que expomos a seguir. É no trabalho honesto, que enriquece a nação. É com a instrução militar para a defesa da Pátria, na hora do perigo. É servindo bem a Pátria, na paz e na guerra. (BRAGA, 1944, p.41) Ninguém é humilde demais para cumprir o seu dever com heroísmo e dedicação. (BRAGA, 1944, p.137) [...] os meninos podem prestar grandes serviços á sua pátria e á humanidade, com muita inteligência e coragem. (BRAGA, S/D. p.112)
A pátria, como conceito chave, aparece com destaque em todas as publicações analisadas, como é possível perceber nos trechos que selecionamos, entre outros tantos que poderíamos apresentar, mas que, pelas dimensões deste texto, não puderam ser incluídos. O patriotismo exclue effectivamente o cosmopolitismo [...] Há [...] quem pregue e sustente o cosmopolitismo [...] Brazil, para nós o seu território é mais sagrado do que qualquer outro, o seu pavilhão mais digno da nossa veneração que todas as bandeiras do mundo. (RIBEIRO, S/D. p. 89) Conhecer a historia da patria é conhecer as História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
95 suas lutas e os seus revezes; os seus triumphos e os seus dias gloriosos; os homens que a tem illustrado em todos os tempos [...] heróicos antepassados que morreram combatendo os primeiros inimigos, exppelindo os primeiros invasores, edificando com sangue e lagrimas os primeiros templos e as primeiras cidades. (RIBEIRO, S/D. p. 120-121) [...] a pátria precisará do vosso concurso, das vossas faculdades, do vosso amor, do vosso patriotismo [...] é necessario que vos mostreis dignos de tamanha gloria servindo-a com todas as dedicações. (RIBEIRO, S/D. p.121) [Para servir a pátria] [...] basta que eu seja instruído, honesto e trabalhador. [...] homem vadio ou [...] criminoso [...] se pensasse na pátria não praticaria actos indignos della! [...] O que ama o seu paiz deve honral-o, engrandecel-o. (RIBEIRO, S/D. p. 120)
Os efeitos da campanha de nacionalização tão fortemente implementada no período de nosso estudo, também podem ser percebidos, sobretudo no que tange às regiões coloniais: “[...] sou de origem italiana, o Brasil é minha pátria. Sou brasileiro de nascimento e de coração. Pelo Brasil farei tudo.” (S/A. 1930, p. 93) Não faltam exemplos edificantes do mais exacerbado patriotismo, como destaca a apologia feita a figuras representativas da história brasileira: “General Osório, um grande general gaúcho [...] soldado da pátria e da liberdade [...] um semi-deus [...] Avante! Viva o Brasil! avante! avante!” (S/A. 1930, p. 54) A idéia de ordem é ressaltada tanto no plano social como familiar, configurando mais um dos ingredientes que integraram o imaginário coletivo reforçado pelo conteúdo dos livros de leitura: Começa-se por casa, meu filho. É aqui, aprendendo a cumprir o dever, a falar a verdade, a obedecer e a servir, a trabalhar e tornar-nos úteis, a estimar aqueles que Deus nos deu. (BRAGA, 1944, p. 40-41) Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar – esta é a norma que a mamai dá aos domesticos para trazer a casa em ordem. (BRAGA, S/D. p.07) [...] juiz [...] garantia da paz e da ordem pública [...] (BRAGA, S/D. p. 119) História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Nesse contexto, o valor do núcleo familiar é ressaltado com destaque, nas publicações analisadas, complementando o universo de valores destacados: “A primeira de todas as escolas é a familia, porque os primeiros educadores são o pae e [...] a mãe sobretudo.” (RIBEIRO, S/D. p.97) Salta aos olhos do leitor atento a valorização e naturalização dos valores relacionados ao modelo capitalista, já dominante no cenário gaúcho, mas cujo reforço destaca-se em vários aspectos. A defesa da propriedade privada é um dos mais expressivos. Nunca se deve entrar na propriedade alheia sem a licença do dono, especialmente quando se pretende utilizar de qualquer coisa, seja do terreno, da mata ou da água. (BRAGA, 1944, p. 111) Reparem como é bonita a nossa casa. Não é rica, não tem luxo. Mas é a nossa casa. Foi papai quem comprou o terreno, trabalhou muito. Economizou muito. (BRAGA, 1944, p. 5-6) [...] as leis do nosso paiz e estas garantem a cada um o direito de propriedade.” (BRAGA, S/D. p.117) Tirar de outrem o que lhe pertence é uma violencia. (RIBEIRO, S/D. p. 66) Até aqui, meus amigos, tenho falado dos deveres que consiste em não atacar a vida, a liberdade e os bens dos nossos semelhantes. (RIBEIRO, S/D. p 68) A economia é a base da prosperidade. (S/A. 1930, p.36)
Aliado ao valor da propriedade, encontramos a defesa ideológica do trabalho, como valor social e produtivo. São muitas as representações de ingrediente fundamental para a configuração do ideário social do período, como podemos perceber através das citações que escolhemos, entre tantas outras que poderiam ser ainda incluídas, pois realmente é surpreendente como os livros de leitura acentuam este elemento constitutivo do ideário da época. Eu e o José começamos a trabalhar pela Pátria. O filho do vizinho, o Tonico, não sabe ler. Pedimos ao papai que comprasse uma cartilha, um caderno e um lápis. E começamos a dar-lhe as nossas lições. (BRAGA, 1944, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
97 p. 42) Quem não sabe empregar bem seu tempo, e desperdiça as horas vagas, perde muito. Há no trabalho, tanta alegria que é uma pena, se não a soubermos aproveitar. (BRAGA, 1944, p. 157) Madruga e verás, trabalha e terás. (BRAGA, S/D. p.5) Reserve-se o dia para o trabalho, a noite para o descanço, e o domingo para as relações sociais e a vida ao ar livre. O domingo é o descanço instituído por Deus em favor do operário. (S/A. 1930, p. 152)
O objetivo do formar cidadãos saudáveis, através da escola, aparece muito nítido, em numerosos trechos dos livros de leitura. Os cuidados com o corpo, os hábitos de higiene e a atenção com a saúde são aspectos recorrentes e que revelam um dos elementos da política educacional do período, como podemos perceber pelas citações apresentadas abaixo. [...] O asseio deve existir em todos os aposentos, porque ele é um auxílio para a nossa saúde e nos faz bem, na medida do esforço que empregamos para guardá-lo. (HEUSER, 1943, p.84) Mamãe ralhou com ele por ter rasgado a jaqueta e sujado a calça de tinta. Ela quer que sejamos asseados: faz-nos todas as manhãs tomar banho, escovar os dentes e pentear os cabelos; antes das refeições também nos penteamos e lavamos as mãos; quando as unhas estão crescidas, manda-nos cortá-las e recomendanos que devemos trazê-las sempre limpas. [...] Devemos cuspir na escarradeira e não no chão; mas o melhor é evitar o mau hábito de cuspir. (HEUSER, 1943, p.108)
A hierarquia social também é consagrada através dos livros didáticos, conferindo uma naturalidade à ordem social e às desigualdades sociais nitidamente perceptíveis, nas obras didáticas que analisamos: Todos os empregados seguem uma regra, que mamãe repete, para que a casa esteja sempre em ordem. Essa regra é: um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar. Siga também esta regra. (BRAGA, 1944, p.11) As desigualdades que existem são inevitáveis, e consideramse desigualdades necessarias: - dependem da intelligencia, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
98 da saude e da fortuna. (RIBEIRO, S/D. p. 91) Qualquer que seja a idade ou condição de um filho, deve elle sempre reconhecer, tanto em seus paes como em seus legitimos superiores, uma autoridade necessaria e incontestavel. (RIBEIRO, S/D. p. 101) Os criados são os domésticos. Elles recebem pagamento pelo serviço que prestam. São pessoas de confiança. [...] Todos em casa trabalham para si e para o bem de todos. Os domesticos têm dia de folga e hora de repouso. Elles, porem, servem de boa vontade em todas as ocasiões que a família precisa de seus serviços. (BRAGA, S/D. p.6)
Aliado a esse conjunto de valores que apresentamos, e que vão configurando o universo ideológico legitimador da ordem social, econômica e política implementada à época, no Rio Grande do Sul, os valores morais aparecem, com clareza, cimentando o imaginário coletivo que predominou à época. O tempo proprio para educar a vontade é a juventude. (RIBEIRO, S/D. p. 24) A ociosidade é um perigo constante, pois está cercada de todos os vicios, associada de antemão a todos os crimes. (RIBEIRO, S/D. p. 30) O homem ocioso [...] é um depravado e o seu contato deve ser evitado como se fosse um leproso. (RIBEIRO, S/D. p. 30)
Nesse contexto, a importância da educação é da maior relevância, já que é através da atividade educativa que o conjunto de valores até aqui apresentados foi sendo legitimado, reforçado e consolidado. O valor do trabalho, por exemplo, é amplamente difundido pela escola: A instrução é a riqueza do pobre. Devemos aplicar toda a nossa intelligencia ao estudo, pois a ignorância é um grande mal. O trabalho afugenta o aborrecimento. (S/A. 1930, p. 6) [...] os nossos alunos não recebem isso de favor – êles obtêm sua merenda pelo seu trabalho. Vamos ver as oficinas e a horta. (BRAGA, 1944, p. 124)
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A importância da leitura, na apropriação das idéias é defendida pelos próprios manuais didáticos: “A leitura é instrumento de ideação e expressão. É o meio e não o fim. Por ela granjeiam-se idéias e aprende-se a exprimi-las.” (MORAIS, 1930, p. 307) Na construção do imaginário social da época, o papel da educação é sistematicamente reafirmado: “A maior riqueza de um povo é a instrução – saber ler e escrever.” (BRAGA, S/D. p. 40). A escola para filhos dos operários não é proposta como um direito de todos e dever do Estado, fato que, ao longo do período passa a sofrer transformações, com o estabelecimento da educação primária pública e gratuita. Os livros de leitura analisados ainda reforçam o caráter privado da educação: Não é gratuita – todos pagam um pouquinho [...] Em nossa terra ha a idea que o governo tem a obrigação de fazer tudo o que o povo precisa. Mas [...] homens inteligentes já comprehendem que os cidadãos devem cuidar do povo, sem pedir auxilio ao governo. (BRAGA, S/D. p. 126-127)
Um dos ingredientes expressivos da política educacional do período é a implementação da educação profissional, defendida tanto a nível nacional como regional. E os livros de leitura não deixaram escapar esse aspecto, ao propor a implementação de escolas profissionalizantes: Tanto aos governos como á sociedade incumbe o dever de fundar ESCOLAS PROFISSIONAIS, CURSOS MODELOS [...] (RIBEIRO, S/D. p. 32) [Cursos profissionais; instrução e trabalho] [...] combate do trabalho contra a miséria [...] onde não ha canhões, nem trincheiras [...] mas o suor que fecunda, as fábricas, as oficinas, as escolas, os cursos profissionais, os certames da industria, as academias, e por fim o vapor e a eletricidade vinculando e unificando os povos! (RIBEIRO, S/D. p. 3)
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A modernização almejada pela nação brasileira passava pela educação, o que é salientado insistentemente nas páginas dos livros de leitura que analisamos: [...] eis a divisa do século [...] a sciencia [...] hoje ela é acessivel a todas as classes sociais [...] (RIBEIRO, S/D. p. 4) Para gozar da mais ampla liberdade é mister que a intelligencia se haja desenvolvido pelo estudo. (RIBEIRO, S/D. p. 13) [...] a instrução dá-nos a sciencia, mas a educação dá-nos a sabedoria. (RIBEIRO, S/D. p. 51)
Papel de destaque é atribuído, nas obras investigadas ao professor primário, cuja função social é largamente alardeada. No entanto, percebe-se a visão idealizada desse mestre, muito mais um missionário a serviço da nação do que um profissional da educação. Essa configuração ideológica do professor encontra sua explicação na política educacional da época e no ideário que a legitimou. Também seu caráter de substituto dos pais é emblemático: [...] devido também ás profissões que exercem e lhes roubam o tempo, não podem cuidar, tanto quanto desejam do preparo do coração de seus filhos. Eis ahi o professor primario substituindo esses paes e essas mães que, depositam nelle o mais sagrado dos penhores [...] (RIBEIRO, S/D. p. 111) [...] para que os meninos possam bem compenetra-se de tão gratos deveres, preciso é que formem uma justa ideia da missão e da autoridade dos mestres [...] O professor é um segundo pae [...] (RIBEIRO, S/D. p. 110) [...] sua missão não se limita pois em derramar [...] os conhecimentos indispensaveis na vida; elle exerce a um tempo dois nobilíssimos sacerdócios – ensina e educa [...] basendo todo o seu ministerio no amor, no desinteresse, na abnegação, na virtude. (RIBEIRO, S/D. p. 111).
Em diversas passagens das obras analisadas, percebemos que as categorias que escolhemos para análise do seu conteúdo encontram-se articuladas, reforçando o ideário que vimos História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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destacando. É o que podemos perceber no caso do trabalho, civismo, ordem e valores morais. É no trabalho honesto, que enriquece a nação. É com a instrução militar para a defesa da Pátria, na hora do perigo. É servindo bem a Pátria, na paz e na guerra. (BRAGA, 1944, p.41) Mas é preciso, meus filhos, acrescentou com ternura, que todos cultivem sempre o amor ao trabalho, qualquer que êle seja. E que trabalhem honestamente e com entusiasmo na profissão que adotarem, qualquer que ela seja. Toda espécie de trabalho dignifica o homem. (BRAGA, 1944, p. 47) [...] todas as maneiras de animar e premiar os que trabalham pela nossa riqueza devem ser postos em prática para o engrandecimento de nosso país. (BRAGA, 1944, p. 131)
Outros tantos exemplos poderiam ser oferecidos sobre a forma como a narrativa exposta nos livros de leitura articularam os valores que interessavam aos setores dominantes da época, no sentido de estabelecer um ideário legitimador da sociedade então estabelecida. Na impossibilidade de trazermos todas as possibilidades percebidas, apresentamos alguns dos trechos que articulam família, pátria, ordem, trabalho, disciplina e hierarquia: A família é a Pátria em ponto pequeno. (BRAGA, S/D. p.4) A ordem é o melhor auxiliar do trabalho. (BRAGA, S/D. p.7) [Brasil] [...] maior paiz da América do Sul. Porém é preciso que se construa um grande pais através do trabalho, caráter e capacidade dos brasileiros; [...] cumprir o dever, a falar a verdade, a obedecer e a servir, a trabalhar e tornar-nos uteis, a estimar aqueles que Deus nos deu. É na escola, aprendendo as coisas simples [...] mas que nos ensinam a pensar por nos mesmos [...] É com a instrução militar para a defesa da pátria [...] (BRAGA, S/D. p. 39-40) O homem dotado de um espirito cultivado comprehende melhor os seus deveres e direitos e contempla com mais interesse a familia, a sociedade e a patria. (RIBEIRO, S/D. p. 50) [...] devemos amar a humanidade, mas devemos preferir a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
102 patria, como devemos colocar a familia acima de tudo. (RIBEIRO, S/D. p. 89) [...] é preciso pensar na familia e na pátria em todos os actos da vida. Onde não há virtudes privadas não há também virtudes cívicas [...] Lembrae-vos de [...] vossa honra [...] a honra de vossos paes e a honra de vossos concidadãos que forman a grande familia de que a pátria é a mãe commum. (RIBEIRO, S/D. p. 120)
Na conclusão da obra de Hilário Ribeiro, encontramos a mensagem com a qual pretendemos encerrar essa primeira exposição dos resultados das investigações que realizamos nos livros de leitura que foram utilizados nas escolas primárias do Rio Grande do Sul, no período de nosso estudo. Parecem-nos palavras significativas para compreender o quanto essas obras merecem ser entendidas no conjunto mais amplo das ações políticas que marcaram a educação rio-grandense, à época. Meus amigos [...] Esforcei-me quanto pude para encaminhar-vos na senda que devem trilhar os homens de bem. Mais alguns dias e entrareis na vida pratica, na luta pela existencia: cada um de vós escolherá uma carreira, irá exercer uma profissão. Novas obrigações, portanto: é a esphera do dever que se dilata, é a moral seguindo o homem em todas as circunstancias [...] em todas as relações que o unem á familia á patria e a humanidade [...] (RIBEIRO, S/D. p. 143)
Considerações finais As considerações aqui apresentadas tiveram a finalidade de tornar público o resultado das pesquisas que estamos desenvolvendo sobre a política educacional rio-grandense, mais especificamente, nesse momento, sobre o papel desempenhado pelos livros de leitura como instrumentos dessa política. Os resultados ainda são parciais, por se tratar de uma pesquisa em andamento e por estamos socializando a análise realizada em História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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algumas das obras que selecionamos para o estudo e que não foram plenamente esgotadas. Mesmo constituindo-se numa primeira aproximação a este tipo de estudo, entendemos que os elementos que apresentamos nos permitiram perceber o quanto os livros didáticos de leitura foram veículos portadores e transmissores do ideário legitimador do sistema sócio-econômico e político estabelecido no Rio Grande do Sul, no período que investigamos. Por outro lado, a relação que realizamos com os discursos dos dirigentes nacionais responsáveis pela política educacional brasileira permitiram perceber que os livros de leitura retrataram, de forma expressiva, os pressupostos da política educacional implementada no país. Através das categorias teóricas escolhidas para sistematizar as informações selecionadas nas obras estudadas, foi possível perceber a constituição de um universo de valores que foram sendo transmitidos às crianças das escolas primárias do nosso Estado, preparando-as para a sua inserção ordeira e disciplinada na sociedade de então. A preparação de cidadãos educados, produtivos e disciplinados, conhecedores de seus deveres para com a pátria, foi tarefa da escola primária e, nesse processo, os livros de leitura tiveram um papel significativo, como parte da política educacional do período.
Referências BRAGA, Erasmo. Leitura II. São Paulo, Melhoramentos, ed. 157, 1944. ________. Leitura I. São Paulo: Melhoramentos, ed. 86, S/D. BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Realizações 1. Panorama da Educação Nacional. Discursos do Presidente Getúlio Vargas e do Ministro Gustavo Capanema. Ministério da Educação e Saúde: Rio Janeiro, 1937. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 79-104, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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HEUSER, Bruno (org). Terceiro Livro de Leitura. Ed. 22. Petrópolis: Editora Vozes, 1943. RIBEIRO, Hilário. Quarto Livro de Leitura. Rio de Janeiro: H. Garnier, Libreiro-Editor, S/D. S./A. O Meu Segundo Livro. Porto Alegre: Livraria Selbach & Fagundes, 1930. VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil II. O ano de 1932. A Revolução e o Norte. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1933. VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil IV. Retôrno à terra natal. Confraternização sul-americana. A revolução comunista. Novembro de 1934 a Julho de 1937. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1937. VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil V - O Estado Novo – 10 de novembro de 1937 a 25 de julho de1938. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1938. Berenice Corsetti - Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS. E-mail: bcorsetti@unisinos.br. Elisabete Magda Klaus – Graduada em História pela Unisinos. Graduanda em Pedagogia na Unisinos, Bolsista de Iniciação Científica. E-mail: elisabete_klaus@yahoo.com.br. Márcia Cristina Furtado Ecoten - Graduanda em História na Unisinos. Bolsista de Iniciação Científica. E-mail: marcia.ecoten@hotmail.com. Data de recebimento: 20/11/2008 Data de Aceite: 20/02/2009
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A EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO: ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS (1850-1889) Renata Fernandes Maia de Andrade Carlos Henrique de Carvalho
Resumo Este texto se propõe a discutir as políticas para a instrução na Província de Minas Gerais, entre 1850 a 1889. Para isso utilizamos como principal fonte de pesquisa a legislação educacional produzida no período recortado. É através deste manancial que identificamos as concepções de educação do governo mineiro na segunda metade do século XIX. Tais documentos foram fundamentais para a compreensão de importantes facetas das políticas provinciais para a instrução, tais como à profissão docente e às escolas normais; a organização administrativa; a instrução pública e particular dentre outras apontadas e discutidas ao longo trabalho. Palavras-chave: Instrução; Século XIX; Minas Gerais, Legislação. THE EDUCATION IN BRAZIL’ S MONARCHY: ANALYSIS OF THE INSTRUCTION ORGANIZATION IN THE PROVINCE OF MINAS GERAIS (1850-1889) Abstract This text intends to analyze the politics of public instruction in the Province of Minas Gerais among 1850 to 1889. For that we used as main research source the educational legislation produced in the cut out period. It is through this spring that we identified the education conceptions and the mining government's civilization in the second half of the century XIX. Such documents form fundamental for the understanding of important facets of the provincial politics for the instruction, such as to the educational profession and the normal schools; the administrative organization; the public and private instruction among another pointed and discussed to the long work. Keywords: Instruction; Century XIX; Minas Gerais; Legislation.
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106 LA EDUCACIÓN EN BRASIL IMPÉRIO: ANÁLISIS DE LA ORGANIZACIÓN DE LA INSTRUCCIÓN EN LA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS (1850-1889). Resumen Este texto se propone discutir las políticas para la instrucción en La Província de Minas Gerais, entre 1850 y 1889. Para eso utilizamos como principal fuente de pesquisa la legislación educacional produzida en el período recortado. Es através de este manancial que identificamos las concepciones de educación del gobierno minero en la segunda mitad del siglo XIX. Tales documentos fueron fundamentales para la comprensión de importantes faces de las políticas provinciales para la instrucción, tales como la profesión docente y las escuelas normales; la organización administrativa; la instrucción pública y particular entre otras apuntadas y discutidas a lo largo del trabajo. Palabras-clave: Instrucción; Siglo XIX; Minas Gerais, Legislación. L’ÉDUCATION AU BRÉSIL EMPIRE: ANALYSE DE L’ORGANISATION DE L’INSTRUCTION DANS LA PROVINCE DE MINAS GERAIS (1850-1889) Résumé Ce texte discute les politiques pour l’instruction dans la province de Minas Gerais entre 1850 et 1889. Pour ce faire on utilise como source première de recherche l’ensemble des lois concernant l’éducation produites dans cette période. On y identifie les conceptions d’éducation du gouvernement de Minas Gerais dans la seconde moitié du XIXème siècle. Ces documents ont été fondamentaux pous la compréhension d’aspects importants des politiques provinciales pour l’instruction, tels que le métier de professeur, les écoles normales, l’organisation administrative, l’instruction publique et privée entre autres. Mots-Clés: Instruction; XIXème siècle; Minas Gerais; Législation.
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Introdução Este texto se propõe analisar alguns aspectos da política educacional mineira na segunda metade do século XIX. Ao recorrermos ao tema da história das políticas públicas ligadas à educação, o fazemos tendo em vista a centralidade da ação política no campo da instrução naquele momento na então Província de Minas Gerais. Esta centralidade, dada à educação, pode ser aquilatada pelo volume do marco legal produzido para, pelo menos em termos legais, expandir o processo de escolarização na Província mineira. Nessa perspectiva, o objetivo da nossa abordagem incide sobre o processo de escolarização na Província de Minas Gerais, a partir das ações do Governo mineiro. O desenvolvimento educacional da região constitui-se no objeto privilegiado deste estudo. Portanto, somente as iniciativas do Governo de Minas Gerais serão trazidas à cena nesse artigo. É, pois, nossa intenção apresentar a situação da educação em Minas Gerais, entre 1850 a 1889, buscando compreender as propostas que nortearam a organização escolar na Província mineira e quais eram os recursos financeiros utilizados para a manutenção das escolas, bem como que tipo de indivíduo se pretendia por meio da educação. Vale ressaltar que não podemos analisar adequadamente a política educacional se partirmos apenas das intenções expressas pela legislação ou declaradas pelas autoridades nos documentos oficiais, principalmente nos relatórios dos Presidentes de Província. Geralmente, essas declarações deixam transparecer certa autonomia do setor educacional, o que não corresponde à realidade. Assim, é importante identificar as lacunas existentes entre o que estava estabelecido pelo marco com a real situação educacional mineira, isto é, as contradições relativas aos objetivos História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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proclamados e as reais intenções dos responsáveis pela condução política da Província. O Brasil a partir de 1822 se constituía em um país recém independente que buscava e necessitava estruturar-se. A Proclamação da Independência significou o rompimento com o antigo regime e a instauração de uma nova ordem administrativa, jurídica e institucional. Dentre os vários meios que possibilitaram essa estruturação estava a instrução pública, considerada uma peça nodal na construção do Estado nacional e de um povo civilizado. Nesse sentido [...] é necessário compreender a escolarização como um momento/uma forma de produção do próprio Estado moderno e não apenas como uma forma de atuação deste mesmo Estado.1
O período Imperial se constitui como um momento de intensos debates sobre a necessidade de escolarização da população livre. O Brasil do século XIX é marcado pela busca do ordenamento legal e pelos investimentos financeiros no campo educativo, mobilizando dirigentes provinciais e da capital do Império.
1 Legislação A partir do Ato Adicional de 1834, as Províncias tiveram a permissão de legislar sobre a instrução. Neste sentido a partir de 1835 iniciou-se as primeiras medidas legislativas sobre a instrução nas Províncias.
FARIA FILHO, L. M. de. O Processo de Escolarização em Minas Gerais: Questões Teórico-metodológicas e Perspectivas de Análise. In.: História e Historiografia da Educação no Brasil. VEIGA, C., FONSECA, T. N. de L. e. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica, 2003b. p. 80.
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109 [...] a partir de 1835 e ao longo de todo o Império, as Assembléias Provinciais e os presidentes das províncias fizeram publicar um numero significativo de textos legais, levando-nos a acreditar que a normatização legal constitui-se numa das principais formas de intervenção do Estado no serviço da instrução.2
A partir de então, Minas Gerais, inicia, via legislação, o desenvolvimento da instrução pública na Província. Assim como o movimento ocorrido no restante das Províncias que compunham o império, os governantes mineiros interessados na escolarização da população livre foram produzindo o lugar da escola na sociedade através dos discursos e ações legislativas. A escola assumiu o encargo de ensinar a ler, escrever, contar, regras de civilidade, moralidade e religião. Os princípios políticos e morais eram ensinados durante as lições de leitura e escrita, sendo os escritos religiosos e a Constituição Política do Brasil os textos privilegiados na escola. Dotar a Província de novas leis de instrução não significou apenas o estabelecimento de uma política educacional em Minas Gerais, significou, sobretudo, constituir um arcabouço técnico e burocrático para administrar este setor do serviço público. Os órgãos estatais criados se transformaram em estruturas de poder e a principal referência sobre os saberes a respeito da instrução. No período estudado, encontramos diversas reestruturações do sistema escolar através das leis, regulamentos e portarias para a instrução. A legislação era o mecanismo que dava organicidade aos diversos níveis de ensino, mas era, sobretudo, capaz de regulamentar e normatizar questões ligadas a conteúdos, métodos e material didático, chegando até mesmo a regulamentar o cotidiano escolar, os horários e a divisão do tempo. Essa FARIA FILHO, L. M. de. Instrução Elementar no século XIX. In: LOPES, E. M. T., FARIA FILHO, L. M. de, VEIGA, C. G. (orgs.). 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003a. p. 137.
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legislação também foi responsável por implantar uma rede de fiscalização que buscava garantir o controle e avaliação das escolas. Privilegiaremos a lei como fonte documental, ao enfocála em suas múltiplas dimensões, concebendo-a não apenas como a expressão e imposição dos setores dominantes, mas também como um espaço privilegiado para pensá-la como ordenadora de novas práticas sociais. Essa perspectiva abre a possibilidade de relacionar, no campo educativo e via legislação, o fazer pedagógico que vai desde a criação de órgãos específicos para a fiscalização escolar até as práticas escolares desenvolvidas. É de suma importância confrontar e relacionar as leis no contexto em que foram produzidas, pois mantém permanente diálogo com as múltiplas dimensões do cenário mineiro. Tal entendimento possibilita situar historicamente o papel da legislação, bem como os sujeitos nela envolvidos. Os estudos sobre a História da Educação Brasileira do século XIX demonstram que no período Imperial, várias províncias debatiam a respeito da necessidade de escolarizar a população. As atividades legislativas das Assembléias Provinciais foram intensas na busca do ordenamento legal da instrução. As leis e decretos provinciais que, por exemplo, tornavam obrigatória a freqüência das crianças as escolas e dos professores as escolas normais, evidenciam uma relativa preocupação dos dirigentes mineiros com a escolarização da Província. De igual modo, é preciso destacar os limites enfrentados por aqueles que procuravam levar a educação à maioria da população livre. Os limites estão relacionados a sociedade escravista daquele contexto e as dificuldades financeiras para investimento de recursos na instrução pública. No levantamento da legislação, em Minas Gerais, observamos tipos específicos de leis. Identificamos os regulamentos, as portarias, e a lei propriamente dita entre outros atos legislativos. Os primeiros, de acordo com Bueno3 não são leis, BUENO, J. A. P. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978.
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mas atos administrativos do poder executivo que estabelecem detalhes e meios convenientes para que as leis tenham efetiva execução. As portarias, por sua vez, são instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, são recomendações de caráter geral. E, por fim, as leis que eram discutidas e aprovadas pela Assembléia Provincial a partir de um projeto do poder executivo, e quando aprovadas, sancionadas e publicadas pelo Presidente da Província. Em todo o período o caráter político de intervenção legal baseava-se em um aspecto fundamental: a de que a lei seria necessária para que as instituições governamentais interviessem sobre a população com o objetivo de civilizá-la, preparando-a para contribuir com o progresso da nação. Outra característica da legislação, nesse período, é a conotação pedagógica da lei. Essa não era produzida para garantir direitos, mas sim moldar o caráter, ordenar as relações sociais e civilizar o povo. Nesse contexto, produzir uma legislação escolar era um dos meios de se construir e estruturar o Estado, bem como o meio de ação do governo nesse ramo do serviço público. Segundo Luciano Mendes de Faria Filho4, a lei, ao mesmo tempo, construía e desconstruía significados sociais, ou seja, transformava e resignificava concepções como escola e professor. Concomitantemente, a legislação estabelecia e delimitava novas identidades profissionais, órgãos e cargos específicos, expressando o que deveria ser um profissional da educação. Na segunda metade do século XIX Minas Gerais é marcada por uma intensa preocupação de reformular a legislação. Diversos regulamentos, leis, portarias e resoluções buscavam criar um marco jurídico para o processo de escolarização na Província.
FARIA FILHO, L. M. de. A Legislação Escolar como Fonte para a História da Educação: Uma tentativa de Interpretação. In: VIDAL, D. G. GONDRA, J. G., FARIA FILHO, L. M. de, DUARTE, R. H. Educação, Modernidade e Civilização: Fontes e Perspectivas de Análise. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Segundo Faria Filho5 entre 1835 a 1889 foram produzidos quase 500 textos legais. Ainda segundo o mesmo autor: Produzir a legislação e defender as reformas do serviço da instrução foram, e são, fundamentalmente, as maneiras de produzir o fenômeno educativo escolar como componente das políticas do Estado. São formas, também, de buscar prever e controlar a escolarização a partir dos saberes dominados pelos gestores dos bens ‘públicos’.6
A legislação escolar funcionava como meio de se trazer progressos futuros, isto é, solucionaria os problemas do presente para que assim, se alcançasse um futuro civilizado. Esse momento sócio-político da história brasileira e, em particular a mineira, é marcada pela idéia de que através da lei e da instrução se solucionaria os vários empecilhos que dificultavam o progresso e o desenvolvimento do país. Na análise das fontes, percebe-se que a política educacional mineira não pretendia apenas dotar a Província de novas leis de instrução objetivava, sobretudo, estruturar todo um aparato técnico e burocrático para lidar com este setor do serviço público. Através da legislação, percebemos que a política educacional refletia as mudanças ocorridas no cargo da presidência da província. Quase todos os presidentes provinciais ao assumirem o cargo publicavam novas leis para a instrução. Pelo quadro a abaixo é possível perceber, em um primeiro momento, um vasto número de leis, regulamentos e portarias publicadas no período estudado. De igual modo, notamos que a rotatividade no cargo presidencial era intensa, pois de acordo FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O Processo de Escolarização em Minas Gerais: Questões Teórico-metodológicas e Perspectivas de Análise. In: VEIGA, C. G., FONSECA, T. N. de L. (orgs.). Historia e Historiografia da Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 5
6
Idem. Ibidem. p. 82. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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com o ano da publicação da legislação percebemos que a média de permanência no cargo era de 1 ano. Com esses dados ainda é possível inferir que outros presidentes ocuparam os cargos no intervalo dos anos. Dos 15 presidentes identificados nas fontes, 13 publicaram Regulamentos sobre a instrução. Da mesma forma, quase todos publicaram Leis para a educação. À medida que novos presidentes assumiam o cargo, novas Leis e Regulamentos foram aprovados. Essa incessante legislação favorecia a heterogeneidade a instrução na Província, bem como dificultava a sua implementação. A seguir demonstraremos essa legislação. Quadro 1 - Leis e Regulamentos para a instrução aprovados pelos Presidentes de Província entre 1850-1889 Leis, Regulamentos e Presidentes Ano Portarias José Ricardo de Sá Rego Lei n.º 516 10 de setembro de 1851 José Lopes da Silva Viana Lei n.º 624 08 de maio de 1853 (vice-prsidente) Regulamento n.º 27 04 de janeiro de 1854 Regulamento n.º 28 10 de janeiro de 1854 Regulamento n.º 33 15 de janeiro de 1855 Portaria 18 de janeiro de 1854 Portaria 21 de janeiro de 1854 Francisco Diogo Pereira Portarias 27 de janeiro de 1854 de Vasconcelos Portaria 21 de fevereiro de 1854 Portaria 31 de março de 1854 Portaria 21 de julho de 1854 Portaria 10 de agosto de 1854 Portaria 09 de fevereiro de 1855 Portaria 05 de maio de 1855 Portaria n.º 40, 41, Herculano Ferreira Pena 27 de julho de 1857 42, 43 e 44 Portaria n.º 47 11 de agosto de 1857 Portaria n.º 48 17 de agosto de 1857 Portaria n.º 51, 52, 53 12 de setembro 1857 e 54 Portaria n.º 55 14 de setembro de 1857 Portaria n.º 59 28 de setembro de 1857 Portaria nº 63 e 64 09 de outubro de 1857 História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
114 Presidentes
Carlos Carneiro Campos
Vicente Pires da Mota José da Costa Machado e Sousa José Maria Corrêa de Sá e Benevides Antonio Luiz Affonso de Carvalho Joaquim Pires Machado Portela Joaquim Floriano de Godói Pedro Vicente de Azevedo
Leis, Regulamentos e Portarias Portaria n.º 65 Portaria n.º 67 Portaria n.º 68 Portaria n.º 70 Portaria n.º 71 Regulamento n.º 41 Portaria n.º 37 Portaria n.º 64 Portaria n.º 74 Portaria n.º 89 e 92 Regulamento n.º 44 Lei n.º 1.064 Regulamento n.º 49
24 de outubro de 1857 06 de novembro de 1857 20 de novembro de 1857 21 de novembro de 1857 14 de dezembro de 1857 16 de maio de 1857 21 de junho de 1858 17 de setembro de 1858 27 de outubro de 1858 17 de dezembro de 1858 03 de abril de 1859 04 de outubro de 1860 04 de outubro de 1860
Regulamento n.º 56
10 de maio de 1867
Lei n.º 1.618
02 de novembro de 1869
Lei n.º 1.769 Regulamento n.º 60
04 de abril de 1871 26 de abril de 1871
Regulamento n.º 62
11 de abril de 1872
Ano
Regulamento n.º 65 14 de agosto de 1872 Lei n.º 1892 17 de julho de 1872 Lei n.º 2.166 20 de novembro de 1875 Lei n.º 2.228 14 de junho de 1876 Barão Vila da Barra Regulamento n.º 75 16 de setembro de 1876 Regulamento n.º 77 03 de novembro de 1876 Manoel José Gomes Regulamento n.º 84 21 de março de 1879 Rebello Horta Lei n.º 2.543 06 de dezembro de 1879 Lei n.º 2.634 07 de janeiro de 1880 Joaquim José de Regulamento n.º 88 13 de janeiro de 1880 Sant’Anna Regulamento n.º 90 18 de novembro de 1880 João Florentino Meira de Regulamento n.º 96 07 de dezembro de 1881 Vasconcelos Regulamento n.º 93 29 de julho de 1881 Regulamento n.º 98 20 de abril de 1883 Antonio Gonçalves Lei n.º 3.118 18 de outubro de 1883 Chaves Regulamento n.º 100 19 de junho de 1883 Fonte: Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Estrutura Administrativa O movimento de configuração da instrução em Minas Gerais, entre os anos cinqüenta e oitenta, esteve atrelado a uma discussão que ocorria em todo o Império, isto é, tornar o Brasil um país moderno e civilizado. Nos discursos, a educação foi considerada um dos meios mais importantes para que tal objetivo fosse alcançado. Ao se propugnar em favor de uma outra organização para a instrução, observa-se também, a necessidade de estruturar administrativamente o governo para que assim, o mesmo pudesse atuar mais de perto sobre essa esfera do serviço público. Fazemos esta afirmativa, pois no trabalho com as fontes percebemos que a estrutura administrativa é por vezes reestruturada. A legislação descreve todo o aparato que daria suporte a administração e fiscalização da instrução. Durante o período estudado, identificamos que a legislação descreve de forma minuciosa todo o aparato burocrático e fiscal ao qual a instrução e seus agentes estavam subordinados. Órgãos, secretarias, repartições e hierarquias foram criadas para atuar junto a educação. A seguir, demonstraremos essa estrutura. Quadro 2 - Leis e Regulamentos que estruturam administrativamente a instrução Leis e/ou Estrutura Presidente em Regulamentos administrativa exercício Regulamento n.º 28 de Diretoria Geral da Francisco Diogo Pereira 10 de janeiro de 1854 Instrução Pública de Vasconcelos Regulamento n.º 44 de Agência Geral da Carlos Carneiro Campos 03 de abril de 1859 Instrução Pública Regulamento n.º 56 de Diretoria Geral da José da Costa Machado e 10 de maio de 1867 Instrução Pública Sousa Regulamento n.º 60 de Inspetoria Geral da Antonio Luiz Affonso 26 de abril de 1871 Instrução Pública de Carvalho Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
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Devido à limitação do espaço não podemos demonstrar toda a estrutura hierárquica criada a partir da estruturação do órgão específico para a instrução, pois essa perpassava desde o Presidente da Província até os responsáveis por fiscalizar mensalmente as escolas. Mas, é importante destacar que todos os funcionários que estavam subordinados a essa estrutura também eram alterados. Assim, todas as vezes que se alterava essa estrutura administrativa, toda a hierarquia fiscal e burocrática também se alterava ora aumentava-se o número de funcionários e ora os diminuindo. Por outro lado, se analisarmos os períodos de funcionamento desses órgãos, perceberemos que foram longos, portanto, o Presidente era alterado, mas os agentes da administração permaneciam e davam continuidade aos trabalhos. Comparando os Quadros I e II percebemos que não foram todas as Leis e Regulamentos publicados que enfatizavam a estrutura administrativa. Ela é por vezes mantida por presidentes de Província tal como Antônio Gonçalves Chaves que no Regulamento n.º 100 de 19 de junho de 1883 determina que a Inspetoria Geral da Instrução Pública continue a ser o órgão responsável pela administração e fiscalização do ensino público e particular. Mas, o que notamos com essas alterações é um movimento de centralização e descentralização administrativa, pois em Regulamentos como o de n.º 44 de 1859 a estrutura criada descentraliza as funções da Agência Geral da Instrução Pública criando diversas ramificações para a estrutura burocrática e fiscal. Por outro lado, o Regulamento n.º 56 de 10 de maio de 1867 cria apenas um responsável por fiscalizar as escolas: os Delegados.7
Aos Delegados competia visitar as escolas públicas pelo menos uma vez ao mês, impedir o funcionamento de escolas particulares ilegais, fazer executar através dos professores as leis e regulamentos da Província, entre outras atribuições. 7
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2 Recursos Financeiros O recurso financeiro para a manutenção das escolas públicas é, por vezes, pouco debatido. Interessante observar que na literatura há, por vezes, um desconhecimento quando se trata do investimento na educação no século XIX. Comumente encontramos afirmações que não havia financiamentos por parte do Governo na instrução. Na legislação específica para a instrução, essa questão quase não é abordada. Mas, se recorrermos as leis que determinavam as receitas e despesas da Província, bem como aos poucos trabalhos como o de Diva Couto Gontijo Muniz publicado em 2002 nos Anais do I Congresso de Pesquisa e Ensino de História da Educação poderemos realizar algumas contribuições sobre esse aspecto. Quadro 3 - Despesa com a instrução entre 1850-1889 Despesa com a Despesa total da Ano % instrução Pública Província 1850 94:200$000 474:908$000 19.84 1855 153:271$000 795:285$000 19.27 1860 201:000$000 1.200:000$000 16.75 1865 245:800$000 1.133:363$000 21.69 1870 518:000$000 1.685:303$000 30.74 1875 648:0000$000 2.573:000$000 25.18 1880 700:000$000 2.800:000$000 25.00 1885 1.026:523$000 3.302:240$000 31.9 1888 1.032:000$000 3.474:000$000 29.71 Fonte: Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols e MUNIZ, D. do C. G. Construindo diferenças: a escolarização de meninos e meninas nas minas oitocentistas (1834-1889). In.: LOPES, A. A. B., GONÇALVES, I. A., FARIA FILHO, L. M. de, XAVIER, M. do C. (orgs.). História da Educação e Minas Gerais. Belo Horizonte: FHCL/FUMEC, 2002. p. 304.
Observam-se no quadro que as leis orçamentárias entre 1850 a 1889 despendem significativos valores para a manutenção das escolas. Demonstra esse aspecto o ano de 1885 onde a despesa História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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com a instrução consome 31.9% das despesas provinciais, seus valores são inferiores apenas aos montantes destinados a segurança e obras públicas. No entanto, mesmo abarcando grande porcentagem da receita provincial, esses valores ainda continuavam aquém das necessidades da Província em termos de atendimento à demanda escolar. O primeiro texto legal a mencionar os recursos financeiros para a instrução no período de nossa pesquisa, refere-se ao Regulamento n.º 41 de 16 de maio de 1857. Em seus artigos aborda o que até então não havia sido mencionado: o aluguel das casas em que se davam as aulas. O artigo 22 determina que os professores recebam dos cofres provinciais quotas pré-definidas a título de aluguel de casas, quando não houvesse em suas localidades prédios públicos que abrigassem as aulas. Vejamos o que diz o artigo: Ao professores de Instrucção primária perceberão do Cofre Provincial a Titulo de aluguel de casas para as aulas nos lugares, onde não houver edifícios públicos, em que possão ser estabelecidas, a quantia que for fixada pelo Director Geral com approvação do Presidente, rescindindo-se os contractos de locação que tem sido feitos por conta da Fazenda [...].8
Nos locais onde já existiam contratos de aluguéis firmados, mas que os valores fossem maiores do que os determinados pelo Diretor Geral9 e aprovados pelo Presidente, seriam rescindidos. O valor dos aluguéis era entregue aos ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols. Regulamento n.º 41 de 16 de maio de 1857. 8
O cargo d Diretor Geral da Instrução Pública foi criado pelo Regulamento n.º 28 de 10 de janeiro de 1854. Era subordinado apenas ao Presidente da Província e se correspondia entre o Presidente, os Diretores dos Círculos e Diretores de estabelecimentos de instrução primária e secundária.
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professores no momento do recebimento dos salários. A lei permitia ainda que os mestres habitassem a mesma casa que serviria de escola, no entanto, deveriam reservar os cômodos necessários para as aulas, perante aprovação dos Visitadores10 e do Diretor do Círculo Literário11. Com o quadro descrito acima e levando-se em consideração que as casas utilizadas para as aulas somente poderiam ser escolhidas a partir de um determinado valor, o local não seria escolhido por ser adequado a abrigar as crianças, o material didático, os utensílios e os móveis, mas sim a partir do valor do aluguel. Portarias que foram baixadas entre 1854 e 1855 trazem tabelas com os salários dos diretores dos liceus, professores e empregados da instrução pública. No entanto, não foi possível identificar de onde viriam esses recursos. Os pagamentos dos salários dos professores eram realizados trimestralmente e baseado nos mapas de freqüência dos alunos que deveriam ser preenchidos e entregues como condicionante para o recebimento dos ordenados. Caso os professores não preenchessem os mapas de acordo com as determinações legais, ficariam sem receber. Para que isso não ocorresse, segundo Luciano Mendes de Faria Filho, muitos professores lançavam nos mapas apenas o número mínimo exigido de alunos, mesmo estes não fossem freqüentes às aulas, pois [...] tanto os inspetores e outras autoridades queriam impor a legalidade nos atos dos professores, quanto estes E cada paróquia havia um Visitador nomeado pelo Presidente da Província e sob proposta do Diretor Geral. A ele incumbia visitar as aulas de sua paróquia semanalmente, autorizar o pagamentos dos ordenados dos professores, averiguar os procedimentos dos professores, alugar casas para as aulas, inventariar os utensílios e objetos das escolas de sua paróquia e conferir o julgamento dos professores.
10
Cargo criado pelo Regulamento n.º 28 de 10 de janeiro de 1854. Haveria em cada Círculo Literário em Diretor de Círculo, nomeados pelo Presidente da Província, sendo eles o centro de toda a correspondência entre os Professores, os Visitadores do seu Círculo e o Diretor Geral.
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120 utilizavam dos artifícios da lei para obter benefícios. Aqui, a burla e o cumprimento da lei não se distinguem. Exemplo claro disso são os relatórios de freqüência produzidos pelos professores. Produzidos em cumprimento às determinações legais, aos mapas ou livros de freqüência estão vinculados, por sua vez, aos pagamentos dos professores. Ao longo do século XIX, o recebimento do salário estava condicionado à apresentação de um determinado número de alunos freqüentes. A conseqüência disso é que nenhum professor confessava, através de seus mapas, uma freqüência menor do que aquela exigida por lei.12
A compra de utensílios e objetos necessários ao ensino, como mesas e cadeiras variava de acordo com cada legislação. No Regulamento n.º44 de 1859, por exemplo, seriam comprados pelos professores, Visitadores, pais de família e demais membros residentes no local da escola. Isso pode explicar, de certa forma, a carência de materiais básicos ao ensino dos alunos, uma vez que os próprios moradores e professores deveriam mobiliar a escola com os materiais necessários. O artigo 126 define: Estes utensis serão obtidos por meio de subscripção promovida pelos mesmos Professores e Visitadores entre os Paes-de-familia e outros interessados residentes dentro ou junto das sobreditas povoações.13
Diante das dificuldades financeiras o Regulamento n.º 84 de 21 de março de 1879 cria as caixas escolares. Seu objetivo FARIA FILHO, L. M. de. A Legislação Escolar como Fonte para a História da Educação: Uma Tentativa de Interpretação. In.: VIDAL, D. G., GONDRA, J. G., FARIA FILHO, L. M. de, DUARTE, R. H. Educação, Modernidade e Civilização: Fontes e Perspectivas de Análise. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. p. 117. 12
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols. Regulamento n.º 44 de 03 de abril 1859. Microfilme. Caixa n.º 2 (1852-1860) flash 8. 13
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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era o depósito de valores vindos das multas, donativos e as quotas dos orçamentos provincial e municipal para a aquisição de materiais e utensílios necessários ao ensino de meninos pobres. Os conselhos paroquiais14 administrariam o dinheiro recolhido. Nas escolas haveria uma caixa econômica onde se guardaria a quantia recebida pelos alunos de seus pais ou responsáveis.
3 Instrução Primária e Secundária A instrução primária e secundária é abordada por quase todos as Leis e Regulamentos do Governo mineiro. Neles buscavase regulamentar as disciplinas, seus conteúdos, chegando até mesmo a regulamentar o cotidiano escolar, os horários e a divisão do tempo. As primeiras medidas legais da década de 1850 não mencionam a instrução primária. Apenas em uma portaria de 31 de março de 1854 que as disciplinas a serem lecionadas aparecem. Seriam elas: 1º gráo - Leitura, escripta, aritmética, comprehedendo somente as autro operações sobre os números inteiros, cathecismo romano e regras de civilidade.15
Um aspecto interessante presente no programa é a disciplina Regras de Civilidade. Esse seria o momento destinado a incutir nos alunos os padrões de comportamento considerados
Os Conselhos Paroquiais foram criados pelo Regulamento n.º 62 de 11 de abril de 1872 Eram compostos pelos Inspetores Paroquiais, o Pároco, 1º Juiz de Paz e dois pais de família. Se reuniriam uma vez em cada trimestre e seriam responsáveis por auxiliar na fiscalização das escolas.
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ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols. Portaria de 31 de Março de 1854. Microfilme. Caixa n.º 2 ((1852-1860), flash 3. 15
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necessários e convenientes. Porém, não explicita com clareza qual o conteúdo a ser transmitido. A obrigatoriedade do ensino primário é determinada desde a primeira lei para a instrução de Minas Gerais publicada em 1835. No período do nosso estudo essa obrigatoriedade é mantida, bem como as punições para os pais ou responsáveis que não enviassem seus filhos para a escola. Fato instigante, no que tange a legislação, se refere às poucas alterações realizadas na instrução primária e secundária. As disciplinas que compunham os currículos do ensino primário, por exemplo, são praticamente as mesmas desde 1835, isto é, aprender a ler, escrever, contar, aritmética e instrução moral e religiosa. Em alguns regulamentos foram incluídos preceitos de civilidade e higiene, sistema métrico, desenho linear e música. A instrução primária sofre poucas alterações nos Regulamentos aprovados no período estudado. As disciplinas que o compunham quase não se alteram e o ensino deixa de existir em dois graus para apenas um. O Regulamento de n.º 56 de 10 de maio de 1867, por exemplo, reestrutura a divisão da instrução pública na Província em: primária, primária superior e secundária. Outro exemplo é a lei n.º 1769 de 04 de abril de 1871 que divide a escola primária em três classes. Para cada uma o vencimento dos professores seria diferenciado, bem como as exigências para galgar as classes superiores. Na lei não são especificadas as disciplinas nem como e porque ficariam assim divididas. Nas décadas de 1870 e 1880 surgem, na legislação, as escolas primárias para adultos e escolas em cadeias. Nas primeiras, jovens acima de 15 anos poderiam freqüentá-las, desde que tivessem que trabalhar junto com seus pais. Segundo os Relatórios de Província as aulas eram pouco freqüentadas e mantidas por associações locais. Na segunda metade do século XIX a instrução secundária é estruturada pelo Regulamento n.º 27 de 04 de janeiro de 1854. Nele cria-se um Liceu na capital provincial (Liceu Mineiro) onde se reuniriam as aulas secundárias avulsas. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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A instrução secundária segue a mesma linha da instrução primária. Poucas alterações foram realizadas, no que tange ao currículo. A maior ênfase dada pela legislação estava na criação e supressão dos liceus e externatos. Assim, os Regulamentos e Leis dedicam maior atenção à reunião das aulas avulsas nos estabelecimentos então criados. As alterações vistas na legislação dizem respeito ao tempo do curso e na inclusão de disciplinas como o italiano e o alemão. Mas, um aspecto interessante entre os Regulamentos diz respeito à formação dos indivíduos pelo ensino secundário. O curso ensinava disciplinas mais teóricas do que técnicas, não os preparando profissionalmente. Assim, segundo José Murilo de Carvalho16, o serviço público se tornou fonte de empregos, uma vez que os indivíduos formados dentro desses parâmetros teriam oportunidades de trabalho somente no serviço público.
4 Métodos de Ensino Os métodos de ensino são abordados por poucas Leis e Regulamentos em Minas Gerais. A partir de 1850 identificamos essa abordagem nas na Lei n.º 1.064 de 1860, Regulamento n.º 56 de 1867 e Regulamento n.º 62 de 1872. Em cada um desses momentos determina-se um método a ser adotado. A Lei afirmava que deveria ser utilizada a mescla dos métodos simultâneo, misto e individual·. Nota-se que não se explicita uma metodologia a ser adotada, abrindo a possibilidade para que o professor utilizasse o que melhor lhe conviesse. O Regulamento n.º 56 de 1857 determina a adoção somente do método simultâneo, mas possibilita sua alteração quando as realidades locais necessitassem. Por fim, o Regulamento n.º 62 de 1872 determina a adoção do
CARVALHO, J. M. de. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 16
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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método misto também permitindo a adoção de outros quando necessário. De acordo com Marcilaine Soares Inácio [et al.]17 Os discursos pedagógicos, deste contexto, se detinham principalmente pela questão do método de ensino, pois este conferia ao processo de ensino e aprendizagem mais eficácia e eficiência. No entanto, na segunda metade do século XIX a adoção de uma metodologia de ensino não é unânime e nem preocupava sobremaneira os legisladores e os Presidentes de Província haja vista que em apenas três momentos esse aspecto é abordado. A partir disso, entendemos que os métodos de ensino apresentavam-se como propostas de organização escolar e que diante da imposição de organizarem suas aulas por esses métodos, os professores possivelmente remanejaram esses saberes pedagógicos, buscando adaptá-los as condições que possuíam.
5 Escolas Particulares As escolas particulares eram para o governo mineiro uma incógnita. Os Relatórios dos Presidentes de Província enfatizam o grande número de escolas particulares existentes em Minas Gerais. No entanto, as de maior vulto sempre recebiam quantias razoáveis de financiamento em troca de receberem determinado número de alunos pobres. No ano financeiro de 1857-1858, por exemplo, foi gasto 1:740$000 com auxílio de diversas escolas particulares da Província. Diante dessas questões, a legislação buscou regulamentar o exercício dessas escolas, bem como as formas de controlá-las. Assim, o primeiro Regulamento da década de 1850 determinava que:
INÁCIO, M. S., ROSA, W. M., SALES, Z. E. S. de, FARIA FILHO, L. M. de. Escola, Política e Cultura: A Instrução Elementar nos Anos Iniciais do Império Brasileiro. Belo Horizonte: Argvmentvem, 2006. 17
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
125 Art. 27º Nenhum Collegio particular de Instrucção primaria, secundaria, ou superior será estabelecido, sem licença do Presidente da Província, precedendo informação do Director Geral.18
As escolas particulares somente poderiam ser abertas após receberem licença do governo. Já os Colégios que recebiam verbas do governo receberiam alunos pobres escolhidos pelo Presidente da Província. Essa medida era de certa forma, um meio de tentar controlar o as escolas particulares, pois através das licenças poderia-se controlar o número de escolas, bem como seu funcionamento, o número de matrícula e freqüência. No que tange ao ensino privado, um aspecto interessante chamou-nos a atenção. O Regulamento n.º 44 de 1859 permitia abrir escolas em colônias estrangeiras, todavia, era necessário uma autorização do Presidente da Província. Não obstante, no centro d’uma população colonial estrangeira, homogenea e compacta, poderá o Presidente da Província permittir que um ou mais individuos não catholicos, mas nas devidas condições, estabeleção e dirijão cadeiras ou collegios que hajão de ser frequentados somente por educandos pertencentes à familias, cuja crença religiosa distinta da Catholica e entretanto poderão ser ahi admittidos como educandos externos, individuos catholicos que já tiveram maioridade legal, contanto que não se proponhão frequentar aulas, cuja materia tiver mais ou menos proxima connexão com as questões religiosas. Os collegios que acharem-se nestas condições não poderão ser de modo algum subvencionados.19
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols. Regulamento n.º 28 de 10 de janeiro de 1854. Microfilme. Caixa n.º 2 (18521860), flash 3.
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ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
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No entanto, no decorrer do período estudado teremos momento em que as medidas de controle foram ampliadas e em outros foram flexibilizadas. A lei n.º 1.618 de 02 de novembro de 1869, por exemplo, possibilita a abertura de escolas privadas sem prévia licença. Por sua vez, outros Regulamentos descrevem diversas exigências para se criar uma escola particular. Esse é outro momento que se demonstra um processo de centralização e descentralização do governo, pois em alguns momentos buscou-se controlar a ampliação da instrução particular na Província e em outros, determinava-se a livre abertura de escolas privadas.
6 Magistério As fontes de pesquisa nos ajudaram a compreender a produção do discurso sobre a necessidade de formar professores para atuar na instrução. O modelo de professor forjado pela lei deveria dominar os conhecimentos exigidos pela lei, ter uma moral exemplar, mas, sobretudo, freqüentar a escola normal. No momento em que se exige a freqüência a essa instituição, ela passa a ser considerada o espaço legítimo da produção e transmissão de um saber mais racionalizado e científico, que direcionava as práticas educativas. No interior das escolas normais se difundiriam os conhecimentos especificados nas Leis e nos Regulamentos, bem como dos métodos de ensino capazes de ordenar o espaço escolar. Segundo Walquíria Miranda Rosa na segunda metade do século XIX, a escola normal passa a ser considerada o local de transmissão de um saber pedagógico que buscava racionalizar e legitimar as práticas educativas. Esta instituição teve uma grande importância para a instrução elementar no século XIX, sendo considerada
Regulamento n.º 44 de 03 de abril 1859. Microfilme. Caixa n.º 2 (1852-1860) flash 8. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
127 como o local de transmissão de um saber pedagógico que foi sendo construído na confluência de diversos discursos. Foi o espaço legitimado de produção e circulação de um saber pedagógico que tentava racionalizar as práticas educativas, tendo como papel principal a formação dos sujeitos que seriam autorizados a formarem as novas gerações, através de transmissão de métodos de ensino. Esse espaço produziu aquilo que estamos chamando de modelo de professor e, ao mesmo tempo, desqualificou os mestres de primeiras letras.20
Pela legislação foram criadas em Minas Gerais várias escolas normais. Abaixo elaboramos um quadro que demonstra esse processo. Quadro 4 - Escolas Normais criadas por Leis e Regulamentos em Minas Gerais entre 1850-1889 Lei e/ou Regulamento Escola Normal Nas localidades onde houvesse mais de uma Regulamento n.º 44 de 1859 escola primária do 2º grau uma delas seria considerada escola normal. Cria uma escola normal em Ouro Preto e Regulamento n.º 62 de 1872 mais duas em localidades a serem definidas. Cria uma escola normal na cidade de Montes Claros e Paracatu, bem como define a Regulamento nº 84 de 1879 localidade das escolas criadas pelo Regulamento n.º 62 de 1872: Campanha e Diamantina. Lei n.º 2783 de 1881 Cria a escola normal de Uberaba Lei n.º 2794 de 1881 Cria a escola normal de Sabará Regulamento n.º 100 de 1883 Cria a escola normal de Juiz de Fora Lei n.º 3116 de 1883 Cria a escola de São João Del Rei Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
ROSA, W. M. Representações da Profissão Docente em Minas Gerais (18251852). In: GOUVÊA, M. C. S. de, VAGO, T. M. Histórias da Educação: Histórias de Escolarização. Belo Horizonte, 2004. p. 21.
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Por lei foram criadas ao todo 9 escolas normais. É bem verdade que muitas delas não conseguiram manter-se em funcionamento, mas representam um esforço em favor da melhoria qualitativa do ensino. De igual modo, as ampliações dessas instituições, progressivamente, legitimam o papel das escolas normais na formação dos professores e significará no decorrer desse período a descentralização no projeto de qualificação docente. A legislação não focaliza somente a formação profissional dos professores, mas também havia a preocupação em exigir e regulamentar o comportamento e as formas de conduta dos professores. As exigências para se tornar professor sofre pequenas alterações durante o período estudado, tal como a idade mínima para se exercer o magistério. Porém, algumas questões são sempre reforçadas: ser católico, conduta moral exemplar, ser livre e não ter cometido crimes. Outro aspecto identificado na legislação refere-se a inserção da mulher no magistério. No entanto, além das exigências descritas acima, a conduta moral das mulheres é reforçada. No caso das professoras, essa questão é enfatizada, já que elas lecionariam para as meninas e seria uma das referências para a boa conduta das garotas.
7 Escolas Profissionalizantes Uma questão que nos chamou a atenção na legislação mineira nas décadas de 1870 e 1880 se refere à instrução profissional. A partir de 1875 inicia-se a aprovação de Leis e Regulamentos que buscam estruturar a educação profissional em Minas Gerais. Por lei, foram criadas quatro Escolas Agrícolas, três Institutos de Menores Artífices e um Liceu de Artes e Ofícios. Ao total 8 instituições eram destinadas a ensinar habilidades como marceneiro, ferreiro e agricultura. Durante o período estudado, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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vários Regulamentos foram publicados visando regulamentar o funcionamento dessas instituições. De acordo com João Antonio de Paula e Fernando 21 Saraiva Minas Gerais era a Província que mais concentrava cativos no Brasil, e ao mesmo tempo, esta população escrava era sempre inferior ao conjunto da população livre. Isso, de certa forma, pode explicar a intenção de se criar escolas que pudessem preparar os livres e pobres e ex-escravos para o mercado de trabalho livre após o fim da escravidão. Nesse sentido, para inserir tanto o livre pobre quanto os ex-escravos, era necessário educá-los. Reivindicações por ensino profissionalizante e escolas agrícolas podem ser compreendidas dentro dessa perspectiva. Educar e treinar o trabalhador nacional e o liberto poderia tornar possível a incorporação dos mesmos ao mercado de trabalho livre. Outro aspecto, também de responsabilidade das escolas “profissionalizantes”, seria a transformação da percepção dos exescravos e do elemento nacional, acerca do trabalho, já que estes até então, foram mantidos á margem das atividades realizadas na Província e grande parte dos trabalhos era realizada pelos cativos. Dessa forma, tornou-se necessário fazê-los abandonar a agricultura de subsistência e ingressar no trabalho disciplinado e organizado das grandes plantações, bem como nos serviços necessários à Província. A instrução poderia incutir nos futuros trabalhadores o apreço ao trabalho. Com essa perspectiva André Simão corrobora: “Os ingênuos e demais homens livres deveriam ser ‘recuperados’ para
PAULA, J. A. de. Raízes da Modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SARAIVA, L. F. Estrutura de Terras e Transição do Trabalho em um Grande Centro Cafeeiro, Juiz de Fora 1870-1900. Anais do X Seminário sobre a Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.
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uma vida digna, uma vida de trabalho, por meio da educação”.22 A instrução era um dos instrumentos transformadores da população pobre em relação ao trabalho e, para que isso acontecesse, as crianças e os homens deveriam ser educados dentro desses pressupostos: homens educados para o trabalho. No caso das escolas agrícolas, a instrução tinha por objetivo tornar regular o fornecimento de mão-de-obra para o trabalho exigido na lavoura. Já os Institutos de Menores Artífices e o Liceu de Artes e Ofícios formariam trabalhadores que produziriam as mercadorias necessárias ao consumo local, tal como o pedreiro na construção civil e o ferreiro na produção de utensílios usados na lavoura. Em suma, o objetivo da instrução “profissionalizante” era tornar os homens livres pobres e ex-escravos em homens úteis à Província.
Considerações Finais Ao longo da segunda metade do século XIX configurouse na educação mineira um período caracterizado pela tentativa de organizar e ampliar a instrução à população branca e livre. Pela legislação buscou-se organizar uma estrutura educacional na Província. Ao se propugnar em favor de uma outra organização para a instrução, observa-se também, a necessidade de estruturar administrativamente o governo para que assim, o mesmo pudesse atuar mais de perto sobre essa esfera do serviço público. No período recortado para a pesquisa identificamos que a legislação descreve, de forma minuciosa, todo o aparato burocrático e fiscal ao qual a educação e seus agentes estavam subordinados. Órgãos, secretarias e funcionários são criados e “reinventados” para atuar junto à instrução. SIMÃO, A. L. Minas Gerais e o Congresso Agrícola de 1878: Demandas, Temores e Percepções dos Produtores Rurais Mineiros. Anais do XI Seminário sobre Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2004. p. 20. 22
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Fato instigante, no que tange a legislação, se refere às poucas alterações realizadas na instrução primária e secundária. Em alguns regulamentos foram incluídos preceitos de civilidade e higiene, sistema métrico, desenho linear e música. No período de estudo identificamos que as alterações realizadas pela legislação se referiam à divisão da instrução primária em 1º e 2º graus. As fontes de pesquisa nos ajudaram a compreender a produção do discurso sobre a necessidade de formar professores para atuar na instrução pública. A partir da nova organização, os professores que pretendessem exercer o magistério público e particular, deveriam adquirir os conhecimentos estabelecidos pela lei e dominar os métodos de ensino adotados na Província. Mas deveriam, sobretudo, freqüentar a escola normal. Na segunda metade do século XIX, a escola normal passa a considerada o local de transmissão de um saber pedagógico que buscava racionalizar e legitimar as práticas educativas. Fato interessante identificado na legislação mineira nas décadas de 1870 e 1880 se refere à instrução profissional. A partir de 1875 inicia-se a aprovação de leis e regulamentos que buscam estruturar a educação profissional em Minas Gerais. Nas décadas finais do Império, a maior ênfase é dada às escolas “profissionalizantes”, tendo em vista a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Mas, acreditamos que a preocupação maior não era com a população em si, mas sim com os rumos que a economia mineira iria seguir com essas transformações, bem como um meio de se conseguir uma força de trabalho “qualificada”, permanente e assídua.
Fontes ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (18351889). 55 vols. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Renata Fernandes Maia de Andrade. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Carlos Henrique de Carvalho. Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Data de recebimento: 10/10/2008 Data de aceite:20/02/2009
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TRABALHO DO PROFESSOR: DO DIZER DAS TRADIÇÕES A EMERGÊNCIA DE SENTIDOS CONTEMPORÂNEOS Rosa Maria Filippozzi Martini Paulo Roberto Corrêa Glasorester
Resumo A presente investigação tem por objetivo reconstruir as diferentes tradições que deram sentido ao trabalho docente. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada em textos de história da educação e de filosofia com caráter interdisciplinar. O método de investigação é a hermenêutica de Gadamer. O método se desenvolve pela interpretação e compreensão dos textos, buscando realizar a fusão de horizontes entre as diversas tradições e a atualidade. Elaborou-se uma descrição compreensiva do trabalho do professor desde a antigüidade até os dias atuais. Foi possível constatar a emergência de antigos significados que assumiram novas dimensões na atualidade. Palavras-chave: Tradições; Trabalho do professor; Crise do trabalho docente; Mundo da vida e sistema. THE WORK OF THE TEACHER: ASKING FOR NEW MEAMINGS ABOUT TRADITIONS Abstract This research presents a reconstruction of different traditions that offered a meaning to the teacher work. It is a qualitative research that was developed into texts of history and philosophy of education in an interdisciplinary way. The research method was the hermeneutics of Gadamer. It was developed by interpretation and comprehension of texts in order to operate the fusion of horizons proposed by Gadamer. It was a comprehensive description of the teacher work since antiquity until actuality. It was possible to verify ancient meanings assuming new dimensions nowadays. Keywords: Traditions; Teacher work; Crisis of teacher work; Lifeword and sistem.
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136 TRABAJO DEL MAESTRO: EL RESGATE DE LOS SENTIDOS ACTUALES EN EL DECIR DE LAS TRADICIONES Resumen La investigación se propone a una reconstrucción de las diferentes tradiciones que atribuyeran sentidos al trabajo del maestro. Se trata de una pesquisa cualitativa, de carácter interdisciplinario que se ha realizado en textos de Historia y Filosofía de la Educación. El método de la investigación esta basada en la hermenéutica de Gadamer. El método trabaja con la interpretación y la comprensión de los textos en la búsqueda de una fusión de los horizontes entre las variadas tradiciones y la actualidad, según lo propuesto de Gadamer. La investigación ha posibilitado una descripción comprehensiva del trabajo del maestro desde la antigüedad hasta el momento actual. Fue posible constatar la emergencia de antiguos significados que en los días de hoy asumieron nuevas dimensiones. Palabras clave: Tradiciones; Trabajo del maestro; Crisis del trabajo docente; Mundo de la vida y sistema. LE TRAVAIL DU PROFESSEUR; DU DIRE DES TRADITIONS À L’ÉMERGENCE DE SENS CONTEMPORAINS Résumé La présente recherche a pour but de reconstruire les différentes traditions qui ont donné sens au travail du professeur. Il s’agit d’une recherche qualitative, à caractère interdisciplinaire, réalisée sur des textes d’histoire de l’éducation et de philosophie. La méthode d’enquête c’est l’herméneutique de Gadamer. La méthode se développe par l’interprétation et la compréhension des textes, et cherche à réaliser la fusion d’horizons entre les diverses traditions et l’actualité. L’on a élaboré une description comprenant le travail du professeur depuis l’antiquité jusqu’à présent. Il a été possible de constater l’émergence de significations anciennes qui ont assumé de nouvelles dimensions au moment actuel. Mots-Clés: traditions; travail du professeur; crise du travail du professeur;
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1 Introdução O projeto de Mestrado em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul tem como uma de suas linhas de pesquisa "Educação, trabalho e emancipação". A esta linha de pesquisa se vincula o Projeto de Pesquisa: "Do trabalho ao tempo livre: educação, trabalho e humanização". Este projeto se subdivide em três sub-projetos sendo um deles "Sobre a reconstrução do trabalho docente na era das redes informacionais - É possível reencantar a ação docente?" Este, por sua vez, é desenvolvido em três etapas que ocorrem ao longo dos anos de 2007-2008: reconstruir as diferentes tradições e teorias pedagógicas que deram sentido ao trabalho docente; analisar as transformações do trabalho docente e de sua formação na era das redes informacionais e compreender e interpretar o discurso dos docentes, de diversos graus de ensino sobre seu processo de trabalho, nas dimensões cognitiva, normativa, prático-política e estético-expressiva. O presente trabalho, intitulado "Trabalho do professor: do dizer das tradições a emergência de sentidos contemporâneos", tem por finalidade apresentar os resultados parciais da primeira etapa1. O presente trabalho resulta de uma investigação de cunho qualitativo, realizada em textos de história da educação, textos filosóficos e sociológicos com o objetivo de resgatar o que dizem as tradições sobre o trabalho do professor. Porém, ao buscar este resgate, quer pela dificuldade das fontes, quer pelo exame das questões de investigação, realizou-se tanto um trabalho epistemológico de questionamento das formas de fazer história, como constatou-se a exigência de um enfoque interdisciplinar no tratamento do tema, em função das complexas dimensões tanto Esta pesquisa contou com a apoio do Fundo de Amparo a Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul.
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filosófico-epistemológicas, como sociológicas e antropológicas que envolvem o problema da produção histórica do trabalho do professor. Portanto, ao buscar pistas historiográficas sobre a questão do trabalho do professor pretende-se um resgate do significado desse trabalho, empreendendo paralelamente uma tomada de consciência metodológica, implicada na complexa tarefa de fazer história. Zequera (2002) ao caracterizar o trabalho teóricometodológico da pesquisa em História da Educação refere-se às dificuldades, tanto no que se refere a própria crise da História enquanto ciência, após a dissolução das grandes escolas responsáveis pela orientação do trabalho historiográfico, como ao próprio debate teórico-metodológico em História da Educação que apresenta características semelhantes. A presente investigação constatou os mesmos problemas na medida em que foram encontradas nos autores clássicos de História da Educação, mais referências à teorias pedagógicas e história das idéias pedagógicas do que referências ao próprio trabalho do professor. Somente em Manacorda (1989), cuja perspectiva teórica é hegeliano-marxista, foram encontradas referências mais concretas sobre o trabalho do professor. Por outro lado, ao tematizar a questão do dizer das tradições sobre o trabalho do professor se encontrou em Habermas (1988) a sugestão metodológica de se utilizar dialética e hermenêutica, no sentido de não reduzir o trabalho de investigação das tradições a uma perspectiva exclusivamente critico-ideológica, mas também tentando compreender as diferentes tradições a partir das suas diferenças e peculiaridades, praticando o que Gadamer (1984) propõe como fusão de horizontes. Por conseguinte, o esforço desta pesquisa se concentrou na busca de pistas dos modos de historicizar-se do trabalho docente, em diferentes tempos históricos, não enfatizando apenas uma processualidade, mas suas formas de manifestação, tendo em vista extrair configurações indicadoras do desvelamento de sentidos relativos ao trabalho docente que emergem do fazer-se mundo das diferentes tradições e que se História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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sedimentam e se contemporaneidade.
manifestam
de
outras
formas,
na
2 Discussão metodológica O estudo se desenvolveu a partir do paradigma “mundo da vida e sistema” de Habermas (1987), no sentido de uma tentativa de reconstrução das diferentes tradições, a partir das quais podem emergir sentidos no cotidiano do professor. Segundo Habermas (1987) o “mundo da vida”, enquanto horizonte da compreensão do homem no mundo, se configura em termos de cultura, sociedade e personalidade, implicando por isso mesmo em tempos e espaços que adquirem diferentes sentidos e estruturam diferentes tradições. O que se tentou nesta investigação foi um exercício de imaginação histórico- sociológica que implicou na tentativa de um trabalho hermenêutico de comunhão de horizontes, conforme o que preconiza Gadamer em Verdade e Método (1984), afirmando a necessidade de uma universalidade da compreensão, na medida em que somos na linguagem e nos compreendemos, enquanto humanos, no dizer das tradições. Entretanto, seguindo a sugestão metodológica de Habermas se operou, concomitantemente, com a crítica da ideologia, na medida em que se considerou a história das sociedades humanas em processo, não enfatizando necessariamente um continuum, mas tentando a partir de uma cronologia real e dos contextos sociais e institucionais da educação, apresentados por historiadores da educação, conjeturar sobre como se produziu o grupo social e profissional que hoje chamamos de professor. Para tanto, não poderíamos nos ater apenas à compreensão das tradições, visto que nos interessa verificar como se produziu esse grupo profissional. Para tanto foi importante questionar quais ideologias vigentes nas diversas sociedades, culturas e tradições que tornaram possível o acontecer do trabalho educativo, dele emergindo o trabalho do professor como grupo profissional. Desta forma, na presente História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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investigação se procurou adotar a metodologia sugerida por Habermas em sua teoria da ação comunicativa, a qual implicando numa teoria da sociedade e sua evolução, trabalha com a hermenêutica e a dialética, combinando operações compreensivas e críticas. Habermas trabalha em sua teoria da ação comunicativa com o paradigma “mundo da vida e sistema”. O mundo da vida se coloca como o horizonte a partir do qual acontecem as experiências, implicando em sociedade, cultura e personalidade, enquanto que o sistema implica em processos de racionalização social, tais como o poder, o dinheiro, a burocratização e o direito positivo. Habermas (1987) buscou elaborar uma teoria da sociedade e da evolução social, verificando em que medida as ameaças de racionalização sistêmica de uma sociedade, cada vez mais complexa, tornam intransparentes os sentidos de diferentes aspectos do mundo da vida e de suas tradições, exigindo não apenas a tematização das tradições, mas seu questionamento, na medida em que a própria tradição, não problematizada, não pode mais ela mesma resultar em esclarecimento. Portanto, nesta primeira etapa, procurou-se conjecturar a partir de indícios, encontrados nos relatos históricos dos textos de história da educação, imaginando como teria sido o mundo da vida dos indivíduos que exerciam a atividade de professor, seu cotidiano de trabalho e os influxos do sistema de poder exercido sobre tais indivíduos que exerciam práticas educativas até o momento em que sua profissão passa a ser regida por ordenamento estatal. Também nos foi de grande valia os estudos de Hobsbawm (1998) em Sobre História, na medida em que aponta a importância da metodologia marxista, e ressalta a falta de estudos sobre grupos profissionais, foco de nosso estudo, em termos da profissão de professor2.
BASTOS traduziu um artigo de CASPARD intitulado A profissão docente – entre história e memória – Uma pesquisa em um instituto francês de formação de professores. Revista de História da Educação. Pelotas, v. 6, n. 12, set. 2002,
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Ricoeur (1986) ao referir-se ao imaginário social o coloca ao nível das condições de possibilidade da experiência histórica em geral. No campo histórico, está implicada a imaginação, na medida de sua constituição analógica. Ricoeur (1986) cita Husserl, especialmente na quinta Meditação Cartesiana, e Schutz (1973) em suas afirmações a respeito da atitude natural de relação com o mundo pela qual é possível dar-se conta da historicidade do mundo social e cultural. Assim, há um campo histórico da experiência porque meu campo temporal está religado a um outro campo temporal por algo que é chamado de uma experiência de fazer parte de um grupo. Segundo essa relação de pertença a um grupo, um fluxo temporal pode acompanhar outro fluxo, implicando não apenas os contemporâneos, mas também os predecessores e os sucessores. Essa analogia implicada no sentir-se participante de um grupo não é apenas um argumento, mas uma condição transcendental, segundo a qual um outro eu semelhante a mim, meus contemporâneos, meus predecessores e meus sucessores podem dizer “eu”. Segundo Ricoeur, é desta maneira que este princípio de analogia entre múltiplos campos temporais funciona com relação à questão da transmissão das tradições como o “eu penso” kantiano na ordem causal da experiência. Para Ricoeur (1986) não é por acaso que, na quinta Meditação, Husserl apóia sua noção de apercepção analógica na idéia de transferência em imaginação. A transferência em imaginação de meu “aqui” em nosso “lá” é a raiz do que chamamos intropatia (Einfühlung). Esta imaginação é o esquematismo próprio a constituição da intersubjetividade na apercepção analógica. Ainda, segundo Ricoeur, esta forma de esquematismo opera como imaginação produtiva e tem por tarefa manter vivas as mediações de toda a sorte que constituem o liame histórico e as instituições que objetivam o liame social. Portanto, a p. 5-16. Nesse artigo o autor destaca a dificuldade de acesso a documentos sobre história da educação e análise da profissão docente. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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possibilidade de uma experiência histórica reside em nossa capacidade de nos expormos aos efeitos da história para retomar a categoria da história dos efeitos, segundo Gadamer, formulando a cada momento histórico as perguntas que ligam nosso horizonte contemporâneo ao de nossos predecessores. Esse exercício de questionamento nos permite imaginar como nos remeter a um futuro da situação desse grupo profissional ao qual pertencemos e que analogicamente podemos compreender e refletir criticamente. A pesquisa se desenvolve pela interpretação e compreensão dos textos, buscando realizar a “fusão de horizontes” entre as diversas tradições e a atualidade. Espera-se conseguir elaborar uma descrição compreensiva do trabalho do professor desde a antiguidade até os dias atuais. Nesta tentativa inicial de produzir uma história da profissão foram formuladas perguntas hipotéticas para as quais vão emergindo sentidos a partir de cada tradição, a qual é submetida, ao mesmo tempo, ao crivo da crítica da ideologia, subjacente às tradições. As perguntas são: Quem desempenha a tarefa de professor? Quais são as suas condições de trabalho e sobrevivência? Qual o significado social do seu trabalho? A partir desses questionamentos o que se obteve foram algumas pistas, encontradas no pouco material disponível.
3 Encontrando pistas para interpretar o dizer das tradições sobre o trabalho docente Buscou-se surpreender a questão do trabalho docente, no contexto das civilizações que dispõem de tradição escrita, presente inicialmente nos livros sagrados. Desta forma, nas antigas civilizações orientais o trabalho do professor não se distingue das funções sacerdotais e das do escriba, na medida em que se faz necessário o registro tanto de uma sabedoria sagrada, como de conhecimentos científicos e questões prático-políticas e administrativas. Nessas sociedades de poder altamente hierarquizado a função de escriba é instrumental para o exercício História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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do poder. Apesar dessa posição apenas instrumental, por outro lado aquele que se torna escriba busca livrar-se do peso do trabalho braçal e dos riscos da guerra. Além disso, tem sua subsistência garantida pela classe dominante sacerdotal pelo fato de seu ofício ser necessário quer para o exercício do poder hierárquico, como para a manutenção dessas funções por meio do ensino dos novos escribas. Portanto, é agregada às tarefas do escriba a tarefa de ensinar, ou seja é preciso ensinar para preservar a tradição e a própria cultura. O escriba judeu ainda está, além disso, ligado a uma história sagrada, sendo um guardião do sentido da palavra de um Deus criador que interfere na história de um povo. Esse povo permanece unido em torno dessa palavra divina a qual lhe dá um sentido político e existencial. Dessa forma, o escriba judeu se torna também mestre investido de uma autoridade sagrada conferida por um Deus poderoso que fala e interfere direto em sua criação e na história de um povo que se percebe como eleito. Essa autoridade adquirida por uma investidura teológica, com legitimidade sagrada, será um sentido muito presente na concepção do trabalho do professor3. Tal legitimação da autoridade e da palavra foi utilizada durante séculos pelas alianças do poder religioso com o do Estado, ficando a função do professor com uma aura sagrada e vocacional que ao mesmo tempo que legitimava o exercício de sua profissão como sacerdócio e vocação, o impedia de se perceber como um trabalhador comum4. Isso serviu durante séculos de diferentes Segundo Gilles (1987, p. 45): “a classe dos escribas aumenta em número, até se tornar o setor mais importante e erudito da sociedade judaica. Trata-se de uma ordem de leigos aberta a homens de várias profissões literárias, classe que assumiu a incumbência de instruir os jovens e prepara-los para os deveres escribais.” 3
Sobre a concepção sagrada da atividade do professor cristalizada na Idade Média Manacorda (1996, p. 142) faz a seguinte descrição: “Quanto às escolas do clero secular, originariamente o mestre era o bispo (ou, nas paróquias, o pároco), mas logo esta tarefa foi por eles transferida para um scholasticus ou magischola. Este foi um cargo cuja dignidade cresceu com o tempo, tanto que o magischola acabou assumindo na Igreja funções mais elevadas, transmitindo, através de uma espécie de investidura, a função de ensinar a um seu substituto, o proscholus.”
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formas para manter o trabalho do professor com essa investidura, servindo o próprio trabalho do professor como um instrumento de dominação e alienação de si mesmo, como classe trabalhadora, identificando-se com uma classe dominante, sem pertencer a ela, como um reprodutor dessa dominação na interação com os alunos. Essa auto-percepção de ser mediador de um conhecimento, tido inicialmente como sagrado, só vai se dissolver com o processo de laicização da cultura e difusão do conhecimento que começa com a imprensa, no início da modernidade, e culmina contemporaneamente com as redes de informação. Porém, a necessária operação de descentramento de uma interação totalmente assimétrica, como é proposta na tradicional relação professor-aluno, para relações simétricas de aprendizagens sociais, interativo-discursivas, desestabilizadoras e problematizadoras que podem ocorrer também via redes informacionais tem se tornado uma das principais fontes de mal estar docente, bem como tem se constituído em um desafio para a formação do professor. Ainda se corre o risco da ameaça de se tornar um escriba virtual ou tecnólogo da rede, sem conseguir atingir uma verdadeira apropriação pedagógica do trabalho educativo, via redes de comunicação5. A paidéia grega apresenta uma primeira racionalização da discussão acerca do trabalho docente, questionando suas funções formadoras e moralizadoras, bem como as de instrutor e de transmissor de conhecimentos. Ao longo da aventura grega de constituição do conhecimento, tanto como teoria anunciadora da contemplação do real, como via de realização prática da vida política, como o saber argumentar em torno dos fins mais racionais para a realização do bem viver na Polis, o trabalho do professor se manifesta em diferentes figuras. Nos tempos homéricos aparece na figura do therapon, um misto de médico e Ver a esse respeito “Ciberprofessor: novas tecnologias, ensino e trabalho docente” de Eucídio Arruda, 2004, p. 113 a 127, texto resultante de dissertação de mestrado em que o autor chega à conclusões semelhantes.
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especialista em armas e na palavra, que apóia e valoriza a coragem do herói e a morte heróica. Assim, nos tempos homéricos o trabalho do professor estava ligado a morte, pois o therapon era alguém que tinha se envolvido com homicídio e apoiava com serviço e palavra aquele que deveria morrer heroicamente6. No período helênico, vemos o professor muitas vezes na condição de escravo culto que caiu nesta condição por desgraça financeira ou por ser estrangeiro e que era apreciado por suas virtudes formadoras mais do que por sua tarefa de instrução. Por outro lado, vê-se na Grécia o trabalho do professor fragmentado em diversas atividades que vão desde o cuidado do corpo (ginástica) ao cultivo da alma (música) e do intelecto (instrução7). Os professores das primeiras letras não eram valorizados e geralmente ocorre a instrução em meio à violência, tanto por parte do aluno como do professor8. O ponto alto de discussão sobre o trabalho do professor 6
Sobre o educador nos tempos homéricos, ver Manacorda (1996, p. 41-46).
Há uma enorme gama de educadores na Grécia Antiga (MARROU, 1975): a) nos estudos “primários”: mestre escola, educação física e artes (diversas modalidades: lira, canto, desenho etc); b) nos estudos secundários: gramático e de matemáticas (diversos: para geometria, aritmética, astronomia etc); c) ensino superior: retóricos (sofistas), filósofos, professores de medicina etc. Além destes profissionais há a figura do pedagogo que é um escravo culto que é responsável pela educação moral da criança. 7
Ainda, segundo Marrou (1975, p. 232) na antigüidade, o mestre de primeiras letras é alguém muito apagado para que a família pense em confiar-lhe, como o faz tão freqüentemente hoje, a responsabilidade da educação. Se alguém, que não os pais, recebe esta missão, é decerto o pedagogo: um simples escravo, sem dúvida, mas que pelo menos pertence à casa e que, através do contato quotidiano, pelo exemplo se possível, em todo caso através dos preceitos e de uma vigilância atenta, contribui para a educação, e sobretudo para a educação moral, incomparavelmente superior às aulas puramente técnicas do "gramatista". Segundo Marrou (1975), “o ofício de mestre-escola permanece, durante tôda a Antigüidade, um ofício humilde, bastante desprezado, que serve para desacreditar aquêles como Ésquilo ou Epicuro, cujo pai foi constrangido a praticá-lo. (p. 229) (...) Ofício pago, e, o que é pior, mal pago: os documentos mais precisos a êsse respeito são as cartas epigráficas de Miletoe de Teos: a primeira fixa o salário dos
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se encontra no Protágoras de Platão9, no qual são discutidos se a essência do trabalho do professor é a instrução para o exercício do poder na Polis, por meio da arte da retórica, ou a formação cognitiva e moral como auto-cultivo e auto-aperfeiçoamento, ideal da paidéia grega. Tal discussão implica também no questionamento se o trabalho do professor se aproxima do trabalho de um profissional liberal que vende seu serviço, (personificado pelo sofista10) ou com a ação do filósofo (Sócrates11), que
mestres de primeiras letras em quarenta dracmas mensais, a segunda em quinhentas dracmas por ano, no ano normal é proporcionalmente aumentado nos anos em que se anexa um mês intercalado: nos dois casos, êste salário é um pouco mais elevado que o de um obreiro qualificado, cujo sôldo, sabe-se, era normalmente de uma dracma por dia, mas não é bastante para representar uma elevação real do nível de vida. (p. 230) Ver a esse respeito no Protagoras de Platão 328c-329d a discussão entre Protágoras e Sócrates a respeito da ensinabilidade da virtude.
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É, pois, interessante conhecer, com alguma precisão, a maneira pela qual êles exerceram seu ofício. Não abriram escolas, no sentido institucional dessa palavra; seu método, ainda bastante próximo daquele das origens, pode-se definir como um preceptor coletivo. Agrupam êles, em torno de si, os jovens que lhe são confiados e de cuja formação completa se incumbem; esta requer, ao que se impõem, três ou quatro anos. Tal serviço é prestado contra remuneração: Protágoras pedia a considerável quantia de dez mil dracmas (a dracma, [...] representa o salário diário de operário qualificado). Seu exemplo servirá por muito tempo de modêlo, mas os preços abaixarão rapidamente: no século seguinte (entre 393 e 338). Isócrates não pedirá mais de mil dracmas e lamentará que concorrentes desleais aceitem receber a bagatela de quatrocentas ou mesmo trezentas dracmas. (MARROU, 1975, p. 86) 10
Sobre o ideal de educação defendido pelos filósofos, Marrou (1975, p. 112) nos ilustra ao comentar os Diálogos de Platão: 11
Tudo o que os Diálogos nos permitem entrever mostra-nos Platão como um partidário dos métodos ativos: seu método dialético é bem o contrário de uma doutrinação passiva. Longe de inculcar em seus discípulos o resultado, já elaborado, de seu próprio esforço, ao Sócrates pintado por Platão apraz, ao contrário, fazê-los trabalhar, fazê-los descobrir por si mesmos, de início, dificilmente, e depois, à custa de aprofundamento progressivo, o meio de superáHistória da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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questiona essa atividade em sua raiz, perguntando pela essência do educar, no sentido da questão sobre se a virtude é ensinável. Mais ainda, o que caracteriza a formação proposta pela Paidéia grega, é a discussão das próprias possibilidades formadoras, ou seja, um equilíbrio entre instrução pelo domínio de diversos saberes com a virtude do saber conviver na polis pelo aprender a deliberar sobre o que é bom para o cidadão. Esse equilíbrio resulta numa proposta de prudência ética e política (phronesis) com uma certa estética da existência, própria da visão de mundo grega, na qual (scholé) significa o ócio dos filhos de uma classe dominante que tinha a possibilidade de gozar do tempo livre, privilégio dos que não precisavam cuidar de sua subsistência e que se preparavam para o exercício do poder, exercitando o pensar e o deliberar, o governar e o guerrear. O que se pode observar nos relatos apresentados pelos textos de história da educação é que o ideal da paideia grega foi uma discussão filosófica, mas que na realidade pouco se concretizou na própria Grécia, pois era uma educação para poucos, ficando excluída da tradição da paideia grega os trabalhadores e as mulheres. Entretanto, a paideia grega, enquanto ideal educativo permanece um ponto de reiterada discussão. Até hoje o ideal da paideia continua sendo o centro das preocupações do trabalho do professor, constituindo-se num núcleo paradoxal, pois ao mesmo tempo que o trabalho do professor se constitui em seu meio de sobrevivência, este é solicitado para a realização de um trabalho formador para o qual ele mesmo precisa estar continuamente buscando sua própria formação. Portanto, há sempre uma dicotomia entre o exercício profissional e a tarefa formadora. Tal tarefa formadora exige uma forma de cuidado de si, que se torna quase sempre incompatível com o exercício do trabalho docente na medida em que este sempre esteve a serviço de processos de dominação. Assim tanto na antiguidade como, nas la. A Academia era, pois, ao mesmo tempo, uma Escola de Altos Estudos e um instituto de educação. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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épocas subsequentes, até tornar-se um funcionário do Estado ou de instituições particulares o trabalho do professor não consegue se exercer em termos do cultivo de si, do mundo e do outro conforme descreve Foucault (2004) na Hermenêutica do Sujeito, quando comenta as práticas do “cuidado de si”, implicadas na cultura grega desde a fala do oráculo de Delfos que aconselha “o conhecete a ti mesmo”. A condição para realização da paideia grega como um processo auto-formador no qual o mestre, personificado na figura de Sócrates, é o indutor deste processo, parece nunca ter se realizado totalmente ou se realizou de forma muito precária e para as classes mais favorecidas. Estará o professor contemporâneo, especialmente os dos países em desenvolvimento tendo acesso a um mínimo desse sentido de formação? A civilização romana, com seu senso prático-intrumental nos legou a criação do Direito para legitimar sua expansão territorial e o poder de seu Império e assimilou a cultura grega como refinamento das classes dominantes. Entretanto, não há muita modificação com relação ao trabalho do professor. Este passa do trabalho do professor na situação de escravo da família ao mestre de crianças de várias famílias, visto que se fazia negócio com os cultos escravos gregos, que quando libertos ensinam em sua própria escola, escolas que o imperador, como evergéta, dava seu apoio pois era preciso educar a população para poder entender as leis emanadas do império e poder manter uma hierarquia de acordo com os objetivos do poder12. Não há grande mudança, tanto com relação ao estilo de educação, como com relação às práticas agressivas que permeiam o cotidiano do trabalho do Do mesmo modo, se o imperador dota cadeiras professorais, é ainda como evérgeta, em sua boa cidade de Roma, nesta Atenas que é, para todo letrado, uma segunda pátria. Suetônio relaciona a fundação das primeiras cadeiras estatais ao conjunto das iniciativas que mostram em Vespasiano um mecenas, um esclarecido protetor das letras e das artes. Do mesmo modo, Adriano aparece-nos menos como um soberano preocupado com a reforma do ensino que como um mecenas, outorgando pensões a retóricos célebres, favores e facilidades legais à confraria epicuréia de Atenas. (MARROU, 1975, p. 465) 12
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professor. Verifica-se uma intervenção mais forte do Estado com relação à valorização do trabalho do professor, e as intervenções dos imperadores no trabalho dos professores prefiguram a universidade medieval como comunidade de mestres e alunos, mais aberta ao saber e acolhendo a todos que desejassem frequentá-la13. Vemos, portanto o professor numa situação de meia escravidão, vivendo à sombra da proteção do imperador. Com a decadência de Roma, desgastada com sua expansão colonialista, e aumento de miseráveis que aderiram a fé cristã, o Imperador Constantino decide adotar o cristianismo como segunda religião do Império Romano. Começa então uma secular aliança da Igreja e do Estado que só vai ser abalada no século XVIII com a revolução francesa, permanecendo o trabalho do professor sob essa dupla dominação. Na alta Idade Media convivem o ensino tradicional nos mosteiros e o ensino prático da aprendizagem regular de ofícios em que o mestre artesão é mais valorizado e goza de maior prestígio. De uma maneira geral, a Igreja domina a educação passando para ela o controle político das próprias escolas. A reforma protestante inicia um processo de crítica à essa aliança entre Igreja e Estado14. Muito cedo, ao lado desta preceptoria particular, no seio das grandes famílias, apareceu um ensino público do grego, ministrado em verdadeiras escolas: Andrônico já ensina, simultâneamente domi forisque, como preceptor e como mestre-escola. Ao lado de alforriados estabelecidos por conta própria, havia escravos cujos proprietários lhes exploravam os talentos pedagógicos: um escravo capaz de ensinar era uma boa renda (Catão bem o sabia) e sobressaía no mercado. Nem todos os professôres de grego eram de origem servil: Ênio, por exemplo, nascido num município aliado de Messápia. A existência de uma clientela ansiosa por aprender logo atraiu à capital inúmeros gregos em busca de fortuna: por volta de 167, PoIíbio assinala a presença, em Roma de grande número de mestres qualificados. (MARROU, 1975, p. 381-382):
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Manacorda (1996):
Mas, à parte o apoio do poder político aos estudantes, a Igreja manteve uma espécie de supervisão sobre as universidades através da concessão, com exame prévio dos títulos de estudo, da autorização para ensinar, a licentia docendi. (A conventatio era a cerimônia pública que sucedia à da concessão da licentia, interna História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Na reforma protestante o professor e seu trabalho são identificados com a tarefa de democratização da cultura, por meio da alfabetização do povo com vistas à leitura da Bíblia, não mais em latim, mas na sua própria língua. Entretanto, há também um controle religioso sobre o trabalho do professor ficando, tanto católicos como protestantes, restritos à hierarquia religiosa. Podemos observar, paralelamente ao desenvolvimento mercantil das cidades e à sua organização em comunas o surgimento de mestre livres que munidos de licença para ensinar, atuavam fora dos muros da cidade, satisfazendo exigências culturais das novas classes sociais. As universidades tiveram origem dessas associações de mestres livres e alunos, mas quase sempre com a tutela da Igreja, visto que eram inicialmente regulamentadas pelo poder Papal e Imperial. As universidades se espalham por toda a Europa e adotam uma metodologia tradicional em que o mestre expõe suas teses de acordo com a sabedoria medieval que adota a versão teológico-metafísica dos antigos filósofos gregos, principalmente Platão e Aristóteles, divulgados pelos grandes doutores da Igreja Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. O método segue a lógica e a retórica aristotélica. Entretanto a universidade em sua origem, enquanto associação de mestres livres e alunos, antes de sofrer a intervenção da Igreja e do poder imperial, é um espaço de livre discussão de idéias. O humanismo surge como polêmica declarada contra a cultura das universidades e sua tradicional classificação das da universidade.) Portanto, feita exceção à importante iniciativa dos mestres livres, nota-se uma continuidade ininterrupta, pelo menos na direção política, entre escolas episcopais e universidades. (p. 150) Neles, numerosas são as normas que regulam não somente as relações externas da arte ou corporação com o poder público e com o mercado [...], mas também as relações internas entre trabalhadores, que podem ser mestres, sócios, aprendizes e também diaristas assalariados. (p. 161-162) A aceitação previa um verdadeiro contrato formal, assinado por dois probiviri da arte, como testemunhas. (p. 163) História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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ciências em conflito com as artes, mas o que parecia um início de libertação, volta-se também contra esses mestres em função da aristocratização da cultura que embora tenha dado mais atenção aos problemas do homem e sua educação por seu renovado contato com os clássicos, gera uma aversão a cultura medieval e a própria escola, numa espécie de privatização que dá ênfase ao preceptorado nas casas senhoriais. Entretanto, encontra-se uma variedade desses mestres associados e autônomos, pagos por corporações e pelas comunas, numa diversidade de relações jurídicas, vê-se surgir um novo tipo de escola, originada de uma sociedade mercantil, quase que totalmente livre da ingerência da Igreja e do Império e que vende a sua ciência, renovando-a e revolucionando métodos de ensino. Observa-se como conseqüência da crítica à escola medieval um movimento humanista de aristocratização e por outro lado pelo trabalho dos mestres livres um movimento de democratização. De certa forma o trabalho do professor continua sendo exercido a partir ou de uma concepção sofística liberal, segundo a qual o professor vende seu saber ou a concepção da paideia, traduzida de forma religiosa em que o trabalho do professor se identifica com o modelo do mestre, presente nas escrituras. Somente as Revoluções burguesas, tanto a Inglesa, como a Americana e a Francesa vão instaurar a laicidade da cultura15. 15
Ver Manacorda (1996, p. 279):
Esta disputa atinge todos os níveis da instrução, das escolas infantis, que exatamente nesse período começam a difundir-se, às escolas elementares, para as quais se discute o novo método do ensino mútuo, às escolas secundárias, que já vêm se articulando em humanísticas e científico-técnicas, às universidades, com suas novas faculdades correspondentes às transformações das forças produtivas. Esta disputa talvez tenha na questão do "método" a ser usado nos primeiros níveis de instrução a sua expressão mais característica: podemos afirmar que, após a primeira grande idade da didática, aberta pela invenção da imprensa e pelas iniciativas dos reformados, com a grande figura de Comenius, esta nova idade da difusão da instrução às classes populares, do nascimento da escola infantil, da difusão dos livros de texto, das novas escolas para a formação dos professores, assinala um macroscópico retomo à pesquisa didática. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Com a revolução industrial entram em jogo novos saberes científicos e técnicos, e a educação se populariza pela necessidade de formar mão de obra qualificada, a educação se torna negócio de Estado e o professor um funcionário do Estado. Se por um lado, se oferece mais e melhor educação, promovendo uma maior universalização da instrução e novos experimentos pedagógicos com forte acento científico e prático, por outro lado, essa preocupação em incluir se coloca como necessidade do sistema capitalista para formar mão-de-obra qualificada. O professor se percebe como um especialista e agente do sistema já que as reformas universitárias, especialmente a de Humboldt consiste no fim do caráter abstrato e universalista da universidade medieval e na adoção de um conjunto diferenciado de especializações. À medida que a educação se generaliza na Europa aparecem duas tendências, uma mais científica e positivista com relação ao trabalho do professor e outra, de tendência mais histórica, humanista e formativa, no estilo da Bildung alemã acentuando um movimento de formação total que implica em cognição, ética e estética. Nessa época, fim do século XIX, o trabalho do professor se reveste, consequentemente, das características de especialização científica ou de vocação formadora, no estilo da Bildung, ou seja uma auto-formação pela inserção total e criativa na cultura. No século XX ocorrem reformas educacionais e revisões do trabalho do professor. A profissão é regulamentada e sindicalizada. Surgem novos experimentos na área da educação com o desenvolvimento da Psicologia e das ciências médicas, das ciências da cognição e da informação, além de outras ciências sociais, contribuindo para uma melhor compreensão do desenvolvimento infantil e transformação no sentido de uma pedagogia social, técnica e política16. Resta saber se na esteira 16
Ver Manacorda (1996) p. 330-331:
As discussões sobre a relação entre instrução e trabalho, a oposição entre individualismo e socialidade ou entre maturação autônoma e determinação educativa, e a relação entre adultos e adolescentes repropõem em termos e História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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desses experimentos se verificou realmente uma mudança nas condições de trabalho do professor que tenha implicado em reais transformações. Com a entrada da mulher burguesa no campo de trabalho da educação instala-se um processo dual em que a mulher professora tem menor remuneração, ficando o ensino superior a cargo do sexo masculino, com melhores remunerações. Contemporaneamente, com o avanço das novas tecnologias a profissão está em processo de total questionamento na medida em que o professor é retirado da cena pedagógica, ficando sua atividade exigida por uma específica atualização tecnológica que requer uma grande transformação pedagógica para que não fique reduzida a uma racionalidade instrumental e a um certo estilo de gestão tecnológica. Por outro lado, Habermas (1987) chama atenção para o fato de que o trabalho do professor na sociedade contemporânea encontra-se racionalizado pelo sistema burocrático e legal oportunizando pouco espaço para comunicação e discussão entre pares com consequente reflexão sobre o mundo da vida das práticas pedagógicas. A esse tipo de influência racionalizadora e sistêmica no trabalho do professor que é uma característica da educação mundial com suas leis orgânicas que positivam toda a atividade educacional e exigências das agências de fomento, atreladas às estatísticas do Banco Mundial, acrescenta-se, nos paises em desenvolvimento uma brutal proletarização do professor, ocasionada pelos baixos investimentos em educação, e a falta de apoio e formação em serviço do magistério. Como pode o professor praticar o “cuidado de si”, que implica no cuidado do mundo e do outro, se ele se encontra brutalizado por uma cotidianidade e um senso comum que não lhe permitem nem valorizar sua própria experiência, nem tematizá-la e problematizála. Todos esses fatores são fontes do mal estar docente, desafiando palavras novos os problemas antigos da relação entre o "dizer" e o "fazer'" entre "governantes" e "governados". A práxis política as traduz em termos organizacionais e reais, mas dando às vezes lugar a uma espécie de comédia ou de tragédia dos equívocos. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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o sistema de educação e principalmente os próprios docentes a encontrar novas oportunidades de exercer novas compreensões e busca de sentido do trabalho docente promovendo, também, uma emancipação que não é apenas do professor, mas do todo da sociedade, visto que se volta para a matéria prima da ação educativa, na medida em que o trabalho do professor se insere no contexto da comunicação humana e da busca de sentido do humano.
4 Conclusões A compreensão das tradições, abriu algumas brechas para tentar desvelar algumas questões do trabalho do professor, elucidando aspectos significativos da profissão docente, desmascarando sua aura vocacional a partir de diferentes contextos. Os resultados da interpretação do dizer das tradições revelaram sentidos diversos, tais como a do mestre livre ou liberal que vende seu serviço, ou do especialista que forma outro especialista, contra a discussão que emana da Paidéia grega ou da Bildung alemã que aspira uma formação mais completa que articula o cognitivo, o prático-moral, o estético e o político, aliado a um saber especializado, o que contemporaneamente se vê questionado pela informação que circula nas redes. Esta pesquisa permitiu o acesso a possibilidades de uma visão reconstrutiva do trabalho do professor, desconstruindo alguns preconceitos. O trabalho do professor no mundo atual se encontra tensionado entre ser funcionário do Estado ou de uma empresa particular, atendendo às necessidades do sistema, e seguir os imperativos de um trabalho referido ao desenvolvimento do ser humano, ligado a valores e dimensões morais, éticas e políticas, no sentido do direito à expansão de possibilidades que todo o ser humano precisa experimentar. Portanto, não é possível reduzir o trabalho do professor a uma única dimensão, havendo grandes exigências com relação a sua atuação e pouco investimento em sua formação, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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condições de trabalho e valorização salarial. Conclui-se que o trabalho docente, especialmente o do professor público do sistema da educação brasileira se exerce em meio a violência, tanto como a dos tempos mais primitivos. Entretanto a violência atual é mais complexa, na medida em que produzida por um sem número de fatores, desde o tráfico até a indiferença das classes dominantes, preconceitos de todo estilo, a própria naturalização e virtualização da violência, caracterizada como “bulling” nas escolas e nas redes de comunicação. Alem da violência generalizada, o trabalho do professor se problematiza e desqualifica por permanecer imerso nos clássicos dilemas entre formar ou instruir, perpassados no presente pela mudança tecnológica, trazida pelos novos meios de comunicação, que requerem imensos esforços de atualização e arregimentação de forças construtivas e criativas que a mera manipulação de tecnologias não pode suprir. A falta de investimento em formação e educação continuada, bem como a desvalorização do tempo de trabalho relegam o professor a processos de alienação em seu trabalho, na medida em que não conseguem uma organização que permita uma apropriação reflexiva e criativa do próprio processo em que estão envolvidos.
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Rosa Maria Filippozzi Martini – Doutora em Educação / UFRGS. Professora Adjunta do Departamento de Educação e do PPGEDU/UNISC, Professora Titular aposentada da área de Filosofia da Educação da FACED/UFRGS. Atua como professora colaboradora no PPGEDU/UFRGS. E-mail: rosamfm@terra.com.br. Paulo Roberto Glasorester – Acadêmico de Pedagogia e bolsista do Programa UNISC de Iniciação Científica. Professor da rede pública municipal de Vera Cruz/RS. E-mail: pauloglosorester@bol.com.br.
Data de recebimento: 15/11/2008 Data de aceite: 20/02/2009
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O MUNICÍPIO E A EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS: A IMPLEMENTAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NO INÍCIO DO PERÍODO REPUBLICANO Wenceslau Gonçalves Neto
Resumo O texto é resultado de pesquisa realizada com financiamento do CNPq, envolvendo o processo de organização e implementação da instrução pública no estado de Minas Gerais, tomando como referência o município de Uberabinha (Uberlândia a partir de 1929), analisando a ação da Câmara Municipal em seu esforço pelo progresso e pela dinamização da educação nos primeiros anos da República. Os municípios, detentores de pouco poder no período imperial, com a Constituição republicana, e especialmente a Constituição mineira, passam a gozar de maior autonomia, o que lhes ampliará a participação política, mas também a responsabilidade na condução dos negócios locais. O objetivo é compreender como o poder local participa desse esforço pela instrução pública, a aproximação/distanciamento com a proposta oficial do estado, as dimensões político-ideológicas, o grau de complexidade das iniciativas, as perspectivas que se abrem, o funcionamento e a eficácia do sistema, etc. Ou seja, estender aos municípios a análise da formação dos sistemas públicos de ensino no início do período republicano. Palavras-chave: Instrução pública; Primeira República; Ação municipal. MUNICIPALITY AND EDUCATION IN MINAS GERAIS: THE IMPLEMENTATION OF PUBLIC INSTRUCTION IN THE BEGINNING OF THE REPUBLICAN PERIOD Abstract This text is the result of a research carried out with the financial aid of CNPq, involving the organization and implementation of the public instruction in the State of Minas Gerais, taking as reference the municipality of Uberabinha (Uberlândia from 1929 onwards), analyzing the action of City Council in its endeavor for progress and for the stimulation of education in the first years of Republic. The municipalities which held some power in the imperial period, with the republican constitution and especially with the constitution of the História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
160 State of Minas Gerais, could experience some kind of autonomy. This enlarged their political participation, as well as their responsibility in the fulfillment of public duties. The objective is to understand how the local power took part in this effort for the public instruction, the approximation/distancing from the official proposal of the State, political-ideological dimensions, the level of complexity of the initiatives, the perspectives which were open, the functioning of the system and so on. In other words, to carry over to the municipalities the analysis of the formation the public system of instruction in the beginning of the republican period. Keywords: public instruction, the first Republic, municipalaction. L MUNICÍPIO Y LA EDUCACIÓN EN MINAS GERAIS: LA IMPLEMENTACIÓN DE LA INSTRUCCIÓN PÚBLICA EN EL INÍCIO DEL PERÍODO REPUBLICANO Resumen El texto es resultado de pesquisa realizada con financiamento del CNPq, envolviendo el proceso de organización e implementación de la instrucción pública en el estado de Minas Gerais, tomando como referencia el município de Uberabinha (Uberlandia a partir de 1929), analisando la acción de la Cámara Municipal en su esfuerzo por el progreso y por la dinamización de la educación en los primeros años de la República. Los municípios, detentores de poco poder en el período imperial, con la Constitución republicana, y especialmente la Constitución minera, pasan a gozar de mayor autonomia, lo que les ampliará la participación política, pero también la responsabilidad en la conducción de los negócios locales. El objetivo es comprender como el poder local participa de ese esfuerzo por la instrucción pública, la aproximación/distanciamiento con la propuesta oficial del estado, las dimensiones político-ideológicas, el grado de complejidad de las iniciativas, las perspectivas que se abren, el funcionamiento y la eficácia del sistema, etc. O sea, estender a los municípios el análisis de la formación de los sistemas públicos de enseñanza en el início del período republicano. Palabras-clave: Instrucción pública; Primera República; Acción municipal.
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161 LA COMMUNE ET L’ÉDUCATION DANS LA PROVINCE DE MINAS GERAIS: LA MISE EN OEUVRE DE L’INSTRUCTION PUBLIQUE AU DÉBUT DE LA PÉRIODE RÉPUBLICAINE Résumé Ce texte est le résultat d’une recherche, réalisée avec le financement du CNPq, qui concerne le processus d’organisation et de mise en eouvre de l’instruction publique dans la province de Minas Gerais, à la ville d’Uberabinha (Uberlândia, à partir de 1929) et qui analyse l’action du Conseil Municipal en vue du progrès et de la dynamisation de l’éducation aux premières années de la République. Les communes, qui avaient peu de pouvoir dans la période impériale, ont acquis une plus grande autonomie avec la Constitution républicaine et surtout avec la Constitution de Minas Gerais, ce qui a agrandi leur participation politique mais aussi leur responsabilité dans la conduite des affaires locales. L’objectif de ce travail est de comprendre comment le pouvoir local participe à cet effort pour l’instruction publique, le rapprochement/éloignement de la proposition officielle de l’état, les dimensions politiques et idéologiques, le degré de complexité des initiatives, les perspectives qui s’ouvrent, le fonctionnement et l’efficacité du système, etc., c’està-dire il s’agit de porter jusqu’aux communes l’analyse de la formation des systèmes publics d’enseignement au début de la période républicaine. Mots-Clés: Instruction publique, Première République, Action
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Grande parte dos estudos que se debruçam sobre a história da educação brasileira na Primeira República dão ênfase ao caráter estadual das iniciativas voltadas para a organização da instrução pública. Essa observação, aliás correta, baseia-se na omissão do Estado brasileiro com relação à educação, o que fica claro nas poucas referências que a ela são feitas na Constituição de 1891. Aos estados, dentro do espírito federativo que imperava no início da República, é repassada a incumbência de organizar a instrução popular nos limites de suas fronteiras. Essa responsabilidade foi assumida das mais diferentes formas, sendo os resultados também os mais variados e, na maioria dos casos, pouco significativos para a alteração da situação de analfabetismo e ignorância vigorantes à época. Por conta dessa autonomia concedida aos estados, normalmente fala-se na história da educação brasileira das primeiras décadas republicanas sobre o processo de formação de sistemas estaduais de ensino, já que nunca ocorrera uma iniciativa unificadora, que gestasse uma proposta nacional, centralizada, de organização e oferta da instrução pública. Nesse universo de iniciativas, destaca-se a empreendida pelo estado de São Paulo na década de 1890, que acabou por definir o modelo geral de instrução primária que seria ofertado nos demais estados, que vão assumindo a abertura de grupos escolares com menor ou maior distância com relação à reforma pioneira paulista. Em Minas Gerais apenas em 1906 haverá a formulação de um proposta que unifica a instrução pública, o que será feito pela assunção, por parte do estado, do processo de agrupamentos escolares ou pela criação, daí para a frente, de grupos escolares propriamente ditos. Até este ano a educação mineira foi regida por leis e regulamentos que, iniciados em 1892 e 1893, sofreram diversas alterações ao longo do tempo. Durante esse período, que vai da proclamação da República, ou mais precisamente da Constituição mineira de 1891 e da lei de instrução pública de 1892, até 1906, o estado de Minas Gerais estará na busca de um História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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“modelo” que lhe permita dar conta, da melhor forma possível, do encargo da educação popular. E, à falta desse “modelo” unificador nesses anos que antecedem a reforma de 1906, temos defendido nos últimos anos que essa situação permitia aos municípios uma certa autonomia organizacional em termos de instrução, remetendo ao espaço das câmaras parte da responsabilidade herdada da omissão do governo federal. Esta autonomia foi analisada, tomando-se o município de Uberabinha como referência, como possibilidade de se pensar e organizar, independente ou complementarmente da ação estadual, um “sistema” municipal de ensino, marcado por lei de instrução, regulamentos, implementação de concursos de professores, criação de escolas, destinação de verbas para gastos com custeio, etc. A essa ação educativa do poder local temos denominado de município pedagógico1, chamando a atenção para o caráter de centralidade que as elites locais dão à questão da educação e aos dividendos políticos, e também econômicos, que podem advir de iniciativas voltadas para a aproximação entre o povo e as letras. No entanto, algumas dúvidas têm sido colocadas por diversos debatedores acadêmicos, sobre a existência de uma real autonomia municipal na Primeira República, dado o domínio explícito que os presidentes dos estados exerciam política e economicamente em seus territórios e também à limitação orçamentária, às vezes penúria, vivida pelos municípios. Nesse sentido, propomo-nos aqui fazer uma incursão pelos caminhos da legislação e da análise bibliográfica, para tentar compreender melhor essa questão da evidência ou não da autonomia municipal no período que estudamos e, conseqüentemente, a possibilidade de viabilização de iniciativas locais voltadas para a instrução, Cf., por exemplo, GONÇALVES NETO, Wenceslau. “Repensando a história da educação brasileira na Primeira República: o município pedagógico como categoria de análise”. In: LOMBARDI, José Claudinei. Navegando na História da Educação Brasileira. Campinas: Faculdade de Educação-UNICAMP, 2006 (CD-ROM).
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suplementarmente à ação insuficiente ou pouco significativa do estado. Avançando um pouco mais, observamos que na discussão sobre o município no Brasil este quase sempre aparece marcado pelo controle externo. Victor Nunes Leal, por exemplo, alerta que ao “estudarmos a autonomia municipal no Brasil, verificamos, desde logo, que o problema verdadeiro não é o de autonomia, mas o de falta de autonomia, tão constante tem sido, em nossa história, salvo breves reações de caráter municipalista, o amesquinhamento das instituições municipais”2. A menção, no entanto, a “breves reações de caráter municipalista”, nos permite supor efetivamente que em determinados momentos e espaços o municipalismo se fez presente, acompanhado ou fruto de práticas autonomistas. Uma discussão, portanto, sobre a trajetória do município no Brasil, com especial destaque aos primeiros anos da República, pode ser interessante e contribuirá para o alargamento da compreensão sobre o que seria o município pedagógico em nossa proposição. Como nossa investigação concentra-se na realidade mineira, será sobre esse estado que mais concentraremos a análise, não descurando, contudo, de remeter às necessárias correlações com um universo maior, quando essas se tornarem importantes.
O município no período imperial Ainda que nosso enfoque se inicie no século XIX, para uma melhor compreensão do fenômeno será interessante que dediquemos algumas poucas linhas para os séculos de dominação portuguesa no Brasil, já que o período áureo de autonomia dos municípios do Brasil concentra-se nos tempos coloniais. Esta modalidade administrativa, embora trazida pelos portugueses, tem Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975, p. 50.
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suas origens nos tempos romanos3. Essa forma de administração local era vigente em Portugal e a Coroa decide aproveitá-la no Brasil. Dadas as insuficientes condições de fiscalização das ações nas vilas que se iam formando – a estrutura e capacidade administrativas da Coroa eram precárias – e também pelo interesse nos resultados e não na forma como os negócios transcorriam – os objetivos da Coroa e dos proprietários rurais coincidiam –, o poder real abria mão de um domínio mais efetivo sobre as câmaras coloniais. Nesse contexto, apesar das leis determinarem o controle real sobre a colônia, a impossibilidade de impô-lo permitia que as câmaras não apenas interpretassem a seu modo as leis como, por vezes, contra elas se colocassem. Neste sentido, Caio Prado Júnior anota: “Se dentro do sistema político vigente na colônia só descobrimos a soberania, o poder político da Coroa, vamos encontrá-lo, de fato, investido nos proprietários rurais, que o exercem através das administrações municipais”4. Esta realidade começa a se alterar a partir de meados do século XVII, após o fim da unificação ibérica e das guerras holandesas e a percepção pelo poder real da necessidade de se estabelecer um controle mais efetivo sobre a colônia, principalmente pelo crescimento da importância econômica da mesma por conta da descoberta das minas de ouro e diamantes e, conseqüentemente, pela maior complexidade que vai tomando a sociedade colonial. Novamente na observação de Caio Prado Júnior, somos alertados para o declínio da autoridade local: As figuras dos governadores e demais funcionários reais começam a emergir do segundo plano a que até então
Giovani da Silva Corralo, Município: autonomia na federação brasileira. Curitiba: Juruá, 2006, p. 47-52. Para uma análise pormenorizada do município nos primeiros séculos da colonização, cf. Edmundo Zenha, O município no Brasil (1532-1700). São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948.
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Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1957, p. 29 (grifos no original). 4
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166 tinham sido relegadas. Em sentido inverso e correspondendo a esta consolidação crescente da autoridade real, cerceiam-se as atribuições das Câmaras Municipais, até então soberanas. O poder delas vai dando lugar ao da metrópole5.
O poder real se tornará, inclusive, fisicamente presente com a chegada da família real em 1808, o que permitirá à Coroa o cuidado mais próximo e o controle dos seus interesses na colônia. No entanto, com o Regente nesta terra “várias medidas aumentaram as liberdades municipais, e as Câmaras recuperaram parte do antigo prestígio”6, já que a vizinhança da coroa facilitava o contato, aumentado o cacife de negociação das Câmaras. Apesar da observação de João Camillo de Oliveira Tôrres, de que “o Império foi pouco municipalista”7, no seu início, após a independência, esta discriminação não se colocava claramente. Uma certa autonomia será assegurada na Constituição de 1824, que diz no seu artigo 167: “Em todas as cidades e vilas ora existentes, e nas mais que para o futuro se criarem, haverá câmaras, às quais compete o governo econômico e municipal das cidades e vilas”. No entanto, o artigo 169 ressalva que todas as atribuições das câmaras “serão decretadas por uma lei regulamentar”. Essa regulamentação será concretizada por meio da primeira lei orgânica dos municípios, de 1° de outubro de 1828. Nesta normatização a submissão das câmaras a outros poderes será explicitada, colocando-as num plano secundário em termos de poder político e econômico. Em termos de autonomia, as câmaras como “poder menor” ficam sujeitas ao princípio da “tutela”, sendo subordinadas ao poder imperial e às províncias. O artigo 24 dessa 5
Idem, p. 39.
6
Og Dória, Município: o poder local. São Paulo: Página Aberta, 1992, p. 28.
A democracia coroada: Teoria política do Império do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1964, p. 364.
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lei estabelecia que “as Câmaras são corporações meramente administrativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”. Apesar dessas limitações de poder e outras tantas de caráter econômico, as Câmaras ainda contavam com uma série importante de atribuições, entre as quais as questões da instrução, conforme se depreende de seu artigo 70: Terão [as Câmaras] inspeção sobre as escolas de primeiras letras, educação e destino dos órfãos pobres, em cujo número entrarão os expostos, e quando estes estabelecimentos, e os de caridade, de que trata o artigo 69, se achem por lei, ou de fato, encarregados em alguma cidade ou vila, a outras autoridades individuais ou coletivas, as câmara auxiliarão sempre quanto estiver da sua parte para a prosperidade e aumento dos sobreditos estabelecimentos.
Golpe maior sofrerá a autoridade municipal com a edição do Ato Adicional de 1834. Além de transferir a “tutela” para as Assembléias Legislativas Provinciais, reforçando o poder provincial, algumas atribuições municipais acabam por ser subtraídas, entre elas o governo da educação, já que o parágrafo segundo do artigo 10 remetia às ditas assembléias legislar “Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes, e outros quaisquer estabelecimento de instrução que para o futuro forem criados por lei geral”. Dessa forma, podemos perceber que até à proclamação da República a autonomia municipal no Brasil ostenta uma trajetória declinante, passando de autoridade quase sem contestação no início do período colonial para uma submissão acentuada no período imperial. Nestas circunstâncias, as câmaras pouco podiam fazer em termos de discussão ou implementação de algum projeto educacional (ou de outra natureza), ficando essas atribuições mais restritas ao governo provincial que, por sua vez, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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também pouco fez para o seu desenvolvimento. Primitivo Moacyr, utilizando-se do relatório do Presidente da Província de Sergipe, Oliveira Bello, em 1881, sintetiza a situação geral da instrução pública durante o período imperial: o defeito de organisação do ensino primario do país começa na base: o professor, o magisterio, em regra, não está na altura da sua missão; (...) O plano dos estabelecimentos que possuimos desse genero é deficiente a ponto de ser frustaneo; (...) A escola comum em nosso país, é já uma aberração do século8.
O município no período republicano Essa situação de “aberração” que a República recebe do Império, e suas correlações de analfabetismo, ignorância e atraso econômico, acaba por motivar uma crença generalizada na capacidade de superação, por meio da instrução, não apenas do analfabetismo, mas também das condições do atraso e, além disso, na possibilidade de formação de um novo homem brasileiro, o cidadão republicano. Segundo Jorge Nagle, a “República recebe uma herança caracterizada pelo fervor ideológico, pela sistemática tentativa de evangelização: democracia, federação e educação constituíam categorias inseparáveis apontando a redenção do país”9. E isto nos remete mais uma vez aos domínios da autonomia municipal, já que a questão do federalismo supõe a descentralização do poder, que poderia não se limitar apenas até o nível estadual. Abria-se, A instrução e as provincias (subsídios para a Historia da Educação no Brasil): 1835-1889. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, p. 59-60 (2° volume). 8
“A educação na Primeira República”. In: FAUSTO, Boris (dir.). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil republicano – sociedade e instituições (18891930), Tomo III, 2° volume. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977, p. 261. 9
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assim, novo espaço para a recolocação da questão do poder local e das atribuições e direitos a ele asseguráveis. No entanto, apesar desse entusiasmo, a Constituição de 1891 pouco espaço concede aos negócios do município, tratados em um único artigo, de número 68: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. Apesar de se fazer referência explícita à autonomia municipal, o que se percebe é o encaminhamento da decisão sobre a efetivação ou não dessa prerrogativa ao âmbito dos estados, que poderão livremente sobre ela decidir nas discussões das constituições estaduais. Além disso, ao não se esclarecer o que seria o “peculiar interesse”, deixa este ponto perigosamente em aberto, podendo comportar diversas justificativas cerceadoras. A simples menção desta expressão denota a aceitação por parte Congresso Constituinte do direito dos estados de estabelecerem restrições à autonomia municipal, pois se isto não fosse verdade seria dispensável a sua inclusão. Mesmo com essa quase omissão constitucional, que colocava os destinos da autonomia municipal nas mãos dos estados, os primeiros desdobramentos não foram totalmente desfavoráveis ao poder local. Carlos Porto Carrero faz a seguinte observação: Nota-se, compulsando a maior parte das Constituições estaduais, que todas elas foram, de começo, pródigas de disposições liberais, reconhecendo e outorgando aos municípios ampla autonomia. Pouco depois entrou a retrair-se o espírito liberal dos legisladores de alguns Estados. As reformas surgiram cerceando os direitos dos municípios, ora determinando taxativamente as condições segundo as quais podiam gerir os seus negócios, ora tirando-lhes a faculdade de eleger o chefe do seu poder executivo10.
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Citado por Victor Nunes Leal, op. cit., p. 81.
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Percebe-se uma disputa nacional em torno da questão federativa, que envolve não apenas o poder de decisão nos níveis estaduais, mas também a sua extensão às unidades menores, no caso municipais. No entanto, os partidários do municipalismo não conseguem manter a bandeira desfraldada, sendo novamente recolhida, abrindo caminho para o retorno do velho centralismo estadual conhecido desde o período imperial, quando estes ainda eram chamados de províncias. Apesar do municipalismo ter sido encampado como um dos princípios republicanos, a sua real implementação acaba por não ocorrer na República, caminhando-se para um processo de centralização que resulta num poder quase absoluto em suas fronteiras, que será a base da “política dos governadores”. Segundo Og Dória, a “centralização ocorrida sob a República Velha refletiu a necessidade e os limites da subordinação das elites locais, ‘os coronéis’, à dinâmica mais geral da sociedade brasileira”11. Giovani da Silva Corralo é mais incisivo: “Inequivocamente, houve uma traição aos princípios republicanos, que buscavam a dignidade das municipalidades...”12. Também cáustico, mas por motivos diferentes, já que se trata de um monarquista preocupado em fazer a crítica do regime republicano uma década após a sua implantação, portanto um contemporâneo das discussões da época, é Frederico Martins: Se o regime imposto ao Brasil em 15 de novembro de 1889, há dez anos, fosse a democracia pura do rótulo que lhe deram, se não fosse o que tem sido, a exploração da fortuna por empresas de audazes, a instituição municipal no Brasil teria o mais importante papel na representação dos direitos e dos interesses da coletividade nacional de que seriam os municípios valiosas parcelas13.
11
Op. cit., p. 35.
12
Op. cit., p. 77.
13
“Municipalidade”. In: OLIVEIRA, Cândido de et alii. Década Republicana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 310 (volume II). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Por essas observações podemos adiantar alguns elementos para a reflexão que nos interessa, sobre a significância de nossa hipótese que advoga um poder local com capacidade de tomar iniciativas políticas, discutir e editar leis, em complemento ou para além das atribuições concedidas pelos estados. Concentramo-nos, mais especificamente, na possibilidade de ser externado um conjunto de representações que se materialize em propostas que conduzam à formulação de um “sistema” municipal de ensino, devido principalmente à omissão ou insuficiência dos esforços estaduais. Pela análise da legislação e pelos comentários dos autores até este momento utilizados, percebemos que a autonomia municipal no Brasil do século XIX seria mínima, não permitindo supor uma capacidade local para gerar um projeto de grande envergadura e com ramificações nos mais diversos setores, como seria uma proposta sistêmica de instrução popular. A emergência da República se, inicialmente, anunciara uma época de libertação municipal, acabara por se ajustar ao modelo advindo do período anterior, sujeitando as câmara à mão firme dos presidentes dos estados. No entanto, alguns elementos permitem vislumbrar uma realidade diferente. Antes de mais nada, a simples presença desse tema nas discussões das Assembléias Constituintes de 1823 (dissolvida pelo Imperador, que outorga a Constituição de 1824) e de 1891 demonstra a força e a permanência dessa reivindicação, bem como a existência de paladinos fortes para a causa, capazes de não deixá-la cair totalmente no ostracismo apesar das seguidas derrotas. Para além dessa observação, talvez o aspecto mais importante para a nossa pesquisa refira-se ao reconhecimento feito por vários pesquisadores de que a autonomia municipal foi garantida nas constituições de vários estados brasileiros no início da República. Isto significa que em alguns estados essa discussão estava mais avançada e suficientemente esclarecida para exprimir nas tintas constitucionais as garantias da autonomia municipal. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Finalmente, cabe ressaltar que o momento indicado para a emergência e sustentação desse princípio de autonomia nas constituições estaduais é aquele que se sucede logo após a República, mais especificamente após a promulgação da Constituição Federal. Ora, é exatamente este o período de que nos ocupamos em nossa investigação sobre o município pedagógico. É nesse momento que julgamos poder demonstrar a emergência de um poder local com a capacidade de definir princípios, elaborar leis e tentar implementar um “sistema” municipal de ensino, respaldado na legislação que frutifica da ampla discussão dos colégios representativos e que permite ao município pedagógico o espaço para sua manifestação. Contudo, antes de continuar, será interessante que nos debrucemos sobre a questão da autonomia municipal especificamente no estado de Minais Gerais, para ver se a proposição que tem sido por nós defendida neste estado pode ser considerada significativa.
O município em Minas Gerais Em 7 de abril de 1891, menos de dois meses após a promulgação da Constituição republicana (24 de fevereiro), instalase o Congresso Constituinte mineiro, composto por 48 deputados e 24 senadores, escolhidos nas eleições de 25 de janeiro daquele mesmo ano. Entre os temas mais debatidos, destacam-se três: senado estadual, organização municipal e mudança da capital. Destes, interessa-nos mais diretamente o segundo, procurando captar o sentido das discussões e o resultado representado pela Constituição mineira, que foi promulgada em 15 de junho de 1891. A Constituição estadual concede ampla autonomia às Câmaras Municipais, descentralizando o poder ao ponto de prever mais uma entidade administrativa no interior dos municípios: o distrito. Sinalizando a importância do tema na Lei Maior do História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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estado, 7 artigos são destinados à questão do município, iniciandose pelo 74, que reza: “O território do Estado, para sua administração, será dividido em municípios e distritos, sem prejuízo de outras divisões que as conveniências públicas aconselharem”. O artigo 75 remete para uma lei especial a regulamentação da organização municipal, mas estabelece em seus 16 incisos uma série de princípios que não permitem à essa futura lei cercear os fundamentos da autonomia municipal. Entre estes, destacamos para os nossos propósitos: II. A administração municipal, inteiramente livre e independente, em tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse, será exercida em cada município por um conselho eleito pelo povo, com a denominação de Câmara Municipal. (...) IV. O orçamento municipal, que será anuo e votado em época prefixada, a policia local, a divisão distrital, a criação de empregos municipais, a instrução primária e profissional, a desapropriação por necessidade ou utilidade do município e a alienação de seus bens, nos casos e pela forma determinada em lei, são objeto de livre deliberação das câmaras municipais, sem dependência de aprovação de qualquer outro poder, guardadas as restrições feitas nesta Constituição. (...) VI. O governo do Estado não poderá intervir em negócios peculiares do município, senão no caso de perturbação da ordem publica.
Como pode ser observado, a Constituição de Minas Gerais foi bastante liberal em termos de delimitação dos direitos municipais, além de estabelecer parâmetros para a legislação posterior, impedindo o cerceamento do princípio que se encontrava explícito (e ao mesmo tempo genérico) na Constituição federal. Ainda que essa Constituição concedesse aos estados o direito de definir os contornos municipais na assembléia constituinte estadual. Estes preceitos autonomistas e sua fixação na carta constitucional são fruto do debate ocorrido no interior do colégio constituinte que, por sua vez, representava a presença dos ideais História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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federativos entre as principais lideranças estaduais. Analisando o processo de formatação da Constituição mineira, Silveira Neto nos traz, por exemplo, a convicção de Silviano Brandão, senador e futuro presidente do estado, em torno desse tema: Incontestavelmente, um dos maiores males do regime anterior foi a centralização administrativa, que do Estado pesava sobre a província, e desta sobre o município; sua ação perniciosa e atrofiadora se fazia sentir em toda a parte, anulando as municipalidades, matando a vida local, destruindo a iniciativa individual, aniquilando todo o estímulo14.
É claro que essa não era uma posição consensual entre os constituintes, embora acabe vitoriosa ao final dos debates. No entanto, deve se chamar a atenção para o caráter polêmico das discussões, que aglutinavam tanto princípios políticos, como interesses pessoais e regionais além, é claro, das divergência partidárias. Apesar dos esforços de conciliação na política mineira, entabulados por lideranças republicanas locais logo após a proclamação da República, as disputas serão uma constante, levando a mudanças seguidas no governo do estado no curto espaço de 2 anos15. E essas querelas continuam, pois no dizer de Maria Efigênia Lage de Resende, “Disputas de grupos regionais e/ou políticos marcam o processo político mineiro a partir, principalmente, das leis de organização. Entre 1892-1897, as alianças políticas e o recuo na legislação mostram o
“A Constituição mineira de 1891”. In: Instituições republicanas mineiras. Belo Horizonte: Editora Lemi; FDUFMG, 1978, p. 17. Este autor ainda apresenta depoimentos municipalistas de outros constituintes como o deputado Olinto de Magalhães e o senador Carlos Ferreira Alves. 14
Cf., por exemplo, Francisco de Assis Barbosa, “Minas e a Constituinte de 1890”. In: V Seminário de Estudos Mineiros: a República Velha em Minas. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1982, p. 91-113. 15
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encaminhamento do processo político para a formação de um grupo de poder central pela aliança de influências regionais”16. Dando seqüência aos fatos, a discussão e estruturação da autonomia municipal em Minas Gerais será completada com a Lei n°. 2, de 28 de outubro de 1891, prevista na Constituição estadual, que estabelecia “a transferência do Estado para as municipalidades da competência de arrecadação e aplicação do imposto de transmissão da propriedade móvel inter-vivos, com vigência a partir de 1° de janeiro de 1893”17. Além dessa importante demarcação em termos econômicos, essa lei avançará na delimitação da organização administrativa do estado, ao estabelecer logo em início o seguinte: “Art. 1°. – O distrito é a base da organização administrativa do Estado de Minas Gerais. (...) Art. 2°. – O município é a reunião de distritos, formando outra circunscrição administrativa, com direitos, interesses e obrigações distintas; pode, porém, constar de um só distrito”. Desta forma, percebemos que os legisladores mineiros tomavam em alta conta não apenas o princípio da autonomia municipal, mas também, e talvez com maior ênfase, o da descentralização do poder. Não se limita a jurisdição administrativa apenas aos municípios, num processo de reconhecimento de sua importância histórica, mas a mesma é estendida aos distritos, que passam a ser a “base da organização administrativa”. Desta forma, o município passa a ter um formato em alguns aspectos semelhante ao dos estados, aparecendo como uma espécie de “federação” de distritos. O que leva o já citado Oliveira Neto a dizer que o “Estado de Minas Gerais foi, realmente, o que teve uma organização municipal mais
16
Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: o novo PRM (18891906). Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1982, p. 93. 17
Idem, p. 86.
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descentralizada e autônoma”18 e João Camilo de Oliveira Tôrres a dizer que a lei ° 2 “era fabulosamente reformadora”19. E essa definição da autonomia chega ao debate público por meio dos jornais, onde se esclarece a população sobre a dimensão do poder que se reservava ao município e aos vereadores nos primeiros anos da República. Jornal de Juiz de Fora, claramente favorável a essa nova realidade, informa sobre as mudanças, estabelece comparações com o período imperial e indica responsabilidades à edilidade: A autonomia dos municipios traz aos respectivos conselhos administrativos um accumulo incomparavel de attribuições e deveres, latitude de acção e onus de responsabilidades moraes, em nada semelhantes aos das antigas vereanças, meras assembléas representativas e de poderes por demais limitados e sujeitos á interferencia de auctoridade superior, para que pudessem seus membros sentir todo o peso da investidura governamental, ao empossarem-se dos cargos para que eram designados pelo suffragio de seus concidadãos. A’s resumidas funcções de confeccionadores da lei do imposto e policia de suas circumscripções e applicação, quase exclusiva, das rendas fiscaes (isso ainda com risivel dependencia, ás vezes, de sancção e discussão) aos serviços de viação viccinal e aformoseamento das praças e ruas nas cidades e villas de suas sédes, succedem as amplas immunidades de legisladores verdadeiros e autonomos, com a liberdade de acção e plenitude de vistas que fazem dos actuaes vereadores legitimos depositarios electivos da soberania do povo, com todos os seus onus e prerrogativas inalienaveis, no regimen democratico que nos rege20.
18
Op. cit., p. 27.
19
História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Lemi, 1980, p. 1233, vol. 3.
“A Actualidade”. A Actualidade, Juiz de Fora, anno 1, n. 2, 25 de setembro de 1892, p. 1. 20
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A reação centralizadora, contudo, não tarda. Maria Efigênia Lage de Resende refere-se à “completa anarquia que se instala no Estado, a partir de 1892, com base nos dispositivos legais elaborados em 1891”21. Os conflitos se multiplicavam, desde as brigas entre os mandatários locais em torno do poder político até às relações com o estado, que se sentia “invadido” em parte dos seus direitos pela liberdade concedida aos municípios, passando pela difícil convivência que se estabelecera entre os municípios e os distritos, com os últimos sofrendo cerceamento em seus direitos por parte dos primeiros. Todas essas pendengas desembocavam no Poder Legislativo estadual, que tinha de anular diversas decisões das câmaras municipais. Segundo a mesma autora, os problemas se colocavam no nível das relações distrito-município e município-estado. No primeiro caso, dois seriam os pontos básicos para a celeuma: as funções eleitorais atribuídas às câmaras, que interferiam na eleição dos representantes distritais, e a discriminação das rendas, com a câmara não se conformando em destinar aos distritos a metade dos tributos arrecadados em seu território. Esses conflitos no nível micro tornam difícil ou inviabilizam a unificação do poder estadual, que buscava o apoio das elites locais e regionais. No dizer de Maria Efigênia, “verifica-se que a organização distrital perturba e esfacela as forças políticas locais. É nesse sentido que nos parece válido afirmar que a organização distrital representava um obstáculo à composição de interesses políticos, estruturada com base em apoio unânime dos municípios”22. No âmbito das relações estado-município, a preocupação centrava-se nos conflitos internos à municipalidade e na insubordinação das câmaras, que acabavam por legislar e tributar sem que se lhes pudesse aplicar qualquer tipo de corretivo, já que, como vimos, a Constituição mineira em seu inciso VI do artigo 21
Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais, op. cit., p. 115.
22
Idem, p. 121.
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75, limitava o poder de intervenção do estado aos casos de “perturbação da ordem pública”. Era essa grande soma de poderes, tão defendida pelos constituintes mineiros, agora considerada um dos motivos principais da desorganização política no estado23. Em 1894 toma forma a reação centralizadora, com o legislativo votando leis (n° 100 de 23 de julho e 110, de 24 de julho) que visam diminuir o poder das câmaras municipais, principalmente no que se refere à questão eleitoral. Em 1896 a lei 204, de 18 de setembro, aprofunda a centralização com mais controle sobre o processo eleitoral. E a Lei n° 224, de 16 de novembro de 1897, suprimiu os conselhos distritais das sedes municipais. A questão fundamental era a criação de limites ao poder dos chefes locais, dos “coronéis”, que estabeleciam seu bastião de defesa nas câmaras municipais, dificultando a unificação do poder nas mãos do estado. De acordo com Maria Efigênia, seríamos “levados a admitir que a situação anárquica das municipalidades, gerada pelas leis de organização do Estado, dificultou e retardou o controle do Centro e a conseqüente oligarquização do sistema”24. Dificultou mas não impediu, contudo, esta é uma discussão que não podemos dar seqüência neste estudo. Segundo Silveira Neto, também se debruçando sobre os problemas práticos advindos da autonomização municipal, após “alguns anos de experiência, os legisladores mineiros viram terem incorrido num idealismo incompatível com a realidade brasileira. O senador Mello Franco tivera razão, em 1891, em afirmar que o povo ainda estava imaturo para uma abertura tão grande do federalismo”25. A pá de cal sobre os direitos municipais virá pela Lei n° 5, de 14 de agosto de 1903, que coloca o município numa posição subordinada, retirando-lhe parte da influência sobre os
23
Idem, p. 121-125.
24
Idem, p. 132.
25
“O Conselho Distrital”. In: Instituições republicanas mineiras, op. cit., p. 193.
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distritos e estabelecendo novos parâmetros para a intervenção do estado nos seus domínios: Art. 8°. – Compete exclusivamente ao Congresso Legislativo do Estado a criação de distritos administrativos e de paz, bem como a fixação de seus limites, ficando revogada a competência respectiva das municipalidades. Art. 9°. – Das leis, decisões e atos das câmaras municipais, contrárias à Constituição e às leis, haverá recurso para o poder legislativo e para o poder judiciário.
O mesmo Silveira Neto sintetiza com clareza o ocaso desta iniciativa autonomista municipal em Minas Gerais: Encerrava-se, assim, uma experiência meteórica da Primeira República, em Minas. Com a supressão dos conselhos distritais, com as restrições ao regime municipal, esperavam os legisladores resolver os problemas da politicagem local. A supressão dos conselhos distritais não resolveu totalmente os problemas; de certo modo, atenuou-os e os transportou para a área do Legislativo Estadual, que se transformou numa espécie de Tribunal para resolver os litígios que vinham do âmbitos dos municípios. Seja como for, o certo é que a supressão da autonomia distrital foi o fim melancólico de uma experiência de idealistas, empolgados com o federalismo norte-americano26.
O município e a educação em Minas Gerais No que concerne à educação, que é a questão que mais nos interessa em termos da autonomia municipal discutida, a Constituição mineira previa, em seu artigo 117 a confecção de uma “lei de organização de instrução pública”. Este instrumento jurídico se tornará realidade por meio da Lei n. 41, de 3 de agosto 26
Idem, p. 195.
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de 1892, que “Dá nova organização à instrução pública do Estado de Minas”. Nesta lei, apesar de não tratar especificamente de autonomia municipal, encontramos algumas prescrições que reforçam a liberdade do poder local com relação aos negócios da instrução. Em seu artigo 331 encontramos a proposta orçamentária do estado para investimento nas escolas: “Durante dez anos, a contar de 1893, fica o Governo autorizado a fazer, em cada exercício financeiro, operações de crédito até a soma de 330:000$000 anuais, destinados à construção de prédios para as escolas primárias do Estado e aquisição de mobília para as mesmas, tudo pelo modo adiante determinado”. Dados a carência de edifícios escolares e o estado geral de ignorância da maior parte da população, a construção de escolas em volume suficiente para responder a todas as demandas exigiria um grande esforço e um aporte de recursos que o estado não dispunha ou não se propunha despender. Não nos esqueçamos, para melhor apreender a magnitude desse investimento, que o parágrafo sexto do artigo terceiro da Constituição mineira determinava que o ensino primário seria gratuito e que o parágrafo primeiro do artigo 117 dessa mesma constituição colocava a “obrigatoriedade do aprendizado, em condições convenientes”, itens que serão regulamentados na Lei de instrução pública em seu artigo 53: “O ensino primário é gratuito e obrigatório para os meninos de ambos os sexos, de 7 a 13 anos de idade”. Desta forma, os custos para se manter um sistema eficaz de ensino em Minas Gerais – o mais populoso estado da federação até a década de 1920 – caso realmente viesse a existir, seria altíssimo e o parágrafo segundo do artigo 331 da lei n. 41, que remetia às Câmaras Municipais parte dessa responsabilidade, pode ser considerado uma alternativa providencial: À designação das cidades, vilas e distritos onde tenham de se realizar essas construções precederá acordo com a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
181 respectiva câmara municipal, que deverá contribuir com a metade da despesa a fazer-se com esse serviço e aquisição da mobília necessária a cada escola, tudo de conformidade com as planta e designação local, orçamentos e instrução da secretaria das obras publicas do Estado, podendo as municipalidades, quando queiram, ser encarregadas da execução das obras, uma vez que se obriguem a efetuá-las nas condições determinadas e no prazo estipulado, que não deverá exceder de um ano.
As limitações orçamentárias do governo estadual e sua disposição em compartilhar – ou de transferir a outrem – os encargos da educação, observadas no artigo citado, podem também ser inferidas a partir do que se propõe com relação à liberdade do ensino privado no estado. Assegurado na Constituição estadual que este tipo de ensino pode ser exercido livremente, o princípio será reforçado na Lei n° 41, que esclarece em seu artigo 334: “É completamente livre aos particulares ou associações o ensino primário, secundário, superior e técnico”. O objetivo do estado fica claro: oferecer escolas à população, independentemente de sua origem pública ou privada, estadual ou municipal, leiga ou religiosa. Percebemos que essas disposições em nada limitam, antes ampliam, a liberdade de ação da municipalidade no referente à educação pública. Portanto, a uma garantia legal de autonomia nos campos político, administrativo e até econômico, ainda que com as limitações diversas vezes lembrada pelos analistas do tema, acrescenta-se a conclamação estadual pela participação municipal (e particular) na criação, manutenção e gestão das escolas. No entanto, também na área da educação a ação centralizadora, no sentido de unificar uma proposta para o estado, vai se ampliando sem, no entanto, dispensar-se ou coibir a iniciativa complementar das câmaras e dos privados. Em 1897 a Lei n° 221, de 14 de setembro de 1897, suprime os conselhos distritais e municipais de acompanhamento da instrução, previstos na Lei n° 41, de 1892. Era um passo significativo para “a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 159-185, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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diminuição da demasiada descentralização do ensino da Reforma Afonso Pena”27. O controle sobre os destinos da educação por parte do estado avança com medidas às vezes radicais, como as tomadas pelo presidente Silviano Brandão em 1900, por meio do Decreto n° 1353, de 17 de janeiro (que regulamentava a Lei n° 282, de 16 de setembro de 1899), determinando, em função de problemas financeiros, o número de escolas do estado de Minas Gerais, o que significou na prática o fechamento de escolas, já que se exigia um número mínimo de alunos para funcionamento superior ao que vigorava anteriormente, além de se estabelecer número máximo de escolas por distrito e município. As mudanças continuam, mas a iniciativa mais importante, que permitirá finalmente a fixação de um “modelo” educacional do estado, será implementada a partir da reforma promovida na instrução pública por João Pinheiro em 1906 (Lei n° 439, de 28 de setembro de 1906). E este é também o limite temporal que nos impomos para as investigações que temos realizado.
Considerações finais Após essas breves considerações e levantamento legalbibliográfico, consideramos que as iniciativas tomadas pela Câmara Municipal de Uberabinha no início da sua gestão em 1892, estavam perfeitamente de acordo com as garantias legais e com os princípios professados pela elite mineira do período. O ideal republicano federalista avançou para a descentralização do poder e a concessão de direitos ampliados para os municípios, garantidos tanto pela Constituição federal como pela Constituição estadual e pela lei que normatizou a organização dos municípios e Paulo Krüger Corrêa Mourão. O ensino em Minas Gerais no tempo da República. Belo Horizonte: Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, 1962, p. 47. 27
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dos distritos. Também as convicções em torno do poder regenerador e formativo da educação, como mecanismo de superação do atraso herdado do império e de formação de um novo cidadão, capazes de consolidar a nova ordem republicana, estavam de acordo com o que se discutia no Brasil e em Minas Gerais no início da década de 1890. Finalmente, a criação e manutenção de escolas por parte do poder municipal não só encontrava respaldo na legislação como atendia aos objetivos do estado, ansioso por encontrar parceiros com quem dividir as pesadas responsabilidades para com a instrução pública. Essa autonomia municipal persiste durante mais de dez anos, sendo gradativamente restringida, até que no início do século XX as municipalidades acabam por retornar para o controle centralizado dos presidentes do estado ou colocadas nas mãos de oligarquias regionais. Percebe-se, inclusive, que a centralização sobre os negócios da educação apresenta uma certa contemporaneidade com a subordinação municipal. A lei de 1903 sinaliza o fim da autonomia das câmaras e a de 1906 a inauguração de um novo tempo na educação mineira, com o estado assumindo um “modelo” que passará a sinalizar os rumos da educação em seus limites, diminuindo o campo de atuação da elite interiorana no sentido de criar “modelos” alternativos de instrução com base na realidade local. Nossa proposta de estudo, portanto, concentra-se exatamente nesse meio tempo, marcado pela autonomia do município em Minas Gerais, pois tomamos como horizonte da pesquisa a reforma promovida por João Pinheiro em 1906, o que nos permite trabalhar mais decididamente com a hipótese de que nestes anos o poder local esteve em condições institucionais de assumir uma atitude que caracterizamos como município pedagógico, sendo até estimulado pelo poder estadual, que não conseguia se desincumbir positivamente de sua responsabilidade educacional para com o povo mineiro.
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Wenceslau Gonçalves Neto é doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor do Instituto de História e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em História da Universidade Federal de Uberlândia. Email: wenceslau@ufu.br.
Data de recebimento: 20/11/2008 Data de aceite: 20/02/2009
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DESDE EL “PARAISO” SOVIETICO. CULTURA ESCRITA, EDUCACION Y PROPAGANDA EN LAS REDACCIONES ESCOLARES DE LOS NIÑOS ESPAÑOLES EVACUADOS A RUSIA DURANTE LA GUERRA CIVIL ESPAÑOLA1 María del Mar del Pozo Andrés Verónica Sierra Blas
Resumen La República, con el fin de alejar a la infancia de los horrores de la Guerra Civil que se libraba en España, organizó diferentes campañas de evacuación al extranjero, siendo la Unión Soviética uno de los países de acogida más importantes. Para garantizar el cuidado y atención a los niños y niñas evacuados a otros países, el Gobierno republicano designó una serie de inspectores para supervisar el estado y educación de la infancia española. El 13 de enero de 1938 un grupo de niños y niñas españoles refugiados en Moscú recibió en su escuela la visita del inspector Antonio Ballesteros, a quien entregaron algunas redacciones como regalo que éste se llevó consigo de vuelta a España. Estas redacciones de su vida cotidiana son hoy uno de los pocos materiales que se conservan producidos por aquellas manos infantiles. A través de las mismas, conservadas hoy en el Archivo General de la Guerra Civil española, queremos aproximarnos al mundo de la cultura escrita del exilio infantil en este momento histórico, así como analizar la importancia de la redacción como práctica pedagógica en las escuelas y estudiar la influencia de la propaganda y la ideología en las mentes infantiles. Palabras clave: Siglo XX; España; Rusia; Guerra Civil española; República española; Exilio infantil; Historia de la Cultura Escrita; Historia de la Educación; Escrituras escolares; Redacciones.
El presente trabajo fue presentado como ponencia en el Congreso Internacional Quaderni di Scuola. Una fonte complessa per la Storia delle cultura scolastiche e dei costumi educativi tra Ottocento e Novecento, organizado por la Agenzia Nazionale per lo Sviluppo dell´Autonomia Scolastica (INDIRE) y celebrado en la Universitá degli Studi di Macerata (Italia) del 26 al 29 de septiembre de 2007. Será publicado a lo largo del año 2009 por la editorial florentina Nerbini en el libro de Actas dirigido por Roberto Sani, Juri Meda y Davide Montino.
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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
188 DO "PARAÍSO" SOVIÉTICO. CULTURA ESCRITA, EDUCAÇÃO E PROPAGANDA NAS REDAÇOES ESCOLARES DAS CRIANÇAS ESPANHOLAS ENVIADAS À RÚSSIA DURANTE A GUERRA CIVIL ESPANHOLA Resumo A República, com o fim de afastar as crianças dos horrores da Guerra Civil que ocorria na Espanha, organizou diferentes campanhas de evacuação ao estrangeiro, sendo a União Soviética um dos países de acolhida mais importantes. Para garantir o cuidado e a atenção aos meninos e às meninas enviados a outros países, o Governo republicano designou uma série de inspetores para supervisionar o estado e a educação da criança espanhola. Em 13 de Janeiro de 1938 um grupo de crianças espanholas refugiadas em Moscou recebeu em sua escola a visita do inspetor Antonio Ballesteros, a quem entregaram algumas redações como lembrança, que este levou consigo em sua volta à Espanha. Estas redações sobre sua vida cotidiana são hoje um dos poucos materiais que se conservam produzidos por aquelas mãos infantis. Através das mesmas, conservadas hoje no Arquivo Geral da Guerra Civil espanhola, queremos aproximar o mundo da cultura escrita do exílio infantil neste momento histórico, assim como analisar a importância da redação como prática pedagógica nas escolas e estudar a influência da propaganda e a ideologia nas mentes infantis. Palavras-chave: Século XX; Espanha; Rúsia; Guerra Civil espanhola; República espanhola; Exilio infantil; História da Cultura Escrita; História da Educação; Escritas escolares; Redações. FROM THE SOVIETIC “PARADISE”. WRITTEN CULTURE, EDUCATION AND ADVERTISEMENT IN THE SCHOOL WRITINGS OF SPANISH CHILDREN EGRESSED FROM RUSSIA DURING THE SPANISH CIVIL WAR Abstract The Spanish Republic, to move away the Spanish children of the horrors of the Civil War, organized different evacuation campaigns to different foreign countries. The Soviet Union was one of the more important countries that helped the Spanish children. In order to guarantee the care and attention to the children evacuated to other countries, the Republican Government designated a series of inspectors to supervise the health and education of the Spanish evacuated children. On 13 January 1938 a group of Spanish evacuated children refugees in Moscow received the visit of the inspector Antonio Ballesteros Usano. They gave him, like a present, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
189 some compositions that he brought with him when he returned to Spain. These compositions of their daily life are today one of the few materials that we conserved produced by those infantile hands. Through these documents we want to come near to the world of the written culture of the evacuated children at this historical moment, as well as to analyze the importance of the composition like a pedagogical practical in the schools and study the influence of the propaganda and the ideology in the infantile minds. Keywords: XXth Century; Spain; Russia; Spanish Civil War; Spanish Republic; Evacuated Children; History of Written Culture; History of Education; School Writings; Compositions. DU “PARADIS” SOVIÉTIQUE. CULTURE ÉCRITE, ÉDUCATION ET PROPAGANDE LES RÉDACTIONS SCOLAIRES DES ENFANTS ESPAGNOLS ÉVACUÉS EN RUSSIE PENDANT LA GUERRE CIVILE ESPAGNOLE Résumé La République, dans le but d’éloigner les enfants des horreurs de la Guerre Civile qui avait lieu en Espagne, a organisé de différentes campagnes d’évacuation vers l’étranger. Un des pays qui accueillait ces enfants était l’Union Soviétique. Pour garantir que ces enfants envoyés à d’autres pays reçoivent des soins et de l’attention, le Gouvernement républicain a désigné des inspecteurs qui devaient superviser l’état et l’éducation de l’enfant espagnol. Le 13 janvier 1938, un groupe d’enfants espagnols réfugiés à Moscou a reçu à l’école la visite de l’inspecteur Antonio Ballesteros, à qui ils ont rendu quelques rédactions en tant que souvenir, que celui-ci a emporté en Espagne. Ces rédactions sur leur vie quotidienne sont aujourd’hui l’un des rares documents conservés produits par ces mains enfantines. Au moyen de ces textes, conservés actuellement dans l’Archive Général de la Guerre Civile Espagnole, nous voulons comprendre le monde de la culture écrite de l’exil enfantin à ce moment historique et analyser l’importance de la rédaction en tant que pratique pédagogique dans les écoles, tout en étudiant l’influence de la propagande et de l’idéologie dans la mentalité des enfants. Mots-Clés: XXème siècle; Espagne; Russie; guerre civile espagnole; République Espagnole; exil enfantin; histoire de la culture écrite; histoire de l’éducation; écrits scolaires; rédactions
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1 El “paraíso” soviético “Acabo de regresar hace pocos días de la URSS después de permanecer durante dos meses en aquel pueblo magnífico […]. Para satisfacción de las familias de los niños privadas de una información frecuente y completa de su vida en aquel maravilloso país tan alejado del nuestro y para información de todos los que se interesan por las condiciones en que se desenvuelve la existencia de esos millares de niños lanzados fuera de España por las crueldades de la guerra, vamos a dedicar estos minutos de charla a este tema […]”.2
Se estrenaba el mes de febrero del año 1938 y corría ya el tercer año de guerra en España. El inspector Antonio Ballesteros Usano acababa de llegar de la Unión Soviética y todos los medios de comunicación le acosaban para obtener información de su viaje y del “paraíso” soviético, tan idealizado en aquel entonces por unos, tan demonizado por otros.3 El país de Stalin era concebido por muchos republicanos como el modelo de perfección e igualdad social que había que admirar e imitar, el ideal hacia el cual la España que miles de milicianos estaban defendiendo con su vida en los campos de batalla contra el fascismo debía dirigirse una vez que el conflicto terminara. Había pasado los últimos días de enero dando vueltas y más vueltas al borrador de su primera charla radiofónica, anotando aquí, Borrador de la charla radiofónica de Antonio Ballesteros Usano “Los niños españoles en la URSS”, programada para ser emitida el 1 de febrero de 1938. Archivo General de la Guerra Civil Española, Salamanca (AGCS), Sección Político Social (P. S.), Barcelona, caja 87, expediente 15.
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Sobre Antonio Ballesteros Usano remitimos a las referencias que sobre el mismo y su trayectoria profesional aparecen en Teresa Marín Eced, Innovadores de la Educación en España (Becarios para la Junta de Ampliación de Estudios), Cuenca, Servicio de Publicaciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 1991, pp. 53-56, 108, 110, 187, 193, 364, 397, 404.
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puntualizando allá, eliminando algunos comentarios, subrayando ciertas apreciaciones, consciente de la audiencia que el acontecimiento iba a tener en el país y de la expectación que su intervención despertaba en muchos hogares. Nada que envidiar a una arenga del general Miaja o a una lectura de poemas de Alberti. Sabía que de sus palabras dependían la tranquilidad y la felicidad de muchas personas a quienes la guerra había privado de lo que más querían, de lo más sagrado que poseían. Porque Antonio Ballesteros había ido a la URSS a cumplir una misión muy delicada y muy especial. El Ministerio de Instrucción Pública le había encomendado la visita y supervisión de las distintas colonias, internados y hogares infantiles esparcidos por varios países de Europa en los que miles de niños y niñas españoles se encontraban refugiados a la espera del cese de las hostilidades entre las dos Españas en liza. Con el fin de librarles de los horrores y penalidades de la guerra y, sobre todo, con el propósito de evitar que sufrieran daños a causa de los constantes bombardeos que asolaban por igual campos y cuarteles que pueblos y ciudades, sus padres (o en su defecto quienes a su cargo estaban) decidieron apuntarles a las distintas expediciones infantiles que el gobierno de la República y otros organismos oficiales y asistenciales organizaron a lo largo de la contienda para, como rezaban muchos de los carteles y folletos del momento que animaban y aconsejaban la evacuación, “salvar a la infancia española”.4 Acerca del exilio infantil español durante la Guerra Civil pueden consultarse las obras (todas ellas de referencia obligada) de Yvonne Cloud, The basque children in England. An account of their life at North Stoneham Camp, Londres, Victor Gollancz Ltd 1937; Gregorio Arrien, La generación del exilio. Génesis de las escuelas vascas y las Colonias Escolares (1932-1940), Bilbao, Colectivo Pedagógico ONURA 1983 y Niños vascos evacuados en 1937. Álbum histórico, Bilbao, Asociación de Niños Evacuados el 37 1988; Dorothy Legarreta, The Guernica Generation. Basque Refugee Children of the Spanish Civil War, Reno (Nevada), University of Nevada Press 1984; Dolores Pla Brugat, Los niños de Morelia, México D. F., Instituto Nacional de Antropología e Historia (INAH) 1985; L´ Hebergement des enfants de la guerre d´Espagne en Belgique, Bruselas, 4
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Si la charla del inspector iba a ser tan importante era, precisamente, porque la información que a través de ella éste iba a difundir por los micrófonos de Radio Nacional estaba relacionada con la suerte de esos pequeños evacuados. La irregularidad del correo causada por las circunstancias bélicas había traído como consecuencia que muchos padres no hubieran tenido noticias de sus hijos e hijas, con excepción de las líneas que la prensa republicana solía dedicar al recibimiento de los distintos contingentes infantiles a los puertos cuyos nombres ya no se borrarían de la memoria de muchos: Southampton, La Pallice, Burdeos, Veracruz, Leningrado. Era, por tanto, la primera vez que alguien podía contarles de primera mano cómo se encontraban los niños y niñas, dónde vivían, qué hacían, cómo se portaban, quiénes les cuidaban, si se acordaban de ellos y hacían o no caso de sus consejos, etc. Las palabras del inspector estaban, pues, cargadas de un valor incalculable. No tenían precio, porque en ellas residía la esperanza de miles de familias angustiadas a las que sólo el saber que los suyos estaban felices y lejos de todo peligro podía salvar, porque seguían teniendo un motivo por el que luchar y vivir en medio de una guerra que cada vez se hacía más dura y más larga. Federación de Asociaciones de Enseñanza y Centros españoles en Bélgica 1992; Pierre Marques, Les enfants espagnoles réfugiés en France (1936-1939), París, edición del autor 1993; Emilia Labajos Pérez y Fernando Vitoria-García, Los niños españoles refugiados en Bélgica, 1936-1939, [1994] Valencia, Asociación de los niños de la guerra de Namur 1997; Jesús J. Alonso Carballés, 1937. Los niños vascos evacuados a Francia y a Bélgica. Historia y memoria de un éxodo infantil, 1936-1940, Bilbao, Asociación de Niños Evacuados el 37 1998; Xavier García Argüello, El mar de la libertad. Breve crónica de las evacuaciones de niños vascos durante la Guerra del 36, Bilbao, Asociación de Jubilados Evacuados de la Guerra Civil y Ayuntamiento de Bilbao 2002; El exilio de los niños. Catálogo de la exposición, dirigido por Alicia Alted, Roger González y María José Millán, Madrid, Fundación Pablo Iglesias y Fundación Largo Caballero 2003; Eduardo Pons Prades, Los niños republicanos. El exilio, Madrid, Oberon 2005; y Los niños de la Guerra. Diciembre de 1937. La Guerra Civil española mes a mes, Madrid: Unión Editorial, 2005 [Biblioteca El Mundo, 20]. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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De los 30.000 niños y niñas que se exiliaron durante la Guerra Civil fueron alrededor de 2.895 los que fueron a parar a tierras soviéticas.5 Aunque en un principio Stalin permaneció fiel al tratado de no intervención (firmó, de hecho, el pacto el 23 de agosto de 1936), su decisión de no participar en la guerra de España dio un giro de 80 grados en apenas un mes. Fue a mediados de septiembre cuando llegó al puerto de Barcelona el primer navío soviético, el buque mercante Zirianin, cargado de ropa, víveres, medicamentos y material sanitario. Rusia envió después más ayuda material, incluido armamento, y también humana: aviadores, soldados y asesores políticos y militares soviéticos formaron parte del Ejército de la República y de las Brigadas Internacionales. Además, se ofreció a recibir a pilotos En lo que se refiere al caso concreto del exilio infantil a la URSS durante la Guerra Civil española nos hemos basado en los trabajos de Enrique Zafra, Rosalía Crego y Carmen Heredia, Los niños españoles evacuados a la URSS (1937), Madrid, Ediciones de la Torre 1989; Alicia Alted, Encarna Nicolás Marín y Roger González Martell, Los niños de la guerra de España en la Unión Soviética. De la evacuación al retorno (1937-1999), Madrid, Fundación Francisco Largo Caballero 1999; Susana Castillo Rodríguez, Memoria, educación e historia: el caso de los niños españoles evacuados a la Unión Soviética durante la guerra civil española, Madrid, Universidad Complutense de Madrid 1999 (edición digital); y Marie Jose Devillard, Álvaro Pazos, Susana Castillo y Nuria Medina, Los niños españoles en la URSS (1937-1997): narración y memoria, Barcelona, Ariel 2001. Algunos testimonios de los protagonistas de estas expediciones infantiles a Rusia pueden encontrarse en las memorias de Tatiana Pérez (pseudónimo de Josefina Pérez Sacristán): Memorias de Lara, Madrid, Editorial Magisterio Español 1977; Milagros Latorre Piquer, De niña española a mujer en la URSS, en Nuevas raíces. Testimonios de mujeres españolas en el exilio, México D. F., Joaquín Mortiz 1993, pp. 61-113; Nosotros lo hemos vivido. Homenaje de los «Niños de la Guerra Española al Pueblo Ruso», Madrid, El Retorno, Imprenta Garso y Ministerio de Asuntos Sociales 1995; José Fernández Sánchez, Memorias de un niño de Moscú. Cuando salí de Ablaña, Barcelona, Planeta 1999; Virgilio de los Llanos Más, ¿Te acuerdas tovarisch…? (Del archivo de un «niño de la guerra»), Valencia, Institució Alfons el Magnánim y Diputaciò de València, 2002; y Bernardo Clemente del Río Salceda, 20.000 días en la URSS. Recuerdos, descubrimientos y reflexiones de un niño de la guerra, Madrid, Fundación Largo Caballero y Entrelíneas Editores 2004. 5
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republicanos en sus academias, para formarles en un tiempo récord, y a acoger a varias expediciones infantiles (un total de 4, si contamos las que fueron organizadas de forma oficial; alguna más si sumamos las nacidas de iniciativas particulares).6 Los únicos requisitos que los niños y niñas debían reunir para formar parte de esas y otras expediciones eran el de tener una edad comprendida entre los 4 y los 12 años (si bien los hubo que viajaron con más y con menos) y el de presentar debidamente cumplimentada la autorización de los padres o tutores para ser evacuados al extranjero. Tuvieron preferencia, eso sí, aquellos y aquellas que se encontraran en situación de riesgo, bien por residir en zonas peligrosas y cercanas a los frentes, por ser huérfanos de guerra o por la imposibilidad de su familia de hacerse cargo de ellos. Los casi 3.000 niños y niñas españoles que fueron evacuados a la URSS abandonaron España entre marzo de 1937 y octubre de 1938, si bien hubo algunos más que, acompañados por lo general de sus familias, acabaron en Rusia tras la derrota republicana en 1939. Para todos ellos el Narkompros Acerca de los aviadores españoles que fueron a formarse a Rusia véase Juan Blasco Cobo, Un piloto español en la URSS, Madrid, Antorcha 1960. Sobre la intervención de Rusia en la Guerra Civil española y la política de Stalin en estos años, entre otras obras y manuales que tratan la internacionalización del conflicto, véanse David C. Cattell, Soviet Diplomacy and the Spanish Civil War, Berkeley, University of California Press 1957; Ángel Viñas, El oro de Moscú. Alfa y omega de un mito franquista, Barcelona, Grijalbo 1979; John Patrick Whiteley, The intervelations of Soviet foreign policy and the Spanish Civil War, Ann Arbor, Michigan University Press 1985; Antonio Elorza y Marta Bizcarrondo, Queridos Camaradas. La Internacional comunista y España, 1919-1939, Barcelona, Planeta 1999 (especialmente la tercera parte: “La Comintern y la guerra de España”); Enrique Moradiellos, El reñidero de Europa. Las dimensiones internacionales de la Guerra Civil española, Barcelona, Península 2001; Pablo Martín Aceña, El oro de Moscú y el oro de Berlín, Madrid, Taurus 2001; Ronald Radosh, Mary R. Habeck y Grigory Sevostianov, España traicionada. Stalin y la guerra civil, Madrid, Planeta 2002; Stanley G. Payne: Unión Soviética: comunismo y revolución en España, Barcelona, Plaza & Janés 2003; y Daniel Kowalsky, La Unión Soviética y la Guerra Civil española. Una revisión crítica, [2003] Barcelona, Crítica 2004. 6
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(Comisariado del Pueblo para la Enseñanza) creó las llamadas Casas de Niños españoles, un total de 16 colonias escolares repartidas por la Federación Rusa y Ucrania en las que los niños y niñas evacuados vivieron en paz hasta el estallido de la II Guerra Mundial acompañados de los maestros y maestras españoles y el personal auxiliar, tanto ruso como español, que también formó parte de las distintas expediciones. En total fueron 1.555 las personas que se ocuparon de los pequeños evacuados durante sus primeros años en la URSS, de lo cuales alrededor de 111 eran españoles.7 Emplazadas cerca de bosques, ríos o playas, y rodeadas de inmensos jardines, las Casas de Niños eran grandes mansiones que antes de la revolución habían sido propiedad de grandes terratenientes o había albergado museos u otras instalaciones similares y de cierto renombre. Estaban dirigidas por un director ruso de probadas dotes pedagógicas y tenían como vice-director a un miembro del Komsomol (Juventud Comunista), encargado de la formación política de los pequeños inquilinos. En su mayoría estaban compuestas por varios edificios, siendo el principal el que se destinaba a los dormitorios. El resto se reservaba a los comedores, el ambulatorio, el gimnasio, las viviendas del personal docente y auxiliar y la escuela, si bien algunas de las Casas, las ubicadas en las grandes ciudades, carecieron de ella y los niños y niñas acudieron a las escuelas rusas más cercanas, donde se reservaron aulas exclusivas para estos alumnos y alumnas tan excepcionales. Así describía, por ejemplo, uno de los niños, Bernardo Clemente del Río, su Casa de la calle Pirogóvskaia en Moscú, más conocida como “La pequeña España”: Nuestra casa de niños de Moscú estaba en la esquina de las calles Bolshaya Piragovskaya y Alsufelskaya. Era un
Susana Castillo Rodríguez: Educación, memoria e historia…, op. cit., p. 280; y Julio Martín Casas y Pedro Carvajal Urquijo, El exilio español, [2002] Barcelona, RBA Editores 2005, p. 27.
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196 antiguo edificio que reformaron y acondicionaron antes de llegar nosotros, de bonita arquitectura, grande, de dos plantas, con los suelos de parqué, ubicado en un extenso territorio-jardín en el que había otro edificio de un piso. Toda esta quinta estaba rodeada por una tapia de rejas. Seguramente en sus tiempos habría sido la mansión de algún grande de Rusia […]. En el piso bajo estaba la entrada y los guardarropas para los abrigos, gorros de invierno y chanclos; había un pequeño estanque de mármol con peces de colores, un pequeño despacho de la contabilidad, tres grandes salas de dormitorios para los niños, los aseos, las duchas, un local dedicado al almacén de la ropa blanca de las camas y de la ropa de poner, la gran sala del comedor y la cocina. Al piso de arriba se subía por una escalera ancha de mármol blanco. En ese piso estaba el despacho de la directora y el del zampolit (director adjunto con funciones de educación política), dos grandes dormitorios de las niñas y sus aseos, una gran sala de actos con escena, telón de terciopelo carmín, con un piano de cola. En esa sala hacíamos gimnasia por las mañanas, celebrábamos las fiestas, las reuniones, etc. También en el piso superior estaban las habitaciones para hacer los deberes escolares, una para cada clase, pues ya estábamos divididos por diferentes grados escolares […]. Íbamos a una escuela pública de niños rusos que estaba a unos quince minutos de nuestra casa. Era una escuela bastante grande, de cinco plantas, en la que nosotros ocupábamos el piso bajo entero.8
En el país del comunismo los niños y niñas españoles pudieron recibir una educación a la que difícilmente habrían podido acceder de haberse quedado en España, dada la procedencia humilde de muchos de ellos. Un gran número cursaron en la URSS carreras universitarias y llegaron a desempeñar puestos de responsabilidad en importantes empresas e instituciones rusas. En Bernardo Clemente del Río Salceda, 20.000 días en la URSS…, op. cit., pp. 46-47.
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la segunda década del siglo XX las corrientes pedagógicas soviéticas concentraron todos sus esfuerzos en definir y poner en práctica el “concepto socialista de la educación”. La escuela debía ser una plataforma para el cambio social, imprescindible para construir el nuevo régimen surgido de la Revolución de octubre. Para conseguirlo se impulsaron conjuntamente dos modelos educativos, que se convirtieron en los pilares de la educación soviética: la “educación social” (el individuo vive y trabaja en y para la colectividad) y la “educación integral” (la escuela tiene la obligación de formar al ciudadano en todos los sentidos: político, social, moral, artístico, etc.). La plataforma en la que ambos modelos se pusieron en práctica fue la escuela activa, defendida por uno de los grandes pedagogos del momento, Antón Makarenko, e institucionalizada por Anatoli V. Lunatcharski, director del Narkompros desde su fundación, el 28 de marzo de 1919. Las Casas de Niños también formaron parte de este contexto educativo y en ellas se puso en práctica no sólo el proyecto pedagógico soviético, sino también el estilo de vida comunista en todas sus dimensiones.9 Para más información acerca de la educación soviética en el primer tercio del siglo XX remito a George Z. F. Bereday, Política de la educación soviética, Barcelona, Lumen 1965; Octavio Fullat, La educación soviética, Barcelona, Nova Terra 1972; Larry E. Holmes, The Kremlin and the Schoolhouse. Reforming Education in Soviet Rusia, 1917-1931, Bloomingtom e Indianápolis, Indiana University Press 1991; E. Thomas Ewing, The Teachers of Stalinism: Policy, Practice and Power in Soviet Schools of the 1930´s, Nueva York, Peter Lang 2002; y Jochen Hellbeck, Fashioning the Stalinist Soul: The Diary of Stepan Podlubnyj (1931-1939), en “Jahrbücher für Geschichte Osteuropas”, vol. 44, nº 3, 1996, pp. 344-373; y Dorena Caroli: Russian and Soviet Schooling: Educational Legacies, Institutional Reforms and National Identities en “History of Education and Children´s Literature”, III/1, 2008, pp. 283-304. Sobre Anton Makarenko, véase Anton Makarenko. Su vida y labor pedagógica, dirigido por Alexandra Kudryashova, Moscú, El Progreso, 1975. Algunas de sus obras fundamentales son Anton Makarenko, Banderas en las torres, Barcelona, Planeta 1977; La educación infantil, Madrid, Nuestra Cultura 1978; Colectividad y educación, Moscú, Nuestra Cultura 1979; y Poema pedagógico, Madrid, Akal 1980. La primera y la última de estas obras citadas son historias noveladas de la 9
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El plan educativo soviético constaba de 10 cursos: los niños y niñas entraban a la escuela a los siete años y la abandonaban a los 17. La escuela se dividía en dos tramos: de 1º a 7º curso y de 8º a 10º. Cuando el alumno o alumna terminaba 7º podía pasar a varios centros de enseñanza relacionados con la adquisición de conocimientos profesionales. Si se decidía por la enseñanza profesional y superaba todo los cursos, podía acceder más tarde a centros superiores y obtener una formación equivalente a la universitaria. En el caso de culminar en la escuela el 10º curso se podía optar a la Universidad o al Tecnikum (ingeniería técnica).10 La educación general básica en Rusia se identificaba completamente con la educación política. No existían ni se concebían la una sin la otra. Formar ciudadanos capaces, que levantasen el país y enriqueciesen sus arcas, y crear militantes convencidos, defensores y creyentes de la patria, del comunismo y de sus dirigentes, fueron objetivos que caminaron de la mano, sobre todo a partir de la reforma del movimiento pionero emprendida a mediados de los años 20 por Nadežda K. Krupskaja, la mujer de Lenin, y el psicopedagogo Arón Borissovich Zalkind. Los pioneros tuvieron funciones nada desdeñables en lo que se refiere a la construcción, difusión y consolidación del Nuevo Estado soviético, pues en ellos residió, después de la Revolución, la responsabilidad de controlar socialmente y adoctrinar desde el punto de vista ideológico a las nuevas generaciones. En 1922 el movimiento juvenil pionero contaba con 4.000 miembros, cifra que ascendió a los 11 millones en 1939. Muchos lo han
vida en las colonias fundadas por él en Rusia. De Nadežda Konstantinovna Krupskaja puede consultarse La educación comunista. Lenin y la juventud, Madrid, Nuestra Cultura y Mano y Cerebro 1978. María Encarna Nicolás Marín, “Los niños españoles en la Unión Soviética”, en El exilio de los niños…, op. cit., p. 151. 10
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considerado, de hecho, como la mayor organización juvenil del siglo XX.11 Las asignaturas que tuvieron que cursar los niños y niñas en las escuelas soviéticas fueron similares a las que hubiesen recibido en España, a excepción de la lengua rusa, la Historia de Rusia y la Constitución de la URSS (la de Stalin de 1936). En un principio recibieron las clases en español y de la mano de aquellos maestros y maestras que les habían acompañado desde su salida de España. Cuando los niños y niñas fueron familiarizándose con el nuevo idioma las clases fueron impartidas por maestros y maestras rusos y desaparecieron los traductores o intérpretes (Perevodchisha o Perevodchil), quienes les habían acompañado a todas partes desde su llegada a la URSS para que comprendieran todo lo que veían y les explicaban, así como para ayudar a los responsables rusos a entenderles a ellos. En todo momento, eso sí, se puso especial cuidado en que los pequeños evacuados no perdieran sus orígenes, se les inculcó el respeto y amor a España y se trató de crear en las Casas y escuelas un microclima a la española que les ayudase a conservar su identidad. Para ello fue esencial la organización de actividades extraescolares y círculos de interés centrados en las costumbres del país que les vio nacer, tales como conferencias sobre la historia y la política españolas, clubes de lectura de los clásicos o grupos de teatro, baile y canto tradicionales. La puesta en marcha de todo este nuevo mundo a medida que el Narkompros y los responsables españoles construyeron para los niños y niñas evacuados de la guerra a la Unión Soviética no estuvo exenta de dificultades. El coste que suponía mantener las Casas y todo el personal que trabajaba en ellas fue inmenso y la escasez de algunos materiales escolares puso en apuros a los docentes, sobre todo al principio, cuando ni Dorena Caroli, Ideali, ideologie e modelli formativi. Il movimento dei Pioneri in Urss (1922-1939), Milán, Unicopli 2006, pp. 12-13. 11
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siquiera contaban, por ejemplo, con libros de texto en castellano para comenzar a impartir las clases. Si bien este fue un problema común a muchas de las colonias y refugios infantiles ubicados en el extranjero, la ayuda de la Delegación Nacional de la Infancia Evacuada (organismo encargado de gestionar y controlar dichas instituciones), que envió lotes de libros de Literatura, Historia y cultura españolas a los docentes destinados en las mismas, no se dejó notar por igual en todos los casos.12 Los pocos libros y manuales escolares que los maestros y maestras destinados a la URSS habían llevado consigo y los que los niños y niñas de estas expediciones habían metido en sus pequeñas maletas como compañeros de viaje, aparte de los que pudieran recibirse una vez allí instalados, no eran suficientes para los 3.000 alumnos y alumnas que debían comenzaban en Rusia el curso escolar 1937-38. Por eso, las autoridades soviéticas tomaron la decisión de traducir los libros de texto rusos al español, aspecto que quiso destacar especialmente el inspector Ballesteros en su charla radiofónica: Por la precipitación de la salida de los maestros y educadores españoles no pudieron llevarse libros escolares para la enseñanza de nuestros niños, y como las dificultades de transporte impiden a nuestro gobierno enviarlos en el número que son precisos, el Comisariado de la Educación en la URSS ha dispuesto, y cuando salimos nosotros de la URSS ya estaban los originales en la imprenta, la traducción al castellano de todos los libros escolares que en la URSS existen, a fin de que los niños españoles no carezcan de este medio indispensable de instrucción y de trabajo escolar. Serán muchos millones de libros ya que son varios miles de cada materia, y para cada grado los que editará, libros que no han de poder utilizar más que los niños nuestros y cuya edición importará muchos miles de rublos. Hasta este grado de preocupación y de inteligente cuidado llega el gobierno
12
Cfr. Dorothy Legarreta, The Guernica Generation…, op. cit., p. 82.
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201 soviético en la defensa de la cultura de los futuros trabajadores españoles.13
La mayor parte de los niños y niñas recuerda su estancia en las Casas, entre junio de 1937 y junio de 1941, como la época más feliz de su vida. Estos años vivieron realmente como en un “paraíso”. Tuvieron sólo a su disposición cientos de personas, no les faltó de nada, se les vistió y alimentó mejor incluso que a los niños y niñas rusos, se les proporcionó una educación y se les dedicó tanta atención y tanto cariño que todavía hoy recuerdan con emoción su infancia en Rusia, a pesar de la distancia, a pesar de la pérdida, a pesar de la desgracia. Pero la guerra, de nuevo, vino a truncar aquellos años felices. El 21 de junio de 1941 dio comienzo la ofensiva alemana contra la Unión Soviética. La mayoría de los menores españoles tenía en ese momento entre 10 y 15 años. Todas las Casas de Niños estaban ubicadas en el eje de penetración del ejército de Hitler, por lo que pronto se dispuso la evacuación de sus ocupantes hacia otras zonas del país más seguras: la república autónoma de los alemanes del Volga, Saratov y Stalingrado; los Montes Urales (Baskiria); lugares tan alejados de Siberia como Altai, en la frontera con China y Mongolia; u otras repúblicas, como Uzbekistán (Samarcanda, Tashkent) o Georgia. La participación de los jóvenes españoles en la II Guerra Mundial tuvo muy distintos grados, desde aquellos que trabajaron en fábricas para cubrir las necesidades materiales de la guerra o colaboraron en las tareas de retaguardia, pasando por los que ayudaron en las siegas y recolectas de distintos koljoses esparcidos por la geografía soviética para que no se perdieran las cosechas, hasta los que se alistaron, como enfermeras, combatientes o voluntarios, en las filas del Ejército Rojo, de la Guerrilla o de las Milicias Populares. Más de 200 soldados españoles perdieron la vida en la “Gran Guerra Patria”, de los cuales entre 66 y 50 eran 13
Borrador de la charla radiofónica de Antonio Ballesteros Usano…, doc. cit.
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niños y niñas de la guerra; un alto porcentaje si tenemos en cuenta que se alistaron un total de 130. A estos habría que sumar otros 280 menores y jóvenes que fueron víctimas de la escasez de alimentos, de la falta de medicamentos o de los bombardeos.14 Regresar algún día a España fue una ilusión que acompañó a muchos de estos Niños de Rusia a lo largo de su vida. Al finalizar la Guerra Civil, Rusia (al igual que México) no reconoció la dictadura de Franco y se negó a facilitar su vuelta a España.15 No ocurrió así en otros países, donde las autoridades facilitaron enseguida el retorno de la infancia española a sus hogares, una vez los padres reclamaron a sus hijos e hijas en el extranjero, ayudando así, aun sin pretenderlo, al éxito propagandístico de la política de repatriación franquista. Ésta quedó bajo la tutela de la Delegación Extraordinaria de Repatriación de Menores (DERM), creada por el primer gobierno de Burgos el 1 de julio de 1938, dependiente del Ministerio de Asuntos Exteriores, que con posterioridad (por orden de 24 de junio de 1941) pasó a depender de la Delegación Nacional del Servicio Exterior de la Falange Española Tradicionalista y de las Sobre la participación de los españoles en la “Gran Guerra Patria” véanse Juan Negro Castro, Españoles en la URSS, Madrid, Escelier 1959; Antonio Vilanova, Los olvidados. Los exiliados españoles en la Segunda Guerra Mundial, París, Ruedo Ibérico 1969 (especialmente en el capítulo titulado “Los combatientes”, pp. 479500); Eusebio Cimorra, Isidro R. Mendieta y Enrique Zafra: El sol sale de noche. La presencia española en la Gran Guerra Patria del pueblo soviético contra el nazifascismo, Moscú, Progreso 1970; Roque Serna, Heroísmo español en Rusia, 1941-1945, Madrid, edición del autor, 1981; En memoria de los combatientes y niños españoles muertos junto al pueblo ruso con motivo de la Segunda Guerra Mundial, 1941-1950, Madrid, Fundación Nostalgia 2000; y Daniel Arasa, Los españoles de Stalin, Barcelona, Belaqvua 2005. Algunos testimonios de combatientes españoles del Ejército Rojo y la guerrilla soviética son José Antonio Rico, Bajo los dominios del Kremlin, México, Atlántico 1950; Vicente Monclus Guallar, 18 años en la URSS, Buenos Aires, Claridad 1959; y Josep Gros, Relatos de un guerrillero comunista español, París, Librairie du Globe 1971. 14
Luis Suárez Fernández, Franco y la URSS, Madrid, Rialp 1987, pp. 115132. 15
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Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista (FET y de las JONS).16 Bajo el epígrafe de la “Obra del Caudillo”, la devolución de los niños y niñas “secuestrados” por la República durante la contienda a sus padres y a su país suponía un triunfo social del régimen, que intentaba también con ello granjearse el reconocimiento internacional.17 Desde 1947 y hasta la muerte de Stalin, el 6 de marzo de 1953, fueron muy pocos los que pudieron salir del país. No fue hasta mediados de la década de los años 50, en 1956 y 1957, 20 años después de su salida de España, cuando las autoridades rusas y españolas brindaron a estos niños y niñas ya adultos la posibilidad de regresar a su país natal. Menos de la mitad lo hicieron. En su mayoría regresaron a la URSS al poco tiempo de su salida debido a las dificultades que para vivir en paz encontraron en la España franquista. Toda su vida arrastraron
Alicia Alted Vigil, “Le retour en Espagne des enfants évacués pendant la guerra civile espagnole: la Délégation extraordinaire au repatriement des mineurs (1938-1954)”, en Enfants de la guerre civile espagnole. Vécus et répresentations de la gèneratios née entre 1925 et 1940, París, L´Harmattan, Fondation Nationale des Sciences Politiques y Centre d´Historire de l´Europe du Vingtième Siécle (CHEVS) 1999, pp. 47-59. Para más información véase Ricard Vinyes, Montse Armengol y Ricard Belis, Los niños perdidos del franquismo, Barcelona, Plaza & Janés y Televisió de Catalunya 2002.
16
Jesús J. Alonso Carballés y Miguel Mayoral Guíu, La repatriación de “los niños del exilio”: un intento de afirmación del régimen franquista, 1937-1939, en El régimen de Franco. Política y relaciones exteriores (Congreso Internacional, Madrid, mayo 1993), dirigido por Javier Tusell, Susana Sueiro, José María Marín y Marina Casanova, Madrid, UNED 1993, tomo I, pp. 341-349; Jesús J. Alonso Carballés, El retorno de los niños vascos: desde la infancia a la edad tardía, en Retornos (De exilios y migraciones), dirigido por Josefina Cuesta Bustillo, Madrid, Fundación Largo Caballero 1999, pp. 289-318; Alicia Alted, Le retour en Espagne des enfants évacués pendant la guerra civile espagnole…, op. cit.; y Carmen González Martínez, En los pliegues de la memoria y la historia. Repatriaciones y retornos de los niños de la guerra, en El exilio de los niños…, op. cit., pp. 178-195. 17
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consigo el estigma de ser hijos e hijas de los vencidos y el de haber pasado su infancia en el “paraíso” soviético.
2 Un secuestro documental La charla radiofónica que el inspector Ballesteros preparó tras su regreso a España después de haber pasado tres meses en la URSS, desde noviembre de 1937 hasta enero de 1938, se conserva en la caja número 87 de la Sección PolíticoSocial de Barcelona en el Archivo General de la Guerra Civil ubicado en la histórica ciudad de Salamanca. Está archivada como el expediente número 15. Pero no es el único documento que en esta caja reposa que tenga que ver con Rusia y con los niños y niñas españoles evacuados a este país durante la Guerra Civil. La acompañan, por ejemplo, un pasaporte especial, en el que se le concede libertad absoluta de movimientos en el extranjero, emitido el 15 de noviembre de 1937, y el informe que Ballesteros escribió acerca de las condiciones de vida y la educación que los pequeños exiliados recibían en el país del proletariado, fechado en Barcelona el 14 de febrero de 1938. También hay documentos personales (todo ello en el mismo expediente 15). Un puñado de biografías de algunos miembros del personal docente y auxiliar español que se encontraba en Rusia con los menores (expediente 21) y una docena de redacciones escolares (expediente 17). Las biografías fueron escritas previa petición de las autoridades soviéticas y españolas cuyo objetivo no era otro que conocer (y controlar) el número de personas empleadas en las Casas de Niños, la actividad que desempeñaban, los motivos que les habían llevado a elegir este destino y, principalmente, su militancia política. Así, junto a los datos personales y sus antecedentes docentes o laborales, en las biografías, todas ellas manuscritas, los responsables de los niños y niñas evacuados anotaron su filiación política y dejaron constancia de su fe en la República y su causa, especialmente si antes de embarcar camino História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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de la URSS habían formado parte de las filas del Ejército republicano, como fue el caso del maestro José Manuel Arregui Calle (Figura 1): José Manuel Arregui Calle, natural de Pola de Siero, provincia de Oviedo, de 27 años de edad, maestro nacional por oposición libre convocadas en 1928; obteniendo el número 43 de la primera lista supletoria. Tomé posesión de la Escuela Nacional de niños de Feleches, partido judicial de Siero, provincia de Oviedo, el día 14 de Febrero de 1931, y estuve prestando servicios en esta escuela hasta el día 26 de Marzo de 1937 en que me incorporé al Ejército Popular. Caí herido, quedando inválido para la guerra [perdió la mitad de su brazo izquierdo el 3 de abril en el sector de San Lázaro, frente de Oviedo], incorporándome nuevamente a la enseñanza el día 3 de Septiembre de 1937 con motivo de la marcha a la URSS con un grupo de niños asturianos, donde en la actualidad me encuentro ejerciendo mi cargo de maestro. Profesionalmente pertenecía a la ATEA [Asociación de Trabajadores de la Enseñanza de Asturias, dependiente de la Federación Española de Trabajadores de la Enseñanza (FETE)], grupo local de Siero.18
Además, muchos aprovecharon que estos documentos fueran a parar a manos de personas con cierta competencia y escribieron también algunas peticiones, en su mayoría relacionadas con la búsqueda de familiares. Desde su llegada a Rusia, los cuidadores de los pequeños evacuados, como les ocurrió también a estos mismos, no sabían nada de los suyos y vivían sumidos en la intranquilidad y el desasosiego provocados por la ausencia de noticias. La salida precipitada y obligada de la población que vivía en las zonas que se habían convertido en el norte de España en líneas de la ofensiva franquista (Bilbao, Santander, Gijón) hizo Nota biográfica redactada por el maestro José Manuel Arregui Calle. [Pravda], sin fecha. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 21, documento nº 11.
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que muchos se convirtieran en refugiados sin hogar y, por tanto, sin dirección postal a la que poder escribirles. No es que estuvieran perdidos (algunos sí) o que hubieran muerto (que también), si no que fundamentalmente habían pasado a formar parte de una masa humana sin nombres ni apellidos y encontrarles resultaba tarea harto complicada. Soledad Reguero Álvarez, natural de Sama de Langreo, provincia de Oviedo, salí de Asturias el 23 de septiembre de 1937 como auxiliar de la Colonia de niños que fueron evacuados a la URSS. Estuve prestando servicios en el Orfanato Miliciano Alfredo Coto desde diciembre de 1936 hasta el momento de la evacuación. Desde que salí de Asturias no he vuelto a saber de mi familia: Mi hermano, Ramón Reguero que estaba como enlace al servicio de un teniente en el Bllon [Batallón] Asturias nº 253 cía [Compañía] 3ª en el frente de Oviedo sector de S. Lázaro. Mi hermana Aurora Reguero como enfermera en el hospital de Sangre de Proaza. Ángeles Amil, secretaria de las JSU [Juventudes Socialistas Unificadas] de Ciaño (Langreo) donde yo estaba afiliada. Desde mi traslado a Gijón pertenecía al Partido Comunista. Actualmente permanezco trabajando con los niños españoles con quienes salí de Asturias, muy contenta de seguir con ellos hasta que podamos regresar a España.19
Las notas biográficas que se conservan en España (suman 41) son tan sólo una parte (mínima) del total de biografías que todos los empleados en las Casas de Niños, bien en labores docentes o en otras, tuvieron que escribir. El resto están Nota biográfica redactada por la auxiliar Soledad Reguero Álvarez. [Pravda], sin fecha. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 21, documento nº 13. 19
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custodiadas en el Archivo Estatal de la Federación Rusa de Moscú.20 Las que constituyen el fondo de Salamanca corresponden a los españoles que trabajaban en las Casas de Leningrado, Pushkin y Pravda. En su mayoría habían formado parte de la tercera expedición infantil, conformada por unos 1.100 niños y niñas y organizada por el Consejo Provincial de Asturias y León, presidido por Belarmino Tomás. La expedición salió, bajo la dirección del maestro Pablo Miaja (hermano del general Miaja, artífice de la defensa de Madrid), del puerto de El Musel (Gijón), en la madrugada del 24 de septiembre de 1937 y llegó a Leningrado el 4 de octubre. Las fechas de redacción de estos currícula improvisados se sitúan entre el 3 de diciembre de 1938 (las pertenecientes al personal contratado en las Casas de Leningrado), el día 5 del mismo mes y año (para las salidas de la Casa de Pushkin) y el 6 de enero de 1938 (las de los trabajadores de Pravda). Coincidiendo, por tanto, con la visita del inspector español. Dada la distancia que mediaba entre algunas de las Casas (por ejemplo, las que estaban en las regiones de Moscú o Leningrado y las ubicadas en Crimea y Ucrania) y el tiempo limitado del que disponía, a Ballesteros le resultó imposible visitar todas, por lo que su labor se redujo a la inspección de las citadas y las ubicadas cerca de éstas. Las redacciones suman un total de 12. Todas ellas están fechadas el mismo día, el 13 de enero de 1938, y fueron escritas en hojas pautadas, tanto cuadriculadas como rayadas, que fueron redactadas en los pupitres que los niños y niñas españoles ocupaban en una de las escuelas de Moscú previa petición del inspector Ballesteros, quien debió visitar ese día la clase en la que Las autobiografías del personal docente y auxiliar español que trabajó en las Casas de Niños y que no se han conservado en España se encuentran en el Archivo Estatal de la Federación Rusa (AEFR) de Moscú, fondo A-307, catálogo 2, expediente 398. Cfr. Alicia Alted Vigil, Encarna Nicolás Marín y Roger González Martell, Los niños de la guerra de España en la Unión Soviética…, op. cit., p. 108.
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sus autores y autoras se encontraban. Éstos cursaban el 5º y el 6º grado; tenían, por tanto, aproximadamente entre 9 y 12 años. Desconocemos si en estos niveles de escolarización el número total de alumnos y alumnas españoles era éste (12), por lo que no podemos apuntar si el conjunto es representativo o no. Pudieron ser redacciones seleccionadas de entre otras muchas en función de criterios fácilmente imaginables (las mejor escritas, las de óptima presentación, las más impactantes, las de mayor contenido ideológico, etc.) o, por el contrario, constituyen el total de las redacciones que ese día salieron de este aula moscovita de niños y niñas españoles. En todo caso, las mismas constituyen el eje sobre el que se construye este trabajo y las analizaremos detenidamente en el cuarto apartado del mismo. Estas escrituras infantiles viajaron a España junto a las notas biográficas anteriormente citadas, y constituyeron las pruebas esenciales de que la misión de Ballesteros había sido realizada según lo previsto. El inspector llevó consigo a Barcelona las redacciones y los currícula, si bien lo hizo con fines muy distintos. Los currícula le servirían para dar cuenta de las labores del personal contratado; pero también le permitirían ayudar a los maestros y auxiliares en la búsqueda de familiares, tal y como le habían solicitado. Las redacciones, sin embargo, eran la demostración del buen estado de los niños y niñas, de sus avances escolares y de su felicidad en un país del cual les gustaba todo o casi todo y en el que les trataban a cuerpo de rey. Seguramente el inspector pensó que entregar estas letras a los padres sería para ellos como traerles a su lado a sus hijos e hijas aunque sólo fuera por unos instantes. Claro que, además, estos escritos había que darlos a conocer de alguna manera al resto del mundo. ¿Dónde mejor podía verse la labor de asistencia y cuidado a la infancia por parte de la República? ¿Qué testimonio podía demostrar con más
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fuerza que estas palabras de admiración y veneración de los menores españoles que Rusia era el país ideal por excelencia?21 Sin embargo, ni los currícula, ni las redacciones que trajo consigo Ballesteros, ni siquiera muchas de las cartas redactadas por los niños y niñas españoles desde Rusia y dirigidas a sus familiares en distintos momentos de su exilio,22 llegaron a sus destinos ni a sus destinatarios. Fueron secuestradas, como también lo fueron los millones de documentos personales que actualmente reposan en el archivo de Salamanca. Con la caída de Barcelona (el día 26 de enero de 1939), toda la documentación que se había acumulado desde el inicio de la contienda en los distintos organismos republicanos que tuvieron allí su sede (pensemos en el Ministerio de Instrucción Pública o en la Delegación de Asistencia Social, donde fueron a parar los documentos de Ballesteros y la correspondencia de los niños y Fueron muchos los periódicos que publicaron en sus páginas escritos infantiles durante la contienda con fines propagandísticos, cosa que hicieron también algunas revistas pedagógicas del momento. Igualmente, fue habitual encontrar impresas en distintos folletos letras infantiles, especialmente si éstos estaban destinados al sostenimiento de colonias escolares o a conseguir apoyo para distintos organismos asistenciales tanto españoles como extranjeros que se ocuparon de la infancia en plena guerra. Sobre este particular remitimos a Verónica Sierra Blas, Con el corazón en la mano. Cultura escrita, vida cotidiana y exilio en las cartas de los padres de los Niños de Morelia, en Antonio Castillo Gómez (dir.) y Verónica Sierra Blas (ed.), Mis primeros pasos. Alfabetización, escuela y usos cotidianos de la escritura (siglos XIX y XX), Gijón, Trea 2008, pp. 411-454; así como a la Tesis Doctoral de la misma autora, Letras huérfanas. Cultura escrita y exilio infantil en la Guerra Civil española, dirigida por el profesor Antonio Castillo Gómez y defendida en la Universidad de Alcalá en el mes de mayo de 2008. Ha sido publicada parcialmente en Verónica Sierra Blas, Palabras huérfanas. Los niños y la Guerra Civil española, Madrid, Taurus 2009.
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Para un análisis en profundidad de dichas cartas desde la perspectiva de la Historia de la Cultura Escrita véase, igualmente, Verónica Sierra Blas, Letras huérfanas…, op. cit. Las misivas en cuestión se conservan también en el AGCS en las secciones Político-Sociales de Bilbao (cajas 5 y 206) y Santander (serie O, caja 51) y suman un total de 260.
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niñas, respectivamente), pasó a manos de Franco. Ya por orden de 20 de abril de 1937, éste había creado la llamada Oficina de Información y Propaganda Anticomunista (OIPA), que junto a la Delegación de Asuntos Especiales (DEA), dedicada a la propaganda anti-masónica desde el 29 de mayo de ese mismo año, dependía del Ministerio del Interior. Ambos organismos se fusionaron, una vez nombrado el primer gobierno de Franco, por orden de 26 de abril de 1938 en la llamada “Delegación para recuperar, clasificar y custodiar la documentación procedente de personas y entidades del bando republicano” (DERD), dirigida por Marcelino de Ulibarri.23 Para conseguir sus propósitos, y a medida que las tropas franquistas iban conquistando territorios, el Servicio de Recuperación de Documentos (SRD), médula espinal del organismo anteriormente citado, se encargó de incautar todo papel que los republicanos en retirada hubieran olvidado destruir o no pudieran haberse llevado consigo.24 Concretamente, en el caso de Barcelona, el SRD practicó entre el 28 de enero y el 3 de julio de 1939 un total de 1.399 registros en instituciones, partidos, sindicatos, asociaciones, periódicos y domicilios particulares. El botín fue sorprendente: en julio de 1939 un tren de 12 vagones trasladó de Barcelona a Salamanca 130 toneladas de documentos.25 Una gran parte de los documentos incautados tras Stéphane Michonneau, Les papiers de la guerre, la guerre des papiers. L´affaire des archives de Salamaque, en Lieux d´archive. Une nouvelle cartographie: de la maison au musée, dirigido por Philippe Artières y Annick Arnaud, dossier monográfico de la revista ”Sociétés et Représentations”, nº 19, 2005, p. 251. 23
Josep M. Figueres, La guerra del paper, en Joaquim Ferrer, Josep M. Figueres y Josep M. Sans i Travé, Els papers de Salamanca. Història d´un botí de guerra, Barcelona, Llibres de l´Índex 1996, p. 88. 24
Joan B. Culla y Borja de Riquer, Sobre l´Arxiu de Salamanca: algunes precisions i reflexions, en Guerres d´arxius. Història, Memòria i Política, dossier monográfico de la revista “L´Espill. Revista fundada per Joan Fuster”, segona època, nº 13, 2003, p. 73. 25
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la toma de los distintos territorios que habían estado en manos de los republicanos durante la Guerra Civil fue a parar al Convento de San Ambrosio, en la ciudad de Salamanca, donde pasó a disposición del Tribunal Especial para la Masonería y el Comunismo.26 El convento de San Ambrosio fue así el germen de lo que hoy constituye el Archivo de la Guerra Civil de Salamanca, integrado desde finales de 1979 en el Archivo Histórico Nacional de Madrid como una delegación independiente. A este depósito documental, por tanto, fueron a parar, junto a miles de documentos incautados, las redacciones y cartas de los niños y niñas españoles evacuados a Rusia, las notas biográficas redactadas por el personal auxiliar y docente que les acompañó y el informe y la charla radiofónica del inspector Ballesteros. Todos ellos eran susceptibles de aportar información acerca de personas que por un motivo u otro y en muy distintos grados se habían significado por su conducta y actuación durante la contienda sirviendo al bando republicano y a las ideas que éste defendió en los campos de batalla durante los tres años de guerra. Formaron así parte del aparato represivo franquista, siendo empleados como pruebas con las que inculpar a los sospechosos.
Joaquim Ferrer, La lluita parlamentària per la devolució, en Joaquim Ferrer, Josep M. Figueres y Josep M. Sans i Travé, Els papers de Salamanca…, op. cit., p. 13. Para más información acerca de los orígenes del Archivo General de la Guerra Civil de Salamanca remitimos a Angels Bernals, Miquel Casademont y Antoni Mayans, La Documentaciò catalana a Salamanca: un estat de la questio, 1936-2006, Barcelona, Associaciò d´Arxivers de Catalunya 2003; y Josep Cruanyes, Els papers de Salamanca. L´espolicaciò del patrimoni documental de Catalunya (1938-1939), Barcelona, Ediciòns 62 2003. 26
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3 Formas y usos de la composición en la España del primer tercio del Siglo XX Los ejercicios de redacción o composición se introdujeron muy lentamente en la escuela primaria española durante el primer tercio del siglo XX, siendo rechazados sistemáticamente por algunos maestros y maestras o, mucho más frecuentemente, malinterpretados por los propios docentes, que presentaban como redacciones lo que no eran sino copias del manual escolar o de textos escritos previamente en las pizarras. Tras estas perversiones habituales se escondían los miedos y resquemores de los profesores a dejar a los alumnos expresar libremente sus ideas, a dar rienda suelta a su fantasía y creatividad y a manifestar pensamientos y opiniones que podían entenderse como críticas subyacentes y soterradas de la actuación magisterial o de su vida en la escuela. Estas prevenciones de los maestros, junto con su escasa preparación personal para expresar por escrito sus propias ideas y, por lo tanto, transmitir las técnicas adecuadas a sus discípulos, son algunas de las razones que encontramos para explicar la escasa atención que se le concedió a las prácticas de composición hasta los años 30. Las primeras reflexiones que los docentes se plantearon sobre los ejercicios de redacción o composición -pues la mayoría identificaban ambos conceptos hasta bien entrado el siglo XX- son un ejemplo de las cautelas con las que abordaban esta actividad los escasos maestros que la utilizaban en sus aulas, los cuales, desde luego, formaban parte de la avanzadilla de la vanguardia pedagógica del momento. Así, en las postrimerías de la centuria decimonónica, un profesor de una escuela pública madrileña, Vicente Castro y Legua, apuntaba tímidamente que los “trabajos de redacción” formaban parte de los procedimientos por él utilizados para la enseñanza de la escritura, aunque su sistema encorsetaba bastante la imaginación infantil y dejaba al maestro el control absoluto de las producciones escritas. El docente proponía el tema de la composición, que los niños escribían en sus pizarritas História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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individuales, lo que nos da una idea de la limitada extensión de estos textos, además de su carácter perecedero, pues el maestro obligaba a borrar errores e incorrecciones y sólo cuando quedaba “aprobado el trabajo” en su totalidad se permitía a los niños copiarlo en papel, fecharlo y firmarlo. Sólo las más excepcionales se conservaban en la escuela.27 Éste debió ser un ejercicio habitual en las aulas españolas, pues en 1934 fue presentado por varios docentes extremeños como una actividad innovadora para los alumnos del grado superior.28 Ángel Llorca, un maestro que llegaría a ser de los más afamados en España por las innovaciones pedagógicas que introdujo en su centro madrileño, apuntaba desde su primer destino profesional en Elche (Alicante), ya en 1900, la necesidad de realizar numerosos ejercicios de redacción en las clases, para que los alumnos aprendieran a expresar por escrito sus ideas y sentimientos. Aunque muchas de las actividades propuestas eran resúmenes de lecciones y tareas instructivas, también insistía en la necesidad de que se permitiera a los niños y niñas plasmar en el papel sus opiniones sobre “cuestiones de palpitante interés local y general” y sobre “problemas de moral práctica”, con lo que aparecía una nueva finalidad de estas composiciones, la de desarrollar los juicios éticos y críticos en la infancia.29 Otros pedagogos, como el catalán Pau Vila, sugerían otra utilidad añadida de estas composiciones, que entraba en el terreno de lo psicológico e implicaba el desarrollo de las capacidades infantiles de observación y percepción, así como de sus habilidades para interaccionar con los entornos cotidianos. Los temas de redacción Vicente Castro y Legua, Procedimiento de escritura en “La Escuela Moderna”, II, núm. 13, abril de 1892, p. 258. 27
Semana Pedagógica de Don Benito. Del 10 al 16 de junio de 1934, Imprenta La Minerva Extremeña, Badajoz 1934, p. 49. 28
Ángel Llorca y García, La enseñanza de la Lectura y Escritura en “La Escuela Moderna”, X, núm. 113, agosto de 1900, p. 132.
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propuestos por este autor implicaban descripciones de los espacios en los que se desenvolvía la vida del niño o niña y de sus actividades diarias y las de su familia.30 No cabe duda que el interés por este ejercicio de escritura aumentó en los años veinte. Profesores de escuelas primarias, centros de formación del magisterio e inspectores viajaron a Europa pensionados por la Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas y estudiaron las producciones escritas que exhibían las escuelas de Francia, Bélgica, Suiza o Italia, haciéndose eco de la riqueza de los cuadernos escolares y de las numerosas actividades que en ellos se reflejaban, siendo las composiciones una de las que más llamaron la atención. Posiblemente esta experiencia motivó que muchos docentes incluyeran las redacciones entre sus tareas habituales, y también que en las Escuelas Normales se generalizase la preocupación por enseñar a los futuros maestros y maestras técnicas de expresión escrita que luego pudieran transmitir a sus alumnos y alumnas. Desde luego, en estos años es fácilmente perceptible un aumento de la producción bibliográfica sobre el tema, especialmente desde el campo de la normatividad pedagógica. Inspectores, profesores normalistas y algún docente afamado publicaron artículos sobre técnicas y estrategias para enseñar a redactar y, muy especialmente, para incluir este aprendizaje en el currículum escolar de una forma graduada, progresiva y acorde con las investigaciones más recientes sobre el desarrollo psicológico infantil, entre las cuales destacaban ya con luz propia los hallazgos del ginebrino Instituto Jean Jacques Rousseau y de su jovencísimo profesor Jean Piaget. Unos autores, siguiendo la brecha abierta por Pau Vila, se fijaban especialmente en aquellas corrientes psicopedagógicas de carácter decrolyano que ubicaban la observación como uno de los 30
Su labor pedagógica, Fundación Horaciana de Enseñanza, Barcelona 1910, p.
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primeros niveles de la actividad mental infantil. Para ellos, la composición era el ejercicio ideal para desarrollar esta capacidad, por lo que debía realizarse en torno a temas, casi siempre sugeridos por el maestro, y que implicasen la descripción de objetos y hechos reales y visibles, la explicación de grabados e imágenes y la narración de historias y sucesos. En definitiva, se trataba de ir de lo más cercano a lo más lejano, de lo conocido a lo desconocido, de lo concreto a lo abstracto: “ante todo, pues, realidad; después, imagen; por último, recuerdo y fantasía”.31 Algunos autores hicieron estudios iniciales de composiciones infantiles y criticaron especialmente su escasa originalidad -“las palabras que copié de los niños resultan uniformes, cortadas por un mismo patrón, porque los niños, evitando hacer un esfuerzo de atención, no llegaron al punto de vista personal, y se quedaron en la superficie de las cosas vistas”32-, lo simplista y falto de razonamiento de sus afirmaciones, precisamente por la dificultad de mantener una atención sostenida que les permitiera recopilar los datos necesarios para justificar sus asertos y, especialmente, la insinceridad de que hacían gala los alumnos y alumnas y su renuencia a dejar por escrito sus verdaderos pensamientos: “Cuando el tema es de índole sentimental o moral hay tendencia a la hipocresía; el niño se acuerda que está en la escuela y dice, no lo que siente, sino lo que debiera sentir”.33 En algunas escuelas se orillaron hábilmente estos problemas al desarrollar un concepto de la composición que era más un ejercicio de preciosismo literario que un instrumento para la expresión escrita de las propias ideas y sentimientos. Los José María Azpeurrutia, La redacción en la escuela primaria, Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas, Madrid 1924, p. 274. 31
Francisco Díaz Lorda, Lo que debe ser el ejercicio de redacción literaria en la escuela primaria, Cádiz 1922, p. 8; Archivo de la Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas (JAE), D-33.
32
33
Ibidem, pp. 12-13.
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maestros y maestras interpretaron que el objetivo de esta práctica era desarrollar los valores artísticos y estéticos del niño y, en último término, facilitarle la plasmación escrita de sus propias sensaciones y emociones con un ropaje de belleza que primaba sobre cualquier fondo personal, por lo que entendieron la composición como una cuestión de forma literaria y, orgullosos, enseñaron al mundo las producciones de sus alumnos y alumnas, que respondían a un estilo como el ofrecido en este texto de un niño de 12 años asistente al grupo escolar de Ólvega (Soria) en 1933: “Ejercicio de Composición. La primavera. ¡Oh, bella estación del hermoso abril, de extensos campos, cubiertos de hermosísimas flores y de verde y dorado musgo! Pareces una inmensa alfombra de esmeralda, en la cual coloca sus pies el pacífico rocío que refresca a la flor nacarada y al esbelto clavel. En esa alfombra tan deliciosa y bella, también hay hermosos árboles por los cuales se enrosca la enredadera, y en una rama tenemos al sencillo ruiseñor, rey del canto, que parece que reza cuando toda la pradera duerme [...]. Brilla el sol abrasador, y sus rayos de oro y grana descargan su furor sobre esas sencillas y débiles flores; parece el león hambriento que desesperado ruge, o las bárbaras olas del negruzco mar, que sobre la dura roca se estampan”.34
Otros maestros y maestras se inclinaban por el realismo y veían en los ejercicios de composición una estrategia muy eficaz de preparar a los niños y niñas para la vida futura y para su inserción en el mercado laboral. Este grupo se reconoce por su insistencia en recomendar como asuntos centrales de tales actividades la redacción de cartas, recibos, oficios, contratos, Pedro A. Gómez Lozano, Mi escuela activa, Compañía General de Artes Gráficas, Madrid 1933, pp. 245-246. 34
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pagarés35 y, desde una perspectiva eminentemente escolar, el resumen de contenidos instructivos. Una variante innovadora y muy utilizada en los años 20 y 30 fue la realización de reseñas de excursiones36 y de diarios de clase, en los que las tareas lectivas adquirían la forma de relato o narración. El grado de libertad que debían tener los niños y niñas a la hora de realizar estas composiciones fue uno de los elementos que centró gran parte de las discusiones y debates entre maestros y pedagogos. El propio Antonio Ballesteros aceptaba que el alumno escribiera “sobre asuntos elegidos por el maestro o libremente elegidos” por él mismo, introduciendo así el concepto de las composiciones “con tema señalado” y “con tema libre”.37 María Goiri de Menéndez Pidal, profesora en la Sección Preparatoria del Instituto-Escuela, defendía que los ejercicios de composición, tradicionalmente relegados a los grados superiores, se iniciaran con niños y niñas de siete y ocho años, recomendando que los temas fueran elegidos por el docente y abarcaran algún tipo de suceso del que el alumno o alumna fuera protagonista, o incluso reflexiones sobre su propia labor. Relatos sobre su vida cotidiana, el empleo del tiempo el domingo o sus recuerdos del curso escolar eran asuntos propuestos para niños de ocho años; los de nueve, además de escribir sobre sus vacaciones, realizaban resúmenes de cuentos narrados; los de diez tenían que inventar uno inspirado en la
Restituto Vallejo González, Plan de enseñanza de la Escuela Nacional de Niños de Treceño, Ayuntamiento de Valdaliga, provincia de Santander, Treceño (Santander) 1926, p. 29; Archivo JAE, V-7. 35
David Bayón, La escuela Baixeras, de Barcelona en “Escuelas de España”, núm. 2, abril de 1929, pp. 27-73.
36
Antonio Ballesteros y Usano, Para el perfeccionamiento del magisterio. La organización del trabajo en la escuela unitaria en “Revista de Pedagogía”, núm. 88, abril de 1929, pp. 162-169 y Antonio Ballesteros y Usano, La preparación del trabajo en la escuela, Publicaciones de la Revista de Pedagogía, Madrid 1935, p. 84.
37
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Nochebuena, en el que “pueden poner algo de fantasía, si con ello el cuento resulta mejor”.38 Sin embargo, la mayoría de autores se inclinaban, no por estimular la imaginación infantil, sino por acostumbrar al niño a que se convirtiera en notario imparcial de su propia vida y de sus circunstancias, al más puro estilo orteguiano. Por eso, y como un paso previo a la redacción de diarios íntimos, algunos maestros sugerían que en el margen de los cuadernos los discentes anotasen frases cortas sobre lo pensado y ejecutado cada día o sobre los acontecimientos nacionales e internacionales, frases que iban creciendo en extensión y dificultad lingüística a medida que el alumno o alumna progresaba en edad y logros académicos.39 Un procedimiento curioso es el desarrollado en su escuela por un maestro catalán, que enviaba cada sábado a un grupo de niños a buscar fuera del aula el tema de la composición, realizar el escrito y leerlo ante sus compañeros. Si los primeros motivos escogidos eran hechos más o menos tremebundos observados en la calle, posteriormente los relatos se iban haciendo más íntimos, porque el alumno iba personalizando el entorno y dotando a sus creaciones de un toque propio, de manera que “cada composición es un documento psicológico que se nos ofrece; con él va algo de la espiritualidad de su creador, pero no es muy fácil llegar al análisis completo del mismo y por él interpretar al niño”.40 Ya en los años 30 abundan este tipo de composiciones, que dejan una cierta libertad en la elección del tema y en las que el sujeto se convierte María de Maeztu y María Goyri, Del Instituto-Escuela de Segunda Enseñanza de Madrid. Enseñanza y Métodos en “La Escuela Moderna”, XXXVI, núm. 417, p. 423.
38
Lorenzo Jou y Olió, El trabajo escolar. El pequeño diario de unos niños en “La vida en la escuela”. Sup. a la “Revista de Pedagogía”, 1, núm. 2 y núm. 3, febrero y marzo de 1924, pp. 11-12 y 19-21 y Pedro Arnal, Los cuadernos escolares en “Revista de Pedagogía”, V, núm. 54, 1926, pp. 250-252.
39
Tomás Cozcolluela Segura (maestro de El Monjes, Barcelona), El lenguaje en nuestra escuela en “Revista de Pedagogía”, núm. 150, junio de 1934, p. 258. 40
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en el centro del relato, como en el texto que reproducimos a continuación: Ejercicio de composición: De entre lo que se haya leído (cuentos o hechos reales) o de lo más interesante que nos haya sucedido, escribir una narración. Yendo de paseo con un amigo mío fuímos al campo de futbol donde no dijeron si queriamos jugar a pelota, contestamos que si y fuímos (uno a cada) los dos al mismo fabor [tachada la b], después de jugar fuimos al río para ber [tachada la b] los que se bañaban [tachada la b, pero corregida de nuevo como b], jugamos en la arena y por último nos bañamos los piés y volvimos juntos a casa. J. Galera [rubricado].41
Durante la Guerra Civil se pontificó en ambos bandos sobre la teoría de la composición. Si las normas publicadas por la Generalitat de Cataluña eran ciertamente novedosas, al prohibir explícitamente a los docentes que propusieran temas para las redacciones infantiles, al introducir, como criterio de evaluación, la originalidad y la capacidad de expresión personal de pensamientos y acciones infantiles, y al potenciar, para los alumnos mayores, la formulación de opiniones críticas que servirían al docente para llegar a un conocimiento íntimo y profundo de sus discentes;42 los pedagogos del nuevo régimen utilizaron la Revista de Educación Hispánica para definir la composición como “inventiva, creación personal y su fin psicológico principal es la imaginación. En los ejercicios de redacción de varios niños sobre determinado trabajo, hay analogía de contenido y pensamiento; en los de composición hay variedad, J. P. C. Cuaderno de Trabajos de Vacaciones. Grado Medio, Dalmáu Carles Pla, Gerona 1933, p. 31. Las transcripciones de las redacciones las hemos realizado respetando el texto original. 41
Normes Generals de Treball Escolar en “Butlletí dels Mestres”, X, núm. 171, 1938, pp. 148-151. 42
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personalidad”43. Aparentemente encontramos una rara unanimidad sobre el tema. Sin embargo, una aproximación a la práctica de la composición en escuelas de ambas zonas nos permite advertir grandes diferencias en la aplicación e interpretación de estos conceptos. En la zona franquista se les daba, no sólo un conjunto de palabras que debían intercalarse en la composición, sino también un guión de la misma, con los puntos principales a tratar. El docente vigilaba estrechamente su ejecución y corregía el resultado final, que sólo podía ser copiado en limpio cuando él había dado su consentimiento. Los niños y niñas elegían en masa, y, según se decía, “libremente” la realización de composiciones patrióticas, de las cuales adjuntamos un ejemplo correspondiente a un niño de 12 años: Composición Decorativa Los héroes llenos de patriotismo y deseosos de propagar la paz, el trabajo y la cultura, que forman esta gran Cruzada, en el amanecer de nuestra Era, luchan por arrasar la barbarie que invadía nuestra España y en una palabra, para hacer de ella una gran civilización.44
En la zona republicana muchos maestros participaron en las experiencias de colonias escolares. Una de ellas, la ubicada en El Perelló y denominada Comunidades Familiares de Educación, estuvo a cargo de Ángel Llorca, ese maestro que desde 1900 llevaba innovando en las metodologías de aprendizaje del lenguaje y de la escritura. Una de las composiciones que aparece en los cuadernos escolares conservados de esa experiencia es la siguiente: El Perelló 24 de agosto de 1937.
A. Vera, Realidades Escolares en “Revista de Educación Hispánica”, núm. 3, 1937, p. 59. 43
44
Ibidem, pp. 60-61.
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221 La temperatura es la propia de la estación y del pueblo (donde) [corregido “en que” debajo del paréntesis] vivimos. El termómetro señala 25’5º centigrados. Son las 10 menos cuarto. Es de suponer que el termómetro siga subiendo hasta la noche. ¿Cuál será la máxima de hoy? Ayer recibimos dos visitas de un mismo grupo llegado de los Estados-Unidos que según dicen tratan de hacer propaganda en favor de la España gubernamental. La primera visita comió en la casa nº 1. Como teniamos garbanzos que es una comida que no suele hacerse en el extranjero, hubo de obsequiarselas con un huevo frito. A nosotros, por ahora, a causa de la guerra, hay muchas cosas, antes corrientes, que nos estan prohibidas.45
El análisis de la teoría y la práctica de la composición escolar en España nos lleva a apuntar tres conclusiones provisionales. En primer lugar, el abismo existente entre los planteamientos expuestos en la literatura pedagógica y la realidad cotidiana de esta práctica en las escuelas. En segundo término, la existencia de unos planteamientos ideológicos, que no por muy soterrados están menos presentes en las aulas, y que se incardinan en las concepciones antropológicas y pedagógicas sobre libertad y espontaneidad infantil y sobre la relación educativa. Y, finalmente, en el reducto más oculto de los discursos sobre el tema, podemos atisbar incluso concepciones diferentes y contradictorias sobre la propia identidad de la infancia y sus posibilidades de construir un pensamiento personal y no inducido por los adultos. Cuaderno escolar del niño José Martín Matute, de las Comunidades Familiares de Educación, El Perelló (Valencia), 4 a 27 de agosto de 1937. En “Viejos papeles de Don Ángel Llorca”, PDF editado por la Fundación Ángel Llorca y el Ministerio de Educación y Ciencia, 2007. Sobre Ángel Llorca véase Ángel Llorca, Comunidades familiares de Educación. Un modelo de renovación pedagógica en la Guerra Civil, estudio introductorio de María del Mar del Pozo Andrés, Barcelona, Ministerio de Educación, Política y Deporte, Ediciones Octaedro 2008; y Ángel Llorca, Desde la escuela y para la escuela. Escritos pedagógicos y diarios escolares, edición de María del Mar del Pozo Andrés, Madrid, Biblioteca Nueva, Ministerio de Educación, Política y Deporte 2008. 45
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4 “Za Stalin, Za Ródinn”. Un análisis de las redacciones de los niños de Rusia El 13 de enero de 1938 los niños y niñas españoles que residían en la Casa de Niños nº 7, ubicada en la calle Pirogóvskaia de la capital rusa, salieron como cada mañana camino de la escuela donde desde hacía unos meses asistían a clase. Los alumnos y alumnas de 5º y 6º grado, sin embargo, iban a tener una jornada algo distinta, pues sus clases iban a recibir la visita de Antonio Ballesteros. Éste, junto a los docentes españoles encargados de cada grupo que supervisaron la actividad, les mandó esa mañana escribir una redacción que después se llevaría consigo a España, para enseñársela a sus padres y para que todo el mundo supiera, incluidos los altos dignatarios de la República, lo mucho que estaban aprendiendo en la URSS y lo bien atendidos y felices que se sentían por Stalin y su pueblo. Los niños y niñas se pusieron manos a la obra. En sus blocs y cuadernos escolares (cuyas hojas luego arrancaron) o bien en cuartillas sueltas escribieron sus redacciones, siguiendo las instrucciones que les habían indicado sus profesores y profesoras. Primero debían contar cuál fue su impresión al llegar a Rusia; después qué cosas de las que habían hecho o visto al ser trasladados a Moscú, tras el descanso de los meses de verano en los campamentos del Mar Negro, habían llamado su atención y de entre ellas cuál o cuáles les habían gustado más. Los niños y niñas españoles fueron conscientes de que este ejercicio escolar no era simplemente eso, un mero ejercicio escolar, sino que estaba revestido de una importancia que cualquier otra actividad diaria en la escuela no tenía. Al fin y al cabo, sus redacciones iban a viajar a España, iban a contarles a sus padres y a los españoles lo que ellos estaban viviendo. Esa consciencia determinó profundamente su escritura, la hizo menos espontánea y más disciplinada. Era, al fin y al cabo, el resultado de una petición y no de la imaginación y naturalidad infantil. El saber que aquellos papeles iban a ser vistos por sus padres y otras História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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personas hizo que los niños y niñas se esmerasen en su letra, evitaran tachones y borrones, pusieran especial cuidado en las faltas de ortografía. Así, la pulcritud y corrección de los escritos conservados evidencia no sólo que seguramente las redacciones fueron pasadas a limpio una vez fueron terminadas, sino igualmente cómo los pequeños evacuados, y tras ellos, en la sombra, sus responsables, quisieron plasmar la mejor representación de sí mismos, construir una imagen inmejorable de su estancia en la URSS, de sus avances escolares y de la generosidad del pueblo ruso para con ellos. Esta magnífica presentación de los escritos es perceptible en la perfecta compaginación que se observa en los documentos. Los niños y niñas respetaron los márgenes de la hoja y los espacios en blanco que separan las distintas partes en que se divide el escrito; todos dispusieron la escritura de forma vertical y ordenada, correspondiendo a cada asunto tratado un párrafo distinto; muchos encabezaron la redacción con sus datos (nombre, apellidos y clase), el lugar de redacción y la fecha (aunque en ocasiones éstos elementos aparecen al final) y el título, lo que muestra cómo fueron capaces de organizar la página, empleando incluso tipografías distintas, subrayados y tamaños de letra diferentes para resaltar las jerarquías textuales existentes (Figura 2). Estas escrituras resultan ejemplares, además, por el grado de perfección del trazado de las distintas letras. Los niños y niñas mantuvieron en todo momento la línea base y un mismo interlineado, aunque sin duda ayudados por la guía que el papel pautado les ofreció (tanto si éste fue cuadriculado como rayado). Emplearon, igualmente, el mismo módulo o tamaño a lo largo de todo el escrito, otorgando así a la escritura proporción y equilibrio. La escritura caligráfica y la inclinación sostenida concedieron a los escritos cierta elegancia y contribuyeron a crear la sensación de orden y limpieza, a construir esa presentación ideal tan característica de los escritos escolares que se sabe serán en algún momento expuestos o evaluados (Figura 3). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Desde el punto de vista ortográfico es evidente que los niños y niñas pusieron especial cuidado en no cometer faltas, a pesar de que algunas se les escaparon, e incluso hay muchos que acentuaron y puntuaron los textos. A pesar de ser una de las características de la escritura infantil, incluso en aquellos niños y niñas que ya poseen un cierto dominio y están familiarizados con el escribir, no aparecen en las redacciones errores en la segmentación de las palabras.46 Todo ello nos hace pensar en la mirada vigilante de los maestros y maestras, tan preocupados como los niños y niñas por la buena presentación de las redacciones. De hecho, en algunas de ellas se pueden apreciar ciertas correcciones que si bien pueden ser atribuidas a los propios autores y autoras en el proceso de revisión textual, también pudieron deberse a la intervención de los adultos que supervisaron la escritura: Acerca de las características de la escritura infantil desde el punto de vista lingüístico y psicológico remitimos, a modo de ejemplo, a los estudios de Julián de Ajuriaguerra y otros, La escritura del niño. La evolución de la escritura y sus dificultades, [1964] Barcelona, Laia 1980, 2 vols.; La costruzione del testo scritto nei bambini, dirigido por Margherita Orsolini y Clotilde Pontecorvo, Florencia, La Nuova Italia 1991; Ana Teberosky, Aprendiendo a escribir, Barcelona, ICE Universitat de Barcelona y Editorial Horsori 1992; A concepção da escrita pela criança, dirigido por Mary A. Kato, Campinas (Brasil), Pontes 1992; Maria Bernadete Marques Abaurre, Raquel Salek Fiad y Maria Laura Trindade Mayrink-Sabinson, Cenas de adquisição da escrita. O sujeito e o trabalho com o texto, Campinas (Brasil), Mercado de Letras y Associação de Leitura do Brasil (ALB) 1997; José Escoriza Nieto y Carmen Boj Barberán, Psicopedagogía de la escritura, Barcelona, Ediciones de la Librería Universitaria 1997; Pilar Vieiro Iglesias, Manuel Peralbo Uzquiano y Juan Antonio García Madruga, Procesos de adquisición y producción de la lectoescritura, Madrid, Visor 1997; Emilia Ferreiro, Clotilde Pontecorvo, Nadja Ribeiro Moreira e Isabel García Hidalgo, Caperucita Roja aprende a escribir. Estudios psicolinguísticos comparativos en tres lenguas, Barcelona, Gedisa 1998; Emilia Ferreiro y Ana Teberosky, Los sistemas de escritura en el desarrollo del niño, [1979] Buenos Aires y México, Siglo XXI 2003; Psicopedagogía de la lengua oral y de la lengua escrita, dirigido por María José del Río Pérez y Ana Teberosky Coronado, Barcelona, Universitat Oberta de Catalunya 2003 (ejemplar mimeografiado); y Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto. O sujeito-autor, dirigido por Gladys Rocha y Maria da Graça Costa Val, Belo Horizonte (Brasil), Autêntica, CEALE, FaE y UFMG 2005. 46
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225 Durante mi estancia en la URUU [sustituidas las UU finales por SS] una de las cosas que mas me ha impresionado y me ha [añadida la h] emocionado mas [tachada la repetición de mas] ha sido el XX aniversaria [sustituida la a por una o] de la revolución rusa. Esta cosa que tanto me impresionó fue el ver al camada [originalmente había escrito caramada] Stalin, Borochilof, Kalinin, Molotof, etc. delante del potentísimo ejército rojo, hijos del pueblo soviético que defienden sus fronteras para que ningun sabotedor a la clase obrera pueda penetras [sustituida s por r] en la URU [cambiada la U por SS].47 La primera impresión buena que en la URSS he tenido a sido el cariñoso recibimiento que nos han hecho al llegar a nuestra Segunda patria: ano [tachado ano al ser errónea la segmentación] a nosotros desde el primer momerto [corregida r por n] hasta la fecha nos han tratado cada vez con más cariñoso [tachadas la s y la o sobrantes].48 Llegó el momento que teniamos que estudiar y vinimos hacia Moscu y estuvimos unos cuantos dias sin ir a la escuela, e hibamos [tachada la h] al parkue [corregida la k por una q] Cultura en esos días que estuvimos sin escuela […].49
Dicha intervención de quienes al cargo de los niños y niñas estaban puede también intuirse en el uso de ciertas fórmulas y consignas ideológicas, así como en determinadas referencias a la guerra de España y a los dirigentes comunistas. La presencia de la propaganda inundó el mundo infantil e hizo que los niños y niñas participaran activa o pasivamente en la contienda. La participación pasiva se materializó en el empleo que se hizo de la Redacción de José Arrarás. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 5.
47
Redacción de Charito Bruno (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 6. 48
Redacción de Carmela Primo. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 11.
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imagen de la infancia con fines ideológicos. Carteles con niños y niñas muertos, heridos, abandonados, tristes o hambrientos llenaron las paredes, las páginas de la prensa y de los folletos, fueron portada de revistas, protagonizaron tarjetas postales y sellos benéficos. Las cámaras recogieron la desgracia de la infancia española y los cines proyectaron en todo el mundo cómo el enemigo (para cada cual el que fuera) maltrataba y se aprovechaba de la infancia española. De entre las formas de la participación activa la escritura infantil fue, sin duda, la más practicada. Los escritos y dibujos de los niños y niñas españoles fueron utilizados por parte de los dos bandos en liza para granjearse apoyos, conseguir ayudas económicas o denunciar al contrario.50 Nosotros los niños Españoles fuimos evadidos de España por causa del fascismo; nos trajeron al pais del Socialismo en el cual nos acogieron con gran entusiasmo [...].51 “La alegria que me a impresionado a sido el desfile de la Plaza Roja ha sido en ver todas esas fuerzas que pasaron
El uso propagandístico de la infancia en la guerra ha sido estudiado, entre otros, por Stéphane Audoin-Rouzeau, La guerre des enfants, 1914-1918, [1993] París, Armand Colin 2004; y Antonio Gibelli, Il popolo bambino. Infanza e nazione dalla Grande Guerra a Salò, Turín, Einaudi 2005. Para el caso español pueden verse los trabajos de Juan Manuel Fernández Soria, Educación y cultura en la Guerra Civil (1936-39), Valencia, Nau Llibres 1984; y Alejandro Mayordomo y Juan Manuel Fernández Soria, Vencer y convencer. Educación y política. España, 1936-1945, Valencia, Universidad de Valencia 1993. Con respecto a la utilización de la cultura escrita infantil como arma propagandística en la Guerra Civil española y al uso de la imagen de la infancia en la cartelística bélica remitimos, a modo de ejemplo, a Tomás Pérez Delgado, La infancia en la cartelística republicana de guerra, “Historia de la Educación. Revista interuniversitaria”, nº 6, 1987, pp. 375-377; y A pesar de todo dibujan. La Guerra Civil vista por los niños. Catálogo de la Exposición (Madrid, 20 de noviembre de 2006 al 18 de enero de 2007), Madrid, Biblioteca Nacional de España y Fundación Winterthur 2006. 50
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Redacción de Carmela Primo, doc. cit.
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227 por delante de nosotros la emoción y la impresión que nos a dado y nosotros nos estabamos diciendo. ¿Si esto estaria en España qué alegria nos iba a causarnos? La guerra ya estaria ganada por nuestros heroicos combatientes”.52 Contando mi llegada a la Unión Soviética, tengo que agregar nuestra acogida y recibimiento por los pioneros que descansaban en Artek. Al entrar nuestro coche, todos los pioneros que colocados a los lados de la caretera se encontraban hasta los pabellones donde nos residieron, nos acogian con gran entusiasmo y alegria tirandonos al coche flores y gritando unas consignas que aunque no las comprendiamos veiamos que nos lo decian con gran satisfacción por ver que eramos los hijos del pueblo español el que se libraba del fascismo para poder ser tan felices como lo son ellos.53
La extensión de las redacciones oscila entre una (las más breves) y tres páginas, aunque la media es de dos. Como hemos advertido líneas arriba todas las redacciones fueron compuestas en torno a dos temas que conformaron el esquema que guió las mentes y manos infantiles: las impresiones al llegar a tierras soviéticas y lo que más les gustó a los pequeños evacuados de su nuevo país. Así, respetando dicho esquema de composición, aunque no su orden, los alumnos y alumnas dividieron en dos partes sus redacciones; división que muchos señalaron con determinadas fórmulas de inicio y también gráficamente, al emplear títulos distintos para cada una de las partes en cuestión o simplemente al cambiar de página. Descendiendo al contenido, las partes de las redacciones en que se narraron la llegada y el recibimiento del pueblo ruso nos Redacción de María Pardo. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 7.
52
Redacción de Pilar Álvarez (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 2. 53
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informan de la procedencia de sus autores y autoras. Aunque todos asistían a la misma escuela y vivían en la misma Casa, no todos llegaron en el mismo momento a Rusia. Algunos, como Amelia B. de Quirós, formaron parte de la primera expedición oficial organizada por el Ministerio de Instrucción Pública y compuesta por un total de entre 72 y 88 niños y niñas, que salió de Valencia a bordo del buque mercante Cabo de Palos el 21 de marzo de 1937 y llegó a Yalta (Ucrania) el día 28. Después de pasar el verano en un balneario de un pueblo cercano, Artek (Crimea), a orillas del Mar Negro, fueron trasladados a Moscú, donde inauguraron la que sería la primera Casa de Niños Españoles en la Unión Soviética. Otros, sin embargo, como Vicente Delgado, pertenecieron a la segunda expedición, dirigida por el gobierno vasco de Aguirre. Un total de 4.500 niños embarcaron en la madrugada del 13 de junio de 1937 (pocos días antes de la caída de Bilbao) en el puerto de Santurce rumbo al puerto de Pauillac (Burdeos) en el famoso trasatlántico Habana, símbolo por excelencia del exilio español,54 de los que alrededor de 3.000 se quedaron en suelo francés o continuaron viaje a Inglaterra, en función del destino correspondiente. Los 1.495 restantes, en su mayoría vascos, llegaron a Leningrado a bordo del buque Sontay el 22 de junio de 1937. Qué gran alegría esperimenté cuando pisamos por primera vez tierra rusa el dia 30 de Marzo en el pueblo de Yalta (Crimea) a nuestra yegada a Rusia. El dia era muy hermoso tenia yo una gran satisfacción, la yegada nuestra fue acogida con gran cariño de todos los camaradas rusos fuimos recibido con la internacional que juntos la cantamos rusos y españoles.
Según Emilio Calle y Ada Simón, el Habana, de entre todos los barcos del exilio, fue el que mayor relación tuvo con las evacuaciones infantiles. Sobre el mismo véase el capítulo que le dedican en su libro Los barcos del exilio, Madrid, Oberón 2005, titulado “El primer llanto universal”, pp. 19-27. 54
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229 Una vez que bajamos del barco “Cabo Palos” yo esperimenté un poco de tristeza por dejar el barco pues era el único pedazo que puedo decir de tierra española que teniamos. Después de unas horas de viaje en auto yegamos al campamento de Artek donde fuimos espléndidamente recibidos por los pioneros rusos que ya nos esperaban […].55 Hemos dejado nuestra querida Patria, nuestro barco nos va alejando de las tragedias de la guerra, y enfila su proa hacia el país del proletariado. Después de un viaje bastante penoso llegamos al puerto de Leningrado, barcos, vaporcitos, y toda clase de embarcaciones salieron a recibirnos, el pueblo soviético nos aclama con gran entusiasmo, parece ser que esto es una continuidad de nuestra España. Es de noche cuando nuestro barco amarra al muelle, grandes reflectores nos alumbran; todos los niños estamos en la cubierta del buque, cantamos la “Internacional”, todos los pioneros rusos nos acompañan en este canto de todos los proletarios. ¡Qué emoción, ¡que alegría al pisar por primera vez tierra soviética, vamos en línea por el muelle, a ambos lados la muchedumbre nos aclama con entusiasmo, qué satisfacción sentíamos al oir dar vivas a nuestra querida España […]. Al finalizar la estación veraniega hemos dejado las hermosas orillas del Mar Negro donde habíamos estado descansando, y nos hemos trasladado a la capital moscovita.56
Si bien, como hemos explicado, en la primera parte de las redacciones los niños y niñas se centraron en recordar cómo Redacción de Amelia B. de Quirós (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 1. 55
Redacción de Vicente Delgado (6º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 3.
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fue el recibimiento del que fueron objeto a su llegada a tierras soviéticas, como reflejan los dos testimonios que acabamos de citar; en la segunda contaron las visitas a distintos edificios de Moscú y la asistencia a diferentes actos oficiales que disfrutaron una vez que se encontraban ya en la capital, instalados en su destino definitivo y a punto de comenzar el nuevo curso escolar. Todos coincidieron en la enumeración de las actividades realizadas, tales como el verano pasado en el campamento de Artek o las visitas al Mausoleo de Lenin, al metro de Moscú, a un aeródromo militar, al Gran Teatro, al Kremlin o al Museo de la Revolución rusa, si bien unos destacaron unas y otros resaltaron más otras, en función de sus gustos y sensibilidades personales. [...] lo que más me gustó de sus posesiones es el hermoso campamento de Artek situado a las orillas del mar negro donde es completa la felicidad de los niños por sus fiestas de hogeras, por el clima de verano y por el mar donde hemos pasado ratos muy divertidos.57 […] lo que mas me a yamado la atención entre todos los monumentos de Moscu a sido la gran obra del Metro, el metro es una cosa como yo nunca le he visto en mi vida, sobre todo la estación Kiefskaya, hecha por las jubentudes comunistas en un año y que es la mejor.58 La impresión que más me causó fue la visita a un campo de aviación donde había aviones cuatrimotores capaces de sembrar el terror solamente con verlos. Los monumentos que más me gustaron fueron: una estatua de Lenin, situada en ese mismo campo, señalando al cielo el gran poder de la URSS.59 Otra gran impresión me causó la visita que hicimos al Mausoleo de Lenin, cosa nunca vista por nosotros, en la 57
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
58
Redacción de Amelia B. de Quirós, doc. cit.
Redacción de José Fernández Sánchez (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S, Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 9. 59
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231 cual vimos al camarada Lenin, tumbado dentro de una caja de cristal, a cada lado del cadáver se encontraba un soldado del Ejército Rojo con un fusil, al cuidado de el.60
Del mismo modo, los niños y niñas españoles recogieron en las redacciones su participación en distintos actos, de entre los cuales destacaron las fiestas en los palacios de los pioneros y, fundamentalmente, la asistencia al gran desfile que cada 7 de noviembre se celebraba en la Plaza Roja de Moscú para conmemorar la Revolución rusa. El año en que se encontraban allí los menores españoles fue especialmente festejado, puesto que se celebraba el XX Aniversario: “hemos visto grandes fiestas en la plaza roja -escribía Pilar Álvarez- pero la que más nos a gustado es la del 7 de Noviembre fecha en que cumple los veinte años en que este pais está gobernado por los obreros y campesinos”.61 Los niños y niñas españoles quedaron impresionados ante la cantidad de armamento, la disciplina de las tropas y la presencia de los grandes líderes del país, como el propio Stalin o los camaradas Vorochilov, Molotov o Kalinin. Tambien me dio una gran impresión el XX aniversario de la gran Revolución Rusa estuvimos en la Plaza Roja, tanques, aviación, este gran desfile, del Ejército, estuvo dirigido bajo el comando del mariscal del Ejército Rojo, el camarada Borochilob, Buyonif y en la Presidencia se encontraba el camarada Stalin, junto con los camaradas Kalinin, Molotob y diferentes miembros del Gobierno Soviético.62 En esta demostración vimos tanques aviación y el heroico ejercito rojo que pose la Union Sovietica y al mando de ellos los queridos camaradas Vorosibov y Bullodni
Redacción de Luis Aranaga. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 4.
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61
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
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Redacción de Luis Aranaga, doc. cit.
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232 dandoles un emocionante saludo en su XX aniversario. En la tribuna se encontraba el camarada Stalin y otros miembros del gobierno.63
Las redacciones, además de su ejemplar presentación y su esquema compositivo, tienen en común el empleo de un lenguaje laudatorio con respecto al país que les acogió y a las autoridades soviéticas que les libraron del peligro y los horrores de la guerra. Los niños y niñas españoles hicieron referencia en sus escritos a las comodidades y privilegios de que fueron objeto, así como al cariño constante que recibieron: “nos cuidaron muy bien -escribió Miguel Pascual acerca de los meses pasados en Artekcomo si fueramos sus mismos hijos teniamos todas clases de diversiones y juegos y todo lo que nos hacia falta […], aqui en Moscu nos han dado una casa que nos gusta mucho y es una de las mejores de Moscu”.64 Ese trato tan cercano y la satisfacción de saberse queridos y protegidos les ayudó a recuperarse de los momentos difíciles vividos en España y les hizo sentirse como en casa: “En fin -concluye su escrito Charito Bruno- a mi me parece que tan rodeada estoy de cariño que me siento como en una segunda patria”.65 Las descripciones de la llegada y el recibimiento, al igual que las referidas a los monumentos y celebraciones más emblemáticas de Rusia, aparecen así acompañadas de epítetos que indican generosidad, grandiosidad, majestuosidad, felicidad y abundancia. Todo ello posibilitó apartar la tristeza que desde la salida y el abandono de sus hogares y sus familias teñía la vida infantil y hacer olvidar, aunque nunca del todo, la guerra por la que lo habían perdido todo:
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Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
Redacción de Miguel Pascual. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 10.
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Redacción de Charito Bruno, doc. cit.
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233 Esta es la primera y mejor impresión que nos produjo este gran pueblo del proletariado Mundial -escribió Pilar Álvarez al contar el recibimiento en Yalta- que fue la preferida porque en aquellos momentos eramos sumamente felices.66 Todas las demostraciones de cariño con que nos acogió el pueblo soviético nos hizo olvidar, por el momento, todos los sufrimientos que habíamos padecido en España.67 Nuestra llegada a Leningrado me impresionó tanto porque después de venir agotados de España por la metralla fascista fuimos recibidos con los brazos abiertos y cariñosos saludos, buenas duchas, sanatorios de reposo y buenas escuelas para estudiar.68
Las redacciones que los niños y niñas españoles evacuados a la Unión Soviética escribieron aquella mañana del 13 de enero de 1938 para el inspector Ballesteros no debemos concebirlas como producciones aisladas, pues forman parte de la elaboración consciente de un discurso concreto. Aunque escritas por los menores españoles, las opiniones, sensaciones e ideas de los adultos están presentes, pues fueron ellos quienes mediatizaron todo mensaje escrito. No había lugar para la neutralidad ideológica, ni tan siquiera para la infancia. Dicho discurso, del que los niños y niñas participaron sin remedio, tuvo su propia retórica y sus propios intereses; respondió a unos fines específicos, que fueron los de defender la legalidad republicana, acusar al fascismo de sus crímenes (incluido el de provocar que la infancia española tuviera que abandonar su país) y sacralizar al “país del proletariado y del socialismo”, cuyo modelo había que imitar y venerar. El lenguaje de la deuda estuvo siempre presente en esta infancia exiliada que con el tiempo escribió sus recuerdos y contó 66
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
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Redacción de Vicente Delgado, doc. cit.
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Redacción de José Arrarás, doc. cit.
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sus experiencias. Las redacciones representan ese primer estadio de génesis de dicho lenguaje, que con los años se fue perfilando y consolidando. En ellas se recogieron esas primeras impresiones de unos niños y niñas que vieron materializadas sus expectativas (o las de sus mayores, lo que éstos les habían contado, les habían prometido) en un país en el que fueron protagonistas y recibieron todos los homenajes habidos y por haber. En tierras rusas se cumplieron muchos de sus sueños e ilusiones; pero también se hizo palpable la más cruda realidad: que ese cariño y esa bondad del pueblo ruso que cambió su vida para siempre y que tantas cosas les había dado cuando no tenían nada nunca les devolvería ni a sus padres, ni a su España, ni a su infancia.
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Figura 1. Nota biográfica redactada por el maestro José Manuel Arregui Calle. [Pravda], sin fecha. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 21, documento nº 11.
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Figura 2. Redacción de Amelia B. de Quirós (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 1.
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Figura 3. Redacción de Luis Aranaga. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 4. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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María del Mar del Pozo Andrés es Profesora Titular de Teoría e Historia de la Educación y Directora del Departamento de Psicopedagogía y Educación Física de la Universidad de Alcalá. Actualmente es Secretaria de la Sociedad Española de Historia de la Educación (SEDHE) y miembro del Comité Ejecutivo de la International Standing Conference for the History of Education (ISCHE). Entre sus publicaciones más recientes pueden citarse los libros Currículum e identidad nacional. Regeneracionismos, nacionalismos y escuela pública (1890-1939) (2000), Teorías e Instituciones Contemporáneas de Educación (2004, en colaboración) y la introducción crítica y edición de las obras de Ángel Llorca, Desde la escuela y para la escuela. Escritos pedagógicos y diarios escolares (2008) y Comunidades Familiares de Educación. Un modelo de renovación pedagógica en la Guerra Civil (2008). Dirección: Universidad de Alcalá; Facultad de Documentación; Departamento de Psicopedagogía y Educación Física; C/ San Cirilo, s/n; 28801, Alcalá de Henares (Madrid); España. E-mail: sjaakmar@adv.es. Verónica Sierra Blas es Doctora en Historia (2008) y trabaja como profesora en la Facultad de Filosofía de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Alcalá. Es la coordinadora de la revista internacional Cultura escrita & Sociedad, del Seminario Interdisciplinar de Estudios sobre Cultura Escrita (SIECE) y de la Red de Archivos e Investigadores de la Escritura Popular (RedAIEP). Es autora, entre otros trabajos, de los libros Aprender a escribir cartas. Los manuales epistolares en la España contemporánea (2003) y Palabras huérfanas. Los niños y la Guerra Civil (2009). Dirección: Universidad de Alcalá; Facultad de Filosofía y Letras; Departamento de Historia I y Filosofía; Seminario Interdisciplinar de Estudios sobre Cultura Escrita (SIECE); C/ Colegios, 2; 28801, Alcalá de Henares (Madrid); España. E-maila: veronica.sierra@uah.es. Data de recebimento: 22/01/2009 Data de aceite: 20/02/2009 História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
Resenha
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FARIA FILHO, Luciano Mendes de (org.). Pensadores Sociais e História da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 311p.
Gisele Francisca da Silva Carvalho
Lançado em 2005 pela editora Autêntica, o livro Pensadores Sociais e História da Educação foi organizado por Luciano Mendes de Faria Filho, doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Através da ampliação de fontes, diversificação e novos olhares sobre o objeto, o livro é apresentado como uma proposta de se empreender modos renovados de apropriação dos clássicos para a Historiografia Educacional Brasileira. Sua capa já traz as primeiras imagens sobre os clássicos, apresentando as fotografias num padrão envelhecido de oito dos quinze pensadores abordados no livro, todos já falecidos. Conforme comenta Faria Filho na apresentação do livro, nas últimas décadas não houve uma renovação de autores de referência no que se refere às abordagens teórico-metodológicas, e sim uma necessidade da historiografia em fazer releituras das fontes primárias, possibilitando a elaboração de novas abordagens de obras que embora possuam interpretações consolidadas, não podem ser consideradas as únicas possíveis. A obra de 311 páginas reúne 15 artigos escritos por autores diferentes, cada um com a incumbência de escrever sobre a contribuição de “seu clássico” à pesquisa em História da Educação. Não foram incluídos, e nem explicados os motivos dessa exclusão, os autores clássicos M. Weber, P, Ariès e P. Bourdieu, embora a importância dos mesmos tenha sido destacada por Faria Filho. Por se tratar de um livro com 15 artigos sobre autores diferentes optei em dividi-los em duas categorias que identifiquei após a leitura. Mesmo que os autores estivessem movidos pelo História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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mesmo objetivo, o de trazer as contribuições dos clássicos para a História da Educação, as abordagens dos textos foram diferenciadas, sendo que alguns deles trouxeram um novo olhar sobre aquele clássico, possuindo um diferencial bem destacado e outros se ativeram em apresentar os principais conceitos de seu clássico, pontuando as possibilidades de operacionalização dos mesmos para a pesquisa em História da Educação. Nesse sentido, esta resenha se inicia com os autores presentes na primeira categoria: Marx, Freud, Durkheim, Bakhtin, Elias, Freyre e Holanda, mais detalhadamente, e segue com os demais autores pertencentes à segunda categoria: Gramsci, Benjamin, Vygotsky, Arendt, Fernandes, Thompsom, De Certeau e Foucault. Embora um tanto precária, essa categorização – passível de recolocações – é fruto de uma tentativa minha de trazer para o leitor uma visão global do livro e ao mesmo tempo oferecer algumas interpretações mais específicos. O primeiro artigo, Karl Marx: contribuições para a investigação em História da Educação no século XXI, escrito por Elomar Tambara, inicia a proposta apresentada por Faria Filho de maneira categórica, no que diz respeito às novas interpretações dos clássicos. Nele, as contribuições de Marx são apontadas como inesgotáveis e passíveis de redescobertas. Tambara argumenta que o pensamento marxista está presente nos paradigmas epistemológicos pós Marx, mesmo que no final do século XX, em alguns casos, tenha havido um decréscimo no uso de referenciais teórico metodológicos marxistas e a própria marginalização desses trabalhos. A partir dessas considerações o autor tece argumentos defendendo que mesmo diante do quadro descrito atualmente “percebe-se também, um ressurgimento desse paradigma em diversos ambientes de pesquisa, mesmo que com outras matizes” (Tambara, 2005, p. 11). Segundo Tambara a extrema simplificação e reducionismo das categorias analíticas desenvolvidas por Marx limitam o seu potencial explicativo, problematiza as interpretações feitas sobre o papel da infraestrutura e superestrutura em Marx. Além disso, afirma que a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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questão do século XXI para o paradigma marxista é investigar minuciosamente a potencialidade desse modelo de compreender o papel dos indivíduos e da subjetividade na conformação dos mesmos, sendo esse o ponto de endurecimento nas interpretações marxistas. Nessa perspectiva, cita passagens escritas por Marx que possibilitam uma nova interpretação sobre o papel do indivíduo no pensamento do autor. O artigo é um convite à releitura de Marx com um ponto de vista diferenciado, em busca de redescobrir o conceito de subjetividade e indivíduo desenvolvido pelo autor clássico. O artigo Freud e a História da Educação: possíveis aproximações, de Maria Madalena Silva de Assunção, é iniciado por uma discussão sobre o porquê da presença da História da Educação no currículo de Pedagogia e vai se direcionando para a discussão sobre os novos olhares da História (a partir da Nova História Cultural) em relação à Educação. Apesar de não haver na obra de Freud não um tratado sobre a educação e nem prescrições pedagógicas, a autora defende a idéia de que a Pedagogia- ciência dos fins e dos meios da educação – pode extrair contribuições da Psicanálise. De acordo com Assunção o posicionamento que encontramos em Freud quanto à idéia de incompletude encontrase diretamente relacionado ao pensamento historiográfico, sendo possível, em certa medida, que a nova perspectiva metodológica da historiografia atual tenha recebido contribuições a partir das novas formas de investigação apontadas por Freud. Além disso, assim como a Psicanálise, a História se apropria do discurso do outro para compreender questões sugeridas no presente, sendo a memória uma categoria básica nesse processo. Enfim, a autora aborda diversas questões no decorrer do texto, como o uso dos conceitos psicanalíticos como utensílios decorativos, a mudança do conceito de infância pós Freud e as repercussões no campo da educação, propondo um novo olhar sobre as possíveis contribuições da obra freudiana à educação. O artigo sobre Durkheim, escrito por Bruno Bontempi Jr., intitulado A presença visível e invisível de Durkheim na História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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historiografia da educação brasileira tem como eixo central a tese de que existem dois tipos de presença da sociologia durkheimiana em posição de transdiscursividade com os escritos contemporâneos, mesmo naqueles autores que não a assumem: uma presença visível e outra invisível. Na primeira Bontempi cita Fernando de Azevedo, assumidamente durkheimiano e na segunda analisa obras de autores com Bourdieu, Althusser, Establet, que apresentam em suas obras vestígios do método de Durkheim, embora não explicitem nos escritos tal influência. O artigo mostra claramente que as rupturas de paradigmas não significam a eliminação dos mesmos, havendo sim resquícios teóricos-metodológicos nos escritos posteriores. Mikhail Bakhtin: itinerário de formação, linguagem e política escrito por Maria Rita de Almeida Toledo conta muito da vida para falar da obra de Bakhtin, trazendo à tona dificuldades vividas por ele, como a censura, problemas de saúde e o difícil reconhecimento de seu trabalho. Para a autora as vicissitudes da trajetória de vida e carreira de Bakhtin são importantes no entendimento de como seus escritos circularam e foram apropriados de forma peculiar. Toledo aborda quatro conceitos bakhtinianos: linguagem, interação verbal, polifonia e dialogismo (que consideram a língua como um produto da relação social e portanto ideológica) sempre buscando citações do próprio autor para explicitá-los. Permeado pela idéia de que a diversidade da obra de Bakhtin está diretamente ligada às adversidades de sua vida, este artigo nos mostra uma outra possibilidade de análise dos clássicos que não desconsidera o elo entre vida e obra do autor. No artigo Pensando com Elias as relações entre Sociologia e História da Educação, de Cynthia Greive Veiga, a autora conta um pouco sobre a vida de Elias, a dispersão de sua obra e problemas de tradução. Expõe seus principais conceitos como figuração, interdependência, equilíbrio de tensões, usados para conferir inteligibilidade às dinâmicas da sociais dentro de um princípio básico de inseparabilidade entre sociedade e indivíduo. Em um ponto bastante interessante do artigo Greive aborda a História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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problemática sociológica apresentada por Elias à História no livro A sociedade de Corte (2001): “como foi-se constituindo a figuração de pessoas interdependentes que tornou possível se deixarem governar em uma longa duração histórica por famílias únicas” (Greive, 2005, p. 142-143), trazendo o conceito fundamental de interdependência entre os indivíduos que estão em constante relação com a sociedade, repleta de tensões e contradições. Bem como sugere o título, o artigo propõe o diálogo entre a História e a Sociologia utilizando uma base empírica consistente com vistas a superar conceitos ainda fortes na literatura, mas que segundo a autora pouco contribuem ao entendimento do processo civilizatório, ponto central da obra de Elias. Fazer História da Educação com Gilberto Freyre: achegas para pensar o aluno com os repertórios da Antropologia é uma proposta de Marcos César de Freitas de vislumbramento da obra de Freyre como um relicário de citações e imagens para se escrever a História da Educação, principalmente quanto à análise de pressupostos inaceitáveis, “que ainda estão na rua”. Entendendo a antropologia de Freyre como fonte de pistas para se compreender o aluno onde o anedótico e o mínimo detalhe podem revelar indícios preciosos, o autor trabalha boa parte do artigo com o conceito freyriano de rua e sua relação com o aluno e a escola, exemplifica os modos de vida da infância e argumenta que o tempo sempre sobrevive no âmago do outro tempo que chega através de gestos, posturas, técnicas e sabores. Nessa perspectiva, a proposta de Freitas é a de apresentar Gilbeto Freyre como uma espécie de fonte primária para a História da Educação. Em seu artigo, Thaís Nívia de Lima e Fonseca ao escrever “Trilhando caminhos, buscando fronteiras: Sérgio Buarque de Holanda e a História da Educação no Brasil” levanta algumas sugestões de estudo em História da Educação retiradas das obras de Holanda, como capacidade de adaptação dos portugueses ao chegarem no Brasil, o preconceito contra o trabalho manual, riqueza das situações criadas pelo intercruzamentos culturais na História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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América Portuguesa. Fonseca afirma suas considerações a partir do pioneirismo da obra do autor que recusou-se a utilizar de forma abstrata conceitos e categorias sem o cuidado de observar as condições históricas concretas (práticas concentradas na teoria marxista), tematizando os sujeitos anônimos da história, semelhante à proposta dos Annales desenvolvida um bom tempo depois. Além disso, coloca em debate o porquê da pouca relevância dada a Holanda no campo da História da Educação e nos convida a promover relações entre o pensamento do autor e a História da Educação atual. O primeiro artigo identificado na segunda categoria de análise desta resenha foi escrito por Carlos Eduardo Vieira e é intitulado Conhecimento Histórico e arte política no pensamento de Antonio Gramsci. Vieira busca relações entre as idéias gramscianas e a pesquisa histórica, investigando qual é o projeto intelectual sugerido pelos textos do autor. Nessa perspectiva enfatiza o rigor filológico na preocupação em restituir o sentido da palavra no seu contexto histórico específico e a operação de ressignificação, sendo a História para ele o lugar para se estudar o homem e sua cultura. Conceitos como hegemonia, bloco histórico, intelectuais orgânicos são apontados por Vieira como forte referência nos debates no campo da historiografia. No artigo Walter Benjamin: os limites da razão, Clarice Nunes tem como objetivo investigar a motivação do autor na busca de um novo conceito de razão. Aberto à Teologia, Benjamin encontra movimentos de síntese entre dois mundos antagônicos: razão e espiritualismo. Seu conceito de infância e de História são diretamente ligados, uma vez que o pensamento benjaminiamo recomenda que para assumirmos nossas responsabilidades enquanto adultos devemos rememorar nossa infância, recuperando tesouros e feras. Nunes, dando continuidade e novos rumos às discussões, pergunta então se “seria possível uma educação que ensinasse a reconhecer e a lutar contra a opressão? (...) Que acolhesse generosamente os sonhos?” (Nunes, 2005, p. 94). A autora finaliza caracterizando os educadores que se inspiram em História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Benjamin como aqueles que “trabalham a partir da abundância de ser e do limite de estar encarnado. Trabalham com nuanças. Trabalham com o provisório” (p.97). Vygotsky e a teoria sociohistórica, dos autores Maria Cristina Soares Gouvêa e Carlos Henrique Gerken é um artigo que trata a teoria sociohistórica como referência para a conformação da psicologia contemporânea, sendo Vygotsky o primeiro autor a explicar a formação histórica da mente. Os autores buscam também analisar em que medida tal teoria pode contribuir nas teorizações sobre os processos históricos na produção de conhecimento. Para tanto tratam principalmente do conceito vygotskyano de História em um diálogo com a perspectiva marxista. Finalizam o artigo com algumas colocações sobre as possibilidades de interlocução entre a teoria vygotskyana e a História da Educação, detendo-se à História da Cultura Escolar. Falando um pouco de amor, passado e presente, Viver a vida e contá-la: Hannah Arendt, escrito por Eliana Marta Teixeira Lopes, assume o postulado de Arendt de que para conhecermos o homem temos que conhecer sua biografia contando um pouco da vida pessoal de Arendt e trazendo conceitos como o de história e vida, nascimento – numa perspectiva de que a educação começa com o novo, ou seja, as crianças –, a relação entre ação e discurso e a coragem como uma virtude política. É um artigo com passagens quase poéticas, que tratam das subjetividades, tema realmente carente de abordagens. No artigo Florestan Fernandes, arquiteto da razão, de Marcus Vinícius da Cunha, são confrontados autores que analisaram a obra de F. Fernandes. Características e acontecimentos como a base teórica durkheimiana, discussões calorosas causadas pela obra, o estudo dos desafios da época, desorganização de uma visão elitista e senhoril da sociedade estão presentes em Fernandes. Em seu conceito de educação como “libertadora da ignorância” há o questionamento ao fato de o direito à educação ser transformado em privilégio e a atribuição de sua organização destinada aos cientistas, conhecedores das História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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necessidades do país. É um artigo sobre um autor que dá margem a muitas ponderações e ao mesmo tempo, suscita novas idéias. Fazer História da Educação com E.P. Thompson: trajetórias de um aprendizado pode ser realmente uma idéia fecunda, no escrito de Luciano Mendes de Faria Filho. Thompson é logo caracterizado no artigo como um autor pouco utilizado na historiografia brasileira em uma perspectiva teórico metodológica. O objetivo do artigo é trazer as dimensões em que as pesquisas do próprio Luciano Mendes têm sido enriquecidas pelo aporte teórico de Thompson, tratando das noções de experiência, identidade coletiva e individual tomando a educação como algo construído nas relações sociais, extrapolando os limites da escola: “segundo Thompson, é na experiência que os sujeitos se constituem, sejam estes sujeitos indivíduos ou classes sociais” p. (Faria Filho, 2005, p.244). O conceito de lei também é tratado como ponto central em Thompson uma vez que contribui para a formação das identidades e para a formação do discurso sobre a educação. É de fato uma abordagem abrangente no entendimento das práticas educativas. O artigo Michel De Certeau e a difícil arte de fazer história das práticas, de Diana Gonçalves Vidal possui caráter exploratório e conta com detalhes algumas passagens sobre e a vida e obra de De Certeau, sendo esta última caracterizada como “o fazer das práticas”. Na trajetória de De Certeau, as viagens serviram de base de experiência e questionamentos das grandes teorias e do funcionamento institucional da igreja, lembrado o fato de o autor ter sido ordenado sacerdote em 1956. No final do artigo, Vidal traça um esboço detalhado da repercussão e tradução das obras do autor além das apropriações da mesma, tendo como fontes os Anais Eletrônicos do I, II e III Congresso Brasileiro de História da Educação. O último artigo do livro e da segunda categoria proposta nessa resenha, Paul-Michel Foucault – uma caixa de ferramentas para a História da Educação, José Gonçalves Gondra define as palavras de Foucault como fortes, inquietantes e difíceis, História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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procurando refletir acerca da presença desse clássico na História da Educação brasileira. Em sua primeira parte, o artigo aborda alguns conceitos foucaultianos como arqueologia, poder, sua crítica à modernidade e o próprio conceito de História, mãe das Ciências Humanas, no qual recusa explicitamente noções clássicas como origem, totalidade, causalidade, continuidade, causando polêmica entre a comunidade intelectual francesa. Partindo para uma análise da presença da obra de Foucault na História da Educação brasileira Gondra empreende uma pesquisa usando como fonte periódicos brasileiros – Revista Brasileira de História da Educação e a Revista de História da Educação problematizando, na conclusão do artigo, como tais apropriações estão sendo feitas. Assim como o artigo que fala sobre De Certeau, é uma abordagem bastante preocupada com as freqüências e formas de apropriação dos clássicos. Enfim, mais que conteúdo histórico, o livro Pensadores Sociais e História da Educação traz importantes orientações teóricas e metodológicas, como a necessidade da leitura de fontes primárias de modo a empreendermos novas interpretações; de que a negação dos clássicos não necessariamente traz benefícios à literatura contemporânea e que nunca os paradigmas deixam de se representarem uns nos outros pois se constroem na alteridade. Quero retomar o último artigo do livro, que providencialmente finaliza o livro com dois problemas metodológicos importantes já que abrangem a pesquisa em História da Educação em geral: como os clássicos estão sendo consumidos e “ a necessidade de se pensar os critérios e motivos que terminam por promover a eleição de um determinado autor na pesquisa em História da Educação” (Gondra, 2005, p. 305) causando-nos a sensação de necessidade de refletir sobre o rigor metodológico exigido em tal empreendimento. Enumeradas algumas das contribuições trazidas por este livro, fica a espera pela versão sobre os autores clássicos ainda vivos.
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Gisele Francisca da Silva Carvalho é Mestranda do PPGEMestrado em Educação da Universidade Federal de São João delRei. E-mail: gi_francis@yahoo.com.br.
Data de recebimento: 22/01/2009 Data de aceite: 20/02/2009
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Documento
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Reforma João Luiz Alves (conhecida por Lei Rocha Vaz) Decreto Nº 16.782 A – de 13 de Janeiro de 1925 Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e o superior e dá outras providências. O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da autorização constante no art.4º da Lei nº 4.911 de 12 de janeiro de 1925 e da atribuição, que lhe confere o art. 48, nº I, da Constituição Federal, decreta: CAPÍTULO I Do Departamento Nacional do Ensino Art. 1º – Fica criado o Departamento Nacional do Ensino, diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Art. 2º – O Departamento terá a seu cargo os assuntos, que se refiram ao ensino nos termos dêste regulamento, assim como o estudo e a aplicação dos meios tendentes à difusão e ao progresso das ciências, letras e artes no país. Art. 3º – O Departamento terá um Diretor Geral, que será também Presidente do Conselho Nacional do Ensino e poderá exercer as funções de Reitor da Universidade do Rio de Janeiro, se fôr professor catedrático de curso de ensino superior e fôr designado pelo Govêrno para tal fim. § 1º – O Diretor Geral será de livre escolha do Presidente da República, entre pessoas de notável competência no ensino. § 2º – Ao Diretor Geral serão subordinados, imediatamente, todos os diretores de institutos de ensino e reitores de Universidades.
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§ 3º – O Diretor Geral será substituído nos seus impedimentos pelo diretor de um dos institutos universitários, designado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. § 4º – O cargo de Diretor Geral é incompatível com o exercício de qualquer função pública, federal, estadual ou municipal. Art. 4º – Os serviços a cargo do Departamento são distribuídos por duas seções: 1ª) – a do expediente e contabilidade; 2ª) – a do ensino. Art. 5º – O pessoal da Diretoria do Departamento é o seguinte: 2 dactilógrafos 1 porteiro 1 cartógrafo 1 ajudante de porteiro 5 3ºs oficiais 1 contínuo 3 2ºs oficiais 1 correio 2 1ºs oficiais 3 servente 2 diretores de seção § 1º – A nomeação dos funcionários será feita na forma do regulamento da Secretaria do Estado da Justiça e Negócios Interiores, que será também aplicado quanto a demissões, promoções, aposentadorias, penalidades e vantagens dos funcionários. § 2º – Para êste efeito serão consolidados no regime interno do Departamento os preceitos daquele regulamento, que forem aplicáveis. Art. 6º – Ao Diretor Geral do Departamento Nacional do Ensino compete: a) – dirigir todos os serviços do Departamento, despachando os papéis de sua alçada e encaminhando ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, devidamente autuados e informados, os demais processos; b) – presidir as sessões do Conselho Nacional do Ensino e as das suas três seções; História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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c) – convocar extraordinariamente o Conselho Nacional do Ensino e as suas seções; d) – dar conhecimento ao Govêrno das resoluções do Conselho e das suas seções; e) – prover interinamente os cargos vagos de vice-diretor dos institutos de ensino, bem como, nas mesmos condições, os do magistério e da administração nos institutos de ensino secundário, quando êstes estiverem sob direção interina; f) – suspender, até noventa dias, os funcionários de nomeação superior e propor ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores pena maior ou exoneração dos mesmos; e suspender ou demitir os de sua nomeação; g) – conceder licença, até trinta dias, aos funcionários do Departamento; h) – autorizar a lavratura de contratos para os fornecimentos gerais ás repartições dependentes do Departamento, e bem assim os que se referirem a fornecimentos especiais, obras concêrtos e encomendas, observadas as disposições do Regulamento Geral de Contabilidade; i) – superintender os serviços administrativos de tôdas as repartições dependentes; j) – inspecionar o serviço a cargo do Departamento e dos institutos ou repartições ao mesmo subordinados e determinar as providências, que julgar necessárias; l) – submeter ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores os casos omissos neste decreto, providenciando na conformidade das instruções a que se refere ao art. 280; m) – propor e remover os inspetores, de acordo com as conveniências do ensino; n) – exercer as demais atribuições, que lhe são conferidas neste regulamento e no regimento interno. Art. 7º – A Seção do Expediente, que terá seu cargo o arquivo e o serviço de portaria, além de receber e encaminhar todos os papéis e de os submeter, depois de informados, ao despacho do Diretor Geral, cabe: História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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I – Organizar a correspondência oficial do Diretor Geral do Departamento, lavrando os ofícios e outros atos relativos à comunicação das deliberações tomadas pelas autoridades superiores; II – Preparar todo o expediente relativo a nomeações, promoções, comissões, licenças, transferências, jubilações, aposentadorias, suspensão e exoneração de funcionários; III – Lavrar os têrmos de posse do pessoal do Departamento e do que dêle dependa diretamente; IV – Organizar o assentamento dos funcionários do Departamento e dos institutos dêle dependentes, o Almanaque respectivo e o Anuário do Departamento, contendo todos os seus atos e decisões, bem como as do Govêrno, sôbre ensino e as do Conselho Nacional do Ensino; V – Escriturar em devida ordem o protocolo geral dos papéis, que entrarem no Departamento; VI – Preparar as exposições e relatórios, que tenham de ser apresentados ao Govêrno e ao Conselho Nacional do Ensino; VII – Preparar editais, declarações e outras publicações oficiais do Departamento; VIII – Prover à organização sistemática e direção do Arquivo; IX – Fiscalizar o serviço a cargo da portaria e o livro de ponto da repartição; X – Organizar, para ser apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores pelo Diretor Geral, o projeto de orçamento das despesas anuais do Departamento, coma as respectivas tabelas explicativas, a fim de ser incorporado à proposta de orçamento do Ministério; XI – Fazer a classificação de tôdas as despesas efetuadas e autorizadas, segundo sua natureza, e escriturá-las convenientemente; XII – Fazer o exame e processo de tôdas as contas e fôlhas de pagamento da repartição; História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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XIII – Arrecadar e escriturar as rendas do Departamento depositando-as em um banco, de acôrdo com as instruções do Diretor Geral, e levantando, mensalmente, um balancête demonstrativo; Parágrafo único – A Tesouraria do Colégio Pedro II, anexada à seção de Expediente e Contabilidade do Departamento, fica imediatamente subordinada a esta, por cujo intermédio do Diretor Geral transmitirá suas ordens e instruções sôbre o serviço a seu cargo. Art. 8º – À Seção do Ensino cabe o estudo de todos os assuntos peculiares aos estabelecimentos federais de ensino superior e secundário e aos a êstes equiparados, às escolas e estabelecimentos de ensino científico, literário, artístico e profissional, subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, subvencionados, mantidos, ou fiscalizados pela União e aos institutos de ensino primário por esta subvencionados, assim como a fiscalização dos estabelecimentos de ensino particular, como fôr regulada. Art. 9º – A Seção de Ensino terá a seu cargo a Biblioteca do Departamento e o serviço de permutas internacionais de publicações. Art. 10º – A renda especial do Departamento continuará a ser a renda atual do Conselho Superior do Ensino, constituída: a) – pelo total das taxas estabelecidas para certidões de exames prestados perante as juntas examinadoras, nomeadas para os colégios e ginásios que as obtiverem; b) – pelo produto das taxas estabelecidas para assinatura dos diplomas conferidos pelos estabelecimentos, de ensino federais ou equiparados; c) – pelo produto das taxas estabelecidas para quaisquer certidões passadas pelo Departamento; d) – pela quota de 10% deduzida da contribuição anual dos institutos de ensino equiparados; e) – pela taxa estabelecida pela inscrição no registro de professôres; História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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f) – pelos donativos feitos ao Departamento e quaisquer outras importâncias a êle destinadas e que terão a aplicação estabelecida pelos doadores. Art. 11º – A Seção do Ensino organizará a estatística do ensino, compreendendo o ensino primário subvencionado, o profissional, o artístico, o secundário e o superior, subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, assim como os estabelecimentos particulares de ensino primário, secundário e superior. CAPÍTULO II Do Conselho Nacional do Ensino Art. 12 – Fica suprimido o atual Conselho Superior do Ensino e criado o Conselho Nacional do Ensino, ao qual competirá discutir, propor e emitir opinião sôbre as questões que forem submetidas à sua consideração sôbre ensino público, pelo Gôverno, pelo Presidente do Conselho ou por qualquer dos seus membros. Parágrafo único – Servirá de secretário do Conselho o diretor da Seção do Expediente do Departamento, que será substituído, nos seus impedimentos, pelo Diretor da Seção do Ensino. Os funcionários do Departamento auxiliarão o secretário, de acordo com as ordens do Diretor Geral. Art. 13 – O Conselho Nacional do Ensino compõe-se de três seções; 1º – Conselho do Ensino Secundário e do Superior; 2º – Conselho do Ensino Artístico; 3º – Conselho do Ensino Primário e do Profissional; Art. 14 – O Conselho do Ensino Secundário e do Superior compor-se-á: a) – dos diretores das Faculdades da Universidade do Rio de Janeiro, dos diretores das Faculdades de Medicina, e Farmácia e de Odontologia da Bahia, de Direito de São Paulo e do Recife, da Escola Nacional de Balas Artes, do Colégio Pedro II, das escolas História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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oficializadas desde que se subordinem ao regime criado por êste regulamento, e de outros estabelecimentos de ensino secundário e superior, que venham a ser subordinados ao Departamento Nacional do Ensino; b) – de um professor catedrático ou de um professor privativo, de cada um dos referidos institutos, eleitos anualmente pelas respectivas congregações; c) – de um docente livre de cada um dos referidos institutos, designado, anualmente, pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Art. 15 – O Conselho do Ensino Artístico compor-se-á: a) – dos diretores do Instituto Nacional de Música, e de outros estabelecimentos congêneres, que venham a ser subordinados ao Departamento Nacional de Ensino; b) – de dois professores efetivos de cada um dêsses institutos, eleitos pelas respectivas congregações, anualmente; c) – de um docente livre de cada um dos mesmos institutos, designado anualmente pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Na falta de docentes livres serão designadas, pela mesma forma, pessoas de reconhecida competência nas matérias sujeitas ao exame do Conselho. Art. 16 – O conselho do Ensino Primário e do Profissional compor-se-á: a) – dos diretores do Instituto Benjamin Constant e do Instituto Nacional de Surdos-Mudos; b) – de um professor efetivo de cada um dêsses institutos, designado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, por um ano; c) – do diretor da Escola 15 de Novembro e de um professor designado pela mesma forma; d) – de um delegado de cada Estado, onde exista ensino primário subvencionado pela União, designado pelo respectivo Govêrno, por um ano. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Parágrafo único – Mediante acôrdo com o Prefeito do Distrito Federal, poderão fazer parte dêsse Conselho o Diretor da Instrução Pública Municipal, um professor da Escola Normal do Distrito Federal, um inspector escolar e um professor de instrução primária, designados anualmente pelo Prefeito. Art. 17 – Os estabelecimentos de ensino equiparados poderse-ão fazer representar por um delegado, em cada uma das seções do Conselho Nacional do Ensino. Parágrafo único – Êsse delegado será escolhido pelo respectivo grupo de estabelecimentos de ensino equiparados, mediante acôrdo entre êles. Art. 18 – Poderão tomar parte como membros consultivos, sem voto, nos trabalhos de cada uma das seções do Conselho Nacional do Ensino, os diretores de estabelecimentos particulares de ensino, que sejam para isso convidados, ou que requeiram, com anuência da mesma seção do Conselho. Art. 19 – O Conselho Nacional do Ensino organizará o seu regimento interno, celebrará sessões plenárias, quando se tratar de assuntos relativos ao ensino em geral ou quando para isso seja convocado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, ou pelo diretor do Departamento Nacional do Ensino, por si ou a requerimento de cinco membros do mesmo Conselho, deferido pelo mesmo Diretor. Art. 20 – Os Conselhos do Ensino Secundário e do Ensino Superior reunir-se-ão em duas sessões ordinárias anuais, nas épocas, que forem fixadas no seu regimento interno. Poderá ser convocado extraordinariamente, quando o exija o interêsse do ensino, pelo Diretor Geral, espontâneamente ou a requerimento de três membros. Art. 21 – Os Conselhos do Ensino Artístico e o Ensino Primário e do Profissional reunir-se-ão ordinariamente uma vez por ano, em época que fôr fixada nos respectivos regimentos internos, e poderão ser convocados extraordinariamente, na forma do artigo anterior. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 22 – Ao Conselho do Ensino Secundário e do Superior compete: a) – dar parecer, sôbre a equiparação de institutos de ensino particulares ou dos Estados, aos oficiais; b) – examinar os relatórios dos inspetores de ensino secundário ou superior, exigir-lhes esclarecimentos e dar parecer sôbre os mesmos relatórios; c) – dar parecer sôbre os recursos, que sejam interpostos das resoluções dos diretores e das congregações dos estabelecimentos de ensino superior e secundário oficiais ou equiparados, quando lhe sejam remetidos pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores; d) – propor a suspensão de um ou mais cursos, desde que o exijam a ordem e disciplina do ensino secundário ou do superior; e) – propor o fechamento temporário de um instituto de ensino secundário ou superior, oficial ou equiparado, por motivo de indisciplina ou calamidade pública; f) – propor a suspensão ou cassação das regalias de equiparação aos institutos de ensino secundário ou superior, quando isso seja exigido pelos interêsses do ensino ou pela violação dos regulamentos dêste; g) – informar sôbre a conveniência da criação, supressão ou transformação de cadeiras e modificação da seriação de matérias dos cursos superior ou secundário; h) – examinar o regimento interno de cada instituto e propor as modificações convenientes aos interêsses do ensino e a modificação dos pontos, que estejam em desacôrdo com os preceitos legais vigentes; i) – propor reformas e melhoramentos necessários ao ensino e dar parecer sôbre dúvidas suscitadas na interpretação e aplicação das leis ao mesmo relativas; j) – organizar o seu regimento interno. Parágrafo único – O Conselho não poderá tomar conhecimento de assunto algum estranho a suas atribuições, sob qualquer forma. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 23 – Ao Conselho do Ensino Artístico e ao do Ensino Primário e do Profissional competem, no que fôr aplicável, as atribuições constantes do artigo antecedente. CAPÍTULO III Do ensino primário Art. 24 – O Govêrno da União, com o intuito de animar e promovera difusão de ensino primário nos Estados, entrará em acôrdo com êstes para o estabelecimento e manutenção de escolas do referido ensino nos respectivos territórios. Parágrafo único – Êstes acôrdos serão celebrados nos limites das dotações consignadas pelo Congresso Nacional no orçamento das despesas do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Art. 25 – Os acôrdos obedecerão às seguintes bases: a) – a União obriga-se a pagar diretamente os vencimentos dos professores primários, até o máximo de 2:400$ anuais, e os Estados a fornecer-lhes casa para residência e escola, assim como o necessário material escolar; b) – as escolas subvencionadas serão de natureza rural; c) – os Estados obrigar-se-ão a não reduzir o número de escolas existentes no seu território ao tempo da celebração do acôrdo, a aplicar 10%, no mínimo, de sua receita na instrução primária e normal, a permitir que a União fiscalize o efetivo funcionamento das escolas por ela subvencionadas, e a adotar nessas escolas o programa organizado pela União; d) – a forma das nomeações e as garantias e deveres dos professôres serão previstos nos têrmos do acôrdo, tendo em vista a legislação local e os princípios dêste regulamento em relação ao professorado; e) – os professôres serão tirados de entre os diplomados por escolas normais reconhecidas oficialmente pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores e, só na falta de diplomados que aceitem a
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nomeação, poderão ser nomeados não diplomados, mediante exames de habilitação, que será regulado no acôrdo; f) – a inspiração superior das escolas subvencionadas será feita em cada Estado por um inspetor geral, nomeado pelo Ministro da Justiça mediante proposta do Diretor Geral do Departamento e remunerado pela União, com vencimentos nunca superiores a 18:000$ anuais, considerado o cargo com simples comissão; g) – para cada município em que houver escola subvencionada, o Diretor Geral do Departamento nomeará, sob proposta do inspetor estadual, pessoa idônea para exercer o cargo de inspetor municipal cujas funções serão gratuitas e consideradas como de relevante serviço público; h) – ao inspetor municipal incumbirá informar ao estadual êste ao Conselho do Ensino Primário e do Profissional, por intermédio do Departamento Nacional do Ensino, sôbre tôdas as ocorrências, que interessem à regularidade do ensino nas escolas subvencionadas; dar aos professôres o atestado mensal de exercício, para o recebimento de vencimentos, e propor ao inspetor estadual aplicação das penalidades previstas na legislação, ou no têrmo de acôrdo. Art. 26 – A criação e a situação de escolas subvencionadas obedecerão às mais urgentes necessidades da população, tendo em vista a estatística dos menores em idade escolar (8 A 11 anos de idade). Art. 27 – Poderão ser criadas escolas noturnas, do mesmo caráter, para adultos, obedecendo às mesmas condições do art. 25. CAPÍTULO IV Do ensino profissional Art. 28 – O ensino profissional, a cargo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, será ministrado: I – No Instituto Benjamin Constant, para cegos; II – No Instituto Nacional de Surdos-Mudos; III – Na Escola 15 de Novembro, para menores abandonados do sexo masculino; IV – História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Nos estabelecimentos, que para o mesmo fim, forem criados ou mandados subordinar ao Departamento Nacional do Ensino. Art. 29 – Os estabelecimentos mencionados no artigo antecedente continuarão regidos pelo regulamentos em vigor na data da publicação dêste decreto, enquanto não forem aprovados os regimentos definitivos. CAPÍTULO V Do ensino secundário Art. 30 – O ensino secundário, oficialmente mantido nas duas seções do Colégio Pedro II (internato e externato) será ministrado na forma dêste regulamento. CAPÍTULO VI Do ensino artístico Art. 31 – O ensino artístico superior será oficialmente ministrado, na parte em que está a cargo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores: I – Pela Escola Nacional de Belas Artes; II – Pelo Instituto Nacional de Música; III – Pelos estabelecimentos congêneres, que forem criados ou subordinados ao Departamento Nacional do Ensino. Art. 32 – Os institutos mencionados no artigo anterior continuarão regidos pelos respectivos regulamentos, observando-se o disposto no art. 29. CAPÍTULO VII Do ensino superior Art. 33 – O ensino superior, a cargo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, compreende os cursos de direito, de engenharia, de medicina, de farmácia e de odontologia. Art. 34 – O ensino de direito será ministrado nas Faculdades de Direito no Recife, de São Paulo e da Universidade do Rio de Janeiro. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 35 – O ensino de Engenharia será oficialmente ministrado na Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro. Art. 36 – O ensino de Medicina, de farmácia e de odontologia será oficialmente ministrado nas Faculdades de Medicina e nas de Farmácia e de Odontologia da Bahia e da Universidade do Rio de Janeiro. Art. 37 – Quando forem criados outros institutos oficiais dos cursos referidos nos artigos anteriores, ficarão êles subordinados aos preceitos dêste regulamento. CAPÍTULO VIII Da organização do ensino secundário e do superior SEÇÃO PRIMEIRA Do patrimônio dos estabelecimentos de ensino secundário e superior Art. 38 – O patrimônio dos institutos de ensino superior, a cargo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, destinado à sua manutenção, administrado pelos respectivos diretores, de acôrdo com êste regulamento, é constituído: a) – pelos edifícios em que funcionam os institutos, pertencentes anteriormente à União; b) – pelo material de ensino e biblioteca; c) – pelas subvenções votadas pelo Congresso Nacional; d) – pelas taxas constantes do art. 40, exceto as de exame, e pelas de certidões, diplomas, e outras, que forem criadas por propostas dos respectivos diretores, observadas as instruções do Diretor Geral do Departamento, e aprovadas pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores; e) – pelas doações e legados feitos aos mesmos institutos; f) – pelos saldos das subvenções anteriores, existentes no Tesouro Nacional. Art. 39 – Os institutos oficiais de ensino secundário e superior têm personalidade jurídica para todos os efeitos. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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§ 1º – Não poderão, porém, comprometer a sua renda presente ou futura, nem alienar bens, sem a permissão do Ministro da Justiça e Negócios Interiores. § 2º – O patrimônio do Colégio Pedro II será administrado pelo Diretor do Departamento Nacional do Ensino, por intermédio da seção de Contabilidade. Art. 40 – As taxas de matrícula, freqüência, exames e outras serão as constantes da tabela anexa e só poderão ser modificadas por proposta dos diretores dos estabelecimentos de ensino, ouvindo o respectivo Conselho do Ensino, por ato do Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Art. 41 – As taxas de matrícula e de freqüência, deduzidas as despesas pagas pelo cofre escolar, de acôrdo com o respectivo orçamento, constituirão patrimônio do instituto. SEÇÃO SEGUNDA Das associações de estudantes Art. 42 – As associações de estudantes, para fins científicos, literários ou de assistência escolar, serão reconhecidas oficialmente, por proposta dos diretores dos estabelecimentos de ensino, ouvidas as respectivas congregações, por ato do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, depois de adquirida personalidade jurídica. Parágrafo único – As referidas associações poderão receber auxílios, que serão consignados nos orçamentos anuais da despesa de cada estabelecimento. Êsses auxílios ficam dependentes da fiscalização da respectiva aplicação e não poderão exceder de 5% da renda da taxa de matrícula. SEÇÃO TERCEIRA Dos programas de ensino Art. 43 – Os programas de ensino dos cursos secundários e superior serão formulados pelos respectivos professôres catedráticos e aprovados pelas Congregações. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 44 – Êsses programas deverão ser submetidos à aprovação antes da abertura dos cursos de cada ano. Art. 45 – Quando o catedrático não apresentar o seu programa, a congregação poderá mandar adotar a do ano anterior ou o de outro estabelecimento de ensino. Art. 46 – Os programas deverão ser organizados de modo a poder ser lecionada tôda a matéria do ano letivo e terão em vista, sempre que for possível, as aplicações práticas da matéria ensinada. SEÇÃO QUARTA Do curso do ensino secundário Art. 47 – O ensino secundário, como prolongamento do ensino primário, para fornecer a cultura média geral do país, compreenderá um conjunto de estudos com a duração de seis anos, pela forma seguinte: 1º ano 1) – Português; 2) – Aritmética; 3) – Geografia Geral; 4) – Inglês; 5) – Francês; 6) – Instrução Moral e Cívica; 7) – Desenho. 2º ano 1) – Português; 2) – Aritmética; 3) – Geografia (corografia do Brasil); 4) – História Universal; 5) – Francês; 6) – Inglês ou Alemão; 7) – Latim; 8) – Desenho. 3º ano 1) – Português; 2) – História Universal; 3) – Francês; 4) – Inglês ou Alemão; 5) – Latim; 6) – Álgebra; 7) – Desenho. 4º ano 1) – Português (gramática histórica); 2) – Latim; 3) – Geografia e trigonometria; 4) – História do Brasil; 5) – Física; 6) – Química; 7) – História do Natural; 8) – Desenho.
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5º ano 1) – Português (noções de literatura); 2) – Cosmografia; 3) – Latim; 4) – Física; 5) – Química; 6) – História do Natural; 7) – Filosofia; 8) – Desenho. 6º ano 1) – Literatura Brasileira; 2) – Literatura das Línguas Latinas; 3) – Latim; 4) – Filosofia; 5) – Sociologia. Art. 48 – O conjunto de estudos do curso secundário integral compreende as matérias acima discriminadas, distribuídas pelas seguintes cadeiras: Português, até o terceiro ano – 2 cadeiras; Português, 4º e 5º anos – 2 cadeiras; Francês – 2 cadeiras; Inglês – 2 cadeiras; Alemão – 1 cadeira; Latim – 4 cadeiras; Matemática – 4 cadeiras; Geografia – 2 cadeiras; História Universal – 2 cadeiras; História do Brasil – 2 cadeiras; Cosmografia – 1 cadeira; Instrução Moral e Cívica – 1 cadeira; Física – 2 cadeiras; Química – 2 cadeiras; História Natural – 2 cadeiras; Filosofia – 2 cadeiras; Literatura Brasileira e das Línguas Latinas – 2 cadeiras; Sociologia – 1 cadeira. § 1º – Haverá, em cada seção do Colégio Pedro II, dois professôres de desenho e, no Internato, dois professôres de ginástica. § 2º – O professor da cadeira de espanhol poderá ser transferido para uma segunda cadeira de português, ficando então extinta aquela cadeira e continuando facultativo o estudo do italiano no 4º ano. § 3º – O estudo da filosofia será geral, embora sumário. § 4º – O ensino das línguas vivas será principalmente prático. § 5º – O programa de ensino da instrução moral e cívica, no curso secundário, constará de ampliação do ensino ministrado no curso primário (art. 55, § 2º), acrescido de noções positivas dos deveres do cidadão na família, na escola, na pátria e em tôdas as manifestações do sentimento de solidariedade humana, comemorações das grandes datas nacionais, dos grandes fatos da História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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história pátria e universal, homenagens aos grandes vultos representativos das nossas fases históricas e dos que influíram decisivamente no processo humano. §6º – No ensino de língua materna, da literatura, da geografia e da história nacionais darão os professôres como temas para trabalhos escritos, assuntos relativos ao Brasil, para narrações, descrições e bibliografias dos grandes homens em todos os ramos da atividade, selecionando, para os trabalhos orais, entre as produções literárias de autores nacionais as que estiverem mais ao alcance ou mais interessar possam aos alunos, para desenvolverlhes os sentimentos de patriotismo e de civismo. Serão excluídas, por seleção cuidadosa, as produções, que, pelo estilo ou doutrinamento incidentes, diminuam ou não despertem os sentimentos construtivos dos carateres bem formados. § 7º – A ginástica será praticada no Internato, sob a direção dos professôres de que trata o § 1º, e de acôrdo com as prescrições do regimento interno. Art. 49 – Constituem séries as provas de conclusão de estudos das matérias, nos diversos anos do curso, assim discriminadas: no 1º ano, instrução moral e cívica; no 2º ano, geografia e corografia do Brasil e aritmética; no 3º ano, francês, inglês ou alemão, álgebra e história universal; no 4º ano, geometria e trigonometria e história do Brasil, no 5º ano, português, latim, cosmografia, física, química, história natural e filosofia. Art. 50 – Não será permitido acesso a um ano qualquer sem aprovação nas matérias do ano anterior, quer nas que forem de simples promoção de um ano para outro, quer nas que constituírem provas de conclusão das diversas séries. Não será facultado, em caso algum, prestar provas finais de mais de uma série em cada ano. Parágrafo único – A prova de francês no 3º ano, será dependente da promoção em português, dêste mesmo ano para o 4º. A promoção e física e química, do 4º para o 5º ano, dependerá História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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da aprovação final em geometria. A prova de filosofia subentende a aprovação final nas outras matérias do 5º ano do curso. Art. 51 – As matérias serão convenientemente ensinadas mediante o número de horas, por semana, que fôr fixado no regimento interno. Art. 52 – Os exames serão de promoção e finais. § 1º – Os exames de promoção constarão: 1) – de provas gráficas de desenhos nos 1º, 2º, 3º e 4º anos; 2) – de provas escritas: a) – de português, francês, inglês, geografia e aritmética, no 1º ano; b) – de português, francês, latim, inglês ou alemão e história universal, no 2º ano; c) – de português e latim, no 3º ano; d) – de português, latim, física, química e história natural, no 4 ano. O desenho no 5º ano, terá em vista a sua aplicação nos cursos superiores, mas o respectivo exame será facultativo, bastando para encerrar o seu curso a prova de freqüência no mesmo. § 2º – Os exames finais constarão de provas escritas e oral das matérias, que constituem as diversas séries, na forma estabelecidas no art. 49 e também de prova prática em física, química e história natural. Art. 53 – As notas mensais e as dos exames de promoção servirão, para prudente apreciação de aproveitamento dos alunos, não podendo porém constituir critério único e obrigatório pra a aprovação, que nos exames de produção, quer nos exames finais. Art. 54 – O certificado de aprovação final no 5º ano do curso secundário é condição indispensável para admissão a exame vestibular para matrícula em qualquer curso superior, suprimidos os exames parcelados de preparatórios. § 1º – Para os candidatos à matrícula da Escola Politécnica haverá um curso de revisão e ampliação de matemática, de acôrdo com as exigências do exame vestibular na referida Escola. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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§ 2º – Ao estudante, que fizer o curso do 6º ano e fôr aprovado em tôdas as matérias, que o constituem, será conferido o grau de bacharel em ciências e letras. Art. 55 – O regimento interno prescreverá as condições para matrícula no primeiro ano das duas seções do Colégio Pedro II, fixando a idade mínima, que não poderá ser inferior a 10 anos. § 1º – O exame de admissão, obrigatório em todos os cursos de ensino secundário, constará das seguintes disciplinas: noções concretas, acentuadamente objetivas, de instrução moral e cívica, de português, de cálculo aritmético, de morfologia geométrica, de geografia e história pátrias, de ciências físicas e naturais e desenho. § 2.° - O padrão do programa de instrução moral e cívica para a admissão no 1º ano do curso secundário, será objetivo e constará do ensino, sempre exemplificado com fatos, de noções de civilidade, sociabilidade, solidariedade, trabalho, verdade, justiça, equidade, amenidade no trato, gentileza, asseio e higiene, amor à família e à pátria, altruísmo, etc. §3.° - O programa de que tratam os parágrafos anteriores, constará de modo preciso do regimento interno do Departamento Nacional do Ensino. Art. 56 - O professor Catedrático do Colégio Pedro II será substituído, nos seus impedimentos, por um docente livre, e, na falta dêste, por pessoa idônea, de preferência diplomado pelo mesmo Colégio, nomeado pelo diretor e percebendo a parte de vencimentos, que o efetivo perder. Parágrafo único. O professor catedrático poderá, no caso de desdobramento de turmas da respectiva disciplina, reger até duas turmas suplementares das turmas efetivas próprias. SEÇÃO QUINTA Do Curso de Direito Art. 57 - O curso de Direito será feito em cinco anos, pela forma seguinte. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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1º ano I -Direito Constitucional; II - Direito Romano; III Direito Civil, 1ª cadeira (Parte geral e Direito de Família). 2° ano I - Direito Civil, 2ª cadeira (Direito de cousas e de sucessões); II - Direito Comercial, 1ª cadeira (Parte geral, sociedades e contratos); III - Direito Administrativo e Ciência da Administração. 3.° ano I - Direito Civil, 3ª cadeira (Direito de Obrigações); II Direito Comercial, 2ª cadeira (Concordatas, Falência, Direito Marítimo); III - Direito Penal, 1ª cadeira (Estado analítico e sistemático do Código Penal e leis modificativas). 4.° ano I - Medicina Pública; II - Direito Penal, 2ª cadeira (Processo Penal, Estatística e Regime Penitenciário); III - Direito Judiciário Civil (Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial); IV - Direito Privado Internacional. 5.° ano I - Direito Público Internacional; II - Direito Penal Militar e respectivo processo; III - Economia Política e Ciência das Finanças; IV - Filosofia do Direito. Art. 58 - Para o ensino das matérias do curso haverá as seguintes cadeiras: 1) - Direito Constitucional; 2) - Direito Romano; 3) Direito Civil, 1ª cadeira; 4) - Direito Civil, 2ª cadeira; 5) - Direito Civil, 3.a cadeira; 6) - Direito Administrativo e Ciência da Administração; 7) - Direito Comercial, 1ª cadeira; 8) - Direito Comercial, 2ª cadeira; 9) - Direito Penal, 2ª cadeira; 10) - Direito Penal, 2.a cadeira; 11) - Direito Penal Militar; 12) - Medicina Pública; 13) - Direito Público Internacional; 15) - Direito Judiciário Civil (Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial); História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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16) - Economia Política e Ciência das Finanças; 17) - Filosofia do Direito. Art. 59 - Ao estudante, aprovado em tôdas as matérias do curso, será conferido o grau de bacharel em ciências jurídicas e sociais. Art. 60 - Ao bacharel em ciências jurídicas e sociais, que fôr aprovado em defesa de tese, ou em concurso para professor catedrático, ou docente livre, será conferido o título de doutor em direito. Parágrafo único. A defesa de tese será regulada no regimento interno das Faculdades. Art. 61 - Aos profissionais diplomados no estrangeiro, que se queiram habilitar ao exercício da profissão no Brasil, será permitido fazê-lo pela forma abaixo prescrita. Art. 62 - Para a inscrição nos exames de habilitação, o candidato deverá juntar atestados de aprovação nas cadeiras de português, geografia do Brasil e história pátria, prestada no Colégio Pedro II, nos ginásios equiparados, ou na forma prevista neste regulamento, e o diploma que possuir, reconhecido no país, que o expedir. Art. 63 - As provas de habilitação versarão sôbre as seguintes cadeiras do curso jurídico: I - Direito Constitucional; II - Direito Civil; III - Direito Comercial; IV - Direito Penal e respectivo processo; V - Direito Internacional; VI - Teoria e prática do processo civil e comercial. Parágrafo único. As provas serão escritas e orais, na forma prescrita no regimento interno, sôbre pontos sorteados na ocasião, dentre os de uma lista organizada pela Congregação. SEÇÃO SEXTA Dos Cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia Art. 64 - O ensino médico será feito em seis anos, pela forma seguinte:
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1º ano I - Física; II - Química Geral e Mineral; III - Biologia Geral e Parasitologia; IV - Anatomia Humana. 2.° ano I - Anatomia Humana; II - Química Orgânica e Biologia; III - Histologia; IV - Fisiologia. 3.° ano I - Fisiologia; II - Microbiologia; III - Farmacologia; IV Patologia Geral. 4.° ano I - Clínica Médica Propedêutica; II - Patologia Médica; III - Medicina Operatória; IV - Anatomia Patológica. 5.° ano I - Clínica Médica; II - Patologia Cirúrgica; III - Clínica Cirúrgica; IV - Higiene; VI - Terapêutica. 6.° ano I - Obstetrícia; II - Clínica Pediátrica Médica e Higiene Infantil; III - Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica; IV Clínica Obstétrica; V - Clínica Ginecológica; VI - Clínica Neuriátrica; VII - Clínica Psiquiátrica; VIII - Clínica Dermatológica e Sifiligráfica; IX - Clínica Oto-rinoLaringológica; X - Clínica Oftalmol6gica; XI - Medicina tropical. Art. 65 - O ensino médico se fará em três cursos: I - Curso fundamental; II - Curso geral de aplicação; III Curso especializado de aplicação. § 1º - O 1º será feito nos três primeiros anos de curso, o 2.° nos dois seguintes e o 3.° no sexto. § 2.° - No curso fundamental as cadeiras básicas serão lecionadas, sem que os professôres se limitem a um objetivo utilitário dominante, devendo organizar o ensino de modo a dar conhecimento de um quadro geral da matéria, com o fim de criar, em seus alunos, um espírito justo, preciso e científico. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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§ 3.° - No curso geral e no. especializado os professôres deverão lecionar, tendo em vista as necessidades profissionais, sendo obrigatórios os trabalhos práticos. Art. 66 - O curso médico na Faculdade do Rio de Janeiro compreenderá as seguintes cadeiras: I – Física; II - Química Geral e Mineral; III - Biologia Geral e Parasitologia; IV - Química Orgânica e Biológica; V Anatomia; VI - Histologia; VII - Fisiologia; VIII Microbiologia; IX - Farmacologia; X - Patologia Geral; XI Patologia Médica; XII - Clínica Médica Propedêutica; XIII Anatomia Patológica; XIV - Medicina Operaria; XV - Patologia Cirúrgica; XVI - Clínica Cirúrgica (1ª cadeira); XVII - clinica Cirúrgica (2ª cadeira); XVIII - Clinica Cirúrgica (3ª cadeira); XIX - Clínica Médica XX - Medicina Legal; XXI - Clínica Médica (1ª cadeira); XXII - Clínica Médica (2ª cadeira); XXIII - Clínica Médica (3ª cadeira); XXIV - Clínica Médica (4ª cadeira); XXV Terapêutica; XXVI - Obstetrícia; XXVIII - Clínica Ginecológica; XXIX - Clínica Neuriátrica; XXX - Clínica Psiquiátrica; XXX Clínica Psiquiátrica; XXXI - Clínica Pediátrica Médica e Higiene Infantil; XXXII - Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica; XXXIII - Clínica Dermatológica e Sifiligráfica; XXXIV - Clínica Oto-rino-laringológica; XXXV - Clínica Oftalmológica; XXXVI Medicina tropical (art. 71). Parágrafo único - Na Faculdade de Medicina da Bahia, as atuais 3ª e 4ª cadeiras de clínica médica serão transformadas nas novas cadeiras de clínica médica propedêutica e de patologia, mantidas as demais cadeiras mencionadas neste artigo. Art. 67 - O ensino da física, assim como o da química geral e mineral, deve ser feito de modo a dar um quadro do estado atual dessas ciências, de acôrdo com a capacidade dos alunos e independente do ponto de vista utilitário. Art. 68 - No curso especializado, só as cadeiras de obstetrícia e clínica obstétrica serão lecionadas em dois períodos; as demais o serão em um período, e de tôdas é obrigatório o exame. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 69 - O curso de patologia médica será feito de acôrdo com o de clínica médica propedêutica, na forma prevista, no regimento interno. Art. 70 - Logo que seja instalado o hospital de clínicas, o Diretor da Faculdade designará o professor catedrático, que, sob a sua superintendência, deve dirigí-lo. § 1º - Prestarão auxílio ao ensino das clínicas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro os hospitais mantidos pela União e os. das fundações. § 2.° - Para êste efeito, o Diretor da Faculdade de Medicina promoverá junto da administração dos referidos hospitais os entendimentos necessários para execução eficiente do disposto no parágrafo anterior, podendo solicitar do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, por intermédio do Diretor Geral do Departamento, as providências, que lhe parecerem convenientes. § 3.° - No entendimento a que se refere o parágrafo anterior serão sempre respeitadas a autonomia administrativa, a disciplina e a ação dos médicos dos mesmos hospitais. Art. 71 - Fica criada nas Faculdades de Medicina a cadeira de medicina tropical, destinada ao ensino das moléstias denominadas tropicais e, especialmente, das que mais interessam à nosologia do nosso país. Parágrafo único. Além dos hospitais a que se refere o art. 70, § 1º, prestarão seu concurso ao ensino de medicina tropical os institutos oficiais, por seus laboratórios, hospitais e filiais, e os institutos das Faculdades de Medicina e os dos referidos institutos e aprovado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Art. 72 - O programa de medicina tropical compreenderá as seguintes partes: a) - etiologia, patologia, patogenia, e epidemiologia das doenças tropicais; b) - clinica das doenças tropicais; c) - anatomia patológica das doenças tropicais. Art. 73 - A cadeira terá os mesmos auxiliares de ensino, que as demais cadeiras de clínica. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 74 - Êstes auxiliares poderão ser escolhidos entre os técnicos dos institutos a que se refere o art. 71, parágrafo único. Art. 75 - Os auxiliares designados para o curso, na forma do artigo anterior, terão uma gratificação pró-labore, arbitrada pelo Diretor da Faculdade e aprovada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Art. 76 - O curso terá caráter puramente experimental e de aplicação. Art. 77 - Os exames de medicina tropical serão de acôrdo com a seriação das matérias do curso médico. Art. 78 - Os exames serão nas mesmas épocas dos demais exames, observado o disposto no artigo anterior. Art. 79 - Haverá, como nas demais cadeiras, segunda época de exames, para os alunos, que na primeira forem reprovados ou que, por motivo justificado, não tenham podido nela prestar exames. Art. 80 - Fica criado, anexo à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o Curso Especial de Higiene e Saúde Pública, visando o aperfeiçoamento técnico dos médicos, que se destinem ao desempenho de funções sanitárias. Parágrafo único Êste curso, que será dirigido pelo Diretor do Instituto Oswaldo Cruz, constituirá uma especialização do ensino médico e será professorado pelos técnicos do referido Instituto, anualmente designado pelo Diretor. Art. 81 - O curso será constituído pelas seguintes cadeiras: I - Epidemiologia e profilaxia gerais. Organização dos serviços de profilaxia especial; II - Biometria e estatística aplicada à higiene; II - Biometria e estatística aplicada à higiene; IV - Saneamento urbano e rural; V - Higiene pré-natal, higiene infantil e higiene escolar; VI - Administração sanitária. Legislação sanitária nacional e comparada. Art. 82 - Para a matricula neste curso serão exigidos: História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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a) - o título ou diploma de médico por uma das Faculdades de Medicina oficiais ou equiparadas; b) - atestado de aprovação no curso de microbiologia do Instituto Oswaldo Cruz, ou exame vestibular das matérias ensinadas nesse curso. Art. 83 - As matérias do curso serão lecionadas num período de 12 mêses e distribuídas de acôrdo com as conveniências do ensino. Art. 84 - Os exames dêsse curso serão prestados perante uma comissão examinadora de três membros, designado pelo Diretor do Instituto, com a fiscalização· do Diretor da Faculdade, a cuja aprovação serão submetidos os respectivos resultados. Art. 85 - A aprovação final nos exames do curso dá direito ao diploma de higienista, assinado pelo Diretor da Faculdade de Medicina e pelo do Instituto Oswaldo Cruz. Art. 86 - Os higienistas diplomados nos têrmos do artigo anterior, terão direito à nomeação, independente de qualquer concurso, para os cargos federais de médicos, que tenham de exercer funções de higiene pública, com precedência absoluta sôbre quaisquer outros candidatos. Art. 87 _. Quando houver conveniência, o Diretor do Instituto poderá solicitar do Diretor da Faculdade o concurso de professôres desta, para a realização de partes do curso de higiene, podendo igualmente, mediante aprovação do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, contratar profissionais de competência especializada para o mesmo fim. Art. 88 - Os técnicos do Instituto, que desempenharem funções de ensino, os professôres designados e os auxiliares de ensino do curso terão gratificação pro labore, arbitrada pelo Diretor do Instituto, de acôrdo com o Diretor da Faculdade de Medicina e aprovada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Art. 89 - O programa do curso será formulado anualmente pelo Diretor do Instituto e submetido à aprovação do Diretor da Faculdade. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 90 - Para estudo e realização de trabalhos práticos dos alunos do curso, guiado, pelos respectivos professôres, será facultada a visita aos estabelecimentos federais cuja ação possa interessar ao ensino. Art. 91 - O Governo poderá aceitar o concurso de quaisquer fundações científica ou humanitárias, para o maior desenvolvimento e aperfeiçoamento do curso de higiene e saúde pública. Art. 92 - Fica criado, anexo à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o Instituto Anatômico, cuja instalação o Govêrno promoverá logo, que fôr oportuno, atendendo ao plano de organização das instalações da Faculdade de Medicina, podendo aceitar para êsse fim o concurso de quaisquer fundações, que se destinem a fins científicos ou humanitários, nos têrmos que forem combinados. Art. 93 - O Instituto tem por fim não só ministrar o ensino da anatomia normal e patológica, de medicina legal e da medicina operatória, como também constituir um centro de pesquisas originais. Art. 94 - O Instituto Anatômico terá cinco departamentos, chefiados pelos professôres catedráticos de anatomia humana, de histologia, de anatomia patológica, de medicina legal e medicina operatória. Parágrafo único - Êstes departamentos serão subdividos em duas seções, uma de ensino e outra de pesquisas originais, e serão assim discriminados: I - Departamento de anatomia normal: a) - seção de anatomia humana; b) - seção de anatomia comparada. II - Departamento de histologia e anatomia microscópica: III - Departamento de anatomia patológica; IV - Departamento de medicina legal; V - Departamento de medicina operatória. Art. 95 - No Instituto Anatômico será organizado um museu destinado ao ensino da Faculdade. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 96 - O Diretor do Instituto será designado pelo Diretor da Faculdade de Medicina de entre cinco prefessôres das cadeiras, que nêle funcionam. Art 97 - As necrópsias de todos os. hospitais do Govêrno, dos hospitais das fundações, dos hospitais particulares subvencionados e do serviço de verificação de óbitos serão realizadas no Instituto Anatômico, quando requisitados os cadáveres pelo Diretor da Faculdade. Art. 98 - O Institui Médico Legal prestará ao Instituto Anatômico os auxílios, sem prejuízo dos respectivos serviços. Art. 99.-- O Instituto Anatômico terá um regimento interno, organizado pelo Diretor da Faculdade e pelos catedráticos que dêle fazem parte. Art. 100 - Quando julgar oportuno, o Govêrno promoverá a instalação do Instituto de Radiologia e de Eletrologia, dirigido por profissional de reconhecida competência, anexo à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e diretamente subordinado ao Diretor da Faculdade. Parágrafo único. - O Diretor dêsse Instituto será professor privativo, dependendo a nomeação de concurso. Art. 101 - O Instituto terá as seguintes seções: I - Roentgendiagnóstico e eletrodiagnóstico; II - Roentgenterapia; III - Radiumterapia; IV - Eletroterapia; V - Mecanoterapia; VI - Fototerapia. Parágrafo único - Haverá dois assistentes para as matérias do nº I e um para as dos n.º II a V, os quais serão docentes-livres; para as do nº I, das cadeiras de clínica, e para as demais seções, da cadeira de terapêutica. Art. 102 - Para os alunos do 4.° ano e do 5.°, do curso médico, haverá, de cada uma das seções do Instituto, um curso dirigido pelo chefe do mesmo Instituto, de acôrdo com programas organizados com audiência dos professôres catedráticos de clínica História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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médica propedêutica, de clínica médica, de clínica cirúrgica, de clínica dermatológica e de terapêutica. Art. 103 - Ao aluno, que concluir os seis anos de curso, será conferido o título de médico, e aos que fizerem defesa de tese, que é facultativa, será conferido o grau de doutor em medicina, título que será também conferido aos médicos aprovados em concurso para professor catedrático ou docente livre. Parágrafo único - O regimento interno prescreverá as regras para defesa de tese. Art. 104 - Para o exercício da profissão médico-cirúrgica no Brasil, os profissionais diplomados no estrangeiro poderão habilitar-se pela forma abaixo prescrita. Art. 105 - Ao pedido de inscrição para os exames de habilitação, o pretendente deverá juntar o diploma, que possuir, reconhecido no país onde foi expedido, e atestado de aprovação nas cadeiras de português, geografia do Brasil e história do Brasil, prestado no Colégio Pedro II, nos ginásios equiparados, ou na forma prevista neste regulamento_ Art. 106 - As provas de habilitação versarão sôbre as cadeiras seguintes do curso médico: I - Anatomia' Humana; II - Histologia; III - Fisiologia; IV - Microbiologia; V - Higiene e Medicina Legal; VI - Patologia Geral; VII - Medicina Operatória; VIII - Anatomia Patológica; IX - Clínica Médica; X - Clínica Pediátrica Medicina e Higiene Infantil; XI - Clínica Cirúrgica de adultos e infantil; XII Clínica Obstétrica; XIII - Clínica Ginecológica; XIV - Clínica Dermatólogica e Sifiligráfica; XVI - Clínica Psiquiátrica; XVII Clínica Oftalmológica; XVIII - Clínica Oto-rino-laringológica; XIX - Terapêutica; XX - Medicina Tropical. Art. 107 - Os exames de habilitação versarão sôbre cada uma das matérias mencionadas no artigo anterior e constarão de provas escritas, oral e prática. Parágrafo único. A inabilitação em uma das matérias impedirá a continuação dos exames na mesma época, das matérias História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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seguintes, os quais só poderão ser feitas depois da aprovação na matéria em que tiver sido inabilitado o candidato. Art. 108 - Para os efeitos do concurso para professor catedrático e docente livre das cadeiras de clínica propedêutica, de clínica médica e de patologia médica, serão elas consideradas como uma só matéria; a mesma disposição se aplica às cadeiras de patologia cirúrgica e clínica cirúrgica e às de obstetrícia e clínica obstétrica. Art. 109 - Fica transformado em Faculdade de Farmácia, anexa à Faculdade de Medicina, o atual Curso da Farmácia, tendo como diretor o da Faculdade de Medicina como atualmente. Art. 110 - O curso de farmácia será feito em quatro anos, pela forma seguinte: 1.º ano I - Física; II - Química Geral e Mineral; III - Botânica Geral e Sistemática aplicada à farmácia. 2.° ano I - Química Orgânica e Biológica: II - Zoologia Geral e Parasitologia; III - Farmácia Galênica. 3.° ano I - Microbiologia; II - Química Analítica; III Farmacologia. 4.º ano I - Biologia Geral e Fisiologia; II - Química Toxicologica e Bromatológica; III - Higiene e Legislação Farmacêutica; IV Farmácia Química. Art. 111 - O curso compreenderá as seguintes cadeiras: I - Física; II - Química Geral e Mineral; III - Botânica Geral e Sistemática aplicada à farmácia; IV - Química Orgânica e Biologia; V - Zoologia Geral e Parasitologia; VI - Farmácia Galênica; VII - Microbiologia; VIII - Química Analítica; IX Farmacognosia; X - Farmácia Química; XI - Biologia Geral e História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Fisiologia; XII - Química Toxicológica e Bromatológica; XIII Higiene e Legislação Farmacêutica. Art. 112 - Ao aluno, que concluir os quatro anos do curso, será conferido o título de farmacêutico. Art. 113 - Em cada uma das cadeiras privativas do curso de farmácia haverá um assistente, que deverá ser um docente livre, quando o houver. Parágrafo único. Os assistentes das mesmas cadeiras do curso médico terão preferência na escolha para assistente de farmácia. Art. 114 - Os professôres da Faculdade de Farmácia reunir-se-ão em Congregação, de acôrdo com o respectivo regimento interno, para deliberar sôbre o que se referir ao ensino farmacêutico, observadas as prescrições dêste regulamento. Art. 115 - As matérias privativas do curso de farmácia serão leciona das por farmacêuticos. Art. 116 - São cadeiras privativas do curso de farmácia as de farmácia galênica, famacognosia, farmácia química, química analítica e química toxicológica e bromatológica. Art. 117 – Terão o título de professôres privativos os professôres destas cadeiras cujas vagas serão preenchidas por concurso, que constará de uma defesa de tese sôbre assunto escolhido pelo candidato, de uma prova prática e de uma prova oral, e será regulado no regimento interno, observadas as disposições dêste regulamento. Art. 118 – as outras cadeiras do curso de farmácia serão lecionadas de preferência pelos professôres catedráticos da Faculdade de Medicina, especialistas nas matérias, e, no caso de recusa dêstes, pelos docentes-livres das respectivas cadeiras, desde que não haja substitutos das mesmas. Parágrafo único. Pelo exercício destas funções terão uma gratificação especial. Art. 119 – Fica transformado em Faculdade de Odontologia, anexa à Faculdade de Medicina, o atual Curso de odontologia. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 120 – O curso de odontologia será feito em três anos, pela forma seguinte: 1° ano I – Anatomia em geral e especialmente de boca; II – Histologia e noções de microbiologia; III – Fisiologia; IV – Metalurgia e química aplicada. 2° ano I – Patologia geral e anatomia patológica, especialmente de boca; II – Técnica odontológica; III – Prótese (1ª parte); IV – Patologia e clínica odontológica. 3° ano I – Clínica odontológica; II – Ortodontia e prótese dos maxilares; III – Higiene, especialmente da boca; IV – Terapêutica. Art. 122 – O curso compreenderá as seguintes cadeiras; I – Anatomia em geral e especialmente da boca; II – Histologia; III – Fisiologia; IV – Noções gerais de patologia, microbiologia e anatomia patológica; V – Terapêutica; V – Terapêutica e arte de formular; VI – Técnica odontológica; VII – Próteses; VIII – Patologia da boca e clinica odontológica; IX – Metalurgia e química aplicada; X – Ortodontia e prótese dos maxilares; XI – Higiene, especialmente da boca; XII – Terapêutica. Art. 123 – Ao aluno, que concluir os três anos do curso de odontologia, será dado o título de cirurgião dentista. Art. 124 – Em cada uma das cadeiras privativas do curso de odontologia haverá assistentes, que serão cirurgiões dentistas, em número de dois para a cadeira de clínica odontológica e de um para as demais. Art. 125 – Os professôres da Faculdade de Odontologia reunir-se-ão em Congregação, de acordo com o respectivo regimento interno, para resolver tudo o que se referir ao ensino odontológico, observadas as prescrições deste regulamento. Art. 126 – As matérias privativas do curso de odontologia serão lecionadas por cirurgiões dentistas. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 127 – São cadeiras privativas do curso de odontologia as de metalurgia e química aplicadas, técnica odontológica, patologia e clínica odontológica, prótese, e ortodontia e prótese dos maxilares. Art. 128 – Terão o título de professôres privativos os destas cadeiras, cujas vagas serão preenchidas por concurso, que constará de uma defesa de tese sôbre assunto escolhido pelo candidato, de uma prova prática e de uma prova oral, e será regulado o respectivo regimento interno, observadas as disposições deste regulamento. Art. 129 – As cadeiras serão privativas do curso de odontologia serão de preferência lecionadas pelos professôres catedráticos da Faculdade de Medicina, nelas especializados, e, no caso de recusa destes, pelos docentes-livres das respectivas cadeiras. Parágrafo único. Pelo exercício destas funções terão uma gratificação especial. Art. 130 – Os vencimentos dos professôres privativos das Faculdades de Farmácia e de Odontologia serão iguais, de acôrdo com a tabela anexa. Art. 131 – Nos concursos das cadeiras privativas das Faculdades de Farmácia e Odontologia poderão tomar parte, quando convidados pelo Diretor, profissionais de reconhecida competência, especializados na matéria das mesmas cadeiras, para constituírem as bancas examinadoras. Parágrafo único. O regimento interno regulará as funções desses examinadores. Art. 132 – A habilitação de farmacêuticos e dentistas diplomados no estrangeiro obedecerá às mesmas regras estabelecidas para a habilitação de médicos, no que forem aplicáveis. Parágrafo único. Os exames versarão sobre as matérias dos cursos respectivos, na forma prescrita no regimento interno. Art. 133 – fica suprimido o atual curso de parteira e criado um curso para as enfermeiras das maternidades anexas às Faculdades de Medicina. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Parágrafo único. Êste cargo será regulamentado no regimento interno das mesmas Faculdades. SEÇÃO SÉTIMA Dos cursos de engenharia Art. 134 – Os cursos de engenharia, na Escola Politécnica, são as seguintes: I – Curso de engenheiros civís; II – Curso de engenheiros eletricistas; III – Curso de engenheiros industriais. Art. 135 – A êsses cursos precederá um curso geral e comum. Art. 136 – O curso geral será feito em três anos, pela seguinte forma: 1° ano I – Geometria analítica e cálculo infinitesimal; II – Geometria descritiva e suas aplicações às sombras e à perspectivas; III – Física experimental e meteorologia; IV – Desenho a mão livre e de ornatos. 2° ano I – Cálculo das variações e mecânica racional; II – Topografia, construção de plantas topográficas e legislação de terras; III - Química inorgânica, descritiva e analítica; noções de química orgânica; IV - Desenho técnico e de convenções. 3° ano I – Geologia econômica e noções de metalurgia; II – Mecânica aplicada às máquinas, cinemática e dinâmica aplicadas e termodinâmicas; III – Resistência dos materiais e grafoestática. Art. 137 – O curso de engenheiros civís será feito em três anos, pela forma seguinte: 1° ano I – Astronomia esférica e prática, geodésia e construção de cartas geográficas; II – Estabilidade das construções, tecnologia do construtor mecânico; pontes e viadutos; III – Materiais de História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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construção, determinação experimental de sua resistência, e processos gerais de construção. 2° ano I – Estradas de rodagem e de ferro; II – Hidráulica, abastecimento de água, esgotos, dessecamento e irrigação; III – Máquinas motrizes, com prévio estudo de motores; IV – Estatística, economia política e finanças. 3° ano I – Arquitetura civil, higiene dos edifícios e saneamento das cidades; II – Portos de mar, rios e canais; III – Organização e tráfego das indústrias, contabilidade pública e industrial e direito administrativo. Art. 138 – O curso de engenheiros eletricistas será feito em três anos, pela forma seguinte: 1° ano I – Eletrotécnica geral; II – Máquinas motrizes, com prévio estudo dos motores (3ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís); III – Materiais de construção, determinação experimental de sua resistência, e processos gerais de construção (3ª cadeira do 1° ano de engenheiros civís). 2° ano I – Medidas magnéticas e elétricas, produção e transmissão de energia elétrica; II – Hidráulica, abastecimento de água, esgotos, dessecamento e irrigação (2ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís); III – Estatística, economia política e finanças (4ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís). 3° ano I – Aplicações industriais da eletricidade; II – Estradas de rodagem e de ferro (1ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís); III – Organização e tráfego das indústrias, contabilidade pública e industrial e direito administrativo (3ª cadeira do 3° ano do curso de engenheiros civís) História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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Art. 139 – O curso de engenheiros industriais será feito em três anos, pela forma seguinte: 1°ano I – Química analítica; II – Máquinas motrizes, com prévio estudo dos motores; (3ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís); III – Docimasia e metalurgia, com desenvolvimento da siderurgia. 2° ano I – Química orgânica, descritiva e analítica; II – Física industrial; III – Botânica e zoologia industriais e estudo das matérias primas; IV – Estatística, economia política e finanças (4ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís). 3° ano I – Química industrial; II – Mecânica industrial, compreendendo o estudo das principais indústrias mecânicas e das máquinas operatrizes correspondentes; III – Organização e tráfego das indústrias, contabilidade pública e industrial e direito administrativo (3ª cadeira do 3° ano do curso de engenheiros civís). Art. 140 – Os alunos matriculados no último ano de qualquer dos curso de engenharia deverão elaborar, na Escola dois projetos completos, relativos ao assunto do curso, que tenham seguido. Um dos projetos será sôbre assunto sorteado, conforme o que estabelecer o regimento interno, e o outro sobre assunto escolhido pelo aluno, mas conforme as indicações do professor da cadeira a que êle se referir. Tais projetos deverão estar concluídos e apresentados até a segunda época de exames e o seu julgamento favorável é condição para obtenção do título de engenheiro. Art. 141 – Para o ensino das matérias dos cursos de Engenharia haverá as seguintes 29 cadeiras e duas aulas: Cadeiras I – Geometria analítica e cálculo infinitesimal; II – Geometria descritiva e suas aplicações às sombras e à perspectiva; História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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III – Física experimental e meteorologia; IV – Cálculo das variações e mecânica racional; V – Topografia, construção de plantas topográficas e legislação de terras; VI – Química inorgânica, descritiva e analítica; noções de química orgânica; VII – Geologia econômica e noções de metalurgia; VIII – Estatística, economia política e finanças; IX – Resistência dos matérias e grafoestática; X – Astronomia esférica e prática, geodésia e construção de cartas geográficas; XI – Estabilidade das construções e tecnologia do construtor mecânico; pontes e viadutos; XII – Materiais de construção e determinação experimental de sua resistência e processos gerais de construção; XIII – Estradas de rodagem e de ferro; XIV – Hidráulica abastecimento de água, esgotos, dessecamento e irrigação; XV – Mecânica aplicada às máquinas,cinemática e dinâmica aplicadas e termodinâmicas; XVI – Portos de mar, rios e canais; XVII – Arquitetura civil, higiene dos edifícios e saneamento das cidades; XVIII – Máquinas motrizes, com prévio estudo dos motores; XIX – Organização e tráfego da industrias, contabilidade pública e industrial e direito administrativo; XX – Química orgânica, descritiva e analítica; XXI - Química analítica: XXII - Química industrial; XXIII - Botânica e zoologia industriais e estudo das matérias primas; XXIV – Física industrial; XXV – mecânica industrial, compreendendo o estudo das principais indústrias mecânicas e das máquinas operatrizes correspondentes; XXVI – Docimasia e metalurgia, com desenvolvimento da siderurgia; XXVII – Eletrotécnica geral; XXVIII – Medidas magnéticas e elétricas, produção e transmissão de energia elétrica; XXIX – Aplicações industriais da eletricidade. Aulas I – Desenho a mão livre e de ornatos; II – Desenho técnico e de convenções. Parágrafo único – O ensino de todas as cadeiras, excetuadas as dez primeiras e as de números XX, XXI, XXII, XXIII, e XXVII, compreenderá a elaboração de projetos: o das cadeiras n° XI, XII,XIII,XIV,XVI,XVII,XVIII,XIX, XXIV, XXV, XXVIII e História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
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XXIX compreenderá, também, a organização de orçamentos; o da cadeira n/ XII envolverá ainda a realização de ensaios dos materiais de construção. Art. 142 – As aulas serão regidas por professores de desenho, que farão executar durante o ano o programa dos trabalhos indicados pela Congregação. Art. 143 – Ao estudante aprovado em tôdas as matérias de cada um dos cursos de engenharia será conferido respectivamente o grau de engenheiro civil, engenheiro eletricista ou engenheiro industrial, podendo usar o titulo de bacharel em ciências físicas e matemáticas quando haja feito todos os exames com aprovações plenas ou distintas. Art. 144 – Ao engenheiro, que fôr aprovado em defesa de tese ou em concurso para professor catedrática ou docente-livre de qualquer das cadeiras do curso, será conferido o titulo de doutor em ciências físicas e matemáticas. Parágrafo único. A defesa de tese será regulada no regimento interno da Escola Politécnica. Art. 145 - Ao profissional diplomado no estrangeiro, em qualquer dos três cursos de engenharia, será permitido habilitar-se para o exercício de sua profissão no Brasil. Art. 146 – Para a inscrição no exame de habilitação deverá o candidato apresentar o diploma que possuir, reconhecido no país que o expedir, e atestado de aprovação nos exames de português, geografia do Brasil e história do Brasil, prestados no Colégio Pedro II, Nos ginásios equiparados ou pela forma prescrita neste regulamento. Art. 147 – Os exames constarão de prova oral e prática, nos têrmos do regime interno, e versarão sôbre as matérias das cadeiras do curso geral e de cada um dos cursos de engenharia.
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