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SÃO PAULO, TERÇA-FEIRA, 29 DE JANEIRO DE 2019 www.metrojornal.com.br
{ALIMENTAÇÃO}
DIVULGAÇÃO
DANIEL PAULY O cientista franco-canadense é referência quando se trata de biologia marinha. Professor e líder do projeto Sea Around Us, no Instituto para os Oceanos e Pescas da Universidade de Columbia, ele esteve no seminário FRU.TO 2019 para falar dos impactos humanos nos oceanos e a indústria pesqueira
‘PESCAMOS DEMAIS’ Sustentável
Fruto 2019
Criado pelos chefs Alex Atala e Felipe Ribenboin, evento, que aconteceu pelo segundo ano consecutivo em São Paulo entre os dias 25 e 27 de janeiro, compartilhou experiências de personalidades mundiais sobre como se alimentar com menos danos ao meio ambiente. Daniel Pauly, destaque desta edição, foi um dos 30 nomes que deram palestra no Unibes Cultural, no bairro do Sumaré. Todas as apresentações contaram com transmissão ao vivo pela internete e, em breve, estarão disponíveis no site: http://fru.to Saiba mais sobre proteção dos oceanos: brasil.oceana.org
Quando o Sea Around Us foi criado e como a iniciativa atua nessa área de preservação das populações oceânicas? O Sea Around Us foi fundado 20 anos atrás para supervisionar os impactos da pesca irrestrita globalmente. Avaliamos as atividades de pesca em nível mundial, de modo que possamos comparar as ações de diferentes países. O objetivo é ajudar as organizações internacionais, bem como as indústrias, a lidar com questões que ultrapassam as fronteiras. A diferença do nosso trabalho para a de outras propostas é que elas só olham para os impactos locais. Qual foi a principal questão surgida a partir dos mapeamentos que vocês têm realizado? O primeiro e mais crítico problema que identificamos foi o quão insuficientes ou incompletas eram as estatísticas até aquele momento. Não era apropriada-
mente registrado o quanto cada país pescava. Muitos países não compartilham informações claras sobre a apreensão de peixes de pequena proporção. Os peixes são coletados em quantidades assustadoras por redes de trama pequena. Mas isso não é claramente reportado. Como a atividade brasileira se insere nessa varredura global? O Brasil não tem estatísticas dessa natureza, em nível nacional, nos últimos dez anos. O que acho muito estranho. O governo brasileiro parou de fazer essa conta. Mas nós temos feito a coleta de dados por meio do agrupamento de estatísticas locais. Você tem os números de quanto as indústrias têm retirado dos oceanos? Estamos pescando 50% a mais do que deveríamos. Isso explica por que tem sido cada vez mais raro con-
seguir extrair em grandes quantidades. A população de peixes está diminuindo mais rápido do que consegue se reproduzir de modo sustentável. O que fazer para reverter o quadro? O que precisamos fazer, e essa é a nossa missão, é perceber que está mais do que na hora de recompormos os estoques de peixe dos oceanos. Restituir a população de peixes ao seu estado natural é uma questão de pescar menos. Até porque, quando você dá o tempo certo para que os cardumes se proliferem e respeita o ciclo correto da pesca, os números são inclusive mais elevados. É basicamente assim: pescar com menos frequência, respeitando limites, significa ganhar em volume. Parece um paradoxo, mas faz sentido... Mas é exatamente disso que se trata. Não é algo que
os consumidores possam assumir como responsabilidade. Não adianta reduzir o consumo. A resposta precisa vir dos governos. Precisa haver uma fiscalização para que se produza menos, com mais discernimento. O gerenciamento da pesca em certas áreas precisa ser regulamentado e acompanhado. Se os governos não fizerem nada, o resultado será inevitável, não haverá mais peixes. Mas você acredita que seja mesmo possível, no panorama de hoje, alcançar uma restituição natural da população de peixes no mundo? Ainda é possível. Se assumirmos esse compromisso agora e os países se comprometerem em determinar à indústria um montante sustentável de pesca, com certeza dá para alcançar o objetivo. Suponho que já estamos numa situação limite pa-
ra essa tomada de atitude, não? Sim. A cada ano que passa e os governos não intervêm, não assumem essa responsabilidade, a situação vai ficando pior. O que fazer quando a própria indústria tem mais autonomia do que a fiscalização do governo? Se as corporações são mais fortes e não se dispõem, acaba ficando impossível regulamentar. Com isso, porém, a indústria estará acabando com o seu próprio negócio. Se pararmos para pensar de modo sensato, um dos beneficiários da recuperação dos oceanos e mares é a própria indústria. Ela vai tirar vantagem de um mercado autossustentável tanto quanto os ambientalistas e a natureza. É bom frisar esse aspecto: trata-se de uma questão de inteligência econômica. EDUARDO RIBEIRO METRO SÃO PAULO