39 minute read

Os incômodos da paixão na prática vivenciada no Jornalismo

dúvida sobre qual profissão iria substituir a decisão inicial de ser docente na área de Matemática conduziu Matheus Malaquias Silva para um caminho de investigação social. O principal sintoma veio com aA conversa com professores em período de formação no Ensino Médio, do qual ouviu o seguinte conselho: “pensa em alguma coisa que você realmente vá conseguir colocar aquilo que você gosta”. Essa frase foi repetida por outras vezes, por outras pessoas, o que contribuiu para que o pensamento do entrevistado tomasse a decisão de se atentar para outras áreas do conhecimento. E é assim que num ato de curiosi dade, ou por acidente de percurso, é que descobriu o Jornalismo.

Poderíamos neste momento considerar a importância da dúvida enquanto método para o processo de conhecimento. Mas para que ela atinja o seu grau devido de profundidade, o sujeito precisa ser lançado primeiro em uma afirmativa. Mesmo que esse sentido de afirmativa esteja incompleto ou sem aprofundamento em sua concepção teórica. Para produzir o sentido inicial do caminho a ser seguido, o sujeito precisa justificar, mesmo que de ordem estritamente subjetiva, algum motivo que o trouxe até aquele espaço e tempo de decisão. É só quando a afirmativa toma sentido de corpo que a dúvida, ao ser instaurada, é conduzida a profundidade em que o dilema assalta o espírito e o conduz inevitavelmente a busca de seu significa do na existência.

Advertisement

A diferença nesse movimento consiste que ao efetivar a segunda natureza de afirmativa, o sujeito estará amparado agora não mais pela hipótese, mas pela própria problemática daquilo que se proporá a fazer. O que significa que nesta segunda natureza, o sujeito está mergulhado no interior de sua decisão, e não como um elemento externo que fica a olhar do lado externo para então, conforme o estado e o limite da contemplação, ele possa se orientar e tomar a decisão.

Matheus Malaquias explica que entrou no Ensino Médio com duas opões muito focadas em sua mente sobre qual profissão seguiria na vida. E as duas estavam definidas para a área de exatas. O ponto de ligação para seguir a área de Matemática veio em uma primeira análise de si mesmo. É aquele momento em que a memória precisa auxiliar o sujeito a identificar, em sua história de vida, momentos ou sinais que relevam aquilo que pertence à preocupação ou simplesmente ao gosto do sujeito.

Eu tive duas opções, desde que entrei no Ensino Médio, muito focadas na minha cabeça. Primeiro, eu sempre tive uma facilidade muito grande com Matemática, então eu pensei em fazer algo mais voltado para a área de exatas. Dei aula de Matemática um ano e falei: ah, vou fazer Matemática. Aí parei pra pensar depois conversando com meu professor e com outras pessoas, ele falou: “pensa em alguma coisa que você realmente vá conseguir colocar aquilo que você gosta”. E aí chega um momento em que a dúvida paira mesmo né? Aí procurei investigar outras coisas, outras profissões e não me limitar na Matemática, na Engenharia ou alguma coisa assim. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Chega um momento em que a dúvida paira diante da certeza afirmativa e o leva para investigação. Há na frase acima dois pontos que se apresentam em contraposição, e porque não dizer, que poderíamos tratar como elemento substantivo para a questão da crise do conhecimento que assalta o entrevistado. É sintomático que esses dois pontos estejam delineados na ordem subjetiva. O primeiro ponto é demarcado pelo mergulho do sujeito em sua experiência vivida, mesmo que seja no campo acadêmico. Matheus Malaquias identifica que sempre teve facilidade com a

68

disciplina de Matemática. E seria coerente prosseguir esse caminho, já que poderia expandir essa potencialidade de forma a materializá-la no dia a dia.

E é com este campo de identificação que o sujeito toma a primeira decisão: vou fazer Matemática. Mas antes de buscar a afirmativa da graduação, a experiência de dar aula na área o conduziu para outro sentido da decisão. E é com este impacto que o entrevistado é levado do movimento da afirmativa para parar e pensar sobre si mesmo. Se o processo interior de experiência vivida se esgota em referências para a autoanálise torna-se necessário redimensionar o campo de orientação. É neste momento que a argumentação subjetiva do simples ter facilidade com determinada área se torna insuficiente para a totalidade do seu ser sujeito, que a definição do caminho profissional tomou o sentido da objetividade.

Há uma importância substantiva ao entendermos que Matheus Malaquias se permite avançar sobre o conhecimento de si ao recorrer aos professores e depois a outras pessoas de sua convivência. Pois é o momento em que o sujeito passa a reconhecer que o saber está na relação comunicativa que se efetiva na realidade existencial com o outro. Para tomar decisões, mesmo que aparentemente esteja somente como ato subjetivo, é preciso afirmar a experiência do outro como fundante para o sentido da realidade.

E assim chegamos ao segundo impasse. “pensa em alguma coisa que você realmente vá conseguir colocar aquilo que você gosta”. A frase levou ao indicativo da dúvida. E com a dúvida surge como expoente esse outro dilema. Para Matheus Ma laquias havia uma diferença entre o que tinha potencialidade, nesta facilidade de aprender Matemática, em relação a procurar levar a sua potencialidade para fazer aquilo que gosta.

Embora o problema de encontrar o que realmente gosta de fazer esteja na ordem subjetiva, a dúvida trouxe outro movimento que se estende para além de seu horizonte. E o primeiro passo foi colocar como possibilidade, e não mais como priori -

69

dade, a proposta de fazer graduação em Matemática ou em Engenharia. Ao se desfazer dessas referências era necessário construir outras que pudessem ter a força para substituí-la. E é nesta procura que uma visita, por curiosidade, a um primo jornalista edificou novas experiências.

Aí eu tenho um primo que é jornalista, ainda não formou, e eu por curiosidade passei um dia de trabalho com ele. Na época, ele trabalhava na Educadora Jovem Pan, hoje ele trabalha mais com assessoria política e é assessor do Odelmo Leão. Eu gostei do dia a dia dele aí fui procurar saber mais do que era o jornalismo e o campo de trabalho, as vantagens que tinha e as dificuldades também apareceram na hora que a gente está pesquisando... Gostei, gostei bastante. Aí já depois que comecei a procurar mais e ter visto o dia a dia dele eu falei: “bom, vou fazer Jornalismo. A Matemática que eu achava que gostava não vai me prender não, vou fazer algo mais diferente, totalmente diferente, aí optei pelo jornalismo. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A curiosidade o conduziu para descobrir outra realidade que não estava mais no campo de exatas e sim no totalmente diferente de Humanas. Quando as opções sobre o que seguir se demole, a experiência vivida, no presente, se encarrega de iniciar o movimento do passado por meio da memória. Mas antes de decidir pelo Jornalismo, Matheus Malaquias inicia uma investigação que o conduzirá anos depois a considerar uma divisão conceitual na própria concepção de Jornalismo: o fazer jornalismo é algo que pertence ao gosto. E portanto responde às indagações que o conduziram para a dúvida. Mas o jornalismo se encerra também em dificuldades, inclusive de ordem financeira.

É possível separar esses dois elementos para se efetivar o conceito de Jornalismo? Ou torna-se necessário confrontá-los conceitualmente para encontrar um elemento de sentido nesta decisão existencial? Na avaliação geral, somado à disposição de alterar completamente a área, Matheus Malaquias então se efetiva como sujeito agora no mergulho do sentido da experiência vivida para afirmar: vou fazer Jornalismo. E enquanto responde a indagação de outros, precisa nesta afirmativa

70

responder a aflição que o conduz a si mesmo: “a Matemática que eu achava que gostava não vai me prender não”. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A pergunta que se efetiva aqui neste momento é: qual a referência em sua história de vida, no passado, o liga para a decisão, no presente, de fazer Jornalismo? A resposta a esse dilema tem de ser buscado, primeiro, no sentido definido pela experiência vivida de Matheus Malaquias com o primo. Embora soe a curiosidade como ponto nodal, o que se efetiva como proposta do sujeito nos conduz a efetivar uma outra leitura interpretativa da realidade. Pois Matheus Malaquias, ao gostar do dia a dia do primo na Educadora Jovem Pan, passou a considerar como prioridade, o gosto por trabalhar em rádio. O gosto de viver o dia a dia em uma rádio. Para que se efetive o poder de argumentação como estudante de Jornalismo, os momentos vividos do passado que percorre esse sentido precisam ser aflorados.

Eu sempre tive, desde menor, muita vivência, principalmente com o rádio. De família. Meu avô escuta muito rádio, minha mãe escutava muito rádio, então eu já entrei na faculdade com uma curiosidade maior sobre o rádio, o veículo de rádio. Mas não o rádio entretenimento, o radiojornalismo. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A curiosidade do radiojornalismo inicia pela experiência com o primo e se justifica no cotidiano, agora evidenciado pela memória, no movimento do passado. Matheus Malaquias entrou para fazer o curso de Comunicação Social – Jornalismo no Centro Universitário do Triângulo (UNITRI), finalizando em dezembro de 2012. Pela natureza exposta da decisão de Matheus Malaquias em fazer o Jornalismo é preciso considerar se em algum momento de sua formação se estabeleceu outra dúvida existencial. E a pergunta que se efetiva é saber se em algum momento houve uma indefinição ou dúvida para sair do curso. O entrevistado é enfático:

Eu acho que no sétimo período foi bem complicado porque a gente vinha de um ritmo de muita prática e caímos no sétimo período que era mais pesado na teoria. A gente voltou pra sala de aula pra fazer projetos. Naquele momento,

71

passou na minha cabeça: “poxa, será que vale a pena continuar ou não?”. Acho que junta o cansaço de final de curso, e na época estava a questão da discussão do diploma, se tinha valor ou não tinha, vamos formar ou não vamos... Aí bateu um desânimo, mas pensar em desistir não. Falar “olha, não quero mais isso” não. Graças a Deus isso não aconteceu. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Será que vale a pena continuar no Jornalismo? A dúvida então novamente paira para levar adiante a decisão de Matheus Malaquias. Se por um lado ele efetivou como afirmativo o gosto pelo Jornalismo, por outro, agora, precisa fazer o enfrentamento das dificuldades do campo. Não se trata de desistir, mas de colocar a frente de si mesmo os dilemas negativos da profissão para tomar consciência da realidade a ser vivida. Não mais como um telespectador curioso que assiste a vivência do primo, mas como escritor da narrativa de sua própria vida. Ao considerar esse confronto, isso não significa que o entrevistado deixou de levar esse aspecto ao optar pelo curso. É que há uma diferença entre levar os dilemas da profissão somente ao campo teórico como hipótese, de quem está no início de curso, em relação a interpretação do imediato futuro ás vésperas de estar graduado.

Ao responder a pergunta se considera que estava preparado para cursar a graduação em Jornalismo Matheus Malaquias já havia comentado:

Eu acho que eu estava preparado. Eu acho que eu...vai muito da mentalidade da pessoa. Eu já sai do Ensino Médio com a minha definição de profissão feita. Eu já queria fazer Jornalismo, mesmo sabendo das dificuldades. Porque é como eu falei no início: financeiramente falando, a gente sabe que não é uma profissão tão vantajosa, as dificuldades de trabalhar no interior também são grandes... Então foi tranquilo porque eu já tinha noção daquilo que eu queria fazer, não tive muito problema não. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Da perspectiva formulada sobre a graduação em Jornalismo Matheus Malaquias apresenta duas questões de ordem contrária. E as duas estão diretamente vinculadas a essa concepção inicial que fez como experiência vivida para definir a si mesmo a

72

importância de cursar graduação em Jornalismo. A primeira é a positiva. O início na graduação lhe indicava que daquilo que traçou para si mesmo como possibilidade no Jornalismo iria se concretizar pelo aprendizado na universidade.

De positivo foi entender que aquilo que eu imaginava realmente poderia se concretizar enquanto profissão. De colocar a mão na prática e saber: “Nossa, isso daqui realmente é o que eu quero fazer”. E a gente chegar e ver que é possível, que a gente consegue. Então isso pra mim foi muito positivo, de saber que eu estava no caminho certo. Porque a gente tem um receio no início, mas foi muito bom quando cheguei e entendi que dava pra fazer o que eu queria, independente da opção, até então, de veículo. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

O receio no início foi dissipado para que Matheus Malaquias pudesse produzir o sentido sobre a produção jornalística. E agora essa consciência sobre a profissão estava diretamente demarcada pelas possibilidades reais de a universidade possibilitar viver o dia a dia da profissão. Mas o elemento negativo identificado pelo entrevistado estava voltado para outro setor de enfrentamento da qual não constava, pelo menos em sua percepção.

O incomodo sentido por Matheus Malaquias se refere ao fator que conduziu outros estudantes a realizar o curso de Jornalismo: o glamour. Trata-se de um glamour exagerado em que muitas vezes se perde a noção do próprio sentido do Jornalismo, enquanto tempo de formação, para um espaço a ser ocupado no futuro. E esse espaço estava mais voltado para um individualismo, em que o sujeito vislumbra o aparecer na TV ou ser apresentador do Jornal Nacional como meta. E não se trata de um reducionismo articulado somente por alunos.

O que me colocou no ponto negativo foi, no início, a gente achar – porque muita gente no início acha que jornalismo é glamour. Então isso me incomodou no início. Você já entrar na faculdade “não porque eu sou jornalista, estou fazendo jornalismo. Vou trabalhar na TV, vou apresentar o Jornal Nacional”. Isso me incomodava no início. Não é muito voltado para a parte acadêmica, acho que, academicamente falando, eu não tive nada negativo assim. Mas esse glamour

73

exagerado, que às vezes até profissionais que davam aula pra gente tinham também, isso me incomodava bastante no início. “Não, eu sou jornalista, vou trabalhar como jornalista, aparecer na TV, escrever no jornal...”, isso me incomodava. Agora, quando eu olho na parte acadêmica acho que não tem nada que me incomoda assim não. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

O primeiro impacto negativo então se efetiva por identificar o individualismo exacerbado no comportamento dos alunos de sala. E, por um reducionismo, sobre a concepção do que é o Jornalismo. Nota-se que o tom disparado pela narrativa do entrevistado é o estranhamento de alguns em relação ao próprio dia a dia do Jornalismo. O glamour estava direcionado para um quadro suposto de fama de apresentar um telejornal ou de ser visto pelo Brasil todo por meio do Jornal Nacional. E nesta preocupação, qual a importância da produção Jornalística para a sociedade? Como se preparar de uma forma melhor, do ponto de vista teórico, para tomar consciência sobre a realidade vivida e com isso produzir um Jornalismo com profundidade?

As perguntas aqui efetivadas, sem respostas adequadas, sinalizam o estado de incomodo. Porque não se trata de mera descrição crítica do estado de corpo e es pírito daqueles que buscam o glamour como fim em si mesmo. Mas trata do sentido do aprendizado teórico no exercício do pensar a si mesmo como formado, como jornalista. Talvez seja por isso que em meio a crítica sobre o excessivo glamour, a Teoria na universidade apresenta como contraponto. A Teoria não incomodava, e não havia nada de negativo. E assim se configura na produção de sentido de Matheus Malaquias esse elemento de contraponto: a representação dos alunos a partir do imediatismo do glamour sobre a profissão; e a produção de identidade de si ao encontrar na teoria a consistência importante para entender o próprio sentido da prática.

A teoria para mim foi mais vantajosa porque eu comecei a entender um pouco por trás... Porque se faz assim, porque não pode fazer assado... essa parte era interessante, de entender o motivo das coisas. Mas a prática sempre me

74

chamou mais a atenção, de querer fazer. Eu acho que fazendo a gente aprende, a gente erra, a gente muda. Então, fazendo para mim era a melhor parte, era praticar. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A teoria surgiu como vantagem diante de um sujeito que entrou no Jornalismo depois de avaliar a prática do dia a dia da profissão. Por isso, a frase de Matheus Malaquias tem um peso sintomático. É importante porque a prática aqui, já sabemos, está longe de ser adereço para o glamour. O que se acrescenta aqui é o distanciamento crítico da técnica para o reducionismo ou de ser empregado somente como contingência de reforço. Não é o exercício repetitivo que levará ao sentido. Mas o processo de conhecimento consiste neste desafio: se você consegue aprender com seus próprios erros, você muda para alguém de modo substantivo.

E, nesta complexidade, Matheus Malaquias afirma que a teoria foi vantajosa, mas a prática para ele era a melhor parte. E assim o praticar foi deixando cada vez mais a lógica da repetição para se efetivar com o sentido da práxis comunicativa. É na realidade do Jornalista que vive seus dilemas, tensões e conflitos, que a teoria precisa ser descortinada para produzir o sentido da prática. É bem possível que esta discussão tenha possibilitado esse mergulho do entrevistado em sua formação teórica. Em sua análise sobre a formação teórica na universidade, sobrevém a resposta:

Eu tive excelentes professores na faculdade. A avaliação teórica - tudo quando a gente fala de teoria é um pouco mais complicado porque você fica ali no livro, texto, você faz estudo, é resenha... então é um pouco mais pesado. Ainda mais no Jornalismo em que você vislumbra sempre o dia a dia, a prática, né? Mas foi uma formação muito bacana porque nossos professores, na ocasião, estavam, estão ainda, no mercado de trabalho. Então a gente tinha o dia a dia de teoria mas sempre tinha aquelas inserções de práticas, de exemplos no dia a dia de coisas bem pontuais. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Há, no primeiro momento, uma dissociação sobre o conceito de teoria: tem a ver com a produção de texto, leitura de livro que conduzem para pensamentos conceituais. E é ao reconhecer a resultante do aprendizado de teoria que Matheus Ma-

75

laquias edificou sua base de formação. Essa base se efetiva como importante diante de uma profissão no qual se vislumbra à prática. Com base nesses dois elementos, profissional e prática, é que compreendemos esse segundo momento de análise. A formação profissional na universidade se configura como importante também porque os professores, que propuseram o ensino teórico, estavam ainda no mercado de trabalho. E com isso o aprendizado passou a ter acrescido, de forma natural, inserções de práticas do dia a dia da profissão.

A existência do dia a dia da teoria era desvelada, desnudada e analisada pela orientação do cotidiano da prática. Mesmo em uma disciplina tão pesada, como Teorias da Comunicação:

E a teoria da faculdade que eu fiz era muito boa. Por exemplo, quando eu comentei da Teorias da Comunicação, que eu acho que é o que todo mundo “pega’ na faculdade de Comunicação, foi uma teoria pesada tem bastante coisa; mas trazendo essa realidade do dia a dia, do profissional na rua- que é onde eu acho que o jornalista tem que estar – foi bem tranquilo. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

As afirmativas de Matheus Malaquias já designa a funcionalidade do conheci mento em Jornalismo. O jornalista é um profissional que tem de estar na rua. É neste espaço e tempo de atuação que o aprendizado deve possibilitar a produção de sentido. Aqui explica o termo pesado para a disciplina de Teorias da Comunicação. Embora a narrativa demarque que os insites do dia a dia da prática possibilitaram trazer para o plano da formação esse olhar crítico. Três anos depois de formado, a memória do entrevistado traduz essa experiência por meio de uma palavra para definir a experiência vivida na universidade: conhecimento.

Como se traduz o conhecimento dentro da lógica de pensamento que vem sendo estruturada pela narrativa de Matheus Malaquias? O conhecimento é aquilo que ultrapassa a natureza informativa sobre o que é o Jornalismo daqueles alunos que ingressaram na universidade. Quando definiu que o Jornalismo seria o curso de gra-

76

duação que faria, Matheus Malaquias construiu uma base de sentido para conceituar o curso, mesmo que de forma restrita. A universidade, para que se configure nesta afirmativa sobre o conhecimento, deveria conduzi-lo para algo além desta limitação. E o elogio do aprendizado teórico e prático demarca bem a memória de formação teórica do entrevistado.

Para a prática, não é de se surpreender que o destaque da narrativa tenha sido sobre a disciplina de radiojornalismo. E assim, ao aprender para além da limitação do como funciona uma rádio, o entrevistado passa agora a estabelecer outros elementos de referência que permite conceituá-lo. E afirma, no tempo presente, que o gosto pelo rádio foi se constituindo como fator de sua construção de identidade.

A gente fazia muita aula de rádio lá na Unitri, lá tem um laboratório muito bacana. Eu sempre gostei de rádio, quando eu fui pra prática na faculdade eu falei “é isso que eu quero fazer”. Tem a questão da imaginação, é o veículo mais veloz que tem, eu dou informação com celular de qualquer lugar a qualquer hora, isso a internet não me possibilita. Mesmo ela sendo rápida. Vou ter alguém pra escrever o texto, alguém pra revisar o texto, alguém pra subir pro ar, isso pode levar tempo. No rádio, não, no radio isso é imediato. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A imaginação e a velocidade com que a informação poderá ser disposta por meio do celular em qualquer tempo e espaço se efetivam como justificativas nesse processo de construção de conhecimento. E aqui vem como crítica o contraponto ao Jornalismo Digital, em que essa relação de imediato não supera o rádio. Porque para postar na internet será preciso alguém para escrever, revisar e postar o texto. Mas seria reducionista se a interpretação desses dois valores sobre o rádio fossem somente utilizados como contraponto à internet. Se tomarmos como um dos pontos da narrativa do entrevistado que noventa por cento dos alunos da sala levantaram o braço ao ser perguntado sobre o interesse em TV, e somente ele pelo interesse em rádio, esses valores tomam outra dimensão analítica.

77

Qual mergulho interpretativo se pode efetivar então para a imaginação e essa velocidade? Há uma tentativa lógica de explicitar que o rádio mantém como identidade um valor da sua tradição ao mesmo tempo em que conseguiu se constituir no tempo sem ser considerado como atrasado do contexto da modernidade - ou da sua crise. Primeiro porque o sentido do jornalismo, ao ser deslocado para a rua, assume que, na relação com o público, é essa produção de sentido que estabelece como força comunicativa. E assim a crítica poderá ser feita no contraponto daqueles veículos de informação cuja racionalidade apresenta obstáculos para que os sentidos ultrapassem os limites da percepção.

Ao considerarmos essa linha interpretativa temos de compreender que a imaginação não está delineada pelo procedimento do uso da rádio, mas da conceituação do processo comunicativo em que podemos problematizar o cotidiano do jornalista. E assim a imaginação toma o significado teórico. E porque não, se aproxima de uma linha epistemológica em que se desvela o fator do qual se constitui, na relação com o público, o processo de conhecimento.

Isso porque o segundo elemento, na qual se refere a velocidade da informação está diretamente voltada ao meio tecnológico rádio. Em determinado momento poderíamos objetar aqui: mas não poderia ser a velocidade da informação ser re conduzida, de procedimento, para a própria constituição de identidade da rádio? A pergunta tem o sentido analítico, ainda mais se considerarmos determinadas teorias estudadas em Teorias da Comunicação. O primeiro contato que desvia desse campo é a ausência de um atributo substantivo para o veículo rádio quando afirma sobre a velocidade de informação, esse imediato do rádio. Soma-se a isso as indagações que levam o sujeito a conceituar o jornalismo: estar na rua com as pessoas. Esse fator nos redireciona ao segundo contato de desvio de uma possível acusação de que poderia recair em um determinismo tecnológico ou regra funcional: ouvir as pessoas.

78

Matheus Malaquias em determinado momento utiliza o termo ouvido curioso. E por sinal faz uma interligação entre o sentido da prática aprendida na universidade com o sentido da prática no mercado de trabalho.

Obviamente que junto com prática da faculdade eu acho que quem trabalha com rádio tem que ter, além da prática da faculdade, ouvido muito curioso: ouvir outras pessoas, ouvir vários tipos de programas de rádio, às vezes não só AM, ouvir também FM porque aí a gente aprende também. Então quase 100 %, ou 100% do que eu fiz nas minhas aula de rádio-, errei bastante lá também – a gente traz pra cá. E ouvir, eu acho que isso também que é importante nas aulas de rádio que a gente faz na faculdade, orientação do seu pro fessor. A gente fazia muita coisa praticando na faculdade. E sempre orientação de ouvir, ouvir outras pessoas, outros veículos, outros profissionais. Até pra você entender as formas que têm de trabalhar, como você pode fazer, o que você não pode fazer. A gente às vezes pega isso também ouvindo as outras. Então a prática foi extremamente importante para o meu dia a dia hoje enquanto profissional. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Há uma série de leituras que podemos fazer ao considerar os elementos indiciados pelo entrevistado sobre essa função do ouvir. E, em boa parte deles ultrapassa o sentido do ato perceptivo. A orientação de ouvir outras pessoas está demarcando o próprio sentido existencial do rádio. Em um âmbito está nesta relação comunicativa de ouvir as outras pessoas. O que nos remete em entendermos que a força da imaginação do rádio se estabelece aqui no processo comunicativo, em que tanto o jornalista, quanto o público precisam se nortear por esse fator epistemológico para construir o conhecimento.

Se pudéssemos colocar em uma frase poderia ser disposta com o seguinte entendimento: para que o sentido preferencial da informação seja produzida no rádio é preciso que o jornalista ouça as pessoas na rua para que elas possam, constituída pela imaginação, ouvi-lo em novo lugar de produção de sentido. E esse processo pode circular de forma imediata, sem que isso constitua por si mesmo em recair na superficialidade do tema.

79

É preciso também ouvir outras emissoras, outros tipos de programas de rádio. São referências para pensar o si mesmo, enquanto conhecimento subjetivo, assim como aperfeiçoamento profissional. E neste insistente movimento formativo do ouvir é que se abre as palavras que serão expostas na constituição da fala do jornalista em rádio. Se aprofundarmos esta concepção, por meio da teoria, poderíamos novamente chegar a uma relação constitutiva entre emissor e receptor no qual o ouvir e o falar se interligam como processo comunicativo. E esse elemento toma mais for ça quando o entrevistado explicita que quase cem por cento do que aprendeu na prática universitária se deslocou para a prática no mercado de trabalho.

A memória de formação prática traz como elemento identificativo inclusive o nome do professor responsável por esse procedimento:

Então a prática em si, a gente teve um professor muito bom também uma época, o Sergio Gouvea, tudo que eu coloco hoje em prática, a gente sempre está melhorando, mas eu tenho certeza, saiu de lá das práticas que fiz na faculdade, forma de falar, questão de colocação de palavras, às vezes você toma cuidado em como você coloca uma palavra ou não porque quando a pessoa ouvir pode sair de outra forma. Enfim, a prática em si eu trouxe quase tudo do que eu vi na faculdade. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A frase nos coloca diante do significado produzido pelo entrevistado sobre radiojornalismo. E esse significado vem demarcado por um nome, mais precisamente pelo reconhecimento do docente cuja metodologia de trabalho trouxe para a identidade de Matheus Malaquias a profundidade da experiência vivida. A narrativa do presente integra três momentos em um mesmo sentido interpretativo que podemos enumerar no lado positivo do entrevistado. O momento de ter gostado do radiojornalismo ao satisfazer a curiosidade de acompanhar o dia a dia do primo em uma emissora. A satisfação da teoria e prática da disciplina de radiojornalismo cuja metodologia o conduziu para o cerne da questão do ouvir o outro como sustentação te-

80

órica. E a compreensão de que a realidade do mercado de trabalho está em sintonia com o exercício prático da universidade.

Entretanto, no momento em que parece encerrar a linha que demarca a interpretação comunicativa do entrevistado, temos de ser levado também ao outro lado do conflito que envolve Matheus Malaquias. O primeiro passo está na argumentação de que nem tudo que aprendeu de forma teórica cabe na lógica pragmática do mercado de trabalho. E assim, pela primeira vez, a velocidade da informação narrada tempos atrás como principal fonte para entender o rádio, é colocado como obstáculo a ser transposto. Pois a mesma velocidade da qual a Internet não consegue supe rar o rádio, é o mesmo fator de limitação, seja da temporalidade da produção jorna lística, seja para a utilização dos elementos teóricos em sua totalidade, como aprendeu na universidade.

Quando a gente está na faculdade, a gente aprende a fazer tudo muito correto. Eu acho que isso é fundamental porque você tem que entender o motivo das cosia e o porquê da gente estar fazendo essa coisa. Quando a gente vem para prática, a gente percebe que, às vezes, por tempo - porque hoje tudo é questão de tempo, velocidade, às vezes a informação não pode passar - aquilo que você vê na teoria não dá para aplicar totalmente na prática. Eu acho que essa visão da teoria é bacana nesse sentido de preparar a gente pra fazer o certo em qualquer momento e te deixar preparado também pra quando você vem para o lado de cá [mercado de trabalho]: você vê que aquilo que aprendeu, mesmo que não aplique da maneira mais assertiva ou 100%, aqui você consegue trabalhar também sem maiores problemas. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Do aprendizado da teoria na universidade somente em poucas situações se pode aplicar totalmente. Isso porque a velocidade exigida da informação se torna incompatível com todo o desenho que deve ser produzido a informação, a partir do ensinamento da universidade. Porque o hoje, o elemento de sentido do rádio, não é só a imaginação. O hoje também estabelece esse outro contraponto: tudo é questão de tempo, de velocidade. Então temos de retornar ao problema central do sentido do rá-

81

dio: em que medida essa velocidade, que tratamos anteriormente como procedimento, se transfigura aqui em outra demarcação teórica em que a tecnologia passa a ser elemento substantivo do que denominamos comunicação? Em que medida essa velocidade, apresentada agora como correria e pressa do trabalho, pode desfigurar a construção epistemológica do ouvir as pessoas no processo de conhecimento?

Então, minha grande dificuldade ás vezes é trazer o que a gente aprende na faculdade hoje para o veículo onde a gente trabalha, onde a maioria das pessoas não tem essas mesma visão. Então, por exemplo, eu fui produtor na rádio aqui um ano. No início, os scripts, materiais de pauta eram todos bem desenhados naquele formato que a gente conhece bem, com sinalização de pergunta, destaque pra pegar um gancho diferente, enfim. Eram pautas extremamente bem elaboradas. A gente passa para um profissional que não tem essa mesma graduação, a gente percebe que esse trabalho todo, ás vezes, não tem valor para ele. Então assim, na questão, aí a gente volta na correria que falei, na velocidade do rádio, então, às vezes, você opta por fazer alguma cosia mais simples, mas não exatamente aquilo que você aprendeu na faculdade. Então assim, é uma adaptação. Mas não entendo que a teoria não serve de nada. Para a gente chegar nessa visão você tem que ter a teoria. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

É necessário se adaptar diante da nova realidade que se apresenta de um mercado em que há profissionais formados na universidade e outros que se formaram na prática. Essa adaptação incide em adaptar um fator operacional: da pauta bem desenhada para uma pauta simples. Porque a elaboração da pauta da forma como aprendeu na universidade, não tem valor para esse outro profissional mergulhado na exigência de velocidade do mercado de trabalho. Mas temos de entender que em meio a crítica ao mercado, Matheus Malaquias vai, a todo momento, afirmando a importância da teoria. E acrescenta que até para discernir a desvalorização do processo diante do outro, prático, no mercado de trabalho, é preciso ter teoria. A questão aqui é indagar: até que ponto o entrevistado irá levar a defesa da teoria neste confronto com os elementos negativos do Jornalismo?

82

A pergunta acima permite considerar as estratégias de análise do entrevistado diante do impasse no próprio jornalismo. O primeiro impacto é identificar que não se trata efetivamente do problema de compreensão do jornalista, mas, por vezes, na diferença conceitual dos que são formados na universidade e aqueles somente da prática. Temos de retomar aqui a outra frase que o trouxe incomodo e dúvida sobre seguir o curso de graduação, quando estava no sétimo período: a desvalorização do diploma. Para se formar ele teve de atravessar esse fator de dúvida, no último ano de formação, e responder de forma afirmativa sobre esse sentido.

Esse é o momento em que a responsabilidade social tem de ser entendida na análise sobre a produção jornalística que temos de perguntar sobre o sentido histórico do Jornalismo. Será que podemos definir o trabalho jornalístico como histórico? Se é um trabalho histórico, em que sentido ele é histórico? E o fato, por exemplo, de eu não ter, muitas vezes, uma compreensão sobre o que eu estou fa zendo, eu posso até fazer, mas não tenho uma compreensão sobre o significado do que eu faço, eu posso entender como um fator histórico? A resposta a essas indagações veio estruturada em dois fatores diferenciados. O primeiro refere-se ao registro de contar história:

Eu acho que a gente faz história sim. Primeiro pelo fato da gente poder contar histórias. Eu acho que esse é um papel bacana do jornalista, seja em qual veículo for. A gente está registrando, acompanhando, isso fica arquivado, registrado, isso é história. Eu acho que o jornalista faz parte da história e até con tribui para que ela às vezes não se perca. Quando a gente fala de cobertura jornalística, às vezes a gente vai resgatando fatos, até pelo próprio trabalho que a gente tem, que às vezes as pessoas nem lembram disso. Então esse trabalho também é importante. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

O jornalista tem o papel de registrar o fato e ao mesmo de lembrar a sociedade sobre fatos ocorridos no passado. Essa parece ser a tônica definida por Matheus Malaquias para nos defrontarmos com o valor da produção jornalística. Porém, em

83

meio a essa afirmativa, soa em meio a frase a ideia de história como mero registro e arquivo, documento em que as pessoas poderão verificar no futuro. Podemos considerar que há uma lacuna ainda a ser preenchida com essa resposta, se relembrarmos que o conceito de Jornalismo apresentado pelo entrevistado está no ouvir as pessoas. E é assim que o conceito de fazer história se desloca do subjetivo para se edificar no processo comunicativo.

Agora, essa questão de fazer história é um pouco delicada porque vai da concepção das pessoas também do que é fazer história, né? Eu entendo que, principalmente no rádio, que é um veículo mais comunitário, a gente acaba fazendo história sim. Mas é uma história um pouco diferente de quem faz TV, web, por exemplo. A gente trabalha com um público muito... o foco do rádio hoje em Uberlândia é muito comunitário. Ás vezes quando a gente faz história a gente pode avaliar a história da comunidade que a gente está inserido mesmo. As pessoas tem o rádio e o jornalista que está à frente do rádio como um meio de ser visto, de se fazer valer. Quando eu falo fazer história, é fazer história para essas pessoas, para essa comunidade. Seja levando uma informação bacana para ele, seja mudando a própria história dele, através dos veículos de rádio que hoje, graças a Deus, a gente tem esse poder. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Qual a concepção de história de Matheus Malaquias? Pela resposta desferida acima a concepção está em afirmar que a história que se efetiva é o da relação com a comunidade. Se faz história ouvindo essas pessoas e para essas pessoas. E aqui surge outro sentido: levar a informação para o outro ao ponto de que ele possa mudar a sua própria história. Esse é o momento em que a história deixa de ser mero registro para se efetivar na circulação e consumo da mensagem no cotidiano das pessoas. Ou poderíamos aqui conceituar: a história da comunidade se efetiva neste complexo diálogo do sentido preferencial do rádio em contraponto a produção de sentido do ouvinte.

Assim como os elementos afirmativos são buscados nos dilemas da prática jornalística, mesmo movimento necessita ser feito para entender os pontos emblemáticos do jornalismo. E a avaliação exige sair de liberdade subjetiva total do jornalista para

84

a estrutura jornalística. Será que esse fator levará Matheus Malaquias a redefinir suas concepções? Nem tanto redefinir, mas há um momento em que os pontos negativos são levados ao plano de debate, porque está mergulhado na realidade do sujeito que narra. Qual a avaliação da produção jornalística? O entrevistado então é levado a problematizar esse outro fator que denomina como pecado atual do jornalismo:

O jornalista tem compromisso com a verdade. Só que em alguns momentos, as vezes, a gente não consegue ser tão verdadeiro passando uma informação. Não que a gente vá mentir, mas hoje as grandes empresas de comunicação estão ligadas à grandes empresas, grandes políticos, grandes nomes. E às vezes é difícil você colocar uma informação que talvez não agrade quem comanda a empresa, aquele grupo de pessoas. Então eu entendo que hoje o jornalista em si até pra conseguir fazer seu trabalho da maneira mais tranquila possível, às vezes tem tropeçado nesse ponto. Se é algo que aconteceu que vai incomodar A ou B é um fato é uma notícia, a gente tem que passar. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Eis aqui o contraponto entre a dialética vivenciada sobre o jornalismo por Matheus Malaquias. O jornalismo tem compromisso com a verdade. Só que em alguns momentos a prática impossibilita de ser tão verdadeiro. Não se trata de mentir. Mas para quem é responsável por construir a história junto com a comunidade, na qual o ouvir se efetiva como construção epistemológica do conhecimento, é um impacto gritante. Para o entrevistado, como já acostumamos a entender, toda gravidade que conduz a dúvida se denomina pelo tratamento de incômodo. E esse incomodo se estende para outros pontos que remetem essa gravidade.

E hoje eu percebo, aqui em Uberlândia nem tanto, mas também tem, a gente não pode ser hipócrita, que os veículos de comunicação às vezes são muito tendenciosos, principalmente quando a gente fala de política. Então assim, eu entendo que não é o trabalho do jornalista em si, mas é uma diretriz que é passada pelos jornais: “a gente tem uma linha editorial, a gente vai falar as sim, isso aqui a gente vai evitar falar ou vai falar dessa forma”. Então isso me incomoda. Mas, ao mesmo tempo que me incomoda, eu tenho uma ciência de que é a realidade que a gente tem hoje. Talvez mudar isso, depende da gente também. Mas o que me incomoda são exatamente esses pontos, da gente sa-

85

ber dessas cosias, colocar de uma forma que talvez não é a melhor, não é a mais clara. É trabalhar de uma forma que incomoda menos esse grupo, pra trabalhar menos com esse grupo, pra facilitar esse grupo... Então isso me incomoda, eu entendo que a gente tinha que ter mais tranquilidade pra trabalhar. Trabalhar com aquilo que de fato é, que realmente aconteceu; se aconteceu é assim e essa é a informação. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

O incomodo sentido por Matheus Malaquias, aqui descrito, está em uma outra ordem teórica. Enquanto o reducionismo do trabalho no mercado era somente em simplificar os procedimentos aprendidos na universidade, a crítica poderia ser desferida para os profissionais que não passaram pela universidade. Mas há um momento em que a velocidade do tempo em produzir se efetivou também com essa demarcação. E desta forma, o problema sai da ordem subjetiva para recair na estrutura. E é assim que as grandes empresas, os grandes políticos eliminam aquilo que demarca o prazer de ser jornalista: a tranquilidade para apurar o fato e levar o que realmente aconteceu para a população. Hoje tudo é questão de tempo.

O ponto crítico aqui está em identificar que a prática, tão importante para a pro dução da identidade do ser jornalista de Matheus Malaquias, se torna afetada. O que incomoda é que essa violência da estrutura que leva o jornalista ao distanciamento da verdade, que poderia ser narrada ao público, é a realidade vivenciada nos meios de comunicação. Essa falta de tranquilidade, estendida para a gravidade anunciada, refere-se ao problema de consciência.

Será que depende do jornalista essa mudança? Para Matheus Malaquias, talvez. Esse talvez ressoa exatamente no momento em que o sujeito tem consciência de que o confronto não está somente na ordem subjetiva ou num problema direcionado de formação da universidade. Há algo que se vai além desses fatores. Se formos recuperar uma frase do próprio entrevistado: é preciso ter teoria para reconhecer a estrutura que o violenta e retira a paz na produção de sentido. Como poder afirmar para a co-

86

munidade que se faz jornalismo direcionado para ela, se cabe a esse grupo de grandes empresas demarcar, em determinadas situações, o que deve ser publicado?

Há um determinado momento em que o entrevistado é conduzido, nesta linha interpretativa, a afirmar: “o trabalho do jornalista hoje eu entendo que está muito mais nas mãos dos grupos de comunicação”. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015) E com essa crítica estrutural se retorna ao dilema da historicidade do jornalismo. Que tipo de história está sendo narrada pelo jornalista se considerarmos a hierarquização entre ideologia da empresa, conhecimento e depois o público? Matheus Malaquias argumenta: É o ponto. Talvez será que é a história que realmente acontece? Ou é a história que as pessoas preferem que a gente conheça? Então, assim, vai muito do papel do jornalista, por isso que a formação é importante. Tem que ter uma forma bem tranquila para trabalhar porque essa questão de fazer uma história... é muito tênue, né? Você está no seu veículo, um veículo de comunicação que tem uma linha editorial que às vezes pode interferir nessa história que a gente está falando. Mas é uma situação que vale muito a discussão. Por isso que, quanto mais o profissional de comunicação está preparado para poder lidar com todos os fatos- público, ideologia, empresa, melhor. Pra gente tentar seguir a melhor forma de trabalho possível, pra deixar a interpretação, a análise dos fatos para seu público, no caso, o ouvinte. Ele é que tem que decidir, a gente não tem que decidir nada pra ele. A gente tem o papel formador, papel histórico de apresentar os fatos, as versões e os lados que estão envolvidos e ponto. Aí talvez seja a importância da história. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

Para se efetivar ou fazer a história é imprescindível proporcionar ao jornalista tranquilidade em seu trabalho. Até porque há uma linha tênue entre o público, a empresa e a ideologia do jornalista. O jornalista tem esse papel formador que se configura em produzir um documento histórico. A crise é quando se defronta com uma estrutura cuja prática obriga o jornalista a ir reduzindo os elementos que consistiriam em verdade a ser publicizada. Mesmo diante deste impasse, Matheus Malaquias, ao ser perguntado sobre o que é ser jornalista volta a recontextualizar os

87

problemas da profissão. E entoa que ser jornalista está diretamente vinculado a esse sentimento de paixão: O que é ser jornalista, Matheus?” É você fazer aquilo que você gosta, abrir mão de família, final de semana, casamentos, aniversários, viagens, feriado. Então isso é ser jornalista, é você fazer alguma coisa que você gosta, ás vezes sem olhar remuneração porque a remuneração não é uma coisa muito agradável na profissão. Por isso que eu falo que está muito ligado à paixão. Ser jornalista é fazer aquilo que você se colocou a fazer, levar a informação com qualidade, auxiliar a comunidade que você está inserido, uma informação às vezes em primeira mão que às vezes outro veículo não consegue te passar com a mesma qualidade. Isso é ser jornalista, é você às vezes abdicar de alguma coisa na intenção de levar a melhor informação pra quem está do outro lado. É paixão. É você gostar do que faz. (Entrevista, Matheus SILVA, Out. 2015)

A última frase sobre o conceito de jornalismo parece a resposta ao conselho que obteve no Ensino Médio. Matheus Malaquias procurou aquilo que gosta de fazer e com paixão. Mas uma paixão que exige entrega ao trabalho, que por mais paradoxal que seja, ao mesmo tempo em que impõem o protagonismo no trabalho comunitário leva a abrir mão de ser sujeito de seu próprio tempo. Trata-se de uma paixão que conduz a liberdade de ser jornalista em uma estrutura da qual é necessário hierarquizar outros tempos de viver. Por isso que o ponto nodal da discussão é: será que ao reconhecer que a estrutura afeta o sentido da verdade, no espaço da prática em que a paixão é afetada, o sujeito não será levado a reconceituação do que é o jornalismo?

Trata-se de um momento crucial. Diante da lógica estrutural que afeta os dilemas sobre a verdade no jornalismo, Matheus Malaquias indica o projeto de retornar a faculdade para fazer especialização. E a pergunta se efetiva: a especialização é um indicativo da insuficiência formativa com que se defronta no mercado de trabalho. A resposta do entrevistado é enfática e indica, porque não, um novo caminho para essa estratégia de enfrentamento.

88

This article is from: