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A interrogação do eu provocado na produção de sentido
Se pudesse dimensionar o grau de realização de João Paulo Feliciano Fernandes no mergulho dialético da entrevista há um termo que singulariza: provocação. Ou Melhor: “eu gosto de ser provocado”. O termo precisa ser interpretado no sentido da história de vida de João Fernandes. Mas aqui já torna necessário fazer uma interrogação: o ser provocado é uma resposta efetiva do sujeito João Fernandes como diálogo construtivo de si mesmo na construção da identidade? Ou o termo provocado indicaria um comportamento adicionado à exigência de resposta na experiência vivida?
Esse questionamento percorre dois sentidos: o primeiro, a interrogação como constitutiva do eu; a segunda como reação para o sentido ao outro. É com essa di mensão interpretativa que devemos percorrer a produção de sentido de João Fernandes. Há descobertas e interrogações que ele narra estar desvelando no decorrer do próprio processo de diálogo comunicativo da entrevista. É como se estivesse a todo momento percorrendo suas análises na vida sustentado nesse próprio teor existencial: para que se possa ter consciência sobre a realidade em que o sujeito vive é preciso que ele seja provocado.
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João Feliciano cursou duas faculdades. Começou na Faculdade Católica de Uberlândia, em 2009. Como o curso foi fechado por motivos financeiros da empresa, ele estava entre os alunos do curso que foram transferidos para o Centro Uni -
versitário do Triângulo (UNITRI), onde se formou no curso de Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo. Essa mudança longe de trazer justificativa para revelar que o contexto o prejudicou em sua formação como jornalista, o leva sempre a ponderar que, na prática, passou por uma feliz coincidência:
Eu gosto de destacar isso pra todo mundo porque às vezes faz uma mudança as pessoas ficam “nossa e ai cara, te atrapalhou?” E pra gente foi bom porque a católica não tinha muito -, eu não sei se vocês chegaram a conhecer, vocês são agora dessa leva? (...) Não tinha laboratório, era tudo... Não é que era arranjando é uma palavra ruim isso. Mas, eles se esforçavam pra você ter uma vivência de laboratório. Mas tinha que ser fora do prédio da universidade e isso começava a partir do 5º semestre e justamente nessa época que a gente ia começar a colocar a mão na massa a gente foi pra Unitri que, querendo ou não, independente do que as pessoas costumam falar, tem uma boa estrutura, pelo menos pra essa questão, então foi positivo. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A trajetória profissional deste jornalista tem início em 2010. Mais precisamente no primeiro estágio, do então Jornal Correio de Uberlândia. Essa primeira experiência, estranha no primeiro momento porque almejava trabalhar em TV, se estendeu de outubro de 2010 a agosto de 2013. Naquele ano, entrou para a FSB que é essa agência que atende a Algar Telecom. Essa é a segunda experiência em assesso ria de imprensa: a primeira aconteceu na empresa Kompleta Comunicação, que atende, atualmente, o grupo Algar pra fazer assessoria de imprensa,
nessa época eu tive contato com TV, eles tinham um programa da revista Cult, acho que chamava Cult Clã, acho que era de colunismo social e apesar de ser bem Amauri Junior assim o programa... mas foi muito bom de você começar a ter noção de postura no vídeo, a sua voz como você trabalha ou não, luz. Porque é bom você ter um conhecimento por de trás também. Um dia você pode estar segurando uma câmera pra você gravar sua própria matéria. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
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Em que contexto podemos considerar que existe uma relação direta entre a autoidentificação de ser tímido com a definição da escolha de se inscrever no Jorna lismo? Esse fator é importante por considerarmos que a localização da timidez em seu ser o conduziu para o primeiro desafio provocado pela própria vida. É sintomático a frase do entrevistado de: “eu tive um tempo que eu era meio tímido assim, hoje em dia isso já não existe mais. Mas eu vi que eu queria trabalhar com comuni cação”. No exercício de refazer o caminho pela memória, João Feliciano narra a experiência de jovem aprendiz que realizou na Caixa Econômica Federal como o ponto essencial para a escolha do curso.
Natural de Monte Carmelo (MG), João Feliciano estava no Ensino Médio, com idade 15 anos, quando relembra um momento do passado que justifica o caminho do presente:
E lá a gente tinha um processo no colégio, que era uma espécie de jovem aprendiz que a gente trabalhava na Caixa Econômica e em outros lugares. E eu estava com 15 pra 16 anos e eu passei nesse processo e trabalhei na Caixa durante um ano. E eu lembro que lá mesmo que não era uma coisa muito legal. Mas a gente fazia atendimento ao público. Porque quando você fala de jovem aprendiz é mais ou menos organização de papel né, organização de planilhas. E a gente chegou a fazer atendimento, e eu vi que eu gostava muito desse contato com pessoas, sabe? (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
O ponto mais fundante dessa definição está longe das papeladas ou do cálculo financeiro, mas no diagnóstico atual da importância de deter informação. O tímido descobre que essa relação de sociabilidade de lidar com a pessoa e ouvir as histórias por elas narradas se torna essencial para o aprendizado. E ao mesmo tempo importante para produzir sentido para a vida. No entanto, João Feliciano teve de se submeter a outros dois fatores antes de se inscrever no Jornalismo. O primeiro é o Teste Vocacional. Ele revela que os testes sempre apontavam para a área de Artes.
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Talvez seja por isso que as primeiras escolhas sobre o que fazer na graduação tenha perpassado pela Música e pelo Teatro.
É nessa revelação que se defronta o segundo fator: a orientação da família. João Feliciano analisa atualmente que se trata de um pensamento tradicional a orientação recebida da mãe: faz primeiro um curso que possa lhe dar dinheiro. E assim nesses dilemas que o Teatro e a Música foram superados pela definição de fazer jornalismo, aos 17 anos.
eu não arrependi hora nenhuma, eu entrei com 17 anos na faculdade e sai com 21, uma idade que quando você fala assim parece relativamente novo mas eu acho que tudo aconteceu na hora certa, é bom você ter esse tipo de experiência, você tem uma maturidade diferente. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
Há outra referência que sustenta a busca prática de João Feliciano na definição do jornalismo: o encanto pela TV. A possibilidade de assistir a MTV ao ter acesso à antena parabólica trouxe para o sujeito uma outra realidade da qual ele considera importante:
Por que que eu to contando esse processo da MTV? A MTV e jornalismo é bem destoante, mas foi vendo MTV que eu falei: cara, é meio que isso também, sabe? Essa produção de audiovisual é massa, e eu não quis fazer jornalismo pra ser o Willian Bonner ou alguém da Globo. Não! Nunca tive essa pretensão e hoje não tenho também, de ser o jornalista da Globo, de ser não. Eu acho que eu tenho outras necessidades, e ai juntando isso eu falei: não, é o jornalismo mesmo, comecei e me encontrei de verdade. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
Para entender o sentido da frase de ter se encontrado de verdade, a narrativa histórica de João Feliciano necessita atravessar o primeiro estágio que fez na área de Jornalismo. Há, por ele, a própria consideração que se trata de um jornalista na contramão ao revelar que não era uma pessoa de leitura. E se tomarmos outros elementos da representação do jornalista, há outro fator que remete ao sentido negativo.
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O pessoal geralmente fala que jornalista lê muito ou tem um vício, ou fuma, bebe, não sei o que, eu já bebi bastante mas hoje eu não bebo mais, não fumo nem nada disso e eu nunca fui um leitor, eu sempre admirei a leitura mas é uma coisa que nunca me provocou. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
Sem ter tesão pela leitura, sem fumar e sem beber. Poderíamos questionar aqui o reducionismo com que se exterioriza sobre a representação do sujeito jornalista, caracterizado aqui mais pela generalização do comportamento com que lida com a rotina de trabalho do que de sua constituição de identidade. Mas se esses elementos representativos perfazem as referências iniciais do entrevistado, o que levaria então a sustentá-lo na decisão e no caminho? É nesse espaço de tempo em que necessita construir outros elementos de referência, que João Feliciano apresenta como curiosidade do passado: a realização do primeiro estágio na área de Jornalismo.
Para si mesmo já havia uma definição: sem paixão pela leitura, o sujeito já havia tomado a decisão: “não, jornal impresso vai ser a última coisa que eu vou fazer, não quero de jeito nenhum” (risos)” (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016) Em vez da última, foi o primeiro enfrentamento. A experiência vivida no Jornal Correio de Uberlândia iria então levá-lo ao que é possível identificar como caminho de sua produção de sentido no jornalismo. Porque é necessário entender: primeiro, como alguém que não possui amor pela leitura se define em realizar o curso de Jornalismo? E segundo, como a primeira experiência, que tinha tudo para ser traumática, o conduz para o outro extremo: o prazer inenarrável agora da leitura?
A resposta não está no texto, mas no que ele revela como ter sido provocado. “gente mas eu peguei uma paixão no negócio, hoje eu amo escrever. E uma das coisas que mais me dá prazer é escrever, e não escrever tipo ‘ah, eu voei’ (risos) não, mas tipo, eu gosto de ter uma provocação...” (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016) Esse elemento provocador que atirou João Feliciano para o prazer da leitura e, assim, afirmar um elemento de sentido de sua representação do que era jornalista, tem nome: Ricardo Ballarini, que atuava como consultor de conteúdo do Correio.
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João Feliciano revela que tê-lo encontrado neste momento e contexto na redação é a maior prova de que é um homem de sorte. Mas o que fazia Ricardo Balla rini para que a concepção de jornalismo e do ato de escrever tomasse novo significado para João Feliciano? O consultor de conteúdo do Correio de Uberlândia pegava cada texto e devolvia com apontamentos sobre forma, conteúdo e ao que parece, a própria concepção do que é notícia. E assim o comentário do texto ultrapassa o terreno da análise de conteúdo para se atingir outro elemento do método que a falta de experiência do estagiário até aquele momento não conseguia alcançar. E assim ao ultrapassar o conteúdo, Ricardo Ballarini atingia outros sentidos do estagiário. Esse sentido de provocar chegava até ao limite do sujeito enquanto existência no campo profissional.
Como ele fazia isso: ele instigava a gente. Porque meio que colocava em cheque o seu profissionalismo. Mesmo que enquanto estagiário a gente podia participar disso que foi uma coisa muito boa, mas você fala: “nossa, não é possível que eu sou tão burro assim” (risos) Você entrega os textos e o cara devolve tudo vermelho ali pra alterar, e isso foi minha assim, não, eu tenho que melhorar, porque não estava bom. Eu quero entregar um texto redondo e ai eu comecei a pegar essa vontade, sabe? E depois eu vi que foi uma paixão mesmo, né? As vezes acontece isso, a gente não gosta de terminada coisa “ah, não gosto de comida japonesa” mas ai eu experimento... e acho que o contexto foi meio assim. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
O encerramento da frase ao tratar com analogia a comida japonesa parece ser desvio, ou uma situação deslocada, se considerarmos que a ênfase do discurso está somente orientada pela lógica do comportamento. Pois é importante considerar que há uma distância qualitativa na própria constituição do sujeito ao deixar de ter hábito de leitura para o prazer de ler, do que passar a gostar de comer comida japonesa. Mas o centro deste processo está em mostrar para o Ricardo, e depois se estabelece para si mesmo, que quem está entregando o texto é um jornalista. Eis aqui a materialização do sentido provocador para compreender o estado da qualidade pro-
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fissional: receber o texto com o menor ou, de preferência, sem anotações em vermelho do consultor de conteúdo.
E sobre esse aspecto a pergunta se faz irreversível: É possível dizer que o desafio de produzir um bom texto mudou você como jornalista? E o entrevistado responde agora de forma dedutiva:
Total, totalmente, totalmente, Foi uma provocação assim, fora do comum, que hoje eu não consigo me imaginar fazendo nada sem escrever, sabe? Eu gosto de escrever, tanto é que eu lembro que “ah, vamos fazer festa dos amigos não sei o que” vamos fazer um evento no facebook, eu que curtia escre ver, deixa que eu escrevo... (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
O distanciamento da leitura se tornou em proximidade. Porém, mais do que isso, o sentimento que toma forma no sujeito jornalista de João Feliciano é entender a vida como desafio. É como se a provocação de Ricardo Ballarini fosse transposto para outros setores de sua vida, estendida para outros sentidos. E assim veio o primeiro desafio de iniciar o curso na Faculdade Católica, mas ter de se transferir para a Unitri.
A memória das disciplinas práticas que cursou na Unitri seguiu a lógica do pensamento que o norteou quando optou pelo jornalismo. João Feliciano, seguindo a inspiração provocada pela MTV, se recorda das aulas “bacanas” de telejornalismo. A importância das aulas estava na provocação do professor:
Então eu gostava muito das orientações que o professor dava, então, a gente gravava, olhava no vídeo e falava “nossa mas tá errado isso aqui, eu to torto” sabe? Nossa tipo, eu falo poRta (risos). Tem muita coisa disso. E eu gostava desse tipo, dessa análise, sabe? De se colocar em cheque e se ver. Na católica quando a gente teve a oportunidade disso também a mesma coisa, mais ver texto assim. Mas lá a gente não teve produção mesmo... (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
O sentido das aulas práticas está relevado pela memória também na provocação do professor de telejornalismo. A produção de um minidocumentário sobre prosti-
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tuição é um dos exemplos elevados em sua experiência. Isso porque para realizar o trabalho o grupo conversou com travesti, falou com mulheres também e gravou isso em vídeo. E assim materializa aquele desejo, desvelado desde o estágio na CEF, da importância de ouvir e conversar com o público.
Mas as aulas teóricas, embora não fossem de sua prioridade, também trouxe momentos em que a memória lhe apresenta fatores para a identidade. Trata-se da provocação do professor Paulo, de Antropologia. Mas o que esse professor tem de diferente ao ponto de conseguir ser rememorado por João Feliciano? Trata-se da experiência vivida.
Teve um professor que marcou muito. Eu acho que a minha sala toda e não só a mim porque ele viveu a ditadura e a gente fez um trabalho sobre isso. E ele era de Antropologia. E ele trouxe um contexto pra gente. Ele era... o estilo dele o estereótipo dele era muito legal, porque ele era já um senhorzinho que tinha limitação, cabelo bem branco mas que gostava de rock’n roll. Ele era meio boêmio (risos), então era uma coisa bem... acho que era Paulo, não vou lembrar o sobrenome agora, mas era Paulo, e eu lembro que era bom, e isso foi no primeiro período de faculdade, no primeiro e no segundo. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
Com esta lógica de ser provocado, instigado ao reconhecimento do outro no processo de formação de jornalista, João Feliciano narra seus conflitos quando deixou a universidade para ir ao mercado de trabalho. Esse é um ponto essencial para entendermos as tensões e os conflitos que demarcam a vida do sujeito quando inicia no campo profissional. E João Feliciano demarca precisamente o elemento de choque: a determinação do econômico sobre o social. É assim que ele passa a criticar que a universidade deixa de preparar o bom profissional porque fica “no mundo das ideias” e não consegue chegar no dilema ético da profissão do dia a dia. Cabe aqui um problema de natureza conceitual: o que consiste esse distanciamento da realidade?
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A experiência revelada pelo entrevistado demarca que determinadas disciplinas práticas e teóricas cumpriram com seu objetivo de levar a produção para a re alidade da comunidade. Então de que ordem de problemas se efetiva no dito do entrevistado?
De que sim, é uma realidade capitalista. E sim você tem alguém que vai pagar seu salário e, ás vezes, você tem que concordar ou não com certas coisas e decidir se vai seguir aquilo, se vai escrever contra ou não. E a rotina que a gente tinha, que na verdade você chega no mercado de trabalho é onde você vê que você vai entrar na redação tal hora e não tem hora pra sair. Não é um trabalho simples de carteira assinada, é carteira assinada mas não é aquela coisa “eu vou bater o ponto 8h e sair 18h” (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A pergunta encaminha então para este embate: até que ponto a universidade tem seu peso neste estado de conflito? Tem o peso quando o sujeito, ao se defrontar com um problema, se vê sem recursos para enfrentá-lo de alguma forma. Principalmente, João Feliciano que está em trabalho de assessoria de imprensa. Há a defesa por parte do entrevistado de que a universidade não deve se adequar, nem acompanhar esse tempo.
Não se adequar e eu não sei se acompanhar, mas uma coisa que me vem a cabeça agora, não tinha parado pra pensar nisso, mas eu acho que provocar um pouco mais essa vivência, então tentar talvez colocar ali... não é só fazer uma visita na redação, que o dia que você vai fazer visita gente é igual visita em casa (risos) sua casa tá uma bagunça ai você joga tudo no armário, você dá uma passada de pano molhado só no chão e recebe, eu acho que é legal assim ter ah, vamos ter uma semana que a gente vai ficar 3h na redação, sei lá, sabe, então eu acho que faltava um pouco disso assim, essa integração de mercado e faculdade, não só por estágio. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
E diante deste dilema econômico, é importante entender de João Feliciano qual o conceito de assessoria de imprensa. Se manter esse mesmo sentido interpretativo, a crítica da assessoria da imprensa recairá nessa lógica da determinação, em que se
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efetiva somente com a proposta do benefício, ou melhor, vantagem da empresa. João Feliciano percorre este caminho trazendo como elemento paralelo a publicidade. Mas aqui não se trata da publicidade que está definida somente como venda do produto. Esse poderia se considerar como a tônica de uma determinada publicidade que para o entrevistado não responde como sentido ao seu trabalho no cotidiano. O que se sustenta agora é que a lógica deixa de ser a venda do produto para a venda de valor. E o que o conceito de assessoria de imprensa tem algo relacionado a esse novo processo de mercantilização da publicidade? É essa tônica que temos de entender diante do discurso do entrevistado:
Assessoria de imprensa, na minha visão, é uma maneira de se gerar mídia espontânea e evidenciar, hoje...Eu via antes uma oportunidade da empresa pagar pouco e tá na mídia. Mas hoje eu vejo que é mais um posicionamento de marca, a assessoria de imprensa é um braço ideal e é essencial pra quem quer promover a marca mas preocupado mais com seu institucional, ainda mais nesse mercado que a gente vive hoje. E por isso acho que a gente vive um cenário de oportunidade pra quem quer ser assessor de comunicação. E aí eu amplio, não só imprensa, porque a gente não funciona mais só aquela publicidade de “compre isso! Compre agora! Tá barato!” e tudo mais, a gente tá vendendo muito mais valor do que preço e produto, né? Por isso você vê chovendo campanha ai que faz a gente chorar (risos) essas coisas de pai e mãe, de namorado, de filhos, e a assessoria de imprensa pode ajudar muito nisso porque ela vai tá vendendo mais o valor. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A concepção de assessoria está mais ancorada pelo valor. ´Talvez a frase em si esteja querendo estabelecer dois vínculos: enquanto a publicidade se efetiva como produto, a ordem mercadológica tratava o outro como consumidor, ou para sermos mais crítico, como objeto do consumo. Mas ao tratar sobre o valor, há mudança substantiva para essa concepção comunicativa? Ao que se anuncia, ao tratar o valor a mensagem da publicidade, e estendido para a assessoria, estava mais próximo para conversar com o público sobre seus dilemas na vida. Quando se pronuncia que a marca se estabelece como ponto essencial, ou o valor, são as tensões e conflitos
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dos sujeitos que passam a ser direcionados para identificação. A questão é se esse fator leva mudança de consumidor para cidadão no processo comunicativo.
No momento em que o sujeito pode conceituar e revelar o sentido do seu trabalho no presente, como apresentou João Feliciano sobre assessoria de imprensa, a memória é levada a refazer o percurso e revalorizar determinados caminhos do passado. É assim que João Feliciano reavalia o conhecimento produzido na sua graduação na universidade. A pergunta tem um sentido simples, mas se efetiva como complexa: qual o valor que você atribui para sua formação? E a resposta teve um tom de análise:
Eu acho que ela foi bem mediana, mediana porque a gente não tinha tanta cobrança, sabe? Eu não vejo assim, porque, vou dar um exemplo, se eu tiver feito 18 provas, 15 provas nos 4 anos de faculdade, foi muito, sabe? A gente não tinha muito prova (risos), não tinha gente, de verdade. E não que eu acho que isso faça diferença, eu acho que quando você faz um trabalho sei lá, interdisciplinar, você faz, sei lá, em conjunto um trabalho em grupo, uma exposição na frente da sala, às vezes isso é até mais rico, mas eu acho que faltou um pouco de firmeza, sabe? Que eu via amigos assim que não faziam jornalismo do tipo “nossa, vou ter que varar a madrugada estudando”, “nossa, eu tive que fazer um trabalho o final de semana inteiro”, eu não tinha, não foi fácil também, igual falar tipo que foi mole, mas eu acho que podia ter exigido um pouco mais. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
O termo “não tinha tanta cobrança” está diretamente vinculado ao sentido de ser provocado. João Feliciano revela que teve bons professores em sua formação, mas de uma forma geral faltou a exigência para que se atinja o máximo de sua potência criativa. Se por um lado, esse desafio provocador colocado pelo profes sor na universidade, pelo consultor no estágio ou pelo editor no trabalho profissional, sobrevêm outro debate de suma importância para entendermos a concepção de jornalista. A questão ao entrevistado foi enunciada da seguinte forma: De uma forma geral, você acha que os jornalistas no trabalho prático, no mercado de trabalho, escrevem mais para eles mesmos, para o editor, quer dizer, para a empresa
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que tem uma definição ideológica então você sabe o que vai escrever, ou para o público? O que predomina?
A resposta nos colocou para o centro do debate sobre a relação entre jornalismo e público, tão essencial na definição da área de jornalismo pelo entrevistado.
Uma boa pergunta. Nossa, eu fico até com medo de responder essa pergunta assim porque eu vou falar por mais pessoas, é difícil falar isso assim por outras, mas eu acho que existe uma mistura de tudo na verdade, existem jornalistas mais idealistas que eles pensam e bate a mão na mesa e que vai escrever pelo público e ai vai chegar um editor que ele vai te cortar porque ele sabe os valores comerciais do jornal, então dependendo algumas coisas pode falar, outras coisas não pode, vão ter jornalistas mais vaidosos que vão escrever por conta dele mesmo, ou escolher certas formas de abordar um assunto baseado no que ele vive, então nossa, Gerson, muito difícil responder essa pergunta, não sei... (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A resposta enunciada assim de forma genérica, tratando da pluralidade de conflitos do ser jornalista não consegue e dificilmente poderia levar o nosso entrevistado a uma conclusão, sem que recorresse ao extremo do relativismo. E é com base na última frase que a indignação para a resposta que se distancie do impessoal e se aproxime da experiência vivida. E assim se efetivou a resposta, agora como análise dos quadros de memória vividas pessoalmente.
Nossa, do que eu lembro eu não consigo... no Correio eu acho que eu via mais pessoas que escreviam pelo jornal. Eu não vou falar pelo editor, mas pela empresa. Eu acho que era bem mais assim do que... o jornal lá não era um jornal tão vendido, não é até hoje, eu acho que ele produzia, na época, produzia conteúdos muito bons e hoje ainda produz, mas que ele tinha uma questão comercial que era muito forte assim por isso que eu acho que as pes soas acabavam escrevendo pelo jornal mais que pelo próprio público às vezes. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
João Feliciano então toca em um sentido importante para o jornalista. A expe riência vivida no Correio de Uberlândia levou ao diagnóstico: o que se impera é a
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escrita mais para empresa do que para o público. Esse elemento remete a outro fator: o sentido de historicidade do jornalismo. Quais são as consequências para o significado do jornalismo, principalmente para João Feliciano, se considera a perda do público como referência para o sentido comunicativo. É com este contexto que João Feliciano é conduzido a entrar na provocativa questão da pesquisa: Você acha que o nosso trabalho como jornalista, ele é histórico?
Para a resposta a essa pergunta, se considera o jornalismo histórico, João Feliciano foi enfático: “Muito”. O ponto essencial aqui é entender se a afirmativa sobre o jornalismo está diretamente vinculada ao sujeito jornalista. E a continuidade das respostas levaram a esta reflexão no desenvolvimento do ato da entrevista.
Como sustentar esse muito respondido de forma dedutiva? E então o entrevistado se mergulha no convite da entrevista como dialética a refletir sobre si mesmo.
Eu acho o jornalismo muito histórico porque... primeira coisa a gente produz conteúdo e a gente produz conteúdo que vai ficar registrado por um determinado tempo. Mas hoje, com essa oportunidade do digital em si, você pode eternizar isso. Porque a internet tá pra sempre aí. Algumas coisas você pode apagar, mas você vai ser sempre registrado. Todo conhecimento que a gente tem de história antiga hoje foi baseado em relatos que eram praticamente jornais Então os caras precisavam fazer algum comunicado, escrevia. Ou na época que eles tinham os folhetins, que eram pregados assim. Enfim né, tudo isso. Eu acho que pela nossa facilidade de dominar o conteúdo e ter a oportunidade de divulgar esse conteúdo, somos historiadores sabe? Ou criadores da história, também... (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A primeira resposta leva ao entendimento teórico conceitual sobre o que o jornalista considera como histórico: o conteúdo que fica registrado na plataforma eterniza um momento da produção social do jornalista que tanto o leitor do presente quanto os de outras gerações irão ter como documento histórico. Mas será que esse procedimento de ter como registrado já sustenta a afirmativa final de vincular os
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jornalistas como historiadores? Ou se trata da simples divulgação? O que consistiria neste ser criador de história?
A próxima etapa do prosseguimento da entrevista tinha como ênfase o mergulho para entender o sujeito jornalista. E então, se instaura novas problemáticas em que se busca entender a dimensão da afirmativa de ser o jornalista um historiador: você considera que o jornalista, submetido a rotina no trabalho dele no mercado, tem consciência de que aquilo que ele está escrevendo é histórico? A resposta tangencia esse paradoxo.
Talvez não consciência. Mas o que ele faz, na minha visão, é totalmente histórico. Ele relata um cenário, ele relata um comportamento, por exemplo, as pessoas falam “ah, mas hoje em dia o povo só quer saber de bunda de fora, escutar funk” não sei o que.. Gente, será que quando a gente abre um caderno de entretenimento e a Anitta tá estampando o negócio ao invés de ser... (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
E a reflexão desta resposta prossegue na tentativa de encontrar elemento paralelo que possibilite sustentar esse muito. É, será que não é uma tendência? Porque assim, a gente não vive muito atrelado, existe conteúdo demais e a gente quer escolher. E isso pra gente é o le gal. Quer mais pensar em divertir. Então, estou só pegando um negócio aleatório aqui, mas acho que a gente consegue pegar esses registros. E ai você analisa todo um cenário sabe? Então, ah não, então não escreveu só sobre que a Dilma foi afastada tal e isso é história? Não gente, isso é fato histórico independente de ter um jornalista ou não, algum meio de registrar isso você ia ter que ter. Mas, agora eu não sei se o jornalista tem consciência do papel que ele está registrando história, em si. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
Como então resolver esse dilema em que o conteúdo se efetiva como histórico independe do sujeito que o escreve? E assim se efetiva a problemática em que o aspecto central é entender a compreensão de historicidade que se efetiva no sujeito que a produz, quando o discurso automático de ser o jornalismo com status históri-
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co. Se aprofundarmos uma de suas indagações neste segundo quadro teremos de ser obrigados a questionar se há hierarquia nas publicações em que fatos devem ser considerados como históricos, em relação a outros que se perdem na dimensão das informações da internet ou nas páginas impressas de algum caderno de editoria.
E quem é responsável ou legitima essa hierarquia? Levado ao extremo desse raciocínio teríamos de questionar o sentido crítico da razão para cairmos na identificação de uma racionalidade. Não se trata de fatos que se tornam históricos, mas de sujeitos presentes neles que conduziria a uma primeira perspectiva de definição de documento da história. O afastamento da presidente Dilma se torna um fato histórico. A questão desta defesa é entender se essa racionalidade não legitima uma forma de poder em que o outro, considerado como marginalizado no processo comunicativo, se torna relegado a uma dimensão secundária nesta definição de história.
O próximo passo neste diálogo se fez na junção desses aspectos: como é possível resolver esse dilema, na defesa do sujeito como produtor social, em que o entrevistado dissocia o eu não tenho consciência de que eu estou fazendo uma ação na história mas ela se torna histórica?
É, mas será que ele precisa entender que ele está fazendo história? Esse é um questionamento que eu faço assim, porque ele tá produzindo conteúdo e isso vai ficar registrado. Eu acho que existe uma equação simples e que ela morre ali, agora. Como vão usar esses fatos, esses registros, eu acho que já cabe a outras pessoas. Eu acho que o jornalista quando ele toma noção da responsabilidade que ele tem de registrar o fato e ser fidedigno ao ponto de que isso está sendo perpetuado para outras pessoas verem, ai sim, ai eu acho que precisa ter uma conversa mais... (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A entrevista chega ao segundo dilema de contraposição entre o meio de comunicação e o sujeito que produz a notícia. Ao conduzir a dimensão da história para o tempo futuro, e não ao presente, torna-se prudente efetivar nova problemática para compreender essa temática. Essa afirmativa disposta na racionalidade técnica nos
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conduz a questionar: é o registro, e não o ato materializado na produção em si do trabalho do jornalista, o aspecto que predomina nesta conceituação histórica? E sobrevém o dilema de considerar que o tempo, como duração, torna história, mas naquele momento, intensidade, em que se produz a notícia, não se revela noção de história. Ou podemos introduzir nova pergunta que percorre esse embate e está no seguinte fundamento: O jornalismo é histórico por causa da plataforma? E isso implica em considerar que a plataforma, ou a tecnologia, seria hierarquicamente superior ao próprio jornalista que produz? A resposta foi taxativa neste sentido:
Na minha visão de mercado eu acho que sim. Por conta de que, na minha visão, eu acho que é a minoria que tem essa consciência da relevância do conteúdo enquanto construção histórica do negócio. Acho que o pessoal lida mais com o valor do agora, se está passando no jornal de agora é porque o negócio vai acontecer amanhã, ou se aconteceu hoje vai tá no jornal de logo mais tarde. E então acho que a notícia nasce hoje pra morrer amanhã, ela tem um prazo. Eu acho que o jornalista lida mais com essa noção de tempo do que o “estou escrevendo hoje porque daqui 20 anos alguém vai fazer uma pesquisa sobre o Odelmo Leão e eu escrevi que ele não é mais prefeito”, sabe. Eu acho que é mais a noção de tempo que é o X da questão. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
Neste novo desdobramento a resposta perturba por considerar a efemeridade da notícia cujo valor está somente a ser consumido no hoje, sem qualquer valor para o amanhã. Como é possível entender esse efêmero quando o debate que se efetiva é pelo tempo de duração? Eis aqui a contradição a permear o debate. Aqui preciso restaurar a afirmativa do entrevistado para nos desvelar o conflito. Primeiro, o jornalismo é histórico. Segundo, o jornalista não tem consciência de que aquilo que escreve tem dimensão histórica. Terceiro, a notícia é efêmera e só tem sentido na dimensão do presente, já que morre amanhã. Mas a mesma notícia que morre amanhã, no depois do amanhã, pela duração do tempo, é recuperada como valor históri-
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co para compreender a realidade do passado. E no decorrer deste cenário emblemático se efetiva nova questão sobre os aspectos delineados acima.
Então essa questão do tempo, é muito complexo poder falar disso, porque é a minha visão, a minha visão é difícil ser discutível com isso, sabe? Eu acho que a notícia ela tem uma validade e eu não consigo vê-la de uma outra maneira, assim. Lógico que eu sei da importância histórica do registro em si, mas eu não sei se eu saberia responder ao certo essa sua análise. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
A última parte da entrevista sobre este tópico vem com considerações para entender os elementos desta concepção do que é ser jornalista. A preocupação aqui está na continuidade de outra afirmativa exteriorizada por João Feliciano e que se refere sobre o sentido dominante ou a leitura preferencial da notícia: os jornalistas escrevem mais para a empresa do que para o público.
Outro dilema: se considerar que a duração do tempo torna histórico o factual escrito pelo jornalista no tempo presente, e se a referência do texto é mais para a ideologia da empresa, então que história está sendo narrada pelos jornalistas para compreensão no futuro? Qual sentido da história é essa que nós jornalistas estamos levando para daqui a 10 anos, 20 anos? Qual ideologia dessa história que está predominando como sentido dominante?
Nossa! Eu não sei. Eu tenho uma visão muito prática do negócio. Então às vezes eu posso ficar fugindo um pouco disso, mas eu acho que você está querendo é que por ter alguns filtros ou ter algumas portas pra atravessar a gente acaba filtrando o que vai ser história o que não vai ser história [...] Então é difícil de analisar isso. Eu não consigo fazer uma análise tão profunda porque a gente vive uma era onde existe uma produção de conteúdo muito extrema. Eu acho que vai ser até difícil pros historiadores do futuro terem um crivo pra analisar depois o que vai ser mais relevante. (Entrevista, João FELICIANO, Mai. 2016)
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