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Narrativas da Realidade: O gosto pelo Jornalismo

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Capítulo 11

Capítulo 11

Não tem uma coisa muito precisa para explicar como é que se deu esse processo.” A frase exposta acima do jornalista Fernando Boente é para identificar a imprecisão com que tomou a decisão de fazer o curso de Jornalismo. Não se trata de uma decisão simples, muito menos de considerar que houve um único fator primordial que o conduziu para o mergulho na escolha da produção jornalística como meio de vida. O fato é que durante a entrevista, a memória coletiva de Fernando Boente estabeleceu na narrativa “ o marco dessa decisão. E toda vez que a memória instaura como relevância determinado fato, temos de reconhecer que é o passado em movimento a partir da ressignificação da experiência vivida no presente.

A primeira referência apresentada pelo entrevistado está na dimensão de temporalidade e espaço. Ao fim do Ensino Médio, permaneceu por um ano parado, mas com o pensamento exercendo a mesma atividade quando estudava. A pergunta a si mesmo, revela, era: o que vou fazer agora? E outras mais imprecisas que deixam nubladas qualquer caminho a ser seguido: o que eu gosto de fazer? Ao indagar a si mesmo sobre o que gostaria de fazer, a primeira imagem que se pode recorrer é de indefinição. Mas que pode remeter, por um lado ao vazio de referência, como pode suscitar, ao contrário, o preenchimento completo ao ter a sua frente essas diversidades de possibilidades no campo profissional.

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A segunda referência está no percurso da materialidade. Jornalismo não foi a primeira opção de Fernando Boente. Para o vestibular, prestou primeiro Psicologia, em seguida Direito. Nenhum dos dois caminhos o conduziu para a continuidade de formação a partir de uma justificativa: “na verdade nada tinha interesse no final das contas. Ai eu entrei em Jornalismo e deu certo. Quase um acaso, mas era pra ser provavelmente”. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015) A pergunta imediata que se pode vislumbrar é: quais são os motivos ou fatores que levaram o entrevistado a buscar como caminho acadêmico o curso de Direito ou mesmo o de Psicologia? Por ora, há a negativa que se descortina ao apontar que na verdade, se houve motivo, se dissipou com a mesma temporalidade em que se surge e se demole uma perspectiva criada sem enraizamento na experiência vivida do próprio sujeito.

Entretanto, todas as ações enunciadas como experiência de vida tem uma repercussão na memória, cuja negociação em determinados períodos da existência do sujeito releva ou retira do suposto quadro denominado de esquecimento. O que nos coloca diante de outro fator importante: aqui é necessário desvelar se as faíscas despertadas para o Direito ou para a Psicologia se acendem para serem ressignificadas em outra etapa da decisão do entrevistado ao optar pelo Jornalismo. Ou se foram apagadas diante da proclamada ausência de sentido.

Como compreender o significado deste ato de cursar o Jornalismo quando o próprio sujeito releva ao acaso, como se fosse acidente de percurso, em que a vida é surpreendida e só a partir daí é conduzida a reconhecer no movimento de produção de sentido? A indagação é mais complexa porque ela acontece a posteriori da narrativa do entrevistado, em que já havia justificado a opção que o levou a definir o Jornalismo. O que dimensiona outro fator: se a definição é remetida ao acaso, em que momento a memória passa a tornar relevante a referência da leitura de uma obra que o iria definir como marco na vida do fazer jornalismo?

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Antes de recorrer a resposta, é preciso entender quais os elementos que Fernando Boente demarca como marco do passado para justificar o porquê de fazer o curso de Jornalismo no Centro Universitário do Triângulo (UNItri), no período de 2007. É sintomático que antes de citar a obra sobrevenha a afirmativa reveladora de que gostava de ler. Está tácito aqui um dos motivos que por si só poderiam justificar a definição do curso de Jornalismo: o gosto da escrita. Entretanto, o entrevistado segue adiante para apresentar um objeto plausível, que demarca o horizonte na qual criará perspectiva de ser jornalista.

Ao retomar aqui a pergunta inicial, por que definiu o Jornalismo para cursar na graduação, Fernando Boente demarca esse elemento:

Não tem uma coisa muito precisa para explicar como é que se deu esse processo. Eu só sei que eu gostava muito de ler e eu fiquei um ano parado depois do ensino médio. E acho que eu entrei em 2007, e eu tinha acabo de ler um livro do José Hamilton Ribeiro, que é um jornalista que eu admiro muito, que chama: O gosto da guerra. Não sei se vocês conhecem o José Hamilton Ribeiro, talvez do Globo Rural. Na verdade ele é especializado em Jornalismo Cientifico e começou a carreira dele como jornalista de cidade e região, escreveu sobre política também. Ele foi contratado por uma revista que chama Realidade. Isso ele explica no livro, que tipo uma prévia do que seria a Veja depois nos anos 60 e ele foi mandado para o Vietnã, como jornalista brasileiro para cobrir a guerra. Acho que foi da América Latina e nessa cobertura dele, ele perdeu a perna inclusive. Então ele relata um pouco como foi essa cobertura dele lá e eu gostei muito do livro e pensei: nossa eu quero fazer isso. Uma coisa bem louca, mas jovem quer fazer isso. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

O livro O Gosto da Guerra trouxe para Fernando Boente o sentido do que faltava para entender do que iria fazer no futuro, ou mais precisamente, do que gostaria de fazer como profissional. Da ausência de sentido do presente sobre qual profissão seguir, o entrevistado estava assim produzindo o sentido da leitura de uma narrativa de quem mergulha na vida do outro. E a leitura, assim como a escrita, é sempre

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profunda quando o sujeito mergulha no outro para viver a sua emoção e razão e depois ser testemunha.

É provável que a obra de José Hamilton Ribeiro tenha atraído o entrevistado por outro fator que lhe foi próximo: um relato sucinto da obra revela que se trata da “capacidade do autor em aliar a narrativa direta com a abordagem psicológica. No livro O Gosto da Guerra o leitor acompanha tudo que José Hamilton Ribeiro viveu e sentiu no Vietnã. É o dia a dia da guerra, o drama do acidente, e por fim, um rela to inédito e emocionado sobre a sua volta ao Vietnã 30 anos depois.”1

Por isso a questão se torna importante: E foi só por causa do livro? A resposta, por um lado parece indicar que a questão da psicologia contribuiu para que ele produzisse sentido sobre a leitura. Estaria aqui um indicativo de que a faísca da Psicologia acendeu agora em outro campo, em que em vez do campo teórico, aparece materializado no relato da obra. Mas o entrevistado procura então discernir porque essa obra pode ser denominada de referência para sua vida.

Não, o livro deu uma, foi um marco, eu vi o que os caras faziam e eu queria fez isso. Eu gostaria de fazer isso. Não correspondente de guerra, mas, participar de coisas que são importantes e que eu possa narrar isso para as pessoas e ter uma função social, ser um intermediador, a ponte entre as pessoas e as coisas que acontecem e tornar esse distanciamento de algumas coisas importantes e levar para as pessoas... eu pensava mais ou menos assim. Ainda penso, embora não tenho tanto a ingenuidade da época. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

Estamos aqui diante do quadro em que Fernando Boente nos traz o primeiro indicativo para conceituar o Jornalismo. Há sim de considerar que se trata de uma elaboração conceitual prematura ainda, pronunciada para encontrar sentido do que fazer na graduação, e reconhecido no presente como ingênuo. Um mergulho mais preciso redimensiona a ingenuidade do tempo passado para o presente. Fernando Boente deixa explícito que o pensamento elaborado sobre o Jornalismo é o mesmo

1 Pequena síntese da obra retirada do site https://books.google.com.br

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do presente. Cabe ao sujeito jornalista ser um intermediador, a ponte entre as pessoas. Como se pudesse, assim como José Hamilton Ribeiro, colocar as pessoas no estado de conflito do Vietnã para compreender a experiência vivida.

Ao considerar que o pensamento teórico conceitual prematuro sobre o jornalismo está sobre o mesmo alicerce do hoje, temos de interrogar de onde parte a afirmativa do presente em que está identificado esse “embora não tenho tanto a ingenuidade da época”. A ausência da ingenuidade parece recair, como teremos de confrontar mais adiante, com a discussão sobre a prática jornalística. Essa prática que irrompe desde o seu ingresso no mercado de trabalho e que tem uma particularidade: Fernando Boente atuou na prática em seu período de graduação.

A base teórica da formação no curso de Jornalismo na Unitri levou Fernando Boente a efetivar duas análises por meio de sua experiência vivida. A primeira é pela surpresa positiva que ultrapassou a sua perspectiva de formação ao entrar em uma universidade particular. Por sinal, essa base teórica se tornou o ponto central daquilo que defende sobre o que é comunicação.

Mas me surpreendeu positivamente porque o curso de Comunicação Social, ele começa com uma base muito teórica, embora eu ache que o curso de Comunicação Social que vai habilitar pra uma dessas três áreas ainda é incipiente, mas depois eu falo disso, vou te explicar porque que é incipiente. Eu acho, eu achei condizente com o que eles propuseram na época, por quê? Porque você começava com bases teóricas, você começava a estudar Sociologia, Ciência Política, História, a depender e pra ser um jornalista, um comunicador, você precisa disso. Se você não tiver essa base bem fixa, se você não for uma pessoa que sabe dessas disciplinas, dessas áreas de conhecimento, você não faz comunicação, se faz comunicação você vai fazer muito mal, isso eu te garanto. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

O primeiro indicador dessa crítica está na relação entre Jornalismo e Comunicação. As bases teóricas de Sociologia, História, Ciência Política estão como fatores primordiais para que o sujeito se constitua como jornalista. É importante visualizar

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aqui uma relação direta entre produzir um bom jornalismo ou fazer muito mal a comunicação. A teoria para fundamentar a comunicação está articulada em uma proximidade teórica metodológica imprescindível para que o jornalista se torne sujeito do seu processo. E não se trata de conhecimento superficial ou somente para que seja instrumentalizado na prática. É isso que temos de entender com essa posição da base bem fixa, ou com maturidade, para conseguir olhar para a realidade e assim conseguir produzir uma narrativa consciente.

Então você tem que ter esse suporte. Eu tinha Ciência Política, Realidade Sócio Brasileira, que a gente analisava todo o contexto desde o fim do século XIX pra gente entender o como era a comunicação que o Brasil estava fazendo... Filosofia, você precisava entender. Então assim, se tem maus profissionais na área, provavelmente é carência nessa base. Não é o técnico, o técnico você consegue muito bem suprir se você for interessado no assunto. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A defesa premente da Teoria enquanto formação do sujeito jornalista se configura como atributo e ao mesmo tempo desvela a identidade de Fernando Boente em seu processo de formação. Embora a frase esteja se referindo ao passado, o jorna lista traz determinados conflitos para o movimento do presente. E a cada problema desvelado é preciso encontrar a dimensão de significado do que é o jornalismo, e do que é a comunicação. Se tomarmos como referência a própria divisão da estrutura curricular de Fernando Boente temos de entender que o ponto positivo está demarcado majoritariamente pelas disciplinas que configuram a comunicação.

Para o sujeito que entrou na universidade tentando encontrar o sentido, encontrar uma narrativa que faça essa defesa nos leva a seguinte interrogação: será que essa construção consciente do jornalista está forjada na experiência vivida na graduação ou se trata de uma produção de sentido a posteriori? A importância de en tender esse momento é para considerar se a crítica se efetiva dentro da tensão e

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conflito vivenciado na universidade ou se trata de um entendimento a posteriori, quando se defronta com outros dilemas apresentados pelo mercado de trabalho.

A resposta a essa indagação parece estar na denúncia de Fernando Boente sobre ser incipiente a formação em Comunicação Social na universidade. E aqui está a segunda análise de formação em Jornalismo. O primeiro indicativo da crítica do entrevistado para o reducionismo do ensino ou da técnica jornalística está no final da frase anterior. O conhecimento técnico você consegue suprir se for interessado no assunto. É sintomático frisar que essa frase está como contraponto ao conhecimento teórico.

No primeiro momento somos conduzidos a chegar ao estado de conflito apresentado por Fernando Boente: se a técnica você consegue suprir por meio do inte resse, o conhecimento teórico é preciso ultrapassar esse ponto para que se pese a formação. A técnica se efetiva pela experiência na redação. Mas, se recorrermos a um pequeno contraponto da Psicologia e que pertence a base de estudos em comunicação, a prática se efetiva pela contingência de reforço, mas não é suficiente para levar a profundidade da consciência ao que o sujeito é conduzido seja pela razão, seja pelo inconsciente.

Toma-se aqui o corpo da crítica: a teoria não pode ser utilizada com o mesmo método de ensino como se estivesse em contingência de reforço. É possível entender que a experiência vivida de Fernando Boente na universidade o fez a ir identificando essa sensação de falta, de ausência de sentido, em que as fissuras da Teoria para a Prática se tornaram cada vez mais visível ao ponto de considerá-los como corpos separados na produção da identidade do sujeito jornalista.

De onde nasce a crítica da técnica em Fernando Boente? A narrativa efetivada pela memória revela que ela nasce na natureza da surpresa positiva da universidade. Há uma similaridade nesta surpresa, que podemos articular ao Gosto pela Guerra: é a base teórica que permite narrar de forma consciente a experiência vivida na realidade. Mas sem a profundidade da qual lhe tornou exigência no futuro, Fernan-

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do Boente se deparou com o ensino técnico, ou melhor, com as disciplinas práticas do curso. E como consequência da surpresa positiva, o ensino técnico lhe levou a novas confrontações sobre o sentido e o significado do que é a comunicação.

O problema começa quando a gente passa pelo período que vai transformar uma graduação em uma coisa tecnicista, que é a produção técnica do jornalismo. Embora a produção técnica do jornalismo ter sido montada na fusão dessas teorias que a gente estuda antes, por exemplo, vocês tem que fazer uma matéria, tem que fazer o lead, o famoso lead que surgiu da pirâmide invertida da escola de Palo Alto, da Teoria Hipodérmica e o cara chegou nessa conclusão que pra ele fazer uma informação objetiva, clara e que vai interessar ele tem que escrever isso com as sete perguntas, eu estou sendo bem simplista explicando isso, mas é só pra vocês entenderem, tudo isso o cara chegou a conclusão e isso difundiu. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A dissociação entre tecnicista e técnica já nos remete que a conceituação de Fernando Boente está amparada por uma base teórica e metodológica que se contrapõem ao funcionalismo. Esse horizonte teórico vai tomando corpo pela crítica ao tecnicismo aqui e depois se estenderá na denúncia da incipiência da teoria na formação do jornalista. O ponto central aqui está em entender que a memória de for mação do entrevistado remete à compreensão das Teorias da Comunicação e da Teorias do Jornalismo. Pois, mais do que analisarmos se as escolas estão sendo citadas de forma coerente ou das suas interligações, há de considerar que o entrevistado afirma ter compreensão de que a técnica é uma elaboração conceitual. E se ela tem essa natureza de ser elaborada a partir do dilema de um determinado sujeito em determinada realidade, retirá-la do contexto histórico e filosófico de sua elaboração é recair sim em uma tecnicismo.

Então assim chegamos ao primeiro ponto da reflexão do entrevistado sobre as disciplinas práticas do curso de Comunicação:

Então criou-se as técnicas com base nas teorias do jornalismo e aplicação do jornalismo. E essas técnicas foram desenvolvidas, praticamente todas, que o

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Brasil segue muito, hoje, os jornalistas brasileiros, com técnicas criadas pelos jornalistas norte-americanos. O que nós fazemos hoje aqui é praticamente uma réplica. Não que não seja mutável, as coisas vão mudando, mas basicamente é a sementinha que foi movido pela imprensa americana, foi sendo desenvolvido pela imprensa americana. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

Podemos interpretar que o tom de crítica efetivada por Fernando Boente está demarcada, primeiro, por uma falta de originalidade ou mesmo de criatividade do pensar a realidade. Pois ressoa o termo réplica aqui quase como um simulacro da operacionalidade do jornalismo em detrimento da ressignificação. É isso que poderia explicar que mesmo com a mudança na temporalidade de sua formulação até os dias de hoje, a sementinha permanece a mesma. Mas se essa técnica é deslocada do estado de crise, a técnica passa a ser fragmentada de seu potencial para se tornar um exercício repetitivo que se aprende com a contingência de reforço.

Se o problema estivesse somente nesse esvaziamento, talvez a denúncia de Fernando Boente não o levaria a um mal estar. Pois se a técnica pode ser simplesmente suprida com o exercício, embora esvaziada, não tornaria um problema efetivo da comunicação. O problema mais emergencial é que o reducionismo técnico, dissociado do problema de origem, é levado ao entendimento de um outro conceito na ordem do Jornalismo. Essa nova conceituação advinda mais da réplica, do simulacro, do que da ressignificação, dos novos dilemas vivenciados na realidade, é que se torna o alvo de denúncia do entrevistado.

Ai começou o problema porque, eu não sei, não tem como eu comparar com base de outra faculdade, mas, nós temos dois problemas: falta de estrutura nas universidades para fazer isso e por outro lado, nós temos alunos que estavam interessado totalmente nesse lado técnico, principalmente o televisivo, só preocupados com a câmera e não com uma base anterior. E isso corrói a profissão de certa forma, porque a pessoa deturpa um pouco do que ela está fazendo. Ela está preocupada mais em aparecer o lado certo dela na câmera do que qual informação ela vai levar. Quando vê assim, talvez ela já esteja no lugar errado, porque a última coisa que você tem que preocupar é a estética.

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Se você não tem formação a estética não interessa. Você pode ser feio, horroroso, ser o estrupício que se a informação for importante, não interessa. Então pelo menos lá, eu tive um pouco de estranhamento, porque havia coisas lá que não me interessavam, por exemplo: enquadramento, posicionamento de microfone, não sei o que não sei o que, isso pra mim é só uma futilidade. Nos fins das contas soava uma futilidade, isso é um padrão, não é correto, foi inventado, existe uma formula. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A frase entoada no presente da entrevista revela que a produção de sentido de ser jornalista de Fernando Boente esteve diretamente ligado com sua filiação teórica que tomava corpo na graduação. O lado técnico que se critica do interesse dos alunos não está na crítica ao telejornalismo, mas ao reducionismo com que se busca a disciplina para somente aprender a manusear o microfone. Ou melhor: o posicionamento do microfone. O tom da crítica é que enquanto se mergulha nesta futilidade padrão do posicionamento do microfone, o reducionismo técnico se efetiva como distância da conceituação crítica do que é o telejornalismo.

Poderíamos materializar essa interrogação com uma pergunta: qual o sentido de aprender a posição exata do microfone se ao abri-lo para o uso da voz não se tem consciência sobre o enfoque ou mesmo das perguntas que serão entoadas? Seria casual que tantos alunos estivessem com essa preocupação técnica ao ponto de incomodá-lo e relegar como futilidade? Se tomarmos como referência o último termo, como fórmula, como padrão, seria correto dizer que o tom de crítica é que o jornalista deixa de assumir a sua responsabilidade como sujeito do processo comunicativo para se ater somente a futilidades em que se efetiva como objeto do sistema. O incomodo está no sujeito ao recair como instância máxima para se render somente a uma fórmula. E ao se efetivar como objeto, Fernando Boente acusa que se trata de uma deturpação do que é o Jornalismo.

O paradoxo da crítica do entrevistado, em sua memória de formação teórica, ao tecnicismo da universidade está em que ao mesmo tempo precisa entoar o lado posi-

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tivo da técnica sem que pareça uma análise meramente ao acaso. Pois como descrevemos anteriormente, um dos pontos que o conduziu ao Jornalismo é o gosto pela escrita. E não poderia ser diferente que justamente, da crítica ao reducionismo técnico, o aprimoramento da escrita tenha sido o ponto de interesse. Neste momento poderia se objetar: não estaria Fernando Boente sendo incoerente com sua afirmativa sobre o tecnicismo? Será que não há um reducionismo do próprio entrevistado quando considera negativo somente o que não pertence a sua lista de interesse?

São perguntas instigantes que tomam corpo nesta nova revelação. Entretanto, antes de recair nesta cilada da subjetividade, de considerar somente como positivo o que nasce da técnica de interesse particular, Fernando Boente procura articular o aprimoramento da escrita não com a técnica da escrita. Mas como mediador do pensamento nesta relação que se estabelece com o outro.

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Por outro lado, tinha algumas coisas que me interessavam muito, matérias técnicas que eram de aprimoramento de escrita. E você já começa a ter contato com isso também, de produzir textos. Eu acho que o jovem hoje ele lê pouco, lê muito na internet e ele escreve muito menos, escrever assim de forma concisa, não de internet, parar para pensar e montar um argumento acho que eles escrevem muito pouco. Então na faculdade de jornalismo você está sempre fazendo esse exercício, você está sendo desafiado a mon tar um argumento que seja coerente e que convença e faça sentido, não são coisas largadas. Então esse exercício é quando você pega toda aquela baga gem teórica de antes, que é a principal parte da base para apurar as coisas que você quer saber para ordenar uma coisa coerente e lógica, que faça sen tido né, e começar a treinar isso e aprimorar seu texto. E não só, aprimorar seu português também, pois quanto mais você escreve, mais as pessoas vão ler, vão criticar, mais vão te corrigir e mais você vai aprender e mais você vai formando a sua caraterística de escrever. Por essa parte também muito boa essa questão técnica. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

Não se trata da escrita pela escrita. Trata-se do desafio de escrever, elaborar um argumento que seja coerente e que seja convincente ao outro. Para se atingir com plenitude esse exercício é preciso retirar da bagagem teórica das disciplinas dos primeiros anos do curso de Comunicação Social. É essa base que possibilita apurar na profundidade do pensamento daquilo que se será materializado na escrita. A todo momento o argumento de Fernando Boente é desvelar que o interesse subjetivo pela escrita, por um lado, o conduziu para essa demarcação. Por outro, não está falando de lead, da pirâmide invertida, de fórmulas que já apontou como tecnicista. Uma das formas de entender que o entrevistado procura se esquivar de recair na cilada é a circulação do texto em que ele aponta sobre a produção do conhecimento.

O exercício para o escrever contribui sim para o aprimoramento técnico e o conhecimento sobre o uso da ortografia e outras regras da Língua Portuguesa. Tratase do ponto de início, não o fim em si mesmo. Pois da escrita é preciso buscar a bagagem sobre como apurar e o que escrever. E da escrita se estende a dimensão da leitura. E os jovens, como vimos na crítica, leem pouca literatura, embora leiam

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muito de textos da internet. E escrevem pouco também de forma elaborada, sendo instigado a produzir um argumento que desafie e o leve a organização do pensamento. Por isso a característica de Fernando Boente sobre a escrita o mergulha neste universo de formação. E que se reforça cada vez mais em seu trabalho como profissional no Jornal Correio de Uberlândia.

Todo esse estado de tensão e conflito vivenciados por Fernando Boente pode ser identificado pelo artigo em que produziu para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no sétimo período. Ele traz esse elemento como narrativa para revelar como o significado do que é Jornalismo foi sendo produzido nesta argumentação de análise. Ao ser questionado sobre o que tratou em seu artigo de final de curso, o entrevistado aponta para essa outra narrativa:

O artigo que eu escrevi era exatamente sobre, boa pergunta, porque foi exatamente sobre a deficiência do curso de Comunicação Social, principalmente para a formação técnica. Por quê? Eu já tinha começado a trabalhar no Correio de Uberlândia há uns dois anos e eles me pegaram lá e me colocaram no Cidade e Região como estagiário. E num veículo de comunicação não existe um: senta aqui do meu lado que eu vou te ensinar a ligar o computador e a escrever uma linha do que nós fazemos. Não. É sua senha é essa, seu computador, o assunto é esse, se vire. Então você tem um choque, você tem que se tornar um profissional do dia pro outro, você tem que fazer, entregar o produto, é ruim falar produto, mas é que a gente pensa em produto no fim das contas e o nosso produto tem uma relevância social no fim das contas e isso é bom. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A experiência profissional durante o processo de formação o levou a redimensionar o valor dos sentidos da técnica e da teoria. Qual o sentido do uso do termo choque, de se tornar profissional do dia para outro? É importante essa frase para entendermos como se opera os dilemas na experiência vivida do sujeito. É claro que não se trata de se tornar um profissional do dia para outro. Mas, de identificar, no momento em que se é exigido para ser jornalista, que não se tem base suficiente para que se possa produzir um texto com o mínimo de autonomia técnica e teórica.

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O relato da deficiência não está somente na questão técnica. Ao estar no mercado de trabalho, Fernando Boente vai identificando outras questões teóricas que faltam para o ensino. Ele cita como exemplo o tema da Segurança Pública, de importância na área social e ao mesmo tempo uma pauta de interesse público.

Tem outros também, mas pro jovem jornalista é o mais latente porque ele vai se deparar com isso logo no início da profissão, porque os veículos de comunicação têm mania de colocar coberturas policiais pra ele aprender, digamos perder um pouco da ingenuidade, pegar um pouco de malícia e perder a crueza em coberturas policiais. Nós não temos a formação que precisamos, por exemplo, de Direito nenhum, como que você quer escrever sobre uma coisa que envolve diretamente questões constitucionais, Direito Penal, sendo que você não tem ideia do que está acontecendo. Os jornalistas não estão preparados para isso e eles têm de fazer isso nos meios de comunicação. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A perda da ingenuidade no campo profissional é instaurada a fórceps, sem possibilitar tempo suficiente para que o aprendiz possa ter maturidade. Adiciona a isso as implicações que o trabalho de Jornalismo incorre na qual o sujeito toma ciência de que não tem preparo para as consequências de seu próprio trabalho. Eis a conclusão problemática: os jornalistas não estão preparados para isso. Não se tem preparo porque a formação teórica para alguns fatores sociais não é tema da estrutura curricular da universidade. A indagação é premente e toma o sentido grave de preocupação sobre a responsabilidade social do ser jornalista.

A gravidade está nesta dupla situação. Por um lado, parece já uma normativa social ou mania, que, para colocar o jovem jornalista diante da realidade, para pegar um pouco de malícia, ele seja levado a realizar cobertura de segurança pública. A cobertura policial se efetiva como primeiro passo. Mas a segurança pública exige, para que se escreva com a consciência devida, de conhecimento sobre o Direito. E assim Fernando Boente se ressente de que não há uma disciplina que trabalhe esse entendimento sobre o Direito ao ponto de possibilitar uma compreensão sobre o

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tema a que se escreve. E a problemática se torna coerente: na realidade social, o jornalista precisa escrever sobre temas que envolvem questões constitucionais. Mas como intermediar para a sociedade determinado fato se o próprio sujeito que fará a escrita não tem o entendimento sobre o que será escrito?

Então, acontece muito erro, tem algumas falhas e não é incomum os jornais serem processados por veicular coisas relacionadas à segurança pública, é o mais normal. Eu, por exemplo, já tenho uns 10 processos relacionados, nunca perdi, graças a Deus nenhum, mas eles processam: ah você pôs meu nome lá no jornal. E ele foi preso, mas ele foi preso em flagrante, ai porque que o jornalista perde a crueza, o que interessa mais: o direito de imagem dele ou o direito coletivo de segurança pública? Com qual você vai estar preocupado? Ai você vai começar a enfrentar esses dilemas. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

Não basta que o jornalista tenha uma disciplina que apresenta tecnicamente as leis ou determinadas leis. Isso faria com que o ensino de Legislação recaísse também em um tecnicismo. Mas o ponto fundante aqui é que a falta de compreensão do Direito leva o jornalista ao erro. Não o erro consciente, mas o erro de quem utiliza a escrita de forma mecânica por causa da incompreensão do sentido do que é o Direito. Justamente o curso que Fernando Boente tornou relevante em determinado momento da sua vida antes do Jornalismo. Para superar esse reducionismo, o mercado deveria possibilitar como nesta mania para aquisição de malícia uma compreensão sobre Direito Penal. Enquanto isso não ocorre, a perda da ingenuidade parece estar mais vinculada aos processos jurídicos efetivos que necessita responder pela assinatura das matérias do que da maturidade na compreensão conceitual sobre a produção jornalística que se efetiva por meio da experiência vivida.

E com esse dilema, sobrevém outros de outra ordem que remetem o jornalista a ter de estabelecer valor. Ou a ter de considerar uma ordem hegemônica de valor, do qual se descobre estar despreparado. Fernando Boente traz para a cena o dilema sobre o estupro. E sua construção apresenta sobre como vários fatores sociais estão

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envoltos nesta discussão do qual o jornalista nem sempre está preparado no mercado de trabalho.

Porque os estupros eles são averiguados muita das vezes, através de denúncias, que as vezes não são reais, que eram outras circunstâncias por trás, sociais, e não tem a ver com o estupro, tem a ver com a questão de discussão da família mal formada. E já aconteceu até de prisão irregular de pessoas que foram acusadas de estupro e quando acontece, ai você tem o dilema: eu faço a reportagem sobre estupro, eu exponho o rapaz, eu exponho a família, não exponho? Quem tem mais direito: a sociedade saber que ele está fazendo isso ou que supostamente ele estaria fazendo isso ou eu tenho que esperar? Essa é área que é mais complicada. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A tônica da crítica está na denúncia desse movimento do mercado de trabalho, de ter malícia, mas recai também na universidade. E assim, o entrevistado avalia que se os problemas com os jornalistas, como os processos jurídicos, acontecem de forma sistemática, qual seria o melhor meio para se resolver essa questão.

O ideal seria, eu estou dando um exemplo, de uma disciplina que a gente deveria ter ou reformular: seria a questão jurídica. Nós temos que ter uma base jurídica também como nós temos as bases teóricas da Sociologia, História, para exercer a profissão, se não tivermos, nós vamos ter muitos problemas. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

Os processos jurídicos respondidos pelos jornalistas não tem força suficiente para que se repense essa construção formativa? Ao analisar as indagações de Fernando Boente, podemos ressoá-las como crítica ao tecnicismo do mercado. É com este quadro emblemático que somos levados a indagar ao entrevistado: qual seria então a formação ideal para que o Jornalista estivesse na redação com compreensão sobre os dilemas da realidade em que irá atuar no social? Fernando Boente acrescenta a disciplina de Economia como outro conhecimento fundamental:

Além de dessa base de disciplinas como Sociologia, Ciências Sociais, História, Filosofia, matérias ligadas a Letras. Precisamos acrescentar a área jurídica urgentemente, que talvez seja o aviso maior de urgência. Questões ligadas

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à Economia eu acho muito fraco, o jornalismo invariavelmente lida com essas questões que interessam diretamente. Então esses dois pontos fossem mais urgentes. Em relação a disciplinas ligadas á Economia, não é matemática não gente, é entender a Economia de uma forma como funciona a sociedade. Eu considero que deveriam ter mais semestres com Direito e Economia. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

No momento em que se finaliza sobre as implicações da prática e da teoria na produção de sentido do jornalista, torna-se necessário indagar o valor do “produto” com o sentido histórico. E a pergunta que se efetiva ao entrevista: Você considera que seu trabalho é um documento histórico? Fernando Boente responde que sim. Primeiro é necessário identificar qual o conceito que o entrevistado se orienta sobre documento histórico.

Na verdade o documento histórico é qualquer documento que tenha informação e perpasse o tempo. Isso é uma definição de documento histórico. Se eu escrever um bilhete aqui e ele ficar aqui, ele vai ser um documento histórico, pois eu escrevi num ano, perpassou o tempo e ele vai estar lá. Foi o que eu pensei no dia, entendeu? Até coisas não escritas, coisas simbólicas é um artefato histórico. Por definição. Então o jornal, como ele é uma comunicação linguística, está lidando com uma língua, informações ou virtualmente, no papel, não sei, daqui anos vai ser um banco de dados virtual que nós vamos pesquisar, é o documento histórico, sem dúvida. Por si só ele já é um documento histórico. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

O conceito de documento histórico apresentado por Fernando Boente está demarcado pela temporalidade da matéria. O bilhete se torna histórico porque foi escrito no ontem, assim como o jornal Correio de Uberlândia, no qual escreve. Por ser um documento a ser consultado no futuro, ele já se torna documento histórico. Ora então a produção jornalística se efetiva em sua dimensão de história pelo fator de temporalidade ou por se enquadrar neste campo: qualquer documento que tenha informação e perpasse o tempo. E assim ele tem a justificativa plausível para apre sentar o Jornal Correio de Uberlândia como documento histórico. E acentua ainda

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mais esse grau de importância: a empresa Algar que envia exemplares do Jornal Correio de Uberlândia para serem arquivados no Acervo Municipal. Por conter uma informação e estar disponível ao longo do tempo, para consulta, o Jornal Correio de Uberlândia é um documento histórico.

Ao se efetivar como documento histórico torna-se necessário entender se, para além de configurar a informação como técnica, o entrevistado irá colocá-la como elemento de embate no processo comunicativo. Pois, há os dilemas envoltos nesse processo de produção. E o primeiro a ser enfrentado é sobre a ideologia da empresa. Ou mais precisamente no cerne da questão desta pesquisa: qual o tipo de história que está sendo narrada pelo jornalista? Fernando Boente afirma que há, claro, um conflito entre a responsabilidade social de jornalista e as questões da empresa. E pondera: “Mas não existe um meio de comunicação sem interesse”.

A resposta poderia indicar, em primeiro momento, que se trata de uma aceitação sem questionamento. Mas o entrevistado logo precisa que o ponto importante para entender esse interesse de uma empresa não está no fator de ganhar dinheiro. Pelo contrário: o veículo jornal em determinadas situações até deixa de ganhar dinheiro, quando não fecha em vermelho. E o exemplo do Jornal Correio de Uberlândia, que fechou no dia 31 de dezembro de 2016, pode ser listado neste processo de análise econômica. O primeiro elemento é como instrumento de força política.

O veículo de comunicação, o jornal impresso, quando eles são criados por uma empresa privada, ele tem duas intenções e não é ganhar dinheiro, você pode ter certeza que não é ganhar dinheiro, nenhum jornal dá dinheiro. The New York Times foi vendido por um grupo mexicano por quê ?! Primeiro ele é um instrumento de força política, quando você tem um canal de comunicação, você está falando com as pessoas, quem fala com as pessoas tem o poder de talvez, não estou dizendo que vai manipular, mas tem o poder de mostrar aquilo que você quer. Isso não seria manipular, seria distorcer. Mostrar o que você quer não é mentir, é ignorar alguma coisa e mostrar o que você quer. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

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Usar o canal de comunicação como instrumento de força política. Em vez de manipular, há a afirmativa do distorcer a informação. E assim temos de voltar ao enfrentamento: que história distorcida está sendo armazenadas nos arquivos municipais e que se tornou documento histórico por trazer a informação e por estar no fator tempo? E com que forças ou conhecimento suficiente será possível desvelar dessa mensagem o que foi ignorado, ou por interesse, deixado de lado? Esse fator nos coloca diante de um estado de conflito: o reconhecimento da distorção da notícia pelo interesse político da empresa está em oposição justamente no item considerado como primordial de Fernando Boente ao responder o porquê de cursar o jornalismo.

No entanto, Fernando Boente apresenta que o veículo de informação adquirido pelo empresário com a finalidade de ser utilizado como poder, como instrumento de força política, necessita do Jornalismo. E ao ter de empreender o Jornalismo, torna-se fundante outro valor social: a credibilidade. E é assim que a produção jornalística se encarrega de sua responsabilidade social para estabelecer credibilidade ao social.

Então ele existe por isso. Só que quando uma empresa monta isso, pra ele ter esse poder de voz, ele tem que ter credibilidade. E credibilidade você só constrói quando se trabalha de forma que, não estou dizendo que é perfeita, mas que você vai seguir as regras do bom funcionamento do jornalismo, no meio de comunicação. Então ele vai criar um setor de jornalismo que vai ter esse preceito, um princípio. Ele vai ter, nem sempre as limitações são compartilhadas com o setor de jornalismo. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

O conflito então se apresenta: o interesse da empresa em contraponto aos princípios definidos pelo Jornalismo. Há uma linha tênue que parece interligar esses dois valores para estabelecer o estado de tensão e conflito. Fernando Boente explica que esse processo é explicito em grandes empresas quando tomam posição política O problema é nas empresas de comunicação do interior, cuja ideologia se faz de forma explicita a partir do jogo de interesses.

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Não existe orientação, ele não vai dizer isso na sua cara, ele meio que joga duplo, entendeu? E às vezes parece que está jogando com interesse e às vezes nem dá pra saber. Ai na rotina que a gente tem que fazer as coisas, acaba caindo nisso, querendo agradar a gregos e troianos, mas é um dilema que você vai conviver, não tem jeito. Ou você põe a cara pra fazer ou desiste, arruma outra profissão, porque você vai ter que conviver, a linha é muito tênue, sabe?! Até pra você mesmo, porque fora as questões da empresa, tem o seu posicionamento em cima das coisas também, então você tem que ter um bom discernimento, bom senso, parar e pensar... É complicado, não é fácil não, você vai trabalhar com informação. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

A linha tênue que separa o manipular do distorcer, da informação para a comunicação, do aprimoramento técnico para o tecnicismo. Não há uma solução à vista: é preciso enfrentá-la. Caso contrário, o melhor caminho é desistir, ir para outra profissão, e porque não, revisitar outros cursos não realizados no passado. Mas é preciso que nesta luta se discuta com mais ênfase sobre que tipo de narrativa de história está sendo orientada em cidades do interior. Como mensagem aos novos jornalistas em meio ao desalento, Fernando Boente explica que é necessário parar com essa utopia de trabalhar em grandes veículos. O problema não é só jornalístico, mas de interesse histórico.

Agora o que eu gostaria muito, por exemplo, que se difundisse muito na cabeça dos novos jornalistas que estão saindo ai, que nós precisamos fortalecer a imprensa regional, a gente tem que parar de ficar pensando: eu quero trabalhar na Folha de São Paulo, veículos de imprensa nacional... Eles não tem espaço, eles já tem o quarto poder atuado e nós precisamos levar a imprensa para o país. Nós precisamos entrar, as pequenas cidades, as de pequeno porte, elas não têm imprensa e as sociedades democráticas precisam de imprensa. As pessoas não sabem o que está acontecendo na sua cidade, não sabem o que a prefeitura está fazendo, não sabem que tipo de coisa vai acontecer, porque é tudo muito centralizado em polos. Os profissionais precisam explorar a imprensa e de fato começar a exercer sua função nos espaços do país. É uma coisa que pra mim tem que ser difundida, esquecer essa utopia de grandes veículos, nós precisamos é pensar no jornalismo como uma coisa que tem função e onde ela vem ter fun-

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ção? Onde não tem! Então a gente tem que levar pra lá. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

O Jornalismo precisa assumir o seu papel de responsabilidade social. Para isso, por mais contraditório ao que defende o entrevistado, tem de ultrapassar de ser somente um documento histórico por conter informação e pelo tempo. É preciso que ele possibilite ao outro a compreensão sobre a realidade vivida. Aqui está o peso de pensar o Jornalismo para que se tenha uma função específica. Ao romper com a utopia de trabalhar nas grandes imprensas, o debate sobre a história da cidade pode ser entendido, em uma de suas instâncias, pelo meio de comunicação. E se prosseguirmos neste enfoque somos obrigados a reconhecer que o sentido da história está na prática definindo referências para a memória coletiva.

Há um determinado momento em que as críticas postas para a profissão vivenciada é conduzida a fazer uma auto-análise. Com todos esses estados de tensão e conflitos expostos, será que o entrevistado se sente realizado com o percurso definido pelo Jornalismo.

Eu me sinto, eu gosto do que eu faço. Tenho minhas decepções com a profissão, mas é porque eu convivo com um monte de gente, entrevisto muita gente, vivo um monte de coisas, vejo crime, picaretagem, vejo muita coisa e você vai discrençando, vai perdendo um pouco a crença na sociedade. Como profissional eu me sinto realizado assim, tem muita coisa pra fazer ainda mas são oito, nove anos atuando e assim eu estou satisfeito. Vou continuar nessa linha. (Entrevista, Fernando BOENTE, Out. 2015)

Fernando Boente entrou no Jornalismo pelo impulso consciente por meio da leitura do Gosto pelo Jornalismo e por gostar de ler. Se surpreendeu positivamente na Unitri em sua formação teórica. Ao mesmo tempo em que produzia sentido sobre a base teórica da técnica, desvelou na experiência vivida o esvaziamento proporcionado pelo tecnicismo. A preocupação dos alunos de sala estava majoritariamente em aprender como se manuseia o microfone, e não o olhar analítico da realidade.

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No mercado se defrontou com a ausência de ensinamento. E aos poucos a realidade profissional permite identificar que há momentos em que não se tem conhecimento sobre o que será escrito.

Ao que parece, a decepção com a profissão ainda não chegou ao seu limite plausível de ter de desisti-la. E, ao recair em outro paradoxo, é preciso pensar que história está sendo narrada ao considerar que a informação pode estar assim destorcida. É foi ao final desse nove anos que Fernando Boente teve que presenciar o fechamento do Jornal Correio de Uberlândia. As cidades precisam de jornalistas para que o público possa saber de outras histórias que são silenciadas pelo interesse de poder politico da empresa. Enquanto permanece em sua luta na produção de sentido, Fernando Boente mantém esse gosto pelo Jornalismo.

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