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A tensão da teoria na prática bruta do Jornalismo

experiência vivida com um blog se tornou o ponto principal para que Igor Custódio Miranda fosse instigado a tomar a decisão em cursar o Jornalismo. Desde adolescente, o que mais chamava atenção era o cur-A so de Direito. E ele identifica que essa relação com o Direito consiste na sua parte teórica, nos fundamentos da lei. Mas aos poucos a afinidade teórica idealizada com o Direito se confrontou com a prática bruta do princípio de Jornalismo. E é desta forma que a memória passa a ter a necessidade de encontrar e atribuir valores para que o sentido da vida no presente oriente o horizonte do futuro. Na narrativa sobre a sua história de vida, Igor Miranda edifica pontos desse sentido que justificam para si mesmo o significado social de ter concluído o curso de Jornalismo.

É preciso entender como o Jornalismo deixou de ser a segunda opção para se tornar o caminho viável de Igor Miranda, que se formou no período de 2011 a 2014 na Universidade Federal de Uberlândia. A primeira tentativa de vestibular foi para o curso de Direito. Hoje, ele sente alívio por não ter passado naquele exame. O tempo de um ano, de um vestibular para outro, em que as pessoas passam a pensar sobre si mesma, conduz aos dilemas que estabelecem novas perspectivas. E é justamente o ponto forte do Direito, a teoria, que passou a sofrer um primeiro impacto negativo para a resolução do conflito de tomada de decisão de Igor Miranda.

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O importante é questionar aqui qual o sentido deste teórico em que Igor Miranda questiona. Se o que o atraiu era o conhecimento teórico do Direito, o sentido do termo teórico passou a ter valoração negativa ao correlacionar com o sentido de ser mais distante das relações sociais. E em vez do teórico ser tratado como sabedoria que distingue com criticidades as denominações das leis, o entrevistado passou a atribuir o teórico como algo decorado, portanto sem sentido para o desenvolvimento intelectual do sujeito.

A questão prática que me fez arrepender um pouco de pensar no Direito em algum momento. É o Direito, ele é muito teórico. Tenho colegas que formaram em Direito que me falam que “olha as vezes eu tenho até um pouco de inveja de trabalhar com Jornalismo, de sair do escritório de sair da sala fechada de ir um pouco pra rua de descobrir as coisas, de ter uma relação com as pessoas que não seja tão fria, acho que das profissões o jornalismo é uma das que tem a relação mais próxima com as pessoas, mais humana. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Sair do escritório da sala fechada implica em deixar de entender as pessoas por meio das leis de uma forma fria. É importante considerar que esse termo fria está quase num tom de critica metodológica, em que se confronta um desalento sobre o estruturalismo. Pois ao articular que as leis passam a ser decoradas e ao mesmo tempo em que ela rege a forma de relação do advogado de sua sala fechada, do escritório, Igor Miranda elabora aqui a sua posição crítica que lhe justifica o sentido da reprovação no primeiro vestibular e a mudança para o jornalismo.

A complexidade da decisão de Igor Miranda é que, se por um lado precisa ratificar o negativo deste teórico do Direito, por outro necessita desvelar elementos que considerem o Jornalismo como nova referência para a experiência vivida. A memória coletiva passa a atuar de forma relevante neste contexto. A primeira característica que se torna primordial é a definição de que o Jornalismo edificava um grande

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potencial da sua maior habilidade: capacidade de escrever. Quando necessita expli car o porquê de ter seguido o Jornalismo, Igor Miranda é enfático:

Porque dentro do jornalismo eu me encontrei especialmente porque a minha melhor habilidade, aptidão, sempre foi escrever, sempre gostei muito de escrever. Na época assim sem muita técnica e aqui já com as técnicas com os conhecimentos específicos do jornalismo. E aqui dentro fui descobrindo muita coisa, fui descobrindo muita afinidade em contar histórias, em descobrir histórias pra poder contar, basicamente é isso. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Para que se efetive a capacidade de escrever é imprescindível que se tenha sempre esse impulso de sair de si mesmo para descobrir histórias, para poder contar histórias. Se por um lado Igor Miranda está descrevendo esse sentido do contar histórias depois da graduação, torna-se importante considerar que essa justificativa não estava presente naquele tempo de um ano em que reprovou no vestibular de Direito e passou a edificar o sentido do Jornalismo. Da mesma forma em que sua narrativa sobre por que optou pelo Jornalismo é a posteriori.

Nesse sentido assim acho que fiz uma boa escolha porque eu não aguentaria ficar dentro de uma sala estudando leis. Tem aquela coisa muito decorada, apesar de ter também um lado humano no Direito é obvio né. No Jornalismo como é muito mais na prática, você vai pra rua vai fazer o seu esquema, volta e escreve passa pra edição então você recebe a informação faz lá o seu texto e tudo mais, eu me identifico bem mais com esse tipo de trabalho. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Você vai para a rua significa não ficar preso no escritório estudando leis. E fazer o seu esquema implica em considerar como justificativa plausível para Igor Miranda se tornar sujeito no processo comunicativo, sem considerar que já está algo constitutivo em que o fato será analisado. O problema que se edifica aqui é compreender quais os elementos da experiência vivida daquele momento se tornaram constitutivo para que o recém-graduado definisse pelo Jornalismo e passasse a produção de sentido deste exercício profissional para o sentido de sua própria vida. E

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assim, a experiência do blog se tornou essencial para que pudesse vincular o Jornalismo como espaço para potencializar a sua melhor habilidade.

Igor Miranda passou a escrever em um blog, desde 2007. E com este projeto, as duas possibilidades de caminho profissional de adolescente passou a instar em um conflito.

Na época eu tinha um blog que, na época, tinha uma boa repercussão. A gente colocava os discos de bandas pra download acompanhado de uma resenha, de um textinho, tudo mais. Na época sem muita técnica, que era eu e mais um pessoal também. Não tinha nenhum jornalista na equipe do blog. É até legal que outros dois colegas desse blog viraram jornalistas também. Na época a gente tinha uma boa repercussão bons acessos, mais por conta dos discos do que por conta das resenhas mas também tinha gente que chegava falando: “nossa que legal o texto, conheci coisas que não sabia da banda do disco e tudo mais”. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Embora reconheça que não se trata do texto o ponto importante do blog, já que constava de resenha, Igor Miranda finaliza o relato sobre a repercussão dos textos. E mais precisamente nas relações sociais constitutiva de seu trabalho no social. E assim o texto, ou melhor, a capacidade de escrita se torna relevante para que se estenda ao valor de ser sujeito do processo. A indefinição de seguir Direito ou Jornalismo percorreu então todo esse paradoxo de vida. Primeiro porque era necessário encontrar outra referência que pudesse demarcar o valor de Jornalismo para sua vida, antes de iniciar o próprio curso de Jornalismo.

Eu sempre ficava pensando, ficava dividido porque por um lado tinha a afinidade teórica ali idealizada com o Direito mas já tinha um pouco ali daquela pratica bruta, vamos dizer assim, do que viria a ser o jornalismo depois na minha vida. E sempre pensando “olha como eu me divertia na época daquele blog”. Sempre tive blog, não necessariamente aquele, depois fui tendo outros, sempre pensava “será que eu escolho Direito ou Jornalismo?” eu pensava, “hum, mas eu era feliz na época daqueles blogs lá”. Aí eu tomei essa opção do Jornalismo depois que não deu certo Direito. Ao invés de prestar Direito de novo, eu prestei Jornalismo. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

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A prática bruta do trabalho do Jornalismo somado ao divertimento e a felicidade em que a experiência vivida do blog proporcionou se tornaram o ponto edificante do caminho seguido por Igor Miranda. A justificativa, por mais temporal que seja, é a referência para que se projete perspectivas dentro do curso. E por mais paradoxal que seja, a parte teórica, que se articulava então ao Direito na escolha profissional, retorna com mais força durante o período de formação em Comunicação Social: habilitação em Jornalismo de Igor Miranda na UFU. Tanto que o próprio sentido do Jornalismo passa a ser edificado por um novo significado agora com valor positivo para a atribuição teórica em contraponto à sua prática. A questão é saber se esse sentimento de felicidade anunciado no trabalho do blog e agora na universidade se edifica como simulacro ou como ressignificação da experiência vivida.

Há de considerar, porém, que existe uma diferença significativa entre dois elementos. O primeiro, é a elaboração de justificativa que o sujeito estabelece para si mesmo nesta decisão de porquê deverá seguir o Jornalismo. O Segundo é a concei tuação teórica sobre o Jornalismo (e até mesmo sobre o Direito) na qual no momento da decisão de se inscrever para o vestibular não há, é claro, profundidade conceitual para se chegar aos meandros da profissão. Esses dois pontos nem sempre podem ser orientados pela coerência. E, mais importante, nem sempre se coincidem. E diante do estado de oposição, entre a perspectiva que se funda no primeiro, e a realidade teórica conceitual pela qual se aprofunda o segundo, o sujeito é remetido para novos estados de tensão e conflito.

Pois justamente no momento em que Igor Miranda define como principal característica do Jornalismo esse sair para rua, estar com as pessoas, que ele descobre na universidade outros fundamentos do que se justifica como Jornalismo. Seria esse novo fator motivo suficiente para que desista do curso, seguindo a coerência que fez com o Direito? A experiência vivida do sujeito tem sua dinâmica na interpretação da realidade com que ele responde aquilo que lhe acontece. Em determinadas

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situações, o sujeito vai construindo o seu caminho, mesmo que para isso ele tenha de demolir determinadas certezas materializadas em perspectiva. E é assim que Igor Miranda passou a enfrentar o seu primeiro dilema profissional.

Eu acho que quando eu entrei em Jornalismo eu esperava ficar bem menos em sala de aula. Eu esperava que eu ia muito mais pra rua. Ainda bem que também eu me desapontei nesse sentido porque é dentro da sala de aula que você aprende a enxergar a comunicação como um todo, humanizar a comunicação, entender de uma forma que, só indo pra rua, só entrevistando o pessoal, não daria. Não é só a prática é a teoria também. Os autores, as teorias e tudo mais e nesse sentido que eu não esperava tanto isso. A expectativa nesse sentido foi quebrada e ainda bem né, porque depois que você vai passando pelos períodos você vai percebendo o quanto é importante isso e o quanto no mercado de trabalho, pegando Uberlândia, que é o mercado que eu estou inserido isso não existe tanto os outros profissionais não tem essa visão de pensar a comunicação antes de colocar ela em prática. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

O Jornalismo que o atraiu pela prática bruta agora tem de ser ressignificado a partir do desapontamento com o caminho do curso. Só que ao contrário do Direito, Igor Miranda transporta do negativo para o positivo. O desapontamento demoliu a perspectiva, mas se confrontou com outro sentido do qual a realidade está mais próxima do conceitual teórico do curso. E é assim que a teoria passa por nova reavaliação em sua produção de sentido. Só que agora direciona a dois ele mentos importantes: o conceito de comunicação e a reavaliação do sentido da prática destituída de teoria.

A pergunta é importante e complexa: o que é comunicação? Difícil para ser respondida enquanto se cursa o primeiro ano do curso. Mas é um caminho imprescindível para compreender que a potencialidade de escrever, embora seja sua maior habilidade, é um dos, e não o único fator do que denomina como comunicação. É com esse aspecto que o sentido de humanizar passa a ganhar corpo no conceito do que é comunicação. Não é o sair para a rua o elemento mais importante, mas quais são as condições em que você deve estar para que consiga ter de forma profunda

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uma relação com as pessoas no cotidiano. Igor Miranda se descobre que ir para a rua, entrevistar as pessoas, ainda não é um indicativo de ser sujeito no processo de comunicação. Pelo contrário: se essas duas atividades ficarem restritas a praticida de, corre-se o risco de ficar na superficialidade sem que se faça o mergulho teórico.

Toda vez que defrontamos com alguém que demole sua perspectiva, temos de considerar que houve determinado estado de enfrentamento em sua produção de identidade. A reelaboração deste argumento tem de ser desvelado de que quando escrevia o blog, Igor Miranda não tinha dimensão profunda sobre o significado do texto. Essa ausência de sentido poderíamos considerar que foi transposta para este estado de conflito. Qual o sentido de estar na universidade se a produção da escrita e o sair para a rua não apresenta fundamento conceitual? A perspectiva do curso, quando não está sedimentada na própria constituição do sujeito, é remetida então para o sentido do movimento do pensar e repensar a experiência vivida. E neste movimento chegamos ao segundo ponto da questão: a reavaliação da prática destituída de sentido.

A parte final da frase de Igor Miranda está direcionada para uma reavaliação do mercado de trabalho em Uberlândia. A memória coletiva lhe leva a apontar o sentido em que se edifica a sua nova compreensão profissional. Pois, ao argumentar que não há tantos profissionais qualificados conceitualmente para o trabalho cotidiano da profissão, o entrevistado está mergulhando no embate sobre o que é a produção jornalística. A falta de profissionais com esta proposta conceitual remete a novas indagações: que tipo de Jornalismo se está produzindo diante da marginalização teórica? E será que esse fator não remete a superficialidade do Jornalismo, conduzindo de uma produção de sentido do cotidiano para a rotina profissional?

A resposta a essas indagações devem ser buscadas nas próprias inquietações reveladas por Igor Miranda em seu processo de formação. Ele revela que somente no quarto período do curso, quando produziu o Jornal Laboratório Senso In Comum,

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que a ressignificação do teórico se processou de forma consciente. A questão indagada para Igor seguiu com este contexto: “É engraçado, você falou assim que quando entrou tinha uma expectativa e não se realizou, em que momento, você lembra, do curso, que você disse “eu acho que isso é melhor”?

Acho que a partir do quarto período que foi aquele momento de fazer o jornalismo experimental que foi o Senso InComum, que todas as disciplinas eram integradas pra elaborar aquele jornal, que ai trabalhava o jornalismo opinativo, o jornalismo impresso, as técnicas e tudo mais, e aproveitava conceitos de outros períodos, de fotojornalismo e tudo mais. E olhando como ficou o produto final eu fiquei pensando “eu ficava reclamando no começo que ficava tanto tempo na sala de aula, mas ainda bem que a gente ficou senão não teria saído tão legal como ficou de fato”. Foi mais ou menos no meio do curso mesmo, quarto período, é o meio, a ruptura, vamos dizer assim, até de um pré-conceito que eu tinha que foi se quebrando aos poucos e quebrou de vez ali. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

O que significa essa ruptura ao pré-conceito quanto á teoria? No processo de formação como jornalista, Igor Miranda foi construindo sua concepção e depois se materializou quando entrou no mercado de trabalho. Entretanto, a sua referência inicial sempre foi para as disciplinas práticas. Só que agora com outro fator agudizado pela memória: as disciplinas práticas que consegue produzir sentido à realidade vivenciada pelo jornalista no mercado de trabalho. É desta forma que ao relatar um exemplo de uma disciplina que lhe tenha produzido significado ele faz a narrativa das disciplinas de Telejornalismo.

Mas a interpretação se caminhou por um processo de orientação posteriori da sua experiência no mercado de trabalho.

um negócio marcante que eu ainda vejo que acontece no mercado de trabalho foi na disciplina de telejornalismo que a gente se dividiu pra fazer um telejornal experimental com assuntos culturais, eventos culturais que teria na cidade, entrevistando músicos, bandas, e falando sobre exposições artísticas e tudo mais a gente. Fez até uma matéria falando sobre coletivos culturais na época tinha explodido aquela banca do cara que estava desviando dinheiro do

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fora do eixo, alguma coisa assim. Eu lembro que na hora de definir quem faria o que ficou “ah, você vai ser o produtor, você vai ser o editor, você vai ser o redator” mas ai todo mundo fez tudo. Acho que foi a diferença mais legal que eu tive porque sempre que isso vai acontecendo no mercado de trabalho eu vou lembrando que a universidade me antecipou isso. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

A importância relatada da universidade está nesta antecipação do que viria ocorrer no mercado de trabalho. Ou se traduzirmos, o concreto pensado na universidade se materializa na prática profissional ao ponto de você identificar e considerar que a situação vivenciada posteriori pertence ao quadro de experiência vivida. Ao considerar esse quadro, é preciso problematizar que isso estende mais do que mero procedimento de distribuição de tarefas. A crítica aqui consiste em como a universidade considera a totalidade da produção jornalística diante do reducionismo da fragmentação, de procedimento fordista, na produção da notícia. O repórter tem sua responsabilidade pela matéria, mas não se pode deixar à margem de todo o processo. Se mantiver esse distanciamento, perde-se o sentido da própria comunicação. Há também aqui um pressuposto de que embora exista setores responsáveis no Jornalismo, a diferença do produto final leva a uma quebra de hierarquia. Não existe isso de eu sou o editor e só vou fazer isso. Às vezes o editor tem que ligar pra apurar também tem que ir cutucando a fonte, às vezes o repórter não entregou um texto completo, às vezes o repórter tem que entregar um texto mais palpável pra edição, tem que pensar também nos recursos pra edição, às vezes o repórter tem que produzir, às vezes o produtor tem que fazer reportagem também. Tudo vai se misturando. É um pouco diferente do que você pensa às vezes daquela hierarquia do mercado de trabalho, “ah, tem o chefe e tem o sub-chefe e tem o sub-sub-chefe” cada um faz uma coisinha muito específica. Não, no jornalismo você vai misturando tudo na hora da produção na hora de produzir mesmo e cada um vai fazendo o que pode pra agregar e chegar naquele produto final e todo mundo ficar satisfeito com aquele resultado. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

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Diante da ruptura provocada pela base teórica, a pergunta que se efetiva, para entender a produção de identidade, é qual a análise que o entrevistado faz do ensino teórico na universidade? E como a memória coletiva vem se efetivando de forma contundente, qual o significado da teoria para atuar no mercado de trabalho? A resposta de Igor Miranda vem em tom comparativo aos outros formados em Jornalismo que passou a conhecer no mercado de trabalho. Esse é o elemento principal para que ele conceitue o ensino de jornalismo na UFU.

aqui a teoria é trabalhada de uma forma que eu não sei dizer, eu vou repetir o “humanizado” porque aqui foi o que eu mais entendi de questão teórica de entender a comunicação de forma humanizada de sair daquela coisa da técnica e da teoria, de usar a teoria a seu favor de não ficar usando frases decoradas de autores consagrados e tudo mais. Nesse sentido que eu penso que foi o que enriqueceu mais a parte teórica pra mim porque eu consegui aplicar isso de forma que eu consegui ir por caminhos legais e apurar de forma diferente. Não sei se foi bem isso que você queria de resposta eu não entendi muito bem a pergunta, nesse sentido. Mas acho que a forma de pensar o jornalismo, de interpretar a informação de sempre enxergar os dois lados com o máximo de isenção possível se colocar na pele dos dois lados ali de uma questão de um dilema que gerou uma reportagem pra entender tanto a parte as vezes numa reportagem falando de um grupo de pessoas que foi lesada por outro grupo, entender os dois lados, tudo de uma forma balanceada a partir do entendimento teórico a gente consegue pesar melhor, entendo um pouco da cultura de cada grupo de pessoas você consegue pesar cada coisa melhor pra ver o resultado final, o que sua reportagem tem que passar. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Ao indicar que a teoria é a parte do pensar a prática, o sentido que ela afirma a esse movimento da produção jornalística, é preciso reconhecer que o elemento comparativo da formação acadêmica se estende para o trabalho profissional. Pois, se falta conhecimento teórico para os graduandos, é coerente que se falta teoria para o trabalho profissional. E o posicionamento de Igor Miranda nessa ressignificação deixa claro a crítica contundente de que não basta somente entrevistar, somente ir para a rua. O problema se torna inevitável: você considera que falta co-

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nhecimento teórico para os outros que estão no mercado? A resposta veio com a mesma contundência:

Com certeza, com certeza. É, a gente vê muitos colegas eu vejo muitos colegas que se formaram em outras universidades inclusive federais de outras cidades e outros estados, que bitolam muito na parte técnica, na prática de só vale quando você vai pra rua, vai apurar e não é assim, né? Antes de ir pra rua você tem que se preparar bem, tem que ter um conhecimento teórico bom, você tem que ter uma capacidade de interpretação e de formação muito boa pra poder chegar na rua e não fazer feio né, nem na hora de chegar pra construir sua reportagem seja pra qual veículo for, também não fazer feio, pra ninguém ficar com dúvidas, não gerar uma má interpretação a partir da sua reportagem. A técnica ajuda mas a teoria ajuda a formular e até a entender como você vai usar a técnica que você aprendeu. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

O termo bitolam muito na parte técnica se efetiva aqui com o sentido de crítica da destituição de sentido da prática sem teoria. E por que não dizer, da acusação ao tecnicismo da profissão que revela um problema conceitual. A rua é o momento de relação do repórter com o outro. Entretanto, para se pensar em processo de comunicação é preciso considerar que há outro momento em que o exercício do pensamento, da elaboração teórica, tem fundamentação imprescindível para o jornalista. De onde vem esta capacidade de interpretar? Para Igor Miranda está preciso agora que se trata da fundamentação teórica. E essa base conceitual é importante para a entrevista, a apuração e a redação do texto. É preciso ter técnica, mas sem fundamento teórico a produção de sentido do jornalista se esvazia, recaindo na presentificação gratuita que resulta na demarca ção da rotina. Sem consciência de sua apuração, sem essa interpretação, o jornalismo corre o risco de se tornar mero procedimento em que a escrita é levada a um automatismo mecânico.

A leitura atenta dessa frase nos remete a um elemento de dúvida: será que há espaços para essas discussões conceituais no mercado de trabalho? E a reposta de

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Igor Miranda percorre o tema de embate: o tempo. A surpresa talvez esteja nas referências inicias em que o entrevistado recorre para mostrar que no mercado de trabalho não há tempo para se pensar. Igor Miranda diz que o mercado de trabalho é “daquela forma mesmo que já se idealiza em filmes em desenhos animados em histórias”. Ou seja: ausência de tempo. você não tem muito tempo pra ficar pensando em muitas coisas. É claro que existem repórteres especiais, repórteres investigativos que às vezes tem prazo maior pra cumprir uma pauta, mas muitas vezes você tem que cumprir uma pauta no mesmo dia que ela é dada. Você não tem tempo pra pensar a melhor forma que você vai fazer aquela reportagem, você pensa na melhor forma de fazer aquela reportagem em 2, 3 horas, você não pensa assim “isso aqui é o meu melhor” não dá tempo. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Essa insuficiência de tempo se estende para todos os veículos: você precisa ter uma quantidade de matérias para serem produzidas e com isso preencher o tempo e o espaço da mídia para ser publicada no hoje ou no amanhã. Essa exigência pertence a natureza da profissão jornalista. Mas há um embate aqui que se estabelece para compreender o sentido da produção jornalística. Ao entender e comentar sobre a similaridade da idealização do jornalismo em desenho animado com a do mercado de trabalho, é preciso repensar aqui então se esse jornalismo, tratado como representação, não se efetiva como real.

E se o idealizado é o jornalismo em que o tempo e o espaço não concorrem com a capacidade do exercício crítico do pensar. O idealizado então seria a nova perspectiva de jornalismo criado por Igor Miranda a partir da experiência vivida na universidade. Uma coisa é argumentar, mesmo que de forma crítica, que o jornalismo está mergulhado em um reducionismo da prática. Outro fator é considerar que a ausência de tempo e espaço para que o sujeito se constitua com consciência dos dilemas deste processo. A prática deixa de ser procedimento para se configurar como elemento teórico pragmático da própria concepção do que é o jornalismo. É isso

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que está premente no dilema do entrevistado de que com a pressão de velocidade e produção na redação, se torna obstáculo para esse exercício crítico do jornalismo.

Torna-se importante retomar aqui que a capacidade de pensar teórico, antes de ir para a rua, é o principal argumento desvelado por Igor Miranda. É nesta base que ele sustenta na narrativa o argumento da importância e do significado do Jornalismo na sociedade. Se poderia dizer que o entrevistado se defronta aqui com a segunda decepção? A explicação de Igor Miranda vem com uma distinção temporal que evita entrar neste sistema de colisão.

A pergunta é uma continuidade de sua lógica de pensamento. Quando o entrevistado atribui que muitos profissionais atuam no mercado sem conhecimento teórico, será que se pode dizer que estão despreparados para atuarem como jornalistas? O entrevistado recorre a temporalidade entre o jornalismo de antes e o de hoje, diferenciado pela Internet. E assim vem a argumentação. “Não, eu não diria despreparados. O mercado do jornalismo ele foi mudando, foi se modificando”.

O que significa esse foi mudando. Igor Miranda então primeiro descreve o que é esse jornalismo do tempo anterior: o de antigamente se exigia preparo mais técnico, em procedimentos como o desenvolvimento da fala.

Antes pensava-se muito mais na técnica, de como você vai se portar, de como você vai falar, dos termos técnicos pra falar, pra se referir a uma matéria, um off, uma passagem. A gente ficava se preocupando muito nisso e há muitos jornalistas hoje no mercado de trabalho que não tem o diploma, muitos deles são os jornalistas das antigas, muitas histórias de jornalistas que começaram na operação do áudio, de uma rádio ou às vezes acompanhando um repórter de jornal impresso, começou até distribuindo jornal impresso e foi passando por outros níveis até chegar ao cargo de jornalista de uma empresa. Não precisava de uma formação teórica, ele precisava entender a técnica como ele faria na prática, e precisaria entregar o serviço da forma como era pedido, aquela coisa da demanda, especialmente no jornalismo diário tem muito isso. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

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De qual antigamente o entrevistado está se manifestando ou recordando: da idealização dos filmes ou da experiência vivida? Pois em determinado momento dessa temporalidade Igor Miranda se coloca como sujeito que vive esse antigamente em que a preocupação é somente técnica. Mas ao mesmo tempo ele se contrapõe ao citar o desenvolvimento técnico da fala. Essa identificação o leva a considerar os limites em que é sujeito na profissão. “Não tenho desenvoltura nenhuma na fala e atuo no mercado vamos dizer assim, tranquilamente, sabendo das minhas limitações mas consigo atuar”. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

De certa forma a distinção de temporalidade de Igor Miranda está em considerar que o hegemônico do antigamente está estruturado no jornalismo informativo. E agora, o hoje, pela própria influência do jornalismo norte-americano, há uma solicitação do mercado para o interpretativo.

hoje em dia isso está mudando, especialmente com internet, que a informação chega muito rápido e hoje em dia a demanda por jornalistas que pensem e interpretem aquela informação fora daquela parte isenta, daquela parte que, como se diz? Do neutro, que acaba não existindo, né? A demanda por isso é muito maior, você tem que pensar o jornalismo? E pensar a notícia e pensar o que que aquela informação vai impactar na sua vida e entrega essa informação pro leitor, pro telespectador etc. A demanda por isso é maior eu imagino. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

O aumento da demanda da informação traz para o contexto do hoje um novo posicionamento do sujeito jornalista. Mas há também uma demanda por jornalistas que pensem e interpretem a informação, em vez de serem meros reprodutores da notícia. O problema apresentado por Igor Miranda refere-se então a um movimento temporal em que havia uma estrutura hegemônica no passado da técnica e agora uma exigência para o pensar a informação.

Em qualquer uma dessas temporalidades, o que prevalece ainda é a velocidade com que o tempo exige, no passado, a produção da notícia, e no presente, o pensar a

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informação. Mas se a formação na universidade e o que se apresenta enquanto estrutura no mercado de trabalho é mais pela técnica, como o entrevistado revelou parágrafos anteriores, de onde vem essa demanda interpretativa? Seria do próprio dilema material da tecnologia da informação ou do conflito do jornalista em ser sujeito do processo comunicativo? A resposta a essas interrogações podem ser orientadas pelo posicionamento do entrevistado. A pergunta indaga se os sujeitos no mercado de trabalho conseguem cumprir na totalidade quando tem essa demanda do pensar.

Existem os que conseguem fazer isso mas de uma forma muito limitada dentro da caixinha porque não teve aquele, não sei se instrução é a palavra correta mas um embasamento teórico correto é não correto também né, não dá pra dizer o que é certo e o que é errado, mas não teve um embasamento teórico ideal, enfim, pra poder desenvolver esse tipo de interpretação e entregar isso pro seu espectador, independente de qual veículo for. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

A falta de embasamento teórico dificulta a interpretação da notícia. E com isso, perde-se o poder daquilo que Igor Miranda considera como essencial: a capacidade de compreender o fato, e levar essa interpretação ao outro. Sem essa base e atropelado pelo tempo, o cotidiano se transfigura em rotina. É possível algum movimento de contraponto a esse sistema hegemônico diante desse quadro? Será que podemos considerar que os jornalistas são sujeitos desse processo diante desse quadro contextual? Essas questões permitem entender o encadeamento das ideias do entrevistado quando levado a comentar sobre a sua experiência no trabalho no mercado.

Você tem que tentar um pouco também, entendendo um pouco como é que é o ritmo do veículo diário, pra poder questionar alguns pontos e poder tentar mudar algumas coisas. Existe a possibilidade, algumas pessoas são esmagadas pela rotina, outras ficam lá o tempo inteiro questionando os eternos ideais, há casos e casos. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

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Há possibilidade de o jornalista conseguir alterar sua rotina para cada vez mais buscar o sentido no cotidiano. Porém, Igor Miranda apresenta uma dificuldade premente: algumas pessoas são esmagadas pela rotina. E outras permanecem no estado de tensão e conflito dos eternos ideais. O dilema apresentado aqui nos coloca diante do quadro crítico para discutir sobre o significado da produção jornalística. Mais precisamente, como entender o sentido histórico do jornalismo diante deste quadro de tensão e conflito. Um estado de tensão em que o sujeito jornalista vive mais diante das condições que lhe são consideradas. Igor Miranda considera que a possibi-

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lidades sim de se fazer jornalismo diferente. Para isso, é preciso escapar de ser es magado pela rotina e materializar os ideais em embates na redação.

Sobre qualquer um desses dilemas pelo qual se atravessa, é preciso recorrer novamente a temporalidade para questionar: você considera que o trabalho do jornalista é histórico? Ele tem valor histórico? A resposta a essa questão veio primeiramente em tom já como arquivo, e portanto, documento histórico. Igor Miranda afirma com veemência: “com certeza”. E em seguida explicita a sua experiência de estagiário no Jornal em que era responsável por publicar o quadro semanal do arquivo público de Uberlândia. E a maior representação do jornal como história é que o arquivo público constava de edições passadas do jornal.

Então uma das bases de pesquisa mais confiáveis que você tem são as edições passadas de veículos de comunicação, seja de TV, de rádio, de jornal impresso e afins. Porque ali você tá pegando a informação histórica até de como ela era interpretada naquela época, como ela era colocada pro público naquela época, então desde cedo eu tinha essa ideia porque eu já estava em contato ali com o arquivo público. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

A primeira frase para explicar o termo “com certeza” indicava que a historicidade do jornalismo estava mais como documento temporal do que do sentido da produção. Mas o entrevistado salta do documento antigo para a produção jornalística ao indagar sobre a forma em que a informação é interpretada em cada período. Mas no decorrer do processo as indagações percorrem muito mais fatos que se tornam relevantes, que poderia estar com ênfase no informativo, do que na interpretação dos fatos. E o dilema atravessa a continuidade da narrativa quando esses elementos parecem se mesclar na visibilidade conceitual.

O jornalismo é histórico. Isso o próprio jornalismo vai mudando, como é que eu era 50 anos atrás, está a mesma coisa? Não é pra estar a mesma coi sa, porque eu posso mudar. Existe uma base histórica tanto pra quem quer entender como é o mundo naquela época, comparar com hoje em dia, como quem trabalha com isso quer entender “olha, como é que eu estou impri -

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mindo informação agora, é muito diferente de antes? Posso mudar?” fazer uma comparação. Jornalismo é história, tanto de contar histórias quanto de colocar dentro da história um fato de importância, de relevância. (Entrevis ta, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Jornalismo é história. A frase finalizada no primeiro questionamento precisa ser confrontada agora da idealização da história do jornalismo do sujeito que narra em contraponto à realidade da experiência vivida. Recorre-se neste momento o problema entre sujeito e estrutura, da prática da produção jornalística para o sentido da plataforma que, por ter conteúdo da década de 50, já se torna automática como história. Então se faz outra pergunta ao entrevistado com esse problema teórico metodológico de análise cultural. Você considera que as pessoas quando estão fazendo um trabalho no dia a dia do jornalismo, elas tem compreensão de que o que elas estão fazendo é história?

Esse é o momento em que a memória coletiva exige da experiência vivida uma imersão ao ponto de definir o sentido do que irá ser narrado. Pois ao exigir a saída da resposta da idealização do que é o jornalismo, o entrevistado necessita encontrar elementos coerentes que estejam compatíveis com o percurso que faz do seu próprio processo de produção da identidade. E é com esse impacto relevante que Igor Miranda retoma os elementos de debate da entrevista para se contrapor a sua própria afirmativa do valor jornalístico como história. E assim caminha a resposta:

Nem sempre, porque muitas vezes você vai ser um pouco esmagado pela rotina. Você não consegue pensar “ah, será que daqui 10 anos alguém vai lembrar dessa reportagem ou vai ler essa reportagem que deu tanto trabalho pra eu fazer”, ainda mais no jornal impresso, se você pensar naquele tipo de papel que ele é mais descartável, que ele não dura muito se você deixar ele... eu deixei guardado os primeiros jornais mesmo que saíram matérias de 2013 já tá amarelado, sumindo algumas letras e tal, mas tem muita gente que guarda aquilo lá de uma forma específica, pra portfólio, guarda de uma forma específica pra não se perder aquela informação, dentro do jornal tem um arquivo específico também, então acho que não se pensa muito “olha, será que essa

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reportagem vai ser lembrada? Será que eu estou mudando alguma coisa na história fazendo isso aqui?” (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

A resposta tem um tom subjetivo e ao mesmo temo coletivo. No campo subjetivo, o jornal se torna documento do próprio jornalista para ser apresentado como portfólio, como currículo do que produziu, mais pela assinatura que comprova ter produzido o documento do que o sentido do próprio documento. Na segunda abordagem da fala, Igor Miranda volta a indagar sobre o esmagamento da rotina e sobre essa ausência de pensar sobre a própria historicidade do jornalismo enquanto se está sendo produzido. O indicativo assim se pronuncia de forma forte: no momento que o sujeito jornalista está no cotidiano de sua produção de sentido e tem como elemento importante a interpretação da notícia, ele não tem tempo para indagar sobre a historicidade da matéria.

E assim, a interrogação do entrevistado recai no dilema da própria pesquisa nesta busca de compreender a historicidade: se o jornalista é atropelado pela rotina, não tem uma dimensão de que quando ele produz ele está fazendo história, por que esse jornal se transforma em história? E o tom da resposta do entrevistado segue e reforça o campo de conflito que se estabelece na concepção do que é Jornalismo. Porque vamos dizer assim, é o que temos? É isso que é produzido, o mercado te exige a produção diária. Há jornalistas que são atropelados pela rotina e há jornalistas que ainda conseguem superar esse dilema. Até quando você me perguntou se todo jornalista tinha noção e se todo jornalista era atropelado pela rotina, existem os jornalistas que não são atropelados, existem jornalistas que mesmo tendo seis horas ali ele consegue pensar a pauta dele certinho, bonitinho, da forma que ele gostaria que fosse. Não é o cara que no dia seguinte fala “meu Deus, como é que saiu isso aqui, como é que eu fui escrever isso aqui” não é o cara que realmente se arrepende, né? Existem jornalistas e jornalistas também. Claro que passados 50 anos não dá pra você falar: “olha, esse jornalista ele era atropelado pela rotina, esse aqui não” não tem nem como você saber disso. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

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Esse é o problema do sentido da historicidade ou da questão sempre enunciada sobre qual história está sendo narrada pelo jornalista. Há uma enunciação histórica do entrevistado que nos remete a esse dilema: quando o leitor estiver efetivando a leitura de um jornal de décadas atrás, é certo que não terá a compreensão se o jornalista foi esmagado pela rotina ou se ele tinha consciência do que estava produzindo como notícia. Ou mesmo, não terá noção se o nome assinado na matéria, no dia seguinte foi levado ao estado de arrependimento ou mesmo atacado por uma surpresa de ler e não se reconhecer na matéria que indica ter produzido. Se levarmos mais profundo essa ausência de reconhecimento da sua própria autoria, podemos adicionar que há uma possibilidade real do próprio jornalista se tornar oposição ao seu próprio texto no futuro.

Quem são os jornalistas que não se arrependem no dia seguinte de ter escrito o seu texto? Para que se chegue a esses sujeitos, é preciso ultrapassar a análise de conteúdo para mergulhar na experiência vivida do sujeito. Só que ao recorrer a esse movimento, é necessário considerar que há outros fatores que permitem o reconhecimento histórico. Mais do que os documentos, torna-se necessário estar preparado para a interpretação teórica.

Mas especialmente quem estuda comunicação consegue resgatar uma base histórica e olhar pra essa reportagem e falar que algumas informações aqui são incompatíveis com as informações que eu tenho e de outras fontes que não são o jornal. O jornal também não é a única fonte histórica, a única base da história que a gente tem. Coloca assim um confronto com outros tipos de informação histórica que você tem, ou seja, de livros, de depoimentos brutos que você tem que as vezes não se transformaram em reportagem, uma gravação bruta que não foi editada, nem nada, a concepção de pessoas que eram vivas naquela época, que vai contar aquela história, há outras formas né, claro que nem sempre o jornalista tem uma ideia de que isso aqui pode virar história, mas muitos desses, a partir do conhecimento que eu tenho daqui e que eu tenho lá do jornal, eles fazem o máximo pra não serem atropelados pela rotina, há muito idealismo ali, o jornalista pra ser idealista assim ele está se matando um pouco, porque

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você não pode se deixar atropelar por uma rotina todo dia e ficar no piloto automático. (Entrevista, Igor MIRANDA, Out. 2015)

Igor Miranda optou em cursar Jornalismo ao ser instigado pela prática bruta a partir da experiência vivida com o blog com os amigos. O Direito, que o atraía desde a adolescência pela parte teórica, aos poucos foi sendo levado ao confronto com a prática jornalística. A mudança de caminho o levou a criar, então ,novas perspectivas: faria o curso de jornalismo na UFU com a proposta de ir para a rua, ter essas novas relações que a prática possibilita na profissão. Mas a universidade o fez repensar sua perspectiva: a identidade de ser jornalista não está na prática, mas na compreensão teórica sobre o tema e os problemas que o levam para a rua. E assim, o reducionismo da prática passou a ser elemento de crítica em sua concepção do que é ser jornalista.

Mas é no momento em que reconhece a importância do pensamento teórico que o entrevistado é levado a confrontar com outra indagação contraditória: há tempo suficiente para se pensar na produção jornalística? Acentua-se assim o esmagamento da rotina que impossibilita muitos a terem consciência do que se produz como matéria. Esse estado de conflito e tensão do Jornalismo tem de ser entendido pela determinação, e não pelo determinismo econômico. Isso remete a considerar que a luta se estabelece na redação. Há os esmagados pela rotina; há os que constroem sentido no cotidiano da profissão. E esses que lutam sabem que perdem hoje, ganham amanhã, e assim o resultado se vai se refletindo na narrativa da história de cada edição.

Que história está sendo narrada pelo jornalismo: pelo relato de Igor Miranda, longe de tratar aqui como maniqueísmo, há os esmagados pela rotina e os que produzem sentido no cotidiano. Tanto um quanto outro estão sentindo o peso dessa luta de ser sujeito histórico. O arquivo do jornal não revela esta dimensão de conflito. Para que se estabeleça valor histórico do Jornalismo é necessário reconsiderar

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as outras fontes de verdade para que se possa reconhecer o fundamento histórico. O jornalista pode não ter consciência do que produz como sentido histórico. Mas a decepção, como as que Igor Miranda teve em seu percurso, provam que viver é sempre produzir sentido sobre a realidade. Mesmo que para isso se tenha de refazer o próprio percurso, saltando do valor negativo para o positivo.

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