Ilha de Santa Catarina f l o r i a n 贸 p o l i s
TOMO I
copyright
2015 e coordenação geral Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro pesquisa e organização produção executiva
Gilberto Schmidt-Gerlach
R ede M arketing Cultural
coordenação editorial e design revisão e tradução
R enato R izzaro
Carmen Lucia Fóes Cruz L ima Gerlach
digitalização e tratamento de imagens I magem impressão I mpressul I ndústria
capa ao fundo
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Gráfica
Albert Gustav Schwartz, aquarela, 1893 / Ilha de Anhatomirim
Cme. Haudiard, 1740 / Vue de la Pointe du Nord Est de L’Isle de Ste. Catherine acervo
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Estudio
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M. Cristina Scomazzon
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Ilha de Santa Catarina f l o r i a n ó p o l i s
G ilberto S chmidt -G erlach P E S Q U I S A E O R G A N I Z AÇ ÃO
clube de cinema nossa senhor a do desterro
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Heinrich Kreplin, c. 1870
N. S. do Desterro. Insel Sta. Catharina. Acervo Ylmar Correa Neto
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Cai o Pano... Rodrigo de Haro
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Trocar de Nome... Gilberto Schmidt-Gerlach
22 24 28
A Revolta do Brasil - Desterro, 1893 Duarte Paranhos Schutel, 1894 Albert Gustav Schwartz
I
33 35 57
Hermann Meyer, 1895 Stanislaw Klobukowski, 1896 O Palácio do Rei Luiz
II
61 125 128 133
Virgilio Varzea, 1900 Ilha Barra - Norte, 1901 Cônego Jácomo Vicenzi, 1902 Arthur Dias, 1903
III
142
Navio-Escola Francês, 1903
IV
162 168 185 190
A Lenda do Morro do Antão, 1904 Eugen Currlin Fandango no Cacupé, 1906 As Curas do Tio Amaro
V
199 228 247
Diario de um Bohemio, 1907 Florianopolis ha Cem Annos, 1908 Minutos de Mar, 1909
VI
251 257
Cartas d’Ilheo, 1910 Boi de Mamão, 1911
VII
265 268 283 318 321 326
Impressões no Cinema, 1912 Alberto Entres Ernst von Hesse-Wartegg, 1913 Festa em Cannas Vieiras A Rua Trajano, 1914 A Bela Urbs Sulina
VIII
337 339 345 347 348 352 359
Bons Tempos, 1915 Novenas do Compadre Anastácio Concerto de Bombo, 1916 O Barbeiro da Praia de Fora Festa no Sacco dos Limões Assumptando Brazil-Alemanha: Estado de Guerra, 1917
IX
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Eduardo Dias, 1918
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Cai o Pano R odrigo
de
H aro
Academia Catarinense de Letras
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Ilha das Vinhas. Ao fundo, Pico do Cambirela, c. 1910 Acervo Apparecido Jannir Salatini, SP
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uando os corpos celestes se organizarem de novo na mesma ordem, tudo voltará a acontecer. O rio, a nuvem, o grito do urutau e o perene andarilho (espectro talvez do infatigável Jules le Jeune) tornarão a repetir o mesmo quadro. Será pelo píncaro do chamado ano áureo, marco inevitável do Eterno Retorno já assinalado em Plotino, esperado pelos pitagóricos. Até o Pregador no Livro do Eclesiastes afirma que nada existe de novo debaixo do sol. Tudo se repete. Um dia os muros de Tróia serão novamente levantados e outro rei cego idealizará o labirinto, pois os astros, para sempre cativos, seguem imutáveis sua dança. Mas nada é permanente, todos sabem. As moedas, as cidades, perdem depressa a agudeza dos ângulos e dos perfís. Os becos, as esquinas de outrora desaparecem durante um período semelhante à eternidade. Aqui e ali um parque tomba, algum portão majestoso desaparece. A própria luz se altera e nunca é a mesma. A Rua do Passeio alongava-se em acordes de clarineta, atapetavase de risos. “Sou a voz da tradição e falo de serenatas ao bandolim. Afasto-me com um suspiro. No tempo do Rei – sistema orgânico, éramos todos dourados”. De repente, tudo mudou. Até os nomes das ruas, filhos da sonora lira popular que nunca erra, foram afastados, em benefício do simples registro da razão positivista. Mas Florianópolis é ainda Desterro. Sob novos tempos o ilhéu reage como sempre o fez: com humor e galhardia. No Carnaval espoucam os limões de cheiro, entoa-se o cáustico “são progressos da Nação”. Houve muito mais – como o episódio do cabo Duarte e sua emblemática, trágica recusa. Moreira César implanta o terror, Anhatomirim é cena de gravuras goiescas. A ordem é apagar memórias, queimar retratos, trocar de nome... cai o pano.
Florianópolis amanhece para um tempo de credo positivista, com jornalismo encomiástico, mas circulam caixas de fósforo com imagens das vítimas de Moreira César que o bom José Boiteux apressa-se em colecionar. As fachadas modificam-se: um toque neoclássico impera nos frontões de alguns prédios. A doutrina espírita e a loja maçônica dão o tom propiciando interessante polêmica entre o jornalista Altino Flores e o nosso Bispo D. Joaquim Domingos de Oliveira Beleza, o primoroso. Um Orfeu com Eurídice em cerâmica do Porto adorna o alto de uma fachada no Largo da Alfândega. Aos pés do cantor voltado para suspiroso vulto no extremo do beiral, um galvo estica o focinho. O poético grupo resistirá ainda até o final dos anos cinquenta, ainda distantes, quando desaparecerá. Por tardas horas um piano desfia o filete de sua tímida água musical, nos enleios da Chácara do Hespanha, em perene espectativa de revelações. Os cavalos de cascos ritmados, conduzidos pelo cocheiro mal-dormido, cruzam o bairro sem interromper o devaneio sonoro de Daniel Pinheiro, compositor e seresteiro, sobrinho da lua como tantos outros...
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Óleo de Galdino Guttmann Bicho, 1919
Hercilio Pedro da Luz (29.5.1860 – 20.10.1924) Governador de Sta. Catarina em 3 mandatos: 28.9.1894 / 28.9.1898 28.9.1918 / 16.8.1922 28.9.1922 / 09.5.1924 Senador 1900, 1905 e 1915. Acervo MASC
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De fato, somos muitos os espíritos abrigados sob o pálio desta fértil madrinha. Impossível não citar o obstinado Paiva, arrebatado por seu invento, projetado aos céus da escadaria da Catedral Metropolitana pelo auspicioso vento sul, em sua vaporosa montgolfière. E como não evocar aquele homem-alado que obstinadamente projetou-se, mais de uma vez, da ponte sobre as águas do canal munido de asas de pano preto para logo ser recolhido pela oportuna lancha da Capitania, como um albatroz ferido? A ponte Hercílio Luz finalmente ligou-nos ao duro continente do senso comum onde os cantos e os trinados das sereias não exercem mais seus obstinados poderes. Aí, a passagem para o progresso! Tempos novos! Entretanto, a elegante estrutura metálica logo será absorvida pelo caráter irremediavelmente sonhador destes galegos sibilinos, criadores de apelidos implacáveis. Imediatamente integrada ao imaginário nativo, a ponte servirá como metáfora amorosa de torneios pelas alturas enluaradas, galante boêmio que foi Daniel Pinheiro. E o mitigado som do trânsito noturno sobre tábuas sonoras ia perder-se ao longe, para os lados da Praia de Fora como desbotado xilofone. A época de Hercílio Luz cabe num espelho art-decô onde a sociedade então vai mirarse. Cultiva o formalismo e novas utopias, como a modernidade. Luis da Baviera não teve aqui seu castelo como talvez outrora se pretenda, mas todas as tardes o Governador descia da Praça acompanhado pelos acessores compenetrados, pela banda executando dobrados, tomava sua lancha, contornava o canal e seguia até as alturas da atual Altamiro Guimarães em direção de sua residência entre palmeiras, acima daquela pequena praça triangular que veio a chamar-se de Etelvina Luz. Hercílio, educado na Bélgica, sentia-se um reformador; muitas vezes, enfrentando a estranheza popular. Sobre a velha Desterro desenhou Florianópolis, impassível. Controvertido e visionário, quis o mundo moderno. Abriram lojas. Referências evocativas da alta antiguidade surgiram nas fachadas, tais como Macedônia, o Líbano. As noites da Confeitaria Pérola eram famosas, iluminadas por lampadários de Lalique, embaladas pela cítara de Madame Carmila, onde pelas dez horas da noite as famílias cediam o espaço aos boêmios, aos literatos e aos políticos. Mas, pelas madrugadas, os fantasmas ainda rondavam: um coche fantasma, o Capa-Preta, certa donzela chorosa. Transatlânticos ancoravam fora da barra, mas os meninos prendiam vagalumes nas garrafas, como antigamente. Lembro-me dos cheiros das ruas: perfume das mangas, de cascas de abacaxi, aroma de café. A dança urbana alcançava o menino franco-joaquinense que descobria a Ilha no verdor dos sete anos. Com todos os sentidos disputava as descobertas, as informações, as promessas ainda informes de uma ilha; de uma cidade instalada sobre aquele misterioso barco verde, com morros protetores e os espaços além, onde existiam os engenhos, os presépios... Um certo balanço, a instabilidade do mundo marítimo, o ar salino. Tudo novo, tudo luzente como algum espaço mágico. Sem saber intuía os cenários de algum sainete de Scarlatti.
Tombe le Rideau
R odrigo
de
H aro
Quand les corps célestes retrouveront le même ordre, tout pourra de nouveau arriver. La rivière, le nuage, le cri d’uratau et le marcheur éternel (spectre peut-être de l’infatigable Jules le Jeune) reviendront à répéter le même tableau. Il sera par le sommet de la dite année dorée, borne inévitable de l’Éternel Retour déjà signalé en Plotin, attendu par les pythagoriciens. Même le Prédicateur du livre des Ecclésiastes affirme que rien n’existe de nouveau sous le soleil. Tout se répète. Un jour les murs de Troie seront de nouveau dressés et autre roi aveugle idéalisera le labyrinthe, car les astres, à jamais captifs, suivent immuables leur danse. Mais rien n’est permanent, tout le monde le sait. Les monnaies, les villes, perdent vite l’acuité des angles et des profils. Les ruelles, les coins d’autrefois disparaîssent pendant une période ressemblant à l’éternité. Ici et là un parc tombe, quelque portail majestueux disparaît. La lumière même s’altère et n’est jamais la même. La rue du Passeio s’allongeait en accords de clarinette, se tapissait en rires. “Je suis la voix de la tradition et je parle de sérénades à la mandoline. Je m’éloigne avec un soupir. Au temps du Roi – système organique, nous étions tous dorés.” Tout à coup, tout a changé. Jusque les noms des rues, fils de la sonore lyre populaire qui ne se trompe jamais, furent éloignés, au bénéfice du simple registre de la raison positiviste. Mais Florianópolis est encore Desterro. Sous de nouveaux temps l’insulaire réagit comme il le fit toujours: avec humour et bravoure. Au Carnaval éclatent les citrons parfumés, on entonne le caustique: “ce sont les progrès de la Nation”. Il y eut beaucoup plus – comme l’épisode du caporal Duarte et son emblématique, tragique refus. Moreira César implante la terreur, Anhatomirim est scène de gravures goyesques. L’ordre est d’effacer les mémoires, brûler les portraits, changer de nom: le rideau tombe. Florianópolis se lève pour un temps de credo positiviste, avec un journalisme laudatif, mais circulent des boîtes d’allumettes avec des images des victimes de Moreira César que le bon José Boiteux se dépêche de collectionner.
Les façades se modifient: une touche néoclassique règne aux frontons de quelques immeubles. La doctrine spirite et la loge maçonnique donnent le ton en favorisant une intéressante polémique entre le journaliste Altino Flores et notre Évêque D. Joaquim Domingos de Oliveira Beleza, le ravissant. Un Orphée avec Euridice en céramique du Porto orne le haut d’une façade de la Douane. Aux pieds du chanteur tourné vers un visage soupirant à l’extrémité de la corniche, une chimère allonge le museau. Le groupe poétique résistera encore jusqu’à la fin des années 50, déjà distants quand il disparaîtra. Bien tard un piano égrène le filet de sa timide eau musicale, dans les entrelacements de la Ferme du Hespanha, en pérenne expectative de révélations. Les chevaux de sabots rythmés, conduits par le cocher endormi, croisent le quartier sans interrompre la rêverie sonore de Daniel Pinheiro, compositeur et seresteiro, neveu de la lune comme tant d’autres... En fait, nous sommes beaucoup les esprits abrités sous la toge de cette fertile marraine. Impossible ne pas citer l’obstiné Paiva, emporté par son invention, projeté aux cieux de l’escalier de la Cathédrale Métropolitaine par le bon augure du vent du sud, en sa vaporeuse montgolfière. Et comment ne pas évoquer cet hommeailé qui de façon obstiné se lança, plus d’une fois du pont sur les eaux du canal avec des ailes de tissu noir pour bientôt être recueilli par la barque opportune de la Capitainerie, comme un albatros blessé? Le pont Hercilio Luz finalement nous a lié au dur continent du sens commun ou les chants et les roulades des sirènes n’exercent plus leurs pouvoirs obstinés. Alors, le passage pour le progrès! Temps nouveaux! Cependant, l’élégante structure métallique bientôt sera absorbée par le caractère irrémédiablement rêveur de ces galiciens sibyllins, créateurs de surnoms implacables. Immédiatement intégré à l’imaginaire natif, le pont servira comme métaphore amoureuse de tournois par les hauteurs de clair de lune, galant bohème que fut Daniel Pinheiro. Et le son mitigé de la circulation nocturne sur les planches sonores allait se perdre au loin, du côté de la Praia de Fora comme le son amorti d’un xylophone.
L’époque de Hercilio Luz tient dans un miroir art-déco où la société d’alors va se regarder. Elle cultive formalisme et nouvelles utopies, comme modernité. Louis de la Bavière n’eut pas son château ici comme on le prétendait autrefois, mais tous les après-midis le gouverneur descendait la place accompagné par ses assesseurs convaincus, par l’orchestre qui jouait dobrados, prenait sa barque, contournait le canal et suivait jusqu’aux hauteurs de l’actuelle Altamiro Guimarães vers sa résidence au milieu des palmiers, au dessus de la petite place triangulaire qui vint à se nommer Etelvina Luz. Hercilio, élévé en Belgique, se sentait un réformateur; affrontant bien souvent l’étonnement populaire. Sur la vieille Desterro il dessina Florianópolis impassible. Controversé et visionnaire, il voulut le monde moderne. On ouvrit des magasins. Des références évocatrices de la haute antiquité surgirent aux façades, telles quelles Macedônia, o Líbano. Les nuits de la Confiserie Pérola étaient fameuses, illuminées par des lampadaires de Lalique, emballées par le cithare de Madame Carmila, où vers les dix heures du soir les familles cédaient l’espace aux bohémiens, aux littérateurs et aux politiciens. Mais à l’aube, les fantômes rodaient encore: un carrosse fantôme, le Capa-Preta, certaine donzelle pleureuse. Des transatlantiques ancraient en dehors de la barre, mais les enfants tenaient des ver-luisants dans les bouteilles, comme autrefois. Je me souviens des odeurs des rues: parfums de mangue, d’écorces d’ananas, arôme de café. La danse urbaine atteignait le garçon franco-joaquinense qui découvrait l’Île dans la verdeur des 7 ans. Avec tous ses sens il disputait les découvertes, les informations, les promesses encore informes d’une île; d’une ville installée sur ce mystérieux bateau vert, avec des montagnes protectrices et les espaces au délà où existaient les moulins à sucre, les crèches... Un certain balancement, l’instabilité du monde maritime, l’air salin. Tout nouveau, tout luisant comme quelque espace magique. Sans le savoir j’avais l’intuition des décors de quelque saynète de Scarlatti.
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Trocar de Nome... Gilberto Schmidt-Gerlach Academia Catarinense de Letras
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Joseph Brüggmann, c. 1866
Consulado Alemão na Praia de Fora, Rua Bocaiúva, 42. À direita, Consulado da Suiça, com bandeira hasteada. Acervo Udo von Wangenhein
Praia de Fora, Baía Norte, região de São Luis, 1927. Acervo Apparecido Jannir Salatini, SP
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nova cidade nasceu sob o ressentimento de um tirano. Atenas sucumbia aos espartanos de farda que fuzilavam na ilha de Anhatomirim o último reduto da monarquia brasileira. Não bastassem as frequentes visitas de outras pestes – o Cholera morbus, a febre amarela – e ainda o vazio deixado com o desaparecimento de centenas de jovens para o extermínio em terras paraguaias, a Ilha de Santa Catarina era de novo terra de los perdidos, malsã. Houvera o ressurgimento nos anos 1880 com o Presidente Gama-Rosa e seus amigos Várzea e Cruz, manifestado também na alegria dos Carnavais venezianos de então: “Oh! Cidade gentil!... tão feiticeira, qual nunca se tornou Veneza ou Roma.” (Silva Azevedo) Nova cidade, novo nome a partir de 3 de outubro de 1894 – Florianópolis (cidade de Floriano, o presidente tirano da República do Brasil). Para satisfazer o ego republicano, foram dados nomes próprios para as ruas, no lugar das poéticas indicações de Alecrim, da Palma, do Rosário, do Soeiro, das Flores, Mimosa, etc. Para refrescar o caldeirão mefistofélico de 1896, um chalet era aberto dia 1º de janeiro no jardim da Praça para oferecer a novidade do “gelado”, o sorvete do Rodrigues. Entre uma chartreuse, gemma de ovo e licor, esperava-se a nova chegada da Companhia Dramática da atriz Apollonia Pinto. O Carnaval deste ano bissexto de 1896 começara a 16 de fevereiro. Os Pantomimeiros e os Netos do Diabo, com os mascarados sujos, prometiam animar os arrefecidos. Passado o Carnaval, vinha a Festa do Divino, com suas barraquinhas que ofereciam em seus leilões de prendas, galinhas com pernas amarradas, pombas com laços de fita no pescoço, roscas tostadinhas, pencas de bananas e laranjas, ramos de flores naturais e artificiais. Colunas de pau, velas de navio a guisa de toldo serviam de abrigo. Os jogos do malhão, do nove, 21, sete e meio, carteta e lansquenet corriam soltos nos arredores; a carne verde meio podre era vendida no Mercado. Seiscentos cubos eram transportados, todos os dias, 12 horas pela noite, por três carroças de bambinelas verdes para fazer o despejo no mar, desta carga das 1.800 casas do perímetro urbano. O Cinematographo surgia na cidade em setembro de 1900, no Theatro Santa Izabel, agora Álvaro de Carvalho. Era o início de uma maravilha que iria também encantar os ilhéus.
O Café Popular da Praça XV, o Theatro e o Trapiche seriam sacudidos pelo grande temporal da noite de 25 de setembro. A Liga Operária inaugurava sua banda musical. Junto com o Biograph (Cinematographo) apareciam as novidades da Telephatia e do Hipnotismo, comandados por Mister Hicks e executados por Miss Darbow. Nestes primeiros anos do novo século, a cidade acolheu a artista lírica, dramática e tragicômica, a belíssima Onelia Menzatri. Também a grande Luiza Leonardo, que em 1883, ao lado de Moreira de Vasconcellos, tanto encantara Várzea e Cruz, dava seu adeus à cidade com a revista cômico-lírica, “Florianópolis... em Camisa.” Rigoletto, de Verdi, era encenado pela primeira vez no inverno de 1903. No ano seguinte, Joaquim Margarida anunciava a chegada, vindas da Alemanha, das primeiras máquinas permitindo a produção de gravuras e a impressão dos cartões postais, tão em voga. Lançava em setembro de 1904 uma coleção de 30 cartões com vistas da cidade. Neste mês, o Gremio Violeta comemorava seu 1º aniversário com magnífico concerto e baile no Theatro. Verdi, Carlos Gomes, Marchetti e Espinosa foram interpretados após os hinos nacionais do Brasil e da Alemanha. O concorrido Café Natal, na parte inferior do jardim da Praça, oferecia duas vezes por semana, recitais de uma orquestra regida por mestre Pavão, da Amor à Arte. A municipalidade, por extensão, resolveu também proporcionar aos domingos, números de polcas, valsas, marchinhas e dobrados. O furacão de março de 1906 arrasou a cidade em 20 minutos, aumentando o estado de trevas em que se encontrava, com suas ruas enlameadas. No final de abril de 1907, falecia nesta capital o flautista Pattapio Silva. Estava em tournée pelo sul do Brasil. No inverno se apresentava a Grande Companhia Lírica do maestro Acchile Del Puente. Na primavera, as exímias pianistas Leonie Lapagesse, Sarita Simone e Olindina Mendonça, com a cantora Albertina Blum e o jovem violinista Guilhermino Chaplin, todos da Ilha de Santa Catarina, extasiavam o público com interpretações de Verdi, Leon Cavallo e Puccini. No Carnaval de 1908, duas novas sociedades surgiam: os Tupynambás e os Temerários da Figueira. Em abril, uma linha de bonds era inaugurada, com percurso de 2 km, entre a Rita Maria e o Largo XIII de Maio. Eram 4 carros para passageiros, 9 de cargas e 20 muares como força motora. Cartas anônimas à corbeau escandalizavam na Rua Esteves Junior. Por esta época estava na Ilha vindo do Rio de Janeiro o grande Virgilio Varzea, para rever amigos. Um lauto almoço lhe foi oferecido no Hotel do Commercio. Seu parceiro de “Trópos e Phantasia”, Cruz e Sousa, falecera há 10 anos... Enquanto isso, um preto alcunhado de Macacão, perto dos 100 anos, resolvia deixar este mundo, despedindo-se dos amigos e lançando-se nas águas do Trapiche do Lloyd, na Rita Maria. A 7 de julho, no Theatro, era apresentado com grande sucesso, “A Vida e Paixão de Christo”, filme com 39 quadros coloridos. Em dezembro, uma nova linha de bonds era implantada, saindo da Praça XV, passando entre a Praça Pereira Oliveira e o Theatro, seguindo pela Praça do Quartel e Benjamin Constant (Mato Grosso), Praia de Fora e Pedra Grande. Cada bond era puxado por 3 muares, o que causava indignação pelo maltrato aos animais. A municipalidade pretendia retirar o gradil de ferro que cercava o jardim da Praça, vindo com muita dificuldade de Birmingham. O que motivou justos protestos do Padre Cruz. Após os bonds e telephones, era a presença dos primeiros automóveis que circulavam.
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Julio Moura, o ativo empresário do Cinematographo, criava nos altos do Morro da Maçonaria, o Parque Catharinense, com sessões ao ar livre, teatro e rinque de patinação. A carreira Arataca, da firma Hoepcke, anunciava a chegada de um navio vindo da Europa, o Anna, fazendo da viagem para o velho Continente e América, uma realidade. A mania da grafitagem de hoje já acontecia em 1908, quando era constante a reclamação contra os muros e casas pichadas a carvão. Em novembro de 1909, inauguração na parte inferior do jardim, do Café Commercial. No ano seguinte, começavam as obras do cais que iria da Prainha até a Rita Maria, o primeiro dos aterros da baía sul. Os populares de rua marcavam presença na Ilha com suas alcunhas apropriadas. Os antigos Joaquim Certeza, Zé dos Papeis, Maria Alemã, Fumaça, João Tenente e Papagaio davam lugar aos novos – Eva Urubu, Mangangava, Julio dos Brilhantes, Bicoé, Hercilio Maluco, Capivara, etc. No Morro do Antão uma caixa d’água foi inaugurada em maio de 1910, com a canalização vindo em seguida. Para o divertimento, além dos Circos e Touradas, o Parque do Moura, o Theatro, o Cinema Casino, existiam os Cafés do Farrapo, do Linhares, do Kirchner, do Buichadós, Natal e Commercial, a Confeitaria do Chiquinho. Apesar das trevas da iluminação a acetileno do Theatro, aplaudiam Maria Aubert e Apollonia Pinto. Em agosto falecia com a idade de 89 anos Augusto Guilherme Hautz, o alemão que revolucionou a música na Ilha, o introdutor do piano em Santa Catarina. O foot-ball apareceria neste mês, numa disputa entre o Gymnasio Santa Catharina contra uma seleção de jovens de outros Estados. Realizado no Campo do Manejo, venceram os catarinenses por 2 a 1. Os esportes favoritos, até então, eram o remo, a corrida de cavalos (na Praia de Fora e no Saco dos Limões) e a briga de galos. O remo tivera sua primeira regata em 1861 e continuaria ativamente por mais um século. Em setembro de 1910, finalmente, chegava a luz elétrica na Praça, no mês seguinte na Rua Esteves Junior; em São José, somente três anos depois. Em janeiro de 1911, o Club Beethoven dava um recital clássico no jardim da Praça, às 10 da noite, sob intensa iluminação de 2.000 velas elétricas. No programa: Beethoven, Gounod, Wagner, Mendelsohn e Meyerbeer. Em abril de 1912, triunfava a infeliz idéia da retirada do gradil de ferro do jardim da Praça. Junto, faziam uma derrubada de árvores e removiam as pedras da gruta artificial. Poucos anos depois seriam os Cafés e Chalets ali existentes. Pela terceira vez nossos cinemas reprisavam “Os Miseráveis” de Victor Hugo. Era março de 1913 e o Theatro, com lotação esgotada todos os dias, tinha seu público suando às bicas. Ainda da França, nos últimos dias de março, um affiche com letras vermelhas anunciava o “Paris – Apache”, onde Madame Lucie prometia uma gigolette comme il faut, interpretando “com toda a alma de Montmartre essa dança macabra nascida do bas-fond dos cabarets”. Em junho de 1914, a travessia Ilha - Continente era feita pelas lanchas Mimi, Rio Grande do Sul e Veloz (depois, Liberdade, Independencia, Olga e Dora). Dependendo do vento, sul ou norte, a atracação era feita nos trapiches Micholet, Oliveira Carvalho, Praia de Fora e Brando. Preço da passagem: 200 réis; 100 para estudantes e operários; gratuito para militares, carteiros, mendigos, Irmãs de Caridade e membros do Asilo de Órfãos. Em outubro, a Imprensa reclamava dos bailes públicos realizados pelas meretrizes no centro da cidade: “... esta gentalha da Pedreira e os rebotalhos da sociedade, os dondocas”. Na madrugada de 5 de outubro de 1915, o Café Commercial sofria um incêndio devastador; a 1º de março de 1916 ele seria reinaugurado.
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Em fevereiro de 1916, o Theatro recebia o cantor wagneriano e compositor Hans Edgar Oberstetter, das Cortes Reais da Prússia e da Bavária. Em agosto deste ano apareciam na Imprensa as primeiras notícias da construção da Ponte sobre o canal do Estreito. A notícia fora recebida com desconfiança, pois, o ponto terminal da estrada de ferro, tão prometido, jamais saíra do papel. Em novembro, o poeta Olavo Bilac estava na Ilha por um dia, passeando por ela de automóvel com o Governador Felipe Schmidt e almoçando no Hotel Metropol. Em janeiro de 1917, começavam as obras na região do Campo do Manejo para cima, seguindo o rio da Bulha, resultando na urbanização da Avenida que se chamaria Hercílio Luz. Em março, o Theatro abrigava um Campeonato de Luta Romana entre os campeões de 7 países: Brasil, Argentina, França, Alemanha, Austria, Suiça e Itália. Em maio, o Circo Variedade de José Julianelli estava na Ilha com 28 artistas de ambos os sexos e também o Cinematographo. Em setembro era apresentada uma proposta para a construção de uma ponte de madeira que ligasse a Ilha ao Continente. A proposta fora recusada. A 1ª guerra mundial trazia consequências de penúria para a população no tocante aos preços dos produtos alimentícios. Por outro lado, o movimento artístico dos talentos nativos na área da música era intenso e de boa qualidade. Em 11 de setembro deu-se no Theatro a estréia da famosa série de Louis Feuillade – “Os Vampiros”, em 10 episódios. Uma tabela de preços era apresentada pelos taxistas de então: 2 mil réis por quilômetro para 1 ou 2 passageiros; 10 mil réis por hora. O suicídio do fotógrafo Conrado Goeldner, em 21 de dezembro, consternou a cidade.
Chalé do Jardim Oliveira Bello, c. 1896
Para refrescar o caldeirão mefistofélico de 1896, este chalet oferecia a novidade do “gelado”, sorvete do Rodrigues. Acervo Ademar Goeldner
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Em fevereiro de 1918, o ilusionista Wetryk deslumbrava a platéia do Theatro, ao mesmo tempo em que era levada na tela a produção brasileira de “O Guarany”, da Fabrica Paulista. Como no Carnaval deste ano as autoridades haviam proibido o uso de máscaras, um comerciante, sentindo-se lesado, resolveu cobrir o prejuízo pintando rostos a 1.000 réis. Ganhou dinheiro... “O Enigma da Máscara”, famoso seriado, era levado em duas salas, no Theatro e no Casino. A empresa exibidora oferecia 200.000 réis para quem descobrisse quem era o “Máscara risonha”. A Companhia espanhola Salvat-Olona apresentava-se na cidade, com sucesso. Enquanto isso, um incidente movimentara a esquina da Conselheiro Mafra com a Jerônimo Coelho, quando um alemão de cavanhaque era acusado de boche e espião do Kaiser... Com as notícias da guerra e as perseguições aos alemães e descendentes, chegava também na Ilha a gripe espanhola, a influenza, combatida com suador de sabugueiro, purgante e chá de alho. Passada a febre e terminada a 1ª guerra mundial, o Theatro voltava a abrir seu rink de patinação. Em dezembro, no cinema Casino, Antonio Leal exibia seu documentário de 30 minutos sobre a eleição do Governador Hercilio Luz e aspectos das cidades de Brusque, Blumenau e Caldas do Cubatão. Em fevereiro de 1919, duas exposições de pintura movimentavam o meio artístico: Galdino Guttmann Bicho, professor no Liceu de Artes, e Eduardo Dias, talento confirmado em várias telas, sobretudo as paisagens da Ilha. Neste mês, pavoroso incêndio ocorreu pela madrugada em prédios situados na Rua Felipe Schmidt, próximo à Praça XV. Também o cinema Casino foi atingido, queimando 200 latas de filmes, inclusive o seriado “Os Mistérios de New York”. Em agosto, Julio Moura, arrendatário do Theatro, contratava Eduardo Dias para pintar o pano de boca; o ventríloquo e ilusionista Conde Themistocles apresentava-se nesta casa de espetáculos e diversões. A cidade contava, então, com 4 hotéis e algumas pensões familiares. Eram os hotéis Taranto (26 quartos), Metropol (25), Macedo (22) e Internacional (12). Não davam conta da demanda. Em dezembro, pleno verão, era inaugurado o novo Cinema Ponto Chic, em prédio da Praça XV. Em maio de 1920, a Imprensa alertava para o grande número de automóveis que transitavam pelas ruas centrais. Havia 150 carros registrados para uma população em torno de 40 mil habitantes. Em agosto, Eduardo Dias recebia a incumbência de decorar todo o interior da Igreja do Rosário, cobrindo paredes e teto com motivos bíblicos, as imagens de Jesus e Santa Sophia. Governador Hercílio Luz assinava o contrato para a construção da ponte sobre o canal do Estreito. No Campo do Manejo estreava uma Companhia Ginástica Japonesa. Eduardo Dias mais uma vez confirmava seu perfeccionismo realizando no Salão Beck uma exposição de 25 quadros. Em agosto de 1922, estava no Club Concordia a pianista russa Luba d’Alexandrowska, interpretando Bach, Schumann, Albaniz e Chopin. Em setembro iniciava a construção da Ponte de Ferro; ao mesmo tempo, os serviços de saneamento do rio da Bulha estavam quase concluídos. Uma trupe de Peles Vermelhas vinda da América do Norte estava no Theatro apresentando suas habilidades nos punhais chamejantes e no laço. Um recital de poesias era levado no Theatro, em março de 1923, em homenagem aos 25 anos da morte de Cruz e Sousa. Enquanto o Café Commercial fechava suas portas em julho, no mês seguinte abria outro, o Java, nos arredores da Praça XV. Com as obras da Ponte, a lancha Sucury era lançada como novidade para a travessia Ilha – Continente e vice-versa. Em setembro, a pianista francesa Renée Florigny dava um concerto no Theatro, executando trechos de Liszt, Daquin, Albeniz, Debussy, Florigny, Funagalli, Gounod, Chopin, Paderewski e Gottschalk (Hino Nacional).
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O início do combate a cocainomania na Ilha data de 1924. As polcas e valsas passavam a ser substituídas pelos Jazz-bands. Em maio era inaugurado no centro o Café Royal, oferecendo além dos serviços principais, três concertos mensais de jazz. Na Rua João Pinto era inaugurado um cinema com 600 lugares e boa ventilação – o Internacional. Na cabine, um aparelho alemão da marca Krupp-Ernemann apresentava como primeira sessão o filme “Estrada Deserta”. Duas personalidades faleciam neste ano de 1924: o Governador Hercílio Luz e o empresário Carl Hoepcke. Com as obras da Ponte, o antigo cemitério seria destruído. Este cemitério, inaugurado com o sepultamento de uma jovem de 18 anos em 20 de dezembro de 1841, abrigara nestes 83 anos cerca de 30 mil cadáveres. A cidade tentacular, o polvo ardente e o ossário... A euforia e o esplendor da cidade moderna, glorifica a vida e afasta do caminho as carcaças solenes do cemitério. A Imprensa chamava a atenção do inconveniente destas carroças cheias de entulho misturado aos esqueletos, que, atravessando a cidade, iam fazer o depósito no Largo XIII de Maio. Nos dias 13 e 14 de novembro de 1925, a Companhia alemã de dramas e comédias – Georg Urban, apresentava no Theatro o drama de Ibsen, “Ein Puppenhein” e a comédia “Der Keusche Lebemann”, de Arnold e Bach. No Ponto Chic, em espetáculo dedicado à colônia portuguesa, era exibido o filme “O Primo Bazilio”, em 9 atos duplos, da obra de Eça de Queiroz. Com a inauguração da Ponte em maio de 1926, a cidade ganhava foros de capital moderna. Por consequência, nas ruas começavam a transitar mais automóveis, ocasionando os primeiros acidentes. A Imprensa reclamava da excessiva velocidade permitida de 20 km/h no perímetro urbano. O número de automóveis registrados já passava dos 200. No Theatro, a Companhia Alemã de Bailados Russos Sascha Morgava fazia sua estréia. Em janeiro de 1927, a cidade recebia um jovem artista vindo de São Joaquim (planalto catarinense), Martinho de Haro, que expunha com muito sucesso algumas de suas telas. Em fevereiro, o jornalista Crispim Mira era covardemente assassinado em seu escritório. Nos cinemas, o filme brasileiro de Humberto Mauro – “Braza Dormida”, fazia sucesso; da empresa UFA, os clássicos alemães “Variété” (E.A. Dupont, 1925), “Tartufo”, “Fausto” (F. W. Murnau, 1925-26) e “Metrópolis” (F. Lang, 1926) foram apresentados, pois Emil Jannings (nos 3 primeiros filmes), era o ator mundial mais conhecido. No Ponto Chic e Variedades estava o filme de D. W. Griffith – “As Orphãs da Tempestade”, com as irmãs Dorothy e Lilian Gish. O russo “Miguel Strogoff”, com Ivan Mosjoukine, foi apresentado em 12 partes “artisticamente colloridas”. Além dos faroestes, seriados e dramas norteamericanos, os cômicos Max Linder e Charles Chaplin eram os preferidos. Em 28 de setembro de 1928, comemorando o 2º aniversário da posse do Governador Adolpho Konder, foi inaugurado o Bar Miramar, situado defronte ao Largo Fernando Machado, avançando para o mar. Marcou esta e as seguintes décadas, até que o aterro de 1974 viria varrer qualquer traço de sua existência. No início de 1929, a Imprensa reclamava da taxa cobrada aos transeuntes para atravessar a ponte – 100 réis, que não era nada, mas representava muito para a população carente. No ano anterior esta taxa chegara a somar 133 contos de réis! A cidade se modernizava com as demolições e alargamentos de ruas, como a Felipe Schmidt. Dos 4 cinemas existentes, somente o do Theatro funcionava, precariamente. Os flamboyants da Praça XV eram derrubados e a Imprensa lançava um epíteto que pode ser aplicado aos dias de hoje: “Florianopolis já é uma cidade sem árvores. As suas ruas faiscam á canícula...”. A Belle Époque chegava ao fim. Novamente a presença militar (revolução de 30) se fazia. Desterro morria pela segunda vez.
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Changer de Nom... Gilberto Schmidt-Gerlach
La nouvelle ville naquit du ressentiment d’u n t yran. At hènes succomba it au x Spartiates en uniforme qui fusillaient dans l’île d’Anhatomirim, dernier refuge de la monarchie brésilienne. Comme si les fréquentes visites d’autres pestes ne suffisaient pas – le Cholera morbus, la fièvre jaune – et en plus le vide laissé par la dispariton de centaines de jeunes pendant le conflit Brésil/ Paraguay, l’Île de Sainte Catherine était à nouveau terre de los perdidos, malsaine. Il y eut un renouvellement dans les années 1880 avec le Président de la Province GamaRosa et ses amis Várzea et Cruz, manifesté dans la joie des Carnavals vénitiens de l’époque: “Oh! Ville gentille!... si sorcière, comme jamais ne l’a été Vénise ou Rome.” (Silva Azevedo) Nouvelle ville, nouveau nom à partir du 3 octobre 1894 – Florianópolis (ville de Floriano, le président tyran de la République du Brésil). Pour satisfaire l’ego républicain, des noms propres ont été donnés aux rues, au lieu des indications poétiques, telles que Alecrim, Palma, Rosario, Soeiro, etc. Pou r rafra îch i r le chaud ron méphistophélique de 1896, un chalet était ouvert le premier janvier sur la Place XV pour offrir la nouveauté du gelado, la glace de Rodrigues. Entre une chartreuse, jaune d’oeuf et liqueur, on attendait l’arrivée de la Compagnie Dramatique de l’actrice Apollonia Pinto. Le Carnaval de cette année bisextile de 1896 commençait le 16 fevrier. Les Pantomimeiros, Netos do Diabo et les déguisés masqués de rue promettaient animer les endormis. Après le Carnaval, venait la Fête du Saint Esprit, avec ses tentes qui offraient à la vente aux enchères des cadeaux, poulets aux pattes attachées, pigeons aux rubans autour du cou, beignets frits, bananes, oranges, bouquets de fleurs naturelles et artificielles. Des colonnes de bois et des voiles de bateau en guise de bâche servaient d’abri. Les jeux de malhão, nove, 21, sete e meio, carteta et lansquenet, abondaient aux alentours; la viande verte à moitié pourrie était vendue au Marché Public. Six cents cuves étaient transportées, tous les jours, pendant toute la nuit par trois carrosses de bambinelas verts,
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pour jeter à la mer les déchets des 1.800 maisons du périmètre. Le Cinematographo arrivait en ville en septembre 1900, au Théâtre Santa Izabel, actuellement Álvaro de Carvalho. C’était le début d’une merveille qui allait aussi enchanter les habitants de l’Île de Sainte Catherine. Le Café Popular de la Place XV, le Théâtre et la Jetée seraient secoués par la grande tempête de la nuit de 25 septembre. La Liga Operária inaugurait son groupe musical. Avec le Biog raph (Cinematogra pho) apparaîssaient les nouveautés de la Telephatia et de l’Hypnotisme, commandées par M. Hicks et exécutées par Mlle. Darbow. Dans ces premières années du nouveau siècle, la ville accueillit l’artiste lyrique, dramatique et tragicomique, la très belle Onelia Menzatri. La grande Luiza Leonardo, qui en 1883, avec Moreira de Vasconcellos, avait enchanté Várzea et Cruz, donnait son adieu à la ville avec la revue comique-lyrique, “Florianópolis... em Camisa”. Rigoletto, de Verdi, était mis en scène pour la première fois en l’hiver de 1903. L’année suivante, Joaquim Margarida annonçait l’arrivée, venant de l’Allemagne, des premières machines pour la production de gravures et l’impression de cartes postales, à la mode. Il lançait en septembre 1904, une collection de 30 cartes postales sur la ville. Ce même mois, le Gremio Violeta fêtait son premier anniversaire avec um magnifique concert et bal au Théâtre. Verdi, Carlos Gomes, Marchetti et Espinosa y étaient interprétés, après les hymnes nationaux du Brésil et de l’Allemagne. Le renommé Café Natal, dans la partie inférieure du Jardin de la Place XV, offrait deux fois par semaine, des récitals d’une orchestre régie par maître Pavão, de l’Amor á Arte. La municipalité aussi décida de présenter, les dimanches, des numéros de polkas, valses, marchinhas et dobrados. L’ouragan de mars 1906 détruisit la ville en 20 minutes, amplifiant l’horrible état dans lequel elle se trouvait avec ses rues couvertes de boue. À la fin d’avril 1907, mourait dans cette capitale le flûtiste Pattapio Silva. Il venait d’une tournée dans le Sud du Brésil. En hiver se présentait la Grande Companhia Lírica du
maître Acchile Del Puente. Au printemps, les pianistes Leonie Lapagesse, Sarita Simone et Olindina Mendonça avec la chanteuse Albertina Blum et le jeune violoniste Guilhermino Chaplin, tous originaires de l’Île de Sainte Catherine, enchantaient le public avec des interprétations de Verdi, Leon Cavallo et Puccini. Au Carnaval de 1908, deux nouvelles sociétés arrivaient: les Tupynambás et les Temerários da Figueira. En avril, une nouvelle ligne de tramways était inaugurée, avec un parcours de 2 km, entre Rita Maria et Largo XIII de Maio. C’étaient 4 voitures pour les passagers, 9 pour les marchandises, avec 20 mules comme force motrice. Des lettres anonymes à corbeau scandalisaient la rue Esteves Junior. À cette époque se trouvait dans l’Île, venant de Rio de Janeiro, le grand Virgilio Varzea, pour revoir les amis. Un banquet lui fut offert dans l’Hôtel du Commercio. Son compagnon de “Trópos e Phantasia”, Cruz e Sousa, était mort depuis 10 ans… Cependant, un noir nommé Macacão, agé de presque 100 ans, décidait de quitter ce monde, il disait adieu aux amis, et se donnait la mort dans les eaux de la jetée du Lloyd, à Rita Maria. Le 7 juillet, au Théâtre, était presenté avec grand succès, “La Vie et Passion de Christ”, film avec 39 tableaux en couleurs. En décembre, une nouvelle ligne de tramways était fondée, partant de la Place XV, en passant entre la Place Pereira Oliveira et le Théâtre, en suivant par la Place de l’Armée et Benjamin Constant (Mato Grosso), Praia de Fora et Pedra Grande. Chaque tramway était tiré par 3 mules, ce qui causait l’indignation vu la maltraitance aux animaux. La municipalité avait l’intention de retirer la grille en fer qui entourait le Jardin de la Place XV, qui, avec beaucoup de difficulté, était venue de Birmingham, provocant de justes protestations du Père Cruz. Après les tramways et les téléphones, c’ét a ient les prem ières voit u res qu i circulaient. Julio Moura, l’actif entrepreneur du Cinematographo, créait, dans les hauts du Morro da Maçonaria, le Parque Catharinense, avec des séances en plein air, de théâtre et une patinoire.
La carrière Arataca, de l’entreprise Hoepcke, annonçait l’arrivée d’un bateau venant de l’Europe, le Anna, faisant du voyage, entre le vieux Continent et l’Amérique, une réalité. La manie du graffiti d’aujourd’hui arriva en 1908, quand était constante la réclamation contre les murs et maisons goudronnés au charbon. En novembre 1909, était inauguré, dans la partie inférieure du Jardin de la Place, le Café Commercial. L’année suivante commençait le travail de construction du quai entre Prainha et Rita Maria – le premier terrassement de la baie sud. Les clochards marquaient leur présence dans l’Île de Sainte Catherine avec des surnoms appropriés. Les anciens Joaquim Certeza, Zé dos Papeis, Maria Alemã, Fumaça, João Tenente et Papagaio, cédaient leurs places aux nouveaux – Eva Urubu, Mangangava, Julio dos Brilhantes, Bicoé, Hercilio Maluco, Capivara, etc... Dans le Morro do Antão une réserve d’eau était inaugurée en mai 1910, puis la canalisation. Pour le divertissement, en dehors des cirques et corridas, le Parque do Moura, le Théâtre, le cinéma Casino, il y avait les Cafés do Farrapo, Linhares, Kirchner, Buichadós, Natal, Commercial et la Pâtisserie du Chiquinho. Malgré le peu d’illumination à l’acetilène du Théâtre, ils appaudissaient Maria Aubert et Apollonia Pinto. En août moura it à l’âge de 89 ans Augusto Guilherme Hautz, l’allemand qui a révolutionné la musique en introduisant le piano dans l’Île de Sainte Catherine. Le football surgit ce mois-là, avec un match entre le Gymnasio Santa Catharina et une sélection de jeunes d’autres États. Au Campo do Manejo les catharinenses furent vainqueurs par 2 à 1. Les sports favoris à l’époque, étaient l’aviron, la course de chevaux (sur la Praia de Fora et au Saco dos Limões) et les combats de coqs. L’aviron connut sa première régate en 1861 et continua énergiquement plus d’un siècle. En septembre, finalement, la lumière éléctrique arrivait à la Place XV, au mois suivant à la rue Esteves Jr.; à São José da Terra Firme la lumière n’arrivera que trois ans après. En janvier 1911, le Club Beethoven donnait un récital classique dans le Jardin de la Place, à 22 heures, sous une lumière intense avec 2.000 bougies éléctriques. Au programme: Verdi, Gounod, Wagner, Mendelsohn et Meyerbeer. En avril 1912, triomphait la malheureuse idée de l’enlèvement de la grille en fer du Jardin de la Place. Certains arbres étaient
arrachés et les pierres de la grotte artificielle enlevées. Peu d’années après les cafés et les chalets disparaîssaient aussi. Pour la troisième fois nos cinémas reprenaient “Les Misérables” de Victor Hugo. C’était en mars 1913 et le Théâtre complet tous les jours, son public suant à grosses gouttes. Toujours en provenance de France, à la fin mars, une affiche aux caractères rouge vif annonçait le “Paris – Apache” où Madame Lucie promettait une “gigolette comme il faut”, en dansant avec toute l’âme de Montmartre, cette danse macabre venue des bas-fonds des cabarets. En juin 1914, la traversée Île – Continent était faite par les chaloupes Mimi, Rio Grande do Sul et Veloz (après, Liberdade, Independencia, Olga et Dora). L’accostement dépendait des vents (du nord et du sud), aux jetées Micholet, Oliveira Carvalho, Praia de Fora et Brando. Le prix du billet était 200 réis; 100 pour les étudiants et ouvriers; gratuit pour les militaires, les facteurs, les clochards, les Soeurs de Charité et les personnes de l’Orphelinat. En octobre, la presse réclamait des bals publics réalisés par les prostituées au centre de la ville: “...cette racaille da Pedreira et les refusées de la société, les dondocas”. A l’aube du 5 octobre 1915, le Café Commercial souffrait un incendie dévastateur; le premier mars 1916 il était réinauguré. En février 1916, le Théâtre recevait le chanteur wagnerien et compositeur, Hans Edgar Oberstetter, des Cours Royales de la Prusse et de la Bavière. En août, apparaîssait dans la presse les premières nouvelles de la construction du Pont entre l’Île et le Continent reçues avec méfiance par le peuple car la construction de la gare, tellement promise par les autorités, ne s’était pas réalisée. En novembre, le poète Olavo Bilac se promenait dans l’Île avec le Gouverneur Felipe Schmidt et déjeunait à l’Hôtel Metropol. En janvier 1917, les travaux au Campo do Manejo commençaient, en suivant la rivière de la Bulha et devenant l’urbanisation de l’avenue qui s’appellerait Hercilio Luz. En mars, le T héât re accuel la it u n Championnat de Lutte Romaine entre les champions de 7 nations: Brésil, Argentine, France, Allemagne, Autriche, Suisse et Italie. En mai, le Circo Variedades de José Julianelli était dans l’Île avec 28 artistes (des hommes et des femmes) et aussi le Cinematographo. En septembre, un autre projet pour la construction d’un pont de bois entre l’Île et le Continent a été rejeté.
La première guerre mondiale portait la pénurie pour la population en ce qui concerne le prix des aliments. Cependant, le mouvement artistique des talents natifs dans le domaine musical était intense et de bonne qualité. Le 11 septembre, la première du renommé film en série de Louis Feuillade – “Les Vampires”, en 10 épisodes. Un tarif était fixé par les taxis: 2 mil réis pour un ou deux passagers; 10 mil réis l’heure. Le suicide du photographe Conrado Goeldner le 21 décembre a consterné la ville. En février 1918, l’illusioniste Wetryk éblouissait l’assistance du Théâtre, en même temps qu’on voyait à l’écran la production brésilienne “O Guarany”, de la Fabrica Paulista. Cette année les autorités avaient interdit l’usage des masques au Carnaval; un commerçant, se sentant désavantagé, a décidé de couvrir son préjudice en peignant les visages à un mil réis. Il a gagné de l’argent... “L’énigme des masques”, film en série, était présenté dans deux salles, au Théâtre et au Casino. L’entreprise exploitante offrait 200 mil réis pour celui qui découvrirait qui était le masque souriant. La Compagnie espagnole Salvat Olona se présentait en ville avec succès. Pendant ce temps un incident agitait les coins des rues Conselheiro Mafra et Jerônimo Coelho: un allemand à la barbe taillée en pointe était accusé de bolchevique et espion du Kaiser... En plus des nouvelles de la guerre et des poursuites contre allemands et descendants, arrivait aussi dans l’Île la grippe espagnole, l’influenza, guérie avec les bouffées de chaleur provoquées par le purgatif et le thé d’ail. Après la fièvre et une fois terminée la guerre mondiale, le Théâtre réouvrait son rink de patinage. En décembre, au cinéma Casino, M. Antonio Leal exhibait son film de 30 minutes sur l’élection du Gouverneur Hercilio Luz et les aspects des villes de Brusque, Blumenau et Caldas do Cubatão. En février 1919, deux expositions de peinture agitaient le milieu: Guttmann Bicho, professeur au Lycée des Arts, et Eduardo Dias, talent reconnu surtout dans les toiles des paysages de l’Île. Ce mois, un horrible incendie s’est déclaré à l’aube dans des immeubles situés à la rue Felipe Schmidt, près du Jardin de la Place XV. Le cinéma Casino a été aussi atteint, 200 boîtes de films brûlées, y compris le film en série – “Les Mystères de New York”. En août, Julio Moura, locataire du Théâtre, contractait Eduardo Dias pour peindre le
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rideau; le ventriloque et illusionniste Comte Themistocles se présentait dans cette maison de spectacles et divertissements. La ville comptait alors 4 hôtels et quelques pensions familiales. C’étaient les hôtels – Taranto (26 chambres), Metropol (25), Macedo (22) et Internacional (12). Ils n’étaient pas assez nombreux. En décembre, en plein été, était inauguré le nouveau cinéma Ponto Chic, dans un immeuble de la Place XV. En mai 1920, la presse soulignait le grand nombre d’automobiles qui circulaient dans les rues du centre. Il y avaient 150 voitures enregistrées pour une population de quelques 40 milles habitants. En août, Eduardo Dias recevait la demande de peindre l’intérieur de l’Église du Rosario, ce qu’il a fait en couvrant les murs et le toit de motifs bibliques, avec des images de Jesus et Sainte Sophie. Le Gouverneur Hercilio Luz signait le contrat pour la construction du Pont de Fer entre l’Île et le Continent. Au Campo do Manejo, la présentation d’une Compagnie Gymnastique Japonaise. Le peintre Eduardo Dias confirmait son perfectionisme, en réalisant au Salon Beck, une exposition avec 25 tableaux. En aôut 1922, se présentait au Club Concordia, la pianiste russe Luba d’Alexandrowska, avec la musique de Bach, Schumann, Albeniz et Chopin. En septembre, commençait la construction du Pont de Fer; en même temps, les services d’assainissement de la rivière de la Bulha étaient presque terminés. Une troupe de Peles Vermelhas (indigènes) venue d’Amérique du Nord, présentait au Théâtre ses habilités aux poignards brûlants et au lacet. Un récital des poésies se présentait au Théâtre, en mars 1923, en hommage aux 25 ans de la mort de Cruz e Sousa. Le Café Commercial fermait ses portes en juillet, au mois suivant ouvrait un autre, le Java, aux alentours de la Place XV. Le bateau Sucury surgissait comme nouveauté pour le parcours Île-Continent et vice-versa à cause des travaux pour la construction du Pont
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de Fer. En septembre, la pianiste française Renée Florigny se présentait au Théâtre. Au programme: Liszt, Daquin, Albeniz, Debussy, Florigny, Funagalli, Gounod, Chopin, Paderewski et Gottschalk (l’Hymne National). Le début du combat contre la cocainomania dans l’Île date de 1924. Les polkas et les valses devenaient les jazz bands. En mai était inauguré le Café Royal, qui offrait au delà des services principaux, trois concerts par mois de jazz. À la rue João Pinto, un cinéma était inauguré avec 600 places et bonne ventilation – l’Internacional. À la cabine un appareil allemand Krupp-Ernemann présentait le film “Estrada Deserta”. Deux personnalités mouraient cette année de 1924: le gouverneur Hercilio Luz et l’entrepreneur Carl Hoepcke. L’ancien cimetière était fermé en raison des travaux du Pont de Fer. Inauguré le 20 décembre 1841 avec l’enterrement d’une jeune fille de 18 ans, il avait abrité pendant ces 83 ans près de 30 mil cadavres. “La ville tentaculaire / la pieuvre ardente et l’ossaire...”. L’euphorie et la splendeur de la ville moderne glorifie la vie et écarte du chemin les carcasses solennelles du cimetière. La presse attirait l’attention sur l’inconvénient de ces charrettes pleines de gravats mêlés aux squelettes, qui, déversaient leurs charges sur le Largo XIII de Maio. Les 13 et 14 novembre 1925, la Compagnie allemande de drames et comédies – Georg Urban, se présentait au Théâtre avec le drame de Ibsen, “Ein Puppenhein” et la comédie “Der Keusche Lebemann”, de Arnold et Bach. Au Ponto Chic, un spectacle dédié à la colonie portugaise présentait le film “O Primo Bazilio”, en 9 actes doubles, de l’oeuvre d’ Eça de Queiroz. Avec l’inauguration du Pont de Fer en mai 1926, la ville avait l’air d’une capitale moderne. Par conséquent, davantage d’automobiles commençaient à circuler, causant les premiers accidents. La presse dénonçait l’excès de vitesse permise de 20 km/h sur le périmètre urbain. Le nombre d’automobiles dépassait
déjà les 200. Au Théâtre, la Compagnie Allemande des Ballets Russes Sascha Morgava faisait sa rentrée. En janvier 1927, la ville recevait un jeune artiste venu de São Joaquim (sur le plateau catharinense), Martinho de Haro, qui exposait avec beaucoup de succès quelques unes de ses toiles. En février, le journaliste Crispim Mira était lâchement assassiné dans son bureau. Dans les cinémas, le film brésilien de Humberto Mauro – “Braza Dormida” / “Le Feu sous les cendres” était un succès; de la UFA, les classiques allemands “Variétés” (E. A. Dupont, 1925), “Tartuffe”, “Faust” (F. W. Murnau, 1925-26) et “Metropolis” (F. Lang, 1926) ont été présentés, car Emil Jannings (au 3 premiers films), était l’acteur le plus connu du monde. Au delà des westerns, les films de série et les drames américains, les comiques Max Linder et Charles Chaplin étaient les préférés. Le 28 septembre 1928, en commémoration de l’anniversaire de l’élection du gouverneur Adolpho Konder, le Bar Miramar était inauguré, devant la Place Fernando Machado, qui avançait vers la mer. Il fut la coqueluche pendant plusieurs décades jusqu’à ce que le terrassement de 1974 le fit disparaître. Au début de 1929, la presse protestait contre le tarif attribué pour la traversée du Pont – 100 réis, pas cher, mais trop pour la population pauvre. L’année antérieure le tarif était accumulé en 133 contos de réis. La ville se modernisait avec les démolitions et les élargissements des rues, comme la rue Felipe Schmidt. Des 4 cinémas existants, seul celui du Théâtre fonctionnait précairement. Les flamboyants de la Place XV étaient coupés et la presse lançait une épithète appliquée aux jours actuels: “Florianopolis est une ville sans arbres. Ses rues sentent la canicule...”. La Belle Époque touchait à sa fin. De nouveau la présence militaire (la révolution de 1930) s’installait. Desterro mourait une deuxième fois.
Na Praia de Fora, dum Nordstrand, estendem-se junto à costa as encantadoras residências dos ricos. Essas chácaras são frequentemente ligadas por pastagens e plantações, onde são cultivados mandioca, milho e café. Se não fosse pelas majestosas palmeiras imperiais enfeitando o cenário, as amplas pastagens, nas quais cresce grama de verdade, pareceriam os nossos prados da Floresta Negra. Gados e cavalos, na maioria argentinos, como também mulas, têm espaço suficiente para se movimentar. Thomas Powell, 1893
Hermann Meyer, 1895
Santa Praia de Fora, Santa Catharina, Brazil. Illustrated Home Book of the world great Nations and Geographical Historical and Pictorial Encyclopedia. Acervo Bruno Kilian Kadletz
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The Revolt in Brazil - Desterro, Santa Catharina, The Headquarters of the Provisional Government.
Black and White Revista norte-americana, 11.11.1893
The Revolt in Brazil - Desterro, Santa Catharina. Praia de Fora, ao lado do Jardim Lauro Müller. Acervo Bruno Kilian Kadletz
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The civil war in Brazil seems as far from a settlement as ever, if we can judge from the conflicting telegrams which from day to day puzzle the student of modern Brazilian history. Senhor Frederico Lorena, captain of one of the insurgent vessels, has been proclaimed Provisional President of Brazil by Admiral de Mello, and has established the headquarters of his Government at Desterro. Our correspondent sends us a view of this interesting spot on the island of Santa Catharina which we publish in this issue. Marshal Floriano Peixoto follows up this news with a telegram from Rio de Janeiro declaring that nobody there regards the provisional Government as serious. Perhaps not. Nevertheless the President adds that “the lawful Government, certain of the support of the entire country, is collecting a squadron which will soon put an end to the sedition.” Pending the attainment of this most desirable object, President Peixoto has been paying delicate attentions to his opponents, and Admiral de Mello, has received an album loaded with dynamite, sent, so the gallant Admiral tells us, by the President’s agents. With the obstinate perversity of your revolutionist, de Mello calls this a cowardly attempt to assassinate him, and the replies with an invitation to Peixoto’s warships to “come outside and fight.” The latter declined the challenge. So this curious exhibition goes on, and, so far as we can see at present, will go on for months.
A Revolta do Brasil - Desterro, Santa Catarina, Quartel-General do Governo Provisório. A guerra civil no Brasil parece estar mais longe de um termo final do que nunca, a julgarmos pelos conflitosos telegramas do dia a dia que confundem os estudantes da moderna história brasileira. O Sr. Frederico Lorena, capitão de um dos insurgentes navios, foi proclamado Presidente Provisório do Brasil pelo Almirante de Mello, e estabeleceu o quartel-general do seu governo em Desterro. Nosso correspondente enviou-nos uma vista deste interessante local na ilha de Santa Catarina a qual nós publicamos nessa edição. Marechal Floriano Peixoto manifestou-se diante desta novidade com um telegrama do Rio de Janeiro declarando que ninguém poderia ver este governo provisório como uma coisa séria. Talvez não. Contudo, o Presidente acrescenta que “o legítimo governo, na certeza do apoio total do país, está reunindo uma esquadra que porá cedo um fim a esta revolta.” Inclinado na obtenção desse muito desejado propósito, o Presidente Peixoto tem dedicado especial atenção aos seus oponentes, tendo o Almirante de Mello recebido um pacote carregado com dinamite, enviado pelos agentes do Presidente, conforme nos relatou este bravo Almirante. Com a obstinada ousadia de nosso revolucionário, de Mello chamou este ato de uma covarde tentativa de assassiná-lo, e a resposta veio com um convite ao navio de Peixoto para “vir à superfície e lutar”. Este último declinou do desafio. Desta forma, esta curiosa exibição de forças rola, e, conforme podemos ver por agora, este impasse irá por meses.
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1894
Duarte Paranhos Schutel Nasceu no Desterro em 8 de junho de 1837 e faleceu ali em 6 de outubro de 1901. Filho de Henrique Ambauer Schutel (suíço, importante médico e músico) e de Maria da Gloria Paranhos. Casou com Felisberta de Andrada e Almada, filha de Eliseu Felix Pitangueira e de Felisberta Sérvula de Andrada e Almada e tiveram 11 filhos. Duarte formou-se em Belas Letras em 1855 e Medicina em 1861, ambos no Rio de Janeiro. Foi tenente-cirurgião da Guarda Nacional do Desterro e deputado em várias ocasiões, chegando a ser vice-presidente da Província. Em 1868, criou e dirigiu o jornal A Regeneração, do Partido Liberal, que existiu até ao advento da República, em 1889. É patrono da Cadeira 7 da Academia Catarinense de Letras. Autor do livro A Massambu (1861), sobre a região da Enseada de Brito, Duarte Schutel foi testemunha das atrocidades ocorridas em 1894. E deixou-nos um relato em forma de diário – A República vista do meu Canto (Ed IHGSC, 2002), em pesquisa realizada por Rosângela Miranda Cherem, de onde extraímos trechos a partir da pg. 165.
Junho 1894 – A Vila Maldita
P
Duarte e Felisberta Schutel Acervo Academia Catarinense de Letras
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reguiçosamente reclinada na margem da Ilha, estendendo o corpo quase a encontrar o continente, a tranqüila e humilde cidade espelha-se nas duas majestosas baías cujas águas lhes beijam as plantas. A pureza do céu, a frescura e limpidez do ar, e a luxuriosa vegetação que cobre suas terras dão à placidez de seus dias a formosura e amenidade de uma vida feliz. Feliz, sim; ela já o foi. Feliz daquele céu tão azul, cercado daquela natureza tão suave, naquela modesta cidade que se espelha nas mansas águas do mar do sul, a felicidade acabou. Dali, o morno silêncio e aquietação do deserto, apenas indicam o cair de um povo que morre. É uma população invadida, sufocada, manietada que indefesa e subjugada, caminha ao extermínio sem dar um gemido, sem fazer um movimento de resistência. A morte do escravo. Arrancados do seio da família, presos de qualquer forma, em qualquer lugar, embarcados, levados para os fortes, - desaparecem esses infelizes e nas praias vizinhas o mar arroja corpos sem cabeça, com as mãos decepadas. Transportados outros para a capital da república deles não se encontra mais notícias. Enchem-se as prisões da cidade e quando se esvaziam é para receber novos presos. Os empregados são despedidos brutalmente de seus cargos e nega-se-lhes os meios de subsistência. O recrutamento força ao serviço militar. As leis, os direitos não subsistem: o governo militar é absoluto. Inexorável na sua mudez, violento nos seus atos de soldado, misterioso nas sombras da noite em que opera, o senhor dispõe dos escravos como o Régulo africano, apurado pela civilização da sociedade. Não é um grupo, não é um partido, é uma população inteira, porque essa população foi amaldiçoada e deve ser extinta. Nos tribunais, corridos os magistrados e metidos nos cárceres: - e a nova magistratura impassível e muda é incumbida de assistir a tudo com semblante satisfeito; agir não lhe é permitida, a justiça nada tem que fazer agora. A polícia fuzila no cemitério o que julga réu do que lhe parece um crime. Nos corpos cívicos da Guarda Nacional e da Guarda Policial, as prisões violentas até a caçada, nem são precedidas das destituições.
Toda a ilha é um paraiso magnifico, onde se dilatam, na mesma serenidade espelhante, o mar, o rio e a lagoa. A terra é a mais bella que eu conheço; em parte alguma outra eu vi tão perfeito o contorno da montanha, a elegância das pontas, a grandeza do mar, a claridade das águas e a luminosidade do céu.
D iniz J unior , 1910
Albert Gustav Schwartz, 1894
Vista da Cidade Acervo Liana Lestard, Buenos Aires
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Nas repartições públicas fiscais e administrativas, os funcionários são despedidos como lacaios, tenham um ou trinta anos de exercício, nega-se-lhes o pagamento dos atrasados, sequestra-se-lhes as economias na caixa, e para complemento de sua exclusão, veda-se-lhes a entrada nas Repartições Públicas, irrogando-se-lhes arbitrariamente o lábio de traidores à República. Das Estações são in limine demitidos aos punhados os telegrafistas de qualquer classe e presos. Da Alfândega, do Tesouro, da Capitania do Porto, dos Correios, da Delegacia das Terras, Mesas de Rendas, Coletorias, Junta Comercial, Secretarías, - são excluídos os empregados sem atenção aos serviços, ao mérito, e sem causa, - e deles se enchem as prisões. Das Câmaras Municipais são expelidos os edís, e forçados nos cárceres a entrar para os cofres públicos com quantias que o capricho ganancioso apraz-se em exigir. No Comércio, qualquer pretexto, ainda absurdo, chega para atroz perseguição. Voz de prisão, casa invadida e cercada ou é tomada da vítima, ou foragida vive oculta nas matas, onde são buscadas como feras por escoltas de soldado. A outros as extorsões violentas de somas importantes tomam a feição das tintas dos salteadores. No povo, as prisões inexplicáveis, a ameaça constante, o pânico adrede sustentado pelos agentes do Poder, a liberdade de ação, a liberdade da palavra foram extintas. De centenas é o número dos foragidos e ocultos; centenas somam os expelidos das funções públicas; por centenas se contam os presos, - sem que ainda se possa aproximar a cifra dos que capturados foram para de onde não voltaram, onde não estão, e de onde não seguiram. Começam as famílias a se cobrir de luto. A população parece sucumbir. Chegados os soldados, começou o terror. Poucos, bem poucos dos homens da tirania pareciam contentes, o susto também os tomara. Imenso foi o choque, porque toda a cidade estava em prantos e brados de desespero. Pusilâmines, aqueles poucos, ajudavam os executores da cólera do tirano, com medo de serem arrastados na confusão, a se tornarem cruéis. A população sumiu-se e a cidade regurgitava de soldadesca atrevida e desenfreada. Depois, os soldados diminuíram, os males continuaram e como se um tal estado se devesse tornar normal, o povo se foi habituando à desgraça, e o terror deu lugar ao aniquilamento. Do norte, do sul vieram chegando os parasitas do poder que o calor da revolução afastara para longe. Com aqueles poucos que aqui estavam formando um grupo – separado da população por uma vala que, a cada hora, ele trata de tornar mais funda. Esses espúrios alegram-se em riso nervoso e contrafeito, festejam-se entre si, embriagam-se nas suas mesas, todos agaloados, esses lacaios da ditadura, dançam nas suas folias. Dançam e riem os réprobos, enquanto no íntimo do lar de seus patrícios, de seus amigos, de seus parentes e até de seus irmãos, as lágrimas da mãe, da esposa, dos filhos rolam ardentes das faces desmaiadas pela dor da perda daqueles que eles mandaram matar, e que talvez ainda nesse momento estejam sendo mortos. Esse tripudiar fúnebre acabou por perder o eco. E em toda a cidade, é o silêncio, a reserva, a desconfiança e o abatimento, o que transparece em toda a população. As queixas se tornaram soturnas e eivadas dos rancores vagos da incerta vingança. Nem festas, nem os antigos e costumados folguedos, a convivência com a tranqüilidade de outrora, se mostram na população. Na entrada da barra do norte, sobre uma pequena ilha, construíram antigamente os portugueses, um forte. Bem escolhida a posição, era para aquele tempo um ponto de confiança... Os longos anos de paz, ausência completa de movimento bélico no mar, fizeram esquecer e abandonar a fortaleza e a própria capela, em total ruína, apenas era visitada como o resto das obras e muralhas pela curiosidade de coisas antigas.
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A revolução de 1894 despertou a atenção do governo e uma ou duas peças ali foram arranjadas sem serventia. Nas mãos dos revolucionários, a fortaleza foi objeto de cuidados e guarneceu-se com alguns canhões modernos. Ali passaram, então, a executarem as vítimas dos sicários da tirania. Presos políticos mais ou menos implicados na Revolução, para ali eram conduzidos, de dia ou à noite, e sumiam-se para sempre, sem que transpirasse a notícia de como se dava esse desaparecimento. Não foram poucos os que seguiram para fortaleza, bem poucos, porém, foram os que voltaram. Aos ouvidos dos presos, nos cárceres da cidade, soava como sentença de morte, a ordem de embarcar para a Fortaleza. Cemitério ou patíbulo? Ninguem sabe! O forte da ilha de Anhatomirim chama-se Santa Cruz. O que se passou naquela ilha durante alguns meses está envolto em tanto mistério, cheio de tantas narrações lúgubres, crivado de tantas dúvidas aterradoras, que ainda hoje evitam cautelosos as suas praias, ou trêmulas pisam seu terreno, os que a necessidade obriga a lá chegarem. As sombras tumulares dos que ali foram mortos, morte afrontosa, vagueiam à noite sobre essas muralhas, ou nos blocos de pedras de suas praias. Quando as lufadas quentes do nordeste, ou o frio pampeiro não esbravece as escuras ondas, parece que, do seio dos mares no marulho da água no carcomido das rochas, soltam-se gemidos profundos, como estertor de quem morre.
Albert Gustav Schwartz, 1893
Fortaleza de Anhatomirim Acervo M. Cristina Scomazzon
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Albert Gustav Schwartz
N
asceu em 6 de julho de 1883 em Berlin. Jovem, trabalhou em oficina de serralheria. Depois passou a estudar pintura paisagista com o Prof. Max Schmidt, na mesma cidade. Entre 1859 e 1878, estudou e depois lecionou na Königlich Preussische Akademie der Künste. Em 18 de junho de 1887, parte com a família de Hamburg, no vapor Valparaiso, com destino ao Brasil. Chega em 16 de julho do mesmo ano em São Francisco do Sul. Com 53 passageiros a bordo, viajou em 1ª classe: ele, Albert, com 53 anos, sua esposa Agnes com 50 anos e as filhas Margareth com 19 anos; Elizabeth, 18 anos; Gertrud, 13 anos; Hildegard, 9 anos; e a avó Friederike, 84 anos, viúva. Uma de suas filhas casou-se em São Pedro de Alcântara com um Zimmermann; tiveram uma fábrica de fogos de artifício na região de Serraria, em São José. Um mês após já estava em Desterro, anunciando no Noticiário do jornal O Despertador de 16 de agosto de 1887, a seguinte nota: “Acha-se nesta capital o Sr. Albert Schwartz, hábil pintor, ultimamente chegado que pede-nos para scientificar ao publico, que durante sua estada nesta cidade, põe seus serviços à disposição de quem queira se utilizar delles. Tira retratos a óleo, vistas, etc. em sua residência à Praia de Fóra (na casa em que morou o Sr. Fison), e na loja de fazendas dos Srs. Carl Ebel & C. Acham-se expostos alguns trabalhos do Sr. Schwartz, que desde já podem ser vistos e apreciados.” Do Desterro partiu para Montevidéu e depois Buenos Aires, onde faleceu. Em pesquisa realizada por Jesse Salgado, além dos dados desse pintor, foram encontradas na Argentina três aquarelas relativas à paisagem do Desterro, na nascente Florianópolis; em Bremen (Alemanha) a pintura à óleo (57 x 86cm) da casa de Carl Hoepcke, então Consulado da Alemanha; cerca de 40 de seus quadros estão sendo procurados nesta pesquisa de Salgado.
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Se no inicio do século XVIII, quando M. Frézier esteve por aqui, deu com a profundidade do Estreito em duas braças e meia d’água; cem annos depois esta profundidade era de mais de 15 braças. É de se imaginar que tal rasgamento do isthmo deva ter acontecido pouco antes do descobrimento da América. R. J., 1896
Albert Gustav Schwartz, 1894
Fortaleza bei Desterro Forte de Sant’Anna Acervo Liana Lestard, Buenos Aires
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Rua BocaiĂşva, c. 1920
ResidĂŞncia de Carl Hoepcke, Consulado da Alemanha. Incendiada (voluntariamente) e demolida circa 1930. Carl Franz Albert Hoepcke (1844 - 1924). c. 1880. Acervo Instituto Carl Hoepcke
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Essas casas possuem, em geral, um só andar, são amplas e simples; os jardins exuberantes, onde magníficas orquídeas de Santa Catarina são cultivadas e envolvem as casinhas quase que completamente. Na mansão do Cônsul alemão, Sr. Hoepcke, passávamos as noites na maior tranquilidade depois da agitação e do calor do trabalho diário.
H ermann M eyer , 1895.
Albert Gustav Schwartz, óleo 57 x 86cm, 1888
Residência de Carl Hoepcke, Consulado da Alemanha. Acervo M. Cristina Scomazzon
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Com suas casas risonhas e brancas, a antiga povoaçãosinha de Velho Monteiro, dir-se-ha talhada para um grande desterro, pois se assemelha por sua situação, como por uma occurrencia de origem, á mais celebre cidade do mundo, á Roma, a velha Babylonia latina, porque á maneira de Roma, foi regada com sangue ao nascer e assenta sobre sete collinas...
William Lloyd, 1863
Canal do Estreito; à esquerda, Forte de Sant’Anna; ao fundo, Continente, com o Pico do Cambirela. William Lloyd (1822-1905), engenheiro inglês que esteve na Ilha de Santa Catarina entre janeiro e outubro de 1863, à convite do Governador Pedro Leitão da Cunha, para recuperar os fortes da Ilha. Acervo Paschoal e Ruth Grieco,SP
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Virgilio Varzea , 1900
C A P Í T U L O
Hermann Meyer
I
1895
Hermann August Heinrich Meyer nasceu em Hildburghausen (Alemanha), a 11 de Janeiro de 1871. Esteve na Ilha no final de 1895, com 25 anos, de passagem, vindo do Rio de Janeiro. Chegou aqui a 17 de dezembro de 1895, pleno verão, partindo a 26 do mesmo mês para o alto vale do Itajaí, passando por Blumenau, pois sua intenção era estabelecer contato com os povos indígenas. Esta era sua primeira viagem ao Brasil, ele que um ano antes publicara Bogen und pfeil in Central-Brasilien / Arco e Flecha no Brasil Central, pelo “Bibliographisches Institut”, casa editorial fundada por seu avô em 1823, também editora deste seu livro de 1896. Hermann Meyer formara-se em Filosofia e Antropologia na Alemanha, antes de empreender esta viagem. Deixa-nos poucas informações sobre a cidade, não entra na intimidade, mas aponta a pouca honradez de Floriano Peixoto, num momento em que estava bem fresco na memória do povo desterrense o massacre de Anhatomirim.
Diário de minha viagem ao Brasil
C
om o fim de nossa estada no Rio, pudemos, em 14 de dezembro (1895), voltar ao mar no vapor Itaipava, depois que parte de meus pertences, retidos por engano pela alfândega, fossem embarcados antes dos últimos minutos da partida. Deixamos pela última vez o Rio, navegando pela baía, contornando o Pão de Açúcar e tomando o alto mar rumo ao Desterro. O vapor era pequeno, porém, bem limpo, as cabines relativamente grandes, a comida, ótima. Se tivéssemos outros companheiros de viagem, mal poderíamos acreditar que estávamos no Brasil. No entanto, as diversas tonalidades de cor nos rostos em nossa volta não deixavam qualquer dúvida. As mulheres usavam, como é comum no Brasil, até pela tarde, por volta das quatro horas, para o jantar, uma touca de papel no cabelo despenteado. O fato de ser o navio pilotado por oficiais ingleses era um pequeno seguro de vida, já que o brasileiro é um mau navegador. Aconteceu-nos com freqüência na viagem de balsa do Rio a Mauá demorar mais de um quarto de hora até que ela pudesse atracar. Uma vez nos aconteceu, ao passar demasiadamente próximo de um grande veleiro ancorado, romper metade da ponte de comando do gurupés. Na manhã de 17 de dezembro, bem cedo, entramos na magnífica barra que dá ao porto da cidade do Desterro, na Ilha de Santa Catarina. Após o lançamento da ancora, fomos cordialmente recebidos pelo cônsul alemão, Herrn Hoepcke. Nossa estada no Desterro foi planejada para pouco tempo, levando para terra pouca bagagem, deixando a bordo todos os nossos equipamentos para a pesquisa dos bugres. Diariamente, ao longo de quase oito dias, das nove às quatro horas, as caixas e sacos eram revirados, na preparação antecipada da viagem que faríamos em terra com mulas. Desterro, ou como oficialmente chama-se agora, Florianópolis, batizada em homenagem a um falecido de honra duvidosa, o Presidente Floriano Peixoto, é um Rio de Janeiro em miniatura. Chega-se a ela tanto pelo norte como pelo sul e a impressão que se tem da cidadezinha na baía, a beira-mar, entre colinas verdes, é muito bonita. A extensa Ilha de Santa Catarina aproxima-se do continente ao norte da cidade em menos de 500 metros através de um romântico promontório que, tendo um cemitério coroado por impressionantes araucárias, transmite uma impressão bem italiana.
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Baía Norte, Praia de Fora, c. 1910
Casa da Família Wahl, Consulado do Império Austro-Húngaro (1895-1914). Ao fundo, Ginásio Catarinense e Morro do Antão. Acervo Rogério Vahl
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Esse promontório separa o porto do norte com o do sul, cuja utilização muda de acordo com o movimento do mar. Navios maiores são impedidos de entrar nas distantes barras, que são de passagem muito difícil. Por isso o tráfego marítimo no Desterro é limitado a barcos de navegação costeira e a veleiros menores. A beira-mar, junto ao porto do sul, foi construída a cidade e alí se desenvolveu a atividade comercial. Essa se encontra, na maior parte, em mãos de duas firmas, ambas alemãs, Carl Hoepcke e Ernest Vahl, que guarnecem com seus artigos importados, não apenas a Ilha, mas também toda a parte continental de Santa Catarina e até o Paraná. A colônia alemã de Florianópolis compõe-se predominantemente de comerciantes e artífices, aonde apenas uma parte veio das grandes colônias de Blumenau e Joinville. Também o melhor “hotel” (sic) está nas mãos de um alemão, mas o prédio alugado se encontra em situação tão lamentável que, na verdade, nada mais é que um aglomerado de quartos fedorentos, nos quais é preciso abrir o guarda-chuva quando chove muito. O proprietário pretende mudar-se e instalar-se melhor noutro lugar. As ruas são relativamente limpas, mas muito íngremes e sem canalização suficiente de forma que se transformam em correntes quando chove muito. Com relação a prédios públicos, Desterro não possui nada significativo. Duas igrejas em estilo jesuíta dão à cidade uma marca especial, um novo palácio do governo em estilo renascentista está em reforma. A obra, executada por operários de Montevidéu que ganham 1 Pfund por dia, não é, apesar disto, mal executada. Naturalmente o edifício custa uma fortuna. Um pequeno jardim público com um memorial da guerra do Paraguai representa o conceito de beleza dos habitantes brasileiros. Na Praia de Fora, dum Nordstrand, estendem-se junto à costa as encantadoras residências dos ricos. Essas chácaras são freqüentemente ligadas por pastagens e plantações, aonde são cultivados mandioca, milho e café. Este último é considerado o melhor do Brasil, mas somente uma parte dele é exportada. Se não fosse pelas majestosas palmeiras imperiais enfeitando o cenário, as amplas pastagens, nas quais cresce grama de verdade (no Rio não existem gramados), pareceriam os nossos prados da Floresta Negra. Gado e cavalos, na maioria argentinos, como também mulas, têm espaço suficiente para se movimentar. Estas casas possuem, em geral, um só andar, são amplas e simples; os jardins, exuberantes, onde magníficas orquídeas de Santa Catarina são cultivadas e envolvem as casinhas quase que completamente. Na mansão do cônsul alemão, senhor Hoepcke, e na do senhor Vahl, passávamos as noites na maior tranqüilidade depois da agitação e do calor do trabalho diário. Nos Vahl havia uma casa de casca de cortiça no final do jardim, junto a praia - bem apropriada para o lazer; ali foram esvaziadas algumas garrafas de Pschon (cerveja) de alta qualidade. A amável anfitriã nos proporcionava o prazer tão em falta de um recital de piano, bem acompanhado ao violino pelo hábil herr Hieber.
Stanislaw Klobukowski
1896
Stanislaw Klobukowski nasceu em Powiert, próximo a Kolo, na região central da Polônia em 1854. Faleceu, esquecido, em Palmas (Paraná) em 21 de setembro de 1917, onde morava desde 1908. Fez a escola primária e secundária em Paris e Genebra e os estudos superiores em Bonn e Viena, onde graduou-se em Direito. Suas intensas atividades o caracterizaram como um ativista social, economista e viajante. Foi um dos incentivadores da emigração polonesa para o Brasil. Em 1895 empreendeu em nome da Sociedade Comercial e Geográfica Polonesa da qual foi fundador uma longa viagem à América do Sul, com o propósito de conhecer de perto os problemas dos emigrantes. Ao longo de três anos visitou inúmeros centros poloneses no Brasil, Argentina, Paraguai e sul do Chile. Klobukowski tinha 42 anos quando passou pelo Desterro em fevereiro de 1896, vindo do Rio de Janeiro com escala em São Francisco do Sul, em SC. Permaneceu na Ilha de Santa Catarina por duas semanas, rumando depois para o sul do Estado, Laguna e Tubarão, a colônia Grão-Pará, Braço do Norte, Massaranduba, Indaial, Blumenau, Gaspar, Brusque, Itajaí, Nova Trento, Tijucas e de volta ao Desterro. Dali tomaria o vapor a caminho do Rio Grande do Sul.
De São Francisco do Sul ao Desterro
T
ive a oportunidade de apreciar a beleza da baía, saindo por fim de São Francisco, à tardinha, pela sua saída para o mar, pelo norte. O navio a vapor descreveu um enorme círculo, navegando ao mar aberto e virando para o sul. As costas marítimas do Brasil, pelas quais navegamos, são muito montanhosas, mascaradas com as mais espetaculares cadeias de picos litorâneos como se fossem os Tatras e os Alpes transportados à beira-mar, vistos continuamente e atraindo-nos pelos seus formatos. No navio havia uma superlotação de viajantes, a própria nata da sociedade brasileira. Diversas “leoas” com suas cortes de admiradores davam voltas pelo convés da primeira classe, no qual todos se esparramavam por causa do magnífico tempo. Percebi que todos consideravam como uma grande felicidade ter um olhar delas, conversar com elas e até respirar o mesmo ar que elas... Sonhando por tal felicidade, muito me surpreendi quando se voltaram para mim com encantador sorriso, como em desafio. Levantei-me avermelhado, perdi a lucidez, dei uma resposta incompreensível que me foi aprazível, com o que sem motivo me alegrei. Compreendi após algum tempo que se tratava de alguma coleta. Tomaram-me, é claro, por um Rothschild ou Vanderbilt. As “leoas” desapareceram e se apresentaram a homens elegantes com cartões nas mãos. Olhei um deles. Eram assinaturas de coletas com cabeçalhos, compreendi que se tratava de socorrer a família do marujo que se afogara perto do Desterro. Assinei e dei dois mil réis. Passeando ao meu lado porém, um francês, com o maior sangue frio, dizia às “leoas” e aos elegantes que nada daria, pois isto contrariaria suas convicções. Depois, quando travei com ele um conhecimento mais próximo, explicou-me que a coleta era para uma capela no Desterro e que era desnecessário para nós, estrangeiros, cobrir seus gastos. A essa importante figura das indústrias francesas da estrada de ferro tive muito a agradecer vários meses depois.
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Lauro Severiano Müller (1864-1926). Governador provisório entre 1889-91; Deputado Federal e Senador. Acervo Assembléia Legislativa de SC
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Passar a noite em camarote não havia como, pois todos estavam ocupados. Decidi passar a noite no convés em temperatura maravilhosamente quente. O pôr do sol atrás das montanhas costeiras e a noite enluarada e estrelada eram lindas como um sonho. Garantiria um tempo firme, não se vendo nenhum sinal de nebulosidade. No entanto, do norte repentinamente apareceram nuvens pesadas e começou a chover a cântaros, tão violentamente que até eu descer para a grande sala-refeitório, foi o suficiente para eu tomar um banho. Molhado como um pinto, sentei numa poltrona no refeitório; depois de um instante percebi que estava sentado ao lado de uma das “leoas”. O frio, a umidade e o sono tornaram-se indiferentes aos diversos sonhos sobre ela, que nasciam no meu coração. No dia seguinte, de manhã, acordaram-me os ruídos do café matinal. O céu não desanuviou sua face, a chuva caía como na meia-noite, mas via-se ao redor o litoral cercado de casinhas. Era a cidade do Desterro, chamada também, desde alguns anos de Florianópolis, em lembrança de Floriano Peixoto, vice-presidente do Brasil que esmagou o levante dos federalistas. Algumas horas depois o navio aproximou-se do porto e desembarcamos com tempo bom. A capital do Estado de Santa Catarina, Desterro, é menor que Curitiba, não conta mais de 15 mil habitantes. Mas sua localização é maravilhosa, no centro da península da ilha de Santa Catarina, entre duas magníficas baías: a do Sul e a do Norte. A ponta da península é separada por somente algumas centenas de metros da terra firme. Os pontos mais afastados da terra firme variam de alguns quilômetros a dezenas de quilômetros e a ilha catarinense estende-se por 100 quilômetros. Por isso ela forma um estreito, como se fosse um magnífico rio com ambas as margens ressaltadas por altas montanhas, especialmente na terra firme, iludindo a vista, como se entre elas houvesse a separação de somente uns poucos quilômetros. Infelizmente este estreito é raso: os maiores navios que requerem águas profundas não podem aportar aí. Encontrei-me num hotel alemão muito asseado, mas constrangido a consumir bebidas onerosas. O proprietário, enriquecido na colônia, gostava de dispensar um tratamento elevado aos seus hóspedes, estando certo que eles não iriam a outro lugar. Seria necessário ensinar-lhe a hospitalidade e dizer-lhe algumas coisas desagradáveis e ameaçá-lo com o abandono. Não encontrei polacos imediatamente. Somente na rua 15 de Novembro avistei um letreiro que dizia Restorante Polonense, onde entrei, paguei e fiz-me conhecer ao proprietário, o senhor Józef Szczepanski, de Varsóvia. Recebeu-me com cordialidade e incomum amabilidade, como a um irmão. Por seu intermédio conheci outros compatriotas, a saber, os senhores Kaminski e Wiklinski, mestres sapateiros. Aproximeime mais dos dois primeiros e de suas famílias. Seguidamente estive com eles para almoços e alguns tragos. Visitamos as barracas, ou seja, albergues para emigrantes, nos quais permaneciam por algum tempo por conta do governo, enquanto não se estabelecessem na cidade ou fossem para o interior do país. Encontrei-os vindos do Reino e da Galícia, tanto polacos como russos. Alguns deles pretendiam viajar para o Paraná. Encontrei estas barracas em estado muito bom. Pareceram-me melhores que as de Curitiba; é verdade que não havia lá aquela afluência doida como em Curitiba. É preciso dizer que esta província, depois Estado de Santa Catarina, é mais antiga que o Paraná e há mais tempo recebe imigrantes europeus. As instalações imigratórias existentes há mais tempo puderam aperfeiçoar-se. De Santa Catarina veio a primeira onda imigratória polonesa para as proximidades de Curitiba e sempre, pouco a pouco, flui nesta direção.
Estive por quatro vezes procurando o governador Hercilio Luz, mas nenhuma vez o encontrei. Informei-me mais tarde que isso não fora por acaso. O senhor governador não é nada benevolente com os poloneses e, sim, injusto com os prejudicados. Houve casos em que ele os evitou; ele é tido como grande amigo dos alemães que dirigem Blumenau. (...) Era tarde da noite quando chegamos em Nova Trento, de volta de Blumenau. No dia seguinte, nos acordamos às 4 horas e seguimos adiante. Às 9 estávamos à beira-mar, na região de Tijucas, andando sempre por cercanias elevadas. Navios não aportavam nesta região. Tinha-se que ir ao Desterro por terra, a cavalo, pelos morros em estrada fatigante e difícil, ou largar-se de canoa. Escolhemos esta última, num barco a vela. O proprietário do barco e um menino eram toda a guarnição. Prometeram-nos transportar até a Capital do Estado catarinense no correr do dia. Meio envenenado pela comida de um restaurante alemão (de tal modo que adquirimos a doença do mar antes de entrar n’água), partimos às 10 horas com vento favorável que nos impelia para o Sul, na direção certa. O passeio anunciava-se encantador. Afastamosnos para longe da praia e após algumas horas estávamos em canal aberto para a Ilha de Santa Catarina e a terra continental. As margens escarpadas de ambos os lados pareciam assegurar que o vento era do Sul ou do Norte.
Praça XV de Novembro, c. 1895
Reforma do Palácio do Governo, atual Museu Cruz e Sousa. Acervo G. Schmidt-Gerlach
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Rua Arcipreste Paiva, c. 1900
À esquerda, parte da Igreja Matriz. Ao fundo, Palácio do Governo já reformado. Acervo IHGSC
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Parecia mais seguro que ele fosse do Norte. No entanto, de súbito, a despeito das afirmações dos nossos condutores, o vento começou a soprar violentamente do Sul. Não era possivel seguir em frente. O tempo fechou e diante disso era preciso safar-se para a terra firme. Perto de uma hora chegamos a uma pequena enseada, segura, mas despovoada. Os nossos guias deram-nos uma perspectiva muito gentil: a espera da mudança do vento, o que deveria acontecer em uma semana. Não havendo nada para comer ou ler, além disso, fomos castigados por uma chuva que começava a cair. Não encontramos nada mais divertido para fazer que deitar-se e dormir nos barcos de pesca que se encontravam, por sorte, neste lugar desabitado a céu aberto. Dormimos então, sem fastio e por necessidade, pelo resto do dia, pela noite, o dia seguinte e uma segunda noite. O vento continuava o mesmo e o condutor por nada deste mundo queria seguir em frente. Minha paciência esgotou-se e declarei-lhe que nós iríamos com as nossas trouxas a pé, mesmo que tivéssemos que andar dois dias. Nada disso o comoveu, respondendo-nos que lhe era mais cara a vida que um ganho pela viagem. Então, tomamos nossas bagagens e nos largamos a pé pelas margens escarpadas do mar. Recém andáramos um quilômetro quando o menino veio correndo ao nosso encontro para dizer que o vento mudara um pouco e seria possível arriscarmos a viagem por barco. Começamos então a velejar não sem emoção. As ondas eram muito fortes. O condutor e o rapaz estavam em constante temor a cada onda que mais fortemente inclinava o barco. Velejamos sob vento oblíquo, em direção ao Sul, para Desterro. De tempos em tempos víamos sob a água formas escuras, quadradas, redondas e alongadas: eram peixes. Não vi nenhum tubarão, mas sabia que ali estava cheio deles. Divisávamos as margens numa distância de uns 15 quilômetros. Por fim, acabou-se o nosso sofrimento. Perto das 5 horas encontramos um barco a vapor que fazia o carregamento de carvão e frutas. Dignou-se a nos receber a bordo. Dentro de uma hora chegamos ao Desterro. O barco a vapor quase não sentia as ondas que tão fortemente inclinavam o nosso barco a vela. Viajávamos como se fosse num espelho plano, sem nenhum balanço.
ILHA DE SANTA CATARINA
FLORIANOPOLIS - 03.10.1894 É do seguinte theor o decreto do governo do Estado, que mudou a denominação desta capital para Florianopolis: O Engenheiro civil Hercilio Pedro da Luz, Governador do Estado de Santa Catarina. Faço saber a todos os habitantes d’este Estado que o Congresso Representativo decretou e eu sancciono a seguinte Lei: Artigo 1 - A actual capital do Estado fica desde já denominada Florianopolis. Artigo 2 - Revoguem-se as disposições em contrário. (...) Palácio do Governo do Estado de Santa Catharina, em Florianopolis, l de Outubro de 1894, 6o da República.
REPUBLICA - 12.09.1895 CONFABULANDO Ás do cabo. Ch a m a mos a at t enç ão do hon rado e activo sr. superintendente municipal para a falta de numeração nas casas da Praia de Fóra. Essa circunstancia, apparentemente insignificante, redunda certas vezes em factos desagradaveis como o que se deu com o meu primo dignissimo esposo de minha estimada prima, D. Henriqueta. Bernardo de quando em vez, enverga uma sobrecasaca curta e legendaria, afoga-se n’uma camisa branca recosida, de collarinho arrebitado, calça um par de botins de biqueira quadrada e chata, de salto á Luiz XIV e monta um burrinho pardo e amilhado, em demanda da cidade. Aqui chegado, procura-me, dando elasticidade ás gambias intibiadas por aquella marcha forçada, intestino revolto ao trote rude da alimaria. Sabia apenas que eu residia á Praia de Fóra e com esse conhecimento generico o meu estimavel primo abarbou-se a procurar-me. Bast a ntes tent at ivas i mprof icuas de informação exacta, atracando aos transeuntes, puzeram-lhe sal á moleira e suggestionaram-lhe a argucia matuta de que o debicavão. Por fim, um desses velhos pachorrentos e bondosos, que tomão tabacco e assoão-se em lenços de linho de côr com quadrados vivos, meu visinho, ministrou-lhe esta: - Sim sr., conheço seu primo, é alto, gordo, reforçado, tem seus trinta e tantos e ... - Então, sabe onde elle móra? - Já lhe digo. Mas ... é verdade, o seu primo é alto, gordo e reforçado; conheço-o perfeitamente. Bom rapaz; é então seu primo? - Sim sr., mas onde móra elle? - Já lhe digo, já lhe digo. Mas ... como eu ia dizendo... O meu lamentavel primo topára um desses cacetes bipedes de extraordinaria monotonia. Duas horas depois o meu sempre lamentavel primo, sabia que eu fixára residencia em casa de propriedade do sr. Anastacio, de cuja ascendencia, descendia e desaguizados domesticos com a sua digna sogra, ficou satisfatoriamente orientado. Para chegar até minha casa (resava a informação), era necessario seguir em linha
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recta ao jardim, pender á direita, passar além da casa do sr. Mephistopheles, verificar a exactidão do rumo a seguir em casa do sr. Freitas, seu velho amigo e collega... não sei de que, finalmente attingir á meta, batendo palmas á porta de uma casa, com taes e taes configuração e detalhes. O primo chegou-me azedo, devorou-me o jantar, aboletou-se na minha cama unica e blasphemou contra a falta de numeração nas casas... Grato
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que é feito este cocktail? O caixeiro respondeu que se compunha de genebra, vermouth francez, algumas gottas de licôr, anizette, assucar e gelo. Depois disse que ainda fazião-se outros melhores, compostos de vinho do Porto, gemma de ovo, licôr, chartreuse, baunilha, assucar, gelo, etc. Mas, levados pela curiosidade de sabermos o que de progressivo se vai dando entre nós, entramos no chalet, onde o Rodrigues, que é um rapaz agradavel e trabalhador, primado pela limpeza com que fabrica os sorvetes e prepara refrescos e tudo que serve no seu estabelecimento, examinando tudo, prendendo-nos a attenção o REPUBLICA - 04.01.1896 seu deposito de gelo, que, embora tosco, applicaAOS DOMINGOS - CHRONICA se ao resfriamento, n’uma temperatura regular, da magnifica cerveja nacional e estrangeira, de Não sabemos por onde principiar esta aguas mineraes e de todas as especies de bebidas chronica: - se pelos sorvetes do Rodrigues, se por proprias da estação calmosa que atravessamos. outros assumptos do dia. N’uma palavra, ficamos enthusiasmados com Vá lá pelos primeiros. O publico já sabe, e se não sabe ficará sabendo, que o Rodrigues, ou antes o Custodio, abriu no chalet do jardim almirante Gonçalves um estabelecimento de que muito careciamos, onde se proporcionasse ao bello sexo, como a tout le monde, tudo quanto possa haver de refrigerante, nesta ephoca de calores, n’uma temperatura consideravelmente alta. No dia da abertura, domingo ultimo, lá fomos ao chalet, ali por volta das 7 da tarde, e vimos os caixeiros do Rodrigues andarem n’uma roda viva, para attenderem á grande freguezia, na maior parte moças das mais bellas e elegantes da nossa sociedade, cada qual pedindo sorvetes ou refresco. Á nossa chegada, veio um delles perguntar se queriamos sorvete, refresco ou cocktail. Traga um sorvete de laranja. E veio prompto. - Magnifico, saboroso, o sorvete!... Mas, ouvindo um sujeito, que estava n’uma mesa proxima dizer que os cocktails eram sublimes, pedimos um para experimentar. Era realmente saboroso. - Com
o chalet do jardim, ou melhor com o Rodrigues, que está na - PONTA. Já podemos asseverar que não é só no Rio de Janeiro, em S. Paulo e no Rio Grande que a sociedade frequenta os jardins á procura de passa-tempo, seguido do sorvete ou de qualquer outro liquido refrigerante que componha o estomago. Entre nós já esse costume se evidenciou e não tardará o dia em que o Rodrigues não terá mãos a medir para satisfazer os frequentadores do chalet e apreciadores dos bons sorvetes. Agora, os outros assumptos. Os leitores, já sabem que vamos ter mosquitos por cordas e moscas por arames, porque a épocha é de companhias equestres, dramaticas e lyricas. A equestre, do conhecido artista emprezario Carlos Serino, está a chegar, pelo vapor Iris, que chega hoje. É importante companhia, segundo nos informam.