Memória da Antropologia no Sul do Brasil

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MEMÓRIA DA ANTROPOLOGIA NO SUL DO BRASIL

Sílvio Coelho dos Santos (ORGANIZADOR)

Cecília Maria Vieira Helm Sérgio Alves Teixeira

Editora da UFSC/ABA 2 0 0 6



MEMÓRIA DA ANTROPOLOGIA NO SUL DO BRASIL

Sílvio Coelho dos Santos (ORGANIZADOR)

Cecília Maria Vieira Helm Sérgio Alves Teixeira


©2006, by Sílvio Coelho dos Santos et al. Design e capa Renato Rizzaro Revisão Renato Tapado Universidade Federal de Santa Catarina Lúcio José Botelho – reitor Ariovaldo Bolzan – vice-reitor Editora da UFSC Alcides Buss – diretor-executivo Conselho Editorial Eunice Sueli Nodari – presidente Luiz Henrique de Araújo Dutra Regina Carvalho Cornélio Celso de Brasil Camargo João Hernesto Weber Nilcéia Lemos Pelandré Sérgio Fernando Torres de Freitas Associação Brasileira de Antropologia (gestão 2004-06) Miriam Pillar Grossi (UFSC) – presidente Peter Henry Fry (UFRJ) – vice-presidente Esther Jean Langdon (UFSC) – tesoureira Cornélia Eckert (UFRGS) – secretária

Memória da Antropologia no Sul do Brasil/Sílvio Coelho dos Santos (Org.). – [Florianópolis]: Editora da UFSC, ABA, 2006. 208p.: il. Inclui Bibliografia 1. História. 2. Antropologia. 3. Região Sul. 4. Brasil. I. Sílvio Coelho dos Santos. II. Título.

Editora da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC – Campus Universitário – Trindade Caixa Postal 476 – CEP 88040-900 Florianópolis – SC edufsc@editora.ufsc.br

Impresso no Brasil 2006


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Apresentação

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PRIMEIRA PARTE

A ANTROPOLOGIA

EM

SANTA CATARINA

Primeiros passos

17

A expansão da Cadeira

25

A criação do Instituto de Antropologia

29

O Instituto vira Museu

37

Projetando a Pós-Graduação

50

O mestrado

57

Concluindo

64

SEGUNDA PARTE

A ANTROPOLOGIA

NO

PARANÁ

Os 50 anos da história da Antropologia no Paraná

81

As fases da história da Antropologia no Paraná

87

O Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas. (CEPA)

94

O Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR

95

O Departamento de Antropologia

98

A Pós-Graduação em Antropologia Social na UFPR

112

Os 50 anos da ABA na UFPR, em Curitiba

118

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E R C E I R A

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A R T E

A ANTROPOLOGIA

NO

RIO GRANDE

DO

SUL

Precursores e a trajetória da Antropologia na UFRGS

127

Os precursores

130

A história da Antropologia na UFRGS

132

A implantação e seu primeiro professor

132

A primeira grande mudança: novas orientações teóricas e novos temas

142

Retorno às questões acadêmicas

145

Pedro Ignácio Schmitz: referência para a Arqueologia Brasileira

148

A segunda grande mudança: o início da pós-graduação

165

A terceira grande mudança: a implantação do curso de mestrado

168

Uma bela experiência intelectual e humana: a cooperação Capes-Cofecub 1985 - 1993, Porto Alegre - Paris

174

A quarta grande mudança: a implantação do curso de doutorado

182

Linhas de pesquisa

188

Horizontes antropológicos

188

Reuniões de Antropologia do Mercosul - RAM

195

As lideranças e o ethos da Antropologia: tudo pela Antropologia

197


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os meados dos anos 1930, com o surgimento das Universidades de São Paulo (USP, 1934) e do Distrito Federal (1935, depois denominada Universidade do Brasil e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), o ensino sistemático de Antropologia tornou-se realidade em diversos cursos que integravam as faculdades de Filosofia. À época, o então ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, procedeu a uma reforma do Ensino Superior, instituindo a obrigatoriedade da existência de faculdades de Filosofia nas universidades que estavam constituídas ou em vias de constituição. A reforma admitia também a criação de faculdades de Filosofia como estabelecimentos isolados. Objetivava o ministro incentivar os estudos humanísticos, tendo como referência o que se praticava nas universidades francesas. Arthur Ramos, ex-aluno de Nina Rodrigues e que se iniciara profissionalmente na Escola de Medicina da Bahia, foi indicado por Anísio Teixeira, em 1936, para integrar os quadros da Universidade do Distrito Federal. Com as mudanças havidas na |7|


organização dessa universidade, em 1939 Arthur Ramos foi designado para ocupar interinamente a Cátedra de Antropologia e Etnologia na Faculdade Nacional de Filosofia da então Universidade do Brasil 1. Nessa posição, Arthur Ramos liderou o movimento que resultou na fundação da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia em 1941. Essa associação foi desativada em 1949. Em São Paulo, a Antropologia já estava presente nos currículos da Escola Livre de Sociologia e Política (fundada em 1933) e da Faculdade de Filosofia da recém-criada Universidade de São Paulo. Alguns professores estrangeiros haviam sido contratados para integrar o corpo docente da USP e, em particular, da sua Faculdade de Filosofia. Entre eles, Donald Pierson, Roger Bastide, Emílio Willems e Claude Lévi-Strauss tiveram importante papel para a afirmação da Antropologia como campo do saber em nosso país. No Museu Nacional (RJ), por outro lado, a Antropologia era uma área de interesse de um pequeno grupo de naturalistas e estagiários, entre eles Luiz de Castro Faria e Eduardo Galvão. Ao mesmo tempo, Herbert Baldus pontificava no Museu Paulista (SP) e na Escola de Sociologia e Política como pesquisador e professor de Etnologia Brasileira. Curt Nimuendaju, Edgard Roquete-Pinto, Couto de Magalhães, Nina Rodrigues e Arthur Ramos, entre outros, também se consagraram realizando importantes pesquisas sobre índios e negros tendo como suportes diferentes instituições, em particular os museus já referidos, o Museu Emílio Goeldi, em Belém (PA), o Museu Paranaense, em Curitiba (PR), e o Serviço de Proteção aos Índios (RJ). Organizada sob a forma de cátedra, a Antropologia nessa fase inicial de ensino sistemático abrangia a Antropologia Física, a Etnologia, a Arqueologia e a Lingüística. Os programas escolares, embora amplos, contemplavam principalmente temáticas em função das áreas de interesse dos catedráticos. Para o exercício da docência, admitia-se, entre outras, a 1. AZEREDO, Paulo Roberto. Antropólogos e pioneiros: a história da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia. São Paulo: FFLCH-USP, 1986.

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formação em Medicina. Isto explica a presença de vários médicos como titulares das primeiras cátedras de Antropologia criadas no País. Nos finais dos anos 1940, o ministro da Educação, Clemente Mariani, atendendo a sugestões dos professores Arthur Ramos, Heloísa Alberto Torres e outros, designou uma Comissão para “[...] estabelecer bases para a organização do Primeiro Congresso Brasileiro de Antropologia” (Portaria n.130, de 20/2/1948) 2. Depois de algumas reuniões para a sua organização, este congresso não se realizou. Entretanto, os esforços que haviam sido feitos serviram de referência para que ocorresse a I Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), no Museu Nacional (RJ), em novembro de 1953. O objetivo desse encontro era reunir professores e pesquisadores para discutir o estado-da-arte das ciências antropológicas. Liderando o evento, estava a professora Heloísa Alberto Torres, então diretora do Museu Nacional. O professor Luiz de Castro Faria, naturalista do Museu, exerceu a secretaria da Comissão Organizadora. Pouco mais de vinte professores e pesquisadores participaram desse histórico encontro, entre eles Egon Schaden, Thales de Azevedo, Darcy Ribeiro, José Loureiro Fernandes, Marina Vasconcelos e Manuel Diegues Jr.3 Dois anos depois, em 1955, durante a realização da II Reunião em Salvador (BA), foi formalizada a criação da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). O professor Thales de Azevedo foi responsável pela organização desse encontro. Nessa ocasião, foi eleita a primeira diretoria da ABA, tendo como presidente: Luiz de Castro Faria; secretário: Darcy Ribeiro; tesoureiro: Roberto Cardoso de Oliveira4. A criação da ABA objetivava facilitar a articulação entre os antropólogos 2. AZEREDO, op. cit. p. 243 3. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Cinco décadas de reuniões e a consolidação do campo antropológico. In: Anuário Antropológico, 2002/2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. p. 9-25; CORRÊA, Mariza. As Reuniões Brasileiras de Antropologia: cinqüenta anos. Brasília: ABA, 2003; FERNANDES, Florestan. A Etnologia e a Sociologia no Brasil. São Paulo: Anhembi, 1958. 4. TRAJANO FILHO, Wilson; RIBEIRO, Gustavo Lins. (Org.). O campo da Antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: ABA; Contra-Capa. 2004.

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do País, através da continuidade das reuniões, estimulando o ensino, a realização de pesquisas e a formação de novos pesquisadores. A III RBA aconteceu em Recife, em 1958, sob a liderança de René Ribeiro. Nessa oportunidade, o professor José Loureiro Fernandes (UFPR) foi eleito presidente. Seguiram-se as reuniões efetivadas em Curitiba (1959), Belo Horizonte (1961), São Paulo (1963) e Belém (1966). Nessa última reunião, que aconteceu como parte do Simpósio sobre a Biota Amazônica, foi eleito presidente, embora ausente, o professor Manuel Diegues Jr. A ABA vivia dificuldades em função da ocorrência do golpe militar de 1964. A Universidade de Brasília havia sofrido intervenção, razão da não realização ali da VII Reunião e da sua transferência para Belém. Em 1971, durante o Encontro Internacional de Estudos Brasileiros, em São Paulo, os professores Egon Schaden e João Baptista Borges Pereira conseguiram reunir alguns antropólogos sob a égide da VIII RBA. Não houve condições, entretanto, para a eleição de uma nova diretoria. A regularização dos encontros periódicos dos antropólogos só viria a ocorrer em 1974, quando aconteceu a IX Reunião da ABA em Florianópolis. É necessário considerar que, nos finais dos anos 1940 e início dos 1950, surgiram a Academia Brasileira de Ciência, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), estratégicas instituições para favorecer o desenvolvimento científico do País. O debate sobre a importância da preparação de recursos humanos para o exercício do ensino e da pesquisa também foi aberto. Na década seguinte, através do Parecer 977/ 65, elaborado pelo professor Newton Sucupira, então membro do Conselho Federal de Educação (CFE), definiram-se as bases para a implantação de cursos de pós-graduação conforme conhecemos hoje. As normas para a organização e o credenciamento desses cursos foram definidas pelo Parecer 77/ 69, do mesmo CFE. Seguiram-se as propostas do Grupo de | 10 |


Trabalho da Reforma Universitária, que foram formalizadas na Lei 5.540/68, conhecida como a Lei da Reforma Universitária. Embora a participação de educadores de renome e o fato de que as mudanças requeridas pelas universidades há muito vinham sendo exigidas, não se pode desconhecer que nesse momento o País estava submetido a um regime de exceção, imposto através do golpe militar de 1964. Isto permitiu que as decisões tomadas fossem impostas sem maiores discussões. Há que se lembrar também que, em meados dos anos 1950, Darcy Ribeiro organizou um primeiro curso de aperfeiçoamento em Antropologia Cultural para graduados no Museu do Índio (RJ). A seguir, Roberto Cardoso de Oliveira, que havia trabalhado com Darcy e Eduardo Galvão, criou no Museu Nacional um Curso de Especialização em Antropologia Social. Foi dessa experiência que se originou o Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional, criado segundo as normas preconizadas pela nova legislação. Na Universidade de São Paulo, por sua vez, até então havia a prática de aceitar candidatos ao doutorado em Antropologia, que seguia o modelo praticado na França. Na Região Sul, o ensino de Antropologia começou com a criação das Faculdades de Filosofia em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Isto também a partir dos finais dos anos 1940 e início dos 1950. Dois médicos, José Loureiro Fernandes e Oswaldo Rodrigues Cabral, e o padre Balduíno Rambo foram os primeiros catedráticos da disciplina, respectivamente, nas Universidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Cada um deles, à sua maneira, criou as condições para o surgimento nas décadas seguintes dos Departamentos e dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia que conhecemos hoje. A diversidade cultural e étnica, as populações indígenas e os sítios arqueológicos da Região Sul atraíram os interesses de diversos viajantes e pesquisadores, entre eles Auguste de SaintHilaire, Fritz Müller, Guilherme Tiburtius, Albert V. Fric, Donald Pierson, Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss, Curt Nimuendaju, Herbert Baldus e Jules Henry. Outros tantos | 11 |


cronistas, navegadores, padres, empreendedores e indigenistas deixaram preciosos relatos sobre as populações com que mantiveram contato ou deram testemunhos sobre o extermínio dos contingentes indígenas e sobre a destruição dos sítios arqueológicos denominados sambaqui. Colecionadores particulares deram origem a pequenos museus em diferentes cidades. Assim, é possível rastrear extensa bibliografia na qual os temas de interesse da Antropologia estiveram presentes. Mas neste trabalho nosso foco está voltado para o ensino formal da ciência Antropologia, e não exatamente para as pesquisas que foram realizadas por diferentes pesquisadores na região. Foi no cenário das comemorações dos cinqüenta anos da criação da ABA que desenhamos o projeto deste livro, focalizando as trajetórias relativas ao ensino da Antropologia nos três Estados do Sul. Para tanto, convidamos a professora Cecília Maria Vieira Helm para relatar o desenvolvimento do ensino da Antropologia no Paraná, tendo como referência o trabalho pioneiro do professor José Loureiro Fernandes. Por sua vez, o professor Sérgio Alves Teixeira foi instigado a dissertar sobre a trajetória da Antropologia no Rio Grande do Sul, que se iniciou com o padre jesuíta Balduíno Rambo. De minha parte, assumi a tarefa de resgatar o caminho seguido pela Antropologia em Santa Catarina. Como estratégia editorial, adotamos a apresentação do livro em três partes autônomas, garantindo assim a liberdade para cada um dos autores construírem seus textos com a devida independência. Assim, pequenas repetições foram inevitáveis, razão de nosso pedido de compreensão aos leitores. Cabe agradecer aos colaboradores professores Maria José Reis, Aneliese Nacke e Neusa Bloemer (UFSC); Pedro Ignácio Schmitz e Sergio Baptista da Silva (UFRGS); Jacques Gutwirth da Universidade Paris V, França; e Maria Fernanda Maranhão (Museu Paranaense), Igor Chmyz, Maria Tarcisa Bega e Patrícia Dorfman (UFPR); e aos estudantes Carolina Fernandes Corrêa, Kaio Domingues Hoffmann, Thiago Swoboda e Márcia Medeiros de Lima, bolsistas IC/CNPq; e Cátia Weber e Gerusa Rosa Oliva, bolsistas AT/CNPq, todos ligados à UFSC; e | 12 |


Fabiela Bigossi (UFRGS), pelas colaborações prestadas durante o desenvolvimento deste projeto. Registre-se também que o CNPq nos concedeu um auxílio de pesquisa para a execução da proposta, além de nos assegurar, a mim e à professora Cecília Helm, bolsas de pesquisa. A ABA, através de sua diretoria, aqui representada pela professora Miriam Grossi, presidente, assegurou parte dos recursos financeiros necessários à edição, permitindo a parceria com a Editora da UFSC. Finalmente, aos colegas Cecília Maria Vieira Helm e Sérgio Alves Teixeira, nossos agradecimentos pela acolhida da proposta que fizemos no início de 2004 e pela maneira prestimosa, gentil e cheia de lhaneza com que desenvolveram seus textos. Ilha de Santa Catarina, março de 2006. Sílvio Coelho dos Santos O R G A N I Z A D O R

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PĂĄgina anterior: Oswaldo Rodrigues Cabral, Roque Laraia e jovens pesquisadores do Instituto de Antropologia em 1968. Acervo: SĂ­lvio Coelho dos Santos


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oi com a instalação da Faculdade Catarinense de Filosofia, em 1955, que o ensino de Antropologia começou a ser praticado de maneira regular em Santa Catarina. No primeiro ano de funcionamento da Faculdade, os bacharelados de História e Geografia formavam um único curso. No ano seguinte, em 1956, o ingresso dos alunos já foi realizado para cursos independentes. À época, os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Educação e Cultura determinavam que os alunos matriculados no curso de História deveriam freqüentar as disciplinas Antropologia Cultural e Etnografia Geral e do Brasil. Os que se matriculassem no curso de Geografia freqüentariam as disciplinas de Antropologia Cultural e de Antropologia Física. Os alunos que ingressaram na primeira turma, excepcionalmente, freqüentaram as três disciplinas. Os professores Oswaldo Rodrigues Cabral, Alvino Bertoldo Braun e Jaldyr Faustino da Silva foram indicados para responder por essas disciplinas. Cabral era médico e político, tendo exercido dois mandatos de deputado estadual e assumido a Presidência da Assembléia Legislativa. Há muito se interessava | 17 |


por história, cultura popular e pela educação superior. Braun era padre jesuíta, atuando como professor de História Natural no Colégio Catarinense. E Jaldyr Faustino era militar, tendo alcançado na reforma o posto de general. Tinha exercido o magistério em colégios militares e sido diretor do Instituto Estadual de Educação, em Florianópolis. Sua área preferida era História do Brasil. A Faculdade Catarinense de Filosofia foi criada em 1951 graças aos esforços do desembargador Henrique da Silva Fontes, professor da Faculdade de Direito e prestigiado educador, com o apoio de uma plêiade de intelectuais da elite local. Desde o início, foi adotada a estratégia de obter a colaboração de universidades já experientes, para apoiar certas disciplinas que seriam implantadas nos cursos que compunham o projeto da Faculdade. Alguns professores estrangeiros foram contatados para futura contratação. Outros foram buscados na Universidade do Brasil (hoje UFRJ) e na Universidade de São Paulo (USP). A maioria dos professores, entretanto, era da própria cidade, onde exerciam diferentes atividades profissionais, inclusive a docência. Alguns eram vinculados a ordens religiosas. A organização dos estatutos, a composição do corpo docente e da grade curricular dos cursos iniciais, e a obtenção de uma dotação orçamentária junto ao governo estadual consumiram meses de trabalho do pequeno grupo de entusiastas que auxiliava o professor Fontes. O pedido de autorização para funcionamento da Faculdade foi encaminhado ao Ministério da Educação e Cultura em 16 de julho de 1952. A autorização para funcionar se efetivou através do Decreto 36.558, de 24 de dezembro de 1954, assinado pelo presidente João Café Filho. Em 25 de março do ano seguinte, se iniciaram as aulas1. Nos finais dos anos 1940, um grupo de intelectuais liderado pelo professor Fontes havia organizado o Primeiro Congresso de História Catarinense, que contou com a presença de um número 1. FONTES, Henrique da Silva. Pensamentos, palavras e obras. Primeiro Caderno. Da Faculdade de Filosofia. Florianópolis: Edição do Autor, 1960.

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expressivo de participantes, entre eles alguns estrangeiros. Oswaldo Rodrigues Cabral era membro da Comissão Organizadora, exercendo o papel de secretário-geral. A diversidade temática das comunicações e das conferências contemplava áreas como Lingüística, Geografia, História, Literatura e folclore, dando visibilidade à realidade sociocultural e política do Estado, e abrindo perspectivas para intercâmbio entre instituições e pessoas. Esse evento proporcionou horizontes para aqueles que acreditavam na importância da ampliação do leque de oportunidades para que parte da juventude catarinense pudesse ter acesso aos cursos superiores. A implantação da Faculdade de Filosofia, em parte, foi uma conseqüência desse Congresso. Mas ela também se inseria num projeto mais amplo do desembargador Fontes, relacionado à criação de uma universidade estadual. À época, era governador Irineu Bornhausen (1951–56), eleito pela União Democrática Nacional (UDN), partido do qual fazia parte o desembargador Fontes. Bornhausen não só apoiou financeiramente o projeto de criação da Faculdade de Filosofia, como, no final de seu governo, através da Lei n. 1.363, de 29 de outubro de 1955, instituiu a Fundação Universidade de Santa Catarina. Essa instituição deveria aglutinar as diversas faculdades já existentes na capital. Anteriormente, pela Lei 1.179, de 26 de novembro de 1954, Bornhausen já havia destinado a área da Fazenda Experimental Assis Brasil, localizada na Trindade, para abrigar o campus da futura universidade. Uma aliança entre a UDN e outros partidos minoritários garantiu a sua continuidade no poder, através da eleição de Jorge Lacerda, vinculado ao Partido de Representação Popular (PRP). Além de político, o novo governador exercia atividades literárias. Lacerda deu suporte ao projeto do professor Fontes, apoiando a Faculdade de Filosofia e oferecendo também incentivos às demais faculdades que existiam na cidade. O projeto da universidade ganhava corpo. Através do Decreto 56, de 9 de janeiro de 1957, Lacerda aprovou o Plano da Cidade Universitária, dando início às obras de construção da Faculdade de Filosofia (31/1/1957). Na mesma época, pelo Decreto 296-A, de 25 de janeiro de 1957, | 19 |


sancionou os Estatutos da futura instituição 2. Com o seu prematuro falecimento num trágico desastre aéreo (1957), o vicegovernador eleito, Heriberto Hülse (UDN), assumiu o governo e manteve os compromissos de seu antecessor. Entre as faculdades existentes na capital, a única que havia sido incorporada pelo governo federal era a de Direito. Seu diretor, professor João David Ferreira Lima, há muito defendia a implantação de uma universidade federal, através da aglutinação das faculdades existentes. Ferreira Lima era um hábil negociador. Politicamente vinculado ao Partido Social Democrático (PSD), vislumbrou que o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, que havia sido eleito pela coligação PSD-PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), tinha motivação política para ampliar o número de universidades federais no País. A proposta de Ferreira Lima ganhou corpo e se concretizou quando o presidente Juscelino sancionou a Lei 3.849, de 18 de dezembro de 1960, criando a Universidade de Santa Catarina. Esse processo, depois de muitas negociações, contou com a adesão de todos os diretores das seis faculdades existentes (Direito, Filosofia, Ciências Econômicas, Farmácia e Odontologia, Medicina e Serviço Social), e teve o apoio do governador Heriberto Hülse 3. A área da antiga Fazenda Experimental Assis Brasil foi, pouco depois, incorporada ao patrimônio da nova universidade e, com o tempo, foi reconhecida como estratégica para abrigar o futuro campus. A Faculdade de Filosofia, graças ao denodo do professor Fontes, foi a pioneira na ocupação do atual campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ao ser instalada, em 1955, a Faculdade Catarinense de Filosofia tinha sua sede num casarão pertencente à família Petrelli, localizada nos finais da Rua Esteves Júnior, onde funcionavam a secretaria, o gabinete da direção, a sala da congregação, a biblioteca e algumas disciplinas. Uma pequena área de lazer servia como local de congraçamento para alunos e professores, tendo 2. ibidem. 3. FERREIRA LIMA, João David. UFSC: sonho e realidade. 2. Florianópolis: Editora da UFSC, 2000.

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como referências principais para os estudantes o espaço do café e uma mesa de pingue-pongue. Outra parte das aulas era ministrada nas instalações do Colégio Catarinense, pertencente aos jesuítas, vizinho da Faculdade. E os cursos de História e Geografia tinham sua base num outro casarão, situado na pracinha localizada nos finais da Rua Esteves Júnior, a menos de 200 metros da sede da Faculdade. Nos primeiros anos, os cursos de Letras e de História tinham um número de estudantes mais expressivo, a maioria já experientes professores de nível médio que haviam esperado por muito tempo a oportunidade para obter o grau de licenciado em suas áreas de interesse. No conjunto, as turmas eram pequenas, contando entre cinco e vinte alunos, razão de se adotar a prática de juntar estudantes de cursos diferentes quando tinham disciplinas comuns. Assim, por exemplo, os alunos de História e Geografia freqüentavam as aulas de Antropologia Cultural, ministradas pelo professor Cabral, formando uma única turma. A disciplina de Antropologia Física, como foi dito, nessa fase inicial, era exclusiva para os alunos de Geografia. E Etnografia Geral e do Brasil era ministrada somente para os alunos da terceira série do curso de História. O curso de Ciências Sociais só viria a ser criado muito mais tarde. Tendo participado ativamente do grupo que constituiu a Faculdade, Cabral assumiu a disciplina de Antropologia Cultural em função de seu já reconhecido interesse pelas áreas de História, folclore e cultura. Também ficou responsável pela disciplina História de Santa Catarina, ministrada como optativa para alunos do último ano. Como candidato ao concurso de livre-docente na Cátedra de Medicina Legal, na Faculdade de Direito, no início dos anos 1950, havia apresentado uma tese intitulada Da Idade – aspectos sociais, jurídicos e médico-legais do problema, na qual discutia questões legais e consuetudinárias relacionadas às idades cronológica, psicológica e biológica de pessoas em diferentes culturas. Em 1954, publicou o livro Cultura e folclore, através da Imprensa Oficial do Estado, que havia sido premiado no ano anterior no concurso instituído pela Comissão Nacional de Folclore, da qual era membro. Este livro teve o prefácio de Roger Bastide, à época professor da Universidade de São Paulo. Ressalte| 21 |


se que a Comissão Nacional de Folclore, criada por Getúlio Vargas no cenário das políticas do Estado Novo voltadas para a valorização das práticas culturais locais, congregava intelectuais como Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Dante Laytano, entre outros. Em diferentes momentos, essa Comissão organizou congressos, concursos e publicações, facilitando o intercâmbio entre seus membros e assegurando a difusão de seus trabalhos. Os alunos dos cursos de História e Geografia iniciavam a disciplina Antropologia Cultural tendo a primeira parte do livro Cultura e folclore como referência básica. Depois de uma ligeira abordagem sobre os objetivos da disciplina e sua abrangência, Cabral adentrava na apresentação do tópico Cultura focalizando seus conceitos básicos e os principais autores, tais como Linton, Herskovits, Malinowsky e Boas, que haviam trabalhado sobre o tema. No segundo semestre, as unidades de ensino focalizavam a família, o matrimônio, o parentesco, a religião e a cultura material, tendo como referências uma série de apostilas elaboradas pelo mestre com a finalidade de subsidiar a aprendizagem de seus estudantes. Na segunda parte, o livro Cultura e folclore continha preciosas informações sobre como efetuar uma pesquisa e elaborar o relato final. Cabral recomendava para os alunos que fariam os trabalhos semestrais, às vezes baseados em pesquisas de campo, que lessem os ensinamentos contidos no livro e que, em caso de dúvidas, lhe consultassem. Como raros eram os manuais sobre metodologia da pesquisa em Antropologia, Cabral dava para seus estudantes a seqüência de passos que deveria ser seguida na execução de um projeto de investigação social. É verdade que não enfatizava a importância dos conceitos e das teorias, privilegiando as estratégias relacionadas ao contato com os informantes, com a organização dos dados e com o texto final, que deveria ser escrito em linguagem correta e coerente. À época, as disciplinas eram anuais. A cada semestre, havia provas obrigatórias, que podiam ser substituídas pela execução de trabalhos bibliográficos ou de campo definidos pelo professor. No meio de cada semestre, o docente tinha liberdade para submeter seus estudantes a provas sobre os conteúdos programáticos estudados. Outros trabalhos poderiam ser | 22 |


exigidos, de acordo com a programação previamente estabelecida. Ao final do ano, quem não obtivesse média sete (7) nas provas (ou trabalhos) semestrais e nas eventuais provas ou trabalhos intermediários era submetido a um exame final. A nota mínima exigida nesse exame era cinco (5). Duas reprovações sucessivas implicavam a perda definitiva da matrícula. A disciplina Antropologia Cultural era ministrada num pequeno anfiteatro. Duas vezes por semana, Cabral dava suas aulas entre 17h30 e 19h10. Os horários eram observados com rigor. Mas a maioria dos alunos tinha entusiasmo pela matéria. O mestre valia-se de recursos visuais (slides, especialmente), exemplos da vida cotidiana, referências a práticas culturais de diferentes povos, e, em particular, histórias hilárias, objetivando motivar e descontrair seus estudantes. Além disso, todos reconheciam sua dedicação e competência. Era um autodidata muito bem informado do que acontecia tanto no País como no exterior, em relação aos conteúdos programáticos de sua disciplina. Sua biblioteca particular abrigava os principais clássicos da Antropologia. Ao mesmo tempo, como leitor dedicado, sempre tinha notícias sobre os últimos lançamentos nas áreas da literatura e da História. Com a mesma sistemática organizacional, os conteúdos de Antropologia Física eram ministrados para os alunos do curso de Geografia pelo pe. Alvino Bertoldo Braun. O foco era a história natural do homem, com destaques para temas como “diversidade racial”, “antropometria” e a “evolução humana”. Essas aulas não entusiasmavam a maioria dos estudantes e contrastavam com as ministradas por Cabral. Na terceira série, os alunos do curso de História tinham a disciplina Etnografia Geral e do Brasil. O responsável era o professor Jaldyr Bhering Faustino da Silva, que também lecionava a disciplina História do Brasil. O foco eram os povos indígenas do País, com ênfase naqueles que mantiveram contato direto com os portugueses nos primeiros séculos da conquista. As referências eram os livros de Capistrano de Abreu (Caminhos antigos e povoamento do Brasil e Capítulos da história colonial (1500–1800). Entre os professores estrangeiros contratados para atuarem | 23 |


na Faculdade, dois deles, Eudoro de Souza e George Agostinho da Silva, ambos portugueses que se auto-exilaram no Brasil durante a ditadura de Salazar, deram especial contribuição aos cursos de História e de Letras. Para o curso de História, Eudoro ministrava a disciplina Arqueologia Pré-Histórica, enquanto Agostinho oferecia um curso optativo sobre Cultura Ibérica. Devido à sua formação cultural diversificada e larga experiência docente, os dois marcaram profundamente seus alunos. Mais tarde, foram atraídos por Darcy Ribeiro para atuarem na Universidade de Brasília. Outros jovens professores oriundos das Universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, tais como João Evangelista de Andrade Filho, professor de História da Arte, Paulo Araújo Fernando Lago, Armém Mamigonian e Carlos Augusto Monteiro, os três últimos integrantes do corpo docente do curso de Geografia, também deixaram marcas indeléveis entre os estudantes. A biblioteca da Faculdade Catarinense de Filosofia era pequena. Não mais que dez a quinze livros tinham conteúdos referentes à Antropologia Cultural e a áreas correlatas. A maioria dos alunos se valia dos acervos dos professores. Empréstimos e consultas diretas em suas bibliotecas eram rotina. Como o número de estudantes era pequeno, não raro se formavam grupos de estudos que se reuniam na Faculdade nos finais de semana e feriados. Um ou outro estudante assumia a tarefa de traduzir partes das obras recomendadas e que estavam em francês ou inglês. As anotações de aula, os resumos fornecidos pelos professores e as apostilas serviam de referência para o andamento das discussões e a realização das tarefas. No entremeio desses trabalhos, disputas de pingue-pongue, piadas, música, discussões políticas acirradas e algum namoro. Com a criação da Universidade de Santa Catarina em 1960, a Faculdade Catarinense de Filosofia foi incorporada à nova instituição universitária. Passou a se denominar Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Ao mesmo tempo, diversas mudanças ocorreram na grade curricular e na distribuição das disciplinas. Surgiu assim a Cadeira de Antropologia e Etnografia, tendo como catedrático o professor Oswaldo Rodrigues Cabral. | 24 |


A pesquisa antropológica em Santa Catarina, no sentido lato, na verdade, havia tido exemplos marcantes nos trabalhos desenvolvidos, entre outros, por Jules Henry, entre os Kaingang (Xokleng), no Alto Vale do Itajaí (1932–34); por Francisco Schaden, que, entre 1925–45, realizou vários trabalhos sobre indígenas de Santa Catarina; por Egon Schaden, que no começo dos anos 1940 estava iniciando sua carreira docente e de pesquisa na Universidade de São Paulo; por Luiz de Castro Faria, que escreveu vários trabalhos sobre a realidade sociocultural catarinense; e pelo pe. João Alfredo Rohr, que na segunda metade dos anos 1950 começou um monumental trabalho de pesquisa na área de Arqueologia, focalizando principalmente os sambaquis. À mesma época, Franklin Cascaes se dedicava ao registro etnográfico das manifestações da cultura popular, de origem luso-açoriana, na Ilha de Santa Catarina. A existência de inúmeros sítios arqueológicos, além da diversidade étnica e cultural do Estado também chamaram a atenção em diferentes momentos de outros pesquisadores, entre eles Fritz Müller, Emílio Willems, Herbert Baldus e Guilherme Tirbutius.

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Ainda sob a perspectiva da criação de uma universidade estadual, o professor Fontes deu início à construção de uma parte do prédio que viria a sediar a Faculdade de Filosofia no futuro campus da Trindade. Nos finais de 1960, esta construção foi concluída, e iniciou-se a transferência para a nova sede. Para a época, e diante das instalações anteriores, o prédio era imponente (hoje integra parte do primeiro bloco do Centro de Comunicação e Expressão, defronte à Reitoria). Salas amplas, alguns gabinetes para professores, área para a biblioteca, espaçosos corredores, sala de jogos para os estudantes e uma cafeteria, com capacidade de servir pequenas refeições, formavam um conjunto integrado e bastante funcional. À entrada, junto à placa comemorativa da inauguração, um convite à reflexão dos jovens estudantes inscrita pelo professor Fontes: primum vivere, deende philosophare. O | 25 |


processo de mudança foi relativamente rápido. Cabral foi incansável tanto no assessoramento ao professor Fontes para distribuir espaços e equipamentos, como para adequar a estrutura da Faculdade ao processo que se iniciava em função da sua incorporação à universidade. No entorno do novo prédio, o vazio era imenso. A paisagem era bucólica, formada por pasto, gado, mato, pássaros e uma ampla variedade de insetos. O acesso ao prédio era precário, apenas uma estrada de barro, coberta de tempos em tempos com brita, ligava a pracinha da Trindade às instalações da Faculdade. Poeira e lama eram rotina. O serviço de ônibus entre o centro e o ponto terminal da Trindade era precário, com horários escassos. Para resolver o problema de transporte de alunos, professores e funcionários, o desembargador Fontes adquiriu um ônibus Mercedes-Benz com motor traseiro, novidade na cidade. Os horários de ir e vir desse novo transporte eram limitados ao início e ao término das aulas, e ao final do expediente dos servidores. Alguns professores se deslocavam de automóvel. Cabral era um deles. Nesse novo prédio, a Cadeira de Antropologia obteve uma sala de aulas mobiliada como anfiteatro, e um gabinete para o catedrático e seus auxiliares. Por influência direta de Cabral, ao lado do gabinete foi instalado um Núcleo de Documentação, destinado à produção e reprodução de fotos e slides a serem utilizados como materiais didáticos ou para ilustração de publicações, para todas as cadeiras. No segundo semestre de 1961, Cabral assumiu a direção da Faculdade de Filosofia, uma vez que o desembargador Henrique da Silva Fontes, até então seu diretor, havia ultrapassado os 70 anos e não podia ser nomeado, segundo as normas vigentes na legislação federal. A indicação de Cabral foi feita pelos professores integrantes da congregação, órgão superior da Faculdade, que o consideravam dinâmico e competente administrador. Até então, Cabral tinha como seu auxiliar o professor Walter Fernando Piazza, que colaborava nas aulas de História de Santa Catarina. Com as modificações havidas na Cadeira devido à criação da Universidade, Piazza passou a responder pela disciplina de | 26 |


Etnografia, na condição de assistente. E, ao mesmo tempo, recémformado no curso de História, fui convidado pelo professor Cabral para ser seu auxiliar de ensino. Minha designação foi feita ainda pelo desembargador Fontes, através da Portaria n. 15, de 6 de março de 1961. Confesso que, no primeiro momento, relutei em aceitar o convite. Fui, entretanto, convencido pelo mestre, sob o argumento de que minhas tarefas se resumiriam a eventuais seminários, correções de trabalhos e uma ou outra orientação aos estudantes. Na realidade, minha experiência não foi bem assim, pois não poucas vezes me vi desafiado a assumir a apresentação de novos conteúdos devido ao envolvimento crescente do professor Cabral em atividades administrativas. A organização da Faculdade e da própria Universidade, dentro dos padrões exigidos pela legislação federal, ocupou todo o ano de 1961 (somente em março de 1962, a Universidade foi oficialmente instalada). Eram processos e mais processos relativos à nomeação dos antigos professores e servidores, aquisição de novos equipamentos, apresentação de orçamentos, etc. Experimentado nessas lides, Cabral desdobrava-se para atender a essas novas demandas administrativas. Ao mesmo tempo, lutava pela ampliação do quadro docente e também para a contratação de novos servidores. Durante o ano de 1961, os docentes que não respondiam por cadeiras (assistentes e auxiliares) continuaram atuando de forma dativa. A expectativa era a de que, no ano seguinte, com a instalação formal da Universidade, sairiam as nomeações desse grupo de colaboradores. A experiência a que me submeti foi difícil. Substituir o professor Cabral em seus impedimentos não era nada fácil, dados o seu domínio dos conteúdos programáticos e a sua competência em envolver positivamente os estudantes. Tive de estudar duro para estar preparado para as eventuais e desafiantes emergências. No decorrer do segundo semestre, angustiado com minhas limitações, explicitei para o mestre que pretendia fazer um curso de pósgraduação a fim de aprofundar meus conhecimentos. Cabral não relutou em apoiar meu projeto. Foi dessa maneira que, no ano seguinte, fui para o Museu Nacional (MN, da antiga Universidade | 27 |


do Brasil) para, após seleção, realizar um curso de especialização em Antropologia Social, sob a coordenação de Roberto Cardoso de Oliveira. Nesse projeto, muito colaboraram os professores Egon Schaden (USP) e Luiz de Castro Faria (MN), que naquele ano de 1961, em momentos diferentes, haviam visitado a Faculdade. Seus apoios e informações foram decisivos para minha formação profissional. Nesse mesmo ano de 1962, Walter Piazza freqüentou um curso de aperfeiçoamento em pesquisa arqueológica, ministrado pela professora Annete Laming-Amperaire, do Museu do Homem (Paris), sob os auspícios da Universidade do Paraná. Com a criação da Cátedra de Antropologia, no contexto agora da Universidade, foi necessária uma revisão dos conteúdos programáticos. A disciplina de Antropologia Cultural passou a contemplar uma unidade sobre a origem e a evolução do homem, que antes era integrante da programação de Antropologia Física. Dessa maneira, para as primeiras séries dos cursos de História e Geografia (as turmas continuaram unificadas), o programa continha conteúdos referentes à Antropologia Cultural e suas áreas de interesse; o conceito de cultura; teorias sobre a origem e evolução do homem; família; parentesco; e cultura material. A Etnografia continuou a ser ministrada para os alunos da terceira série de História pelo professor Walter Piazza. Mas, a partir de 1964, a disciplina de Antropologia Cultural passou a ser lecionada em dois anos, divididos e ampliados os conteúdos anteriores. Dessa maneira, Cabral ministrava aulas para os alunos da primeira série, enquanto eu me responsabilizava pela programação da segunda série, centrada, especialmente, em conteúdos que tinham como referências a organização social (família e parentesco), a economia e a política das sociedades tradicionais e dos povos indígenas do País. O acervo bibliográfico da Cadeira também cresceu. À época, começavam a circular compêndios didáticos como Antropologia Cultural, de Felix Keesing, editado pela Fundo de Cultura (RJ); Antropologia Social, de Godfrey Lienhard, Zahar Editores (RJ); Iniciação ao estudo da Antropologia, de Pertti Pelto, Zahar Editores; e as traduções dos clássicos Uma teoria científica da cultura, de B. Malinowski, Zahar; O Homem, uma introdução à Antropologia, de | 28 |


Ralph Linton, Martins Editora (SP); Padrões de cultura, de Ruth Benedict, Editora Livros do Brasil (Lisboa); Cultura e personalidade, de Ralph Linton, Editora Mestre Jou (SP), entre outros. Em função das pesquisas nas áreas de Etnologia e de Arqueologia, dezenas de livros foram adquiridos em suas edições originais (inglês e francês, principalmente), além de quase tudo que se editava no País tendo como foco povos indígenas, populações negras, imigrantes, populações rurais e urbanas, e grupos pré-históricos. As obras de Darcy Ribeiro, Egon Schaden, Herbert Baldus, Eduardo Galvão, Florestan Fernandes e Roberto Cardoso de Oliveira eram as mais requisitadas para as aulas de Etnologia Brasileira. Parte desse acervo ficava depositada na biblioteca da Faculdade, à disposição dos estudantes. Outra parte integrava as dependências da própria Cadeira, para uso dos professores e estudantes que participavam dos projetos de pesquisa. Gradativamente, foi sendo introduzida a prática de seminários e de trabalhos de grupo, a partir de textos previamente selecionados e/ou envolvendo temáticas específicas que eram exploradas pelos estudantes a partir de levantamentos bibliográficos. Os recursos audiovisuais (slides, filmes e fitas de vídeo) também foram sendo ampliados, facilitando a apresentação e discussão dos temas constantes dos planos de curso das disciplinas.

A

CRIAÇÃO

DO

INSTITUTO

DE

ANTROPOLOGIA

Cioso de suas responsabilidades como diretor da Faculdade e diante dos valores dos novos salários, que passaram a ser pagos pelo governo federal, Cabral instituiu ainda no primeiro ano de sua administração um relógio de ponto, destinado ao controle do horário de trabalho de todos os servidores e professores. A medida não agradou muitos docentes, que estavam acostumados a ter presença apenas durante os horários de aulas e em eventuais reuniões da Congregação. Os docentes estavam sujeitos ao cumprimento de 18 horas semanais, e as aulas aconteciam pela manhã, entre as 7h30 e 11h30. Os servidores cumpriam expediente entre as 7 e 13 horas. As reclamações contra o controle não foram | 29 |


poucas, e Cabral começou a ser visto como um dirigente autoritário. Em meados de 1963, numa reunião da Congregação, Cabral apresentou uma proposta que, no seu entender, era estratégica para a Faculdade. A maioria dos professores integrantes da Congregação, porém, resolveu ser contra a iniciativa, numa clara demonstração de inconformidade com o registro diário de suas horas de trabalho. Numa reação imediata, Cabral declarou que estava renunciando ao cargo de diretor, o que de fato aconteceu, apesar das iniciativas do reitor Ferreira Lima e de alguns colegas da própria Faculdade para demovê-lo do propósito. À época, digase, o cargo de diretor de uma Faculdade era importantíssimo, sendo a nomeação de competência do presidente da República. Cabral, porém, não voltou atrás. Na história da Universidade, foi o único diretor que renunciou à função. A desistência inopinada do cargo de diretor da Faculdade acabou trazendo novas perspectivas para a Cadeira de Antropologia, da qual ele era titular. Nesse momento, finais de 1963, eu e Walter Piazza, auxiliados por alguns estudantes, já estávamos realizando projetos de pesquisa nas áreas de Etnologia Indígena e Arqueologia. A lei de proteção aos sítios arqueológicos (Lei 3.924, de 27/7/61) era recente e servia de êmulo tanto para os trabalhos de Piazza quanto para aqueles que o pe. João Alfredo Rohr, do Colégio Catarinense, realizava no litoral de Santa Catarina. A implantação do Programa Nacional de Arqueologia (Pronapa), ainda na primeira metade da década de 1960, criou as condições para a ampliação das pesquisas que Piazza vinha realizando. De minha parte, o projeto “Os Grupos Jê em Santa Catarina”, que eu havia elaborado como trabalho final do Curso de Especialização, servia de base para o encaminhamento das pesquisas que me levariam ao doutorado. O interesse dos alunos pelas atividades de pesquisa era crescente. A sala que usávamos como apoio para nosso trabalho diário na Faculdade estava assoberbada com materiais trazidos do campo. Na sua volta para as atividades diárias da Cadeira, o mestre Cabral começou a trabalhar com Antropologia Física, dedicando-se especialmente à reconstituição de crânios provenientes das escavações realizadas por seu assistente, Walter | 30 |


Piazza, que era auxiliado por Anamaria Beck e outros estudantes. Marcílio Dias dos Santos, aluno concluinte do curso de História, havia me acompanhado à primeira etapa de campo entre os Xokleng (Ibirama – SC) em julho de 1963. No ano seguinte, com o apoio de Cabral, Marcílio foi realizar um estágio no Museu Nacional (RJ). O mesmo aconteceu com Anamaria Beck, que realizou estágio no setor de Arqueologia daquele museu. As atividades de ensino e pesquisa haviam crescido bastante. Cursos de extensão e visitas de pesquisadores de outras instituições tornaram-se rotina. O corredor que acessava a sala de aula e a sala de trabalho dos professores foi aproveitado para abrigar diversas peças etnográficas e arqueológicas, resultantes das pesquisas em andamento. O pouco espaço disponível, associado à percepção de que as atividades de pesquisa eram essenciais para a jovem Universidade, levou Cabral a encaminhar, junto comigo e Piazza, ao reitor Ferreira Lima uma detalhada exposição de motivos propondo a criação de um Instituto de Antropologia, em 5 de outubro de 1964 (ver Anexo 1). Acompanhava o documento um anteprojeto de organização do novo órgão, com destaque para sua subordinação diretamente à Reitoria e a formação de um quadro de docentes-pesquisadores que simultaneamente exerceria a docência e a pesquisa. Um outro documento se referia especificamente aos cursos, ressaltando-se aqueles de pósgraduação. Estágios, cursos de especialização e mestrado eram previstos para serem implantados gradativamente. Em 30 de dezembro de 1965, através da Resolução 089, aprovada pelo Conselho Universitário, foi criado o Instituto. A estrebaria da antiga Fazenda Assis Brasil, que havia servido para abrigar um selecionado plantel bovino, e dois outros imóveis próximos, que agora estavam no interior do campus, foram reservados para abrigar o novo órgão. A Reitoria consignou recursos de seu orçamento para iniciar as necessárias reformas, previstas para o ano seguinte. Ainda em 1965, a Cadeira recebeu a visita dos renomados antropólogos drs. Betty Meggers e Clifford Evans, do Smithsonian Institution (EUA). O foco da visita era o incremento das pesquisas | 31 |


Etapas da reforma da antiga estrebaria da Fazenda Assis Brasil, que abrigou o Instituto de Antropologia. Acervo: Museu Universitรกrio. | 32 |


arqueológicas, através do Pronapa. Mas os visitantes também manifestaram a possibilidade de apoio ao projeto que eu estava executando. No ano seguinte, recebi um grant no valor de dois mil e duzentos dólares. Esses recursos permitiram o incremento das pesquisas de campo e, mais que isso, garantiram o reconhecimento interno da importância da proposta que objetivava valorizar estudos com os povos indígenas. Nesse mesmo ano, Maria José Reis, aluna iniciante e professora de carreira, foi cedida pela Secretaria de Educação e começou a atuar como estagiária da Cadeira de Antropologia. Foram meses de muita labuta para detalhar a proposta do Instituto, ampliar os recursos financeiros iniciais, reformar a antiga estrebaria e as casas, instalar móveis, comprar equipamentos e organizar a equipe de trabalho. Em meados de 1967, o Instituto de Antropologia tornou-se realidade. Cabral havia transformado as baias da fazenda num ambiente de pesquisa e ensino, que acabaram sendo a base para a expansão da área de Antropologia na UFSC. A inauguração oficial do Instituto aconteceu em 29 de maio de 1968, com a presença do governador Ivo Silveira, do reitor Ferreira Lima, outros reitores que participavam na UFSC de uma reunião do Conselho de Reitores, diretores, professores, servidores e estudantes. Na oportunidade, Cabral fez um discurso ressaltando a importância da nova instituição para assegurar a preservação do patrimônio arqueológico e para garantir a defesa dos indígenas, além de prover a preparação adequada de novos recursos humanos4. As novas instalações contavam com sala de aula, laboratórios, gabinetes para a direção, professores e pesquisadores, secretaria, biblioteca, laboratórios, sala de exposições, depósito de materiais, oficina de manutenção e garagem. Todo o equipamento necessário à realização de pesquisas de campo nas áreas de Arqueologia e Etnologia foi adquirido, incluindo um veículo com tração (Rural

4. A documentação que fundamenta essas observações pode ser encontrada nos ANAIS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, Ano I, n. 1. Florianópolis: Imprensa Universitária, janeiro de 1969. A Exposição de motivos é publicada pela primeira vez neste volume, como anexo.

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Willys). Para o setor de Antropologia Física, foram adquiridos os instrumentais antropométricos e uma coleção de modelos de crânios referentes à evolução humana. O pequeno anfiteatro que servia como sala de aula estava equipado com projetor de slides, retroprojetor, mapoteca e outros equipamentos essenciais ao desenvolvimento dos cursos regulares e os de extensão. Durante o período de concretização do projeto, Cabral visitou o Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, recémcriado, e o Departamento de Antropologia da Universidade do Paraná, cujo titular era seu velho amigo professor José Loureiro Fernandes. No segundo semestre de 1967, as atividades docentes e de pesquisa foram iniciadas nas novas instalações. O regime de trabalho continuava o mesmo: 18 horas semanais para os professores e pesquisadores, e 6 horas diárias para os servidores. Como docentes, nesse momento, atuavam Oswaldo Rodrigues Cabral, catedrático, e Sílvio Coelho dos Santos, assistente. O professor Piazza, pouco antes, havia assumido a Cadeira de História da América, deixando assim de atuar como assistente de Antropologia. Como pesquisadores, contratados como auxiliares de ensino, o Instituto contava com Anamaria Beck (arqueóloga); Gerusa Duarte (geógrafa),que havia realizado um estágio na área de Geologia do Quaternário com o professor João José Bigarella, na Universidade do Paraná; e com o odontólogo Edison Araújo, que estava sendo iniciado por Cabral nos domínios da Antropometria. Marcílio Dias dos Santos, também convidado por Cabral, mas ainda não contratado, havia estagiado por dois anos no Museu Nacional, seguido de uma permanência na Escola Nacional de Antropologia e História, México, sob a orientação de Rodolfo Stavenhagem. Sua admissão ocorreu em 1968. O Instituto contava ainda com uma secretaria, da qual era titular o licenciado José Antônio da Costa, responsável pelo expediente diário, contando com a colaboração de servidores de apoio administrativo e de manutenção, além de um motorista. O primeiro número da Revista Anais do Instituto de Antropologia, referente ao ano de 1968, circulou em janeiro de 1969. Este exemplar fornece preciosas informações sobre a | 34 |


equipe docente e de pesquisa, sobre trabalhos em andamento e cursos de extensão, e sobre a solenidade de inauguração. Integra o volume um amplo documentário fotográfico e o Regimento Interno, que foi aprovado pelo Conselho Universitário em 2 de maio de 1968. Egon Schaden (USP), Roque Laraia (Museu Nacional) e Paulo Duarte (Instituto de Pré-História, USP) ministraram cursos de extensão em suas especialidades, favorecendo o fortalecimento da programação de trabalho do Instituto. Outros dois cursos de extensão foram ministrados por Cabral e por mim. A participação de alunos, professores e público externo nessas promoções era significativa, o que

Curso de extensão ministrado por Roque Laraia, do Museu Nacional, em 1968. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos.

revelava o interesse pela área de Antropologia como um todo. No ano anterior (1967), outros cursos haviam acontecido, ministrados por Luiz de Castro Faria (Museu Nacional), Oldemar Blasi (Museu Paranaense) e Maria Conceição Beltrão (Museu Nacional). O professor Wesley Hurt, da Universidade de Indiana (EUA), havia realizado com Anamaria Beck uma pesquisa em sítios arqueológicos localizados em Laguna e | 35 |


ministrado diversas palestras. Os estágios para alunos já graduados, incluindo alguns vindos de outras universidades, também já estavam em andamento. O Instituto de Antropologia representava, sem dúvidas, nos finais dos anos 1960, a vanguarda em termos de ensino, pesquisa e extensão na área de Ciências Humanas e, quiçá, na própria Universidade. Era uma organização-modelo e podia rivalizar com outras organizações congêneres existentes no País.

O professor Luiz de Castro Faria, um dos fundadores da ABA, ministrando Curso sobre a Evolução do Homem nas instalações da IA/UFSC (1967). Acervo: Museu Universitário.

No ano de 1969, a equipe foi reforçada com a participação dos colaboradores João José Bigarella, geólogo da Universidade do Paraná, e do dr. Carlos Goferjee, médico residente em Blumenau, que se dedicava à Malacologia. A Revista Anais do Instituto de Antropologia n. 2, ano II, registra as atividades do Instituto em termos de pesquisa e extensão, ressaltando-se ampla correspondência recebida de instituições do País e do exterior focalizando a recepção do número anterior. | 36 |


É nesse volume relativo ao ano de 1969, editado em dezembro pela Imprensa Universitária, onde aparece uma nota informando que, devido às normas decorrentes da implantação da reforma universitária, o Instituto de Antropologia passava a se denominar Museu de Antropologia. Da mesma maneira, a Revista, a partir do número seguinte, passaria a ser identificada como Anais do Museu de Antropologia. A nota dizia ainda que “[...] a nova denominação, todavia, não implica em qualquer mudança na direção, corpo do docente e de pesquisa, organização e endereço (grifo no original – SCS) – mas, tão somente, de posição no organograma da nova estruturação universitária”. Essas palavras textuais do professor Oswaldo Cabral, então diretor, que vaticinavam a continuidade do órgão no futuro imediato, lamentavelmente não se concretizaram. A reforma universitária na UFSC, que tinha suas bases no Parecer 977/65, do professor Newton Sucupira, membro do CFE, e na Lei 5.540/68, foi deflagrada com a assinatura do Decreto 64.824, de 15/7/1969. Esse decreto extinguiu as antigas faculdades e eliminou as cátedras, criando centros e departamentos. Outras mudanças drásticas ocorreram na estruturação da Universidade. Mudanças a que o mestre Cabral não resistiu.

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O Instituto de Antropologia não sobreviveu à implantação da reforma universitária de 1970. Disposições da nova estrutura organizacional da Universidade concentraram as atividades de ensino e de pesquisa nos departamentos. Não houve espaço nessa estrutura, criada pela comissão local encarregada de planejar e implantar a reforma, nos idos de 1968/69, para unidades denominadas institutos. Diga-se que, à época, existiam três institutos: o de Direito do Trabalho, na Faculdade de Direito, organizado pelo professor Henrique Stodieck; o de Estudos Sócio-Econômicos, na Faculdade de Ciências Econômicas, e que tinha à frente o professor Nereu do Vale | 37 |


Pereira; e o de Antropologia. Nenhum deles tinha, entretanto, organização similar ao de Antropologia. Explicito, para se compreender o contexto em que as decisões foram tomadas, que havia uma disputa política em relação à organização da Universidade e, em particular, à Reitoria. Interesses relacionados à sucessão do reitor Ferreira Lima estavam em jogo. O professor Stodieck aparecia como uma liderança emergente, potencialmente capaz de concorrer às eleições que se aproximavam. O professor Cabral também tinha suas divergências com diversos membros do Conselho Universitário e, por extensão, com alguns dos membros da comissão da reforma. Assim sendo, suponho que os membros da Comissão de Implantação da Reforma Universitária (CIRU), motivados por estratégias relacionadas à assunção em posições na estrutura da Universidade, por submissão aos jogos de poder que estavam em curso, ou por falta de visão, simplesmente resolveram eliminar os institutos. De outra parte, a reforma estava acontecendo de maneira acelerada numa universidade que tinha poucos anos de existência e um reduzido número de professores e alunos. No cenário nacional, o Ministério da Educação encontrava-se sob a influência do convênio MEC/ Usaid, que havia sido firmado pelos militares que estavam no poder. As pressões exercidas sobre a comissão da reforma, com certeza, também não eram pequenas. A falta de experiência, certamente, levou alguns daqueles que tinham que tomar decisões a aderir sem maiores críticas ao novo modelo. A UFSC foi uma das primeiras universidades do País a implantar a reforma. Anos depois, e especialmente considerando as práticas de vestibular único e unificado, a dicotomia entre curso básico e os cursos profissionalizantes, a inexistência de turmas, etc., houve necessidade de introduzir várias alterações nesse modelo, aproximando-o da estrutura que temos hoje. Às vésperas da aprovação da nova estrutura pelo Conselho Universitário, numa situação de quase ultimato, Cabral foi avisado de que poderia salvar o Instituto de Antropologia caso aceitasse uma outra denominação. Foi assim que o Instituto, de um momento para outro, se transformou em Museu de | 38 |


Antropologia. A nova denominação foi a maneira encontrada para resguardar as atividades de pesquisa e manter uma certa independência em relação ao recém-criado Departamento de Sociologia, onde Cabral e sua jovem equipe acabaram sendo lotados. Os pleitos para que esse departamento fosse denominado de “Sociologia e Antropologia” ou de “Ciências Sociais” também não tiveram sucesso. Muito menos vingaram os pleitos para manter o Instituto com a denominação de Museu sob a égide de um Departamento de Antropologia. A reforma aboliu as faculdades, suas congregações e os cursos seriados. Foi instituído um Centro de Estudos Básicos, responsável pelo ensino das disciplinas consideradas fundamentais em quatro grandes áreas de estudo. Depois, seguiam-se os cursos profissionalizantes. As instalações da Faculdade de Filosofia serviram de base para abrigar o novo Centro e os Departamentos a ele vinculados, entre eles o de Sociologia. Paradoxalmente, tanto a Antropologia como a Sociologia foram consideradas como disciplinas fundamentais e, assim sendo, ofertadas nas primeiras fases do chamado Curso Básico. Alguns conteúdos também passaram a ser ministrados em cursos profissionalizantes. Em conseqüência, os professores e pesquisadores do antigo Instituto de Antropologia foram mobilizados para assumir aulas e mais aulas. Este cenário tinha muito a ver com o projeto Brasil Grande e a ideologia desenvolvimentista, protagonizados pelo regime militar. Disciplinas de Sociologia eram ofertadas, até então, em diferentes faculdades, entre elas a de Direito, a de Serviço Social, a de Ciências Econômicas e a de Filosofia. Conteúdos programáticos referentes a Sociologia Geral, Sociologia Jurídica, Sociologia da Educação e Sociologia do Desenvolvimento estavam presentes em vários currículos. A Constituição de 1967 havia estabilizado como professores titulares aqueles docentes que respondiam por Cadeiras. Uns poucos auxiliares e assistentes apoiavam o trabalho desses titulares. Foi esse grupo de docentes, junto com os professores e pesquisadores do Instituto de Antropologia, que serviram de base para a formação do Departamento de Sociologia. Para a chefia do Departamento, foi | 39 |


designado o professor Nereu do Vale Pereira, titular de Sociologia, até então vinculado à antiga Faculdade de Ciências Econômicas. Cabral, que havia imaginado uma simples alteração no nome do Instituto, ficou inconformado com as imposições crescentes da CIRU, acabando por encaminhar ao reitor um pedido de demissão das funções de diretor do Instituto, agora Museu. E recolheu-se à sua casa, aguardando os acontecimentos. A Reitoria não deu seguimento a esse pedido de demissão do cargo de diretor – que, ressalte-se, era apenas simbólico, pois Cabral não recebia nenhuma gratificação de função. Em sua casa, licenciado informalmente, Cabral passou a escrever em tempo integral, produzindo em curto prazo diversos livros. Até sua aposentadoria compulsória, em 1973, entretanto, Cabral não deixou no dia-a-dia de tomar conhecimento de todas atividades que se realizavam no agora Museu de Antropologia, auxiliando continuamente na solução dos problemas que a jovem equipe de professores, sob minha liderança, enfrentava. Seu nome foi preservado como o diretor efetivo do Museu até sua aposentadoria, enquanto eu respondia como diretor em exercício. O Museu passou a integrar a nova estrutura da Universidade como órgão suplementar vinculado ao gabinete do reitor. É oportuno esclarecer que, desde 1963, eu vinha participando, no período da tarde, das atividades do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (CEPE), órgão da Faculdade de Educação, integrante da Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (Udesc). Nesse órgão, liderei a realização de diversas pesquisas na área da Educação e fui um dos responsáveis pela elaboração e implantação do 1º Plano Estadual de Educação (1968/69). Essas experiências foram fundamentais para dar conta dos novos desafios que a equipe de Antropologia enfrentava. Consegui também demonstrar para a Reitoria que eu necessitava atuar no Museu em dois turnos e para tanto precisava me exonerar das funções de diretor do CEPE. Depois de alguns meses, sob a justificativa de que eu respondia por um Órgão Suplementar, a Reitoria me concedeu o regime de 40 horas semanais. Nesse novo cenário de trabalho, minhas atividades redobraram e, em pouco tempo, logrei também concluir minha tese de doutorado. | 40 |


Na área específica de Antropologia, Cabral teve diversas contribuições como professor e autor. Como professor, como foi dito, era dotado de forte capacidade de comunicação. Privilegiava seus alunos com textos por ele organizados para facilitar a compreensão de suas explanações. Suas aulas eram cativantes, sendo célebres suas histórias hilárias relacionadas às temáticas em foco. Ao mesmo tempo, era cioso na cobrança de seus estudantes, a começar pela observância estrita ao horário das aulas e aos prazos estabelecidos para a entrega dos trabalhos. Rigoroso ao atribuir notas e conceitos, não deixava de tecer comentários sobre os erros e acertos cometidos. Ao mesmo tempo, era um grande incentivador de seus alunos e colaboradores para a realização de cursos de pós-graduação e para a formulação de projetos de pesquisa. Era um competente administrador. Dedicando-se a diferentes atividades e tendo interesses múltiplos nas atividades acadêmicas, deixou importantes contribuições na área específica da Antropologia. Genioso e polêmico, enfrentou muitas situações de conflito e não poucas vezes tomou atitudes drásticas, motivadas por seu temperamento sensível5. Com o Instituto transformado em Museu, seu corpo de pesquisadores teve que assumir funções docentes para atender à inclusão de novas disciplinas de Antropologia. Em conseqüência, ocorreu uma diminuição efetiva das atividades de pesquisa (até então concentradas em projetos voltados para temáticas da Arqueologia e da Etnologia), pois as cargas letivas eram altas. A lotação e a conseqüente subordinação dos professores ao Departamento de Sociologia foram motivo permanente de tensão, que se manifestava no dia-a-dia nas relações com os colegas professores de Sociologia. Qualquer projeto de pesquisa, para ser executado, ou afastamentos para congressos ou para a realização de cursos de pós-graduação passaram a ter que ser aprovados pelo Departamento. O mesmo acontecia com a distribuição das 5. Quando do centenário de nascimento de Oswaldo Rodrigues Cabral, ocorreram diversas homenagens na cidade, entre elas as prestadas pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e pela Academia Catarinense de Letras. Ver: SANTOS, Sílvio Coelho dos et al. Oswaldo Rodrigues Cabral na Historiografia Catarinense. Florianópolis: IHGSC, série ensaios 2, 2005.

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OSWALDO RODRIGUES CABRAL,

O FUNDADOR

Oswaldo Rodrigues Cabral nasceu na cidade de Laguna (SC) no ano de 1903. Cursou o Primário em diferentes cidades, devido às transferências de trabalho de seu pai. Ainda menino, em 1914, ingressou no Ginásio Catarinense, de onde foi expulso por não se adaptar à rigidez pedagógica dos jesuítas. Concluiu, em 1919, na Escola Normal Catarinense, sua instrução secundária. Após atuar como professor nas cidades de São Francisco do Sul (SC) e Joinville (SC), ingressou no curso de Farmácia da Universidade do Paraná em 1923. No ano seguinte, transferiu-se para o curso de Medicina. Mudou-se em 1927 para a cidade do Rio de Janeiro, dando continuidade ao seu curso na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. Em 1929, terminou a sua graduação e apresentou a tese de doutorado Problemas educacionais de higiene. Durante todo esse período, para se manter financeiramente, Cabral trabalhou como serventuário da Justiça, exerceu atividades no magistério e iniciou-se no jornalismo. Exerceu a profissão de médico em Joinville, entre 1930 e 1935, período em que escreveu seu primeiro livro, Santa Catarina: história e evolução. Pouco depois, transferiu-se para Florianópolis (SC), onde deu continuidade às suas atividades profissionais, chegando a assumir a direção da Assistência Municipal e a presidência da Seção de Santa Catarina da Cruz Vermelha Brasileira (1942 – 1944). Em 1938, foi eleito membro da Academia Catarinense de Letras e passou a ser sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico. Auxiliou na organização do Primeiro Congresso de História Catarinense, realizado em 1948, e participou da fundação da Faculdade Catarinense de Filosofia, nos anos 1950, assumindo a Cadeira de Antropologia. Com a criação da Universidade (1960), foi escolhido para ser diretor da Faculdade. Ainda na década de 1960, realizou enorme esforço para criar o Instituto de Antropologia, inaugurado em 1968. Com a implantação da reforma universitária em 1970, Cabral sofreu o revés de ver o Instituto de Antropologia ser transformado em Museu. Desiludido, afastou-se da Universidade, e, em 1973, ao completar 70 anos, foi aposentado compulsoriamente. Pouco depois, o Conselho Universitário concedeulhe o título de Professor Emérito. Oswaldo Rodrigues Cabral faleceu em 1978 devido a problemas cardíacos. Por ocasião de seu centenário de nascimento, em 2003, recebeu diversas homenagens, em particular da Assembléia Legislativa, do Instituto Histórico e Geográfico, e da Academia Catarinense de Letras. Na UFSC, durante a realização da V Reunião dos Antropólogos do Mercosul (RAM), alguns de seus ex-alunos o homenagearam como pai fundador da Antropologia em Santa Catarina. Kaio Domingues Hoffmann – bolsista IC/CNPq

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cargas de aulas. Devido à expansão das matrículas, rapidamente ocorreu a ampliação do número de professores. A área de Sociologia passou a ter um contingente de professores bem maior que a de Antropologia. As votações eram sempre difíceis, e nem sempre os argumentos dos antropólogos, valorizando as atividades de pesquisa e a competência, eram aceitos. Como dado positivo decorrente dessa situação, ocorreu a consolidação, por contraste, da identidade do jovem grupo de antropólogos. A coesão interna do grupo passou a ser a sua tônica. Para manter os espaços conquistados e ter uma relativa independência em relação ao Departamento, foi necessário ampliar os contatos externos visando à valorização e ao reconhecimento do grupo. A divulgação sistemática das atividades de pesquisa; a realização de cursos de extensão proferidos por professores de universidades do País ou do exterior; a dinamização do sistema de estágios para alunos recémgraduados com vistas ao seu encaminhamento para realizarem cursos de pós-graduação; a manutenção da Revista Anais do Museu de Antropologia; e a ampliação dos contatos com universidades estrangeiras tornaram-se os pontos cruciais desse processo de afirmação da área no espaço do então Museu de Antropologia e, por extensão, no Departamento de Sociologia. Eram professores de Antropologia, em 1971, os seguintes docentes: Sílvio Coelho dos Santos; Anamaria Beck; Gerusa Duarte; Margarida Davina Andreatta; Luiz Carlos Halfpap; Maria José Reis; e Alroíno Baltazar Eble. Uma detalhada correspondência enviada ao então chefe da Seção de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, senhor Ismael Escobar, pleiteava recursos da ordem de US$ 90.000, a fundo perdido, para a construção de um prédio para abrigar o Museu de Antropologia. Este documento, intitulado “Um Museu para Santa Catarina”, oferece em detalhes o perfil da equipe docente e de pesquisa, e arrola a sua produção acadêmica, além de argumentar sobre a importância de incrementar o conhecimento antropológico através de exposições voltadas para o público visitante6. 6. ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA, Ano IV, n.4. Florianópolis: Imprensa Universitária, 1971.

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Não era somente às atividades de ensino e de pesquisa que os jovens antropólogos se dedicavam e se sobressaíam entre os estudantes e seus colegas professores da Universidade. As reuniões festivas, realizadas sempre que havia algum evento especial, transformaram-se numa marca da Antropologia. Não poucas festas foram realizadas nas dependências do Museu. Na Lagoa da Conceição, o restaurante do Leca, no Retiro, passou a ser um local de encontro dos antropólogos e de seus convidados. Mais tarde, foi a vez do Bar do Arante, no Pântano do Sul. E não menos significativos eram os churrascos, os almoços e os jantares nas casas dos professores. Esses encontros prosseguem até o presente como forma de estreitamento das relações entre estudantes e docentes. Em 1972, eu defendi minha tese de doutorado na Universidade de São Paulo7. À época, a colega Anamaria Beck realizava também seu doutorado na USP em Arqueologia, que foi concluído em 1973. Nesse mesmo ano, Neusa Maria Sens foi aprovada em concurso e ingressou como docente. Outros membros do grupo freqüentavam cursos de mestrado, complementando as especializações que haviam realizado. Em 1974, na UFSC, tanto eu como Anamaria Beck fomos aprovados no concurso de LivreDocência8. O potencial da equipe, tanto na área docente como na de pesquisa, tinha sido preservado e, inclusive, ampliado com a contratação de novos docentes. Os Anais do Museu de Antropologia referentes ao ano de 1973 foram dedicados ao professor Cabral, que no dia 11 de outubro completara 70 anos. Além de artigos produzidos pelo grupo de antropólogos do Museu, focalizando diferentes pesquisas, este número contém expressivas homenagens que foram prestadas ao mestre jubilado, reconhecido por todos como grande incentivador do ensino e da pesquisa em Antropologia. Um balanço da situação da Antropologia em Santa Catarina, elaborado 7. Essa tese foi publicada com o título Índios e brancos no Sul do Brasil - a dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis: Edeme, 1973 [1ª], e pela Movimento, 1987 [2ª]. 8. A tese que defendi se intitulava Educação e sociedades tribais. Porto Alegre; Movimento, 1975. A de Anamaria Beck intitulava-se O Sambaqui de Enseada I (SCLN71): um estudo sobre tecnologia pré-histórica.

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por mim, dava idéia das pesquisas em andamento; informava também sobre a cooperação com o Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná e com a Divisão de Antropologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Registrava, ainda, que disciplinas de Antropologia estavam sendo lecionadas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itajaí; na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Joinville; na Faculdade de Ciências e Pedagogia de Tubarão; e na Faculdade de Ciências e Pedagogia de Lages. A colaboração com essas instituições era grande. Alguns docentes integrantes do grupo do Museu foram os iniciadores do ensino de Antropologia (casos de Joinville e Itajaí); ex-alunos se tornaram docentes; e uma seqüência de cursos de extensão foi realizada visando à afirmação da Antropologia como área de conhecimento naquelas instituições. A crescente presença do público para conhecer as exposições, que eram pequenas e restritas aos materiais coletados em sítios arqueológicos e em áreas indígenas, motivou o convite para Franklin Cascaes passar a atuar no Museu. Cascaes era detentor de um enorme acervo sobre a cultura luso-açoriana da Ilha de Santa Catarina. Esse acervo era resultado de sua extraordinária dedicação para registrar, através de esculturas, desenhos, narrativas e textos, diferentes manifestações culturais da população local. Entretanto, as elites da cidade pouca importância davam ao trabalho desse mestre do folclore. Cascaes nunca havia sido apoiado institucionalmente. O convite para atuar na Universidade o entusiasmou. Contudo, por ser professor aposentado na Escola Técnica Federal, logo surgiram dificuldades burocráticas que inviabilizaram nossas tentativas de contratá-lo. A solução foi encontrada junto à Prefeitura Municipal, através do prefeito Nilton Severo da Costa, ex-aluno de Cascaes, que firmou um convênio com a Universidade, destinando recursos financeiros para assegurar a continuidade de seus trabalhos de pesquisa e, ao mesmo tempo, garantir-lhe uma complementação salarial. Foi assim que o acervo em questão, denominado “Coleção Elisabeth Pavan Cascaes”, foi incorporado ao Museu em 1974. | 45 |


JOÃO ALFREDO ROHR – O

PA D R E A R Q U E Ó L O G O

João Alfredo Rohr nasceu em Lageado (RS) em 1908. Aos dez anos de idade, ingressou no Seminário da Companhia de Jesus, em São Leopoldo (RS), dando início à sua formação religiosa. Obteve sua ordenação sacerdotal em 1939. Ainda no Seminário, começou a lecionar Ciências Naturais. Em 1941, foi designado para atuar no Colégio Catarinense, em Florianópolis, onde foi professor de Biologia, Química e Ciências Naturais. Entre 1946 e 1952, exerceu também as funções de diretor e reitor desse Colégio. Nos anos 1950, o padre Rohr começou a se interessar pela Arqueologia, em particular pelos sítios denominados sambaquis existentes no litoral de Santa Catarina. Nessa área, viria a firmar-se como renomado pesquisador. No início, Rohr enfrentou dificuldades para a aceitação de suas pesquisas por parte da Ordem dos Jesuítas, que tinha relutância em aceitar estudos sobre a evolução humana. No decorrer dos anos, Rohr notabilizou-se por suas escavações e pelo trabalho de preservação de sítios arqueológicos. Enfrentou problemas com a Justiça, órgãos públicos e empresários, denunciando e defendendo incansavelmente a exploração e a destruição irresponsável desses sítios. Autodidata, publicou sistematicamente artigos em revistas nacionais e internacionais sobre suas descobertas. Seu envolvimento com a Arqueologia e sua luta pela preservação dos sítios arqueológicos levaram-no a obter enorme reconhecimento da comunidade científica do País e do exterior. Nos anos 1960, assumiu a condição de representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para a área de Arqueologia em Santa Catarina. Reconhecido como arqueólogo por profissionais da área, foi contemplado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com uma bolsa de pesquisa na categoria de Pesquisador Sênior. No Colégio Catarinense, organizou e dirigiu o Museu do Homem do Sambaqui, hoje valioso patrimônio cultural do Estado de Santa Catarina. As coleções ali reunidas sobre as populações que antecederam a chegada dos europeus nesta parte do País têm enorme valor histórico. O padre arqueólogo João Alfredo Rohr faleceu em 1984, no Colégio Catarinense, aos 75 anos. Morreu solitário como acostumara-se a viver, para que pudesse melhor se dedicar aos estudos e ao trabalho arqueológico. THIAGO SWOBODA –

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BOLSISTA

IC/CNPQ


Poucos anos depois, com nova administração na Prefeitura, surgiram dificuldades para a renovação do convênio. O reitor Caspar Erich Stemmer, que havia assumido a Reitoria, entretanto, logrou viabilizar a contratação de Cascaes para o exercício de funções técnicas, garantindo a sua permanência na instituição e a continuidade de seu trabalho. Mais tarde, nos anos 1980, o Museu também recebeu a doação de parte do acervo arqueológico pertencente ao engenheiro Tom Wildi, que havia realizado diversas escavações no País e no exterior. Anteriormente, tentativas haviam sido feitas, sem sucesso, para incorporar o acervo do Museu do Sambaqui, organizado pelo pe. João Alfredo Rohr, em vista das limitações da Ordem dos Jesuítas para mantê-lo. De outra parte, as publicações asseguravam a circulação da produção dos jovens professores integrantes do Museu de Antropologia. Em 1970, por exemplo, eu havia publicado o livro A integração do índio na sociedade regional: a função dos postos indígenas em Santa Catarina (Imprensa Universitária, UFSC), como uma das etapas do doutorado na USP9. Em função da circulação desse livro no exterior, recebi um convite para participar, em 1971, da Reunião de Barbados, realizada sob o patrocínio da Universidade de Berna (Suíça) e do Conselho Mundial de Igrejas, tendo como foco a violência das relações entre índios e brancos na América Latina. O documento final dessa reunião exortou os antropólogos a exercerem suas responsabilidades em relação às minorias indígenas, ao mesmo tempo em que expressou severas críticas às políticas governamentais e aos papéis assumidos pela Igreja em relação à dominação colonial dos índios. Essa experiência permitiu a ampliação do meu comprometimento e de outros colegas brasileiros com as minorias indígenas do País, que estavam sendo vilipendiadas pelos projetos desenvolvimentistas impostos pelos governos militares.

9. Devido a denúncias, esse livro, quando estava em fase final de edição (dezembro de 1969), foi apreendido na Imprensa Universitária pela Polícia Federal. Sua liberação ocorreu graças às relações de minha família e ao apoio do reitor Ferreira Lima. Em 19 de fevereiro de 1970, o tenente-coronel Ary Oliveira, delegado regional do DPFSC, assinou o Certificado 02/70 liberando a obra.

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E GON S CHADEN – O

PRIMEIRO ANTROPÓLOGO CATARINENSE

Egon Schaden nasceu em 4 de julho de 1913 em São Bonifácio, uma pequena cidade no interior de Santa Catarina, cujos habitantes eram em maioria descendentes de imigrantes alemães. O pai de Egon, Francisco Schaden, nascido na Alemanha, trabalhava como professor na única escola da cidade. Era um estudioso autodidata que tinha como principal interesse o estudo dos indígenas que ainda viviam nas florestas vizinhas e que estavam ameaçados de extermínio. Egon acompanhou o pai em algumas das excursões em busca de contato com esses indígenas. Certamente, aí começou a brotar o seu interesse pela Antropologia. Agraciado pelo governo do Estado com uma bolsa para estudar no Colégio Catarinense, ali completou o seu curso ginasial. A seguir, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como professor em vários colégios. Mais tarde, ingressou no curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e, ao mesmo tempo, atuou no Museu Paulista, sob a orientação de Herbert Baldus. Nessa época, iniciou seus trabalhos de pesquisa sobre os Guarani no litoral de São Paulo. Obteve na USP os títulos de doutor e livre-docente, tornando-se mais tarde catedrático de Antropologia. Entre suas obras, destacamse A aculturação indígena, Aspectos fundamentais da cultura guarani e a Mitologia heróica das tribos indígenas do Brasil. O professor Egon Schaden dedicou-se tanto à expansão da Cadeira de Antropologia como à organização da Associação Brasileira de Antropologia. Entre as suas muitas contribuições, destaca-se a criação da Revista de Antropologia, que foi mantida às suas expensas durante muitos anos. Desiludido com as imposições autoritárias do regime militar sobre seus colegas da USP, decidiu se aposentar em 1968. A seguir, ministrou diversos cursos na França, Canadá, Alemanha, Suíça, Japão, Colômbia, Equador e Paraguai. Em meados da década de 1970, voltou a atuar na USP, lecionando na Faculdade de Comunicação e Artes (ECA). Trabalhou arduamente para desenvolver um novo campo da Antropologia: a Antropologia Visual. Schaden faleceu em 16 de setembro de 1991. Na ECA, a sala de defesas de teses recebeu o seu nome, numa homenagem ao mestre que deu enorme contribuição, tanto para a Etnologia Brasileira como para a Antropologia da Comunicação. CAROLINA F ERNANDES C ORRÊA – BOLSISTA IC/CNPQ

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Inauguração de exposição no Museu de Antropologia. Ao fundo, da esquerda para a direita, Miguel Chasi-Sardi, da Universidade Católica de Assunção, Sílvio Coelho dos Santos e Alroíno Baltazar Eble. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos

Destaque-se, ainda, que, em 1971, aconteceu na Universidade de São Paulo o Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e o I Seminário de Estudos Brasileiros, organizado, entre outros, pelos professores João Baptista Borges Pereira e Egon Schaden. Para essa oportunidade, foi programada a realização da VIII Reunião Brasileira de Antropologia (ABA). A reunião chegou a contar com a apresentação de alguns trabalhos por uns poucos sócios da ABA que lá estavam, porém, não houve condições de eleger uma nova diretoria. A seqüência numérica das reuniões da ABA registra, entretanto, esse encontro pouco formal e quase clandestino, como a VIII Reunião10. O fato relevante a considerar 10. Texto baseado nas intervenções feitas durante as reuniões de Comemoração 50 Anos da ABA dias 1 e 2 de junho, Unicamp, Campinas, SP, e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dia 17 de junho de 2005. Ver: CORRÊA, Mariza. As Reuniões Brasileiras de Antropologia: cinqüenta anos. Brasília: ABA, 2003.Ver ainda ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA, Ano 7, n.7. Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, 1974.

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foi que, tanto nos eventos oficiais como nessa pequena reunião da ABA, participaram diversos estudantes e jovens antropólogos de nossa universidade.

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R O J E T A N D O

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R A D U A Ç Ã O

Na perspectiva da crescente afirmação da área de Antropologia na UFSC, em 1972 tivemos a oportunidade de organizar e de realizar o Primeiro Encontro de Professores de Antropologia do Sul. Esse evento tomou como referência as reuniões que vinham sendo efetivadas pelo professor pe. Pedro Ignácio Schmitz, titular de Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com os professores que trabalhavam no interior daquele Estado. Esse encontro permitiu não só uma discussão sobre questões relacionadas ao ensino, como também possibilitou uma avaliação das pesquisas que estavam em andamento11. Resultou desse evento um forte compromisso dos participantes com o destino das populações indígenas; com a preservação de sítios arqueológicos; e com a implantação de um programa de pósgraduação para atender aos estudantes da Região Sul. Especificamente sobre as possibilidades de se iniciar um curso de pós-graduação, ainda em 1972, realizamos consultas a diversas instituições, objetivando obter apoio para a futura iniciativa. Cartas recebidas de Betty Meggers e Clifford Evans, respectivamente, research associate e chairman do Departamento de Antropologia do Smithsonian Institution (EUA), e de Roberto Da Matta, chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional (UFRJ), entre outras, manifestavam interesse em colaborar com nossa futura proposta (ver Anexo 2). Nesse mesmo ano, a chefia do Departamento, com o apoio majoritário dos professores de Sociologia, investiu na criação de um curso de graduação em Estudos Sociais, com o objetivo de formar professores num sistema de licenciatura curta para 11. ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA, Ano 5, n.5., Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, 1972.

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disciplinas como Organização Social e Política Brasileira (OSPB), História e Geografia. Depois de muitas discussões e críticas, essa iniciativa foi transformada, em 1975, no curso de licenciatura plena em Ciências Sociais, que conhecemos hoje (o curso foi reconhecido pelo Decreto presidencial n. 81.144/1978). Em conseqüência, o Departamento de Sociologia passou a se denominar Departamento de Ciências Sociais. Transformações também ocorreram na estrutura da Universidade em relação ao modelo adotado quando da reforma. O Centro de Estudos Básicos foi eliminado, originando outros centros com identidades com áreas de conhecimento mais específicas. Assim, os cursos que se abrigavam na antiga Faculdade de Filosofia, antes da reforma, originaram três centros, respectivamente, de Ciências da Educação; Comunicação e Expressão; e Filosofia e Ciências Humanas. Os cursos de graduação voltaram a ser seqüenciais e escolhidos no momento do vestibular. As dificuldades para fazer pesquisas de longo prazo, entretanto, continuaram. O grupo de professores envolvido em pesquisas arqueológicas foi o mais prejudicado, pois não conseguia o tempo necessário para desenvolver projetos que demandavam, antes de tudo, recursos financeiros e continuidade. Alguns dos integrantes do grupo acabaram reorientando seus interesses, formulando propostas voltadas principalmente para o estudo das populações rurais e de comunidades pesqueiras. Nesse contexto, as atividades de pesquisa arqueológica arrefeceram. O ensino de Arqueologia, nos cursos de Ciências Sociais e de História, também perdeu espaço12. Em 1974, contribuímos decisivamente para a reabertura da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Uma memorável reunião aconteceu na UFSC, graças à iniciativa do pequeno grupo 12. O professor Alroíno Eble prosseguiu trabalhando na área de Arqueologia, auxiliado por diversos estudantes. Suas condições de saúde, porém, foram se agravando, dificultando a realização de trabalhos de campo. Nos finais da década de 1970, a Reitoria contratou a professora Marilandi Goulart para atuar nessa mesma área, e algumas pesquisas de salvamento de sítios em áreas ameaçadas por “projetos de desenvolvimento” foram realizadas.

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de jovens antropólogos que atuava no Museu. A Comissão Organizadora desse evento foi integrada pelos seguintes professores: Sílvio Coelho dos Santos, Anamaria Beck, Alroíno Baltazar Eble, Luiz Carlos Halfpap, Gerusa Duarte, Maria José Reis e Neusa Maria Bloemer. É de se lembrar que o Parecer Sucupira, de 1965, que orientou a reforma universitária, teve também sua face positiva. A implantação dos cursos de pós-graduação mudou efetivamente o perfil das universidades públicas do País. O regime militar, que havia imposto vários controles à comunidade universitária, além de promover cassações e prisões de docentes, de servidores e de estudantes, também criou condições para a expansão das universidades, ampliando as vagas dos cursos de graduação e estruturando o ensino de pós-graduação. O crescimento do número de estudantes e de professores criou novas demandas em relação às temáticas socioculturais e, em particular, às políticas públicas em relação às minorias étnicas. Assim sendo, a reabertura da ABA era considerada imprescindível pelos jovens profissionais que adentravam nas lides universitárias e nas atividades de pesquisa. A Antropologia, nesse momento, era um espaço mais que estratégico para pensar o Brasil e seus contrastes. E nada mais oportuno do que programar a reabertura da ABA numa universidade onde havia uma forte pulsação em torno do ensino e da pesquisa nessa área de estudos. Em conseqüência de minhas atividades funcionais como diretor do Museu, eu mantinha contatos com o professor Manuel Diegues Jr., que exercia as funções de diretor de Assuntos Culturais do Ministério da Educação e Cultura (MEC). O professor Diegues havia sido eleito presidente da ABA, à sua revelia, na reunião que aconteceu em 1966, em Belém, durante a realização da Biota Amazônica. Essa reunião teve várias limitações em conseqüência das restrições impostas à comunidade universitária pelo regime militar, e Diegues não conseguiu organizar a reunião seguinte. Numa feliz coincidência, durante uma visita do professor Castro Faria ao Museu de Antropologia, onde ministrou um curso de extensão, surgiu a oportunidade de referir ao reitor Roberto Lacerda | 52 |


a importância de a Universidade sediar um encontro de antropólogos que propiciasse a reabertura da associação. O reitor foi receptivo à idéia. Meses depois, em visita ao professor Diegues, no Rio de Janeiro, pude manifestar o interesse da Universidade e do grupo de antropólogos que eu liderava em organizar um evento que permitisse a reabertura da associação. O mestre Diegues aceitou a sugestão e acenou com a possibilidade de assegurar uma parte dos recursos financeiros que eram necessários para custear as despesas de passagens e hospedagem dos membros da diretoria e do conselho. Formalizada a proposta através de projeto enviado ao professor Diegues, em dezembro de 1974, no auditório da Reitoria, concretizamos a reabertura da ABA. A IX Reunião de nossa Associação contou com a participação de 28 sócios e 179 não sócios, e teve como agenda a realização de três mesas-redondas, que focalizaram os seguintes temas: “Ensino e pesquisa em Antropologia no Brasil”; “A Antropologia em ação: o problema das minorias”; e “Contribuição da Antropologia ao processo de desenvolvimento brasileiro”13. A adesão de jovens antropólogos, de estudantes de pósgraduação e de outros interessados ao encontro surpreendeu sobremaneira os sócios efetivos. Em verdade, o pequeno grupo que organizara o evento e a maioria dos não sócios que foram previamente contatados e convidados imaginavam que haveria uma Assembléia Geral para definir os novos rumos da Associação, oportunidade em que seriam eleitos uma nova diretoria e um novo conselho. Isto, porém, não aconteceu. Embora sem ter havido eleições por um período de oito anos, os membros da diretoria e do conselho consideraram que prevalecia o Estatuto pelo qual eram os participantes do conselho que indicavam a nova diretoria e preenchiam as vagas abertas nesse colegiado. Foi assim eleito para a Presidência da ABA o respeitado professor Thales de Azevedo, da Universidade Federal da Bahia. Yonne Leite (MN-UFRJ) e Wagner Neves da Rocha (UFF) foram eleitos secretário e tesoureiro, respectivamente. Salvador foi indicada para sediar a X Reunião. 13. ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA (1974).

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Flagrantes da IX Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, no auditório da UFSC, em 1974. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos. | 54 |


A ata final dessa reunião registrou, ainda, que o professor Roberto Cardoso de Oliveira sugeriu que fosse proposta à nova diretoria a efetivação de alterações no Estatuto da organização visando a adaptá-lo à “[...] situação atual, por exemplo para tornar mais rápido o processo de aprovação de propostas de admissão de novos membros”, o que foi aprovado pelos conselheiros e pela diretoria. Foi assim que, na reunião realizada na Bahia, em 1976, sob a presidência do professor Thales de Azevedo, ocorreu a aprovação de um número expressivo de novos sócios, e as temáticas relativas às questões sociais e políticas, especialmente aquelas pertinentes às populações indígenas, tiveram seus espaços bastante ampliados. Certamente, a efetivação da IX Reunião da ABA em Florianópolis contribuiu decisivamente para a afirmação da área de Antropologia no cenário da UFSC. Ainda no início do ano de 1974, havíamos tentado criar, sem êxito, um Curso de Especialização em Antropologia. Entre as dificuldades, estavam presentes as resistências dos colegas da área de Sociologia. Apesar do reconhecimento da competência do grupo de antropólogos, foram necessárias longas negociações para que pudéssemos finalmente implantar o Curso de Especialização em Ciências Sociais, com concentrações em Antropologia e em Sociologia, em 1976 (criado através da Portaria 095, de 18/3/1976, do reitor Roberto Mündell de Lacerda). A área de Sociologia contava com alguns professores titulares e mestres. Entre os docentes mais jovens, alguns sentiam necessidade de fazer cursos de pósgraduação, porém não tinham condições pessoais para ir para outras universidades. Esses docentes, potencialmente, eram favoráveis à proposta. Embora qualitativamente mais bem situada, havia necessidade de contratar um professor visitante para a área de Antropologia para ampliar o número de doutores. Aprovada pelo colegiado do Departamento, esta reivindicação foi aceita pela Reitoria. Nessas condições, a proposta que há muito vinha sendo acalentada se materializou. Minha designação como integrador (coordenador) do curso se deu através da Portaria 061/ 76 de 27 de fevereiro de 1976. | 55 |


O corpo docente do Curso de Especialização, em 1976, era formado pelos seguintes professores: na área de Antropologia: Sílvio Coelho dos Santos, Anamaria Beck e Tom Muller, na condição de professor visitante; na área de Sociologia: Osni de Medeiros Régis, Nereu do Vale Pereira, Victorino Secco e Zuleika Mussi Lenzi. Maria José Reis, Alroíno B. Eble e Neusa Bloemer, todos mestrandos em Antropologia e já experientes pesquisadores, estavam arrolados como docentes colaboradores. A disciplina “Nivelamento em Matemática e Estatística”, considerada obrigatória para todos os alunos, era ministrada pelo professor Roberto Mündell de Lacerda, ex-reitor, professor titular de Estatística. Algumas disciplinas optativas poderiam ser cursadas em outros programas de pós-graduação existentes na UFSC. As linhas de pesquisa eram as seguintes: Antropologia da Educação, Antropologia das Sociedades Tribais e Antropologia Aplicada, para a área de Antropologia; Sociologia da Sociedade Rural e Sociologia da Modernização, para a área de Sociologia. Inscreveram-se 30 candidatos para as 20 vagas previstas (dez para cada área), sendo selecionados 19 alunos, nove para Antropologia e dez para Sociologia. No primeiro semestre, as aulas foram ministradas no espaço do Museu de Antropologia. Depois, foi designada pela Reitoria uma área no prédio recém-inaugurado da Biblioteca Central para abrigar as aulas, secretaria, coordenação e sala de estudos para os estudantes. Essas instalações foram usadas até a inauguração do prédio do Centro de Ciências Humanas, onde o Departamento de Ciências Sociais foi contemplado com uma área razoavelmente adequada. Nessa área, foi reservado um espaço para gabinetes dos professores, e para a coordenação e a secretaria da pósgraduação. Em 1977, o corpo docente passou a contar com a participação da professora Neide Almeida Fiori, socióloga. Nesse mesmo ano, iniciaram-se os estudos para a sua transformação em mestrado. A prática de cursos de extensão, conferências e palestras era constante. Da mesma maneira, a iniciação em trabalhos de campo. Inscreveram-se nesse segundo ano de funcionamento 47 candidatos, sendo selecionados 18. Pouco depois, em janeiro de | 56 |


1979, a área de Antropologia do curso foi credenciada pelo então Conselho Nacional de Pós-Graduação (ofício 001/79-SE/CNPG/ BSB de 24/1/79). Compreende-se, pois, que os padrões de competitividade e de seriedade desde o início estavam fixados. Desde o primeiro momento de funcionamento do Curso de Especialização, começamos a editar um Boletim de Ciências Sociais e um Caderno de Ciências Sociais, que durante vários anos serviram como veículos para divulgar os trabalhos de docentes e de estudantes. Mais tarde, já com o mestrado instalado, surgiu a série Antropologia em Primeira Mão, destinada à divulgação de trabalhos em versão preliminar, e o noticiário denominado Antropodicas.

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Na segunda metade da década de 1970, a UFSC começou a implementar os cursos de pós-graduação com mais intensidade. Um maior número de docentes estava concluindo cursos de doutorado, e havia condições internas para a contratação de professores visitantes. A então Coordenação de Pós-Graduação originou, em 1979, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. A Universidade também passava pela expansão e diversificação de seus cursos de graduação. As construções no campus se ampliaram rapidamente. Uma nova dinâmica estava se impondo na instituição, centrada na pesquisa e na pós-graduação. Os processos para a criação do curso de Especialização em Ciências Sociais e para a sua transformação em mestrado foram complexos e demorados. As imposições da legislação federal e da própria Universidade não eram pequenas. A Comissão designada pela Portaria 311, de 12/4/1977, do sub-reitor de Ensino e Pesquisa, integrada pelos professores Nereu do Vale Pereira, Sílvio Coelho dos Santos, Victorino A. Secco, Zuleika M. Lenzi e Anamaria Beck, com o objetivo de viabilizar a transformação, trabalhou durante meses para materializar a proposta. Foi condição fundamental estabelecer que era necessário contratar três professores visitantes, sendo um para Antropologia, a fim de reforçar a massa crítica disponível no curso. Imaginou| 57 |


se, também, utilizar a possibilidade de os mestrandos efetivarem créditos complementares, em disciplinas optativas, em outros cursos da Universidade. Apoiada pelo Colegiado do Departamento, a proposta foi aprovada pelo Conselho de Ensino e Pesquisa em 6/12/1977. A seguir, através da Portaria 002/78, o reitor Caspar Erich Stemmer criou o Curso de Mestrado em Ciências Sociais, com as opções em Sociologia e em Antropologia. Desde o início, denominamos o curso como integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. A seleção foi aberta no segundo semestre de 1978, e as aulas se iniciaram no ano seguinte. Fui novamente designado coordenador. Através da Portaria 011/79, o pró-reitor de Pesquisa e PósGraduação, professor Paulino Vandresen, designou os professores Anamaria Beck, Neide Almeida Fiori, Nereu do Vale Pereira, Osni de Medeiros Regis, Paul Aspelin, Roberto Henry Srour, Sílvio Coelho dos Santos e Victorino Antônio Secco para constituírem o Colegiado do Curso. Simultaneamente, esses professores estavam sendo credenciados como orientadores de dissertação. Ainda no ano de 1979, pela primeira vez a UFSC abriu vagas para o concurso de professor titular. Para a área de Antropologia, foram atribuídas duas vagas, sendo aprovados os professores Sílvio Coelho dos Santos e Anamaria Beck14. O processo de implantação do Programa de Pós-Graduação aos poucos reorientou as relações dos professores de Antropologia com seus colegas do Departamento de Sociologia. Gradativamente, a importância da pesquisa foi sendo assumida por quase todos. Os docentes contratados como visitantes reafirmaram os padrões que vinham sendo há muito perseguidos pelo grupo da Antropologia. E a própria convivência, tanto de professores como de estudantes de pós-graduação, contribuiu fortemente para os antropólogos assumirem uma perspectiva mais interdisciplinar em suas propostas de trabalho. Isto se 14. O trabalho que apresentei nesse concurso se intitulava Indigenismo e expansão capitalista. Faces da agonia Kaingang. In: Caderno de Ciências Sociais, Florianópolis: UFSC, v. 2, n.2, 1981. A Professora Anamaria Beck, por sua vez, apresentou o trabalho “Lavradores e pescadores: um estudo sobre trabalho familiar e trabalho acessório”.

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ampliou com a mudança para as novas instalações do Departamento de Ciências Sociais, no prédio do Centro de Ciências Humanas, que foi inaugurado em 1979. As coordenações dos cursos de graduação e de pós-graduação estavam lado a lado com a chefia do Departamento e da secretaria administrativa. Nesse mesmo ambiente, gabinetes abrigavam os professores de modo razoavelmente condigno. De outra parte, a implantação da pós-graduação também provocou conseqüências que não haviam sido previstas e que repercutiram na manutenção da unidade do grupo de antropólogos. Primeiro, ocorreu um certo afastamento de parte dos docentes do espaço físico do Museu de Antropologia. Depois, apareceram seqüelas decorrentes de alguns docentes atuarem na pós e outros não. Vieram a seguir as funções assumidas na administração superior. Pessoalmente, fui pró-reitor entre 1980 e 1986. E a professora Anamaria Beck foi diretora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas na segunda metade dos anos 1980. No conjunto, o grupo perdeu parte de sua antiga coesão. No Museu, após minha designação, em 1976, para coordenar o Curso de Especialização, foram diretores, sucessivamente, os colegas professores Alroino Baltazar Eble, Anamaria Beck, Neusa Bloemer e Luiz Carlos Halfpap. A partir de 1992, o Museu passou a ser dirigido por integrantes de seu próprio quadro técnico, respectivamente, Tereza D. Fossari, arqueóloga (1992–96) e Gelcy José Coelho, museólogo (1996 até o presente). A Revista Anais do Museu de Antropologia teve seu último número, XIX, referente aos anos 1987 e 1988, lançado em março de 1992, ainda sob a direção de Luiz Carlos Halfpap. Pouco depois, o Museu passou a se denominar Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral15. Implantado o mestrado em 1979, foram selecionados apenas nove alunos para ambas as áreas. A preocupação era com a qualidade. Os professores visitantes prometidos foram contratados. Na área de Antropologia, em 1978, Paul Leslie Aspelin, PhD pela Cornell University (1975), substituiu Tom 15. SEU MUSEU UNIVERSITÁRIO. Florianópolis: Edufsc, 1998. – Revista comemorativa 30 anos. Edição Especial.

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Reunião da Diretoria da ABA, Gestão 1992/1994. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos.

Muller. Depois, foi contratada a professora Alcida Rita Ramos, que atuou nos anos de 1979 e 1980. Seguiram-se Dennis Werner e Esther Jean Langdon, que mais adiante se tornaram professores permanentes. As linhas de pesquisa eram as seguintes: Antropologia das Sociedades Tribais; Antropologia Aplicada e Antropologia das Sociedades Rurais. A primeira dissertação foi defendida por Regina Erdmann, em 1981, com o título Reis e rainhas no Desterro: um estudo de caso. A temática dessa dissertação não estava diretamente ligada as linhas de pesquisa. Contudo, a proposta, quando foi apresentada ao colegiado, foi considerada relevante. Como não tínhamos docente que trabalhasse com o tema, obtivemos a colaboração de Gilberto Velho, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ), que efetivou a orientação. Vinculados à linha de pesquisa Antropologia Aplicada, começaram, nesse momento, os primeiros estudos relacionados aos problemas decorrentes da implantação de grandes projetos de desenvolvimento. Em particular, mereceram atenção o conjunto de hidrelétricas que estavam sendo projetadas pelas Centrais Elétricas da Região Sul S.A. (Eletrosul), para | 60 |


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A L R O Í N O B A L T A Z A R E B L E . Natural de Rio do Sul (SC –1945), viveu parte de sua infância e juventude em Blumenau (SC). Portador de uma boa formação escolar, ingressou no curso de História da UFSC na segunda metade da década de 1960, com a firme vontade de se tornar arqueólogo. Foi um dos raros alunos, à época, que tinha bom domínio de inglês, francês e alemão. Como estudante, aproveitou todas as oportunidades para participar de trabalhos de campo, tanto de Arqueologia como de Etnologia. Ao concluir seu curso de graduação, em 1969, com o apoio do casal Clifford Evans e Betty Meggers, do Smithsonian Institution, iniciou um curso de pós-graduação na Pennsylvania State University. Em 1971, ingressou como professor de Antropologia na UFSC e começou a desenvolver projetos na área de Arqueologia. Em 1973, ingressou na USP para realizar o curso de mestrado. Entre 1975 e 1976, dirigiu o Museu de Antropologia. Depois de longa doença, veio a falecer em 1990. L U I Z C A R L O S H A L F P A P . Nascido em Brusque (SC –1945), iniciou o curso de História da UFSC em 1963. Teve oportunidade de participar de diferentes etapas de pesquisa de campo entre os Xokleng nos anos de 1964 e 1965. Desses índios, recebeu o apelido de Zugn Cupli, isto é, “cabelo loiro”. Ao concluir a licenciatura, foi aceito na USP para realizar um estágio na Cadeira de Antropologia, seguido de um curso de Especialização, sob a orientação do professor Egon Schaden. Depois, se iniciou como professor de Antropologia na Faculdade de Filosofia em Maringá (PR). Em 1970, foi admitido na UFSC. Dominava com desenvoltura a bibliografia antropológica, tendo adquirido prestígio entre seus colegas por sua capacidade crítica e consciência política. Tinha interesse em temas relacionados à cultura brasileira, às minorias indígenas e aos processos migratórios. Autor de vários artigos, exerceu as funções de diretor do Museu de Antropologia entre 1982 e 86. Doente e desencantado com os rumos da redemocratização do País, requereu sua aposentadoria em 1994. Faleceu em 1999. M A R I L A N D I G O U L A R T . Natural de Florianópolis (1947), ingressou no curso de História da UFSC tendo especial interesse pela área de Arqueologia. Colaborou em diferentes projetos orientados pelos professores Anamaria Beck e Alroino Eble. Concluído o curso, estagiou no Museu de Antropologia. Ingressou na USP para realizar o curso de mestrado, e, depois, concluiu o doutorado, ambos sob a orientação da professora Luciana Palestrini. Em 1979, foi contratada pela UFSC para desenvolver pesquisa de interesse da Prefeitura Municipal de Joinville, que objetivava a liberação do sambaqui do Morro do Ouro localizado nas cabeceiras da atual Ponte do Trabalhador. Depois, iniciou vários trabalhos de Arqueologia de salvamento na bacia do Rio Uruguai, sob o patrocínio da Eletrosul. Aposentou-se na UFSC em 1992, passando a atuar na Univali. Faleceu em 1998.

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implantação na bacia do Rio Uruguai (RS/SC). No caso, as primeiras preocupações desses estudos estavam dirigidas para resguardar os interesses das populações indígenas ameaçadas por tais empreendimentos. Nessa mesma época, logramos também realizar duas importantes reuniões focalizando a temática do direito de minorias, respectivamente denominadas “O índio perante o Direito” (1980) e “Sociedades indígenas e o Direito – uma questão de direitos humanos” (1983) 16. Em ambos os encontros, foi expressiva a presença de advogados. As discussões em relação aos direitos dos povos indígenas que deveriam ser consignados na futura Constituição já estavam em marcha e se ampliaram nesses encontros. Em 1990, os professores de Antropologia da UFSC foram responsáveis pela organização da XIX Reunião da ABA. A farra do boi foi motivo do cartaz que convocava para o encontro, além de ter sido o tema mais polêmico da reunião. Durante esse evento, foi criada a Associação Latino-Americana de Antropologia (ALA), com o objetivo de melhor integrar os antropólogos da América Latina e do Caribe. Foram eleitos, na oportunidade, Guillermo Bonfil Batalla, presidente (México), e Antônio Augusto Arantes, secretário (Brasil), para dirigirem a nova entidade. Dois anos depois, em Belo Horizonte, durante a realização da XVIII Reunião, Sílvio Coelho dos Santos foi eleito presidente da ABA. Fizeram parte desta diretoria, numa proposta de continuidade da integração dos profissionais da Antropologia da Região Sul, Cláudia Fonseca, da UFRGS, exercendo a secretaria, e Cecília Helm, da UFPR, na função de tesoureira17. Nesse processo de crescimento permanente da área de Antropologia, a partir dos anos 1980 o corpo docente foi se 16. SANTOS, Sílvio Coelho dos (Org). O Índio Perante o Direito. Florianópolis: Editora da UFSC, 1983; ______ (et al.). Sociedades indígenas e o Direito: uma questão de direitos humanos. Florianópolis: Editora da UFSC, 1985. 17. Para maiores informações sobre a gestão 1992/94, liderada por Sílvio Coelho dos Santos, ver BOLETIM DA ABA, n.12/22, que foram editados por nossa administração.

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modificando em relação às áreas de formação e de interesse para a pesquisa. A realização de pós-doutorado foi se tornando rotina. Da mesma maneira, as poucas vagas que foram abertas em função das aposentadorias dos professores mais antigos passaram a ser disputadíssimas, demonstrando mais uma vez o prestígio do grupo. Na seqüência dos eventos, o PPGAS-UFSC foi responsável, mais uma vez, pela organização da IV Reunião Regional da ABA em 1993. É de se explicitar que, desde os meados dos anos 1980, foi ficando claro que as duas áreas que integravam o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais caminhavam para a separação. No País, raros eram os cursos denominados de Ciências Sociais. As Comissões Verificadoras da Capes, que anteriormente haviam dado estratégico apoio para a ampliação do corpo docente, nunca deixaram de explicitar que o modelo adotado não era o mais adequado. A lógica dominante no País eram cursos de pós-graduação por áreas específicas. Assim, em 1985, o processo de seleção para os cursos de mestrado em Sociologia e em Antropologia foi realizado em separado pela primeira vez. Em seguida, ocorreu a criação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – PPGAS, através da Portaria 0875/GR/85 de 4/9/1985. Em 1987, a separação se consolidou com o registro dessa alteração na Capes (ofício de 22/5/1987). À mesma época, foi criado o Departamento de Antropologia através da Resolução 04/CUn/96 de 27 de fevereiro de 1996. O antigo Departamento de Ciências Sociais tomou o nome de Departamento de Sociologia e Ciência Política, que continuou a manter o Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política18. Uma longa trajetória havia sido percorrida, desde 1970, quando o tão bem-sucedido projeto do Instituto de Antropologia foi abortado pelo açodamento e a falta de visão do pequeno grupo que controlou o processo de implantação da reforma 18. O Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política mantém os cursos de Mestrado e Doutorado, detendo também uma posição de destaque entre seus congêneres do País.

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universitária. Como complemento dessa busca crescente de independência e de afirmação da competência, o doutorado em Antropologia Social foi implantado em 1998 (Resolução 62/ CPG/98 de 27/8/1998).

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Até dezembro de 2005, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) foram defendidas 165 dissertações de mestrado e 14 de doutorado, incluídas as dissertações apresentadas sob a égide do Programa de Ciências Sociais. O PPGAS é membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e mantém intercâmbio com diversas universidades do País e do exterior. Suas linhas de pesquisa focalizam as temáticas pertinentes a Cultura e Comunicação; Etnologia, Etnopolítica e Projetos de Desenvolvimento; Convívio Social, Micropolítica e Afetividade19. O quadro permanente do PPGAS conta com 16 professores, além de quatro colaboradores. Esses professores estão lotados no Departamento de Antropologia e atuam regularmente também em diferentes cursos de graduação da UFSC, onde há oferta de disciplinas de Antropologia, e, em particular, no Curso de Graduação em Ciências Sociais. Dois professores substitutos oferecem sua contribuição ao Departamento, enquanto não se abrem novas vagas destinadas a ampliar o quadro docente. Desde 1999, o Programa publica a Revista Ilha e mantém o periódico Antropologia em Primeira Mão, além de ter participação contínua em outras publicações que focalizam temáticas interdisciplinares, tais como a Revista Estudos Feministas. O PPGAS estruturou um Laboratório de Antropologia Social, dez Núcleos de Pesquisa e dois laboratórios de apoio para dar condições de desenvolvimento aos projetos de pesquisa dos professores e às 19. Outras informações sobre o PPGAS podem ser obtidas em www.antropologia.ufsc.br

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dissertações e teses de seus estudantes. Um número expressivo de bolsas oferece oportunidades de participação e de iniciação para alunos da graduação. A presença dos professores em congressos nacionais e internacionais é constante. Nesses últimos anos, outras reuniões continuaram sendo organizadas e realizadas na UFSC, entre elas a V Reunião de Antropólogos do Mercosul, em 2003, numa inequívoca demonstração da competência e da dedicação do grupo de professores que integra o Departamento de Antropologia e seu Programa de Pós-Graduação. Desde o início da instalação da Universidade, a área de Antropologia teve um desenvolvimento comprometido com a defesa dos interesses dos grupos humanos que estuda. Em 1963, logo após minha primeira etapa de pesquisa junto aos Xokleng (Ibirama –SC), cerca de vinte índios vieram à Universidade para reivindicar a expulsão de colonos que haviam invadido suas terras. Essa visita teve momentos de tensão em relação ao que eu poderia fazer naquela emergência. Felizmente, com o apoio do mestre Cabral e do reitor Ferreira Lima, o governador Celso Ramos abriu espaço em sua agenda para receber os índios e tomou medidas imediatas para coibir o esbulho que estava em vias de se concretizar. A partir daí, a UFSC passou a ser confiável para os Xokleng. Depois, também os Kaingang e os Guarani passaram a freqüentar com regularidade nossa instituição em busca de apoio e de visibilidade. Em 1985, por exemplo, Aneliese Nacke e Neusa Maria Sens realizaram, no Toldo Chimbangue (Chapecó – SC), o primeiro laudo para o reconhecimento de terras dos Kaingang no Sul do País. Na continuidade desse processo, iniciado ainda nos anos 1960, as referências sempre foram os professores e estudantes de Antropologia. Esse comprometimento se ampliou com a incorporação de outras áreas de pesquisa e com a defesa dos direitos de outras minorias, entre elas o resgate das terras dos quilombolas20. Um número crescente de estudantes, técnicos e 20. A profa. Ilka Boaventura Leite desenvolveu um trabalho extraordinário tanto para resgatar as terras dos quilombolas, como no sentido de capacitar antropólogos para realizarem Laudos de Identificação dessas terras. Veja-se, por exemplo, LEITE, Ilka Boaventura (Org.). Laudos Periciais Antropológicos em debate. Florianópolis: ABA/NUER, 2005.

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Índio Xokleng recebe livro de autoria de Sílvio Coelho dos Santos. Foto: Renato Rizzaro.

professores da Universidade, e também de outras instituições, têm se motivado a trabalhar com essas e outras temáticas, e os professores de Antropologia são continuamente procurados para apoiar tais iniciativas. Finalmente, cabe registrar que a Presidência da ABA se encontra novamente na UFSC, através da gestão da professora Miriam Grossi, que foi eleita em 2004. Da sua diretoria, que tem representantes de todo o País, participam ativamente colegas do Departamento. O diaa-dia da Associação é vivenciado também pelos alunos, num processo que contribui tanto para o fortalecimento da organização como para a crescente visibilidade da área da Antropologia. Essa | 66 |


visibilidade é demonstrada também pela presença de muitos pósgraduados, e por docentes formados em outras instituições, nas diversas universidades, nos estabelecimentos isolados, nos museus e em ONGs que existem no Estado de Santa Catarina. Nesses espaços, esses profissionais da Antropologia exercem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, sempre atentos para a defesa das minorias étnicas e de outros segmentos de excluídos sociais.

Reunião da Diretoria da ABA, liderada pela professora Miriam Grossi, em Caxambu (MG), em 2004. Acervo: ABA.

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P R O G R A M A D E P ÓS - G R A D U A Ç Ã O C O R P O D O C E N T E EM 2005.

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ANTROPOLOGIA SOCIAL

Alberto Groisman. Religião e saúde. Ritual e uso de substâncias psicoativas. Antropologia simbólica. Antropologia urbana. Alícia Norma González de Castells. Antropologia Urbana. Antropologia do espaço. Habitação popular. Patrimônio cultural. Antonella Maria Imperatriz Tassinari. Etnologia indígena. Ritual. Construção de identidades. Temática indígena e educação escolar. Antropologia da criança. Carmen Sílvia Moraes Rial. Antropologia urbana. Antropologia audiovisual. Globalização cultural e estudos da mídia. Antropologia alimentar. Estudos neo açorianos. Esther Jean Langdon. Antropologia simbólica. Literatura oral. Xamanismo. Papéis sexuais. Religião. Antropologia da saúde. Teoria antropológica. Flávio Braune Wiik. Etnologia indígena. Antropologia da saúde. Sexualidade. Mediação cultural. Ilka Boaventura Leite. Antropologia das populações afrobrasileiras. Identidade e relações interétnicas. Teoria antropológica. Arte e etnicidade. Maria Amélia Schmidt Dickie. Movimentos sócio-religiosos. Imigração. Etnia. Religião. Márnio Teixeira-Pinto. Etnologia indígena. Organização social e parentesco. Ritual e xamanismo. Miriam Furtado Hartung. Populações afro-brasileiras. Família. Organização social e parentesco. Miriam Pillar Grossi. Antropologia urbana. História da Antropologia. Relações de gênero. Parentesco em famílias GLBTT. Violências contra mulheres e homossexuais. Métodos e teorias antropológicas. Gênero e ciência. Oscar Calávia Sáez. Etnologia indígena. Religião. Rafael José de Menezes Bastos. Etnologia indígena. Antropologia da música e da dança. Antropologia política e teoria antropológica. Sílvio Coelho dos Santos. Etnologia indígena. Índios e Direito. Impactos sociais de grandes obras de engenharia. Educação e cultura. Antropologia da ação. Sônia Weidner Maluf. Antropologia urbana. Antropologia das violências. Dinâmica dos grupos etários e envelhecimento. Cultura, sociabilidade e internet. continua na página seguinte

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O L A B O R A D O R E S

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2005

Ana Luiza Carvalho da Rocha. Antropologia visual e sonora, e estudos de imagem. Antropologia das sociedades complexas. Memórias coletivas, estética urbana e trajetórias no mundo contemporâneo. Deise Lucy Oliveira Montardo. Etnologia indígena. Arte, música e arqueologia das terras baixas da América do Sul. Maria José Reis. Antropologia rural. Campesinato. Projetos de desenvolvimento e populações locais. Neusa Bloemer. Antropologia rural. Campesinato. Projetos de desenvolvimento e populações locais. L

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E S Q U I S A

Cultura e Comunicação. Sistemas simbólicos, artísticos, estéticos e de comunicação, culturas brasileiras e seus nexos históricos e estruturais, culturas popular, de grupos minoritários e de elites. Indústria cultural. Teorias da cultura, da linguagem, da arte e da comunicação. Simbolismo e campo religiosos. Etnologia, Etnopolítica e Projetos de Desenvolvimento. Etnologia das sociedades indígenas das terras baixas da América do sul e das populações de origem africana. Relações interétnicas. Etnopolítica. Implicações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais da implantação de projetos de desenvolvimento em territórios de grupos minoritários. Convívio Social, Micropolítica e Afetividade. Convívio doméstico e social. Relações micropolíticas. Sexualidade. Identidades e representações de gênero e idade. Organização social em instituição totais. Violência interpessoal e grupal.

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ANAIS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA. Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 1, n.1, 1968. ____ Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 4, n.4, 1971. ____ Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 5, n.5, 1972. ____ Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 7, n.7, 1972. CORRÊA, Mariza. As Reuniões Brasileiras de Antropologia: cinqüenta anos. In: Brasília: ABA, 2003. FONTES, Henrique da Silva. Pensamentos, palavras e obras. Primeiro Caderno. Florianópolis: Ed. do Autor, 1960. LIMA, João David Ferreira. UFSC: sonho e realidade. 2. ed. Florianópolis: UFSC, 2000. SANTOS, Sílvio Coelho dos et al. Oswaldo Rodrigues Cabral na Historiografia Catarinense. Florianópolis: IHGSC, 2005. Ensaios 2. ____. Índios e brancos no Sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis: Edeme, 1973. 313p. [1ª]; Movimento, 1987. 313 p. [2ª]. ____. Educação e sociedades tribais. Porto Alegre: Movimento, 1975. ____. (Org.). O índio perante o Direito. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983. ____. et al. Sociedades indígenas e o Direito: uma questão de direitos humanos. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1985. SEU MUSEU UNIVERSITÁRIO. Florianópolis: Edufsc, 1998. Revista comemorativa, 30 anos. Edição Especial.

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ANEXO 1 — P ROPOSTA DE CRIAÇÃO DO I NSTITUTO DE A NTROPOLOGIA

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ANEXO 2 - CARTAS DE APOIO À INSTALAÇÃO DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

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Página anterior: Fachada do prédio da Universidade Federal do Paraná. Foto: Édison Helm.


O S 50

A N O S DA HI S T Ó R I A D A

ANTROPOLOGIA

NO

PARANÁ

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s comemorações dos 50 anos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), iniciativa louvável de sua diretoria1, suscitaram o desejo de registrar os nomes, as ações e os méritos dos personagens que contribuíram para o desenvolvimento da Antropologia no Estado do Paraná, e de tecer considerações sobre os fatos ocorridos que permitiram a criação e a consolidação do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Paraná. No Paraná, a história da Antropologia está ligada a seu personagem fundador, o professor doutor José Loureiro Fernandes, catedrático de Antropologia, especialista em Antropologia Física, que ministrou aulas e elaborou pesquisas nas diversas áreas do conhecimento antropológico introduzido na Universidade do Paraná, na década de 1950, nos cursos de História/Geografia e Ciências Sociais.

1. HELM, C, Os 50 anos/ABA no Paraná, depoimento prestado em 16/6/05 em evento realizado na UFPR, Curitiba.

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O antropólogo Loureiro Fernandes integrava a equipe de pesquisadores que atuava no Museu Paranaense. Chefiou a seção de Antropologia e Etnografia. Foi diretor desse órgão de 1936 a 1943 e de 1945 a 1946. No Museu Paranaense, foram realizadas as pesquisas pioneiras sobre os povos indígenas no Paraná. O prof. dr. José Loureiro Fernandes pode ser considerado o antropólogo ancestral que mais se destacou entre os estudiosos da disciplina que atuaram em museus de Etnologia e Arqueologia e em faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Sul do Brasil. Era um cientista devido à sua formação acadêmica, às pesquisas que realizou e à sua participação no grupo de antropólogos que criou a ABA na década de 1950. Na direção do Museu, apoiou a publicação dos Arquivos do Museu Paranaense e desenvolveu pesquisas sobre os povos indígenas, notadamente sobre os Kaingang de Palmas. Mais tarde, organizou expedições à Serra de Dourados, junto com indigenistas2 do Serviço de Proteção aos Índios, para investigar os Xetá e fazer contato com esse povo caçador-coletor, atingido pela frente de expansão cafeeira, na década de 1950, no noroeste do Paraná, nas proximidades do Rio Ivaí. Na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras3, Loureiro Fernandes era o responsável pela Cátedra de Antropologia e se tornou professor-pesquisador respeitado pelos seus colegas no Paraná e no Brasil. Era médico, fez cursos na França em Urologia e Antropologia. Entrou em contato com especialistas em Antropologia na Europa e nos Estados Unidos. Alguns aceitaram o convite de Loureiro Fernandes para ministrar cursos, proferir palestras e realizar pesquisas no Paraná, com o apoio do Departamento de Antropologia da Universidade do Paraná. 2. O indigenista Dival José de Souza chefiava a inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios, SPI, localizada na cidade de Curitiba, e organizou, junto com Loureiro Fernandes, expedições à Serra de Dourados para localizar os Xetá e fazer contato com esse povo. 3. A Universidade do Paraná foi criada em 19 de dezembro de 1912. As áreas de Filosofia, Ciências e Letras funcionavam no prédio localizado na Rua XV de Novembro. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras era mantida pela União Brasileira de Educação dos Irmãos Maristas. Mais tarde, foi implantada no Edifício D. Pedro I, à Rua General Carneiro, e transformada em Setores distribuídos na Universidade. O Departamento de Antropologia que integrava a FFCL, foi incorporado ao Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, SCHLA, da UFPR.

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No curso de Geografia e História da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o prof. Loureiro Fernandes ministrava as disciplinas Antropologia Física, Etnografia Geral e Etnografia do Brasil. O curso de Ciências Sociais tinha como disciplinas básicas a Sociologia, a Política e a Antropologia. A Antropologia Física, a Antropologia Cultural e a Etnografia do Brasil faziam parte do elenco de disciplinas do curso, ministradas pelo prof. Loureiro Fernandes em 1956. A Arqueologia Pré-Histórica era ministrada no curso de História. Somente na década de 1960, a Antropologia Social foi incorporada como disciplina do curso de Ciências Sociais. A profa. Cecília Maria Vieira Helm, instrutora de ensino, contratada no mês de abril de 1963, a pedido do catedrático Loureiro Fernandes, assumiu a disciplina, depois de realizar o Curso de Especialização em Antropologia Social, dirigido pelo antropólogo dr. Roberto Cardoso de Oliveira, no Museu Nacional da Universidade do Brasil. A Etnologia Indígena também passou a ser ministrada, e as pesquisas nesse campo do saber foram realizadas com inspiração na teoria das relações interétnicas, com ênfase no conceito de Fricção Interétnica formulado pelo dr. Roberto Cardoso de Oliveira4. A profa. Cecília Helm participou da pesquisa realizada entre os índios Tukuna, no Alto Solimões (AM), em 1962, como auxiliar de pesquisa de campo do trabalho desenvolvido pelo antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, responsável pelo estudo sobre os Tukuna e pelo desenvolvimento do Projeto de Estudo de Áreas de Fricção Interétnica do Brasil. Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, a Antropologia era ensinada em universidades brasileiras, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e praticada por um pequeno grupo de especialistas que atuavam em cursos de graduação e em instituições de pesquisa, como o Museu Paulista; o Museu Nacional, com sua importante Divisão de Antropologia, no Rio de Janeiro; o Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém; o Museu Paranaense da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná, que foram os centros pioneiros da criação e do desenvolvimento da Antropologia no Brasil. 4. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O índio e o mundo dos brancos: a situação dos Tukuna do Alto Solimões. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

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Os antropólogos que atuavam nessas instituições se reuniram, em 1953, no Museu Nacional, na cidade do Rio de Janeiro. A reunião foi realizada por iniciativa de d. Heloisa Alberto Torres. A Presidência de honra foi atribuída a Edgar Roquete-Pinto. No Museu Nacional, aconteceu a I Reunião Brasileira de Antropologia, da qual participaram os antropólogos Herbert Baldus, Thales de Azevedo, René Ribeiro, Egon Schaden, José Loureiro Fernandes, Luiz de Castro Faria, Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro, Oracy Nogueira, que deliberaram pela criação da Associação Brasileira de Antropologia, como bem informa a dra. Mariza Corrêa no livro que organizou sobre As Reuniões Brasileiras de Antropologia, cinqüenta anos (1953 —2003), com o apoio da ABA. Nessa reunião, o professor Loureiro Fernandes participou do grupo que discutiu o tema “Possibilidades de pesquisa e de exercício de atividades técno-científicas” e apresentou o primeiro relato sobre a Antropologia no Paraná. A II Reunião Brasileira de Antropologia foi organizada pelo saudoso antropólogo Thales de Azevedo, em Salvador, em 1955. Nessa reunião, foi fundada a Associação Brasileira de Antropologia e constituídos a sua primeira diretoria e seu conselho científico. O professor Luiz de Castro Faria foi eleito presidente, o prof. Darcy Ribeiro, secretário geral, o prof. Roberto Cardoso de Oliveira, tesoureiro, e o dr. José Loureiro Fernandes integrou o conselho científico. De acordo com a dra. Mariza Corrêa, nessa reunião, da qual participaram 47 antropólogos e estudantes, foi forte a presença de etnólogos e de pesquisadores que tratavam das relações raciais no Brasil. A III Reunião Brasileira de Antropologia, organizada pelo dr. René Ribeiro, ocorreu no Recife em 1958. Nesse evento, foi eleito o dr. José Loureiro Fernandes, da Universidade do Paraná, como presidente da ABA. A IV Reunião da ABA ocorreu em 1959, em Curitiba, e na cidade histórica de Paranaguá, em visita dos participantes do Museu de Arqueologia e Artes Populares da UFPR 5, antigo Colégio dos Jesuítas, edifício tombado pelo DPHAN, onde funciona o MAE 6, inaugurado e dirigido pelo dr. Loureiro Fernandes. | 84 |


Desenho feito à pena do prédio do MAE/UFPR, em Paranaguá. Acervo: MAE.

O prof. dr. Roberto Cardoso de Oliveira, em seu discurso “Elogio da ABA”, como presidente de nossa Associação, proferido em Curitiba, quando da abertura da XV Reunião, recordou [...] “o entusiasmo de Loureiro Fernandes com as novas instalações da Faculdade de Filosofia e Departamento de Antropologia, tanto quanto das renovadas instalações do Museu de Antropologia, em Paranaguá, onde estivemos em uma memorável visita”7, durante a programação da IV Reunião (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1986). Como se percebe, a história da Antropologia no Brasil está 5. Para a instalação do MAAP, foi realizado um convênio entre a Universidade do Paraná e o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1958. Pela Resolução nº 01/62 do Conselho de Pesquisas da UPR, foi criado o Museu que, em 1964, foi incorporado ao Departamento de Antropologia. 6. O Museu passou a ser denominado Museu de Arqueologia e Etnologia, MAE, na administração da profa Anamaria Bonin (1999). 7. CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Elogio da ABA. REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA XV, 23 a 26 de março de 1986 Anais... Curitiba: UFPR,1986.

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vinculada ao desenvolvimento da Antropologia nos museus de Etnologia e Arqueologia, nas diversas seções dedicadas às coleções etnográficas e arqueológicas, às pesquisas praticadas por eminentes antropólogos sobre os povos indígenas e às questões raciais, à criação das antigas Faculdades de Filosofia, à implantação dos Departamentos de Antropologia, ao ensino e à pesquisa realizados com o apoio de instituições científicas. A criação e a consolidação da Associação Brasileira de Antropologia, que passou a reunir os seus associados em eventos bianuais, projetaram a Antropologia em nível nacional e internacional. Os trabalhos apresentados e discutidos nessas reuniões, e publicados nos seus Anais, divulgaram o saber antropológico entre os primeiros estudiosos da disciplina. A contratação de especialistas nacionais e estrangeiros, nas primeiras décadas da História da Antropologia foi importante para a formação de uma geração que passou a ministrar a disciplina nas antigas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, elaborar conceitos, criar paradigmas, realizar pesquisas e produzir teses, livros e artigos, fortalecendo a Antropologia produzida no Brasil. A implantação dos Cursos de Pós-Graduação em Antropologia Social, inicialmente de Aperfeiçoamento, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, coordenados pelo prof. Darcy Ribeiro, contribuiu para a formação dos antropólogos. Em 1960, foi criado o curso de Especialização em Antropologia Social no Museu Nacional, organizado e dirigido pelo prof. Roberto Cardoso de Oliveira, que foi importante para a boa formação da segunda geração de antropólogos. Mais tarde, foram criados os programas de Mestrado e Doutorado, no Rio de Janeiro, na UFRJ; em São Paulo, na USP; em Brasília, na UnB; em Campinas, na Unicamp, e na PUC de São Paulo, que, junto com a atuação da ABA, foram responsáveis pela consolidação do campo antropológico no Brasil.8 8. FERNANDES, Florestan. A Etnologia e a Sociologia no Brasil: ensaios sobre aspectos da formação e do desenvolvimento das Ciências Sociais na Sociedade Brasileira. São Paulo: Anhambi, 1958.

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AS

F A S E S D A HI S T Ó R I A D A

ANTROPOLOGIA

NO

PARANÁ

A história da Antropologia tem sido tratada pelos cientistas sociais compreendendo duas fases: uma fase ideológica e outra fase denominada científica, sendo a década de 1930 caracterizada como a linha divisória entre as duas fases (PEIRANO, 1981). A fase ideológica tem como característica as contribuições dos relatórios de cronistas, dos viajantes, das expedições realizadas pelo litoral e interior do Brasil, dos relatórios dos missionários e de agentes do governo. Os relatos de viagens de naturalistas, geógrafos, cartógrafos e desenhistas a Curitiba e ao interior do Paraná, realizados pelos primeiros observadores, como Saint-Hilaire e Bigg-Wither, na Província do Paraná, foram publicados 9; os relatórios dos missionários que dirigiram aldeamentos no Tibagi, como frei Luiz de Cimitille, frei Timotheo de Castelnovo e dos indigenistas que atuaram como diretores de colônias indígenas ao norte do Paraná, como Telêmaco Borba, também constituem importante fonte de consulta para os estudiosos; de militares que chefiaram expedições, como Diogo Pinto de Azevedo Portugal, que narrou com detalhes a sua viagem que teve como objetivo a conquista dos Campos de Guarapuava, habitados pelos Kaingang; e as memórias do padre Francisco das Chagas Lima sobre o contato estabelecido com os grupos Kaingang em Atalaia, seus costumes e as dificuldades de exercer a catequese, devido à reação dos indígenas, são exemplos de narrativas dos pioneiros que registraram suas impressões sobre os diferentes povos com os quais entraram em contato, sobre as suas maneiras distintas de se organizar social e culturalmente, e de explorar a natureza em que viviam10. 9. Trata-se dos livros: Viagem à Curitiba e Província de Santa Catarina, de Auguste de Saint-Hilaire (1978), e Novo Caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos em suas florestas e campos, 1872-1875, 2 v., de Thomas P. Bigg-Wither, 1974. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. 10. Sobre este período, consultar: BORBA, T. Actualidade indígena, Curitiba: Imprensa paranaense, 1908; CHAGAS LIMA, F. Memória sobre o Descobrimento e Colonia de Guarapuava. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 4, 1842; FRANCO, A.M., Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, Museu Paranaense, Curitiba: 1943; FERNANDES, L. Frei Luiz de Cimitille. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, tomo III, n. 1, Curitiba: 1956.

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Na fase ideológica, se podem incluir as pesquisas em Antropologia realizadas nos museus criados no século XIX, como o Museu Nacional, o Museu Paraense Emílio Goeldi, o Museu Paranaense, em 1876, e o Museu Paulista. Nos museus, as pesquisas estavam fundamentadas nas contribuições dos evolucionistas europeus, com inspiração nos trabalhos de Darwin, Lineu e Lamarck. A temática racial estava presente nos museus nacionais, nos institutos históricos e geográficos, nas faculdades de Direito e de Medicina, e era um argumento científico para a construção de um projeto de nação. De acordo com Schwarcz, os museus nacionais foram instituições pioneiras da pesquisa no País, desenvolvendo estudos, no século XIX, nas áreas de História Natural (Zoologia, Botânica, Paleontologia, Geologia) e Antropologia (Antropologia Física, Arqueologia, Lingüística e Etnologia) (SCHWARCZ, 1993). A antropóloga Peirano, em The anthropology of anthropology: the brazilian case, trata sobre a relação entre a teoria antropológica e o contexto social no qual ela se desenvolve. Parte da ideologia de construção dos Estados nacionais e analisa a forma particular com que a Antropologia se desenvolve no Brasil (PEIRANO, 1981). Os museus nacionais, dirigidos por personagens empenhadas em realizar estudos e organizar coleções etnográficas e arqueológicas, são instituições que contribuíram para o desenvolvimento da Antropologia. O Museu Paranaense administrado por Romário Martins, pioneiro nos estudos sobre a história do Paraná11, se tornou um centro de pesquisas que reuniu grandes nomes, como José Loureiro Fernandes, padre Jesus Moure, Rosário Mansur Guérios, Oldemar Blasi e tantos outros que foram os fundadores e incentivadores das pesquisas antropológicas, lingüísticas, arqueológicas e de História Natural no Paraná. Para ilustrar, se pode citar a obra do historiador Romário Martins, História do Paraná, como o primeiro trabalho que contém a distribuição geográfica das tribos indígenas no Estado. 11. MARTINS, Romário. História do Paraná. Paraná: Guairá, 1937. Sua obra é uma importante fonte de referência para os que estudam a formação do Paraná. Contém um capítulo sobre as tribos indígenas no Estado.

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Classificou os indígenas em: “Tupis, Crens e Gês”. Entre os Tupis, incluiu uma lista de nomes que designam “[...] as várias nações indígenas”(MARTINS, 1937). Sobre os Guarani, escreveu que as “[...] primeiras expedições para a exploração do sertão compreendido entre os rios Paranapanema, Paraná, Tibagi e Iguaçu acusaram numerosa presença de índios da nação Guarani” (MARTINS, 1973). Registrou que “os Guaranis estiveram submetidos às determinações dos padres espanhóis da Companhia de Jesus, que dirigiram 13 reduções fundadas nos vales dos Rios Pirapó, Tibagi, Ivaí e Piquiri e, seu extenso território foi invadido por índios de outras etnias, quando as missões foram destruídas pela ação dos bandeirantes paulistas” (MARTINS, 1973).

Na sua classificação, “[...] os Carijó são citados como os nativos que dominavam toda a costa marítima e foram utilizados pelos bandeirantes paulistas como cativos”. Arrolou “[...] os Carijó como distintos dos Guaranis,”quando, na realidade, os Guarani eram conhecidos como Carijó ou Cario” (HELM, 1995). Os Aré são incluídos como um grupo Tupi-Guarani por falarem uma língua Tupi e estarem localizados nos Rios Ivaí e Piquiri. Os Aré são os Xetá, povo Tupi-Guarani em extinção no Paraná12 (HELM, 1995). Sobre os Guaianás, Romário Martins consulta cronistas, geógrafos, historiadores, etnógrafos para relatar quem eram esses índios, conhecidos como Coroados. Informa que os mapas coloniais assinalam a região do baixo Tibagi com a indicação: Sertão do Gentio Guanhanás. Na classificação de Romário Martins, foram incluídos os Crens, que traduziu por parentes, família, tribo. As denominações das metades clânicas Kamé e Kaíru e dos grupos de pintura Kaingang 12. HELM, M. Los Xetá, la trayectoria de un grupo Tupí-Guaraní en extinción en el Sur de Brasil (Paraná). In: BARTOLOMÉ, (Coord.) Ya no hay lugar para cazadores: procesos de extinción y transfiguración étnica en América Latina, Ecuador, Biblioteca Abya- Yala, 1995; Os xetá: a trajetória de um grupo Tupi-Guarani em extinção. Anuário Antropológico Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1994.

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foram tratadas como se fossem povos distintos. No seu ideário, os Kaingang, que registrou como Caingang, possuíam várias denominações tribais, conforme a região de suas concentrações (HELM, 1995). Seus registros foram impregnados pelo caráter de sua classificação geográfica. Os Kamé, descreve como os primitivos habitantes dos Rios Iguaçu e Uruguai, depois dos sertões de Guarapuava (MARTINS, 1937, p. 50). Entre os Jê, Romário Martins classifica os Botucudos, que habitavam o sul do Rio Negro e o sertão do Tibagi. Sua classificação, se comparada aos estudos lingüísticos e antropológicos atuais, traz contribuições para a reconstituição da história indígena13, em termos da localização desses povos e percepção de suas migrações pelo Sul do Brasil (HELM, 1995). A década de 1930 foi marcada pela crítica ao evolucionismo e decadência dos museus etnográficos no Brasil, os estudiosos registram que a decadência dos museus nacionais coincide com a criação das universidades brasileiras. Os pesquisadores são transferidos para as novas instituições de ensino e pesquisa científica, e também os recursos financeiros. A fase denominada científica trata sobre a institucionalização da Antropologia no Brasil e caracteriza-se pela criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Com a implantação das Faculdades, foram criadas as disciplinas de Antropologia e contratados especialistas estrangeiros. Na interpretação criteriosa do ilustre professor Florestan Fernandes, “[...] a Etnologia se desenvolveu no Brasil, até o primeiro quartel do século XX, principalmente através das obras e das realizações de investigadores estrangeiros” (1956, p. 17). Para este pensador, o ensino e a pesquisa em Antropologia, no campo da Etnologia, ocorreram devido à criação do ensino universitário em Ciências Sociais, ao contrato e à permanência de mestres, para ministrar essas disciplinas nas universidades. Foram sendo criadas possibilidades, para que a pesquisa em 13. HELM, C. Kaingang, Guarani e Xetá na Historiografia Paranaense. Trabalho apresentado no GT História Indígena e do Indigenismo. Reunião Anual da Anpocs, Caxambu 1995, Anais...Curitiba: By Design Estúdio Gráfico, 1997.

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Etnologia no Brasil fosse realizada com bons resultados obtidos pelos próprios especialistas brasileiros. Na sua análise, o levantamento dos dados e a sua elaboração descritiva ou interpretativa, na Etnologia, como em outra disciplina, devem submeter-se a fins teóricos precisos (FERNANDES, 1956, p. 20).

Visita do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira ao Departamento de Antropologia, por ocasião da inauguração do prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFPR, 1958. Em destaque: o presidente Kubitschek, o dr. Loureiro Fernandes e o governador Moysés Lupion. Acervo: CEPA/UFPR.

Dá valor ao treinamento sistemático do pesquisador, que considera a condição mais importante para a constituição, e ao contínuo aperfeiçoamento de padrões intelectuais definidos de investigação científica. O treinamento deve ser feito cursando a universidade, mas se completa nas experiências concretas de pesquisa. Apesar de ponderar que o ensino universitário era recente no Brasil, escreve que o [...] “etnólogo tem oportunidade de receber um ensino sistemático graças à criação dos cursos de especialização, de iniciar suas pesquisas sob a orientação de algum professor mais experimentado”. Para ele, as condições do trabalho do etnólogo tornaram favorável a produção mais fecunda, combinando pesquisa e elaboração teórica (FERNANDES, 1956). A Antropologia que se produzia no Paraná também passou pelas transformações que ocorriam no Brasil. Em Curitiba, foi | 91 |


criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1938. O professor dr. Loureiro Fernandes iniciou suas atividades ministrando as disciplinas Etnografia do Brasil e Antropologia Física. Estimulou a contratação de professores estrangeiros, notadamente franceses e norte-americanos, para ministrarem Antropologia em cursos de atualização, de extensão universitária e de especialização em Arqueologia na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras14.

Prof. Loureiro Fernandes e o velho índio Kaingang Pedro Mendes, P. I. Palmas, década de 1940. Acervo: Museu Paranaense.

O dr. Loureiro Fernandes dirigiu o Instituto de Pesquisas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná e incentivou as pesquisas em Antropologia Física, Cultura Popular e Arqueologia. Realizou investigações científicas entre os Kaingang de Palmas e de Mangueirinha (aldeia Palmeirinha), divulgando os seus conhecimentos nos Arquivos do Museu 14. Os pesquisadores Jorge Dias e Emílio Willens realizaram trabalhos no Paraná e contribuíram para a formação de jovens antropólogos. A arqueóloga Annette Laming ministrou curso na área de Arqueologia Pré-Histórica. O sociólogo Octavio Ianni fez pesquisas em Curitiba para reunir material sobre a situação social do negro e contou com o apoio do prof. dr. Loureiro Fernandes. Publicou As metamorfoses do escravo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962.

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Paranaense15.Também realizou pesquisas entre os Kaingang de Palmas o etnólogo Herbert Baldus, que escreveu sobre O culto aos mortos entre os Kaingang de Palmas16 (BALDUS, 1937). Na década de 1950, como foi descrito, contribuiu para a criação da Associação Brasileira de Antropologia, e suas pesquisas entre os Xetá foram divulgadas em reuniões de associações científicas no Brasil e no exterior17. O Museu do Homem de Paris se interessou pelas pesquisas realizadas entre os índios Xetá e financiou a edição do documenário sobre os Xetá realizado pelo antropólogo Loureiro Fernandes e pelo cinegrafista Vladimir Kozák. Os Xetá sobreviventes foram transferidos, na década de 1960, da região do Rio Ivaí para a terra indígena José Maria de Paula, em Guarapuava (PR). Em 1967, quando a profa. Cecília Helm realizava

A antropóloga Cecília Helm entrevista índia Guarani no P. I. Santa Amélia, Laranjinha, PR, 1973. Foto: Sílvio Coelho dos Santos. 16. O etnólogo do Museu Paulista Herbert Baldus estudou os Kaingang de Palmas e publicou trabalhos sobre esse povo Jê, notadamente em seu livro Ensaios de Etnologia Brasileira. Rio de Janeiro; Companhia Editora Nacional, 1937 (Col Brasiliana). 17. Consultar FERNANDES, José Loureiro. Os índios da Serra dos Dourados: os Xetá. REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA III. Anais…, Recife, 1959; The Xetá: a dying people in Brazil. Separata de Bulletin of the International Committee on Urgent Anthropological and Ethnological Research, n. 2, 1959; Lê Xetá et les palmiers de la forêt de Dourados: contribution à l’ethnobotanique du Paraná. Separata de Congress International des Sciences Antrhropologiques et Ethnologiques, Paris, Actes Paris, 1960. | 93 |


a sua pesquisa entre os Kaingang dessa região acompanhada por alunos do curso de Ciências Sociais pôde observar uma família de índios Xetá que habitava o Posto Indígena José Maria de Paula. Também estavam hospedados nas instalações do Posto, realizando trabalho de campo, o lingüista dr. Aryon Rodrigues e o cinegrafista Vladimir Kozák, que estudavam os Xetá. O C ENTRO

DE

E STUDOS

E

P ESQUISAS A RQUEOLÓGICAS (CEPA)

A Arqueologia foi outra área apoiada pelo professor Loureiro Fernandes. Criou o Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas, CEPA, em 1956. Havia interesse em ser instituída a Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica, projeto originário da Cátedra de Antropologia da Universidade do Paraná. Foram consultados os órgãos superiores, o Conselho Nacional de Pesquisa, a Divisão do Ensino Superior e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, e foi recomendada a criação do CEPA em 1956. O Conselho Superior do Instituto de Pesquisas formalizou a proposta. De acordo com o seu fundador, foi graças ao auxílio do CNP (atual CNPq) e à valiosa colaboração da Capes que foram contratados especialistas e concedidas bolsas aos interessados em se especializar em Arqueologia. O CEPA pôde preencher, em 1957, a sua finalidade de ensino e pesquisa (CHMYZ, 2000, apud FERNANDES, 1958). Na direção do CEPA, o prof. Loureiro convidou especialistas nacionais e estrangeiros para ministrarem cursos de aperfeiçoamento e de especialização em Arqueologia PréHistórica, que contribuíram para a formação de jovens pesquisadores. O CEPA funciona até os dias de hoje em amplas instalações, no Edifício D. Pedro I, dirigido pelo dr. Igor Chmyz, que desenvolve pesquisas e ministra a disciplina Arqueologia PréHistórica a estudantes de graduação e do PPGAS da UFPR18. Também foi criada a Revista do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas. Seu último número trata sobre os Anais do Seminário Comemorativo do Centenário de Nascimento do prof. dr. José Loureiro Ascenção Fernandes (1903—2003), coordenado pelo prof. Chmyz e | 94 |


publicado em 2005, com o apoio da Funpar e SCHLA/UFPR. O CEPA mantém um termo de cooperação com o Departamento de Antropologia para intercâmbio de professores, pesquisadores e para a realização de cursos e pesquisas. O MUSEU

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ARQUEOLOGIA

E

ETNOLOGIA

DA

UFPR

Vista do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR em Paranaguá, 2000. Acervo: Cecília Helm.

O antropólogo Loureiro Fernandes teve o mérito de criar e dirigir o Museu de Arqueologia e Artes Populares da UFPR, localizado na cidade de Paranaguá, monumento tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que reúne notável acervo de peças de coleções etnográficas, arqueológicas e da cultura popular. Há preciosa coleção de fotografias e vídeos que fazem parte do acervo do setor de Antropologia Visual do Museu19. O pesquisador Vladimir Kozák atuou como cinegrafista, documentou os Xetá e produziu filmes, inúmeras fotos e painéis 18. Em abril de 2006, foram inauguradas as novas instalações do CEPA, em solenidade prestigiada pelo magnífico reitor, dr. Carlos Augusto Moreira Júnior, Direção do SCHLA, Chefia do Departamento de Antropologia, Coordenação do PPGAS/UFPR, autoridades, professores, pesquisadores, funcionários e alunos dos cursos da UFPR. 19. O acervo do Museu ocupava o 3º andar do Edifício do Instituto Brasileiro do Café, localizado na cidade de Paranaguá. No início da gestão do atual reitor da UFPR, toda a reserva técnica foi transferida e acomodada em Curitiba, em novas instalações adaptadas para abrigar as coleções e facilitar o acesso de pesquisadores e estudantes.

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que se encontram arquivados no Museu de Etnologia e Arqueologia da UFPR e no Museu Paranaense da Secretaria da Cultura do Estado do Paraná. Acompanhou o prof. Loureiro Fernandes em suas pesquisas sobre os Xetá, produzindo filmes de inestimável valor. Seus documentários arquivados nesses Museus constituem fonte preciosa de estudo para a Antropologia Visual e para os etnólogos que têm se dedicado a desvendar a cultura, a língua e a organização social desse povo. O antropólogo Loureiro Fernandes20 dedicou grande parte de seu tempo ao Museu e à organização de sua biblioteca, como relatou Rocha em Seminário realizado na UFPR, para comemorar o centenário de nascimento do saudoso antropólogo (ROCHA, 2005). Por iniciativa de Loureiro Fernandes, foram realizadas exposições etnográficas, arqueológicas, cursos e palestras no auditório do Museu. Em 1973, foi realizado um curso de especialização sobre Técnicas de Pesquisa Arqueológica Aplicadas a Sítios Pré-Cerâmicos. Em 1973, informa Rocha21, os pesquisadores Júlio e Janine Alvar desenvolveram pesquisas em Guaraqueçaba, no litoral do Paraná, e se instalaram no Museu, em Paranaguá, para realizar consultas na sua biblioteca. O Museu de Arqueologia e Etnologia pertencia ao Departamento de Antropologia, com a Reforma Universitária se transformou em órgão suplementar da UFPR. O MAE está subordinado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. A verba destinada às atividades do Museu é pequena. Há falta de funcionários, antropólogos, arqueólogos, especialistas em cultura popular e museólogo. 20. O professor José Loureiro Fernandes aposentou-se de suas funções acadêmicas em 1968, tendo se dedicado durante a década de 1970 à preservação do Monumento e suas coleções, e às atividades científicas, culturais e de pesquisa realizadas no Museu. Foi incansável na sua luta por recursos financeiros, contratação de pessoal, para que o Museu cumprisse o seu papel de órgão de ensino, pesquisa, de intercâmbio e preservação do patrimônio cultural, artístico, etnográfico e arqueológico da UFPR. 21. ROCHA, Regina. Prof. Loureiro Fernandes: os últimos tempos. Depoimento prestado no Seminário Comemorativo do Centenário do prof. José Loureiro Fernandes, Número Especial da Revista do CEPA, v.3, 2005. Curitiba.

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Os seus diretores 22 e funcionários 23 têm se dedicado à preservação do Monumento, à divulgação de seus acervos e a organizar exposições temporárias e permanentes. Têm procurado manter viva a biblioteca 24 e fazer intercâmbio com outras instituições. São realizados convênios com outros órgãos e com setores da Universidade para o desenvolvimento de pesquisas no litoral paranaense. A administração do MAE tem promovido cursos de extensão universitária nos diversos campos da Antropologia, que são realizados por estudantes da UFPR, membros da comunidade, professores e alunos da Faculdade de Filosofia de Paranaguá. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e o Departamento de Antropologia mantêm um termo de cooperação

Vista do pátio interno do Museu de Antropologia e Etnologia/UFPR, 2000. Acervo: Cecília Helm. 22. Consultar os Relatórios anuais das ex-diretoras Anamaria Bonin (1998—1999) e Cecília Maria Vieira Helm (2002—2002), arquivados na Secretaria do MAE. 23. Consultar o Relatório Geral da Supervisão do MAEP no período de junho a dezembro de 1998 sobre “Problemas de Risco no Monumento” produzido pelo supervisor técnico Luiz Carlos Alves, por solicitação da então diretora do MAE, profa. Anamaria Bonin. 24. A Biblioteca do MAE, organizada pelo prof. Loureiro Fernandes, tem no seu acervo obras raras doadas pelo seu fundador. Na atual administração da UFPR, foi transferida para Curitiba, para ser atualizada a catalogação dos livros, das coleções de revistas, e está acomodada na Biblioteca Geral da UFPR, uma vez que o MAE se encontra fechado para reformas.

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com o MAE para intercâmbio de especialistas e realização de pesquisas e cursos no litoral. O Edifício do Museu necessita de uma revitalização, encontrase fechado à visitação pública desde 2005, devido a problemas na sua cobertura e infiltrações em suas paredes. Não têm sido realizados cursos, palestras, exposições dentro da programação anual. No Museu, realizaram pesquisas vários estudiosos nacionais e estrangeiros. Também a convite do mestre Loureiro Fernandes, em 1962, o imortal Poty Lazzarotto, artista plástico, desenhou um belíssimo painel que retrata os índios Xetá25 da Serra de Dourados, que está em exposição e faz parte do notável acervo do MAE/UFPR. O DEPARTAMENTO

DE

ANTROPOLOGIA

O Departamento de Antropologia foi criado e dirigido, durante vários anos, pelo professor dr. José Loureiro Fernandes e pertencia à antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná. Em 1958, foi instalado no Edifício da FFCL, construído na administração do prof. dr. Flávio Suplicy de Lacerda, então reitor da UFPR. O professor Loureiro Fernandes dirigiu o 25. O painel foi cortado em quatro pedaços em administração anterior, em 1995, sendo restaurado em 2002, devido ao empenho da profa dra. Cecília Helm, então diretora do MAE, que obteve o necessário apoio financeiro da Funpar/ UFPR, dirigida pelo prof. Mário Pederneiras, para ser restaurado o magnífico trabalho de Poty, que pertence ao acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia, MAE/ UFPR. O painel foi restaurado e depositado no MAE em 23 de abril de 2002, em evento realizado no auditório do MAE, organizado pela profa. Cecília Helm, e que contou com a presença de autoridades universitárias, como a pró-reitora de Extensão e Cultura, dra. Maria José Justino, o irmão do imortal Poty, pessoas ilustres da comunidade de Paranaguá, como o dr. Mauro Maranhão, o antropólogo dr. Sílvio Coelho dos Santos, da UFSC, o dr. Igor Chmyz, diretor do CEPA, que fez uso da palavra, para enaltecer a contribuição do prof. Loureiro Fernandes e dizer da importância e da beleza da obra de Poty para o MAE, a antropóloga Maria Fernanda Maranhão, do Museu Paranaense, funcionários do MAE que se empenharam para que o painel fosse recuperado e voltasse para o acervo do Museu. Durante o período em que a profa. Anamaria Bonin dirigiu o MAE, foi produzido, em 1999, um documento pela profa. Márcia de Andrade Kersten, em colaboração com Márcia Rosatto e Patrícia Souza, com a finalidade de “Recuperação do acervo do MAE/UFPR”, que tratou especificamente sobre os “Retratos dos Xetá”, por Poty Lazzarotto. O estudo e o laudo técnico elaborados para a recuperação da obra foram acompanhados por uma proposta orçamentária aprovada na administração da então diretora do MAE, dra. Cecília Maria Vieira Helm.

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Formatura dos bacharéis de Ciências Sociais/UFPR, 1959. Ao centro, prof. dr. José Loureiro Fernandes, paraninfo da turma de 1959. A seu lado, Cecília Helm. Acervo: Cecília Helm.

Departamento de Antropologia de 1958 a 1968, quando solicitou sua aposentadoria da condição de professor fundador da Cátedra de Antropologia na Universidade do Paraná. Também dirigiu o Instituto de Pesquisas da então Faculdade de Filosofia, desde 1952 (HELM et al., 1988). O prof. Loureiro Fernandes acompanhou o desenvolvimento da Antropologia no País e no exterior, participou ativamente da institucionalização da Associação Brasileira de Antropologia, manteve intercâmbio com outras universidades e órgãos de pesquisa, e elaborou os programas das disciplinas, de acordo com as teorias antropológicas em moda nas décadas de 1950 e 1960. O antropólogo Loureiro Fernandes, com dedicação, organizou o Departamento de Antropologia, no 6º andar do Edifício D. Pedro I, dividiu os espaços, desenhou móveis, painéis, distribuiu as salas de aula e os gabinetes dos professores, da direção, os laboratórios, o anfiteatro para palestras e seminários, com equipamento para projeções de filmes, slides, o salão de exposições temporárias, que exibia ao público temas da cultura popular, artefatos e tradições das sociedades e culturas indígenas, biblioteca especializada, depósito para as peças dos acervos, sala climatizada para conservação das fitas gravadas, fotografias e filmes | 99 |


produzidos sobre os povos indígenas no Paraná, temas de cultura popular e tantos outros investigados pelos pesquisadores do Departamento de Antropologia (HELM, 2005). Os professores Máximo Pinheiro Lima e Eny de Camargo Maranhão foram assistentes do prof. Loureiro Fernandes e colaboravam no ensino da disciplina Antropologia Física. A Etnografia do Brasil era ministrada por Loureiro Fernandes e Valderez de Souza Mueler. O prof. Loureiro Fernandes introduziu a disciplina Arqueologia Pré-Histórica, até que este campo do conhecimento passou a ser de responsabilidade do prof. dr. Igor Chmyz. A professora Maria José Menezes, secretária do Departamento, fez cursos de Arqueologia e participou de pesquisas de campo, sendo contratada para auxiliar no ensino dessa matéria. A profa. Maria de Lourdes Muniz também colaborou com o prof. Loureiro Fernandes, ministrando a Antropologia Cultural. O prof. José Wilson Rauth realizou pesquisas em Arqueologia no litoral do Paraná, estimulado pelo dr. Loureiro, e ministrou aulas de Aspectos Antropológicos da Realidade Brasileira no Curso de Geografia, após a reforma universitária. A professora Cecília Maria Vieira Helm foi instrutora de ensino voluntária do Departamento de Antropologia, auxiliando o professor Loureiro Fernandes a dirigir seminários e colaborou em suas aulas práticas. Em abril de 1963, depois de realizar o Curso de Especialização em Antropologia Social, no Museu Nacional, de responsabilidade do ilustre antropólogo dr. Roberto Cardoso de Oliveira, durante doze meses, e de participar de pesquisa de campo entre os Tukuna, no Alto Solimões (AM), foi contratada como auxiliar de ensino da Cadeira de Antropologia. Até a aposentadoria do professor Loureiro Fernandes, atuou como auxiliar de ensino, sendo responsável pelas disciplinas Antropologia Social e Etnologia Indígena26. Com a aposentadoria do professor Loureiro Fernandes, foi indicado o prof. Pinheiro Lima para dirigir o Departamento de 26. No Museu Nacional, em 1963, sob a orientação do dr. Roberto Cardoso de Oliveira, Helm elaborou o Projeto Kaingang, apresentado como trabalho final do Curso de Especialização em Antropologia Social, desenvolvido entre os Kaingang localizados no interior do Estado do Paraná.

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Antropologia. Durante o período em que o prof. dr. Brasil Pinheiro Machado dirigiu a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a profa. Cecília Helm foi nomeada, em 1970, para reger a disciplina Antropologia e chefiou o Departamento de Antropologia. Com a reforma universitária, após 1970, a Cátedra foi abolida. Foi criado o cargo de professor titular, sendo necessária a contratação de novos auxiliares de ensino no Departamento de Antropologia: o prof. Ruben César Keinert, a profa. Marília de Carvalho, a profa. Veraluz Cravo, a profa. Jungla Maria Pimentel, a profa. Maria Lígia Pires, a profa. Maria Cecília Costa e a profa. Zulmara Clara Posse, que colaboraram em atividades de ensino, devido à incorporação das disciplinas de Antropologia em vários cursos da UFPR e à pesquisa, que se expandiu em novas linhas temáticas. Mais tarde, contribuíram com a chefia na organização e implantação do Curso de Especialização em Antropologia Social da UFPR em 197227. Os professores do Departamento de Antropologia passaram a realizar e pôr em prática todas as exigências da reforma universitária na década de 1970. Foram criadas novas disciplinas, e as diversas áreas e subáreas de Antropologia atenderam às solicitações dos cursos do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Ocorreu uma significativa expansão do ensino de Antropologia e das linhas de pesquisa. Passaram a ser ministradas as disciplinas: Sociedades Complexas, Antropologia Urbana, Sociedades Camponesas, Minorias Étnicas e Identidade, Cultura Brasileira, Antropologia Econômica, Metodologia da Pesquisa Antropológica, História da Antropologia Brasileira, Teoria Antropológica I e Teoria II, além das disciplinas Etnologia Indígena, Antropologia Social, com ênfase nos estudos sobre Organização Social e Parentesco, e Arqueologia Pré-Histórica. 27. A profa. Cecília Helm era a chefe do DEAN. Junto com a equipe de professoras de Antropologia Social, criou o projeto do Curso de Especialização em Antropologia Social, que foi aprovado no Conselho de Ensino e Pesquisa. Cecília Helm acumulou a coordenação do CEAS com a chefia departamental, até que os auxiliares de ensino realizaram o Curso e obtiveram a qualificação de especialistas em Antropologia Social.

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Os cursos que introduziram as disciplinas ofertadas pelo Departamento de Antropologia foram: Comunicação Social; Filosofia, Psicologia, Letras, Pedagogia, Enfermagem, Desenho Industrial, Educação Artística, Nutrição, Odontologia, Agronomia, Engenharia Florestal, Medicina, Arquitetura e Urbanismo, além dos cursos de Ciências Sociais, Geografia e História, que tradicionalmente incluíram a Antropologia em seu currículo. Em 1973, foram abertos concursos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para o preenchimento dos cargos de professor assistente. No Departamento de Antropologia, prestaram concurso de títulos, prova escrita e prova didática os auxiliares de ensino que faziam parte do corpo docente. A profa. Cecília Maria Vieira Helm, regente da disciplina Antropologia, optou pela realização do concurso a continuar como ocupante de cargo de professor titular, “sem a devida titulação”. As professoras Cecília Maria Vieira Helm, Jungla Pimentel Daniel, Marília de Carvalho e o professor Igor Chmyz foram aprovados no concurso e passaram a ocupar os cargos de professores assistentes do Departamento de Antropologia. Ainda foram contratados para os cargos de auxiliares de ensino: Mary Helena Allegretti, Carmem Broli, Carlos Alberto Balhana, Márcia de Andrade Kersten, Rosângela Digiovanni e Anamaria Aimoré Bonin. A profa. Maria Regina Furtado foi transferida do Museu Cascudo (RN) para a UFPR/DEAN, na década de 1980. Em 1974, foi aberto concurso público para a obtenção do título de livre-docente em Antropologia na Universidade Federal do Paraná. As professoras Maria José Menezes e Cecília Maria Vieira Helm28 realizaram as provas de títulos, escrita, didática e defesa de tese, e obtiveram o título de professor livre-docente de Antropologia. O cargo de professor titular do Departamento de Antropologia estava vago desde a aposentadoria do prof. Loureiro Fernandes. 28. A tese de concurso público para a obtenção do título de livre-docente em Antropologia da profa. Cecília Maria Vieira Helm tratou sobre A integração do índio na estrutura agrária do Paraná: o caso Kaingang, apresentada e defendida em 1977 na UFPR.

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Em solenidade na Reitoria da UFPR, a profa. Cecília Helm recebe o diploma de professora titular, Departamento de Antropologia/UFPR, Curitiba, 2004. Acervo: Cecília Helm.

Somente em 1977, foi aberto o concurso, na área de Antropologia Brasileira. O concurso para professor titular determinava a realização das provas de títulos, de defesa de tese, escrita e didática. Inscreveu-se e realizou o concurso a profa. dra. Cecília Maria Vieira Helm29, que ocupava a chefia do Departamento. Participaram da banca examinadora os saudosos professores Luiz de Castro Faria, Brasil Pinheiro Machado, Herley Mehl e os ilustres antropólogos prof. dr. Roberto Cardoso de Oliveira e prof. dr. Roque de Barros Laraia. No Departamento de Antropologia, predominavam as pesquisas sobre as relações entre índios e não índios, com ênfase na situação de contato engendrada pelas relações interétnicas. Os conflitos gerados foram interpretados com fundamento nos conceitos de fricção interétnica e de identidade 29. A tese de concurso para professor titular do SCHLA/UFPR elaborada e defendida pela profa. dra. Cecília Maria Vieira Helm tratou sobre O índio camponês assalariado em Londrina: relações de trabalho e identidade étnica. Curitiba; UFPR, 1977.

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étnica 30 formulados pelo dr. Roberto Cardoso de Oliveira (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1964; 1978). A profa. Cecília Helm elaborou, na década de 1960, o seu projeto de pesquisa sobre os Kaingang, desenvolvido nas aldeias indígenas localizadas no interior do Paraná, sendo auxiliada por estagiários do Departamento e alunos do Curso de Ciências Sociais.

A antropóloga Cecília Helm entrevista o líder Kaingang João Morais, P. I. Manoel Ribas, PR. Acervo: Cecília Helm.

Recebeu o apoio do Conselho de Ensino e Pesquisa para fazer as viagens às terras indígenas. O primeiro censo sobre a população Kaingang distribuída nas aldeias e fazendas no Paraná foi levantado pela pesquisadora e seus colaboradores, sendo divulgado, em seu trabalho A integração do índio na estrutura agrária do Paraná: o caso Kaingang (HELM, 1974). Os trabalhos escritos e publicados foram inspirados nos conceitos de fricção interétnica e de identidade étnica de Cardoso de Oliveira, como foi registrado acima. 30. Em 1977, foi realizada uma pesquisa na Terra Indígena Apucarana para estudar a identidade étnica entre os Kaingang, que tratou sobre as representações desses índios sobre a sociedade nacional, sobre os Guarani e a situação dos Kaingang inseridos no mercado de trabalho. A tese elaborada para o concurso de professor titular de Antropologia na UFPR abordou as relações de trabalho e identidade étnica entre os Kaingang do norte do Paraná. Na Revista Estudos Brasileiros, da Universidade Federal do Paraná, foi publicado o artigo de Helm: Identidade étnica entre os índios Kaingang, volume 4, nº 7, 1979; e na Revista História: Questões e Debates da APAH, em 1984, foi publicado o artigo de Helm: Depoimentos de índios Kaingang sobre o trabalho volante que realizam no Paraná agrário.

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Para realizar as suas pesquisas entre os Kaingang e os Guarani, Helm precisou solicitar autorização dos dirigentes do Serviço de Proteção aos Índios na sede da delegacia, em Curitiba. No período em que o indigenista Dival José de Souza chefiava a Inspetoria, não encontrou problemas para ingressar nos Postos Indígenas, hoje denominados Terras Indígenas. Um veículo da frota da UFPR era cedido para as viagens a campo.

O indigenista Dival José de Souza sendo entrevistado em 2004 pela antropóloga Cecília Helm, Curitiba. Acervo: Cecília Helm.

No governo militar, os antropólogos eram vistos com desconfiança pelos dirigentes do SPI/Funai. Foram criadas normas dentro da estrutura burocrática para dificultar a entrada de pesquisadores nas áreas indígenas. Apesar dos entraves, foi possível realizar pesquisas em todos os Postos Indígenas localizados no Paraná. Em cada terra indígena, com o auxílio de líderes indígenas, de professores e pessoas da comunidade empenhadas em colaborar com a pesquisadora, foram levantados dados etnográficos, elaboradas genealogias e aplicado um formulário com a finalidade de ser realizado o censo populacional. Fora das aldeias, eram entrevistadas pessoas da comunidade local, autoridades municipais que discorriam sobre a situação dos índios dentro da ótica do não índio. A preocupação com o destino dos povos indígenas, com a expropriação das terras ocupadas tradicionalmente pelos Kaingang | 105 |


e Guarani, conduziram a investigação, no sentido de privilegiar o estudo das relações de conflito entre índios e não índios, inseridos na situação histórica do contato. No CEPA, dirigido pelo prof. Igor Chmyz, têm sido realizadas pesquisas nos sítios arqueológicos localizados no litoral e no interior do Paraná. No laboratório e em pesquisas de campo, foram treinados inúmeros pesquisadores que passaram a colaborar com o prof. Igor Chmyz. Muitos especialistas foram convidados a ministrar cursos e realizar pesquisas no Paraná. A área de Salvamento Arqueológico se tornou uma especialidade que envolve os membros do CEPA em consultorias contratadas, devido à implantação de projetos hidrelétricos. Convênios foram assinados, inclusive com instituições estrangeiras. Várias publicações fazem parte do acervo do CEPA. O conjunto de professores do Departamento de Antropologia organizou, na década de 1970, os Textos de Antropologia, para uso dos estudantes e foram reproduzidos trabalhos de alguns clássicos que se encontravam esgotados. Depois da reforma universitária, foram elaborados projetos de pesquisa nas linhas de Antropologia Urbana, Antropologia das Sociedades Camponesas, Movimentos Sociais no Campo, Movimentos Políticos Indígenas, Relações Intertribais e Interétnicas, Memória Indígena, Projetos Hidrelétricos e Povos Indígenas. Foram estudados grupos de colonos e pescadores, sob a ótica de sua inserção na economia capitalista, e desenvolvidas pesquisas entre grupos de imigrantes poloneses e sírio-libaneses. De acordo com Marília Carvalho31, grupos urbanos também foram objeto de pesquisas antropológicas no DEAN. Projeto de pesquisa desenvolvido pela profa. Jungla Daniel sobre as condições materiais de vida de operários aposentados revelou a difícil situação econômica em que passam a viver após 35 anos de trabalho. São obrigados a retornar ao mercado para complementação da renda da família. 31. CARVALHO, Marília. Duas décadas e meia de Antropologia na UFPR. Depoimento prestado na Universidade Federal do Paraná por ocasião da Comemoração dos 50 Anos/ABA, em 16/6/05, Curitiba, 2005.

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Outra investigação tratou sobre os catadores de papel na cidade de Curitiba e como percebem a si e aos outros. Grupos populares de baixa renda foram pesquisados pelas professoras Marília Carvalho e Veraluz Cravo, inclusive o extinto Beco do Diabo, situado em área urbana de Curitiba. A pesquisa revelou as condições de vida de famílias matrilocais que constroem relações de reciprocidade e solidariedade específicas na cidade e desenvolvem valores familiares próprios de mulheres que criam os filhos sem a presença do pai. O relato da profa. Marília Carvalho informa sobre a pesquisa realizada sobre relações familiares de camadas médias de Curitiba. A investigadora Rosângela Digiovanni procurou compreender as transformações pelas quais vem passando a família, como instituição, a partir da ótica de pessoas descasadas e recasadas. A pesquisa resultou em uma etnografia do casamento (CARVALHO, 2005). A profa. Maria Lígia Pires estudou as relações intratribais e interétnicas entre os Kaingang e Guarani da Terra Indígena Mangueirinha, PR e elaborou projeto de pesquisa sobre a memória indígena, em parceria com pesquisadores do Museu Paranaense, na década de 1980. Outra modalidade de pesquisa desenvolvida pela profa. Maria Cecília Costa tratou sobre o Congresso Nacional. O trabalho de campo foi realizado em Brasília, onde os parlamentares constroem sua carreira política. A pesquisa de Costa revelou os rituais do Congresso e os caminhos que devem ser seguidos para a aceitação de novos parlamentares, e a manutenção das posições de prestígio dos antigos deputados. Foram realizadas pesquisas sobre os movimentos sociais rurais no Paraná, movimentos e ritos do MST, e estudo etnográfico do acampamento Vitória da União. Sobre os hábitos alimentares, realizaram–se trabalhos de investigação desenvolvidos pela profa. Anamaria Bonin. O patrimônio cultural no Brasil e no Paraná foi o tema de pesquisa realizada pela profa. Márcia de Andrade Kersten32. É importante registrar que, em 1988, foi lançado o Boletim de 32. KERSTEN, M. Os rituais de tombamento e a escrita da história. Curitiba: Ed. UFPR, 2000.

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Antropologia, que publicou os resultados das pesquisas desenvolvidas pelo corpo docente do Departamento de Antropologia. No final da década de 1970, a profa. Cecília Helm recebeu uma carta-convite do saudoso dr. Guillermo Bonfil Batalla, Diretor de CIS-INAH, para realizar um estágio pós-doutoral no Centro de Investigaciones Superiores del Instituto Nacional de Antropología e Historia/INAH, na Cidade do México, D.F., durante doze meses. No CIS-INAH, hoje Ciesas, participou de Seminários Avançados em Antropologia Política e Minorias Étnicas na América Latina. Desenvolveu novo projeto de pesquisa 33 sobre movimentos políticos indígenas no Paraná34, que teve o apoio do CNPq. Desse projeto, resultaram artigos, comunicações apresentadas em Reuniões da ABA e um capítulo do livro Movimentos sociais no campo35, que tratou sobre Movimentos indígenas: o caso paranaense (HELM, 1987). A partir da década de 1980, foram desenvolvidos estudos sobre as conseqüências sociais dos grandes projetos para os povos indígenas no Sul do Brasil, na Universidade Federal de Santa Catarina, sob a coordenação do dr. Sílvio Coelho dos Santos. A profa. Cecília M. V. Helm foi convidada a fazer parte da equipe do Projeto apoiado pela UFSC e Eletrosul. Através de um termo de colaboração entre a UFPR e a UFSC, Helm participou do Projeto e ministrou aulas na Pós-Graduação em Antropologia Social criada na UFSC, sem prejuízo de suas atividades no Departamento de Antropologia da UFPR. Devido à sua aposentadoria, solicitada em 1990, Helm aceitou participar das atividades do PPGAS/UFSC, dirigido pelo dr. 33. O Projeto de Pesquisa sobre os Movimentos políticos indígenas no Paraná foi inspirado no trabalho de BONFIL BATALLA. El pensamiento político de los indios en América Latina, Anuário Antropológico/, 79. Direção: R.C. de Oliveira, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro. 34. O Projeto sobre os Movimentos Políticos Indígenas foi desenvolvido junto com os líderes indígenas localizados no Paraná. Ocorreram várias reuniões nas aldeias e em cidades como Curitiba, Londrina, Guarapuava e Florianópolis. O ensaio “Movimiento Indígena en el Sur de Brasil” de Helm, publicado pela Revista Con-textos Universidad Nacional de Misiones, Misiones, Argentina, 1993, resultou desse projeto. 35. ONIN et al. (Org.) Movimentos Sociais no campo. Curitiba: Criar; Editora da UFPR, 1987.

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Sílvio Coelho dos Santos, na condição de professor visitante e dar continuidade às pesquisas desenvolvidas sobre hidrelétricas e povos indígenas no Sul do Brasil, da qual resultaram várias publicações36. As pesquisas realizadas pela equipe do IPARJ, no Rio de Janeiro, os relatórios elaborados e divulgados, e o conceito de impactos globais desenvolvido pelos estudiosos foram utilizados para fundamentar os textos produzidos na UFSC. A contribuição de Gustavo Lins Ribeiro, que formulou o conceito sobre projetos de grande escala37, serviu para aprimorar as reflexões sobre as conseqüências sociais e ambientais dos grandes projetos de desenvolvimento. Na Universidad Nacional de La Plata, Argentina, para atender ao convite dos antropólogos Maria Rosa Catullo (UNLP), Alejandro Balazot (UBA) e Juan Radovich (UBA), que trabalham com a linha de pesquisa dos Projetos de Grande Escala, foram realizados seminários em 2000, apresentados pelas profas. Cecília Helm e Maria José Reis, através de cooperação estabelecida entre a UFSC e a UNLP. Recentemente, devido aos problemas decorrentes da invasão das terras indígenas no Sul do Brasil, notadamente no Estado do Paraná, nova modalidade de pesquisa/perícia antropológica tem sido realizada pelos antropólogos, com o apoio da ABA e da Procuradoria Geral da República, e do Ministério Público Federal (MPF)38. Nas terras indígenas de Mangueirinha e Boa Vista, PR, por solicitação da Funai, com o apoio do MPF, foram realizadas 36. SANTOS, (Coord.); RAMOS; HELM; HALFPAP; NACKE. Projeto Uruguai: conseqüências da construção da Barragem Machadinho para os índios do P.I. Ligeiro (RS). Florianópolis, UFSC, 1980; HELM. A terra, a usina e os índios do P.I. Mangueirinha. In: SANTOS (Org.) O índio perante o Direito. Florianópolis; Editora da UFSC, 2001; HELM, C. Povos indígenas e projetos hidrelétricos no Estado do Paraná, Análise ambiental e usinas hidrelétricas: uma visão multidisciplinar. Londrina: Editora da UEL; HELM. Kaingang e Guarani da terra indígena Mangueirinha e a Usina Hidrelétrica de Salto Santiago no Rio Iguaçu, PR. In: SANTOS (Org.) Hidrelétricas e Populações Locais. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001; HELM. Povos Indígenas e Projetos Hidrelétricos no Rio Tibagi. Antropología y Grandes Proyectos en el Mercosur. In: BALAZOTE y CATULLO (Orgs.) Argentina: Minerva, 2001. 37. LINS RIBEIRO. Empresas transnacionais: um grande projeto por dentro. São Paulo: Marco Zero e Anpocs, 1991. 38. SILVA, LUZ e HELM. (Orgs.) A Perícia Antropológica em Processos Judiciais, São Paulo: Editora da UFSC/ABA, Comissão Pró-Índio, 1994.

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perícias antropológicas de responsabilidade da profa. Cecília Helm. Em 1995, foi nomeada perita pelo dr. Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Curitiba para apresentar laudo antropológico sobre a acirrada disputa de terras em que estavam envolvidos os povos indígenas Guarani e Kaingang da T.I. Mangueirinha e F. Slaviero e Filhos S.A. Indústria e Comércio de Madeiras e Outros. O grupo empresarial de madeireiros que invadiu a parte central da T.I. Mangueirinha, devido à “compra” dessas terras, que foram adquiridas pelo grupo Forte Neto no governo do Senhor Moysés Lupion, em 1949, disputava na Justiça as terras da União, ocupadas tradicionalmente pelos indígenas. Ocorreu um acordo entre o governo estadual, a Fundação de Terras e Colonização do Estado do Paraná e o governo federal, através do antigo Serviço de Proteção aos Índios, com a finalidade de reduzir as terras indígenas. O laudo antropológico elaborado por Helm 39 e o laudo antropológico complementar realizados em 1995 e 1996, fazem parte do processo que se encontra na Justiça Federal, na 7ª Vara Federal de Curitiba/PR. Em 16 de dezembro de 2006, o brilhante juiz federal dr. Mauro Spalding redigiu e publicou a sentença judicial favorável aos oponentes no processo: os índios da terra indígena Mangueirinha, representados pela Funai e contra os opostos, F. Slaviero e Outros40. O Departamento de Antropologia se envolveu na organização da XV Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em Curitiba, nas instalações do Edifício D. Pedro I, em 1986. Por solicitação do prof. dr. Roberto Cardoso de Oliveira, então presidente da ABA, a profa. Cecília Maria Vieira Helm coordenou a organização do evento. A equipe de professores e estagiários do Departamento de Antropologia não mediu esforços para que a reunião fosse realizada com sucesso. A profa. Veraluz Cravo, chefe do DEAN41, 39. Trata-se dos documentos, “Laudo antropológico” e “Laudo antropológico complementar”, elaborados pela perita dra. Cecília Maria Vieira Helm, em 1995 e 1996, por determinação da Justiça Federal, 2ª Vara Federal, Curitiba. 40. A sentença foi lavrada em 16 de dezembro de 2005 pelo dr. Mauro Spalding, juiz federal da 7ª Vara Federal, Curitiba. 41. De acordo com o relato da profa. Veraluz Cravo, que organizou os Anais da XV Reunião da ABA, ocorreram 615 inscrições, seis mesas-redondas e 22 grupos de trabalho.

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reuniu o material apresentado e discutido na referida reunião e publicou os Anais da XV Reunião. Também o Departamento de Antropologia, através de seu corpo docente, e de seus alunos de graduação e do Curso de Especialização em Antropologia Social, participou das Reuniões de Antropologia do Sul do Brasil, realizadas nos três Estados do Sul. As reuniões passaram a integrar os países do Mercosul, e uma das reuniões foi realizada em Curitiba, em 2001, com o apoio dos membros do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e Departamento de Antropologia da UFPR. O corpo docente do Departamento de Antropologia participou ativamente da programação cultural e científica do evento. Foram apresentadas, nos grupos de trabalho, várias comunicações sobre temas que estão sendo tratados na Antropologia que se produz no Brasil e no exterior. Antropólogos de universidades vizinhas participaram dando suas contribuições, notadamente da Universidad Nacional de La Plata, Argentina. A professora Cecília M. V. Helm foi homenageada em Sessão Magna do Conselho Universitário com a entrega do diploma de Professora titular da UFPR, outorgado pelo magnífico reitor doutor Carlos Augusto Moreira Júnior, em 17 de dezembro de 2004, no Teatro da Reitoria, em solenidade comemorativa dos 92 anos de Fundação da UFPR. No final da década de 1980, foi criado o Curso de Mestrado em Antropologia Social, que se transformou no Programa de PósGraduação em Antropologia Social. Apesar das dificuldades iniciais, principalmente devido às aposentadorias dos professores que tinham a necessária titulação para fazer parte do corpo docente do Programa, foram realizadas novas contratações de jovens doutores que prestaram concurso no Departamento de Antropologia, na década de 1990 e a partir do ano 2000. Os membros do PPGAS/UFPR se empenharam para a consolidação do Programa, com suas distintas formações realizadas em centros de Antropologia localizados no Brasil e em universidades estrangeiras. Permanecem colaborando com as atividades do Programa a profa. aposentada Cecília Helm, apoiada pelo CNPq, através de uma bolsa de Produtividade em | 111 |


Pesquisa, e o prof. Igor Chmyz, que integra o DEAN e o CEPA. A história do Programa, a partir de 1990, e a contribuição para a Antropologia produzida no Brasil ainda devem ser registradas e interpretadas pelos antropólogos que fazem parte hoje do Departamento de Antropologia. A avaliação do Programa tem sido realizada por comissões da Capes que visitaram o PPGAS nos últimos quinze anos. A P ÓS –G RADUAÇÃO

EM

A NTROPOLOGIA S OCIAL

NA

UFPR

O Curso de Especialização em Antropologia Social foi criado em 1972, para atender às exigências da reforma universitária, no sentido de formar um corpo de especialistas em Antropologia que atendesse a todas as exigências da reforma que se implantou na UFPR. A profa. Cecília Maria Vieira Helm, que havia realizado, em 1962—1963, o Curso de Especialização em Antropologia Social no Museu Nacional da Universidade do Brasil, elaborou o Projeto do Curso aprovado pelo CEP, passando a coordenar as atividades do CEAS/UFPR. Os auxiliares de ensino do Departamento de Antropologia se inscreveram e realizaram todas as etapas do Curso, e alcançaram a qualificação de especialistas em Antropologia Social. O Curso de Especialização em Antropologia Social do DEAN foi ministrado durante 17 anos, de 1972 a 1989, na UFPR, e cada programa teve a duração de 450 hs. A implantação do CEAS/ UFPR permitiu que fosse dada continuidade ao intercâmbio científico e cultural que o Departamento manteve durante o período em que foi dirigido pelo dr. Loureiro Fernandes. Foi descrito anteriormente que vários especialistas nacionais e estrangeiros visitaram o DEAN, ministraram cursos e realizaram pesquisas no Paraná, a convite do prof. Loureiro Fernandes. Em trabalho elaborado em 198842, ficou registrado que os especialistas Juan Comas, da área de Antropologia Física; Renato Almeida, 42. HELM, KERSTEN e BONIN. O Ensino de Graduação, Pesquisa e Especialização em Antropologia Social. Recife: ABA/CNPq,1988.In: Reunião Nacional sobre Antropologia no Brasil, Ensino, Pesquisa e Mercado de Trabalho, Recife, 1988.

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João Cabral e Valderez Mueler que realizaram estudos sobre o Folclore; Oldemar Blasi, sr. e sra. Emperaire, Altenfelder Silva, de Arqueologia Pré-Histórica; Emílio Willens, Octavio Ianni, de Antropologia Social e Sociologia; Aryon D. Rodrigues e Rosário Mansur Guérios, de Lingüística; Reinaldo Maack, de Geografia Física, e ainda Eduardo Galvão e Herbert Baldus, de Etnologia Indígena ministraram cursos de aperfeiçoamento e realizaram pesquisas que contribuíram para o desenvolvimento da Antropologia no Paraná (HELM et al. 1988). O Curso de Especialização em Antropologia Social (pósgraduação lato sensu), em um primeiro momento, foi de fundamental importância para a formação dos auxiliares de ensino do Departamento de Antropologia. Nesta etapa, a massa crítica que ministrou as disciplinas do Curso era composta de professores convidados que pertenciam aos centros de Antropologia localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, que deram contribuições significativas para a consolidação do campo antropológico na UFPR. Somente os professores Cecília Maria Vieira Helm, Maria José Menezes e Igor Chmyz tinham a titulação necessária para ministrarem disciplinas no programa do curso. A profa. Helm ministrou Antropologia Brasileira, e a profa. Maria José Menezes, Antropologia Biológica. O prof. Chmyz, em programa instituído mais tarde, colaborou com o ensino de Arqueologia Pré-Histórica no CEAS. Nos primeiros anos do Curso, colaboraram com seus ensinamentos os competentes professores: Júlio Cezar Melatti (UnB), Francisca Vieira Keller (Museu Nacional), Sílvio Coelho dos Santos (UFSC), Margarida Andreatta (USP), Maurício Tragtemberg (FGV), Roberto Cardoso de Oliveira (Unb), Roque de Barros Laraia (UnB), Giralda Seyfert (MN) e Lia Machado (UnB). Na fase inicial, foram selecionados 16 candidatos, sendo a maioria do corpo docente da UFPR. De faculdades localizadas em cidades no interior do Paraná, participaram alguns docentes. Do Museu de Antropologia da UFSC, pesquisadores também realizaram o Curso na UFPR. O projeto do Curso, aprovado pelo Conselho Ensino e Pesquisa (CEP/UFPR), definiu prioridades e estratégias, que acompanharam a programação do CEAS: | 113 |


— atendimento à formação especializada e treinamento universitário de professores de outras faculdades da capital e do interior do Estado do Paraná; — atualização de conhecimentos e divulgação de teorias, resultados de pesquisas, promoção de debates, seminários e cursos de extensão sobre as mais diversas tendências e correntes da Antropologia; — contato com outras instituições e centros de ensino e pesquisa em Antropologia Social do País, através de profissionais convidados para ministrar as disciplinas do Curso. Para as professoras Maria Cecília Costa e Rosângela Digiovanni, que foram coordenadoras, em artigo publicado43 para uma avaliação da trajetória do Curso, o resultado mais concreto dessa primeira fase foi que o Curso constituiu etapa obrigatória para os professores do Departamento de Antropologia, antecedendo à inscrição em cursos de pós-graduação stricto sensu e à titulação como mestres (COSTA e DIGIOVANNI, 1988). Em 1978, a coordenação do Curso de Especialização em Antropologia Social enfrentou dificuldades financeiras para dar continuidade à sua programação, que necessitou ser aprovada pelo CEP/UFPR. O intercâmbio de professores ficou bem reduzido, e os docentes do Departamento de Antropologia passaram a assumir as disciplinas do CEAS. Na década de 1980, ocorreu uma reestruturação do Curso, descrita por Costa e Digiovanni, em que a Capes passou a subsidiar a programação do CEAS. Na terceira fase, são apontadas três etapas: — uma área de concentração em Teoria Antropológica e História da Antropologia; — uma segunda que compreende quatro grandes módulos: Arqueologia, Antropologia das Sociedades Tribais, Antropologia das Sociedades Rurais e Antropologia das Sociedades Complexas; — um módulo sobre técnicas e metodologia da pesquisa. Na interpretação de Costa e Digiovanni, a reestruturação do 43. COSTA, Maria Cecília; DIGIOVANNI, Rosângela. Curso de Especialização em Antropologia Social: notas para uma avaliação de sua trajetória. In: Boletim de Antropologia,n.8, Curitiba: Nova Série, 1988.

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Curso de Especialização em Antropologia Social/UFPR ocorreu junto com a reformulação das disciplinas do Departamento de Antropologia ofertadas para os cursos de graduação. A nova fase foi marcada por uma sensível modificação no perfil de sua clientela. Anteriormente, o recrutamento de alunos ocorreu entre professores universitários e graduados em Ciências Sociais. A partir da terceira fase, os candidatos que se apresentaram foram profissionais experientes: médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, engenheiros, arquitetos, pesquisadores ou recémgraduados nos mais diversos cursos da Universidade, como Geografia, Comunicação Social e Filosofia. O Curso de Especialização em Antropologia Social/UFPR cumpriu o seu papel de contribuir para a formação de seu corpo docente, de estimular a pesquisa nas áreas do conhecimento antropológico e de realizar o intercâmbio entre professores e pesquisadores dos cursos de pós-graduação em Antropologia instalados no País. A implantação dos cursos de pós-graduação em Antropologia no Brasil, especialmente na Região Sul, serviu para incentivar as atividades de pesquisa dentro de critérios rígidos, e os resultados têm sido apresentados em reuniões da ABA, que congregam grande número de especialistas e de estudantes que participam de seus encontros bianuais. Todos estes fatos contribuíram para a consolidação do campo da Antropologia no Brasil. A avaliação que a ilustre antropóloga Eunice Durham fez, em 1980, sobre a pesquisa no Brasil no campo da Antropologia se constitui em importante fonte de consulta para os antropólogos que têm realizado comparações e tratado sobre o desenvolvimento da Antropologia. A dra. Paula Monteiro, em bem fundamentada reflexão sobre a “Antropologia no Brasil: tendências e debates”44, recorre à profa. Eunice para informar que, “[...] na década de 1970, a Antropologia conquistava expressivo prestígio acadêmico no âmbito das 44. MONTEIRO, Paula. Antropologia no Brasil: tendências e debates. In: TRAJANO FILHO e RIBEIRO (Orgs.). O Campo da Antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: Contra-Capa/ABA, 2004.

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Ciências Sociais e experimentava, como todo o ensino superior, fase de grande expansão”. Tece comentários sobre a consolidação institucional da Antropologia no eixo São Paulo-Rio de Janeiro e sua expansão para Brasília e alguns Estados do Sul: Paraná e Santa Catarina. Na sua criteriosa análise, a expansão da pesquisa para os Estados do Sul, a partir de 1980, se consolida com a fundação de programas em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e, posteriormente, no Paraná. Informa que, dos dez programas de pós-graduação em Antropologia credenciados pela Capes, sete estão nessa região (MONTEIRO, 2005). De acordo com o prof. Roberto Cardoso de Oliveira, em seu ensaio O que é isso que chamamos Antropologia Brasileira?, “[...] na história da Antropologia no Brasil é impossível deixarmos de nos defrontar com uma evidência: de que a disciplina conhecida por Etnologia sempre primou por definir-se em função de seu objeto, concretamente definido como índios, negros e brancos”. Explica que em razão da preponderância do objeto real sobre objetos teóricamente construídos, surgiram duas tradições no campo da Antropologia Brasileira. A primeira tradição que, segundo Cardoso de Oliveira, aparece com mais vigor é a da Etnologia indígena, sendo a segunda a da Antropologia da Sociedade Nacional (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988). É importante registrar que as áreas de investigação não podem mais ser tratadas em termos de Etnologia Indígena e Antropologia das Sociedades Complexas, recentemente se expandiram. Têm ocorrido significativas mudanças na Antropologia produzida no Brasil, e em universidades estrangeiras. A Antropologia desenvolvida no Paraná em universidades públicas, privadas e em instituições de pesquisa se diversificou. Ainda que a linha Etnologia Indígena apareça nos Programas de Pós-Graduação, há forte presença da Antropologia da Sociedade Nacional com variadas denominações e tendências. Há uma ênfase nos temas como Antropologia Urbana, do Poder, da Religião e do Simbólico (MONTEIRO, 2005, apud SCHWARCZ, 2002). | 116 |


De acordo com a profa. Eunice Durham, as pesquisas sobre a sociedade nacional tinham uma nítida preferência por temas políticos, com a preocupação de estudar os grupos socialmente desprivilegiados, econômica e politicamente oprimidos, assim como os movimentos sociais de protesto dessa população. As pesquisas realizadas por antropólogos da UFPR, até 1990, estiveram envolvidas com os problemas dos conflitos entre sociedades indígenas e não indígenas, entre camponeses sem terra e fazendeiros, a luta pela terra se constituiu em tema de várias pesquisas, as desigualdades sociais foram focalizadas. Se for realizada uma análise dos temas tratados pela Revista de Antropologia Social Campos, publicação do Programa de PósGraduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Paraná, se pode constatar a atualidade das contribuições teóricas, sejam nacionais, sejam de pesquisadores estrangeiros. Se a pesquisa for feita nas programações e nos Anais de Reuniões da ABA, nos últimos vinte anos, se percebem a diversidade de temas tratados pelos antropólogos e as diferentes linhas de pesquisa que estão sendo desenvolvidas nos Programas de Pós-Graduação. O Curso de Especialização em Antropologia Social/UFPR, que foi criado em 1972 para atender à necessidade dos professores do Departamento de Antropologia de realizarem a sua pósgraduação, se transformou, em 1999, no Programa de PósGraduação, em nível de Mestrado, que, apesar de suas dificuldades iniciais, tem boa qualificação, o seu corpo docente é formado de especialistas de várias linhas de pesquisa, os núcleos de pesquisa têm se destacado por uma atuação dinâmica, as monografias produzidas revelam o interesse pelos problemas locais, regionais, e são raras as que tratam de temas que atravessam as fronteiras. Há um diálogo com outras áreas do conhecimento científico que enriquece a produção de professores e alunos do Programa. A história do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFPR está a exigir um esforço de avaliação que leve em conta a história do Departamento de Antropologia, sua especificidade, sua articulação com outras instituições, sua contribuição para o campo da Antropologia no Paraná e no Brasil. | 117 |


Este capítulo sobre a “História da Antropologia no Paraná: os seus personagens e os fatos ocorridos” deve ser entendido como uma primeira contribuição para o resgate dessa história.

Solenidade de abertura dos 50 anos da ABA no Paraná. Ao centro: profa. dra. Maria Tarcisa Bega, vice-reitora da UFPR; profa. Vera Mussi, secretária de cultura do Estado do Paraná e antropológos do Departamento de Antropologia, UFPR. Acervo: Cecília Helm.

OS 50

ANOS DA

ABA

NA

UFPR,

EM

CURITIBA

Para atender ao honroso convite da diretoria da ABA, os professores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFPR se empenharam em 2005 em bem organizar um evento sobre os 50 anos da ABA em Curitiba. As comemorações foram realizadas em 16/abr./2006, na parte da manhã, no edifício D. Pedro I, no salão nobre da Faculdade de Educação da UFPR, à tarde, na sala dr. José Loureiro Fernandes, no prédio do Museu Paranaense, da Secretaria de Estado da Cultura. A presidente, profa. Miriam Pilar Grossi, e o vice-presidente, prof. Peter Fry, prestigiaram a solenidade. A profa. Maria Tarcisa Bega, vicereitora, abriu o evento, cumprimentando os antropólogos presentes pela organização das comemorações relativas aos 50 anos da ABA em Curitiba. A profa. Vera Maria Mussi, secretária | 118 |


de Estado da Cultura, também fez uso da palavra para enaltecer a contribuição do prof. Loureiro Fernandes. Professores do Departamento de Antropologia fizeram uso da palavra para narrar como se deu a criação do DEAN e as notáveis contribuições do prof. dr. Loureiro Fernandes para a história da disciplina no Paraná. Vários oradores discorreram sobre o papel de Loureiro Fernandes, o trabalho que realizou junto com um grupo de antropólogos ilustres que criaram a Associação Brasileira de Antropologia na década de 1950. No Museu Paranaense, foi realizada uma parte da programação, com o apoio da direção, e inaugurada uma belíssima exposição em comemoração aos 50 anos da ABA, sobre o personagem Loureiro Fernandes e a sua contribuição à Antropologia no Paraná, organizada pela antropóloga Maria Fernanda Maranhão. Também ocorreu um recital de música, oferecido à diretoria da ABA e aos convidados pela sra. profa. Vera Mussi. São cinco décadas de ensino e pesquisa em Antropologia produzidos por discípulos do antropólogo ancestral. Novas gerações foram sendo formadas na UFPR, e antropólogos que realizaram seus doutorados em outras instituições nacionais e estrangeiras fazem parte, nos dias atuais do corpo docente do PPGAS/UFPR. A Antropologia passou por significativas transformações, desde o período inicial, na década de 1950. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social tem formado antropólogos que contribuem para o desenvolvimento da ciência no País. As reuniões bianuais da ABA, da Anpocs e os encontros de Antropologia do Mercosul congregam professores, pesquisadores e estudantes que apresentam e discutem os seus trabalhos, divulgando a Antropologia que é produzida em cada programa, em cada instituição de Ensino Superior. A ABA, nos 50 anos de sua existência, teve um papel decisivo para o desenvolvimento da Antropologia como campo do saber e de divulgação da produção de seus associados, professores, pesquisadores e estudantes. Reúne estudiosos brasileiros e estrangeiros que trocam experiências. As conferências, palestras, comunicações e os cursos que são ministrados contribuem para a consolidação do campo da Antropologia no Brasil. | 119 |


DADOS

SOBRE O

PPGAS/UFPR

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/ UFPR – em nível de mestrado45 – conta com um corpo docente constituído por 14 doutores e uma doutoranda. Os professores doutores que ministram disciplinas, orientam alunos, desenvolvem projetos dentro das seis linhas de pesquisa que fazem parte da programação do curso e participam de três núcleos de pesquisa são: Cecília Maria Vieira Helm, livre-docente em Antropologia Social/UFPR e pós-doutorada em Ciesas, INAH, Cidade do México, D.F.; Christine de Alencar Chaves, doutora em Antropologia Social, Universidade de Brasília, (UnB); Ciméa Beviláqua, doutora em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, (USP); Edilene Coffaci de Lima, doutora em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, (USP); Igor Chmyz, doutor em Arqueologia, Universidade de São Paulo, (USP); Liliana de Mendonça Porto, doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Brasília, (UnB); Lorenzo Macagno, doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Marcos Silva da Silveira, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal de Brasília; Marcos Duarte Lanna, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Chicago; Maria Inês Smiljanic, doutora em Antropologia Social pela UnB; Ricardo Cid Fernandes, doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP); Rosângela Digiovanni, doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas; Sandra Jaqueline Stoll, doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, (USP); Selma Baptista, doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas; Andréa Mendes de Oliveira Castro, doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de St. Andrews/Escócia. O PPGAS/ UFPR possui seis linhas de pesquisa que se articulam em núcleos formados por docentes, pesquisadores e alunos. As linhas de pesquisa são: Teoria Antropológica e História da Antropologia. Trata sobre a análise crítica de obras e da trajetória intelectual de antropólogos e cientistas sociais, e das diferentes correntes teóricas e tendências da Antropologia Social; a história da disciplina, as diversas tradições de pensamento em áreas centrais e/ou periféricas da produção do conhecimento antropológico; a produção antropológica no Brasil e sua inserção no contexto internacional. Organização Social, Família e Parentesco. As diferentes abordagens no estudo do parentesco e da organização social em sociedades indígenas; parentesco e relações familiares em “sociedades complexas”; estratégias matrimoniais, casamento e divórcio em análises monográficas ou comparativas; estudos de gênero. Sistemas de Crenças, Rituais e Simbolismo. Sistemas simbólicos e práticas rituais de diferentes grupos sociais; sistemas de classificação, cosmologia e modelos cognitivos em estudos monográficos ou comparativos. Etnicidade, Fronteiras Culturais

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e Problemas de Análise Intercultural. A construção de identidades étnicas; etnicidade e relações interétnicas em diferentes contextos sociais e nacionais; contato e situações interculturais; formulações teóricas em análises comparativas de contextos de relações interculturais; Cultura e Meio Ambiente. Relações entre práticas culturais, sociais e meio ambiente; representações de práticas produtivas e uso social de recursos naturais; formas de expressão simbólica da natureza; o mundo natural como construção cultural; reflexão sobre projetos de desenvolvimento e elaboração de laudos e estudos de impacto ambiental, contemplando a relação entre Antropologia e legislações indígena e ambiental. Antropologia e História. Visões de história na teoria antropológica e historicidade dos fenômenos culturais; a diversidade das concepções de tempo e história como recursos analíticos. O Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFPR dispõem de dois importantes laboratórios para uso de seus pesquisadores e alunos que participam dos projetos e de núcleos de pesquisa do PPGAS: Museu de Arqueologia e Etnologia, MAE/UFPR, localizado na cidade histórica de Paranaguá; Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas, CEPA, localizado em Curitiba. 45. Consultar o site do Programa de Pós-Graduação — Mestrado 2005/UFPR www.antropologiasocial.ufpr.br.

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Página anterior: ficha funcional do padre Balduino Rambo, na UFRGS. Acervo: Sérgio Teixeira.


P RECURSORES

E A TRAJETÓRIA DA

S

A NTROPOLOGIA

NA

UFRGS

e bem me lembro, foi há cerca de cinco anos que Sílvio Coelho dos Santos me falou pela primeira vez do seu projeto para a elaboração de um livro sobre a história da Antropologia nos Estados que formam a Região Sul do Brasil, a ser feito por ele, Cecília Helm e por mim, cabendo a cada um de nós a responsabilidade pela história da Antropologia em seu respectivo Estado. Apesar do firme interesse pelo projeto demonstrado por todos nós, tanto na sua cogitação inicial como em oportunidades subseqüentes, só no início de 2005 foram definidos seus parâmetros, neles incluída a sua conclusão a tempo para lançá-lo na XXV Reunião da ABA em Goiânia em junho de 2006. Uma vez que o objetivo do projeto se explica pela sua própria natureza, cabe dizer o porquê da definição de seus executores, segundo seu proponente: interesse e larga vivência deles com o tema. No meu caso, de modo central, de 1962 a 1992 e, desde então, por motivo de minha aposentadoria, de modo periférico. Por isto, embora aqui aborde toda a trajetória da Antropologia na UFRGS, minha atenção será mais centrada naquele período | 127 |


de trinta anos. No período que se segue à minha aposentadoria, a atenção será centrada em temas mais particulares, com os quais tive/tenho envolvimento mais direto. Antes de abordar meu tema, cabe um registro, de cunho mais pessoal: um misto de satisfação, e de certos temores e desconfortos em fazê-lo. A satisfação, como bem se pode antever, é por poder, em tão boa companhia, contribuir para o registro de dados e de fatos expressivos, a um só tempo, da história da Antropologia no Rio Grande Sul e no Brasil. Os temores vão por conta de omissões e imprecisões de certos dados e avaliações, independente de suas razões – entre as quais não se inclui a má-fé –, que não satisfaçam a seus possíveis leitores. Os desconfortos remetem diretamente à minha condição de autor e, em larga medida, também de ator, como se verá. Por conta dessa combinação, e para me ater à realidade de fatos que julgo importantes para a recuperação desta história, serei compelido, por vezes, a aparecer com relativo destaque e a recorrer a uma profusão de referências a mim. Esta mesma realidade impõe que não me descuide do compromisso, tão próprio da Antropologia, com os modos de agir e de compreender dos outros. Já aqui ressalto que os outros, nesta história, como se verá, são numerosos e com contribuições maiúsculas para ela. Pelo meu planejamento inicial, cogitei de fazer um trabalho que, de alguma maneira, contemplasse com maior abrangência a trajetória da Antropologia no Rio Grande do Sul. Assim, solicitei a colaboração de antropólogos de dez universidades do Estado para a obtenção de dados a respeito de suas respectivas instituições. Agradeço a colaboração de todos os que atenderam às minhas solicitações1. Não obstante a geral boa vontade destes colaboradores e o razoável sucesso na obtenção daqueles dados, eles não me permitem dar a abrangência inicialmente pretendida para esta história. Mesmo assim, a busca de tais dados foi 1. Mais precisamente, Fernanda Ribeiro, da PUCRGS, de Porto Alegre; Flávia Rieth, da UFPEL, de Pelotas; Josiane Abrunhosa da Silva Ulrich, da Unisc, de Santa Cruz do Sul; Maria Catarina Zanini e Zulmira Newlands, da UFSM, de Santa Maria; Nara Magalhães, da Unijuí, de Ijuí; Norah de Toledo Boor, da UPF, de Passo Fundo, e Pedro Ignácio Schmitz, da Unisinos, de São Leopoldo.

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duplamente positiva: 1) por despertar um vivo interesse na maioria daquelas universidades em recuperar suas histórias da Antropologia; 2) por mostrar, também na maioria delas, fortes esforços para a consolidação da Antropologia como área de ensino e de pesquisa de qualidade. A incorporação, ainda que mais recentemente, de pessoal pós-graduado, a maioria com doutorado, apoio institucional a seus docentes para cursarem pósgraduação e a criação de publicações regulares são indicadores seguros de tais esforços. Sem demérito de outras publicações, que sei existirem, mas tão-somente para dar um exemplo pontual (e por ter sido a única que recebi), cito Cadernos do Lepaarq, da Universidade Federal de Pelotas2. Assim, pela insuficiência de dados para a abrangência antes pensada, o estudo será centrado na história da Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Tal prioridade se apresenta para mim como natural, por duas razões. Primeiro, porque o estudo da Antropologia na UFRGS, além de ser o pioneiro na área acadêmica no Estado, desde sempre é o de maior vitalidade e visibilidade. Assim, seu estudo é substantivo para o conhecimento da história da Antropologia nesta parte do Brasil. Segundo, pela minha efetiva participação nesta história e o meu longo e privilegiado acompanhamento de sua trajetória. Todavia, como sei que na vida sociocultural só se pode falar com propriedade em marco zero quando se trata da marcação de distâncias em caminhos, antes de abordar a trajetória da Antropologia da UFRGS, entendo oportuno considerar, ainda que de modo sucinto, outros estudiosos e seus trabalhos, precursores na trajetória da Antropologia no Rio Grande do Sul. Concluindo esta parte, é com satisfação que agradeço, não por ser de praxe, mas por ser devido, a todas as pessoas que contribuíram para este trabalho. Dentre elas, destaco: Fabiela Bigossi3, pelo preparo das ilustrações; professor Jacques Gutwirth, 2. Trata-se de revista indexada, semestral, com textos originais de qualidade, de autores brasileiros e estrangeiros, nas áreas de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio. Futuramente, pensam em desdobrá-la para cada uma de suas áreas. 3. Aluna do curso de Ciências Sociais e bolsista do Núcleo de Estudos em Antropologia Visual – Navisual –, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS.

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pelas considerações sobre o projeto da Antropologia da UFRGS, no Acordo Capes/Cofecub; Rosemeri Nunes Feijó, pela coleta de dados; professor Sérgio Baptista da Silva, pela síntese da trajetória acadêmica do professor Pedro Ignácio Schmitz; professora e minha esposa, Carmem Maria Ulrich Teixeira, pela tradução do texto do professor Jacques Gutwirth e pela revisão redacional deste trabalho. O

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Considerando que o artigo de Maria Eunice de Souza Maciel, “Primeiros caminhos, primeiros olhares”4 (1997, p. 215-231), é abrangente na abordagem do tema dos precursores da história da Antropologia no Rio Grande do Sul, recorro a ele para o conhecimento deste período da história em questão, destacando alguns de seus conteúdos, mais afinados com os interesses deste estudo. Começo pela reprodução de seu resumo: Este texto procura sistematizar dados sobre os primeiros relatos e trabalhos de natureza etnográfica e antropológica envolvendo populações do Estado do Rio Grande do Sul5, compreendendo o período anterior ao da criação da disciplina na U.F.R.G.S. Iniciando com as primeiras informações de europeus sobre as populações indígenas encontradas, segue com os relatos de estrangeiros e as contribuições dos chamados “eruditos locais” (p. 215).

Os demais conteúdos que entendo oportuno destacar se referem aos “chamados eruditos locais.” Os quais: Já no século XIX iniciaram estudos sobre a população local. Eram estudos embrionários, porém, já mostravam uma preocupação de certo cunho etnológico e lingüístico procurando detectar particularidades da sociedade aqui formada, ou seja, entram em jogo as diferenças (p. 221). 4. Publicado no n. 7 de Horizontes Antropológicos, organizado por ela e dedicado a Histórias da Antropologia. Sua capa reproduz com destaque a folha de rosto de Bosquejos ethnológicos, 1884, de Carlos von Kozeritz, destacado “erudito local.” 5. Que ela situa no século XVII. 6. Com funcionamento ininterrupto desde então, possui um grande e precioso acervo bibliográfico, documental e cartográfico.

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Em 1921, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul 6 – IHGRGS –, que reuniu uma parte dos eruditos locais, representou “[...] um importante marco na produção intelectual da região” (p. 225), e desde sua criação, por disposição estatutária, se preocupou, entre outros, pelos estudos da Etnologia, do folclore e de línguas indígenas do Estado (p. 226). Referindo-se mais diretamente aos “eruditos locais” congregados pelo IHGRGS, a autora apresenta-os como: Militares, religiosos, professores, advogados, médicos, em suma, profissionais de áreas diversas que, salvo exceções, não tinham na pesquisa sua ocupação principal. Eruditos no sentido de possuírem um conhecimento diversificado, formavam uma camada intelectualizada local. Em grande parte (senão na maioria), eram autodidatas no que se refere aos seus objetos de pesquisa – inclusive devido ao fato de não existir formação específica (pelo menos localmente) (p. 227).

Ela lista 17 destes eruditos e apresenta suas áreas de trabalho mais relevantes. Dentre eles, sem desmerecer os demais, destaco o padre jesuíta Balduíno Rambo, o major do Exército Cezimbra Jacques e os professores Carlos Galvão Krebs e Dante de Laytano. Rambo, por ter sido o primeiro professor de Antropologia da UFRGS, será considerado na próxima parte deste estudo. Chamo a atenção sobre os outros por, entre outros trabalhos, terem sido pioneiros no Rio Grande do Sul no estudo de temas que hoje merecem grande atenção na Antropologia. Jacques estudou as tradições gaúchas e foi pioneiro em propugnar por seu culto. Inclusive fundou a primeira associação para cultuá-las. Krebs e Laytano estudaram os negros, com ênfase no campo religioso. Em comum, os três também estudaram o que depois veio a ser o que se chama folclore. Krebs, que ficou mais conhecido como folclorista, se tornou referência para estudiosos do tema e, já reconhecido como tal, integrou a primeira turma de alunos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS, em 1979, sem concluí-lo. | 131 |


Laytano, que posteriormente veio a ter uma brilhante e longa carreira acadêmica como professor de História do Brasil e História do Rio Grande Sul, esta criada por ele, na UFRGS, e também como diretor de seu Instituto de Filosofia e Ciências Humanas7, mereceu um amplo estudo de Daisy Macedo de Barcellos, sob o título de “Dante de Laytano e o folcore no Rio Grande do Sul”8, no qual é destacado o seu pioneirismo no estudo do negro e sua cultura no RS. Ondina Fachel Leal, em seu artigo “Do etnografado ao etnografável: ‘o sul’ como área cultural”, registra que Herskovits e Bastide, que estudaram religiões afro-brasileiras em Porto Alegre, respectivamente nas décadas de 1940 e 50, agradecem a colaboração de Laytano em suas pesquisas e destacam-no como estudioso local que com eles colaborou e com o qual conversaram sobre suas observações (1997, p. 212)9.

A A

HISTÓRIA DA

IMPLANTAÇÃO

E

ANTROPOLOGIA SEU

PRIMEIRO

NA

UFRGS

PROFESSOR

O marco inicial da Antropologia na UFRGS se deu no quadro da segunda etapa da implantação da Faculdade de Filosofia da então Universidade de Porto Alegre. Esta universidade foi criada em 1934 pela administração estadual e por ela mantida até sua federalização em 1950, com o nome Universidade do Rio Grande do Sul, ao qual foi acrescentado o termo Federal, ainda na década de 1950. Criada em 1936 com o nome Faculdade de Educação, Ciências e Letras, seu nome foi mudado para Faculdade de Filosofia em 1942, quando se deu sua instalação efetiva, ainda que parcial, com a implantação de sua primeira etapa, com o funcionamento dos seus primeiros cursos científicos: Física, História Natural, Matemática e Química. Já a segunda etapa de sua implantação 7. No final da década de 1970, época em que se implantava o mestrado em Antropologia Social e que contou com seu apoio. 8. Horizontes Antropológicos, n. 7, Porto Alegre, PPGAS-UFRGS, 1997. 9. Horizontes Antropológicos op.cit, 1997. 10. Em sentido lato.

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seu deu em 1943, com o funcionamento de seus primeiros cursos humanísticos10: Filosofia, Geografia e História, Letras AngloGermânicas, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Pedagogia11. A precedência temporal na implantação dos cursos científicos se deu por questões de ordem operacional e tem certa relevância para a história da Antropologia na UFRGS, bem como para as demais disciplinas de todos os cursos humanísticos, quando de sua implantação. Explico. A criação da Universidade de Porto Alegre ocorreu com a incorporação das diversas escolas superiores/faculdades isoladas existentes na cidade, todas na área científica, com exceção da Faculdade de Direito. Por conta disto, já havia, como se diz hoje, uma considerável massa crítica na área científica, que pôde ser mobilizada para atender aos primeiros cursos da nascente faculdade, mesmo antes de sua implantação. Pois, “[...] como medida preparatória, vários assistentes da Escola de Engenharia foram enviados à Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, onde receberam formação adequada sob a orientação de eminentes mestres” (HESSEL e MOREIRA, 1973, p. 13). Já os cursos da área humanística, em seu conjunto, não contaram com reserva especializada semelhante para sua implantação. Daí o início do funcionamento destes ter se dado um ano após o início daqueles e com um corpo docente composto por pessoal com formação acadêmica, mas em geral, composto por pessoal sem formação específica para seus magistérios. No conjunto, ele foi integrado por pessoas com formação autodidata para tais atividades e com reconhecido prestígio social no universo político e intelectual da cidade. Alguns, justificadamente, eram reconhecidos como eruditos. Em síntese, eram reconhecidos como pessoas notáveis. Ainda assim, ou, por isto mesmo e, compreensivelmente, injunções de ordem política, religiosa, filosófica e idiossincrática permearam em larga medida a indicação das pessoas para compor o corpo docente. Isto porque a formação deste quadro abria 11. Estes dados têm por fonte o trabalho organizado por Lothar Francisco Hessel e Earle Diniz Macarthy Moreira, com o título de Faculdade de Filosofia – 25 anos de atividade (1942–1967).

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espaços privilegiados para afirmações/disputas individuais, de grupos e de correntes de pensamento. Também, compreensivelmente, em tal quadro, os dados mobilizados para a formação do corpo docente para a área humanística comportavam maior elasticidade e subjetividade do que se dava em relação à área científica. Nesta, a formação acadêmica específica tinha grande peso. Não obstante o padre jesuíta Balduíno Rambo ter formação acadêmica específica em Botânica, obtida na Alemanha, e ser um naturalista consagrado, o processo de seu aproveitamento para a docência em sua especialidade na nova Faculdade não ficou imune àquelas injunções. Ele perdeu a indicação para a Cátedra de Botânica, de sua absoluta preferência, para o professor Alarich Rodolf Holger Schultz 12 , também figura respeitada como taxinomista, porém, ao que dizem, com qualificação inferior à de Rambo para aquela Cátedra. Assim, fala-se até que foi como prêmio de consolação que ele foi indicado para a Cátedra de Antropologia e Etnografia, no curso de Geografia e História, em 1943 (LEWGOY e PRADO, 1997, p. 242), tornando-se assim o primeiro professor e único catedrático efetivo da disciplina no que viria a ser a UFRGS. Em ambas as situações, ele também foi o pioneiro no Estado. Ainda vinculado a questões de sua indicação para o corpo docente daquela faculdade, julgo oportuno destacar um dado a respeito, quase ignorado, e que aparece em nota de rodapé em Hessel e Moreira (op. cit., p. 125). Ao transcreverem um documento que relaciona o corpo docente dos cursos humanísticos, em 1943, que apresenta Balduíno Rambo vinculado à Cadeira de Antropologia e Etnografia, eles também registram o nome de Amadeu13, acrescentado a lápis na referida relação: “[...] substituindo o do Pe. Balduíno Rambo, riscado”, e vinculado à Geografia do Brasil. Isto mostra, simultaneamente, sua polivalência e o interesse em aproveitá-lo. 12. Como curiosidade, registro serem ele e o etnólogo Harald Schultz irmãos. 13. Certamente, Amadeu F. de O. Freitas, que aparece em relação aprovada de novos professores, em 1944, vinculado à Geografia Física (p.127).

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Balduíno Rambo, primogênito de 11 irmãos, de família católica de agricultores descendentes de imigrantes alemães, nasceu no atual Município de Tupandi, RS, em 11 de agosto de 1905. Fez todos os seus estudos em ambiente católico: quando criança, em colégio de freiras; depois, em instituições jesuítas, no Brasil e em Munique, na Alemanha, onde cursou Filosofia durante três anos. Na oportunidade, firmou seu interesse pela Botânica e dominou o modelo de trabalho científico. Ordenou-se sacerdote em 1936. Com sólida cultura clássica e humanística, ele trabalhou em escolas jesuítas (de 2º e 3º Graus, pelos critérios atuais). Sem jamais se descuidar de seus compromissos religiosos, seu maior interesse eram as Ciências Naturais, com destaque para a Botânica, o que se mostra com clareza na listagem de seus 68 escritos científicos no livro Jesuítas cientistas no sul do Brasil, dos quais 45 são escritos botânicos; seis são escritos geográficos e geológicos; dois são escritos zoológicos, e 15 são escritos históricos e antropológicos (LEITE, 2005, p. 62-65). De todos os seus trabalhos científicos, talvez o mais destacado seja A fisionomia do Rio Grande do Sul, publicado originalmente em 1942. O trabalho apresenta estudos acurados sobre a geografia, a geologia, a flora e a fauna do Rio Grande do Sul, e delineia um quadro da interação homem-natureza no Estado. Seus trabalhos de campo para este estudo, além das previsíveis e numerosas expedições terrestres por todo o Estado, incluíram numerosos vôos em pequenos aviões, especialmente para observar relevos e paisagens. Confirmando a importância desta obra, Leite registra que, em enquete feita em 1955 pelo jornalista Carlos Reverbel com intelectuais gaúchos, ela ficou em quinto lugar entre as dez obras apontadas como as mais representativas da cultura sul riograndense (op. cit., p. 56). Sendo escritor prolífero, Balduíno Rambo deixou muitas obras, além das publicações científicas. Como poeta e escritor fantasioso, deixou poemas e histórias fantásticas, como uma viagem à Lua e aventuras de um antropólogo em Marte, escritas para a juventude na Alemanha e no Rio Grande do Sul. Aqui, mais precisamente, para colonos descendentes de imigrantes alemães (SCHMITZ, | 135 |


1997, p. 234). Como memorialista, deixou 18 textos autobiográficos ou cartas 14, como ele diz, e um imenso diário. Os primeiros, publicados em três volumes pela Unisinos, são comentados por Leite (op. cit., p. 58-61). Já o diário, que se inicia quando ele tinha 14 anos e termina com sua morte aos 56 anos, compreende mais de dez mil páginas, que formam uma “[...] pilha de uns dois metros de altura de pequenos volumes, uniformes, escritos em estenografia ou em caracteres góticos, em letra muito regular e páginas densas” (SCHMITZ, 2002, p. 296). Talvez a parte em estenografia, que vai de 1919 a 1945, nunca venha a ser conhecida, porque ela inclui abreviaturas que só seriam conhecidas por um outro jesuíta que, encarregado de sua tradução, pouco tempo dedicou ao trabalho e faleceu. Em 4 de março de 1946, Rambo escreveu: “[...] é o meu diário a principal obra literária e científica de minha vida” (LEITE, op. cit., p. 55). Ainda a respeito da atuação de Balduíno Rambo como naturalista, cabem alguns registros. Ele foi o mentor principal da criação do Instituto Anchietano de Pesquisas, em 1956, hoje vinculado à Unisinos. O herbário com cerca de 90.000 espécies, que é a parte principal do acervo desta instituição, tem por base o herbário pessoal de Rambo, formado por ele com cerca de 60.000 espécies. Quando diretor da Divisão de Cultura da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, desenvolveu o Museu Rio-Grandense de História Natural e empreendeu esforços, mais tarde bem-sucedidos, para criar um Jardim Botânico em Porto Alegre e transformar a área do cânion do Taimbezinho, no Rio Grande do Sul, em Parque Nacional. Sua fotografia e uma placa alusiva ao fato, existentes na entrada do Parque, se constituem em merecida homenagem. Quando o tema da conservação ambiental praticamente não era objeto de consideração, antecipando o assunto, ele escreveu em A fisionomia do Rio Grande do Sul: “A proteção à natureza baseiase sobre o princípio da ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária ou inconsiderada dos tesouros da beleza nativa” (apud LEITE, op. cit., p. 57). 14. Uma por ano, de 1944 a 1961.

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Por fim, apresento o cotejo que ele faz entre suas atividades docentes e científicas, em uma de suas cartas, transcrita por Leite. Entre os meus trabalhos secundários, se acha, em primeira plana, como coisa principal e mais incômoda a aula “[...] Desde a hora em que se experimentou acorrentar-me à escola, as aulas se me tornaram em objeto de horror e nojo. Apenas faço atualmente minhas as preleções por sentimento estrito do dever, do qual me afasto, aliás, sempre que possível [...] Vou lutar contra a sobrecarga horária de aula enquanto de alguma for possível, sem violação da obediência. É, evidentemente, a ciência pura meu campo específico e a minha missão sagrada (op. cit., p. 52).

Como as cartas são posteriores ao início das aulas de Antropologia na Faculdade de Filosofia, seus juízos se estendem a elas. Feitas estas considerações, vejamos como eram a Antropologia e a Etnografia sob a responsabilidade de Balduíno Rambo. Eram oferecidas três disciplinas: Etnologia Geral, Etnografia do Brasil e Antropologia Física/Biológica. As primeiras eram atendidas pelo catedrático, e a última, pelo professor Salvador Petrucci15, médico e positivista. Ambos tinham em comum o fato de não terem as aulas de Antropologia como atividade principal nem treinamento específico nas suas respectivas áreas. Eram autodidatas em suas disciplinas. Balduíno Rambo seguia a escola histórico-cultural, também conhecida como Escola de Viena, a qual tinha como mentor e sua principal referência o também sacerdote católico Wilhelm Schmidt. Sua adesão a tal escola se apresentava como natural. A teoria que a orientava, na época, ainda apresentava vitalidade e era oposta à do evolucionismo cultural clássico de Tylor e Morgan, que, além 15. As informações de que disponho sobre ele são precárias. O único registro a seu respeito, no trabalho de Hessel e Moreira, é a de que, em 1967, era catedrático interino das disciplinas de Fundamentos Biológicos da Educação e Estatística Educacional. Não disponho de informações a respeito de sua indicação para a disciplina. Buscando mais dados a seu respeito, me informou um seu amigo e colega de magistério na UFRGS que, por volta de 1950, ele foi nomeado professor assistente para as cadeiras de Fundamentos Biológicos da Educação e de Estatística Educacional, continuando responsável pelas aulas de Antropologia Física. Agora, porém, sem remuneração. E, concluído o ano letivo de 1957, foi dispensado por Balduíno Rambo, sem maiores explicações, fato que lhe causou grande dissabor.

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de ter perdido vitalidade, foi incorporada à ideologia oficial da União Soviética, em processo de expansão. O catedrático de História da América na UFRGS também era adepto da Escola de Viena. As aulas de Rambo eram expositivas, de tipo magistral, em que ele fazia leitura de textos, entremeada por poucas pausas, para possíveis manifestações dos alunos, comedidamente estimuladas por ele. As manifestações dos alunos eram raras e pontuais. A mostra de algum material etnográfico (em boa parte recolhido por ele), projeção eventual de diapositivos e relatos mais soltos de experiências e vivências pessoais16 atenuavam o feitio burocrático de suas aulas. Pela quase indisponibilidade e/ou dificuldade de leitura da literatura em que se apoiavam suas aulas, quase toda em alemão, ele organizava textos que, mimeografados, eram fornecidos aos alunos no início de cada ano letivo. A duração das disciplinas era anual. Acostumado à pesquisa, coisa rara na universidade em sua época, Balduíno Rambo, ainda que em pequena escala, realizou uma para uso em suas aulas de Etnografia do Brasil. Com uma permanência de duas semanas com os Kaingang e Guarani de Nonoai, no RS, produziu sobre eles um texto etnográfico, dentro da mentalidade do tempo e da metodologia da Escola de Viena (Os índios rio-grandenses modernos. Província de São Pedro 10, p. 81-88, Porto Alegre, 1947). Como que clamando pela realização de pesquisas em Etnografia e Etnologia no Brasil, ele finaliza seu artigo dizendo que: No Rio Grande do Sul existem restos de primitivos, com muitos elementos antigos. Mas até hoje ainda não se fizeram entre nós estudos etnológicos de conjunto. Há apenas no Estado uma vasta literatura dispersa, contendo elementos preciosos, sobre o assunto. Segue-se, pois, que qualquer pesquisa ou trabalho, por mais modesto que seja, representa ainda uma contribuição valiosa para a Etnografia e a Etnologia, ciências que pertencem ao patrimônio cultural de toda nação civilizada. (p. 88). 16. Lembro de uma vez em que ele falou sobre o tratamento que sua mãe dispensava aos filhos gripados. Disse que lhes dava um chá quente, punha-os na cama, cobertos até o pescoço e, no dia seguinte, ao despertarem, lhes dava um banho frio, e “o guri tava bom.”

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Ainda assim, o relatório desta pesquisa e uma conferência com o título de “Arqueologia Rio-Grandense17”, na qual, dos trabalhos já existentes, analisa os que julga terem credibilidade científica, são seus únicos escritos originais na área da Antropologia. Certamente que a modéstia em sua produção intelectual neste campo está afinada com considerações que escreve para um companheiro em 1950: “A matéria, em que me adentrei com imenso esforço, agrada-me bastante. Algum tempo tive de lutar com a tentação de sacrificar a Botânica a esse estudo, que aqui também é novo. Entretanto, acabei ficando com o meu primeiro amor” (SCHMITZ, 2005, p. 3), ou seja, a Botânica. Como já indica aquela conferência, Balduíno Rambo igualmente se interessou pela Arqueologia, por entender que ela também fazia parte do estudo das populações indígenas do mundo. Dentre suas iniciativas na área, merece destaque especial o encaminhamento do professor Pedro Ignácio Schmitz para nela se especializar, logo que ele assumiu o posto de colaborador18 na Antropologia em 1958. A incorporação de Schmitz, bacharel em História e Geografia, formado no ano anterior pela UFRGS, padre jesuíta, aluno e secretário de Rambo, que também o considerava seu filho, se deu por simples indicação do catedrático, seguindo prática institucionalizada nas universidades brasileiras na época. Os catedráticos, além de terem liberdade para indicar seus assistentes, costumavam indicar pessoas que lhes eram próximas. Era comum terem filhos e sobrinhos como assistentes. Vale a pena reproduzir as palavras de Rambo, ao sugerir a Schmitz que ele tomasse o rumo da Arqueologia: Eu estou fazendo alguma pesquisa etnográfica com os índios Kaingang e Guarani, mas não posso me dedicar simultaneamente à arqueologia, que aliás ninguém está fazendo no Brasil. Tu poderias fazer um trabalho pioneiro neste campo. Eu te ajudo em todas as coisas a meu alcance (SCHMITZ, 2005, p. 3). 17. Publicada na segunda série de Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre, Faculdade de Filosofia da URGS, 1957. 18. Era este o nome do cargo.

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Schmitz conclui dizendo que: [...] assim foi concebido um arqueólogo, sem mestre, nem bibliografia, que muito lutou, juntando fragmentos de conhecimentos e de experiências, no país e no exterior, para se tornar, com estava profetizado, um pioneiro da arqueologia brasileira (Ibidem).

No ano seguinte, Balduíno Rambo, usando das mesmas prerrogativas, também indicou como seu colaborador Arthur Blásio Rambo, bacharel em História Natural, como ele padre jesuíta e seu irmão. Em situações informais, para distinguilos, era usual serem referidos, respectivamente, como Rambão e Rambinho, como se dá até hoje. Tais termos remetem às suas diferenças de idade e compleição física. De início, seus colaboradores passaram a trabalhar com Antropologia Física, já se afastando da programação seguida pelo professor Petrucci, centrada na Antropometria, mais afinada com questões de Medicina legal. Com eles, são trazidos à discussão temas diversos como o processo evolutivo, fortemente apoiado na Paleontologia, e que conduziu ao homem moderno e às características humanas na perspectiva biológica. Ainda que modernizada, a Antropologia Física perde espaço para a Antropologia Cultural/Social, sendo seu estudo suprimido na metade da década de 1960. Nestes primeiros tempos, Schmitz também viveu uma experiência única na Antropologia da UFRGS: tornou-se professor de Língua Tupi, então disciplina obrigatória nos cursos de Geografia e História. Ele substituiu o professor paraguaio Alejandro Ortigoza, que teve de regressar a seu país. Schmitz havia estudado a língua com ele, por dois anos, na PUCRGS. Balduíno Rambo também lhe proporcionou estágio de um mês no Paraguai, para lá estudá-la entre falantes nativos. Segundo Schmitz, “[...] a disciplina destinava-se a mostrar a cultura, ensinar regras básicas de gramática, ler pequenos textos, mostrar a influência da língua no vocabulário e na nomenclatura geográfica do Brasil” (2002, p. 283). Com o fim de sua obrigatoriedade, ela foi retirada do currículo em 1962. | 140 |


Como era de se esperar de um estudioso, Balduíno Rambo manteve contatos com nomes expressivos da Antropologia e da Arqueologia, no geral também autodidatas. Entre os primeiros, se incluem os professores Oswaldo Cabral, da Universidade de Santa Catarina; José Loureiro Fernandes, da Universidade do Paraná; Egon Schaden, da Universidade de São Paulo; Thales de Azevedo, da Universidade da Bahia; Herbert Baldus, do Museu Paulista e da Escola de Sociologia e Política. Eram seguidores de uma Antropologia Histórica, mas não nos moldes da Escola de Viena. Entre os segundos, se incluem professores e amadores, pioneiros na Arqueologia, como a equipe do Paraná, formada por Guilherme Tiburtius (um marceneiro colecionador), João José Bigarella (geólogo) e Iris Koehler Bigarella (com algum treinamento em Arqueologia), que buscavam resgatar elementos básicos da cultura dos sambaquis; em Florianópolis, o pe. João Alfredo Rohr, professor de Química e que começava a carreira como o maior escavador do País. Entre os arqueólogos estrangeiros, é preciso citar o dr. Osvaldo F. Menghin, ex-reitor da Universidade de Viena e diretor do Museu Etnográfico de Buenos Aires, que, a pedido de Rambo, chegou a dar cursos em Porto Alegre. Rambo também foi visitado por Allan L. Bryan, do Canadá, e por Josef Emperaire, da França, que começavam pesquisas em sambaquis de São Paulo e do Paraná, a pedido do prof. José Loureiro Fernandes, da Universidade do Paraná 19. Ainda que no geral suas aulas não despertassem maiores interesses, Balduíno Rambo, pelo zelo e competência com que se havia em tudo que lhe cabia fazer, era respeitado pelos alunos e seus pares. Entre estes, por sua reconhecida erudição, também desfrutava de generalizada admiração. O professor Pedro Ignácio Schmitz, que lhe era muito próximo, como vimos, e que o substituiu na regência da Cátedra de Antropologia quando de sua morte em 1961, despido de qualquer formalismo, mostrou a um só tempo sua afeição pessoal a 19. Esta parte dos contatos de Rambo com antropólogos e arqueólogos foi fortemente subsidiada por Pedro Ignácio Schmitz (2002).

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Balduíno Rambo e fez uma apreciação sintética, porém significativa, de seu modo de ser20 e de pensar, quando disse que: Pouca gente conheceu sua verdadeira personalidade. Parecia ter uma casca grossa, como um coco, mas por dentro era mole, sentimental como só ele. E tinha uma perspicácia incrível. Ele olhava para uma pessoa, sentava e a descrevia da ponta do cabelo até a planta do pé. (SILVA, 2002, p. 295)

A

PRIMEIRA GRANDE MUDANÇA:

NOVAS ORIENTAÇÕES TEÓRICAS E NOVOS TEMAS

Como já indicado, com a morte do professor catedrático de Antropologia e Etnografia, em 1961, e seguindo a praxe, como assistente mais antigo, o professor Pedro Ignácio Schmitz passou a responder interinamente pela Cátedra. Foi nesta situação que ele desencadeou a primeira grande mudança na Antropologia da UFRGS, transcorridos dezoito anos de sua implantação. O que ocorreu já na abertura do primeiro ano letivo, 1962, em que ele respondia pela Cátedra de Antropologia e Etnografia. É possível objetivar o ponto de partida: foram as mudanças implementadas por ele, na orientação teórica, nos conteúdos estudados e no tipo das aulas até então vigentes na disciplina. Assim, ele substituiu os círculos culturais da Escola de Viena pelo culturalismo/funcionalismo norte-americano; os estudos monográficos de grupos primitivos ou de regiões culturais pelos dos grandes segmentos da vida sociocultural: parentesco, economia, religião, arte, sistemas de classificação, num quadro 20. Sobre uma dimensão mais peculiar de seu modo de ser, em trabalho de campo, o zoólogo e professor titular na UFRGS Luduwig Buckup, que foi assistente de pesquisa de Balduíno Rambo por cinco anos, quando ambos trabalhavam na Secretaria de Educação do RS, ouvido por mim para este estudo, além de destacar a satisfação de Rambo pelo trabalho de campo, no caso, mais de mato, às vezes por vários dias, e a imensa disposição para realizá-lo, ressaltou, para mostrar algo de seu modo mais pessoal de ser nestas oportunidades, que a primeira atividade que fazia ao levantar, sempre muito cedo, era se afastar para ler seu breviário, que gostava de se banhar em qualquer fonte d’água disponível, mesmo no inverno, e que costumava tomar cachaça e comer rapadura. Arrematou dizendo que isto não representava qualquer tendência para o alcoolismo e que ele era um homem de hábitos rústicos.

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amplamente comparativo; as aulas magistrais, por aulas expositivo-participativas. Também é possível objetivar o instrumento básico para sua implantação: um livro manual, com o título de Antropologia Cultural, em dois volumes, de Felix Keesing, professor da Universidade de Stanford. Sua edição original é de 1958. O fato de ter duas edições brasileiras, em 1961 e 1972, ambas pela Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, aponta para seu uso intenso em outros pontos do País. Na UFRGS, sua utilização era de tal monta que a biblioteca da Faculdade de Filosofia, que usualmente dispunha de apenas um exemplar de cada obra, desta não teria menos de dez exemplares. Mexer com tudo isto representou uma ousadia. Vale como contraponto o caso de um outro professor que, na mesma época, assumindo uma cátedra, também por morte do catedrático, ainda que instado por todo o seu Departamento para mudar programas, orientações teóricas e procedimentos pedagógicos, considerados superados, manteve todo o quadro anterior. Se antes eu já acompanhava a marcha da Antropologia na UFRGS como aluno, desde 1958, com meu ingresso no seu corpo docente coincidindo com a implantação de tais mudanças, e tendo ministrado minha primeira aula em 13 de abril de 1962, acompanhei todo o processo, com alguma participação nele. Não obstante todas aquelas mudanças estruturais, persistiu um resquício de práticas anteriores: o de textos preparados pelos professores para uso em suas aulas. Prepará-los foi, talvez, a única orientação imperativa que recebi do professor Schmitz. No meu caso, não devem ter passado de quatro os textos que elaborei, ainda no meu primeiro ano docente, e com alguma contrariedade. Por questões de exposição e manutenção de um certo ordenamento cronológico, agora é oportuno falar de meu ingresso e atuação na Antropologia da UFRGS, que também guarda relação com o falecimento do professor Baduíno Rambo, pois abriu espaço para a admissão de um novo docente. Como, na oportunidade, a Antropologia integrava o Departamento de História (o desdobramento do curso de Geografia e História em cursos separados ocorreu em 1955), a apreciação do nome indicado para | 143 |


novo docente seria definida por ele. Já a indicação do meu nome para ser o novo docente, como instrutor de ensino21, sendo feita também por iniciativa do Departamento, rompeu com a norma de ela ser prerrogativa do catedrático. Isto se deu em março de 1962, sendo eu bacharel(1960) e licenciado (1961) em História pela UFRGS. Tratando-se aqui de reconstrução histórica, devo referir um fato que não me agrada, mas que faz parte desta história. Conforme as normas, o candidato a instrutor de ensino assumia em estágio probatório por um ano, ao final do qual, se tivesse seu desempenho aprovado pelo respectivo catedrático (em caso contrário, o desligamento era automático), deveria prestar provas escrita e oral de suficiência, em dias consecutivos, contemplando programa definido por aquele com antecedência de um mês. Aprovado meu desempenho e tendo disto dado ciência ao Departamento e a mim, a uma semana da primeira prova, o catedrático, sem justificar, informou ao Departamento que reformulara sua decisão, cancelando as provas. Como o Departamento estranhou a decisão e o catedrático se mostrava irredutível em reconsiderar ou justificar sua decisão, o Departamento, que não tinha competência para revogá-la, entendeu que eu deveria recorrer à Congregação da Faculdade, o que foi feito com sucesso. Na solidariedade dos integrantes do Departamento, é imperioso destacar o catedrático de História Antiga e Medieval, professor Othelo Sanchez Laurent, e seu assistente, professor Earle Diniz Macarthy Moreira. Este foi a principal força propulsora de todo o processo, e aquele assumiu minha causa junto à Congregação. Independente de qualquer outra consideração, é fora de dúvida que os processos de minha indicação para instrutor de ensino e o que culminou com a reversão do cancelamento das provas de suficiência só se desenvolveram do modo como se deu por neles não estar diretamente envolvido um catedrático efetivo. Realizei as provas cerca de três semanas após as datas originalmente previstas. Algumas semanas depois, em companhia 21. Na nomenclatura da época.

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de cerca de trinta outros instrutores de ensino, em muitas áreas da Universidade, e sujeitos ao mesmo processo de admissão, recebi, como os demais, do próprio reitor, professor Elyseu Paglioli, a portaria de nomeação como efetivo. A cerimônia foi realizada em sala anexa ao seu gabinete, tendo eu, pelo fato de minha portaria se encontrar colocada por acaso sobre as demais, prestado juramento por todos. O reitor, tido como o mais empreendedor e consolidador da Universidade, disse que, com o ato, recepcionava os novos docentes e prestigiava a forma de ingresso. Pelo que me consta, foi esta a única vez em que se realizou ato desta natureza. Enfatizo que, ao me reportar ao episódio do cancelamento daquelas provas, só o fiz para efeito de registro histórico. Com sinceridade, posso dizer que toda a minha preocupação com tal cancelamento se encerrou no exato momento em que tomei ciência de sua reversão. RETORNO

ÀS

QUESTÕES

ACADÊMICAS

Atento à consolidação das mudanças por ele iniciadas, o professor Schmitz tratou, bem cedo, de não só ampliar e atualizar o acervo da biblioteca da Faculdade na área de Antropologia, como o da sua própria. Como a época era favorável ao uso de manuais, muitos outros foram adquiridos pela biblioteca e/ou pelos professores, em boa parte indicados por ele. Lembro de alguns, todos também adquiridos por mim: O homem: uma introdução à Antropologia, de Ralph Linton; 22 El hombre en el mundo primitivo, de E. Hoebel; Introducción a la Antropología, Ralph Beals e Harry Hoijer; Antropologia, de C. Kluckhonh; Antropologia Cultural, de Melville Herskovits,23 Vida e historia de las culturas, de Kaj Birket-Smith. 22. A demonstração que ele faz, no capítulo dedicado à difusão cultural, da contribuição de muitos povos de épocas e de lugares distintos, presentes no cotidiano de qualquer grupo, que ele ilustra com o início do dia de um americano, que “desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo” e termina com a leitura do jornal após o café da manhã, “agradecendo a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano”, continua emblemático e exemplar para uma época de globalização marcada pelo etnocentrismo. Neste ano, transcorrem os 70 anos de seu lançamento. 23. As considerações que faz sobre o relativismo cultural ajudaram a abrir muitas cabeças.

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Entre outros autores estudados nos primeiros tempos, lembro de Merton H. Fried; Raymond Firth; Ward H. Goodenough; Godfrey Lienhardt; Margaret Mead; Ruth Benedict; Bronislaw Malinowski; Radcliffe-Brown; George Foster; Marvin Harris. Como se vê, a literatura era eclética, e os autores franceses ainda não se faziam presentes. O professor Schmitz acompanhava os novos lançamentos. Teoria e crítica lhe despertavam a atenção, e ele recomendava suas leituras. Lembro bem que o primeiro trabalho específico sobre os temas a ter ampla circulação entre professores e alunos foi Teoria da cultura, de David Kaplan e Robert A. Manners, publicado em 1975 por Zahar Editores. Era usual, quando eu procurava por livros de Antropologia nas livrarias de Porto Alegre, ouvir de algum funcionário que um padre também procurava por tais livros. Sempre tive certeza de quem era ele. Seus esforços em prol do desenvolvimento da Antropologia no Rio Grande do Sul não ficaram restritos à UFRGS e à Unisinos, à qual sempre esteve ligado, pois era mantida pela sua ordem religiosa e junto à qual também residia. Pela liderança que conquistou, ele foi bem-sucedido em sua iniciativa de reunir professores de Antropologia e Arqueologia que atuavam no Rio Grande do Sul, inclusive com boa presença em universidades do interior do Estado, em encontros anuais, com o nome de Encontro de Professores de Antropologia do Rio Grande do Sul. Com duração de dois ou três dias e em clima de companheirismo, propiciavam a discussão de programas, a apresentação de pesquisas e a atualização na literatura antropológica. Foi em um deles, em 1967 ou 68, que fiz a minha primeira comunicação em um fórum acadêmico: um artigo como o nome de “Antropologia Aplicada”. Nele, eu abordava não o antropólogo atuando de modo mais ou menos direto na aplicação de seus conhecimentos, mas a utilização destes por outros agentes. No caso, o uso do poder de persuasão de certas pessoas com carisma/prestígio em publicidade. Tenho certeza de que Pelé entrava na história, em publicidade de café. O artigo acabou sendo | 146 |


a minha primeira publicação e, ao que me consta, também a primeira de um trabalho original de Antropologia propriamente dita por alguém de UFRGS.24 Publicado, perdi-o de vista. Talvez seja ousadia maior lembrá-lo agora do que a de tê-lo feito. Os encontros também serviam para quebrar inibições. O professor Schmitz era a estrela maior de todos eles. Só pelos livros que levava para expor, ele já despertava admiração. Tais obras, em geral não disponíveis no Estado e mesmo no País, a maior parte em espanhol e em inglês, e pertencentes a uma só pessoa, despertavam admiração. Ouvinte interessado, era também ouvido com respeito e interesse, especialmente pelos arqueólogos, em número não desprezível. Esperavam por ele para apresentar seus trabalhos. Os encontros ocorreram nos anos 1960/70 em Caxias do Sul, Ijuí, Passo Fundo, Porto Alegre (na UFRGS), Santa Maria e São Leopoldo, por duas vezes. Aí também ocorreu o primeiro encontro. A fotografia a seguir mostra um grupo de participantes do V Encontro de Antropologia e Arqueologia, realizado em Caxias do Sul, em abril de 1972.

Da esquerda para a direita, sentados: Fernando La Salvia e Ervino Barth; João Alfredo Rohr, Pedro Ignácio Schmitz, Guilherme Naue, Danilo Lazarotto, Maria Noemi Brito, Sérgio Teixeira e Carmem Maria Teixeira. Acervo: Sérgio Teixeira. 24. In: Organon, n. 13, revista da Faculdade de Filosofia, em 1968.

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Experiências bem-sucedidas, elas estimularam a realização de um encontro dos professores de Antropologia dos três Estados do Sul, em 1970, na Universidade Federal de Santa Catarina. O surgimento de outros fóruns mais abrangentes, ainda na década de 70: Reuniões da ABA, reativada em 1974, SBPC, Anpocs, que ofereciam novos espaços para se tratar daquelas questões, levou à sua suspensão. Por conta de seu trabalho, o professor Pedro Ignácio Schmitz se constitui em marco destacado na história da Antropologia na UFRGS e no Estado do Rio Grande do Sul, e em referência internacional em Arqueologia Indígena.

PEDRO IGNÁCIO SCHMITZ: R E F E R Ê N C I A PA R A A A R Q U E O L O G I A B R A S I L E I R A Pioneiro no seu campo de pesquisa e um dos docentes universitários que na década de 1970 colaborou para a instalação da pós-graduação em universidades brasileiras, nasceu em Bom Princípio, RS, em 1929. Filho de pequenos agricultores, cresceu em meio extremamente religioso, tanto no âmbito familiar como comunitário, juntamente com mais dez irmãos, dois dos quais, além dele próprio, tornaram-se religiosos, como era habitual naquela época entre muitas das famílias de descendentes de imigrantes alemães. Como professor no Colégio Anchieta e na UFRGS, a partir de 1958, Schmitz passou a freqüentar, influenciado por seu primeiro tutor, pe. Luis Gonzaga Jaeger, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Pelas mãos do pe. Balduíno Rambo, seu professor na UFRGS, passou a circular por instituições museológicas e de pesquisa no Sul do Brasil, conhecendo pesquisadores dos mais diversos ramos, especialmente botânicos e arqueólogos. Em 26 de abril de 1956, sob a inspiração tanto do pe. Rambo como do pe. Jaeger, foi fundado o Instituto Anchietano de Pesquisas, que nos planos do primeiro citado deveria ser uma instituição que juntasse todas as ciências e que pudesse competir com os grandes museus do Brasil e do mundo. | 148 |


Schmitz, sócio-fundador da instituição e secretário da sua reunião de fundação, é seu atual diretor. Ali, até hoje, vem participando ativamente no processo de formação de várias gerações de pesquisadores — arqueólogos, antropólogos, historiadores, biólogos, geólogos, etc.— e exercendo inúmeras atividades de pesquisa sobre o povoamento indígena no Brasil. Em 21 de setembro de 1961, com a morte do pe. Balduíno Rambo, coube a Schmitz assumir as cátedras de que ele era titular. Continou na UFRGS até o final da década de 1980, participando ativamente da formação de cientistas sociais, especialmente antropólogos e arqueólogos, e historiadores, tanto na graduação como na pós-graduação. No ano de 1963, também começou a lecionar Antropologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo, futura Universidade do Vale do Rio dos Sinos — Unisinos, na qual até hoje exerce o magistério e tem orientado inúmeros trabalhos de graduação e de pós-graduação. No início de sua carreira, o jovem Schmitz realizou vários estágios. Com o apoio do pe. Balduíno Rambo, nas férias de verão de 1960, faz seu primeiro estágio de Arqueologia, sob a orientação do dr. Alberto Rex Gonzalez, em companhia dos estudantes da Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, em Tafí del Valle, província de Tucumán. Em setembro de 1963, esteve no Ethnographisches Museum e no Naturhistorisches Museum, em Viena. Com Annette Laming-Emperaire, em Paranaguá, realizou escavações no Sambaqui do Toral e, em Antonina, no Sambaqui da Ilha das Rosas. Com o prof. Igor Chmyz, na Universidade Federal do Paraná, fez um estágio de cerâmica. No Museo y Facultad de Ciencias Naturales de La Plata, Argentina, permaneceu estagiando durante um ano, entre 1970 e 1971, o que lhe proporcionou intenso contato e intercâmbio com arqueólogos da Argentina, do Chile, do Peru, do México e da Guatemala. Realizou, ainda, um curso de Tecnologia Lítica, com o dr. Stanford, da Smithsonian Institution e, em duas oportunidades, em Washington, com a dra. Betty J. Meggers formou uma pequena equipe, que se reunia no Instituto Anchietano de Pesquisas, em São Leopoldo, com o

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objetivo de cadastrar os sítios arqueológicos e caracterizar as suas culturas. Durante sua carreira, Schmitz vem contribuindo através de sua obra para uma melhor compreensão do povoamento indígena no Brasil. Seus principais projetos de pesquisa nesse sentido podem ser muito sumariamente resumidos em quatro grandes projetos. São eles: U MA P R É - H I S T Ó R I A PA R A O R IO G R A N D E DO S U L Desde 1965, sob a coordenação de Schmitz, um grupo de arqueólogos desenvolve um amplo programa de pesquisas no Rio Grande do Sul para levantamento nas áreas e paisagens do Estado. Assim, ao lado do Pronapa, que também começou nesse ano e tinha como seu representante inicial no Estado o prof. Eurico Th. Milleriam, as culturas do Estado começaram a ser definidas. Com o programa, formaram-se arqueólogos, chegando o Estado a ter um bom número deles trabalhando em diversas universidades e museus. Numerosas dissertações de mestrado e teses de doutorado já foram defendidas utilizando resultados de pesquisas que têm sua origem neste programa inicial. Inúmeros trabalhos foram publicados por instituições que surgiram nesta época. O D E S A F I O D O S C E R R A D O S DO B R A S I L C E N T R A L O trabalho nos cerrados do Brasil Central nasceu do convite do reitor da Universidade Católica de Goiás e foi executado, basicamente de 1972 a 1985, numa estreita colaboração entre esta instituição e o Instituto Anchietano de Pesquisas. O encerramento se deu efetivamente apenas em 2003 com a publicação do último volume dos resultados. O programa abrangia o território de Goiás, o Estado de Tocantins e o sudoeste da Bahia. Como no Rio Grande do Sul, era um território ainda sem pesquisa efetiva, mas com um grupo de jovens entusiastas em busca de realização, que se tornou a base de um instituto estável e produtivo, o Instituto Goiano de Pesquisa Antropológica (IGPA). O programa proporcionou a oportunidade de estudar a implantação de populações caçadoras e coletoras nos cerrados e caatingas do Brasil

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Central desde o começo do Holoceno, a caracterização de seu sistema de assentamento, e de suas numerosas e variadas representações rupestres. Também permitiu considerável avanço no conhecimento de como se estruturaram e desenvolveram as populações indígenas cuja subsistência se baseava no cultivo de plantas tropicais, que antecederam os índios do grupo lingüístico Jê, antigamente chamados “Tapuias”. DAS SAVANAS DO PLANALTO AO PANTANAL DO ALTO RIO PARAGUAI Quando, em 1985, terminou o Programa Arqueológico de Goiás, Schmitz começou programa semelhante no Estado do Mato Grosso do Sul. A pesquisa no Pantanal, feita em convênio com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, não só produziu um razoável arcabouço da Arqueologia da área, como formou pesquisadores locais, que prometem continuar o trabalho nesta área ecológica importante e muito ameaçada de destruição. O P O V O A M E N TO DO L I TO R A L AT L Â N T I C O M E R I D I O N A L A pesquisa em concheiros surgiu com a morte, em 1984, do padre João Alfredo Rohr, S.J., que durante anos tinha investigado o litoral de Santa Catarina. Com seu desaparecimento, Schmitz foi declarado seu herdeiro científico, com responsabilidade sobre o acervo, o Museu do Homem do Sambaqui e a documentação. Padre Rohr tinha feito numerosas publicações populares sobre suas pesquisas, mas não tivera tempo e, finalmente, nem mais condições de transformá-las em textos científicos. Havia especialmente seis grandes escavações, cujo material precisava ser analisado, e o projeto inteiro, publicado. Três desses sítios eram sambaquis précerâmicos pouco espessos, e três eram ocupações litorâneas das populações cujo hábitat original era o planalto, onde se caracterizavam por “casas subterrâneas” e cerâmica da tradição Taquara-Itararé. Dois desses sítios tinham recebido uma publicação mais abrangente, mas era interessante reanalisar todo o material e fazer novas publicações, junto com as das escavações inéditas. Com isto, ficou demonstrado que

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o litoral não teve um só tipo de ocupação, o chamado sambaqui, mas foi explorado ou ocupado de variadas formas, por distintas populações residentes ou transitórias. Todos esses projetos contribuíram efetivamente para uma melhor compreensão do povoamento indígena no Brasil, sendo seus resultados minuciosamente publicados. Além disso, nas várias regiões em que foram executados projetos, foi treinado pessoal para continuar as atividades, e no Instituto Anchietano de Pesquisas se formou e se mantém uma equipe interdisciplinar que se encarrega de continuar a pesquisa arqueológica acadêmica, trabalhando problemas da PréHistória do Brasil, levantados nas pesquisas anteriores. S ÉRGIO BAPTISTA

DA

SILVA:

PROF . DO

PPGAS-UFRGS

Considero agora minha participação neste processo de mudança iniciado em 1962, e do qual, como já disse, fui testemunha/agente desde seu começo. Desde o início, trabalhei nos três cursos para os quais a Antropologia era oferecida, Ciências Sociais, Geografia e História, como se dava com os demais colegas da disciplina, todos atuando com integral responsabilidade pela regência de suas classes. Definidas as turmas, na prática, o catedrático só se manifestava em questões formais. Possivelmente, o fato de o curso de Ciências Sociais funcionar à tarde, o que representava certa dificuldade para os dois outros colegas nele trabalharem, pois residiam em São Leopoldo (a cerca de 30 km da Universidade), fez com que suas aulas de Antropologia, em pouco tempo, fossem atendidas exclusivamente por mim. Também concorreu para isto o fato de o professor José Joaquim Justiniano Proença Brochado, indicado pelo catedrático e admitido em 1963, e inteiramente dedicado à Arqueologia Indígena, não ter se interessado em trabalhar naquele curso. Determinado a fazer carreira na Antropologia, sempre fui zeloso em minhas atividades. Residindo até 1968 a menos de 1 km da Universidade, tinha facilitado o meu interesse em | 152 |


participar das reuniões departamentais25 e da vida acadêmica em geral. Assim, mesmo admitido em regime parcial, de 12 horas, tinha grande presença na Universidade, o que não se dava com os outros colegas. Tais fatos, associados à administração democrática da disciplina por parte do catedrático, propiciaram que eu adquirisse quase completa autonomia acadêmica e passasse a exercer uma relativa liderança política na Antropologia. Para tal, também contribuiu o afastamento do professor Schmitz, por um ano, em 1963/64, para realizar estudos em Viena. Na oportunidade, cheguei a ser responsável por cinco turmas. Por conta de tal autonomia, fiz uma certa ruptura com os estudos mais presentes até então: Antropologia Física, Arqueologia Indígena e Sociedades Simples. Centrei meu trabalho nas sociedades complexas, incluindo aí o Brasil contemporâneo e urbano. Foi com agrado que os alunos viram a Antropologia trazendo à cena a discussão de temas como Carnaval, futebol, padrões de namoro, moda, letras de canções populares, festas, preconceitos e discriminações de toda a ordem. Assim, meio sem saber, me aventurava pelos estudos simbólicos. Fruto da época, também incursionei pelos estudos de comunidades semi-rurais/semi-urbanas no Brasil, com Charles Wagley, Emílio Willems e Úrsula Albershein. Minha preocupação com as sociedades complexas e também com fazer “alguma coisa diferente” me levou, em 1963/64, a montar um programa sobre a África, centrado nos processos de colonização/descolonização que o continente vivenciava na época. Como se deu com os estudos de Antropologia simbólica, também meio sem saber, enveredava pelos caminhos da Antropologia Social inglesa e passava a tomar contato com autores franceses. Implementado em 1964/65, o curso só deixou de ser oferecido a partir de 1973, quando me afastei para fazer o mestrado na Unicamp. Com toda a propriedade, posso dizer que, na época, o estudo de questões africanas contemporâneas na UFRGS era uma 25. Até a reforma universitária de 1968, a lotação departamental estava vinculada à participação nos cursos em que se atuava. Assim, simultaneamente, participava dos Departamentos de Ciências Sociais, Geografia e História.

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autêntica África. O material bibliográfico disponível na biblioteca era escasso e desatualizado. Por isto, saí a campo para adquirir livros para a ela e para mim. Também saí à cata de pessoas com alguma experiência africana, com condições de contribuir para amenizar minhas dificuldades. E elas apareceram, todas residindo ou de passagem por Porto Alegre. Lembro de diplomatas de países europeus (alguns com colônias na África) servindo na cidade26, militares brasileiros que cumpriram missão no Congo integrando forças da ONU, que intervieram nos conflitos que se seguiram à sua independência; professores franceses e ingleses (um destes era sobrinho de EvansPritchard), que atuavam em cursos de Letras da UFRGS; exilados políticos de Angola e Moçambique; missionários católicos e protestantes, empresários e simples turistas. Na busca de palestrantes, a contribuição dos próprios alunos foi maiúscula. Certamente, alunos e eu pudemos conversar com não menos de vinte destes abnegados. Todos deram alguma contribuição. Junto com considerações sobre a implantação dos processos coloniais e de novas nações, afloraram elementos importantes da sociocultura autóctone. Dentre eles, lembro-me bem, da forte vinculação dos indivíduos com seus grupos originais e o importante papel dos ritos de passagem para criar/reafirmar a vinculação a seus grupos e subgrupos. Como a maior parte da literatura que consegui reunir era em inglês, cuja leitura raríssimos alunos dominavam, me vi forçado a fazer diversas traduções mais ou menos resumidas, para uso deles. Além de me exigir um grande esforço, isto também representou uma certa temeridade, porém, com resultado bastante satisfatório. Temeridade porque, sendo medíocre meu conhecimento de inglês, de modo quase autodidata, me vi forçado a desenvolver sua leitura. Minha aprendizagem se deu com a leitura de Profiles in Ethnology, de Elman Service. Aliás, ele foi o primeiro dos diversos antropólogos norte-americanos a quem escrevi, solicitando indicações de temas para estudo e bibliografias. Obtive bom retorno, em número de respostas e de 26. Na ocasião, ela contava com vários consulados.

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contribuições. Sempre contei com a boa vontade de colegas e amigos para verterem minhas cartas para o inglês. Meu empenho no curso, ou melhor dizendo, nos cursos sobre a África foi duplamente recompensado. Primeiro, pela muito boa receptividade por parte dos alunos e pelo que aprendi; segundo, pela viagem à África, que pude realizar. Penso que vale a pena registrar como as coisas se passaram. Lá por abril de 1969, me deparei, em revista de divulgação, com uma ampla matéria sobre Angola, na época sob administração portuguesa, como Província Ultramarina. A referida matéria destacava o entusiasmo de seu governador com o que lá se passava. Ocorreu-me, então, escrever para ele, major Rebocho Vaz, do Exército Português. Minha verdadeira intenção ao escrever-lhe era obter o que de fato sucedeu: o convite para visitar Angola, sem que eu pedisse. Minha estratégia consistiu em apresentar meu curso sobre a África e falar de minha dificuldade em tratar de Angola e dos outros territórios portugueses no continente, pela maneira conflitante como eram considerados na bibliografia. Em função do que, ele fazia três perguntas bem fundamentadas. Lembro que uma delas se referia ao sentimento nacional português, que, dizia ele naquela matéria, animava o conjunto da população angolana. Concluía minha carta dizendo que procedia assim por não ter uma experiência africana e não saber quando ou se tal viria a ocorrer. Uns dois meses depois, recebi o convite, por conta do Ministério do Exterior de Portugal. Viajei em setembro, via Lisboa, permanecendo duas semanas em Portugal à espera de lugar em vôo para Angola. Por isto, a viagem programada para um mês prolongou-se por quase dois 27. Em Luanda, fui recebido por Rebocho Vaz, que me causou excelente impressão e a quem ofereci o livro O caráter nacional brasileiro, de Dante Moreira Leite. De Angola, fui para Moçambique, com uma estadia de duas semanas em cada um dos territórios. Pelos contatos que pude fazer e pelas numerosas viagens em Portugal e na África, realizei proveitosas observações. Deveras, 27. A questão desta alteração foi bem resolvida pelo Departamento de Ciências Sociais.

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aprendi bastante. Um outro fruto desta viagem, agora na área do simbólico, foi que ela representou para mim, para meus alunos e, também, para colegas da Universidade mais chegados a mim uma espécie de rito de passagem, que me legitimava a tratar de África. Afinal, tinha ido lá. Registrei minhas observações em um artigo intitulado “A continuidade da presença portuguesa na África”, publicado por Organon, n. 14, 1970. O mesmo texto também foi publicado, em duas partes, em edições dominicais sucessivas, pelo Correio do Povo, na época o principal jornal do Rio Grande do Sul. Como já indiquei, esta relativa liderança na Antropologia, que teve origem na minha maior presença na Universidade, em relação à dos colegas, também se fortaleceu pelo desinteresse, por vezes, apatia, daqueles para tratar de questões de cunho mais administrativo. E tais questões eram numerosas e relevantes. Entre as mais corriqueiras e formais, estavam: vestibular, matrículas, transferências, reconhecimento de créditos de alunos, horários das aulas. As eventuais e mais informais incluíam coisas como indicar livros e revistas para aquisição pela biblioteca, muitas vezes por sua solicitação, a toque de caixa, para aproveitar uma dada verba, antes que ela fosse recolhida por falta de uso; postular conserto ou disponibilidade de material de aulas ou pesquisa: projetor de diapositivo, retroprojetor (que exigiam sala escura), gravador, papéis para provas, mimeógrafo (não havia ainda o xerox); acompanhar fichamento de livros na biblioteca; providenciar sociabilidade com visitantes, comparecer a eventos; representar a Faculdade, o Departamento ou a disciplina em situações diversas. Tais coisas só deixam de ter importância para aqueles que sabem que alguém as assumirá em seu lugar. A intensidade de meu envolvimento com tudo isto fez com que, afora as questões de ordem formal do catedrático, na prática eu respondesse pela disciplina na maioria de seus assuntos. Às minhas atividades extraclasses, acrescentei ainda a de secretário do Colegiado do Departamento de Ciências Sociais no período 1968—1972. De tudo isto, resultaram benefícios para mim e para a disciplina. Como bem cedo passei a conhecer a máquina administrativa e | 156 |


seus macetes, pude operá-la com razoável sucesso. No que respeita às listas para aquisição de livros pela biblioteca, descobri que a massa dos professores da área das Ciências Humanas era completamente desinteressada, por acreditar que o propósito não seria atingido. Assim, os poucos que faziam solicitações, eu entre eles, tinham suas chances de sucesso redobradas. Evidente que as minhas listas continham também sugestões dos colegas da disciplina. Como a biblioteca também podia encaminhar pedidos para a importação de livros, contávamos com tal possibilidade. Por conta da importação, para a biblioteca e para mim, tornei-me o principal cliente da Livraria Kosmos, que existia na Rua da Praia. Ágil e especializada em importação, em pouco tempo não só entregava os livros solicitados como oferecia catálogos com novas publicações. Em complementação à compra de livros pela biblioteca, também acompanhava de perto a sua catalogação, para poder utilizá-los logo que necessário. Contando com a extremada boa vontade das bibliotecárias, não só conseguia que livros de meu imediato interesse fossem catalogados com extrema rapidez, como obtinha permissão para retirá-los mesmo antes que isso ocorresse. Ainda no que respeita à catalogação, também obtive sucesso na superação de um problema de relativa importância prática e simbólica: fazer com que todas as novas aquisições de Antropologia fossem nela catalogadas e, assim, colocadas em suas respectivas estantes. Até então, era comum que grande parte delas fossem catalogadas em Sociologia. Falei em importância simbólica porque, no quadro de socialismo triunfante e de revoluções mundo afora, a hegemonia da Sociologia e Política na área das Ciências Sociais aparecia como coisa natural, pois os conflitos pela manutenção/conquista do poder econômico/político eram os temas de seu maior interesse. Basicamente com abordagem marxista/leninista ortodoxa. Assim, pouco preocupada em estudar aqueles temas, sobrava espaço reduzido para a Antropologia. Abrindo espaço para tais temas, o curso sobre a África timidamente atenuava a questão. Tal timidez se dava pela não utilização daquela abordagem. | 157 |


No caso específico da UFRGS, apesar das relações amistosas e, mesmo, de intensa camaradagem entre os professores das três áreas, era perceptível a desconsideração acadêmica dispensada à Antropologia por sociólogos e cientistas políticos. Por extensão, a mesma coisa se passava entre os alunos, em especial no curso de Ciências Sociais. Lembro-me que, bem compreendendo a situação, o professor Schmitz dizia algo muito próximo de “é preciso dar duro, vamos trabalhar bem para nos descobrirem e nos respeitarem.” Como veremos, foi o que aconteceu. Exemplo emblemático de tal desconsideração foi um episódio ocorrido próximo a 1970, em reunião do grupo de trabalho designado pelo Colegiado do Departamento de Ciências Sociais, para apresentar propostas para uma profunda alteração no currículo daquele curso. Na ocasião, os representantes da Sociologia e da Ciência Política se manifestaram contrários ao oferecimento, ainda que como opcionais, de disciplinas de Antropologia, com articulação curricular equivalente à de disciplinas a serem oferecidas por aquelas áreas como obrigatórias. A situação foi revertida com o apoio do professor José Carlos Grijó, representante da Estatística. Sua forte manifestação foi fundamental para que se estabelecesse a plena simetria curricular entre as três áreas. A reforma curricular em questão ocorreu no quadro da ampla reforma universitária que extinguiu o sistema de cátedra e instituiu o sistema departamental. Em decorrência, todos os docentes passaram a ter uma só vinculação departamental. No caso da Antropologia, juntamente com Ciência Política e Sociologia, a vinculação se deu com o Departamento de Ciências Sociais. Pelo novo sistema, os Departamentos passaram a ter importantes responsabilidades administrativas e pedagógicas, exercidas através de seus colegiados. Numa segunda etapa, em 1970, a mesma reforma, extinguindo a Faculdade de Filosofia, substituiu-a por vários institutos. Entre eles, o de Filosofia e Ciências Humanas, integrado pelos Departamentos de Ciências Sociais, Filosofia, História e Psicologia. Este, no final dos anos 70, deu origem ao Instituto de Psicologia. | 158 |


No mesmo ano, as responsabilidades pedagógicas dos Departamentos foram assumidas pelas Comissões de Carreiras. Pela minha relativa liderança e, agora também, pelo reconhecimento do trabalho da Antropologia, integrei, já na sua instalação e, por dois anos, a de Filosofia e Ciências Humanas. No primeiro semestre de 1970, como parte do processo geral de expansão universitária no País, o Departamento de Ciências Sociais foi contemplado com quatro vagas para professor. Pela redistribuição interna, foram atribuídas duas vagas à Sociologia, uma à Antropologia e uma à Ciência Política. Feita a divisão das vagas, cada área, posteriormente, deveria indicar seus candidatos. Pelo lado da Antropologia, pensei em dois nomes, que submeti à apreciação dos três outros colegas da disciplina. Todos, além de concordarem com os nomes apresentados, me delegaram a tarefa de encontrar substitutos, em caso de impedimento dos indicados. Logo no início da reunião para a indicação dos nomes, ficou decidido que a Antropologia se manifestaria por último. Fiquei preocupadíssimo com a decisão. Minha preocupação era legítima e de ordem prática. Isto porque, além de estar de fato fixado num só nome, na minha avaliação, havia grande chance que ele viesse a ser indicado por outra área. Como tal não se deu, pude fazê-lo, nervoso, porém contente: apresentei o nome de Ruben George Oliven. Feita a apresentação, o responsável pela indicação dos nomes para a Sociologia, recordo bem, lamentou-se por não tê-lo considerado entre suas alternativas. Ao informá-lo da aceitação de seu nome, também lhe disse, brincando, que para não ficar me devendo favor, ele deveria me dar uma garrafa de uísque. Ganhei uma de Chivas. Indiquei-o por entender ser ele o melhor, em todo o horizonte de possibilidades. Meus juízos sobre ele resultaram de ponderações sobre seu desempenho acadêmico e modos de ser, como meu aluno no curso de Ciências Sociais. Com tais considerações, também estou dizendo das preocupações da Antropologia em incorporar os melhores. Admitido no segundo semestre do mesmo ano, Ruben, que já era formado em Economia, foi o primeiro professor da | 159 |


Antropologia proveniente de um curso de Ciências Sociais e também o mais jovem, com 24 anos. Como se deu também com José Brochado, sua admissão/efetivação não implicou a realização de qualquer tipo de prova. No semestre de sua admissão, ele foi professor no curso de Jornalismo, assumindo as aulas de uma disciplina chamada de Problemas Sociais e Econômicos. Isto se deu a partir do exame de seu currículo pelo chefe do Departamento de Ciências Sociais, pelo qual, julgando-o habilitado, solicitou a sua colaboração para assumir aquela disciplina e assim resolver um problema emergencial da área de Sociologia, responsável por ela. No ano seguinte, ele assumiu responsabilidades docentes na Antropologia, contemplando em seus programas o estudo de questões urbanas. Assim, de início, já imprimiu sua marca pessoal. Tal temática já era tratada por ele no curso de mestrado que realizava no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS. Tornou-se mestre em 1973, com a dissertação A cidade como local de integração sociocultural: a integração dos moradores da Vila Farrapos na cidade de Porto Alegre. Assim, ele se tornou o primeiro pós-graduado em stricto sensu na Antropologia da UFRGS. Afável, dedicado ao trabalho e competente, desde o princípio ele se integrou com facilidade ao grupo da Antropologia, relacionando-se harmoniosamente com todos os professores do Departamento. Comigo, todavia, se estabeleceu um relacionamento mais intenso, consolidado a cada dia, por termos, como causa e efeito, compartilhado as mesmas salas de trabalho desde 1972. Ao longo deste tempo, construímos um relacionamento fraterno, marcado pela cooperação, respeito, amizade e afetividade. Com sua admissão, pela primeira vez a Antropologia pôde contar com mais de uma pessoa a tratar de modo institucionalizado de seus assuntos, afora os compromissos mais diretamente vinculados à docência. Nossa primeira sala, muito apropriadamente chamada por nós de cubículo, não teria mais do que 6 m² e uma porta como única abertura, dando para um corredor. Ela resultou da divisão, em quatro partes, de uma outra sala e nos foi concedida pelo | 160 |


Departamento em 1972. Em espaço igual e contíguo, funcionavam a Chefia e a Secretaria do Departamento. Isto serve como indicador preciso de nossas carências. Ainda que exíguo, nosso cubículo representou uma conquista, pessoal e institucional. Para quem só dispunha de uma pequena gaveta, na sala de professores, para guardar algum material, foi grande salto passar a dispor de uma sala. Ela também se constituiu em conquista institucional, porque, desde a década de 1950, este foi também o primeiro espaço atribuído à Antropologia. Até então, seu único espaço era uma sala contígua ao cubículo, usada para guardar e/ou expor materiais indígenas e aparelhos para o estudo de Antropologia Física. Os outros três colegas da área também costumavam utilizar o local, especialmente o professor Brochado, que aí tinha seu gabinete. No cubículo, não sei como, conseguimos colocar três escrivaninhas, três cadeiras, um armário metálico e, grande conquista, uma máquina de escrever de carro grande. O espaço para a circulação girava em torno de 1 m². Aí, por vezes, e também não sei como, chegávamos a ter cinco pessoas, nós dois e alunos bolsistas. O armário, ainda em uso, e a máquina, aposentada, são peças importantes do acervo do, digamos assim, museu funcional da Antropologia. Quando da implantação, em 1972, de um Primeiro Ciclo, comum a todos os alunos que ingressassem na UFRGS, o relativo prestígio da Antropologia, que já se manifestava na época, se tornou mais explícito. Os conteúdos humanísticos deste Primeiro Ciclo seriam desenvolvidos sob sua égide, através de uma disciplina chamada Introdução ao Estudo do Homem e coordenada por mim. Sei de boa fonte que tais decisões, tomadas no âmbito da Reitoria, sem ouvir o Departamento de Ciências Sociais, provocaram mal-estar na área de Sociologia, que se sentiu desprestigiada. A implantação do Primeiro Ciclo se deu de forma muito tumultuada, entre janeiro e princípios de abril, com o início das aulas. A tais dificuldades, somava-se mais um complicador, intrínseco à própria concepção do Primeiro Ciclo: representava uma espécie de novo vestibular para metade dos alunos. Enquanto | 161 |


50% dos alunos bem classificados no exame vestibular tinham suas vagas asseguradas nos cursos escolhidos, as vagas para os demais, nos cursos anteriormente escolhidos, dependiam do desempenho no Primeiro Ciclo. Pela permanente tensão provocada por tal norma, ela foi suprimida quando da transformação do Primeiro Ciclo em Ciclo Básico em 1974. Como parte da transformação e numa reação da Sociologia, aquela disciplina foi substituída por Introdução à Sociologia. Mais adiante, o Ciclo Básico também foi extinto. Apesar de tudo, a Introdução ao Estudo do Homem, diga-se de passagem, bem trabalhada, resultou em benefícios para mim, para Ruben, que também integrou sua comissão coordenadora, montada por mim, e para a Antropologia. Para nós, por uma melhoria salarial muito significativa. Nosso regime de trabalho, que havia passado de doze horas semanais para vinte e quatro horas em 1971, agora passava para quarenta horas. Isto ganha maior relevância, porque, até então, tal regime de trabalho e o de dedicação exclusiva eram raridades na UFRGS. Para a Antropologia, o benefício foi duplo: tornou-se mais respeitada e conhecida, além de poder contar com nosso trabalho, na prática, em tempo integral. No que se refere a mim, também registro que, para poder atender às atribuições inerentes àquela coordenação, professor que era do magistério estadual, fui cedido pelo governo do Estado para a Universidade, situação que perdurou até minha aposentadoria naquele cargo, facilitando enormemente minha vida universitária, inclusive na realização do mestrado. Por circunstâncias muito especiais, em 1971 ocorreu um fato de primeira importância para todo o Departamento de Ciências Sociais. O relacionamento acadêmico entre o chefe do Departamento, professor Luiz Alberto Cibils, e o sociólogo Achim Schrader, da Universidade de Münster, Alemanha, que realizava pesquisas no Brasil, evoluiu para um relacionamento bem pessoal: tornaram-se compadres. Cibils batizou um filho de Schrader. A partir daí, criaram-se as condições que conduziram a um convênio entre o Departamento e a Ôkumenis Studienwerkches, instituição vinculada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana, que fornecia | 162 |


bolsas de estudos para alunos do chamado Terceiro Mundo. Se bem me lembro, foram atendidas todas as solicitações do Departamento, em torno de dez, contemplando as suas três áreas. Como na Antropologia só Ruben e eu manifestamos interesse, como representante da Antropologia no Conselho Departamental apresentei nossas demandas, que foram atendidas. O resultado foi altamente positivo para o Departamento, que, até então, só contava com três pós-graduados stricto sensu, e pôde pelo convênio incorporar em cerca de cinco anos dois mestres e cinco doutores. Com bolsa da Ôkumenis Studienwerkches, fiz o mestrado em Antropologia Social — na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, no período 1973 – 1976. Em tal período, fiquei afastado da UFRGS somente em 1973, dedicado à obtenção dos créditos e no primeiro semestre de 1974, dedicado à pesquisa de campo. Orientado pelo professor Luiz Mott, que realmente desempenhou o papel esperado de um orientador, apresentei uma dissertação intitulada O bordão do pobre: um estudo sobre o gado como estratégia econômica para uma população minifundiária do Rio Grande do Sul. Com a obtenção do título de mestre, tornei-me o primeiro pósgraduado em Antropologia, stricto sensu, da UFRGS. Por isto e, sobretudo, porque na época o título de mestre ainda tinha considerável expressão, fui objeto de homenagem do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, promovida por seu diretor, professor Dante de Laytano, em seu gabinete. A foto a seguir apresenta um registro do evento. Também em 1976, os professores Pedro Ignácio Schmitz, com a tese Sítios de pesca lacustre em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, Brasil e Arthur Blásio Rambo, com a tese A evolução do homem: aspectos científicos, filosóficos e teológicos, obtiveram o título de livredocente, com exame de Livre-Docência na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRGS. Uma outra conquista de título para a Antropologia foi o doutorado do professor Ruben George Oliven, com a tese Urbanization and social change in Brazil: a case study of Porto Alegre, na Universidade de Londres, realizado no período 1974–1977, também com bolsa da Ôkumenis Studienwerkches. Com seu | 163 |


Da esquerda para a direita: Raphael Copstein, Plínio Russomano, Roberto Fachin, Francisco Ferraz, Luiz Carlos Hotmann, Hotelo Laurent, Dante de Laytano, Sérgio Alves Teixeira, Earle Macarthy Moreira e Tulskon Dick. Acervo: Sérgio Teixeira.

retorno em 1978, ele tornou-se o primeiro doutor stricto sensu da Antropologia na UFRGS. Esclareço que, lá pelo início dos anos 1970, como parte da estratégia para marcar uma identidade própria da área de Antropologia, nós, seus integrantes, passamos a referi-la como Setor de Antropologia. Como em pouco tempo a mesma forma de identificação foi adotada pelas áreas de Ciência Política e de Sociologia, o termo setor institucionalizou-se. Isto refletia uma situação de fato, com cada uma das áreas, a partir de um dado momento, sendo setores atuando com crescente autonomia e reivindicando espaços próprios. O grau de institucionalização de setor pode ser avaliado pela extensão de seu uso nas instâncias superiores da Universidade e mesmo fora dela. Em 1972, o professor Francisco Ferraz, mestre pela Universidade de Princeton e integrante do Setor de Ciência Política, liderou um movimento para a implantação de um curso de mestrado, com a participação dos três setores que compunham o Departamento de Ciências Sociais. Assim esperava-se reunir | 164 |


recursos para compensar nossa fragilidade generalizada. Coube ao professor Schmitz apresentar a proposta da Antropologia para nossa eventual participação no curso em questão. Por estar muito centrada na Arqueologia Indígena, sua proposta foi julgada incompatível com as proposições dos dois outros setores, por uma comissão de consultores da Capes. Como tais setores entenderam que a apresentação de uma nova proposta por parte da Antropologia, ainda tentada por Ruben e por mim, complicaria o processo, nosso setor ficou de fora. O fato, logo se viu, foi benéfico para a Antropologia: ao mostrar com crueza toda a nossa fragilidade, estimulou esforços para sua superação. Em 1973, somando forças e compensando deficiências, os outros setores instalaram um curso de Mestrado em Política e Sociologia. Ainda que a Antropologia, como área, tenha ficado de fora, Ruben, por ser mestre, participou daquele curso, já em seu primeiro ao ano. A

SEGUNDA GRANDE MUDANÇA : O INÍCIO DA PÓS - GRADUAÇÃO

Pela sua relevância e para balizar de modo mais preciso, é legítimo dizer que o marco inicial desta segunda grande mudança foi o primeiro passo formal na implantação da pós-graduação em Antropologia na UFRGS: seu primeiro curso de Especialização em Antropologia Social, em 1974. Organizado e coordenado por Ruben Oliven, o corpo docente deste foi integrado por Anamaria Beck, da Universidade Federal de Santa Catarina; Peter Fry, da Unicamp; Patrícia Kluck, doutoranda da Universidade Cornell, Estados Unidos, que realizava pesquisas no Brasil; Pedro Ignácio Schmitz e Ruben Oliven, representantes da UFRGS. No ano seguinte, dando continuidade àquele projeto, organizei e coordenei nosso II Curso de Especialização em Antropologia Social. Este curso, como se deu com seu antecessor, também contou com a colaboração de professores externos à UFRGS. A intensidade do comprometimento dos integrantes do Setor de Antropologia com tal projeto se evidenciou na obtenção por eles, no período de quatro anos, de um título de mestre, dois de | 165 |


livres-docentes e um de doutor, e no esforço para incorporar novos docentes que oferecessem bons indicadores de, sem muita demora, obterem a qualificação exigida por ele. Foi neste quadro que foram incorporadas ao Setor de Antropologia, já em 1975, Aimara Stefani Célia e Maria Noemi de Castilhos Brito, ambas com especialização em Antropologia Social, obtida em nosso primeiro curso. Aquela foi a primeira mulher e também o primeiro docente a ser incorporado à Antropologia por seleção pública. Frustrando nossas expectativas, no ano seguinte ela se demitiu para casar, sendo também o primeiro docente a deixar a Antropologia por pedido de demissão. Maria Noemi, técnica em assuntos educacionais da UFRGS, foi liberada parcialmente de suas funções técnicas, naquele ano, para exercer funções docentes com carga reduzida. Em 1978, foi liberada integralmente daquelas funções para ser incorporada ao Setor de Antropologia, com lotação no Departamento de Ciências Sociais. Após concluir o mestrado na Unicamp, em 1985, com a dissertação Sindicato no feminino: uma luta de formiga, ela fazia doutorado na Universidade de São Paulo, quando faleceu em 1996. Homenageando-a, a revista Horizontes Antropológicos n.4 publicou, como tributo de seus colegas à sua memória, um registro de sua trajetória acadêmica, elaborado por Claudia Fonseca. Já cedo, como era de se esperar, as novas qualificações docentes também tiveram seus efeitos nos cursos de graduação em que a Antropologia era oferecida. Possivelmente, seu primeiro resultado mais expressivo tenha sido a abertura para a chamada Antropologia Social inglesa, tendo como ponto de partida um seminário sobre ritos, oferecido por mim em 1975, para uma turma avançada do curso de Ciências Sociais. Coisa que se apresentava como natural, pois seus fundamentos tinham forte presença na pós-graduação que eu cursara na Unicamp. Entre as suas figuras mais exponenciais, estavam Peter Fry, Antonio Augusto Arantes e Verena Stolcke, que lá foram meus professores e estudaram na Inglaterra. Lembro que, no tratamento do tema, trabalhei com Les rites de passage, de Arnold Van Gennep, com O processo ritual, de Victor | 166 |


Turner, e com Purity and danger, de Mary Douglas, que seria editado no Brasil no ano seguinte. Em 1978, o Setor de Antropologia incorporou a norteamericana Claudia Williams Lee Fonseca, que passou a ser seu primeiro professor visitante, estrangeiro, com pós-graduação em Antropologia, stricto sensu, quando do ingresso: mestrado em Estudos Orientais, com a dissertação Taiwan: an developing nationstatement – an extended essay in political anthropology, pela Universidade de Kansas, Estados Unidos, em 1977. Ela foi efetivada em 1981, por norma de legislação federal. O processo de admissão de Claudia merece registro, por sua peculiaridade. Em 1977, casada com um brasileiro e com a intenção de se radicar no Brasil, ela enviou seu currículo para o Departamento de Ciências Sociais, com vistas a uma possível contratação. Lembro bem que suas vivências antropológicas no Alto Volta (atual Burkina Fasso) e em Taiwan despertaram atenção especial. O chefe do Departamento, professor Roberto Fachin, do Setor de Ciência Política, ouvido o Setor de Antropologia, empenhou-se intensamente em conseguir sua contratação. Tudo se passou rápido e bem. Em maio de 1978, recebi seu telefonema, já de Porto Alegre, e num português (sem jogo de palavras) ainda claudicante, dando conta de sua chegada. Nossas necessidades, sua competência e disposição para o trabalho, a par de seu informalismo espontâneo e sedutor, fizeram com que sua incorporação à rotina do Setor fosse imediata e fácil. Suas tarefas docentes, já em seu primeiro ano entre nós, incluíram aulas na graduação e no III Curso de Especialização em Antropologia, também organizado e coordenado por mim. Com este curso, encerra-se a etapa da segunda grande mudança na Antropologia da UFRGS. Antes de considerar a próxima etapa neste quadro de grandes mudanças acadêmicas, é oportuno registrar uma significativa mudança na área espacial ocupada pelo Setor de Antropologia. Em 1977, com a transferência do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas do Campus Central para o Campus do Vale e sua instalação, na seqüência, em dois novos e amplos prédios, o Setor de Antropologia passou não só a dispor, desde então, de salas | 167 |


para acomodar adequadamente os seus agora sete docentes, como a contar com espaços físicos para sua futura expansão. A

TERCEIRA GRANDE MUDANÇA:

A IMPLANTAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO

O marco que baliza o início desta terceira grande mudança foi o atendimento das duas condições básicas que faltavam para a concretização da pós-graduação stricto sensu, com a implantação do projetado curso de Mestrado em Antropologia Social. Tais condições eram: experiência em pós-graduação e corpo docente qualificado. As outras condições, já satisfeitas, diziam respeito a coisas de infra-estrutura, como biblioteca, espaço físico, equipamentos, e de oportunidade, como demanda potencial. A experiência em pós-graduação foi obtida com os três cursos de especialização. A qualificação do corpo docente se deu através da titulação obtida por seus futuros integrantes. Não obstante, é imperioso dizer que todos os que detinham alguma responsabilidade no processo – ou seja, todos nós – reconheciam que ela se situava no limite inferior da escala. E não poderia ser outro o entendimento, pois éramos: dois livres-docentes, Pedro Ignácio Schmitz e Arthur Blásio Rambo; um doutor, Ruben George Oliven; dois mestres, Claudia Williams Lee Fonseca e Sérgio Alves Teixeira; e um doutorando, José Joaquim Justiniano Proença Brochado28. Na ocasião, só o último não foi proposto como orientador, o que ocorreu em 1984 quando se doutorou, com a tese An ecological model of the spread of pottery and agriculture into Eastern South América, na Universidade de Illinois/Urbana, Estados Unidos. Portanto, a disposição de implantar o curso de mestrado contando com massa crítica tão modesta continha lá seus componentes de temeridade. 28. Sobre sua tese, registro manifestação de seu orientador em apoio ao pedido de uma pequena prorrogação de prazo para a conclusão de seu doutorado, requerida pelo orientando ao Departamento de Ciências Sociais. Disse ele que, partir da tese desenvolvida por este, os estudos de populações indígenas da América do Sul, nos aspectos por ele abordados, teriam um novo divisor: antes e depois do trabalho de Brochado.

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O projeto de nosso mestrado, voltado para o estudo das sociedades complexas, apresentava um sistema curricular que procurava compatibilizar a preocupação com a abordagem de um amplo espectro da vida sociocultural com os interesses dos professores e dos futuros alunos. Tal se dava, para os primeiros, pela indicação das disciplinas pelas quais se responsabilizavam; para os segundos, pela possibilidade de opção entre as disciplinas oferecidas. Apesar do reduzido número de professores, desde o princípio os alunos dispunham de efetiva possibilidade de opção. O que ocorria não só pela oferta de créditos acima do mínimo exigido, a cada semestre, como também porque o exercício da opção era institucionalmente estimulado, pois só duas disciplinas tinham créditos obrigatórios: Teorias Antropológicas e Métodos e Técnicas de Pesquisa. Por conta de nosso reduzido número, todos tínhamos a responsabilidade por, no mínimo, duas disciplinas. Apesar de nossas carências, o projeto foi levado adiante e aprovado. Encaminhado à apreciação da Câmara de PósGraduação e Pesquisa da Universidade no primeiro semestre de 1979, foi por ela aprovado ainda no seu transcurso. Sua aprovação por aquela Câmara veio acompanhada da determinação de sua inclusão, como uma nova área, no curso de Mestrado em Política e Sociologia, em funcionamento desde 1973, que passou a se chamar Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia. Em decorrência, Ruben e eu fomos eleitos para integrar sua Comissão Coordenadora, que contava também com dois representantes de cada uma das outras áreas. Iniciou-se, assim, a segunda fase da pós-graduação em Antropologia na UFRGS, agora em stricto sensu. Registro que, na mesma época, inseridos no contexto favorável ao desenvolvimento da pós-graduação no Brasil, outros grupos desenvolviam esforços semelhantes para implantar novos cursos de pós-graduação em Antropologia no País. Refiro-me especialmente à Universidade Federal de Santa Catarina e à Universidade Federal de Pernambuco, que lograram sucesso. Os novos cursos vieram se somar aos cursos mais antigos localizados no clássico eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Brasília. | 169 |


Com base na mesma resolução que também estabelecia que a coordenação do novo curso caberia a cada área, em sistema de rodízio, ela foi exercida por Ruben no período 1981/83. A aula inaugural do mestrado, em agosto de 1979, foi proferida pelo professor Otávio Guilherme Velho, do Museu Nacional – UFRJ, com a conferência “A universidade e a Antropologia no Brasil”29. Após a conferência, seguiu-se um agradável coquetel, tudo no pátio coberto do prédio atualmente ocupado pelo Instituto de Letras. Na época, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas ocupava o andar superior. O convite ao professor Otávio Velho para proferir a aula inaugural, além da garantia de destaque para evento tão relevante, também indicava nossa disposição de buscar o diálogo intenso com outros centros avançados de investigação antropológica, o que vem acontecendo ao longo do tempo. Com tal preocupação, já de início, intensificamos nossa participação em reuniões científicas de cunho nacional e internacional. Dentre as primeiras, por sua regularidade, destaco as do Centro de Estudos Rurais e Urbanos — CERU; da Associação Brasileira de Antropologia — ABA; da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais — Anpocs; e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — SBPC; criando condições para que nossos alunos também se fizessem presentes. A propósito das reuniões do CERU, me permito referir um fato que me deu grande satisfação e que deve ter ocorrido na reunião de 1982 ou 83, a que compareci acompanhado de três orientandos meus. Entusiasmada pelas consistentes comunicações que eles fizeram, centradas em suas respectivas dissertações ainda em andamento, a professora Maria Isaura de Queiroz, fundadora e expressão maior do CERU, declarou algo muito próximo de “a julgar pela amostra, a Antropologia da UFRGS está muito bem”. A inclusão de um examinador de fora da UFRGS nas comissões examinadoras de dissertação, sistematicamente posta em prática, se mostrou instrumento de grande valia para aquele diálogo. Tanto mais que, como regra, o visitante também era solicitado a 29. Publicada na Revista do IFCH/UFRGS, v. 8, 1979/1980, p. 289-296, Porto Alegre.

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dar uma palestra e, eventualmente, discutir projetos de alunos. Renomados antropólogos brasileiros e estrangeiros integraram tais comissões. Tudo isto em conformidade com a orientação posta em prática, desde o início de, sem desprezo pelo regional, voltarmo-nos para o mais geral. As linhas de pesquisa desenvolvidas pelo Programa estavam afinadas com esta orientação. Embora todos nós já trabalhássemos com pesquisas, é possível dizer que foi com a criação do mestrado que verdadeiramente a cultura da pesquisa se institucionalizou, fazendo com que esta passasse a ser considerada, individual e coletivamente, como inerente às nossas atividades acadêmicas. Os compromissos com a pós-graduação – entre eles as satisfações devidas a alunos amadurecidos, ávidos por novidades e conhecimentos sólidos, e às agências financiadoras e reguladoras – atuaram como catalizadores para tal. Assim, quase que de imediato, nós, os integrantes de seu núcleo formador, nos atiramos às pesquisas, em áreas de nossos interesses mais diretos: Arthur Rambo, no associativismo dos imigrantes alemães e descendentes; Claudia Fonseca, na família; Pedro Ignácio Schmitz, na Arqueologia Indígena e nas teorias antropológicas; Ruben Oliven, na cultura brasileira; Sérgio Teixeira, nos rituais seculares. A plena ciência da precariedade do corpo docente com que se iniciou o curso não nos abateu, pelo contrário, serviu de estímulo para superá-la, imperativamente, pela sua ampliação/ qualificação. Por todos os meios que se oferecessem. De imediato, passou-se a buscar pessoas já qualificadas para atuar no mestrado e a estimular/apoiar todos os integrantes do Setor de Antropologia a ampliar/adquirir tal qualificação. Nossos esforços para tanto tiveram muito boa resposta em tempo bem curto. Em 1980, conseguimos nosso segundo professor visitante: Robert Shirley, norte-americano, doutor em Antropologia, professor titular da Universidade de Toronto, Canadá. Permaneceu na UFRGS por cerca de cinco anos, em dois períodos30. Pela metade dos anos 1980, também contamos com a colaboração de mais dois professores visitantes e também | 171 |


estrangeiros: a belga Rita Cordonier e a argentina Vera Areco. Ambas com doutorado. Em 1982, Maria Noemi saiu para fazer mestrado na Unicamp, sendo substituída por Daisy Macedo de Barcellos, com especialização em Antropologia Social/UFRGS. Esta, que era professora de Introdução à Sociologia no Ciclo Básico e que colaborava com a Antropologia como horista desde 1979, já lotada no Departamento de Ciências Sociais, foi incorporada em definitivo ao Setor de Antropologia. Ambas foram incorporadas ao Setor de Antropologia a partir de gestões feitas por mim. E, com Daisy, encerraram-se as admissões por indicação. A partir daí, exceto pelos professores visitantes, todas as admissões se deram por concurso público. Daisy obteve o título de mestre em 1989, com a dissertação Políticas de saúde mental e a organização do hospital público no Rio Grande do Sul, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS – Propur 31 . Doutorou-se em 1994 com a tese Família e ascensão social de negros em Porto Alegre, apresentada no Museu Nacional/UFRJ. Em 1981 e em 1993, Claudia Fonseca concluiu dois doutorados, respectivamente, de Terceiro Ciclo e de Estado, ambos na França. O primeiro com a tese L’adaptation de l’école primarie en milieu rural brésilien: contribution à une anthropolgie appliquée dans une étude de cas (Alto Ribeirão, Minas Gerais), na Universidade de Paris V. O segundo com a tese Crime, corps, drame et humour: famille et quotidien dans la culture populaire au Brésil, Universidade de Nanterre. A primeira dissertação desenvolvida em nosso mestrado, em 1983, foi a de Ondina Fachel Leal, intitulada A leitura social da novela das oito, orientada por Ruben Oliven. Juntamente com ele, 30. Como se deu com Claudia Fonseca, ele também foi efetivado por norma de legislação federal. Embora tivesse disposição de permanecer, finda sua licença da Universidade de Toronto, ele se demitiu aqui e retornou para lá, onde as condições funcionais lhe eram mais favoráveis. 31. É oportuno registrar que, quando de sua incorporação ao Setor de Antropologia, ela, que dava andamento a uma dissertação de mestrado em Sociologia no Propur, conseguiu, através de um processo bastante complicado, reorientá-la para a área da Antropologia.

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Renato Ortiz 32 e eu compusemos a comissão que fez sua avaliação, por parecer, visto que na ocasião a autora já realizava doutorado na Universidade da Califórnia/Berkeley. Esta dissertação, com o mesmo título, foi publicada pela Editora Vozes em 1986. Ela foi também a primeira de nossas muitas dissertações publicadas. Até fevereiro de 2006, o Programa titulou 154 mestres. Em 1982, iniciou-se o processo que, a partir de 1985, institucionalizaria o mais importante mecanismo de intercâmbio do nosso mestrado com outras instituições. Refiro-me à nossa participação, através do Projeto 63/82 Antropologia Social– UFRGS, no Acordo Capes–Cofecub, de Cooperação FrancoBrasileira, cujos efeitos diretos deverão perdurar por muito tempo ainda. Naquele ano, quando da visita do professor Claude Lefort, para avaliar os projetos dos mestrados da Filosofia e da Política no referido acordo, o professor Ricardo Seitenfus, da Ciência Política, recente na Universidade e alheio a certas mesquinharias de ordem paroquial que por vezes inibiam a cooperação mais fraterna nas Ciências Sociais, me instigou a também buscar a participação da Antropologia no mesmo acordo. Para facilitar as coisas, além de me convidar para um churrasco em sua residência, oferecido a Lefort, me apresentou a ele e lhe falou de modo muito favorável do trabalho desenvolvido pela Antropologia. Sem perda de tempo, Ruben e eu elaboramos um documento preliminar, sobre a Antropologia e suas pretensões no acordo em questão, e que lhe apresentamos em reunião realizada dois ou três dias após aquele churrasco. Sua boa impressão, transmitida ao professor Seitenfus, nos garantiu o primeiro ponto: seu relatório seria favorável. Embora não possa precisar como se deu, a verdade é que passei a ser o coordenador deste projeto embrionário. Quando veio a primeira manifestação da França, favorável e já com o projeto formalmente registrado, sob o número 63/82, exultante, enviei a resposta, que assinei como coordenador. Atendia, assim, a uma 32. Na ocasião, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais.

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de suas solicitações, que era a indicação do coordenador brasileiro do projeto. A outra era a indicação do coordenador francês. Para tanto, foi acionada Claudia Fonseca, que se encontrava em Paris fazendo doutorado, pelo que tinha condições favoráveis para encontrar alguém que assumisse aquele encargo. A resposta não demorou, e sua escolha não poderia ter sido mais feliz. Tratava-se de Jacques Gutwirth, professor da Universidade de Paris V e Coordenador do Laboratório de Antropologia Urbana do Centre National de la Recherche Scientifique. Fugindo do nazismo, residiu seis anos no Rio de Janeiro, quando adolescente. Fluente em português, simpático, competente, prestigiado no meio universitário, trabalhador e verdadeiramente interessado no projeto, sua contribuição para seu sucesso foi maiúscula. Quando disse há pouco que os efeitos diretos do projeto para a Antropologia na UFRGS deverão perdurar por muito tempo ainda, não cometi qualquer exagero. Como se verá, pela utilização plena e competente de todos os mecanismos previstos no projeto para materializar o intercâmbio, os resultados para nós foram substantivos, entre os quais assinalo a incorporação à nossa biblioteca de um amplo e qualificado acervo de publicações francesas em Antropologia. A seguir, transcrevo a abrangente e objetiva avaliação da cooperação, atendendo à minha solicitação, feita pelo professor Jacques Gutwirth. A afetividade também presente em seu texto, por si só, comprova sua capacidade de reconhecer atenções recebidas e de retribuí-las. UMA

BELA EXPERIÊNCIA INTELECTUAL E HUMANA:

A COOPERAÇÃO

CAPES-COFECUB 1985–1993, PORTO ALEGRE – PARIS

No final de 1984 ou início de 1985, Claudia Fonseca, professora do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que estava em Paris, me perguntou, por sugestão de minha colega Colette Pétonnet (nós éramos co-diretores do Laboratoire d’Anthropologie Urbaine do CNRS),

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se eu estava disposto a assumir a coordenação francesa de um programa de intercâmbio entre um departamento francês de Etnologia e o de seu próprio programa de pós-graduação. Aceitei imediatamente com prazer por várias razões: 1) eu tinha tido a oportunidade de morar de 1939 a 1947, durante a II Guerra Mundial, portanto, no Rio de Janeiro. Ter sobrevivido assim em excelentes condições às perseguições hitleristas impôs-me o imperativo de manifestar minha gratidão para com o país que me tinha acolhido tão bem; 2) eu havia acompanhado apaixonadamente a evolução política do Brasil ao sair da ditadura de Getúlio Vargas e continuava a me interessar pelo assunto; 3) eu amava a língua portuguesa e a cultura brasileira; obtive até mesmo, nos anos 1960, na Sorbonne, um certificado de estudos superiores em Filologia Portuguesa e um outro em Civilização Brasileira, equivalente à metade de uma licenciatura em Letras! Em setembro de 1985, eu fui então a Porto Alegre para uma missão de identificação. Fui acolhido muito cordialmente pelo coordenador brasileiro do Acordo Capes-Cofecub, o professor Sérgio Alves Teixeira. Nesta oportunidade, eu tive um encontro com alguns estudantes avançados, participei de uma banca de mestrado e fiz duas palestras. Sérgio promoveu encontro com colegas, mostrou-me os entornos próximos e os mais afastados de Porto Alegre, Claudia Fonseca me acompanhou em uma visita à cidade, e rapidamente eu me situei, graças aos simpáticos jantares de todo um grupo de hospitaleiros colegas. Durante os oito anos em que fui coordenador pelo lado francês do acordo de cooperação, efetivaram-se dez missões de ensino por professores franceses, com uma duração média de quatro semanas. Oficialmente, era a UER, unidade de pesquisa e ensino de Ciências Sociais da Universidade René Descartes (Paris V), onde eu dirigia um seminário de 1º ano de doutorado (o DEA), quem patrocinava o intercâmbio, mas, na verdade, minha ligação institucional maior, o Laboratoire d’Anthropologie Urbaine do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), predominou grandemente nas opções que

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marcaram o desenrolar do programa. Esta situação também combinava com as preocupações dos professores e estudantes avançados de Porto Alegre, na sua maioria dedicados a pesquisas sobre o mundo urbano e as sociedades complexas. Muitos professores que foram à UFRGS, eu entre eles, mas também Jean-Marie Gibbal e José Garcia Ruiz, como eu pesquisadores do CNRS, cumpriram até duas missões, o que permitia aprofundar os contatos e também desenvolver, em cooperação com colegas brasileiros, pesquisas no Brasil, que resultaram em diversas publicações. Carmen Bernand, Claude Rivière, Colette Pétonnet, Jean-Luc Jamard e Margarita Xanthakou foram os outros professores que lecionaram em Porto Alegre. Eram diversas as especialidades representadas: africanismo, americanismo, tecnologia e epistemologia, Antropologia européia e urbana. Do lado brasileiro, dez professores cumpriram missões de um a dois meses na França. Foram os professores Arabela Campos Oliven, Ari Pedro Oro, Arthur Rambo, Claudia Fonseca, Maria Noemi Castilhos Brito (seis meses), Ondina Fachel Leal, Ruben Oliven e Sérgio Alves Teixeira. Seus relatórios de missões mostram o quanto a freqüência em seminários e cursos na École des Hautes Études en Sciences Sociales e em diversas universidades, em meu próprio Laboratório no CNRS, bem como contatos individuais de todo tipo, foram úteis para os participantes brasileiros. Três bolsistas brasileiros ficaram muitos anos na França. Suas estadias e viagens foram financiadas pela Capes e pelo Cofecub. Cornélia Ekcert, Jorge Pozzobon e Maria Eunice de Souza Maciel defenderam excelentes teses de doutorado em universidades parisienses (Paris VII e Paris V). Por sua vez, Claudia Fonseca, sob a orientação de Colette Pétonnet, obteve brilhantemente o título de Docteur d’ Etat ès lettres, na Universidade Paris–Nanterre (Paris X). Seria fastidioso enumerar a produção científica, tanto do lado francês como do lado brasileiro, devida às estadias dos participantes na França e no Brasil. Lembramos que um livro, Brasil e França. Ensaios de Antropologia Social, sob a direção de Sérgio Alves Teixeira e de Ari Pedro Oro, editado em 1992,

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reuniu contribuições de onze participantes do intercâmbio. Meus colegas franceses, todos, destacaram em seus relatórios de missão que seus alunos brasileiros em pósgraduação – cerca de uma quinzena a cada vez – mostraramse muito motivados, muito interessados em aproveitar seus ensinamentos. Os diversos participantes desta cooperação, em sua maioria, continuam excelentes amigos até hoje. Enfim, eu diria que meus colegas franceses e eu mesmo sempre sentimos que construímos conjuntamente uma relação igualitária que foi proveitosa para todos, e isso num clima de grande cordialidade, de respeito e de estima recíprocos. Os efeitos desta cooperação contribuíram, parece-me, alguns anos mais tarde para a criação em 1991 de um doutorado em Antropologia Social na UFRGS. O Acordo CapesCofecub também concorreu para que o Programa de PósGraduação em Antropologia Social da mesma universidade alcançasse um lugar de primeiro plano entre os programas de pós-graduação em Antropologia do País. Enfim, não quero deixar de registrar que, infelizmente, três participantes do intercâmbio, Jean-Marie Gibbal, Jorge Pozzobon e Maria Noemi Castilhos Brito, faleceram prematuramente, mas eu não esqueço suas contribuições à cooperação que juntos todos nós construímos com êxito. Jacques Gutwirth: diretor honorário de pesquisa, Centro Nacional da Pesquisa Científica (Laboratório de Antropologia Urbana)

Assim como se deu com o professor Jacques Gutwirth, que exerceu a coordenação pelo lado francês durante toda a vigência do projeto, na prática, o mesmo se deu comigo, pelo lado brasileiro. Logo que passei a coordenação para o professor Ari Pedro Oro, em função de minha aposentadoria, o projeto não teve sua continuidade renovada. O motivo apresentado para tanto foi de que já não necessitávamos de tal apoio. O que, sem dúvida, foi uma avaliação correta. Em decorrência de um processo natural de amadurecimento, | 177 |


Jacques Gutwirth com professores do Programa, em Porto Alegre, em 1991. Da esquerda para a direita, Cornélia Eckert, Ruben Oliven, Bernardo Lewgoy, Daisy Barcellos, Claudia Fonseca, Maria Noemi Brito, Jacques Gutwirth, Ondina Fachel Leal e Ari Pedro Oro. Acervo: Sérgio Teixeira.

em 1986 o Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia cedeu lugar a cursos independentes por área. Assim nasceu o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Sua primeira Comissão Coordenadora, definida pelo seu corpo docente, foi integrada por Claudia Fonseca, Ruben Oliven e por mim. Por sua vez, os dois me indicaram para coordenador, todos nós com mandato de dois anos, referendado pelo reitor. Terminado o mandato, fomos todos reconduzidos para um novo período. Tenho bem presente que declarei, quando desta recondução, que, como coordenador, assumia o compromisso de me empenhar para a implantação do doutorado, se de fato este fosse o interesse do grupo. Implantado o novo Programa, a preocupação da Comissão Coordenadora foi de envidar esforços para seu fortalecimento. Para tanto, buscou-se reforçar a infra-estrutura, com destaque para a aquisição de material bibliográfico e equipamentos para a Secretaria; estimular o desenvolvimento de projetos de pesquisas, | 178 |


o que compreendia também a publicação de resultados; intensificar a participação/organização de fóruns científicos; incorporar novos doutores e mestres com potencialidade para se doutorarem em curto prazo. Como uma espécie de coroamento de tais esforços, se buscaria obter o reconhecimento da Capes. Com o respaldo financeiro da Finep, Capes, CNPq e Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul), o apoio do Acordo Capes–Cofecub, e com o trabalho de todo o pessoal da Antropologia, pertencente ao Programa e/ou ao Setor, tudo foi conseguido. O relatório da comissão de avaliação da Capes para o reconhecimento, integrada pela professora Guita Debert, da Unicamp, e pelo professor Luiz Fernando Dias Duarte, do Museu Nacional/UFRJ, foi motivo de justa satisfação para nós. Além de integralmente favorável, ele consagrava nossos esforços se perguntando como um grupo tão pequeno pôde realizar obra tão avultada. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, mesmo tendo origem mais recente do que seus dois coirmãos, foi o primeiro a ser reconhecido pela Capes, o que ocorreu em 1987. Obtido o reconhecimento, ficou pairando no ar, como coisa natural, que nossa próxima meta seria a implantação do doutorado. No que respeita à incorporação de novos docentes, nossos esforços foram plenamente bem-sucedidos: no espaço de três anos, conseguimos junto à Reitoria cinco vagas, que foram preenchidas por pessoal com formação plena ou em andamento. Cornélia Eckert, Maria Eunice de Souza Maciel e Ondina Fachel Leal foram incorporadas em 1986. Tais admissões representam dois marcos nesta história: as primeiras admissões por concurso público e as primeiras de mestres formados por nosso mestrado. Como já informei o título da dissertação da última, informo os títulos das outras, respectivamente: Os homens da mina: um estudo das condições de vida e representações dos mineiros de carvão em Charqueda, no Rio Grande do Sul e Bailões, é disto que o povo gosta: análise de uma prática cultural de classes populares no Rio Grande do Sul, ambas de 1984. Na oportunidade, como já indicado, Ondina cursava doutorado na Universidade da Califórnia/ Berkeley, que concluiu em 1989, com a tese The Gaúchos: male culture and identity | 179 |


in the Pampas. Cornélia e Maria Eunice, como já disse Gutwirth, concluíram seus doutorados na Universidade de Paris V, na França. A primeira com a tese Une ville autrefois miniére: étude anthropologique, la Grand-Combe, France, em 1992. A segunda com a tese Le gaúcho brésilien – identité culturelle dans le sud de Brésil, em 1994. A abordagem do ingresso de Cornélia e Ondina como professoras da Antropologia na UFRGS, em trabalho sobre sua história, por parte de quem as conhece por dentro, torna da maior conveniência abordar um dado da atuação de ambas, em conjunto com outras colegas, da segunda turma de nosso mestrado, com ingresso em 1981. Refiro-me ao Grupo de Estudos de Antropologia Simbólica ou GEAS, como era comumente referido. O GEAS, criado e impulsionado por elas, em conjunto com Ana Luiza Carvalho da Rocha e Léa Peres, e que mais tarde incorporou Carmen Sílvia Rial, Flávia Rieth e Bernardo Lewgoy, foi responsável pela realização de importantes painéis para o estudo de Antropologia Simbólica. Mostrando a competência e o dinamismo de seus responsáveis, os Painéis do GEAS, a um só tempo, contavam com a participação como painelistas de renomados antropólogos brasileiros e atraíam a atenção de numerosos estudiosos do tema. A reprodução a seguir dos cartazes que divulgam os painéis mostra de modo adequado suas preocupações e qualificação dos painelistas. Em seu gênero, o GEAS foi uma experiência única. Em 1989, também por concurso público, foram admitidos Ari Pedro Oro e Luis Ricardo Michaelsen Centurião. O primeiro, já nosso professor com bolsa de recém-doutor, titulado em 1985 pela Universidade de Paris III, França, com a tese Un mouvement messianique en Amazonie Brésilienne: le mouviment de la Sainte Croix. Como ele, têm início as pesquisas na área de religião. O segundo, com mestrado pela UFRGS, em 1986, com a dissertação Relações sociais em estabelecimentos penitenciários. Em 1997, concluiu o doutorado na PUCRGS, em Porto Alegre, com a tese A cidade colonial no Brasil. Recuando um pouco no tempo, na mesma época em que se deu a separação dos cursos de pós-graduação, e com a mesma | 180 |


motivação, em reunião do colegiado do Departamento de Ciências Sociais, apresentei, com registro em ata, e em nome do Setor de Antropologia, sua determinação de realizar as gestões necessárias para se transformar em Departamento de Antropologia. Pouco depois, os setores de Política e Sociologia também manifestaram a mesma disposição. Após muitas marchas e contramarchas, em 1993 foram criados os três departamentos. O primeiro chefe do Departamento de Antropologia foi a professora Maria Noemi Castilhos Brito, eleita por unanimidade. Aposentada por motivo de doença, foi substituída pela professora Daisy Barcellos, que, ao ser eleita chefe do Departamento de Ciências Sociais em 1986, foi a única mulher e o único representante da Antropologia a ocupar tal cargo. Ela foi reconduzida para um novo mandato. Com a criação do Departamento, entre outras | 181 |


responsabilidades, coube a ele o gerenciamento das aulas nos cursos de graduação, na qual, desde sempre, atuam todos os seus integrantes. Tal gerenciamento se dava em termos bastante teóricos, porque, na prática, os professores continuaram atuando com quase total autonomia, como sempre ocorreu. Na graduação, a Antropologia é oferecida para os cursos de Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História, Nutrição e Odontologia. O reconhecimento do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela Capes e a criação do Departamento de Antropologia são os marcos que assinalam o encerramento desta terceira fase de grandes mudanças. A

QUARTA GRANDE MUDANÇA: A IMPLANTAÇÃO DO CURSO DE DOUTORADO

Esta, que é também a última etapa das grandes mudanças na Antropologia da UFRGS centradas nas atividades de ensino e pesquisa consideradas neste trabalho, tem como ponto de partida a implantação de seu curso de doutorado. No final de meu segundo mandato como coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, em 1990, e fiel ao compromisso que me impus em seu início, reuni todos os professores do Programa para que avaliássemos a disposição e conveniência da implantação do doutorado. Como, para todos nós, trabalhando com a dedicação de sempre e com publicações crescentes, embora quase não se falasse no doutorado, o tema estava muito presente, as respostas àquelas questões, como esperado, foram positivas. Em razão do que, na mesma reunião, foi formada uma comissão integrada por Ari Pedro Oro, Claudia Fonseca e Ondina Leal para apresentarem uma proposta de currículo, a ser apreciada por todo o grupo, em reunião já marcada para dali a três semanas. Confirmando o amadurecimento da idéia e a disposição de dar andamento acelerado ao projeto para sua implantação, já na semana seguinte a comissão apresentou sua proposta, a qual, devidamente apreciada, foi aprovada numa terceira reunião, na mesma semana. Bem historiando os fatos, me imponho uma confidência. | 182 |


Como entendi que a proposta poderia ser prejudicada pelo tempo tão curto em que, de fato, tudo foi definido, com a plena aprovação dos colegas e, para os efeitos da montagem do processo, tal prazo foi ampliado. Para tanto, foram alteradas as datas das atas das reuniões em que a questão foi levantada, discutida e aprovada. Tais atas integrariam o processo para a criação do curso de doutorado a ser submetido à apreciação da Câmara de Pós-Graduação e Pesquisa. O interesse e a colaboração da professora Victoria Herskovits, da área da Física, e presidente daquela Câmara, contribuíram para sua rápida e favorável manifestação. Em reuniões com nosso grupo, ela nos deu preciosa orientação a respeito da montagem final do projeto. Empenhei-me denodadamente para vê-lo aprovado ainda em minha gestão, o que se deu no âmbito da Universidade. Todavia, mesmo que, sob o ponto de vista legal, fosse suficiente a aprovação da Universidade para sua implantação, resolveu-se, inclusive com a recomendação daquela Câmara, submeter o processo à apreciação da Capes. Sua aprovação tornaria viável a obtenção de bolsas para nossos futuros alunos. Transcorrido quase um ano, como a Capes não se manifestasse, não obstante nossa insistência, o curso foi implantado em 1991. Iniciou-se, assim, formalmente, a terceira fase da pós-graduação em Antropologia Social na UFRGS. Na época, a comissão coordenadora do Programa era composta por Claudia Fonseca, Ari Pedro Oro e Ruben Oliven, sob a coordenação da primeira. Bem depois, recebemos, por fim, a manifestação da Capes, através dos relatórios de dois consultores. Os relatórios eram conflitantes. Enquanto um, no conjunto, era favorável e sugeria medidas para superar problemas menores, o outro era totalmente negativo, expresso em redação desrespeitosa, agressiva e mesmo raivosa. Em face da situação, buscou-se junto à Capes o envio de uma comissão de consultores para, in loco, discutir a questão. Vieram a professora Marisa Peirano, da UnB, e o professor Octávio Guilherme Velho, do Museu Nacional/UFRJ. Avaliadas todas | 183 |


as questões e incorporadas as sugestões dos consultores, o curso obteve a recomendação da Capes em 1993. As principais sugestões daqueles consultores foram a inclusão de estudos camponeses e de sociedades indígenas no currículo do curso. Como se deu quando da criação do mestrado, o professor Octávio Guilherme Velho também proferiu a aula inaugural que implantava o doutorado, já recomendado pela Capes. Na página seguinte, é reproduzida a folha de abertura de um álbum comemorativo aos 25 anos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. A composição com a máscara33 nela presente é a logomarca do Programa, criada na Faculdade de Arquitetura da UFRGS, nos anos 1980, por solicitação de Claudia Fonseca e minha. A primeira tese defendida no Programa foi a de Maria Cristina Gonçalves Giacomazzi, em 1997, com o título de O cotidiano da Vila Jardim: um estudo de trajetórias, narrativas biográficas e sociabilidades, sob o prisma do medo na cidade (Porto Alegre, RS). Sua banca examinadora foi composta pela orientadora, professora Cornélia Eckert, e pelos professores Hélio Raymundo Silva, da UFSC, Claudia Fonseca, José Vicente Tavares dos Santos e Maria Elizabeth Lucas, todos da UFRGS. Até fevereiro de 2006, foram titulados 26 doutores. Embora, em termos de corpo docente, a implantação do doutorado tenha se dado em condições mais favoráveis do que se deu com o mestrado, todos tinham presente a necessidade de fortalecê-lo. O que foi feito desde logo, seguindo os mesmos procedimentos básicos mobilizados para fortalecer o corpo docente do mestrado: incorporação de novos doutores, efetivos ou como visitantes. No caso dos primeiros, por via de concurso público e pelo apoio e estímulo a todos os integrantes do Programa/Departamento de Antropologia a se doutorarem. A isto se somam também o apoio e o estímulo a todos os seus docentes na realização de pesquisas/divulgação de seus resultados, estágios de aperfeiçoamento e de ensino em outros centros avançados, como Califórnia/Bekerley, Sorbonne e Oxford, 33. Reproduzida da ilustração de capa do livro Las formas elementales de la vida religiosa, de Émile Durkheim, da Editora Shapire, Buenos Aires, 1967.

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bem como à participação em eventos e fóruns acadêmicos no Brasil e no exterior. Assim, em curto tempo, foi institucionalizado um amplo sistema de intercâmbio com múltiplos centros. Num sistema de causa e efeito, a estes fatos se agregou uma produção acadêmica expressiva pelo conjunto de seu pessoal, publicada no Brasil e no exterior, além de publicações institucionais do Programa. Estas serão consideradas adiante. O resultado dos trabalhos desenvolvidos pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS tem plena expressão na sua classificação pela Capes como de nível internacional, com conceito 6, por sua última avaliação, divulgada em 2005. Com a apresentação a seguir da composição do Departamento de Antropologia e do corpo docente do PPGAS, suas linhas de pesquisa e dos órgãos que o compõem, concluo a parte da História da Antropologia na UFRGS mais diretamente voltada para sua implantação, composição, organização e práticas acadêmicas.

INTEGRANTES DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E DO CORPO DOCENTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL DA UFRGS

DO

Ari Pedro Oro. Doutor, Université de Paris III, França, 1985. Área de atuação: religião e minorias étnicas. Bernardo Lewgoy. Doutor, Universidade de São Paulo, 2000. Área de atuação: religião e modernidade, cultura escrita e práticas de leitura, sociedade e cultura no Brasil. Caleb Farias Alves. Doutor, Universidade de São Paulo, 2001. Área de atuação: cultura, arte e direitos humanos. Carlos Alberto Steil. Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995. Área de atuação: religião, turismo, movimentos sociais e modernidade. Ceres Gomes Víctora. Doutora, Brunel University, Inglaterra, 1996. Área de atuação: Antropologia do corpo e da saúde. Claudia Lee Williams Fonseca. Doutora, Université de Paris V, 1981, e Université Paris X, 1993, ambas na França. Área de atuação:

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família e parentesco, relações de gênero, Antropologia do Direito. Cornélia Eckert. Doutora, Université de Paris V, França, 1992. Área de atuação: Antropologia e envelhecimento, memória e espaço social, cultura operária, sociedade e meio ambiente, métodos e técnicas de pesquisa etnográfica. Daisy Macedo de Barcellos. Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996. Área de atuação: minorias étnicas e Antropologia Rural. Daniela Riva Knauth. Doutora, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 1996. Área de atuação: Antropologia do Corpo e da Saúde. Denise Fagundes Jardim. Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001. Área de atuação: etnicidade, migrações, família e parentesco. José Otávio Catafesto de Souza. Doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999. Área de atuação: Antropologia Indígena. Luis Ricardo Michaelsen Centurião. Doutor, PUCRS, Brasil, 1993. Área de atuação: por decisão própria, só atua na graduação. Maria Elizabeth Lucas. Doutora, University of Texas, Austin. Estados Unidos, 1990. Área de atuação: Etnomusicologia, Antropologia da Música e performance. Maria Eunice de Souza Maciel. Doutora, Université de Paris V, França, 1994. Área de atuação: cultura e identidade no Brasil, Antropologia da Alimentação. Marilda Batista. Doutora, Université de Paris X, França. Área de atuação: Antropologia Visual e Fílmica, rituais e religião; Ondina Fachel Leal. Doutora, University of Califórnia, Berkeley, Estados Unidos, 1989. Área de atuação: Antropologia do Corpo e da Saúde, comunicação de massa, cultura popular, gênero e identidade masculina, métodos e técnicas de pesquisa etnográfica. Ruben George Oliven. Doutor, University of London, Inglaterra, 1977. Área de atuação: cultura brasileira, identidade nacional e regional, globalização e cultura. Sérgio Baptista da Silva. Doutor, Universidade de São Paulo, 2001. Área de atuação: Etnologia Indígena, Etnoarqueologia, patrimônio material, Antropologia Estética. Veriano de Souza Terto Júnior. Doutor, Instituto de Medicina Social da UERJ, 1997. Área de atuação: Antropologia do Corpo e Saúde, sexualidade e movimentos sociais.

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L

I N H A S

D E

P

E S Q U I S A

Antropologia da Religião; Antropologia Visual e da Imagem; Direitos humanos, cidadania e política; Etnicidade e identidade; Etnomusicologia, arte e performance; Gênero, corpo e saúde; Meio ambiente e territorialidade; Patrimônio cultural, alimentação e turismo; Sociedades indígenas e tradicionais; Urbanização, sociedade e cultura no Brasil. Órgãos que compõem o PPGAS: Laboratório de Antropologia Social Núcleo de Antropologia e Cidadania — NACI Núcleo de Estudos em Antropologia Visual — Navisual Núcleo de Estudo da Religião — NER Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais — NIT. Núcleo de Antropologia do Corpo e da Saúde — Nupacs Núcleo de Pesquisa sobre Culturas Contemporâneas — Nupecs Para dar a esta história a abrangência a que me propus, pensando em oferecer aos leitores um conjunto de dados para suas informações e análises, abordo ainda outros três temas: a revista Horizontes Antropológicos; as Reuniões de Antropologia do Mercosul – RAM – e as lideranças e o ethos da Antropologia da UFRGS. H

O R I Z O N T E S

A

N T R O P O L Ó G I C O S

Horizontes Antropológicos, cujo primeiro número foi publicado em 1995, assinala a concretização de um projeto de longo prazo do Programa: a edição regular de uma revista. A concretização de tal projeto foi estimulada pelo desafio apresentado pelo professor José Vicente Tavares dos Santos, quando pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-Graduação da UFRGS, para a criação de uma revista, com suporte do Programa de apoio à editoração de periódicos do CNPq. Horizontes Antropológicos tem raízes em duas outras publicações | 188 |


Reunião de trabalho na sala da coordenação do Programa. Da esquerda para a direita: Ruben George Oliven, Maria de Souza Eunice Maciel, Denise Fagundes Jardim, Ari Pedro Oro, Oscar Aguero, Bernardo Lewgoy e Ceres Gomes Víctora. Acervo: PPGAS-UFRGS.

do Programa. Uma é o Cadernos de Estudos, vindo do tempo do Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia, e encerrado em 1989. Mimeografado, de aparência modesta e com tiragem reduzida, chegou a 14 números. A outra é Cadernos de Antropologia, surgida em 1990 e encerrada em 1994. Com boa qualidade gráfica, inclusive com capa em cores, e com tiragem em torno de 200 exemplares, teve 12 números publicados. Suas capas estão reproduzidas na página seguinte. A disposição para a criação de uma revista estava de tal modo amadurecida, que o desafio foi aceito de imediato. Decidiu-se encerrar a publicação de Cadernos de Antropologia e lançar Horizontes Antropológicos. Afim com esta disposição, todo o processo que levou à definição do formato, normas, etc. da revista foi definido com presteza. Sem incorrer em exagero, pode-se dizer que as questões eram resolvidas na hora em que se punham, sem perda de tempo com vaidades pessoais ou com discussões bizantinas. Assim, como eu já era o editor de Cadernos de | 189 |


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Antropologia, pareceu natural que assumisse a responsabilidade de editor da nova publicação. A mesma presteza também se deu com a escolha do nome da revista: ao preencher o formulário com informações básicas sobre o novo periódico, formalizando a aceitação daquele desafio, me ocorreu que Horizontes Antropológicos seria melhor do que o nome antes escolhido (o qual não lembro) pela Comissão Editorial, composta por Cornélia Eckert, Ondina Fachel Leal, Ruben George Oliven e Sérgio Alves Teixeira. Consultados na hora e individualmente seus integrantes, concordaram com a sugestão apresentada, e de imediato o novo nome foi adotado. Como se vê na apresentação de sua linha editorial, Horizontes Antropológicos é um periódico semestral, com números temáticos abertos à pluralidade de interpretações e de temas que possam interessar à Antropologia para a compreensão dos fenômenos socioculturais. Ele também apresenta uma seção denominada Espaço Aberto, voltada para temas que não estejam diretamente relacionados com o do respectivo número. A partir de 2001, o professor Carlos Alberto Steil, incorporado à Antropologia da UFRGS em 1996 (por transferência da Universidade Federal Fluminense, onde foi admitido por concurso público), passou à condição de editor, juntamente comigo. Como tal, sua contribuição foi importante para disciplinar a montagem/impressão da revista e adequá-la às exigências dos órgãos de fomento à pesquisa no País e dos bancos de indexação de periódicos científicos, tanto no País como no exterior, favorecendo a expansão de sua rede de colaboradores em nível nacional e internacional. Seu trabalho para o aprimoramento de Horizontes Antropológicos e seu conseqüente reconhecimento, por parte da comunidade de antropólogos, cientistas sociais e acadêmicos de áreas afins foram da maior importância para levá-lo ao patamar de “Periódico Internacional A”, pelo último julgamento do Qualis de Periódicos Científicos da área de Antropologia da Capes, no período de 2001–2003. A partir de 2003, Horizontes Antropológicos conta com uma página na internet, onde são publicadas as referências dos seus | 191 |


artigos, com seus respectivos resumos, abstract e palavras-chave, ao lado de outras informações de orientação para possíveis colaboradores. No mesmo ano, Horizontes Antropológicos passou a integrar, com a publicação do v. 9, n. 20, o SciELO–Scientific Electronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica em Linha), apresentando, assim, ao lado da versão impressa em papel, sua versão eletrônica, como parte da cooperativa de periódicos científicos na internet, especialmente desenvolvida para responder às necessidades da comunicação científica nos países em desenvolvimento e particularmente na América Latina e no Caribe. Desde então, a cada ano, além das publicações dos novos volumes, os volumes anteriores a 2003 vêm sendo paulatinamente publicados on-line. Em 2005, Horizontes Antropológicos foi selecionado para integrar a edição em inglês da Biblioteca Virtual dos Periódicos Científicos Latino-Americanos de Ciências Sociais – a SciELO Latin American Social Sciences Journals English Edition, tendo, assim, parte de seu conteúdo, originalmente em português, traduzido para o inglês. O objetivo dessa biblioteca é aumentar a visibilidade, acessibilidade, uso e impacto das revistas brasileiras de Ciências Sociais. Desde a publicação de seu primeiro número, em 1995, sobre a temática de gênero, organizado por Claudia Fonseca e Maria Noemi Castilhos Brito, até o número 24, jul./dez. de 2005, Horizontes Antropológicos foi publicado sem solução de continuidade. O número 25, jan./jun. de 2006, com o tema Antropologia e meio ambiente, organizado por Cornélia Eckert, Ana Luiza Carvalho da Rocha e Isabel C. M. Carvalho, em fase final de montagem, deverá ser lançado na mesma reunião da ABA para a qual também está programado o lançamento deste livro sobre a história da Antropologia na Região Sul do Brasil, em junho próximo, na cidade de Goiânia. Sem desconsideração por qualquer das normas seguidas por Horizontes Antropológicos, com tão bons resultados, dentre elas destaco duas. Uma é a divulgação, na quarta capa, dos temas e respectivos organizadores dos próximos três números, como regra, definidos com antecedência mínima de dois anos. A outra é a ilustração de suas capas com motivos afins com o tema dos | 192 |


respectivos números. A primeira compromete desde cedo os organizadores com seus respectivos números, faz boa divulgação de seus temas e favorece a ampliação do universo de possíveis colaboradores. A segunda faz com que as capas sejam individualizadas e bonitas. Ambas concorrem para uma saudável competição, em benefício da revista. Na página seguinte, tem-se uma amostra de suas capas. Mesmo que a RAM e as Reuniões da ABA e da Anpocs, pelos seus numerosos e especializados participantes, por si só, se constituam em espaços privilegiados para a comercialização e divulgação de Horizontes Antropológicos, tal situação se torna ainda mais favorável pela atuação, marcada pela competência, pelo interesse e bom humor de seus vendedores e promotores em tais eventos. Refiro-me a Rosemeri Nunes Feijó e a Alexandre Aguiar, os quais, como já apresentados, são, respectivamente, secretária/ secretário do Programa e do Departamento de Antropologia. Numa espécie de redundância necessária, nunca será demais ressaltar que os sucessos de Horizontes Antropológicos, até aqui e no futuro, tiveram e terão por base o trabalho de seus organizadores e colaboradores. A foto a seguir mostra Rosemeri e Alexandre junto à estante de Horizontes Antropológicos na VI RAM, em 2005, Montevidéu, no Uruguai.

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REUNIÕES

DE

ANTROPOLOGIA

DO

MERCOSUL – RAM

A I Reunião de Antropologia do Mercosul – I RAM – foi promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social /Departamento de Antropologia da UFRGS, e coordenada por mim. O evento foi realizado em setembro de 1995, em Tramandaí, cidade balneária no litoral norte do Rio Grande do Sul, a cerca de 120 km de Porto Alegre. Foi determinante para a escolha do local e do mês de sua realização a disponibilidade, ali, de adequada rede hoteleira e da Colônia de Férias da UFRGS, em época de baixa temporada. Os antecedentes desta I RAM recuam à Reunião da Anpocs de 1986. Na oportunidade, instigado por nosso Programa, o Programa homônimo da Universidade Federal de Santa Catarina promoveu, em 1987, a I Reunião de Antropologia do Sul do Brasil, chamada de ABA-SUL ou, em linguagem mais coloquial, de Abinha-SUL. Para não coincidir com as reuniões da Associação Brasileira de Antropologia – ABA –, realizadas nos anos pares, as reuniões da Abinha-SUL foram programadas para os anos ímpares. Elas deveriam se realizar em sistema de rodízio e nesta ordem, entre os Programas/Departamentos de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal do Paraná. Assim, no seguimento, a reunião de 1989 foi realizada na UFRGS, a de 1991, na UFPR, e a de 1993, na UFSC, novamente. Registro que em todas elas havia crescente participação de professores e alunos dos outros países que, junto com o Brasil, integram o Mercosul. De tal modo que, quando chegou a nossa vez de realizar a reunião de 1995, nosso grupo entendeu natural transformá-la de regional em internacional, com o nome de Reunião de Antropologia do Mercosul. Não só aquela reunião foi bemsucedida, como tal fórum se consolidou, como se verá. A programação acadêmica da I Reunião, que teve por tema Cultura e Globalização, foi composta por duas conferências, seis mesas-redondas, 18 grupos de trabalho, uma oficina, 12 exposições fotográficas e 14 mostras de vídeos. Ao todo, foram apresentadas 272 comunicações. | 195 |


A reunião contou com a presença de aproximadamente 500 pessoas, de 14 Estados do Brasil e de mais 12 países, sendo 375 os congressistas inscritos, com 55 filiações institucionais. A conferência de abertura, proferida pelo professor Marc Augé, professor e na oportunidade também diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, França, e intitulada “L’Anthropologie aujourd’hui”, está publicada em Horizontes Antropológicos n.3. A foto a seguir é um registro da conferência. Da esquerda para a direita, Sérgio Alves Teixeira, Marc Augé e Claudia Fonseca.

As reuniões que se seguiram, sempre bem-sucedidas, tiveram a seguinte seqüência: a de 1997, em Piriápolis, no Uruguai; a de 1999, em Posadas, na Argentina; a de 2001, em Curitiba, no Brasil; a de 2003, em Florianópolis, no Brasil; a de 2005, em Montevidéu, no Uruguai. A de 2007, coordenada por Cornélia Eckert, está programada para o mês de julho, em Porto Alegre, no Brasil. As reuniões de 2009, 2011 e 2013 estão cogitadas para serem realizadas, respectivamente, em Santiago, no Chile; Assunção, no Paraguai, e Buenos Aires, na Argentina. | 196 |


AS

LIDERANÇAS E O ETHOS DA TUDO

PELA

ANTROPOLOGIA: ANTROPOLOGIA

Fruto de minha longa vivência na Antropologia da UFRGS, firmei a convicção de que, se for possível falar da presença de um certo ethos a animar o conjunto dos antropólogos que ao longo do tempo têm escrito esta trajetória, o “tudo pela Antropologia,” presente no título acima, serve para tal. Não só por esta expressão de fato fazer parte de seu léxico corporativo, como também porque ela se efetiva não só nas tarefas básicas do dia-a-dia das atividades acadêmicas – aulas, palestras, conferências, orientações, pesquisas, publicações – conduzidas com zelo e competência, como também em momentos em que se torna indispensável, mesmo com ônus consideráveis para seus agentes, dar “tudo pela Antropologia”. Ou também, pelo seu léxico, “carregar o piano” da Antropologia. O qual, como digo, ainda que pesado como todos os pianos, tem as alças estofadas. Deixando o campo das metáforas, apresento quatro casos emblemáticos da materialização de tal ethos, por atuação individual ou coletiva, para enfrentar situações de maiores dificuldades. O primeiro é Pedro Ignácio Schmitz, aposentado em 1984, continuar ministrando, sem remuneração, as aulas de teorias antropológicas no mestrado até 1990. O segundo é o das circunstâncias da ida de Cornélia Eckert para Paris, para fazer doutorado, pelo nosso Projeto no Acordo Capes/Cofecub. Concedida a primeira bolsa de doutorado para nós em 1986, era imperativo que apresentássemos um candidato, sob pena de pôr o Projeto em risco. Cornélia, que havia sido admitida em março do mesmo ano, era nosso único candidato disponível. Mesmo pega de surpresa e sem nenhum conhecimento de francês, ela foi sensível a meu apelo, assumiu a missão, viajando em setembro para lá, corajosamente imbuída do espírito de “tudo pela Antropologia”. O modo como as coisas se passaram justifica falar em missão. Mesmo que integralmente bem-sucedida e decorrido tanto tempo, não é excessivo, novamente, agradecer e cumprimentá-la por tudo. | 197 |


Também não é demais destacar que, rompendo uma norma muito arraigada de estudantes brasileiros no exterior, de fazerem pesquisas de campo para suas teses no Brasil, ela também fez pesquisas de campo na França. Elaborou uma ampla e excelente tese, comparando o universo simbólico de mineiros de carvão no Brasil e na França. O terceiro também remete a certas circunstâncias de dificuldades a serem superadas: as da revisão final do primeiro número de Horizontes Antropológicos. Organizadora deste número junto com Claudia Fonseca, Maria Noemi Castilhos Brito, já aposentada em decorrência do câncer que a vitimaria em poucos meses, por sentirse compromissada com a revista, insistiu em participar de sua revisão, na própria gráfica que fazia o trabalho de sua formatação e impressão. Minha esposa e eu participamos do trabalho e acompanhamos seus esforços na tarefa que se impôs. O quarto é o oferecimento de integrantes do Programa, por iniciativa própria, para abraçarem a responsabilidade pela organização de números de Horizontes Antropológicos, no passado e para o futuro, sobrecarregando-se com mais este encargo. Em muitos casos, não cogitando de retornos práticos para suas carreiras, já consolidadas. É imperioso registrar também, para o bem da verdade, que o “tudo pela Antropologia”, igualmente, sempre encontrou respaldo entre os alunos bolsistas e os seus poucos funcionários. Os atuais secretários do Programa e do Departamento, que também são os de maior permanência em seus cargos, respectivamente, Rosemeri Nunes Feijó e Alexandre Aguiar, são, em grau maior, competentes e dedicados carregadores do nosso piano metafórico. Emendando uma coisa com a outra, também é oportuno dizer que o apoio de outros funcionários da Faculdade de Filosofia/IFCH e da Reitoria também foi e é relevante para variadas realizações da Antropologia. Especialmente nesta época em que eles e os serviços públicos como um todo são objetos de ataques generalizados, como ineficazes, desnecessários, onerosos e coisas no gênero, preciso dizer que minha experiência na UFRGS não corrobora tal visão. No caso dos funcionários, os desinteressados e incompetentes representam a exceção, e não a regra. | 198 |


Apresento agora considerações a respeito do exercício da liderança positiva na Antropologia. Começo por uma questão que sempre me intrigou na Universidade: a modéstia dos desafios institucionais apresentados por ela a seus vários segmentos. Em toda a minha vivência na Universidade, quase não vi a proposição de tais desafios. No que se refere à Antropologia, exceto pelas solicitações de gastar uma certa verba em curto espaço de tempo para evitar sua devolução por falta de uso, o único desafio que lhe foi apresentado foi o da criação de uma revista. Em compensação, quase todos os desafios, individuais ou grupais que nos impusemos, quando levados às suas devidas instâncias, obtiveram, como regra, seu apoio pronto e indispensável. Organização de eventos internos, participação em eventos externos, assinatura de convênios, afastamento para cursar pósgraduação, criação de cursos de pós-graduação e saídas para pesquisa de campo se incluem na lista de nossos múltiplos pleitos. Muitos foram diretamente apresentados por mim. As modalidades de apoio também foram múltiplas, como recursos financeiros (os menos solicitados), veículos, espaços físicos, facilidades administrativas. Não poucas vezes, os gabinetes de pró-reitores e do próprio reitor agiram para superar entraves administrativos, em especial fora da Universidade, como no Ministério da Educação e na Capes. O apoio generalizado às solicitações apresentadas à Universidade como compensação para a modéstia dos desafios por ela propostos mostra que ela convive bem com as lideranças espalhadas por todos os seus segmentos. Digo mais, conta com elas para seu próprio crescimento. Porque a Antropologia bem cedo compreendeu a questão, suas lideranças não se intimidaram. Ao contrário, souberam aproveitar a situação para obter benefícios para a área e para elas próprias. Agora, como o quadro de desafios não se modificou e a área tem mais lideranças positivas, os benefícios aumentaram. É a produção de benefícios, mais ou menos diretos, para entidades/pessoas representadas que caracteriza a liderança positiva. | 199 |


Vou me ocupar especificamente da liderança na Antropologia no período de l978 a 1992. Duas razões me levam a fazer este recorte no tempo: porque o conheço bem e porque foi neste período que a Antropologia da UFRGS lançou bases para se consolidar como centro avançado de investigação, com reconhecimento nacional e internacional. Os fatos, se, por um lado, me obrigam, constrangido, a falar de mim como um de seus líderes neste período tão importante, por outro lado, também me obrigam, agora à vontade e com satisfação, a falar de Ruben George Oliven, como seu outro líder. Em conjunto, ou separadamente, mas sempre com harmonia, lideramos a Antropologia no período. Aliás, ele continua a fazêlo, só que agora, felizmente, com mais e competente companhia. A percepção comum de que nossas realizações profissionais se confundiam com o crescimento da Antropologia na UFRGS, nossa disposição para o trabalho, nossa afinidade pessoal e mútuo respeito fizeram com que nos empenhássemos harmoniosamente por tal crescimento. Basicamente, porque nosso trabalho beneficiava a Antropologia como um todo e porque dominávamos o trato das questões político-administrativas, o reconhecimento de nossa liderança, por todos os demais colegas, se deu como coisa muito natural. A credencial de pais fundadores, que Claudia Fonseca nos atribui, espelha bem a situação. Compartilhando afinidades e salas de trabalho, desde o tempo do cubículo, Ruben e eu aprendemos a trabalhar juntos, nos tornando uma dupla muito afinada. Com extrema facilidade, tomávamos decisões e reformulávamos pontos de vista. O entendimento comum permitia que certas decisões individuais fossem comunicadas ao outro com a certeza de acolhimento pronto. Precisando bem as coisas, é preciso dizer que a minha atuação se deu mais em nível da própria Universidade, ao passo que Ruben atuou aí e também fora dela. O fato de eu não ter doutorado limitava meu raio de ação. Ainda assim, tive alguma presença externa, como no Acordo Capes—Cofecub, covênios com a Finep, diretoria da ABA, quando presidida por Roque Laraia, no período 1990/1992. | 200 |


Em nível interno, é de justiça dizer que a implantação do mestrado, mais do que liderada por Ruben, foi uma conquista dele. Em nível externo, em instâncias como ABA, que presidiu no período de 200/2002, Finep, Anpocs, Capes, CNPq, cujo Conselho Deliberativo integrou, e fóruns internacionais, sua contribuição foi maiúscula. Como presidente da ABA, ele assumiu a responsabilidade pela organização de sua XXIII Reunião34, que também foi a única a ser realizada no Rio Grande do Sul. Foi total e eficiente o apoio oferecido ao evento pelo Departamento de Antropologia e pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS. A seguir, é reproduzida cópia do cartaz que divulga o evento.

34. A conferência de abertura foi feita pelo professor Adam Kuper, da Brunel University, Inglaterra, com o título “O retorno do nativo”, e está publicada na Revista Horizontes Antropológicos, n. 17.

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Ambicioso, habilidoso e competente, ele soube, sem jamais descurar de seus interesses pessoais, compatibilizá-los com os do Programa. A construção de sua carreira, sem sombra de dúvida, a mais destacada na Antropologia da UFRGS, sempre somou para sua base institucional. As razões indicadas para centrar considerações a respeito das lideranças no período em questão já sinalizavam que, com tal destaque, como não poderia deixar de ser, não se minimizava a atuação de outras lideranças da Antropologia da UFRGS, aliás, como já se viu. Felizmente, elas foram/são numerosas e expressivas. Para não ficar em generalidades, basta lembrar o papel desempenhado pelo prof. Pedro Ignácio Schmitz para a primeira grande mudança na história em questão e seu papel maior na Arqueologia no Brasil, como foi mostrado. Acrescentese, ainda, sobre ele o fato de ter representado, em vários momentos, a Arqueologia no Comitê Assessor de Ciências Sociais do CNPq. Dentre outros casos pontuais de lideranças, apresento, tãosomente como ilustração: Claudia Fonseca, como presidente do Comitê de Antropologia da Capes; Ondina Fachel Leal, como responsável pelo Programa de Sexualidade e Saúde Reprodutiva da Fundação Ford, do Escritório do Brasil, assessora de Programa da Fundação Ford; Maria Eunice Maciel, organizadora representante no Brasil da Comissão Internacional de Alimentação; Cornélia Eckert, como secretária da ABA; todos os coordenadores dos Núcleos de Estudos do Programa, a serem em breve apresentados. Ainda assim, não fosse a atuação conjunta em prol de sua matriz institucional por parte de todo o pessoal da Antropologia da UFRGS, simplesmente muito pouco haveria o que nela destacar. O que importa é que, no exercício ou não de atividades mais ou menos formais de liderança, todos sempre souberam contribuir para sua matriz institucional comum, sem se comprometer com o corporativismo primário. Refiro-me, especialmente, à divulgação de seus trabalhos, ao acompanhamento de seus pleitos, às informações oportunas e ao interesse por consolidar/estabelecer intercâmbios. | 202 |


Penso que nestas considerações se encontra a resposta para a questão formulada pelos consultores da Capes, a que já me referi, de como tão poucos puderam realizar tanto. Pelo que observo, felizmente, os mais numerosos de agora, também em proporção, não realizam menos. Com a plena noção de que a continuidade de meu vínculo com a Antropologia, mesmo depois de minha aposentadoria em 1992, tem raízes em seu ethos, peço que me seja permitida a afetividade e uma não disfarçada imodéstia ao considerá-lo. Este vínculo se dá por conta de afetos recíprocos entre mim e meus antigos colegas. Sentimentos que, em larga medida, se reproduzem com seus novos integrantes. Fomos unidos, afora o afeto, pela disposição de – eu perifericamente e em mínima escala – continuarmos contribuindo para seu fortalecimento, para o atendimento de legítimos interesses de seus membros e da sociedade que o sustenta e à qual serve. Por conta deste afeto, possivelmente por ter sido professor na graduação e/ou na pósgraduação da maioria deles, também sou honrado, com exagerada generosidade, ao ser chamado de patriarca. Para encerrar, me reporto a um episódio ocorrido na reunião da Anpocs de 1990. Uma colega da UFRGS, de outra área e com boas amizades com o pessoal da Antropologia, acercando-se ao nosso grupo, quando em amena tertúlia, disse que tinha certa raiva e inveja da turma da Antropologia, porque não nos conflitávamos, ao contrário do que ocorria em seu próprio grupo acadêmico. Após uma pausa, disse que ainda esperava ter a satisfação de, com nosso crescimento, nos ver enfrentando conflitos semelhantes aos de seu grupo. Como ela vaticinou, crescemos, porém sem maiores contribuições para a segunda parte de seu vaticínio.

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HESSEL, Lothar Francisco e MOREIRA, Earle Diniz Macarthy. Faculdade de Filosofia: 25 anos de atividade (1942–1967). Porto Alegre: Faculdade de Filosofia, 1967. LEITE, Luiz Osvaldo. Jesuítas cientistas no sul do Brasil. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005. SILVA, Sérgio Baptista da et alli. Entrevista com Pedro Ignácio Schmitz. Horizontes Antropológicos, n.18, 2002. SCHMITZ, Pedro Ignácio. O começo da Antropologia na UFRGS. Comunicação apresentada no Programa de Pós-Graduação da UFRGS em junho de 2005, em evento que assinalava o cinqüentenário da fundação da Associação Brasileira de Antropologia –ABA.

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Sílvio Coelho dos Santos é antropólogo, professor emérito (UFSC) e pesquisador sênior do CNPq, sócio emérito do IHGSC e membro da Academia Catarinense de Letras. Foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia e secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Publicou dezenas de artigos e livros, destacando-se Índios e brancos no Sul do Brasil (2. ed., Movimento, 1986); Nova História de Santa Catarina (5. ed., Editora da UFSC, 2004); Os índios Xokleng: memória visual (Editora da UFSC/ Univali, 1997); São Francisco do Sul: muito além da viagem de Gonneville (Org.) (Editora da UFSC, 2004). Coordena o Núcleo de Estudos dos Povos Indígenas (NEPI/UFSC) e desenvolve o projeto “Hidrelétricas, Privatizações e os Povos Indígenas no Contexto do Mercosul II”, com o patrocínio do CNPq. Cecília Maria Vieira Helm é professora titular aposentada/UFPR; professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFPR, com o apoio do CNPq, através de uma bolsa de produtividade em pesquisa, Pp. Realizou pós-doutorado no Ciesas na cidade do México, 1979–1980. Desenvolve pesquisas sobre “Hidrelétricas e Povos Indígenas no Paraná”, notadamente na região do Rio Tibagi; elaborou laudo antropológico sobre a parte em litígio da área indígena Mangueirinha, PR, cujas terras, sub judice, vinham sendo disputadas na Justiça. Publicou livro, capítulos de livros, e vários artigos sobre as relações de contato entre Kaingang, Guarani e brancos no Paraná. Sérgio Alves Teixeira é natural de Rio Pardo (RS), mestre em Antropologia Social, 1976, pela Unicamp, e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Foi um dos criadores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS e integrante da diretoria da ABA. Dentre seus trabalhos, se destacam: Os recados das festas: representações e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1988. Este trabalho foi contemplado com o Prêmio Sílvio Romero 1987, promovido pela Funarte/Instituto Nacional do Folclore. Artigos: “Vestibular: ritual de passagem ou barreira ritualizada?”. Ciência e Cultura, 1981, 33, 12, 1574-1580. “O simbolismo essencial das brigas de galo. Horizontes Antropológicos, n.6. Porto Alegre, PPG Antropologia Social/ UFRGS, 1997. “A camisola do dia e o seu divino conteúdo.” Horizontes Antropológicos, n. 22. Porto Alegre, PPG Antropologia Social/UFRGS, 2004. Áreas de interesse: rituais seculares e acusação de desvio social.




Este livro foi finalizado em São Leonardo, Alfredo Wagner, Santa Catarina, em maio de 2006. www.riodasfurnas.org.br Impressão e acabamento Gráfica Pallotti Santa Maria/RS, em junho de 2006.


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