Memória do Setor Elétrico na Região Sul
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Organizadores SANTOS
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ANELIESE NACKE
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MARIA JOSÉ REIS
Pesquisadoras
NEUSA MARIA SENS BLOEMER
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Colaboradores
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Participação Especial
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FÁBIO MAFRA FIGUEIREDO
Auxiliares de Pesquisa
CÁTIA WEBER
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LUCIANO BORNHOLDT
2002
Sílvio Coelho dos Santos e Maria José Reis, Organizadores © 2002 • Sílvio Coelho dos Santos et al. Design: Renato Rizzaro Revisão: Renato Tapado Capa e folha de rosto: lâmpada utilizada na iluminação pública em Florianópolis, 1910. Foto: Renato Rizzaro Primeira guarda: locomóveis da Usina Térmica Curitiba, 1892. Acervo: Museu da Copel. Última guarda: experimento de captação eólica em Bom Jardim da Serra, iniciativa da Celesc, 2002. Acervo: Celesc
Catalogação na Fonte pela Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina
M533
Memória do Setor Elétrico na Região Sul / organizadores Sílvio Coelho dos Santos e Maria José Reis. - Florianópolis: Ed. da UFSC, 2002. 240 p.: il., fotos. Inclui bibliografia.
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1. Energia elétrica - Brasil, Sul - História. 2. Energia elétrica - Fotografias. I. Santos, Sílvio Coelho dos. II. Reis, Maria José.
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Universidade Federal de Santa Catarina
CDU:621.31
Universidade Federal de Santa Catarina Rodolfo Joaquim Pinto da Luz - Reitor Lúcio José Botelho - Vice-Reitor
Editora da UFSC Alcides Buss - Diretor Executivo Conselho Editorial Rossana Pacheco da Costa Proença (Presidente) José Isaac Pilati Luiz Teixeira do Vale Pereira Maria Juracy Toneli Siqueira Sérgio Fernando Torres de Freitas Tânia Regina Oliveira Ramos Vera Lúcia Bazzo Campus Universitário – Trindade Caixa Postal 476 88010-970 - Florianópolis - SC Fones: (48) 331 9408, 331 9605 e 331 9686 Fax: (48) 331 9680 edufsc@editora.ufsc.br www.editora.ufsc.br
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Agradecimentos especiais são devidos às seguintes pessoas e instituições, que facilitaram o acesso às informações e à documentação fotográfica selecionada. Acires Dias, Departamento de Engenharia Mecânica, UFSC; Ademar Campos Bindé, Ijuí, RS; Airton Laufer Junior, Curitiba; Amilcar Barum, UCPEL, Pelotas, RS; Anna Lindner von Pichler e Elfride Anrain Lindner, Joaçaba, SC; Arquivo Público de Florianópolis; Assessoria de Comunicação Empresarial da Tractebel, Florianópolis; Bernadete Aued, TMT, UFSC; Biblioteca Pública Neiva Maria Costella, Chapecó, SC; Cassiana Lícia de Lacerda e Roberson Maurício Caldeira Nunes, Diretoria do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Fundação Cultural de Curitiba (DPHAC/FCC); Centro de Organização da Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM), Chapecó, SC; Cláudia de Souza Sommer, Museu da Eletricidade da CEEE, Porto Alegre; Claudinei Moreira Ramos, Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo; Daniel Ferreira e Honória Pacheco Andrade, Museu de Energia da Copel, Curitiba; Danilo Thiago de Castro e Marli de Oliveira Ramos Grass, Museu Thiago de Castro, Lages, SC; Departamento de Marketing, Celesc, Florianópolis; Eli Maria Bellani e Maria do Carmo Machado, UNOESC, Chapecó, SC; Eliana Bahia, Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHG-SC); Enedy Padilha da Rosa, Arquivo Histórico Doutor Waldemar Rupp, Campos Novos, SC; Erlo Adolfo Endruweit, DEMEI, Ijuí, RS; Fábio Verçoza, Centro Cultural Usina do Gasômetro, Porto Alegre; Fátima Regina Ricardo, Laercio Faria, Maria Stela Homem, Ronaldo Canali e Tomires Cardoso, Eletrosul, Florianópolis; Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU); Gisela A. Batistela e Ângela Costa, NEPI, UFSC; Günter Axt, Diretoria de Atividades Culturais, Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Hélio Teixeira, Departamento de Comunicação Social, Itaipu Binacional; João Eduardo Moritz, Florianópolis; Jocélia Loyola de Oliveira Gomes, Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR; José Henrique Vilela, LabGeop/UFSC; José Isacc Pilatti, Departamento de Direito, UFSC; Lindolfo Zimmer e Roberto José Bittencourt, Diretoria de Marketing, Copel, Curitiba; Luciana Araújo Rocha Hyczy, Cia. Força e Luz do Oeste, Guarapuava, PR; Luiz Alberto Santos Rodrigues (Beto Negrão), Assessoria de Comunicação Social, CEEE, Porto Alegre; Luiz Carlos Alves, Museu da Universidade Federal do Paraná, Paranaguá; Marcos Schwab, Presidente da Fundação Itaipu-BR de Previdência e Assistência Social; Maria Lígia da Costa Valente Canali, Florianópolis; Marilza Elizardo Brito e Solange Balbi Cerveira Reis, Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, RJ; Mirian Rezini Nutti, Divisão de Meio Ambiente, Eletrobrás, RJ; Museu José Joaquim Felizardo, Porto Alegre; Naida Menezes, Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, Porto Alegre; Ruth Vieira Nunes, Centro de Convivência Cultural, UNISUL; Saburo Migamoto, Studium Photos, Joinville; Sergio Colle e Ricardo Rüther, Labsolar, UFSC; Sergio Schmitz, Departamento de História, UFSC; Silvia Mariza Marchiorato, Museu Paranaense, Curitiba; Sonia Ferraro Dorta e Rodrigo Furlan Alves, EFLUL, Urussanga, SC; Sueli Vanzuita Petry, Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Blumenau, SC; Telmo Lauro Müller, Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, RS; Terezinha Fernandes da Rosa, Arquivo Histórico de Joinville, SC; Terezinha Weber, Procuradoria Geral de Justiça, Florianópolis; Virgínia Ana Zimmermann, Aumeri Machado e Mercedes Maria Vieira da Silva, Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina; Waldir Fausto Gil, Florianópolis.
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Apresentação
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A energia elétrica chega no contexto da modernidade A história da eletricidade no Sul
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Empreendimentos pioneiros na produção de energia elétrica
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A eletricidade como suporte da modernidade no cotidiano
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SÍLVIO COELHO DOS SANTOS
MARIA JOSÉ REIS, NEUSA MARIA SENS BLOEMER E ANELIESE NACKE
MARIA JOSÉ REIS E NEUSA MARIA SENS BLOEMER
O setor elétrico no cenário dos Planos Nacionais de Desenvolvimento A Eletrobrás e suas subsidiárias: projetos termo e hidrelétricos no Sul
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A definição e a importância do Projeto Uruguai
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Itaipu: um megaprojeto
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A CEEE e sua trajetória histórica
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A Celesc: da instalação aos dias atuais
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A Copel: origem e perfil atual
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SÍLVIO COELHO DOS SANTOS GILBERTO VALENTE CANALI
CLÁUDIO JOSÉ DALLA BENETTA LUIS AIRTON FERRET
SEBASTIÃO BERLINCK BRITO
FREDERICO REICHMANN NETO
O setor elétrico no limiar de um novo milênio A importância estratégica do setor elétrico no cenário da Região Sul
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A energia elétrica na Região Sul no contexto da privatização
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O papel da Eletrosul como empresa de transmissão num sistema interligado
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SÍLVIO COELHO DOS SANTOS E ANELIESE NACKE
MARIA JOSÉ REIS E NEUSA MARIA SENS BLOEMER
CLÁUDIO PRISCO PARAÍSO E FÁBIO MAFRA FIGUEIREDO
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Na história da humanidade, a eletricidade se materializou como tecnologia disponível a partir das últimas décadas do século XIX. Produto do esforço combinado da ciência e da tecnologia, aos poucos se transformou numa valiosa mercadoria destinada a diferentes usos. Representava, simultaneamente, progresso e civilização, tanto por ser uma nova alternativa de energia para as indústrias que cresciam em número e em produção, quanto pela abertura de novas condições para a ocupação dos espaços urbanos, graças aos usos da iluminação pública e privada. Fábricas, ruas e áreas de lazer se ampliaram. O perfil das cidades mudou. Nas residências particulares e nos edifícios públicos a iluminação e diferentes aparelhos elétricos trouxeram conforto e deram asas ao imaginário social. A energia elétrica era o novo ícone da modernidade, com enorme utilidade prática e um forte potencial de sedução, fascinando o povo e as elites. Este livro-álbum tem como objetivo a reconstituição da memória do setor elétrico na Região Sul do Brasil, através da identificação dos principais eventos que determinaram o surgimento dos primeiros empreendimentos termo e hidrelétricos. Destaca, ainda, o entusiasmo com que foram 9
recebidos os serviços de eletricidade pela população e ressalta as dificuldades para a definição de políticas públicas nesse estratégico setor da economia. Empreendedores pioneiros preocupados com o desenvolvimento de suas indústrias, ou de suas cidades, seduzidos por essa nova fonte de energia, fizeram investimentos e materializaram usinas e redes de distribuição tanto nas capitais, como no interior. As empresas de eletricidade foram, gradativamente, aprimorando técnicas e ampliando as possibilidades de utilização dessa energia, a ponto de torná-la um valioso e indispensável bem de consumo. Aos poucos o potencial dos consumidores foi se definindo, provocando o interesse de empresas que pretendiam controlar esse novo mercado. Em muitos casos as pioneiras e pequenas iniciativas locais foram açambarcadas pelo capital internacional, o que levou a um lento processo de definição de ações governamentais para garantir os nem sempre claros interesses nacionais. Simultaneamente, o País foi adquirindo competência para construir usinas cada vez mais complexas, em termos de tecnologia e de investimentos, consolidando a indústria da produção de energia elétrica. A engenharia das barragens, as linhas de transmissão a longas distâncias, a construção de equipamentos pesados, como conseqüência de ações planejadas do setor elétrico, permitiram chegar ao potencial instalado de que dispomos atualmente. Desafios e dificuldades do setor elétrico foram enfrentados com erros e acertos, registrando-se avanços e conquistas notórias e indiscutíveis. Não faltaram, no entanto, percalços revelados, por exemplo, no descompasso em certos períodos entre a oferta de energia elétrica e as demandas da população; nas indecisões dos detentores do poder para assumirem a aprovação de projetos
reclamados pela sociedade; no descaso e na inadequação do atendimento às questões socioambientais decorrentes sobretudo da implantação de usinas de maior porte. Constituída em três partes, com doze capítulos, esta obra associa textos e fotos de maneira a permitir ao leitor a compreensão da trajetória do setor elétrico, em diferentes espaços e momentos históricos. Na primeira parte, intitulada “A energia elétrica chega no contexto da modernidade”, procurou-se ressaltar os episódios mais significativos, bem como os empreendimentos pioneiros e o papel exercido pela eletricidade no cotidiano social, no período compreendido aproximadamente entre 1880 e 1950. Na segunda parte, denominada “O setor elétrico no cenário dos Planos Nacionais de Desenvolvimento”, são enfatizadas as intervenções do Estado que levaram à criação de uma legislação disciplinadora; à implantação do Ministério de Minas e Energia, da Eletrobrás e de suas subsidiárias, além das empresas estaduais de energia, da Itaipu Binacional e de dezenas de usinas termo ou hidrelétricas. Na terceira parte, designada “O setor elétrico no limiar de um novo milênio”, dá-se atenção às indefinições governamentais quanto à privatização em tempos do presente; destacam-se as reorientações vivenciadas pelas companhias estaduais de energia e a emergência das novas empresas privadas de geração e de distribuição; e ressalta-se o papel da Eletrosul como empresa de transmissão. Além disso, enfatizase a necessidade de se diversificar a matriz energética, essencialmente hidráulica, e de se manter objetivos claros quanto à regulação do setor, no contexto da crescente privatização. Esta obra não poderia ter sido concretizada se não se tivesse contado com o decidido apoio do Prof. Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, Reitor da Universidade Federal de
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Santa Catarina; do Prof. Carlos Fernando Miguez, Diretor Executivo da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU), UFSC; do Prof. Alcides Buss, Diretor da Editora da UFSC; do Dr. Cláudio Ávila da Silva, inicialmente como Presidente da Eletrosul e, depois, como Presidente da Eletrobrás; do Engº Manoel Arlindo Zaroni Torres, Diretor Presidente da Tractebel Energia S.A.; do Sr. Francisco Küster, à época Presidente das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc); do Engº Altino Ventura Filho, atual Presidente da Eletrobrás, e do Dr. Nereu Ramos Neto, Diretor Financeiro da mesma empresa. Também seria impossível concretizar o projeto se não contássemos com a cooperação de um expressivo número de pessoas, a maioria detentoras de acervos documentais, fotográficos ou bibliográficos, bem como de instituições, as quais foram arroladas com todo o mérito numa página especial, na abertura deste livro. Cabe destacar também o esforço de nossos colaboradores convidados e de nossos colegas de equipe e auxiliares, sempre incansáveis para se chegar aos resultados propostos. A todos os nossos agradecimentos e a certeza de que valeu a pena o esforço.
SÍLVIO COELHO DOS SANTOS E MARIA JOSÉ REIS Organizadores
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A energia elétrica chega no contexto da modernidade
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N Usina Hidrelétrica Municipal de Rio Santana, Francisco Beltrão (PR) década de 50. Acervo: Família Nacke.
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No século XIX a humanidade testemunhou grandes mudanças tecnológicas. As estradas de ferro e o trem aproximaram cidades e mercados. A velocidade permitida pela máquina a vapor materializou a realização de sonhos inimagináveis, como bem descreveu Júlio Verne em seu clássico da literatura infanto-juvenil, A volta ao mundo em oitenta dias (1873). O telégrafo, a fotografia, o telefone, o navio a vapor e a energia elétrica têm destaque nesse amplo conjunto de inovações. Os países que dominavam as antigas áreas coloniais, liderados pela Inglaterra, mantinham crescente produção industrial. As concentrações urbanas, ampliadas pela presença das fábricas, vivenciavam quadros de riqueza e miséria. Em Filadélfia, Londres, Paris e Viena grandes exposições procuravam colocar o público em contato com máquinas, produtos industriais, mercados e regiões remotas, além de tecnologia de ponta. O capitalismo se afirmava, exacerbando contradições sociais e perspectivas de riquezas crescentes. Entre 1820 e 1870 os trabalhos de Hans Christian Oersted, AndréMarie Ampère, Michael Faraday e James Clerk Maxwel, entre outros, desvendaram o eletromagnetismo e definiram uma teoria explicativa da eletricidade. O célebre Tratado sobre eletricidade e magnetismo, de Maxwel, foi editado em 1873. O homem estava começando a conquistar de forma consciente novas fronteiras, em particular relacionadas ao seu crescente domínio sobre o ecúmeno terrestre. A ciência e a tecnologia conquistavam espaços. O laboratório e a fábrica se aproximavam. Novidades e mudanças tornavam-se constantes, ampliando expectativas de progresso e de bem-estar no novo século que estava chegando.
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Desde tempos imemoriais o ser humano descobriu a importância do fogo para se aquecer, cozinhar e iluminar a escuridão da noite. Nos acampamentos uma fogueira a tudo atendia. Posteriormente, nas cidades, os archotes feitos com ramos secos e breu iluminavam os caminhos daqueles que precisavam sair às ruas. No interior das casas e templos, além de tochas acesas em pontos estratégicos, velas de sebo e fios de algodão imersos em pequenos vasilhames com azeite, chamados lanternas, lâmpadas ou lamparinas, garantiam precária iluminação. A escuridão da noite era temida, pois não raro abrigava perigos e toda sorte de violência. Aos poucos as populações das áreas urbanas exigiram a iluminação pública. Lampiões alimentados a óleo começaram a ser utilizados. A captura de baleias tornou-se um bom negócio, razão, por exemplo, da instalação na Região Sul do Brasil de diversas armações destinadas à produção de óleo. Com o decorrer do tempo em muitos lugares se passou também a utilizar o querosene e o gás.
Acendedores de lampiões. Porto Alegre. Acervo: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
O imperador Pedro II (1840-1889) foi um entusiasta das exposições e das inovações que nelas eram apresentadas. Na exposição comemorativa ao centenário de Filadélfia (1876), o imperador, ao lado do presidente Grant, participou do ato simbólico de acionamento da energia elétrica na “sala de máquinas”. Teve oportunidade, também, de conversar por telefone com Graham Bell, que fazia a apresentação de seu revolucionário invento. Anteriormente, o Brasil marcara presença nas exposições de Londres (1862), Paris (1867) e Viena (1873). Ainda no Império, o País compareceu, entre outras, às exposições de Buenos Aires (1882), São Petersburgo (1884) e Paris (1889). Os produtos brasileiros, a maioria de origem agrícola, através do governo e de empresários procuravam marcar presença no mercado que se transnacionalizava. Outrossim, a elite do País costumava enviar seus filhos para obter formação escolar na Europa. As referidas inovações, pois, não passaram despercebidas a muitos brasileiros que, em certos casos, assumiram as propostas modernizadoras, tanto tecnológicas, quanto filosóficas. O ideário republicano e o Positivismo são exemplos dessa adesão. Thomas Edison, o genial inventor da lâmpada incandescente descartável (1879), instalou com sucesso a iluminação pública em Nova York, em 1882, alimentada por uma pequena termelétrica. Foi também convidado por D. Pedro II para implantar seus inventos no Brasil. O uso industrial da eletricidade havia se tornado possível com a invenção do dínamo pelo engenheiro alemão Werner Siemens (1867). O transporte da energia em alta tensão e o uso de transformadores e de alternadores foram conquistas quase simultâneas, favorecendo a disseminação da iluminação pública e a de consumo doméstico e industrial nas principais cidades do planeta. Jamais uma tecnologia havia tido aceitação coletiva com tanta rapidez como aconteceu com a eletricidade. No Brasil a primeira demonstração de iluminação elétrica ocorreu no Rio de Janeiro, em 1879, quando da inauguração da estação central da Estrada de Ferro D. Pedro II. A seguir, em 1883, o imperador inaugurou em Campos (RJ) a primeira rede de iluminação pública, alimentada por uma máquina a vapor. Nesse mesmo ano ocorreu a primeira experiência de geração hidrelétrica em Diamantina (MG), quando uma pequena usina foi instalada no Ribeirão do Inferno por uma empresa interessada na exploração de diamantes. Em 1887 foi
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criada no Rio de Janeiro a Companhia de Força e Luz, que teve curta existência. São Paulo começou a contar com a energia elétrica em 1889, quando se inaugurou a usina termelétrica Água Branca. Também nesse ano entrou em operação aquela que é considerada a primeira usina hidrelétrica do País e da América do Sul, denominada Marmelos, localizada no rio Paraibuna, em Juiz de Fora (MG). A prática da iluminação das cidades através de lampiões a óleo ou a gás começou, assim, a desaparecer. Uma personagem de Erico Verissimo, em Incidente em Antares (1997, p. 26), entretanto, testemunha que alguma resistência houve: “[...] o avô de vocês vivia muito bem se alumiando com lâmpada de óleo de peixe e vela de sebo. A máquina mais complicada que ele conhecia era o monjolo. Pra mim, lampião de querosene ou acetilene já é luxo demais. Ninguém me convence de mandar botar na minha casa a tal luz elétrica. Dizem que esse negócio dá choque, pode até matar uma pessoa”. A iluminação de casas, de ruas e, pouco depois, o uso da eletricidade em linhas de bonde, que facilitava o transporte urbano, asseguravam o retorno dos investimentos realizados pelos primeiros concessionários. Mas a pouca oferta de energia elétrica, de início, limitou seu uso para fins industriais, obrigando, em muitos casos, os próprios empresários a construir suas usinas, termo ou hidrelétricas. A implantação de locomóveis e de pequenos geradores foi uma alternativa também adotada. Nos finais do século XIX, com a chegada da eletricidade, as cidades e as fábricas ganharam dimensões até então inimagináveis. O ideário da modernidade aos poucos foi sendo assumido pela população, sequiosa de poder aderir às conquistas tecnológicas que, na forma dos mais diferentes utensílios domésticos, meios de comunicação, máquinas e divertimentos, começavam a chegar ao mercado.
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A história da eletricidade no Sul S Í LV I O C O E L H O
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Nos Estados sulinos a energia elétrica chegou primeiro em Porto Alegre. A iniciativa de dotar a capital do Rio Grande do Sul com um moderno sistema de iluminação pública foi dos franceses Aimable Jouvin, cônsul e representante comercial, e S. Dernuit, engenheiro que representava a empresa francesa Gramme. Os dois criaram, em 1887, a Cia. Fiat Lux. Uma usina termelétrica, alimentada a lenha, foi instalada próxima à área portuária, junto à cidade. Em pouco tempo algumas ruas do centro passaram a contar com a novidade. Novidade que também chegou na capital do Paraná logo em seguida, com a implantação de uma pequena termelétrica em 1889. A iluminação elétrica em Curitiba foi iniciativa da Companhia de Água e Luz do Estado de São Paulo, que havia obtido a concessão municipal (1892). Em seguida (1898) o empresário José Hauer assumiu a concessão do serviço de iluminação e instalou a usina de Capanema. Rapidamente outras cidades começaram a contar com serviços semelhantes, entre elas Bagé, Santa Maria, Pelotas e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul; Florianópolis, Joinville e Blumenau, em Santa Catarina; Paranaguá, Ponta Grossa e Guarapuava, no Paraná. As iniciativas eram principalmente de empresários locais; às vezes de investidores estrangeiros; e, mais raramente, de governos municipais ou estaduais.
Motivados pelo forte espírito federativo da Constituição de 1891, recém-promulgada, Estados e municípios entendiam que deveriam estabelecer autonomamente concessões às empresas interessadas na instalação de usinas geradoras e de distribuição dos serviços de iluminação. Aliás, em muitas cidades as administrações locais já eram responsáveis pela iluminação pública, fosse ela mantida a óleo de peixe, a querosene ou a gás. Contratos de concessão desse tipo de serviço também existiam. Assim, sob a égide principalmente dos municípios as iniciativas privadas para implantar usinas e distribuir energia elétrica se multiplicaram. As primeiras hidrelétricas foram implantadas logo no início do novo século, entre elas as usinas de Piraí, em Joinville (1909), e a de Maroim, localizada próxima a Florianópolis (1910), ambas em Santa Catarina; a de Serra do Prata, que alimentava Paranaguá (1910), e a de Pitangui, próxima a Ponta Grossa, (1911), no Paraná; e a de Passo Fundo, instalada no noroeste do Rio Grande do Sul (1912). Para compreender por que no Rio Grande do Sul e no Paraná a maioria das primeiras usinas implantadas foram termelétricas, é necessário lembrar que a máquina a vapor, denominada locomóvel, já vinha sendo utilizada para movimentar o maquinário de serrarias, de indústrias de beneficiamento de erva-mate e de produção de equipamentos. A invenção de Matthew Boulton, ocorrida em 1777, havia provocado na Europa a Primeira Revolução Industrial, substituindo a força humana e a tração animal. Sua tecnologia era simples e fácil de ser dominada, além de sua operação ser bastante econômica. A geração de energia pelo locomóvel foi conseqüência do uso do dínamo, permitindo a iluminação e facilitando o trabalho noturno. As fornalhas eram alimentadas com resíduos de madeira, abundantes em toda a Região Sul, o que não implicava novos custos. A instalação desse equipamento numa indústria significava, além do incremento da produção, uma reorientação do ritmo da mão-de-obra. A máquina começava a impor ao homem novas regras, adiante consagradas na linha de montagem criada por Henry Ford. Montar locomóveis para gerar exclusivamente energia foi, portanto, uma prática que não tardou, e que perdurou, em áreas mais remotas, até boa parte do século XX. Também é preciso perceber o contexto econômico presente nos Estados do Sul. No limiar do século XX, em algumas cidades, estava
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Locomóvel instalado em uma olaria, no início do século XX. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
Página anterior, transporte de um locomóvel no interior do Rio Grande do Sul, no final do século XIX. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
instalado um processo inicial de industrialização e de atividades comerciais de significativa importância. A produção agropecuária, a extração de erva-mate, a mineração do carvão e a exploração dos recursos florestais, além do comércio, haviam possibilitado a uma parcela da população acumular parte do excedente econômico. Alguns empreendedores emergiram nesse cenário, implantando indústrias que tinham mercado certo para seus produtos, como tecidos, ferramentas, móveis e máquinas, em cidades como São Leopoldo, Novo Hamburgo e Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul; e em Joinville, Blumenau e Tubarão, em Santa Catarina. Em cidades como Pelotas, Bagé e Santa Maria (RS); Lages e Campos Novos (SC); e em Paranaguá, Guarapuava e Ponta Grossa (PR), cujas economias eram centradas nas atividades agropecuárias, no comércio ou na exploração florestal, as elites locais também dispunham de recursos financeiros, além de motivação social e econômica, para aspirarem usufruir dos benefícios da eletricidade. Assim, além das capitais, emergem demandas crescentes por energia elétrica em diferentes localidades. Muitas das indústrias trataram de resolver isoladamente suas necessidades de energia, implantando pequenas usinas. Outras passaram a participar de projetos com vistas ao atendimento de demandas mais amplas, tendo quase sempre a participação das administrações municipais como cedentes das concessões. Surgem, dessa forma, diferentes iniciativas, consolidadas através de empresas voltadas para a produção e distribuição de “luz e força”, num número significativo de cidades. Convém ainda lembrar que, além da iluminação pública e privada, num primeiro momento a eletricidade foi utilizada como espetáculo, razão de seu uso em feiras, inaugurações de edifícios públicos e parques. Mas, aos poucos, o potencial da nova tecnologia foi despertando múltiplos interesses, entre eles os de grandes empresas que tentavam monopolizar o setor, provocando amplas discussões públicas. Numa extensão dos acontecimentos internacionais após a Primeira Guerra Mundial, na década de vinte, o Brasil vivenciou vários movimentos sociais e militares. Assim, uma corrente nacionalista foi se formando em defesa dos interesses do País, em oposição aos avanços realizados pelas empresas estrangeiras, que já haviam se instalado principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
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Em Porto Alegre (RS), a Companhia de Energia Elétrica RioGrandense (CEERG), sucessora da Fiat Lux (1923), foi em 1928 adquirida pelo grupo American & Foreign Power Co. (Amforp), que pertencia à Electric Bond and Share Corporation (Ebasco). Esta empresa norte-americana estendeu seus interesses para a América Latina a partir dos anos vinte, incorporando diversas concessões. Em 1928 o grupo Amforp, além de adquirir as duas empresas que abasteciam Porto Alegre, absorveu também a única termelétrica que havia sido implantada pelo governo da capital gaúcha. Obteve, ainda, outras concessões no interior do Estado. As usinas de Bagé e Santa Maria eram controladas por capitais argentinos. A termelétrica que abastecia a cidade de Rio Grande era de propriedade da Cie. Française du Port, que também detinha a concessão dos serviços portuários da cidade. As usinas de São Gabriel e a de Alegrete eram controladas pela Bromberg e Cia., uma empresa comercial de Porto Alegre, que também participou da implantação de outras usinas. Em Pelotas o serviço de energia elétrica foi implantado em 1912 pela Rio Grandense Light and Power Syndicate Limited, de capital anglo-argentino.
Usina Hidrelétrica de Maroim, São José (SC), instalada em 1910.
Sede da Bromberg em Porto Alegre. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
No Paraná, ainda em 1910, a The South Brazilian Railways Company Limited, com sede em Portland, nos Estados Unidos, integrante do grupo liderado por Percival Farquhar, que tinha o controle da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, adquiriu a Empresa de Eletricidade de Curitiba. Na década de vinte a empresa foi vendida para a Amforp, mudando sua razão social para Companhia de Luz e Força do Paraná. Os espaços do monopólio se estendiam. Assim, as duas maiores concentrações urbanas do Sul, Porto Alegre e Curitiba, tornaram-se objeto do interesse de empresas estrangeiras e a elas foram submetidas. Deve-se destacar, ainda, que a Empresa de Eletricidade Alexandre Schlemm e, depois, a Empresa Sul Brasileira de Eletricidade S.A., cujas sedes estavam no Estado de Santa Catarina, atendiam o Sul do Paraná (União da Vitória, Rio Negro, Lapa). A região de Ponta Grossa, incluindo Castro e outras cidades vizinhas, era abastecida pela Companhia Prada de Eletricidade, que tinha sede em São Paulo. A Empresa Elétrica de Londrina atendia também parte das cidades próximas. Outras aglomerações urbanas localizadas no norte paranaense eram atendidas pela Companhia Hidrelétrica do Paranapanema, que tinha sede em São Paulo. Em Guarapuava a empresa Força e Luz do Oeste iniciou suas atividades em 1910, persistindo até o presente. Nas cidades mais isoladas, às vezes, iniciativas locais atendiam às demandas existentes. Em Santa Catarina o governo estadual outorgou concessão para a empresa Simmond e Willianson explorar a distribuição da energia gerada na Usina de Maroim (1910). No norte do Estado empresários locais já haviam criado a Empresa Joinvillense de Eletricidade, que construiu a Usina Hidrelétrica (UHE) Piraí, inaugurada em 1909. No final dos anos vinte, durante o governo de Adolfo Konder, a concessão foi transferida para a Empresa Sul Brasileira de Eletricidade S.A., que tinha a maior parte de seu capital integrado pelas firmas alemãs Allgemeine
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Elektrizitaets-Gesellschaft (AEG) e Siemens & Sukert. Esta nova empresa projetou e construiu a UHE Bracinho, inaugurada em 1931. Ao término da Segunda Guerra Mundial e no cenário das restrições sofridas pelos descendentes de alemães, a Sul Brasileira foi nacionalizada. Seu patrimônio foi inicialmente incorporado aos bens da União e, depois, transferido para o Governo de Santa Catarina. Outras empresas se constituíram por iniciativas locais, respaldadas, às vezes, pelos governos municipais. Assim, poderíamos destacar a Empresa de Eletricidade Salto, criada em Blumenau, em 1915; a Força e Luz de Lages, criada em 1917; e a Força e Luz de Urussanga Ltda., organizada também em 1917, mas constituída com tal razão social somente em 1944. Nos finais dos anos vinte, as principais cidades dos Estados do Sul contavam com energia elétrica. No Rio Grande do Sul e no Paraná a geração era centrada na termoeletricidade. Nas cidades de menor porte iniciativas locais davam curso à instalação de locomóveis, de pequenas hidrelétricas e de geradores a óleo combustível. Nas áreas rurais a energia não se fazia presente. Os sistemas de distribuição eram locais ou regionais. Não havia nada que se aproximasse do sistema interligado que conhecemos hoje. Esta situação impunha limitações fortes a cada uma das empresas, caracterizadas pela precariedade dos serviços oferecidos. Os cortes (apagões) eram freqüentes, gerando inúmeras reclamações às empresas e críticas aos governantes. É neste contexto que se começa a discutir a necessidade de um disciplinamento do setor, através da ação do Governo Federal. As condições políticas dessa intervenção, porém, só vão ser favoráveis a partir de 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder, derrubando a chamada “Velha República.” Em 1933 foi instalado o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), contando com uma Divisão de Águas (depois, Serviço), que foi criada para tratar da exploração da energia elétrica, concessões, etc. A seguir foi implantado o Código de Águas, através de ato do “Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil” (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934). Definiram-se, assim, pela primeira vez regras a serem observadas pelas empresas hidrelétricas, estimulando-se os Estados a organizar serviços técnicos e administrativos pertinentes ao setor. Em 1940, com a instalação do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), subordinado
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Com o surgimento do Código de Águas (1934) e da Divisão de Águas do Departamento Nacional de Produção Mineral (transformada mais adiante no Departamento de Águas e Energia Elétrica – DNAEE), o Governo Fe d e r a l p a s s o u a e x e r c e r u m controle mais efetivo sobre as usinas que já estavam instaladas e sobre aquelas que iriam se instalar. A Divisão de Águas, e depois o DNAEE, mantiveram um registro para essas usinas, discriminando sua localização, empresa responsável, potência instalada e data do início de operação. É com base nessas informações que o Centro da Memória da Eletricidade no Brasil dispõe de um inventário sobre as hidrelétricas e
termelétricas instaladas no País, entre 1883 e 1999. Embora nem todas as usinas tivessem atendido às determinações governamentais de registro, é possível ter uma idéia bastante razoável sobre o número de usinas instaladas. Assim, o Rio Grande do Sul teve registradas 72 usinas, das quais 43 hidrelétricas e 29 termelétricas; o Paraná teve 73, sendo 43 hidrelétricas e 30 termelétricas; e Santa Catarina, 29, sendo 25 hidrelétricas e quatro termelétricas. No referido inventário cada uma dessas usinas é objeto de informações adicionais, relativas a histórico, coordenadas geográficas e localização, concessões, ampliações e situação quanto à condição de ativa ou inativa.
à Presidência da República, deu-se um novo passo na direção da centralização e da normatização. Apesar das críticas e da rejeição de segmentos comprometidos com as empresas estrangeiras, o novo Código e as iniciativas subseqüentes abriram perspectivas para o País consolidar estratégias de expansão do setor elétrico, numa resposta objetiva às crescentes demandas. A Constituição de 1934, em seu Art. 5o, também explicitou que “[...] compete privativamente à União [...]” legislar sobre “[...] mineração, metalurgia, águas, energia elétrica [...]” (item J), admitindo, no parágrafo 3o, do mesmo Artigo, que “As leis estaduais [...] poderão, atendendo às peculiaridades locais, suprir lacunas ou deficiências da legislação federal, sem dispensar as exigências desta”. Outros pontos reenfatizaram os dispositivos do Código de Águas, tais como o Art. 119, declarando que o “[...] aproveitamento industrial das minas [...], bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende da autorização ou concessão federal, na forma da lei [...]”; e o Art. 12, das Disposições Transitórias, determinando que “Os particulares ou empresas que ao tempo da promulgação desta Constituição explorarem a indústria da energia hidrelétrica ou de mineração ficarão sujeitos às normas de regulamentação que forem consagradas na lei federal, procedendo-se, para este efeito, à revisão dos contratos existentes”. Todas essas iniciativas, em âmbito federal, demonstravam a vontade política do novo governo de intervir no setor, centralizando as decisões sobre a produção e o fornecimento de energia elétrica. A Constituição outorgada à nação por Getúlio Vargas, em 1937, manteve os dispositivos da Constituição de 34 sobre a competência privativa da União de legislar sobre a energia hidráulica (item XIV, Art. 16), detalhando, no item XV, também a atribuição para proceder à “[...] unificação e estandardização dos estabelecimentos e instalações elétricas, bem como as medidas de segurança a serem adotadas nas indústrias de produção de energia elétrica, (e) o regime das linhas para correntes de alta tensão, quando as mesmas transponham os limites de um Estado”. Vale ressaltar que, no início dos anos trinta, o Rio Grande do Sul apresentava o terceiro parque industrial do País. A produção agropecuária e industrial havia assegurado ao Estado sulino uma posição
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de destaque no contexto econômico do País. Assim a demanda por energia elétrica era crescente. A Companhia de Energia Elétrica RioGrandense (CEERG), pertencente à Amforp, única concessionária em Porto Alegre, não investia em novos projetos que eram necessários para garantir a ampliação do potencial instalado. Caxias do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo também se ressentiam da falta de um abastecimento satisfatório. Nos Estados do Paraná e de Santa Catarina a situação não era diferente. O racionamento se fez presente, e a expansão industrial ficou comprometida. Este quadro se agravou com as necessidades impostas ao País pela ocorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Tal situação, evidente, não era desconhecida por Getúlio Vargas e sua equipe de governo. Apesar de muitas ambigüidades nas ações governamentais federais, o fato é que a Revolução de Trinta havia criado para o País novas condições de modernização. A implantação da Cia. Siderúrgica de Volta Redonda, os estímulos à industrialização e o disciplinamento das relações trabalhistas, por exemplo, não podem ser esquecidos nesse processo.
Inauguração da Usina da Toca, em 1930, com a presença de Getúlio Vargas e autoridades locais. Acervo: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (RS).
Diante da crescente reivindicação dos municípios para a ampliação e melhoria dos sistemas de abastecimento de energia, em 1943 o governo do Rio Grande do Sul decidiu criar a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Dois anos depois, em 1945, essa Comissão apresentava um Plano de Eletrificação, que se consagrou como a primeira iniciativa de planejamento do setor elétrico do País. Os passos para a intervenção do Estado no setor estavam dados. Em 1959 a CEERG foi encampada através de indenização simbólica pelo governo do Rio Grande do Sul. Cinco anos depois, numa controvertida decisão, o processo de encampação foi revertido pelo governo federal, que assumiu o pagamento do patrimônio da empresa. O Paraná elaborou o primeiro plano hidrelétrico em 1948, através de seu Departamento de Águas e Energia Elétrica. Projetou-se a construção de cinco hidrelétricas de médio porte, nas bacias dos rios Iguaçu e Paranapanema. Outras usinas hidrelétricas de menor porte foram também definidas. O cenário estava sendo montado para a emergência da Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), em 1954. Em Santa Catarina o governo criou a Comissão de Energia Elétrica em 1951. O levantamento do potencial instalado, os estudos sobre possibilidades de interligação dos diferentes sistemas e a definição da planificação do setor foram as principais iniciativas da Comissão, até 1955, quando se constituiu a empresa Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc). Também o processo de intervenção federal no setor elétrico estava tomando forma definitiva. Em 1943 foi criada no âmbito do CNAEE uma comissão para elaborar o Plano Nacional de Eletrificação (concluído em 1946), que propunha a instalação de diversas usinas hidrelétricas de pequeno e médio portes. Duas missões norteamericanas, a primeira chefiada por Morris Cooke (1942), e a segunda conhecida como “Missão Abbink” (1949), tiveram importância na definição de prioridades e de estratégias. As sugestões de interligação dos diferentes sistemas e de aproveitamento preferencial do potencial hidráulico foram destacadas como opções importantes e aceitas. As indicações referentes à implantação de pequenas e médias hidrelétricas, através de empresas privadas, porém, não prevaleceram no modelo que aos poucos tomava forma definitiva. As divergências entre os detentores do poder se acentuaram. O grupo privatista acabou perdendo espaço
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em relação aos nacionalistas, que defendiam a intervenção crescente do Estado, quando, em 1948, o governo federal instalou a Cia. Hidrelétrica do São Francisco (CHESF). Pouco mais adiante, no início dos anos sessenta, consolidou-se essa intervenção com a criação do Ministério de Minas e Energia (1961) e, no ano seguinte, da Eletrobrás.
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Empreendimentos pioneiros na produção de energia elétrica
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MARIA JOSÉ REIS MARIA SENS BLOEMER ANELIESE NACKE
A produção de energia elétrica nos Estados sulinos, dos finais do século XIX até a primeira metade do século XX, ocorreu através de diferentes ritmos e especificidades, tanto na perspectiva interestadual, quanto no interior de cada uma dessas unidades da federação, em particular, intimanente vinculados às condições econômicas e políticas regionais e locais. Neste capítulo focalizaremos empreendimentos pioneiros destinados à produção de energia elétrica nos três Estados, em um quadro, portanto, bastante diversificado. Assim, foram igualmente considerados pioneiros empreendimentos que se destacaram, entre outros motivos, por marcarem o início da oferta de energia elétrica para além das capitais estaduais; pela exploração de novas fontes de energia; pela expressiva capacidade de energia oferecida quando de sua instalação; por outros usos da eletricidade gerada em relação à utilização inicial, ou pelo seu caráter público, em contraste com uma maioria de iniciativas de caráter privado.
Alguns empreendimentos pioneiros no Rio Grande do Sul Em Porto Alegre (RS), a primeira capital da Região Sul a contar com energia elétrica, a Sociedade Fiat Lux, empresa pioneira no fornecimento de energia no Estado do Rio Grande do Sul, obteve da Câmara Municipal, em junho de l887, a permissão para a iluminação
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Usina de Ijuí, instalada em 1923. Acervo: DEMEI, Ijuí (RS).
pública em algumas ruas do centro da cidade. A instalação de lâmpadas para particulares foi iniciada em dezembro deste mesmo ano. Sua termelétrica, ao entrar em operação, dispunha de um gerador de l60 kW, cuja capacidade, após sucessivas ampliações, atingiu, em l914, cerca de 600 kW1 . A Fiat Lux recebeu autorização para a exploração dos serviços elétricos em todos os municípios rio-grandenses, em abril de l889, através da Lei nº l.785, promulgada pelo Presidente da Província, Joaquim Galdino Pimentel. Contudo, o não-cumprimento da cláusula que estabelecia que os serviços deveriam ser iniciados no prazo de dois anos, nas cidades, e de quatro anos, nas vilas, fez com que essa concessão, salvo em relação a Porto Alegre, ficasse sem efeito2 . Por outro lado, no final da primeira década de sua atuação o descontentamento popular com os serviços da Companhia provocou a intervenção dos poderes municipais, limitando a concessão ao perímetro central da cidade. Segundo o termo de limitação da zona de privilégio da Companhia, a exploração ficava restrita às “Rua Cel. Vicente, Rua Senhor dos Passos, Praça Dom Feliciano, Rua Duque de Caxias até às margens do Guaíba, e por este até a esquina da Rua Cel. Vicente”3. A municipalidade de Porto Alegre, preocupada também com a iluminação pública dos bairros, já que outras ruas do centro eram
“A fuligem da Uzina A parte oeste da cidade está vivendo dias de verdadeiro supplicio com a poeira negra que chaminé da uzina da Energia Elétrica vem expellindo nestes ultimos dias. Innumeros são os casos de pharingite que se registrarem naquella populosa zona da capital do Estado. A imprensa se tem feito eco das queixas continuas dos moradores das proximidades daquella dependencia da poderosa empreza ‘yankee’. [...] O que é indubitável é que a saúde de uma parte da população não pode continuar, como até aqui, a mercê das conveniencias da Energia Elétrica.” (Jornal Corrêio do Povo, 24 de abril de 1931).
Usina Municipal de Porto Alegre, instalada em 1908. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
iluminadas a gás, assumiu a instalação de uma nova termelétrica, localizada na rua Voluntários da Pátria, esquina com Coronel Vicente. Inaugurada em agosto de l908, a usina municipal acrescentava 300 kW à potência de energia elétrica disponível no município. Nesse mesmo ano foi instalada na capital gaúcha a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense, destinada, de modo especial, a fornecer serviços de bondes elétricos. Sua usina térmica, a mais potente construída até então no Rio Grande do Sul, foi localizada também na Voluntários da Pátria, produzindo 700 kW, contando com uma chaminé de 47 m, a maior da cidade à época4. Ao final da primeira década do século XX, Porto Alegre dispunha de um potencial de energia elétrica de cerca de 1.700 kW, distribuídos pelas três usinas que operavam na cidade. A despeito de sucessivas ampliações das usinas, em meados da década seguinte a demanda de energia elétrica por parte da população da capital gaúcha era maior que a oferta disponível5. O município contava com apenas 5.168 kW, em grande parte sob o controle da Companhia de Energia Elétrica Rio Grandense (CEERG). Foi nesse cenário que, em novembro de l928, ocorreu a inauguração, em Porto Alegre, de sua maior termelétrica, a Usina do Gasômetro, sendo conhecida, também, como Usina Termelétrica Ponta da Cadeia6. Instalada pela CEERG junto à Volta do Gasômetro, em terreno conquistado ao rio Guaíba, quando de sua inauguração disponibilizava 10.000 kW, fornecidos por dois grupos geradores Oerlikon. Em l938, devido a sucessivas ampliações que duplicaram sua potência inicial, era apontada como a termelétrica mais potente do País7. Importante marco na arquitetura industrial no Rio Grande do Sul, com características neoclássicas, a Usina do Gasômetro dispunha de uma área de cerca de 3.000 m², destinados a abrigar caldeiras e turbinas, além da torre e das demais construções. Dispunha, ainda, pela proximidade com o rio, de cais próprio, que facilitava o desembarque do carvão, transportado em chatas, de onde era conduzido em caçambas por elevadores verticais até a esteira distribuidora, que alimentava os silos. Como lembra Meira8, a história dessa Usina também se inscreve na história dos movimentos em defesa da qualidade de vida na cidade. Sua chaminé, com mais de cem metros de altura, foi construída em 1937, devido aos protestos da população contra a fuligem provocada pela queima de carvão na produção de eletricidade.
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Encampada pela CEEE em l964, a Usina do Gasômetro foi desativada em l970. Em l982 foi tombada pelo Patrimônio Histórico e Cultural do município e, em l983, pelo do Estado. Depois de ser pensada como abrigo para diferentes tipos de atividades, entre as quais um museu do trabalho e uma escola de formação de mão-de-obra, foi destinada, em l994, a abrigar um grandioso Centro Cultural. Como tal, apresenta, atualmente, auditórios, salas de exposições, local para feiras e eventos diversos, lojas de produtos culturais, cinema, teatro, terraço panorâmico, além de um expressivo memorial da usina. No interior do Rio Grande do Sul, por sua vez, o fornecimento de energia elétrica contou com a iniciativa de capitalistas gaúchos, mediante concessão municipal, ainda no final do século XIX. Duas usinas termelétricas foram instaladas em l899, uma delas na cidade de Bagé, e a outra em Santa Maria. Portanto, no início do século XX, três cidades gaúchas dispunham de serviços de eletricidade, totalizando cerca de 500 kW, fornecidos por duas empresas: em Porto Alegre, a Fiat Lux, e na região da Campanha, a Buxton, Guilayn e Cia., empresa argentina que se expandia no Rio Grande do Sul.
Serviços de energia elétrica foram instalados em outras nove cidades gaúchas ao longo da primeira década do novo século: Jaguarão, em l901; Uruguaiana, em l904; São Gabriel, Rio Grande e Livramento, em l905; Santa Cruz, em l906; Alegrete e Santa Vitória do Palmar, em l908, e São Pedro, em l9109 . Em Uruguaiana, em l903, por iniciativa de um engenheiro eletricista argentino que mobilizou empresários locais, foi criada a Sociedade Anônima Luz Elétrica Uruguaiense, responsável pela instalação de uma usina termelétrica em julho de l904. Além de se responsabilizar pela iluminação pública e particular, foi a primeira empresa de eletricidade no Rio Grande do Sul a fornecer energia para fins industriais, e a maior do interior do Estado até l910. Instalada às margens do rio Uruguai, a usina fornecia 600 kW, utilizando-se de equipamentos italianos, importados através de Buenos Aires10 .
Iluminação da Praça Marechal Deodoro, Porto Alegre. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. Bonde elétrico trafegando em Porto Alegre, na década de vinte. Foto: Virgílio Calegari. Acervo: Museu José Joaquim Felizardo. Locomóveis da Bromberg em uma exposição agropecuária. Porto Alegre, 1910. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
Em l909 o contrato de concessão municipal de energia foi transferido para a empresa B. M. Barbará. Essa empresa se dedicava a atividades comerciais, financeiras e de navegação fluvial, em Uruguaiana, além de manter escritórios em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Três anos após ter assumido a referida concessão, a B. M. Barbará ampliou as instalações da termelétrica de Uruguaiana, passando a fornecer 847 kW11 . Sua concessão foi transferida, em l927, para a Cia. Geral de Luz e Força e, em l930, novo contrato foi assinado com a Companhia Sul Americana de Serviços Públicos, empresa argentina, consorciada ao capital inglês. Essa empresa, que também se expandia no interior do Rio Grande do Sul, realizou consideráveis investimentos na ampliação da potência instalada de energia em Uruguaiana, explorando os serviços de eletricidade na cidade, até l955, oportunidade em que foram encampados pela CEEE12 . Em Pelotas, em maio de l912, a Intendência Municipal contratou a Rio Grandense Light and Power Syndicate Limited, a mais importante empresa de eletricidade no interior do Estado, para fornecer energia elétrica à cidade. Esta empresa mantinha associação com o capital inglês, através da Buxton, Guilayn & Cia. Além de assumir a prestação dos serviços, tanto da iluminação pública e privada, quanto do tráfego de bondes elétricos, a empresa dedicava-se à importação dos mais variados produtos, tais como materiais para a construção civil, chá, óleo, trigo, vinhos, queijos, ao mesmo tempo em que procedia principalmente à exportação de arroz, erva-mate e madeiras13 . Os serviços de fornecimento de iluminação prestados pela RioGrandense foram inaugurados em junho de l914, e os de bondes elétricos, em outubro de l915. Quando de sua instalação, a usina termelétrica e os depósitos de carros e oficinas ocupavam duas quadras da cidade, junto à Praça Constituição. Foram instalados, de início, dois
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Antiga sede da Rio Grandense, empresa responsável pela instalação da primeira termelétrica de Pelotas (RS), em 1914. Foto: Luciano Bornholdt, 2001.
Dependências da Bromberg, em Porto Alegre. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
grupos geradores de 425 kW, alimentados por turbinas especialmente adaptadas para o consumo de carvão nacional. Quanto aos serviços de transporte, foram colocados à disposição da população cinco carros elétricos, que circulavam entre a Praça da República, a Estrada de Ferro e o Porto, tendo sido esta frota ampliada em l92214 . A capacidade geradora da Rio Grandense foi sucessivamente ampliada, atingindo, em l927, 2.200 kW, parte consumida com a iluminação pública e particular, e parte destinada à produção industrial e à circulação dos bondes. Nos finais da década de vinte, entretanto, a imprensa local apontava a má qualidade dos serviços da concessionária de energia, atribuída às cláusulas contratuais defasadas que a municipalidade se negava a rever. Forças políticas locais apelavam para a revisão do contrato, condição imposta pela Companhia Brasileira de Força Elétrica (CBFE), do Grupo Amforp, para a aquisição das ações da Rio Grandense, o que veio a ocorrer posteriormente15 . Até l910 a energia elétrica produzida no Estado do Rio Grande do Sul era proveniente de centrais termelétricas. Em dezembro de l911 foi assinado um contrato entre a Prefeitura Municipal de Passo Fundo e a empresa Bromberg e Companhia para a construção da primeira usina hidrelétrica do Estado, considerada a maior nesta modalidade até duas décadas após sua instalação16 . Os equipamentos da usina foram financiados por meio de um empréstimo realizado pela municipalidade de Passo Fundo, através de um banco alemão, com agência em Porto Alegre. Instalada no Rio Taquari, contava com dois grupos de geradores de l64 kW cada, sendo o primeiro composto por turbina Voith e gerador Siemens, e o segundo por turbina Gordon e gerador ND17 . Em l919 a Usina Hidrelétrica Velha Passo Fundo, como ficou conhecida, teve 400 HP de aumento em sua capacidade instalada. Em
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“A Uzina hydro-elétrica da Toca Foi inaugurada officialmente, no dia 25 de julho p. findo, a maior uzina hydro-elétrica do Estado, situada na queda da Toca, formada pelo rio Santa Cruz, no município de São Francisco de Paula de Cima da Serra. Coube ao município de São Leopoldo o mérito da realização de tão vultoso empreendimento, destinado a impulsionar extraordinariamente o progresso de uma das regiões mais férteis e industriosas do Estado. Para comemorar condignamente a chegada da primeira leva de imigrantes germanicos neste Estado, factores directos e indirectos de grande parte de nossa actual grandeza, nenhum meio mais adequado que a inauguração de um empreendimento dessa ordem, tão estreitamente vinculado com o trabalho e, pois, com o progresso e o futuro do nosso Estado” (Revista do Globo, anno II, 9 de agosto de 1930).
Usina da Toca instalada pela municipalidade de São Leopoldo, em 1930. Acervo: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (RS).
l955 foi desativada, permanecendo até aquela oportunidade sob o controle da Prefeitura do município. A municipalidade de São Leopoldo, que em l913 havia instalado sua primeira hidrelétrica, inaugurou em l930 a Usina Hidrelétrica da Toca. A iniciativa de solicitar ao governo do Estado a concessão para sua instalação partiu do intendente municipal, Mansueto Bernardi. Localizada no rio Santa Cruz, no vizinho município de São Francisco de Paula, essa hidrelétrica custou pesados investimentos financeiros, obtidos no mercado externo de capitais. Até meados de l950 essa usina era a maior hidrelétrica implantada no Rio Grande do Sul18 . A Usina da Toca foi constituída por uma pequena barragem, com 75 m de comprimento e 75 m de raio, um canal adutor de 196 m e duas unidades geradoras de 544 kW cada uma, com turbinas de fabricação Escher, do tipo Francis, e de geradores AEG19. Além da ampliação do atendimento à iluminação pública e privada, a Usina da Toca tinha como principal objetivo abastecer as indústrias, não apenas do município de São Leopoldo, mas de três outros municípios vizinhos. Como as tarifas de energia praticadas em Porto Alegre representavam o dobro das vigentes em São Leopoldo, algumas indústrias aí se fixaram, reforçando consideravelmente seu desenvolvimento industrial20 . Explica-se, deste modo, o investimento no Projeto Toca, que se destacava, à época, por suas dimensões e importância, tanto local, quanto regional. Encampada pela CEEE em l947, esta usina permanece em funcionamento até os dias atuais.
Alguns empreendimentos pioneiros em Santa Catarina A primeira iniciativa para produzir energia elétrica em Santa Catarina ocorreu em Joinville, em 1897, quando o engenheiro Gustavo Probst, da empresa Telegrafenbaustalt Siemens & Halske, de Berlim, (Alemanha), examinou a viabilidade de aproveitamento hidrelétrico do Salto Piraí-Pitanga, situado em um local conhecido por Rancho das Pedras, distante aproximadamente 20 km da sede do município. Formou-se, assim, a empresa Sociedade por Ações de Luz e Força, supervisionada pelo Conselho Municipal, que estabeleceu algumas restrições à empresa alemã representada por Gustavo Probst. Esta empresa não aceitou as exigências do Conselho e se afastou das negociações, dadas as divergências de interesses entre grupos políticos locais.
Abaixo, almoço na Usina de Piraí, Joinville (SC), década de vinte. Acervo: Arquivo Histórico de Joinville. Ao lado, Usina de Piraí, inaugurada em 1908, em Joinville (SC). Acervo: Celesc.
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“Previno aos srs. assignantes da Empreza ‘Luz e Força’ desta cidade, que estou autorizado pela Empreza para fazer a installação da illuminação nas suas casas peço dirigirem-se à minha officina no porto desta desta cidade, onde pronptamente serão attendidos e inteirados das despesas da installação”. (Carlos Benack, In.: Gazeta de Joinville, 9 de janeiro de 1909).
Usina de Bracinho, Joinville (SC), em operação desde 1935. Acervo: Celesc.
Acervo: Celesc.
Em 1905, pela resolução municipal nº 105, de 24 de dezembro, o Conselho concedeu a Etienne Douat, ou à empresa que viesse a organizar, o “privilégio para explorar a iluminação elétrica e a locação de força motora, por meio de instalação hidro-elétrica e a transmissão aérea durante o prazo de 25 anos”21. Posteriormente, esta concessão foi vendida para os empresários brasileiros Domingos Rodrigues da Nova Júnior, Alexandre Schlemm e Olímpio Nóbrega de Oliveira, exportadores de erva-mate. Em 1907 esses empresários organizaram a Empreza Joinvillense de Electricidade, que passou a ter, depois, a denominação de Empresa Joinvillense de Eletricidade – Luz e Força de Oliveira, Rodrigues & Schlemm. Continuaram, porém, os contatos com a Alemanha através da contratação da firma Allgemeine ElektrizitaetsGesellschaft (AEG), para o fornecimento de equipamentos, representada no Brasil pela comercial Behrend, Schmidt & Cia., instalada no Rio de Janeiro22. Em 14 de fevereiro de 1909 foram inauguradas a usina de energia elétrica em Joinville, com 400 kW de potência, e a iluminação pública da cidade. A água para a usina de Piraí foi captada diretamente do rio homônimo. Posteriormente, em 1914, esta usina foi interligada com a usina do Rio Vermelho. Por escritura pública, devidamente autorizada pelo Conselho Municipal em 31 de outubro de 1928, a Prefeitura de Joinville deu concessão à Companhia Sul Americana de Eletricidade, que tinha a participação majoritária das firmas A. E. G. e Siemens & Siebert, para o fornecimento de energia elétrica ao município de Joinville. Em abril de 1929 foi constituída a Empresa Sul Brasileira de Eletricidade S. A. (Empresul), com sede em Joinville, com a incorporação de bens e direitos de concessão de algumas empresas de eletricidade que até então operavam no norte do Estado: Empresa de Eletricidade Jaraguá Ltda., de Jaraguá do Sul; Empresa Luz e Força de São Bento, sob a razão social de Henrique Moeller & Cia.; Empresa de Electricidade Luz e Telefones de Mafra, Itaiópolis e Rio Negro, sob a firma de Nicolau Bley Netto; Empresa de Eletricidade Tijuquense Ltda., de Tijucas. Finalmente, em outubro de 1929, a Empresa Joinvillense de Eletricidade Luz e Força de Joinville também foi incorporada23.
Foi sem dúvida o desenvolvimento econômico do norte do Estado que determinou a ampliação da produção de energia elétrica. Assim, em 1931, a hidrelétrica de Bracinho, localizada no rio do mesmo nome, no município de Guaramirim, distante 65 km de Joinville, foi inaugurada com potência de 2.450 kW24. Em 1949 a Empresul implantou nessa hidrelétrica duas turbinas tipo Pelton, fabricadas pela Escher Wysse, ampliando o fornecimento de energia elétrica. No projeto de ampliação constavam, também, a construção de uma barragem de represamento e um túnel para conduzir as águas do rio do Júlio para a bacia do rio Bracinho, aumentando, assim, a sua potência. Inicialmente, a produção de energia desta hidrelétrica concorria com a produção da usina de Piraí 25. No contexto da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o patrimônio dos sócios alemães na Empresul foi encampado pelo Governo Federal. Este patrimônio foi transferido pela Lei nº 290, de 15 de junho de 194826 , para o governo de Santa Catarina, que o incorporou à Celesc. A história da energia elétrica em Blumenau tem como referência o ano de 1897, quando a Câmara Municipal autorizou a Superintendência a abrir concorrência para a contratação dos serviços de iluminação da cidade27. Essa história foi permeada pela atuação persistente do imigrante alemão Peter Christian Feddersen, que desde os anos de 1882/ 83 vinha chamando a atenção de alguns círculos financeiros da Alemanha para o florescente Estado de Santa Catarina28. Peter Christian Feddersen, que viria a se tornar posteriormente deputado estadual, participou, em 1908, de uma conferência em Berlim com um grupo de diretores de bancos. Nesta ocasião garantiu parcela dos recursos para a construção da Usina Salto.
Em 18 de abril de 1912 o governo municipal autorizou a concessão da construção da Usina Salto à firma Bromberg, Hacker & Cia. Este contrato, porém, deveria respeitar a concessão previamente estabelecida, em 31 de outubro de 1910, ao empresário Frederico Guilherme Busch, que adquirira por 25 anos o privilégio de distribuição de luz e força no perímetro urbano de Blumenau29. Em 1º de maio de 1915 entrou em funcionamento a Usina Salto, ativada com duas turbinas e respectivos geradores, com capacidade cada um de 1.750 kVA. As dificuldades financeiras pelas quais passava a Empresa de Eletricidade Salto levaram os seus responsáveis a constituir uma sociedade anônima que, assumindo os encargos da concessão e tornando-se proprietária dos bens já existentes, pudesse levar a cabo o grande empreendimento. Entretanto, a Usina Salto não prosperou como esperavam seus idealizadores, e os proprietários Bromberg, Hacker & Cia., Peter Christian Feddersen, Paul Zimmermann e Carl Jensen venderam parte do empreendimento para um grupo financeiro de São Paulo que criou, em 20 de maio de 1920, a Empresa Força e Luz Santa Catarina. A empresa se consolidou rapidamente, ampliando, inclusive, suas linhas de transmissão até os municípios de Itajaí, Brusque e Indaial. Discordâncias ocorridas entre os acionistas paulistas e blumenauenses, entretanto, levaram os últimos a assumir o controle da Empresa Força e Luz Santa Catarina S.A. em 1924, sediando-a em Blumenau. Lideradas por um grupo de empresários catarinenses, as indústrias Hering & Cia., Fábrica de Tecidos Carlos Renaux S.A.,
Usina do Salto, instalada em 1920, em Blumenau (SC). Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
“Em 1838, a Câmara Municipal de Florianópolis, começa a ter preocupação com a falta de iluminação pública. Ruas com buracos exigiam que quem quisesse sair à noite deveria levar um criado para acompanhá-los com luz.” (AMARAL, 1986).
Retrato de Gustavo Richard, 1910. Acervo: Celesc. Página seguinte: Usina de Maroim, inaugurada em 1910, em São José (SC). Acervo: Celesc.
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Hoepcke Irmão & Cia. e Caixa Agrícola Cooperativa de Blumenau tornaram-se as maiores acionistas da Empresa Força e Luz Santa Catarina S.A. Em abril de 1929 na Usina Salto foi acionada uma terceira máquina, ampliando a sua potência em 2.080 kW. Em 1966 a Usina Salto foi incorporada pela Celesc, mas continua operando atualmente, com seus geradores originais, sendo considerada uma das mais antigas em atividade. Preocupado com a modernização do Estado de Santa Catarina e, em particular, com os usos da eletricidade, o governador Gustavo Richard estabeleceu em 1906 a primeira regulamentação para a instalação de linhas de transmissão. Objetivava fixar normas de segurança e diretrizes, para resguardar direitos da população local, por onde passassem tais linhas. Diferentemente de outros municípios catarinenses, os serviços de luz e força de Florianópolis não eram municipais, porque o próprio município os havia transferido para o Estado, após amplas discussões jurídicas30. Em 1907 o governo estadual concedeu à empresa luso-inglesa Simmond & Saldanha a autorização para a construção da usina Maroim, destinada a fornecer energia elétrica para a capital. Para responsabilizarse pela produção desta energia foram contratados, em 19 de novembro de 1909, os engenheiros Edward Simmonds e Adriano Saldanha. Entre as obras contratadas constava a construção de um prédio, no bairro do Estreito, para abrigar os transformadores de tensão, que transmitiriam a energia à capital. Constava dessas obras, ainda, a implementação de um cabo submarino no canal entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente, devido à preocupação com os fortes ventos do Sul e com possíveis faíscas elétricas que pudessem danificar o sistema de transmissão. Situada em terras adquiridas pelo governo do Estado, a cachoeira do rio Imaruí, localizada no município de São José, propiciou a força motora para o funcionamento da usina do Maroim. Inauguraram-se, assim, em 25 de setembro de 1910 a iluminação pública da capital e os serviços de água e luz, arrendados aos engenheiros Edward Simmonds e John Willianson por 35 anos31. Este contrato foi
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Acima, da esquerda para a direita: Visitação de autoridades ao local da obra da Usina de Maroim, São José (SC), em 1910. Acervo: Celesc. Tubulação condutora de água da Usina de Maroim, São José (SC). Acervo: Celesc. Equipamentos da Usina de Maroim que forneceu energia para Florianópolis, até 1972. Acervo: Celesc. Ao lado, iluminação pública da Praça XV de Novembro, centro de Florianópolis, 1910. Acervo: Celesc.
contestado por opositores do governo Richard, que viram irregularidades as mais diversas nesta concessão32. A usina do Maroim foi implantada com três turbinas de 250 kW cada uma, tendo funcionado com seu maquinário original aproximadamente por 65 anos, sendo desativada em 1972. Em 9 de dezembro de 1955 criou-se, através do Decreto Estadual nº 21, a Empresa Luz e Força de Florianópolis S.A. (Elffa), que tinha por objetivo construir e explorar os sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica na região da grande Florianópolis. À época a Elffa, através da energia gerada pela usina Maroim e de um gerador instalado no Largo Fagundes, atendia apenas às necessidades do centro da cidade, não contando os bairros periféricos com iluminação pública. Uma parte da energia consumida em Florianópolis, na década de cinqüenta, era oriunda da Sociedade Termelétrica de Capivari S.A. (Sotelca), que pertencia à Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), instalada no município de Tubarão. A distribuição dessa energia era feita pela Elffa33. A luz elétrica chegou ao Planalto Serrano, na cidade de Lages, na primeira década do século XX, quando o alemão José Suiter construiu uma pequena usina hidrelétrica. Esta fornecia energia para a sua oficina mecânica, para algumas residências e para o Teatro Municipal de Lages, onde também funcionava um cinema. A pequena usina estava localizada à margem esquerda do rio Carahá, próximo à sede do município, o que facilitava a extensão de uma linha elétrica até o centro da cidade. Esta usina funcionava com duas turbinas de fabricação alemã, com pouco rendimento em conseqüência da fraca queda d’água, que sofria variações derivadas da vazante do rio nas diferentes épocas do ano.
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A construção de uma nova usina foi iniciada em 1914 pelo blumenauense Guilherme Busch, que obtivera em 11 de outubro de 1916 a concessão da exploração, geração e distribuição de energia em Lages, por um período de 30 anos34. Em primeiro de novembro de 1917 inaugurou-se a iluminação pública em Lages. Por tratar-se de um empreendimento que exigia constante aplicação de recursos financeiros, em 1925 Frederico Guilherme Busch desistiu da concessão e a vendeu para Domingos Barbara Valente. O novo proprietário fundou uma sociedade anônima tendo como seus maiores acionistas os próprios filhos, criando a Empresa Força e Luz de Lages35. Em 1944 a Empresa Força e Luz integrou-se à Cia. Catarinense de Força e Luz S.A. (Cosel), que ampliou sua capacidade geradora com a instalação de novos equipamentos na usina Caveiras36. A usina do rio Caveiras havia entrado em operação em 1920, em local que favorecia a formação de uma bacia de acumulação, permitindo a instalação de dois geradores, com 560 kW e 480 kW de potência, movidos por turbinas do tipo Francis. O projeto de construção foi elaborado pela firma Henrique Kotzias & Filho, e a montagem dos equipamentos eletromecânicos ficou a cargo da empresa Brown Boveri. Na década de cinqüenta os acionistas da Empresa Força e Luz de Lages venderam a maior parte das suas ações à empresa estatal Celesc. A usina Caveiras passou para o patrimônio da Celesc em 1965, e é responsável, hoje, pelo fornecimento de cerca de 5% da energia elétrica consumida no município37. No sul do Estado, em 1916, o Conselho Municipal concedeu ao sr. João Schneider o direito de explorar, pelo período de 20 anos, a energia elétrica no distrito de Urussanga. Pelo contrato o superintendente se comprometia a pagar ao contratado para que este se responsabilizasse pela colocação de 20 lâmpadas de 50 velas na Praça Anita Garibaldi, as quais deveriam ficar acesas até as 24 horas38. Em janeiro de 1917 foi inaugurado o fornecimento de energia elétrica, tendo como base uma pequena usina, instalada no rio Urussanga, em uma queda de um metro e meio de altura, com turbina
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“A inauguração da energia elétrica em Lages foi marcada pela iluminação com centenas de lâmpadas, instaladas em um grande arco de madeira no final da rua 15 de novembro, na entrada da praça do Mercado, destacando-se neste as datas de 1771, ano de fundação da vila, e 1917, da inauguração da luz elétrica.” (Jornal Correio Lageano, 1999).
Acima, Casa de força da Usina Salto Caveiras, tendo à frente seus funcionários. Lages, 1920. Acervo: Museu Thiago de Castro. Ao lado, inauguração da luz elétrica em Lages (SC), em 1917. Acervo: Museu Histórico Thiago de Castro.
fabricada por Benjamim Bianchini, acoplada a um dínamo AEG de 9,5 kW, com linha de transmissão de 230 volts. Neste mesmo ano a concessão foi transferida para Antonio Ferraro e Angelo Antonio Nichele. Mas somente em 17 de agosto de 1944 esses empresários fundaram a Empresa Força e Luz de Urussanga Ltda. (Eflul), com o objetivo de produzir e distribuir energia elétrica para esta cidade. A autorização para funcionar como empresa de energia elétrica foi obtida em 5 de setembro de 1945, através de Decreto-Lei nº 19.573 do governo federal39. Esta empresa passou por várias administrações, mas continua sendo tipicamente familiar, no presente, em sua terceira geração de acionistas. A partir de 1944/45, quando a Companhia Siderúrgica Nacional passou a estimular o aproveitamento do carvão-vapor, através da usina térmica de Capivari, a pequena usina de Urussanga foi desativada. A cidade de Urussanga foi a primeira a receber energia elétrica produzida pela usina de Capivari, localizada no município de Tubarão. Contudo, a distribuição da energia para o município de Urussanga e adjacências continuou sendo realizada pela Empresa Força e Luz de Urussanga Ltda. (Eflul). Atualmente, esta empresa atua como uma das três empresas catarinenses distribuidoras de energia fornecida pela Celesc. No oeste catarinense o acordo entre os Estados de Santa Catarina e Paraná sobre os limites de seus territórios, em 1916, viabilizou o desenvolvimento da região. Como afirma Mamigonian40 , os serviços de eletricidade surgiram principalmente através da iniciativa das empresas industriais nascentes, obrigadas a produzir sua própria eletricidade. Somente em 1943, entretanto, se instalou a primeira usina hidrelétrica, em Chapecó, com capacidade de 36 kW de potência, por iniciativa de Aquiles Tomazelli41. O empresário buscava solucionar o
Iluminação pública na cidade de Chapecó (SC), década de cinqüenta. Foto: Vitorino Zolet. Página seguinte, construção da Usina do Pery, em Curitibanos (SC), no final da década de cinqüenta. Acervo: Celesc.
problema da energia para o seu próprio cinema e para uso de poucas residências da cidade. Em 1946 constatou-se que a expansão da rede vinha diminuindo a potência instalada, tornando-se o atendimento à população insatisfatório. A precariedade do sistema e a freqüente falta de energia fizeram com que alguns empresários e comerciantes solicitassem, em 1947, ao engenheiro Hans Wirz estudos técnicos e orçamentários para a implantação de uma nova usina que pudesse atender à crescente demanda. Foram os empresários Arlindo e Augusto Barella que, havendo alugado o cinema da cidade, tomaram a iniciativa de levantar recursos para a construção de uma usina de maior porte. Diante da falta de capital financeiro, criaram, em 13 de agosto de 1949, a empresa Força e Luz Chapecó S.A.42. Nesta empreitada contaram com a participação de Antonio Morandini e João Batista Zeca e de todos os consumidores da cidade. Esses passaram a ser acionistas da referida empresa, possibilitando, assim, assegurar os recursos a serem investidos na nova usina. Os investimentos eram, portanto, oriundos da própria comunidade, não havendo participação do poder público43. De posse dos recursos arrecadados a empresa contratou o engenheiro paulista Alfredo Tarli para fazer outros levantamentos necessários e a avaliação das condições técnicas. Optou-se por construir a usina na localidade denominada Engenho Braun, utilizando as águas do lajeado São José. Ali foi instalada uma turbina com capacidade de 400 HP. Esta hidrelétrica, com potência de 380 kW, atendeu às necessidades do município até 1974, quando foi desativada. O lago original dessa usina foi transformado em reservatório para fornecimento de água para a cidade, que passou a ser administrado pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan). Uma outra usina localizada no rio Tigre, denominada usina Guatambu, foi construída em 1965 para atender à demanda energética de Chapecó e adjacências. Ainda no oeste do Estado duas usinas foram construídas em Joaçaba, por iniciativa do empresário austríaco, ali estabelecido desde 1935, Francisco Lindner. Esse empresário implementou o desenvolvimento industrial na região, fabricando equipamentos para serrarias como locomóveis e serras-fitas, além de trilhadeiras e pequenas turbinas hidráulicas para a produção de energia elétrica.
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Em 1949 Francisco Lindner adquiriu uma pequena usina instalada no rio do Peixe, situada na localidade de Bom Retiro, hoje município de Luzerna, denominada São Francisco. Por ser uma usina de baixa potência, de imediato construiu uma represa assentando pedras e elevando o nível do rio em três metros, formando, assim, um reservatório de água que permitiu instalar uma turbina com rendimento de 100 HP. Em 1952 a pequena usina foi destruída por uma grande enchente. Ao recuperá-la, o empresário dobrou a altura da barragem, reforçando os pontos fracos com concreto. A maior queda d’água possibilitou instalar duas turbinas que produziam 200 kW. Atualmente essa mesma usina produz 450 kW44. Em 20 de setembro de 1954, através do decreto nº 36.197, a empresa Francisco Lindner & Cia. Ltda. recebeu autorização do governo federal para funcionar como empresa de energia elétrica, ficando obrigada a satisfazer integralmente as exigências do Código de Águas. Posteriormente, esse mesmo empresário sentiu necessidade de ampliar a produção de energia para uso em suas empresas. Obteve do governo federal a concessão, através do Decreto nº 38.172 de 31 de outubro de 1955, para aproveitamento de energia hidráulica de um desnível no rio do Peixe, no distrito de Luzerna. Construiu, então, uma segunda usina conhecida por Santa Ana, localizada também no rio do Peixe, aproximadamente mil e quinhentos metros acima da anterior, com potência de 250 kW. Atualmente encontra-se em fase de repotenciação, projetada para chegar a 500 kW. As duas usinas em funcionamento possibilitaram fornecer, por alguns anos, a energia consumida por treze localidades próximas da sede do município de Joaçaba. Em 1968, com sua expansão, a Celesc assumiu o fornecimento e a distribuição de energia na região, encampando todas as linhas de transmissão. Contudo, as empresas Lindner continuaram produzindo e consumindo de forma autônoma sua própria energia, através de concessões obtidas junto ao Ministério de Minas e Energia. Atualmente, na cidade de Joaçaba estão instaladas linhas de transmissão em ambos os lados das ruas, sendo uma de propriedade da empresa privada Lindner, e a outra da empresa estatal Celesc.
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Instalações da Empresa Lindner, em Joaçaba (SC), fabricante de turbinas e locomóveis. Acervo: Família Lindner.
Destruição de parte da barragem da Usina São Francisco pela enchente do rio do Peixe, Joaçaba (SC), em 1952. Acervo: Família Lindner.
Alguns empreendimentos pioneiros no Paraná No Paraná a iluminação pública por eletricidade teve início em 1892, quando entrou em operação, em Curitiba, uma das mais antigas termelétricas do País45 . De fato, o interesse do poder público local em prover a cidade de energia elétrica remonta a 1883, quando a Câmara Municipal contratou a implantação de sistema de iluminação por energia elétrica na cidade. A concretização do projeto, contudo, só ocorreu em 1890, com a assinatura de contrato entre o Presidente da Intendência Municipal de Curitiba, Vicente Machado, e Antonio Manoel Bueno de Andrade, engenheiro, representante da Companhia Água e Luz de São Paulo. De acordo com esse contrato, a “Estação Central de Distribuição de luz elétrica deve comportar desde logo, a capacidade de cincoenta mil wolts (50.000), correspondente á força iluminativa de onze mil velas [...]”. A usina termelétrica, construída sob a direção do engenheiro Leopoldo Starck, foi localizada em terreno próximo da antiga estação ferroviária, atrás do então Congresso Estadual, hoje Câmara Municipal de Curitiba. Dispunha de duas unidades a vapor, fabricadas em Budapeste (Hungria), que produziam 4.270 HP de força, consumindo 200 metros cúbicos de lenha por dia46 . Somente em outubro de 1892, cerca de dois anos após a assinatura do contrato, a empresa concessionária disponibilizou o serviço de iluminação elétrica em algumas ruas centrais da cidade, edifícios públicos e residências. Em maio de 1898 o empresário José Hauer adquiriu a concessão do serviço de iluminação de Curitiba. Sua empresa, a José Hauer & Filhos, projetando a ampliação da oferta de energia para a capital, iniciou no mesmo ano a construção da Usina Termelétrica Curitiba, também conhecida por Capanema. A nova usina, montada por Hans Hacker, foi localizada na Avenida Capanema, às margens do rio Belém, onde hoje se encontra a Estação Rodoferroviária. Quando da sua inauguração, em 1901, dispunha de dois grupos geradores de 200 HP, da marca Siemens & Halske. Em 1904, com a instalação de um terceiro gerador de potência igual Ao lado, retrato de Joseph Hauer Senior. Acima, bonde elétrico em Curitiba, cujo serviço teve início em 1912. Acervo: DPHAC/FCC.
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à dos anteriores, sua capacidade foi ampliada para 298 kW47. Nesse ínterim, em 1903, a responsabilidade sobre os serviços de água, esgoto e iluminação da capital foi transferida para o governo estadual, através da Lei nº 506 de 2 de abril de 1903, tendo em vista as dificuldades da municipalidade em arcar com os seus custos. Ainda em 1904 o contrato de concessão para a exploração e o fornecimento de energia elétrica passou para a Empresa de Eletricidade de Curitiba, controlada por Hauer Júnior & Companhia. Em outubro de 1910 a concessão e a empresa foram adquiridas pelo empresário francês Edouard Fontaine de Laveley, que em dezembro do mesmo ano as transferiu para a South Brazilian Railways Company Limited. Em 1928 o governo do Paraná, insatisfeito com a atuação desta empresa, aprovou a transferência da concessão para a Companhia Força e Luz do Paraná S.A. (CFLP), subsidiária do grupo Amforp. A nova concessionária concretizou o antigo projeto do poder público de construir uma hidrelétrica para solucionar o problema da escassez de
Usina Termelétrica de Curitiba, 1901. Acervo: Museu de Energia, Copel.
“Voçoroca, em reforma, vira deserto ‘Mister Fry’, como era conhecido, deixou relatórios muito precisos sobre o andamento da obra, registrando, por exemplo, a compra de cimento de boa qualidade, a conservação das estradas e os deslizamentos de terra [...] Fry falava em seu relatório da ‘dificuldade em conseguir mãode-obra qualificada, em geral imigrantes muito disputados por outras grandes obras da época, como as rodovias Curitiba – São Paulo e as ferrovias Curitiba – Guarapuava e Paraná – São Paulo’ [....]” (Andreas Adriano. Jornal O Estado do Paraná, 30 de abril de 1995).
energia vivido pela capital, pois a South Brazilian Railways Company Limited não havia realizado os investimentos necessários para acompanhar o crescimento da cidade e o conseqüente incremento na demanda de energia. A construção de uma hidrelétrica já era cogitada desde 1913, como se depreende da Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo presidente do Estado, Carlos Cavalcante de Albuquerque, na qual assinalava o desinteresse da South em explorar a força hidráulica das quedas do Cainganga, no rio Iguaçu, apesar de previsto no contrato em vigência. Neste mesmo ano o engenheiro Carlos Gillieron realizou estudo do Salto do Inferno ou Salto Grande do Capivari. Com base nesses dados a prefeitura de Curitiba adquiriu o grupo de quedas de água do rio Capivari, bem como os terrenos adjacentes, com o propósito de viabilizar um futuro aproveitamento hidrelétrico (Decreto nº 13, de 9 de janeiro de 1926). Apesar dos estudos do rio Capivari, a CFLP considerou viável a implantação da usina no rio São João, município de São José dos Pinhais, na vertente oriental da Serra do Mar. A Usina Chaminé, como foi denominada, construída sob a responsabilidade do americano Howell Lewis Fry, foi considerada “o primeiro grande projeto hidrelétrico do estado”48 . Quando de sua inauguração em 1931 apresentava potência de 8.000 kW49. Em 1943 o Decreto nº 13.995 autorizou a elevação da potência nominal da usina para 12.000 kW, mas esta só foi atingida em 1946, quando o Decreto nº 21.135 “[...] autorizou um aumento provisório de dois metros na altura da barragem original, a fim de criar acumulação suficiente para a utilização da potência total [...]”50. Em agosto do mesmo ano foi instalada a terceira unidade geradora, de 4.000 kW, composta de turbina fornecida por The Baldwin Locomotive Works e de gerador fabricado pela International General Electric Company. A ampliação realizada visava a assegurar o fornecimento de energia às empresas de maior porte localizadas na região, tais como a Companhia de Cimentos Portland, do Paraná; a fábrica de Veículos Militares do Exército Brasileiro; o Frigorífico do Estado do Paraná; e a oficina de reparos da Rede de Viação Paraná – Santa Catarina51. No final da década de quarenta, tendo em vista a instalação de uma quarta unidade geradora de 4.000 kW, a empresa concessionária construiu uma nova barragem na localidade de Voçoroca, a 12 km do
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Usina Chaminé inaugurada em 1931 em São José dos Pinhais (PR). Acervo: Museu de Energia, Copel.
“Aos 7 dias do mês de maio de 1905 (após a inauguração da illuminação electrica que teve lugar na usina) nesta cidade de Ponta Grossa, em a sala de sessões da Camara Municipal, presentes [...] e registrar nos annaes da Camara a data da inauguração da illuminação electrica d’esta cidade [...]. Sendo enthusiasticamente applaudido pelo auditório, com uma calorosa salva de palmas ao som do Hymno nacional, que foi ouvido de pé, e ao astrugir de numerosos foguetes [...] brilhante peça oratória analoga a solemnidade conservou o auditório por longo tempo suspenso num estado de felicidade [...] o representante do Club Literário, Gremio Musical Lyra dos Campos e Circulo Socialista Leão Tolstoi, que improvisando belissimo discurso com referencia ao assumpto magno da sessão, disse que além da luz electrica, a luz material, falta tratar-se ainda de uma luz mais poderosa e fecunda: a luz da instrucção... [...].” (Livro Atas do ano de 1902/1907 da Câmara Municipal de Ponta Grossa). Apud LANGE, 1998, p. 201-202.
aproveitamento original. Com essas alterações a capacidade de geração da UHE Chaminé atingiu 16.000 kW, em 1952. 52 As sucessivas ampliações da usina não impediram que a capital sofresse racionamento de energia nos anos de 1950 e 1951. Para minimizar o problema a concessionária instalou, emergencialmente, seis grupos geradores a diesel, com capacidade de 1.000 kW cada um53 . Em 1954 foram instalados mais três grupos geradores com a mesma potência dos anteriores, que só vieram a ser desativados em 1971. Após a iniciativa pioneira em Curitiba, até 1908, outras cidades do Estado – Rio Negro, Paranaguá, Ponta Grossa, Antonina, Araucária, União da Vitória e Foz do Iguaçu – implantaram sistemas de geração de energia, a maioria baseados em termelétricas. Já no final da segunda década do século XX, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existia no Estado um potencial de geração de 6.715 kW. Em Ponta Grossa a primeira usina termelétrica da cidade, inaugurada em maio de 1905, foi construída pela Empresa Guimarães & Eriksen, vencedora da concorrência deflagrada pelo município para a instalação do serviço de força e luz na cidade. No ano seguinte, e sob nova razão social (Goulin & Ericksen), foi instalada a hidrelétrica do rio Verde, com potência aproximada de 40 HP. Essa usina representa, segundo a bibliografia disponível, a primeira experiência de geração hidráulica do Estado54 . No final da primeira década do século XX a precariedade no fornecimento e os altos custos da energia elétrica fornecida à cidade motivavam reclamações constantes. O descontentamento popular, amplamente registrado pela imprensa local, resultou na apreciação pela Câmara Municipal, em março de 1909, de um documento com 83 assinaturas solicitando a criação de uma comissão de peritos para avaliação técnica e administrativa da concessionária. No mesmo ano a Câmara Municipal decretou a encampação da empresa pela Prefeitura Municipal. Após a realização de concorrência, assumiu a concessão a empresa Martins & Carvalho, responsável pela construção da hidrelétrica de Pitangui, considerada à época uma “grandiosa obra de engenharia”55. A hidrelétrica foi construída na margem esquerda do rio Pitangui, no local denominado Cachoeira. O projeto previa a instalação de três unidades de geração, com um total de 450 kW. Em julho de 1911,
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Iluminação na Praça Santos, defronte do prédio da Universidade do Paraná. Década de 1910. Acervo: DPHAC/FCC.
Bonde elétrico circulando na Av. João Gualberto, Curitiba. Acervo: DPHAC/FCC.
Acima, canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Chaminé, Rio São João, 1928. Acervo: Museu da Energia, Copel. Escritório da empresa Martins & Carvalho, responsável pela contratação da Usina Pitangui, Ponta Grossa (PR). Foto de Frederico Lange. Acervo: DPHAC/FCC.
quando a obra foi inaugurada, somente a primeira unidade estava em funcionamento, com potência de 150 kW. As duas outras previstas foram instaladas nos anos seguintes. A usina Pitangui, que continua em operação, permitiu a desativação da termelétrica e da hidrelétrica do Rio Verde, que até então forneciam energia elétrica à cidade. Até o final da Primeira Guerra Mundial a capacidade de geração da UHE Pitangui atendeu à demanda do município, viabilizando inclusive a utilização de energia elétrica pelas indústrias locais. De acordo com notícias da época a disponibilidade de energia aliada à sua localização foram fatores determinantes do processo de industrialização56. Em junho de 1923 a concessão para a exploração do serviço de luz e força de Ponta Grossa foi transferida à Companhia Prada de Eletricidade S.A. (Prada). Apesar dos investimentos da empresa durante os 50 anos de atuação no município, a escassez de energia foi a marca dominante. A superação da situação só ocorreu com a intervenção do governo estadual, através da implementação, pela Copel, do I Programa Estadual de Eletrificação, iniciado em 1961. Mais especificamente, apenas em 1963, com a conclusão do primeiro trecho do anel elétrico que hoje compõe o Sistema Interligado Estadual, ligando a termelétrica de Figueira a Ponta Grossa. A usina de Pitangui, incorporada pela Copel em 1974, é a mais antiga unidade do parque gerador da empresa que continua em operação57. Em 1910, no litoral do Estado, foi inaugurada a hidrelétrica Serra da Prata, construída por iniciativa do Governo Estadual, que à época
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Da esquerda para a direita: Casa de força e vista geral da Hidrelétrica Pitangui, inaugurada em 1911, em Ponta Grossa (PR). Acervo: Museu da Energia, Copel. Usina Serra da Prata, Paranaguá (PR), inaugurada em 1910. Acervo: Museu da Energia, Copel. Abaixo, serraria da Força e Luz Irati S.A., 1910, Irati (PR). Acervo: Museu da Energia, Copel.
detinha a concessão para os serviços de energia elétrica de Paranaguá. A hidrelétrica do tipo fio d’água, instalada por técnicos ingleses, foi localizada a 19 km da sede do município, utilizando as águas do rio Miranda, canal do Cachoeira e parte do arroio Santa Cruz. Quando entrou em operação, dispunha de uma unidade geradora de 391 kW, composta de turbina de 693 HP e de gerador de 460 kVA58. Em 1950 sua capacidade de geração foi ampliada com o acréscimo de uma unidade geradora de 119 kW e gerador de 285 kVA, que se manteve em funcionamento até 195959. Inicialmente essa hidrelétrica foi administrada pelo Serviço de Força e Luz de Paranaguá, órgão do governo estadual. Em seguida sua administração foi transferida sucessivamente para a Companhia de Melhoramentos Urbanos de Paranaguá, a Companhia de Melhoramentos Paulistas e a Prefeitura de Paranaguá. Em 1959, através do Decreto nº 46.497, o governo estadual, titular da concessão dos serviços de energia elétrica de Paranaguá, transferiu a concessão para a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), que desativou a hidrelétrica em 1970. Dois anos após, a usina Serra da Prata, que forneceu eletricidade a Paranaguá por 60 anos, foi vendida pela Copel para a Indústria Curitibana de Auto-Peças Ltda (ICAP). Em Guarapuava a primeira usina a fornecer energia elétrica à cidade foi construída pela Empreza de Eletricidade de Guarapuava, de propriedade de Silvio Colle e Luigi Antônio Ciscato. A concessão foi adquirida de Gabriel L. Branco, vencedor da concorrência deflagrada pela Câmara Municipal da cidade em 1909. A pequena usina termelétrica foi instalada em 1910, em terreno cedido pela Prefeitura, e objetivava a iluminação pública e particular do centro da cidade, tendo inicialmente 80 lâmpadas de 20 velas e uma de arco voltaico60. Até 1917 a capacidade de geração dessa termelétrica atendeu à demanda existente. Por volta de 1920 a baixa qualidade dos serviços prestados pela concessionária motivou a deflagração de campanha na imprensa para a encampação da empresa. Embora houvesse amparo legal para a ação proposta, a Prefeitura não dispunha de capital financeiro para efetivá-la. Nesse contexto, em abril de 1922 a empresa encaminhou à Câmara Municipal proposta de construção de uma hidrelétrica, com 90 kW de potência. Entre a aprovação da proposta, ocorrida no mesmo mês, e a assinatura do contrato, em 28 de novembro de 1922, a empresa foi
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dissolvida, assumindo a responsabilidade pela construção Luigi Antonio Ciscato, sócio da empresa anterior. A Usina Hidrelétrica do Jordão, como ficou conhecida, instalada no rio de mesmo nome, foi inaugurada em fevereiro de 1924. Parte do maquinário da usina (um gerador de 100 kVA, sistema trifásico, 3.500 volts, 50 ciclos; aparelho para medição, excitador e protetores contra descargas atmosféricas da marca Siemens Schuckert) foi importada da Alemanha, enquanto a turbina – Sistema Francis – e seu regulador, de fabricação nacional, foram adquiridos no Rio de Janeiro. Após a organização de uma nova empresa, denominada Ciscato, Lisbôa e Cia., em 1928, e a assinatura de novo contrato que garantia a exclusividade da exploração dos serviços de força e luz no município por mais 40 anos, foi instalado um segundo grupo gerador com potência de 200 kVA, que entrou em operação em 1932. Em 1946 os bens e as instalações da empresa foram transferidos, através da Resolução nº 258/46, para Irmão Schlumberger & Cia. Ltda. Em 1958 esta empresa alterou sua razão social para Companhia Força e Luz do Oeste (CFLO). Em 1955 a CFLO passou a integrar o Grupo Rede – Empresas de Energia Elétrica, constituído por sete concessionárias sob o controle da holding Denerge61.
Usina Hidrelétrica de Caratuva, Irati (PR), 1933. Acervo: Museu da Energia, Copel.
Construção do canal da Usina Hidrelétrica Municipal de Rio Santana, Francisco Beltrão (PR), 1955. Acervo: Família Nacke.
A usina hidrelétrica municipal de Rio Santana, localizada no município de Francisco Beltrão, região sudoeste do Paraná, teve sua construção iniciada em 1955 por decisão do poder público municipal. A ocupação intensiva da região em que se insere o município resultou de projeto de colonização dirigida, promovida pelo governo federal, através do programa “Marcha para o Oeste” implementado por Getúlio Vargas, a partir de 1938. No caso do sudoeste do Paraná, o fato de a área fazer fronteira com o Paraguai e a Argentina motivou a ação estatal,
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Construção da Usina Hidrelétrica Municipal de Rio Santana, Francisco Beltrão (PR), 1955. Acervo: Família Nacke.
grandes distâncias entre os mesmos [...]”. Para o recém-criado município a oferta de energia elétrica se constituía em condição essencial para a promoção do seu crescimento. Este fato foi determinante para a decisão de construção da hidrelétrica pelo município64. O investimento que a construção da hidrelétrica exigia, entretanto, ultrapassava a capacidade financeira do município. As iniciativas encaminhadas pelo executivo local para obter os recursos necessários, tais como empréstimos junto à Caixa Econômica Estadual ou concessão de verba pelo Estado, não se concretizaram. Nesse quadro a decisão foi pela compra dos equipamentos de uma usina que seria desativada na cidade de Casca (RS). O contrato de compra e venda, assinado em junho de 1955, discriminava, entre outros equipamentos, uma turbina Francis, marca G. Luther A. B. Braunscheweig, e um gerador trifásico de 128 kVA65.
Foto: Sônia M. Nacke
através da criação da Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango), conforme o Decreto nº 12.417, de 12 de maio de 194362 . A Cango, instalada na atual sede do município em 1948, foi responsável direta pelo incremento do fluxo migratório de gaúchos e catarinenses para a região, a partir de 1950. A sede da Companhia, bem como alguns estabelecimentos da cidade, dispunham de energia elétrica fornecida por motores a diesel e a gasolina, desde a implantação da Cango. Somente em 1952, ano da instalação do município, um precário sistema de eletrificação urbana foi implantado na cidade63 . De outro lado, o Plano Hidro-Elétrico Paranaense, proposto em 1948, no primeiro governo Moysés Lupion (1947-1950), não contemplava a região oeste do Estado, sob a justificativa de que esta “[...] compreende apenas centros isolados [...]”, apresentando “[...]
Construção da casa de força e comportas da barragem da Usina Hidrelétrica Municipal de Rio Santana, Francisco Beltrão (PR). Acervo: Família Nacke.
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Entrevista realizada com a sra. Maria Ligia da Costa Valente Canali em 23 de janeiro de 2002. SCHMITZ, op. cit., p. 187. Correio Lageano, 1999, p. 2 38 Panorama da nossa gente, 1999, p. 35. 39 www.eflul.br. 40 MAMIGONIAN, 1972. 41 CORIOLETTI & MACHADO, 1996, p. 8. 42 Jornal A voz de Chapecó, 1949. 43 CORIOLETTI, op cit. p. 14. 44 Entrevista realizada com a sra. Anna Lindner von Pichler em 22 de outubro de 2001. 45 DIAS, 1988, p. 36. 46 Jornal Indústria & Comércio, 1994, p. 3. 47 Ibidem. 48 Ibidem, p. 2. 49 Companhia Paranaense de Energia Elétrica, 1990, p. 2. 50 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. 51 Ibidem. 52 Memória da Eletricidade, p. 117. 53 Gazeta do Povo, 1953, p. 11. 54 LANGE, 1998, p. 204. 55 Jornal O Progresso, 1911. 56 Jornal O Progresso, 1912. 57 SILVA, 1991, p. 303. 58 Jornal Indústria & Comércio, 1994, p. 3. 59 CENTRO DA MÉMÓRIA DA ELETRICIDADE, op. cit. 60 POPLADE & POPLADE, 1998, p. 146. 61 Companhia Força e Luz do Oeste, 1997. 62 GOMES, 1986, p. 16. 63 NACKE, 1998, p. 23. 64 SIQUEIRA, 1994, p. 98. 65 MARTINS, 1986.
Em agosto de 1956 o município vendeu a usina que estava em construção, no rio Santana, ao governo do Estado do Paraná. A partir daí o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) assumiu os custos financeiros e a supervisão da construção da hidrelétrica. O maquinário da usina de Casca (RS), adquirido pela prefeitura do município, foi instalado provisoriamente, garantindo o fornecimento de energia elétrica à cidade, até 1962. No mesmo local, aproveitando as obras já realizadas, o DAEE instalou uma unidade geradora de 480 kW, constituída de turbina Mescli de 720 HP, acoplada a um gerador Stoltz, de 600 kW. Em agosto de 1962, ano em que a usina foi inaugurada, o DAEE se tornou concessionário do aproveitamento. Em fevereiro de 1971 a UHE Santana foi incorporada pela Copel, que a desativou no mesmo ano em decorrência da entrada em funcionamento da UHE Chopim. Em 1982 foi vendida pela Copel à INCOPAST – Indústria, Comércio Pasta Mecânica Ltda. Atualmente essa pequena e histórica hidrelétrica é propriedade da empresa ALCAST do Brasil Ltda., apresentando uma potência de 600 kW. N
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AXT, l995, p. 34. FRANCO, 1998, p. 148. 3 FRANCO, op. cit., p. 148. 4 AXT, op. cit., p. 41. 5 FRANCO, op. cit., p. 149. 6 MEIRA, 2001, p. 19. 7 AXT, op. cit. p. 84. 8 MEIRA, op. cit. p. 19. 9 AXT, op. cit. p. 36. 10 AGUILAR, l974, p. 3. 11 AXT, op. cit. p. 37. 12 AGUILAR, op. cit., p. 6. 13 ALBUM DE PELOTAS, l922, p. 2. 14 ALMANACH DE PELOTAS, 1916. 15 AXT, op. cit. p. 64. 16 FRANÇA, l973, p. 2. 17 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL, 2000, p. 19. 18 BARCELOS, l987, p. 287. 19 CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE, ibidem. 20 AXT, op. cit., p. 78. 21 Termo lavrado às folhas 20-22 do livro de Contratos da Superintendência em 26/9/1908. 22 FICKER, 1965, p. 418. 23 FICKER, op. cit., p. 425. 24 SCHMITZ, 1996, p.162. 25 CELESC – Entrevista gravada e transcrita com a senhora Madalena Pinheiro em 1988. 26 Revista Vida, março, nº28/30, p. 94, 1951. 27 KILIAN, 1979, p. 66-67. 28 ENTRES, 1929. 29 Os contratos com a Superintendência de Blumenau e Frederico Guilherme Busch encontram-se no Arquivo Público José Ferreira da Silva, Blumenau. 30 ADUCCI, 1938. 31 Relatório apresentado por Dr. Honório Hermetto Carneiro da Cunha ao Sr. Governador do Estado Cel. Gustavo Richard em 1910. Biblioteca Pública do Estado de SC, Florianópolis. 32 Jornal O Dia de 23 de agosto de 1910 na coluna intitulada “O Arrendamento”. 33 AMARAL, 1986, p. 45-46. 34 Contrato celebrado em 11 de outubro de 1916 entre a Superintendência Municipal de Lages e o Sr. Frederico Guilherme Busch. 2
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Serraria movida a locomóvel pertencente à Força e Luz Irati, Irati (PR), 1910. Acervo: Museu de Energia, Copel.
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A eletricidade como suporte da modernidade no cotidiano
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MARIA JOSÉ REIS MARIA SENS BLOEMER
No Sul do Brasil, desde as últimas décadas do século XIX, as noções de progresso e urbanidade se confundem e se aproximam, marcadas por diferentes inovações tecnológicas, tanto na mecanização da produção, quanto na dos transportes, das comunicações e do lazer, espelhando a tardia chegada da modernidade e da industrialização. Neste contexto as inovações dependentes da energia elétrica ocupam lugar especial. Como em outras partes do País, a eletricidade foi utilizada para além da iluminação particular e pública. Uma crescente invasão de novidades tecnológicas foi tomando conta dos mercados de consumo formados pelas massas urbanas, que foram surgindo e se
Inauguração da Usina de Maroim, São José (SC), em 1910. Acervo: Celesc.
Inauguração da Usina do Passo de Ajuricaba, em Ijuí, 1959. Acervo: DEMEI, Ijuí (RS).
expandindo ao longo do século XX. Em um ritmo inicialmente lento, a adesão às novas tecnologias acabou por tornar-se vertiginosa ao findar o século. A associação entre a eletricidade, o progresso e a urbanidade, nos moldes dos grandes centros urbanos do início do século passado, fica evidenciada tanto nos apelos para que fosse garantido acesso a essas inovações, quanto no entusiasmo com que foram recebidas em diferentes cidades da Região Sul. Essa associação é retratada na imprensa local, como é o caso da Gazeta de Joinville de 13 de fevereiro de 1909: “O dia de amanhã está marcado para a inauguração oficial da iluminação elétrica desta cidade. Mais uma era grandiosa de progresso marca Joinville [...], que vem provar que os filhos desta terra, e os que conosco vêm labutar, não se descuram do nosso engrandecimento, colocando-nos cada vez mais em destaque no avanço progressista do nosso Estado.” O Diário da Tarde, de Curitiba, do mesmo modo, em 6 de janeiro de 1912, afirma: “Quem viu Curitiba há cinco anos atrás, com a sua pacatez de cidade roceira, cujo movimento terminava às oito ou nove horas da noite e hoje a vê com suas casas de diversão regorgitantes até as onze ou doze horas da noite, diariamente, as suas ruas movimentadas e o aumento extraordinário das suas construções repetirá, com certeza, a frase que epigrafa estas linhas: Curitiba progride.” Em Porto Alegre, é o Correio do Povo que enfatiza a mesma relação entre a disponibilidade de energia elétrica e o progresso, ao destacar, em 22 de novembro de 1931, que “Comparando-se a Porto Alegre humilde dos bicos de querosene à Porto Alegre opulenta das lâmpadas de Edison é que se pode compreender, nitidamente, todo o surto de seu progresso”. A euforia pela presença da eletricidade, com todos os significados que carrega, pode ser medida pelas inúmeras recepções e festas com que é saudada quando da inauguração das primeiras usinas ou da iluminação pública, em diferentes cidades do Sul do País. Tais inaugurações assumem ares de festa e de espetáculo, para os quais acorre a população, sequiosa de participar de tão auspiciosos eventos. Em Florianópolis o jornal O Dia, de 27 de setembro de 1910, relata que, na inauguração dos serviços de eletricidade, “[...] um fremito de entusiasmo percorreu o organismo de toda a população, apinhada na
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Réplica de lampião a gás na Casa Romário Martins, Curitiba. Foto: Sílvio Coelho dos Santos, 2001.
Luminária pública, antiga, Pelotas (RS). Foto: Luciano Bornholdt, 2001.
Iluminação pública na rua do Príncipe, Joinville (SC), l911. Acervo: Arquivo Histórico de Joinville.
Praça 15 de Novembro, quando duas grandes lâmpadas de arco voltaico, esparsas em torno do jardim, brilhou intensa a luz vivíssima produzida pela eletricidade [...] dando-se então por parte da multidão, um expontâneo movimento de entusiasmo, que se exteriorizava em ruidosos vivas ao sr. Cel. Richard.” Em Curitiba, o Diário da Tarde de 5 de janeiro de 1910 noticia que “Ao atravessarmos os umbrais do novo ano foi inaugurada, com a presença de mais de quinhentas pessoas, a iluminação dos focos centrais da Rua Quinze. Inúmeras gerândolas fenderam os ares. Era indescritível a alegria que transparecia em todos os semblantes”.
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Iluminação pública na Avenida Mauro Ramos, Florianópolis, década de cinqüenta. Acervo: Celesc.
A associação da eletricidade com o progresso e a moderna urbanidade se repetem quando se trata da eletrificação do transporte urbano, através do estabelecimento de bondes elétricos. O mesmo Diário da Tarde, em janeiro de 1912, depois de afirmar que “[...] o progresso estabeleceu a sua tenda na nossa formosa capital [...]”, acrescenta: “[...] ficaremos livres dos pobres muares que tristemente conduzem os nossos bonds, coitados! Aí vêm os elétricos [...] Então veremos a nossa bela capital imitar a linda Paulicéia e a mais linda Capital da União, em sua atividade febril, que ora já se começa a manifestar.” Também em Pelotas, no Rio Grande do Sul, acreditava-se que se tinha entrado “[...] assombradamente no caminho do progresso [...]”, uma vez que a cidade se preparava, em 1913, “[...] para se transformar numa cidade com todos os confortos da higiene e da civilização [...].”1 Não tardaria, assim, o acesso à “[...] luz e tração elétrica, que virão dar às nossas ruas um outro aspecto, mais movimentado e ruidoso, pondonos ao mesmo tempo em comunicação rápida e direta com os lindos e pitorescos arrabaldes da cidade.”2 Vale ressaltar, contudo, que o entusiasmo com que foi acolhida a chegada da eletricidade não se limitava, ao que tudo indica, à valorização pura e simples dos significados apontados. Tinha a ver, também, com razões práticas decorrentes de seus diferentes usos, como a melhoria nas condições de segurança pública, a maior eficácia na iluminação doméstica em relação às lamparinas e velas ou, ainda, mais conforto e rapidez nos transportes coletivos. A ênfase na segurança através da iluminação é registrada em jornais locais, como é o caso do A República, de Curitiba, que protestava, em 18 de junho de 1896: “Pelo amor de Deus! Então aqueles postes são para inglês ver? Na rua do Serrito, entre as ruas da América e LavaPés, reina mais escuridão do que na alma de um assassino nato. E [...] por falar em assassino [...] a gente ao passar por ali nestas noites trágicas e pavorosas sente uns diabos de arrepios que, certamente, não são os de um relativo bem estar [...].” Os bondes elétricos, por sua vez, como aponta Axt3 referindo-se a seus usos em Porto Alegre, assumem particular expressão social como transporte popular, preenchendo uma função visceral em seu cotidiano, expressão que se repetia em outras cidades sulistas que contavam com esses serviços.
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Foto: Virgílio Calegari
Ao entusiasmo pela iluminação pública e pela melhoria dos transportes urbanos vem se juntar o fascínio por novas formas de entretenimento e meios de comunicação, representados pelas projeções cinematográficas e pelo advento do rádio. Periódicos de diferentes cidades do Sul dão conta da ocorrência dessas projeções, de início realizadas por exibidores ambulantes, que se apresentavam nas capitais e em cidades interioranas. Posteriormente, apresentadores instalavam seus aparelhos de projeção e montavam seus espetáculos em espaços como grandes parques ou teatros. No primeiro caso, um bom exemplo é o Colyseu Curitybano, que abrigava projeções cinematográficas, outros aparelhos elétricos e engrenagens tais como o kalloscopo, destinado a projetar películas fotográficas, de modo similar ao cinematógrafo, e o polyphone, precursor do gramofone, “além de ser profusamente iluminado à luz elétrica”4 . Teatros, por seu turno, como o Hauer (1897) em Curitiba; o Frohsinn, em Blumenau (1900); o teatro São Pedro, em Porto Alegre (1907); o Renascença em Ponta Grossa (1911); e o Álvaro de Carvalho, em Florianópolis (1915) abriram, assim, suas portas para apresentações de filmes, através do uso de cinematógrafos.
“Cinema Variedade no Theatro Álvaro de Carvalho
Cine Teatro Coliseu. Rua Voluntários da Pátria, 1910, e Cine Teatro Apollo, Av. Independência, Porto Alegre. Década de vinte. Acervo: Museu José Joaquim Felizardo.
Foi exibida ontem a noite, na tela cinematográphica do elegante e confortável ‘Cinema Variedades’ o sensacional Film Redenpção de Naná. A explendida orchestra, como sempre, executou magistralmente sob a batuta do mestre Alvaro Ramos, lindo e escolhido repertório recebendo calorosos aplausos da grande assistência. Redenção de Naná é um film que deve ser repetido tal o seu enredo e valor artístico.” (Jornal O Estado, 13 de maio de 1915).
Platéia no Cine Mignon, Curitiba, 1916. Acervo: DPHAC/FCC.
Não tardaria, entretanto, que o cinematógrafo ganhasse casa própria, ao serem instaladas “salas de cinema” ou “salas de projeção”, que se constituíram nos primeiros cinemas propriamente ditos, como o Salão Holetz, depois Cine Bush, em Blumenau (SC), que em março de 1906 já contava com luz elétrica no local, fornecida por um gerador próprio; o Cine Recreio (1906) e o Cine Teatro Renascença (1911), ambos em Ponta Grossa (PR); o Cine Variedades, o Smart Salão, o Recreio Ideal, o Coliseu e o Apollo, instalados em Porto Alegre entre 1909 e 1915, bem como o Cine Smart, o Central e o Morgenau, inaugurados em Curitiba no mesmo período. Nos idos de 1920 foi a vez do rádio. A rigor, como atestam diferentes autores5, o rádio foi, de início, uma aventura de alguns pioneiros visionários, servindo sobretudo para transmissões musicais, anúncios comerciais e, mais raramente, para noticiários e comunicados. A radiodifusão aumentou de importância à medida que diversificou suas programações e que se ampliava o acesso à energia elétrica, o que viria a ocorrer com maior intensidade após a Segunda Guerra Mundial. Sua expansão nos Estados do Sul, como de resto em outras regiões do País, só se tornou possível graças à importação de transmissores e receptores. As primeiras estações de rádio paranaenses, ambas instaladas em Curitiba, foram a Rádio Clube Paranaense (1924) e a Rádio Marumby (1946). Também em 1924 foi ao ar a primeira emissora
gaúcha, a Rádio Rio Grandense, instalada na cidade de Rio Grande, seguida da Rádio Pelotense, em 1925, e a primeira emissora de Porto Alegre, a Rádio Gaúcha, em 1927. Em Santa Catarina as precursoras foram a Rádio Clube, em Blumenau, instalada em 1931; a Difusora de Joinville, em 1941; a Difusora de Itajaí, em 1942, e a Rádio Guarujá, em Florianópolis, em 1943. Além dos aparelhos de rádio, no início da década de trinta do século XX, começaram a ser oferecidos aparelhos elétricos para uso doméstico, destinados a variados usos, responsáveis por alterações nos
Ao lado, improvisando ligação elétrica para transmissão de jogo de futebol, em Curitiba, 1948. Acervo: DPHAC/FCC. Detalhes, acervo: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
hábitos cotidianos. Aparelhos como ferros de passar roupa, ventiladores, geladeiras, fogões elétricos, aspiradores de pó e máquinas de lavar roupa, de procedência estrangeira, foram postos à venda, comercializados, de início, pelas próprias empresas que exploravam os sistemas de eletricidade. Em Curitiba durante toda a década de trinta a Companhia Força e Luz do Paraná fazia propaganda desses produtos6. O mesmo ocorria no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, conforme é possível constatar em anúncios publicitários, como na reportagem apresentada pela Revista do Globo, em 30 de abril de 1929. Noticiando a inauguração de uma loja de eletrodomésticos, instalada pela Companhia Brasileira de Força Elétrica, braço da Amforp em Porto Alegre, a reportagem afirmava: “A CBFE, concessionária dos serviços de luz e força nesta capital, inaugurou, em sua sede, à rua dos Andrades, um departamento comercial para a venda de materiais elétricos”. No discurso de inauguração, proferido pelo porta-voz da empresa, fazia-se alusão ao
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Equipamentos elétricos na sala de cirurgia do Hospital da Brigada Militar, Porto Alegre, 1922. Acervo: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
Tombamento de bonde elétrico em protesto popular contra a Companhia Força e Luz, Curitiba, 1931. Acervo: DPHC/FCC.
uso restrito da eletricidade nas residências, para fins de iluminação, conclamando que “[...] é preciso que este estabelecimento se abra à freqüência pública, obedecendo ao programa eminentemente civilizador e progressista que a Cia. se traçou, e que está vivamente empenhada em executar”. O fascínio com as facilidades e o prazer estético proporcionados pelos diferentes usos da energia elétrica vieram acompanhados, contudo, de resistências, desconfianças e descontentamentos com sua utilização. Esse receio, ainda que pudesse ser explicado pelo medo diante de uma nova tecnologia pouco conhecida, ancorava-se, também, no registro de diferentes tipos de falhas e acidentes, envolvendo tanto usuários quanto pessoal técnico responsável por serviços de instalação e manutenção. Referindo-se aos festejos da inauguração da primeira usina elétrica de São Gabriel (RS), em 1905, Figueiredo 7 afirma, em relação à reação dos populares aos oradores oficiais, que “[...] a assistência ouvia-os com desconfiança, num misto de entusiasmo e prevenção. O povo havia sido maldosamente prevenido contra o que apregoavam de terrível perigo, uma instalação elétrica com os fios por toda parte. As lâmpadas eram portadoras da morte [...] caso explodissem ninguém por perto escapava. Era fatal. Tocar a mão num fio elétrico, Virgem Nossa. Era das mortes mais horrendas.” Muito embora referências como essas possam parecer alarmistas e fantasiosas, fatos reais, como os ocorridos em diferentes cidades da Região Sul, demonstram que os receios não eram totalmente infundados. O Diário da Tarde, de Curitiba, noticia em 28 de abril de 1899 8 “[...] que ontem, à rua Assembléia, caiu um fio elétrico à noite. Como às 7 horas passasse por ali o homem de cor, Adão, bateu o rosto no fio [...]; tal foi o choque recebido pelo transeunte que foi jogado ao meio da rua. Adão ficou queimado no rosto e nos braços.” Acidentes com os bondes elétricos foram também freqüentes, vitimando transeuntes, como o registrado pelo Jornal A Federação, de Porto Alegre, no dia 26 de junho de 1930: “A tarde de ontem na Av. S. Raphael, um bonde, colhendo um homem, causou-lhe ferimentos de tal gravidade, que o mesmo faleceu instantaneamente. No corrente mês é esta a quarta pessoa vitimada pelo veículos da companhia americana que explora os serviços transviarios na capital.”
O Correio do Povo, de 24 de março de 1931, por sua vez, reafirma a freqüência dos desastres com os bondes elétricos: “[...] raro é o dia em que os carros da poderosa empresa não mandam algum habitante desta terra para o outro mundo, ou, então, para um leito da Santa Casa”. Por outro lado, inúmeros acidentes com operadores do sistema elétrico estiveram em destaque, como informa Axt9, na imprensa da capital gaúcha, especialmente a partir do início da década de 1930. No Correio do Povo de 12 de janeiro de 1930 registra-se que “Têm se repetido ultimamente os acidentes entre trabalhadores da CEERG [...]; não se compreende que empresas cujos serviços exigem pessoal hábil [...] atirem [...] aos azares de um trabalho insidioso pobres homens ignorantes, sem lhes dar a proteção de capatazes competentes que os instruam.” Essas constatações e críticas tocam em uma questão essencial, sobretudo nas fases iniciais da implantação dos sistemas elétricos, qual seja, a formação de pessoal devidamente treinado para as diferentes habilidades e funções demandadas por esses sistemas. Manutenção de rede elétrica. Assim é que o jornal A Curitiba, 1912. Acervo: Museu de Energia, Copel. República, de Curitiba, em 4 de julho de 1912, anuncia a abertura de matrículas para a Escola Prática de Mecânica e Eletricidade, destinada a formar operários eletricistas10. O mesmo ocorre em Porto Alegre, que inicia no Centro Tecnológico Parobé um curso sobre eletricidade. Essas iniciativas traduzem não só a proliferação dos usos da energia elétrica, como a afirmação de uma nova categoria profissional no mercado de trabalho – a do eletricista. Outros aspectos, contudo, provocaram manifestações de descontentamento popular em relação aos serviços de energia elétrica disponíveis nos três Estados do Sul. Entre eles destaca-se a inconformidade com as tarifas praticadas pelas empresas responsáveis por esses serviços. Como o consumo de bens dependentes de energia elétrica não era para todos, essas tarifas contribuíram para limitar ou impedir o seu uso por parte da população de baixa renda. Em Porto
Instalando poste para iluminação pública em Joinville (SC), década de vinte. Acervo: Arquivo Histórico de Joinville.
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Alegre eram freqüentes11 as queixas contra os serviços da CEERG por cobrar as mais altas tarifas de energia elétrica do Estado, quase o dobro das cobradas, por exemplo, em Pelotas. Reclamações similares ocorriam nos demais Estados sulistas. Na cidade de Ponta Grossa consumidores voltaram-se contra a atuação da Companhia Prada de Eletricidade. No Diário dos Campos12 de 13 de junho de 1923 comenta-se que “A instalação de contadores para substituir o antigo sistema de cobrança para lâmpadas ou para motores eleva o custo de energia [...] A cobrança da taxa mínima causará ainda mais revolta [...] Um cidadão qualquer, que tenha uma lâmpada de 16 velas em sua casa, teria de pagar apenas 6 $réis por mês e no entanto, pela taxa mínima, pagará 14 $réis e mais 3$000 réis do contador”. Em Curitiba, como noticia a Gazeta do Povo, em 1º de junho de 193213, os usuários da Companhia de Força e Luz, em reação às altas tarifas praticadas por esta empresa, organizaram um boicote destinado a promover “[...] a mais exagerada economia no consumo, evitando-se, tanto quanto possível a utilização de luz elétrica, de ferros elétricos, rádios, enfim, de todo e qualquer aparelho que se utilizasse de energia [...].” Outra freqüente razão de descontentamento em relação aos serviços de eletricidade teve início a partir dos finais da década de trinta, quando apareceram os sinais mais evidentes de que a indústria de energia elétrica chegava a impasses, entre os quais a insuficiência de oferta para atender às demandas do consumo. Manifestações populares neste sentido foram registradas em jornais de diferentes cidades sulistas, servindo como fonte de pressão para que se iniciasse o processo de intervenção das administrações estaduais no setor, originando as respectivas empresas estaduais de energia elétrica. Contudo, a despeito destes focos de tensão e descontentamento popular em relação ao fornecimento de energia elétrica, o reconhecimento da verdadeira revolução que seu advento provocou no cotidiano pode ser atestado, desde o início do século passado, em manifestações como as expressas no jornal A República14 , de Curitiba, de 14 de agosto de 1907: “As preeminentes qualidades da energia elétrica deram-lhe em pouco tempo ingresso nas maiores e menores cidades e aldeias de todos os países civilizados e em todos os ramos da indústria, influindo sobre esta proveitosamente e transformando-a, de modo que hoje a existência de uma comunidade sem força elétrica é quase impossível.”
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“Queixas do Público A cada dia que passa, mês por mês e ano por ano, o abastecimento de energia elétrica à população e à indústria de Ijuí torna-se mais precário. Disto só pode fazer idéia quem mora nesta terra, outrora tão abençoada, em que havia fartura e vida fácil. Hoje tudo mudou. As mercadorias de consumo são caras. Os produtos coloniais se tornam escassos devido à seca, e as indústrias vêem a sua artéria cortada com o decréscimo de água de nossos rios. A potente usina do rio da Ponte, hoje Potiribu, vê-se reduzida a estado de verdadeira miséria. Pois está impotente a movimentar o parque industrial de Ijuí. Atende-o com energia em prestações, uma hora sim, uma hora não. O que isto representa para as empresas industriais é fácil de imaginar. É um suicídio lento.” (Jornal Correio Serrano, de 30 de dezembro de 1944) ... Apud BINDÉ, 2000, p. 143. “Para nós, os operários da indústria, nos causa um grande transtorno, pois um dia trabalhamos de 6 às 6, isto é, 10 ½ horas de dia, e no outro dia temos que começar da 1 às 6,40 das madrugada, e folgamos um dia. O resultado é que andamos às tontas de sono, o que resulta menos produção para o empregador e um perigo iminente para quem trabalha em uma circular ou fita.” (Jornal Correio Serrano, de 25 de maio de 1949. Apud BINDÉ, 2000, p. 143). Equipe de transmissão externa da TV Piratini, 1959, Porto Alegre. Acervo: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
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ALMANACH DE PELOTAS, 1913, p. 47. Ibidem. AXT, 1995, p. 55 4 BRANDÃO, 1994, p. 17. 5 Veja-se, entre outros, DILLENBURG (1990); LAVALLE (1996) e MEDEIROS & VIEIRA (1999). 6 SIQUEIRA. op. cit., p. 73. 7 FIGUEIREDO, 1974, p. 3. 8 Apud SIQUEIRA et al., 1994, p. 42. 9 AXT, 1995, p. 46. 10 SIQUEIRA, et al., op.cit., p. 54. 11 AXT, op.cit., p. 57. 12 Apud SILVA, et al., 1994, p. 139 13 Apud SIQUEIRA, et al., op.cit., p. 66. 14 Ibidem, p. 23. 2 3
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AXT, Günter. A indústria de Energia elétrica no Rio Grande do Sul. Dos primórdios à formação da empresa pública (1887-1959). 1995. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. BIANCO, Nélia R. Del; MOREIRA, Sônia V. (Org.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999. BINDÉ, Ademar Campos. Do lampião à luz elétrica: a história da energia elétrica em Ijuí. Ijuí, RS: Sedigraf, 2000. BRANDÃO, Angela. A fábrica de ilusão: o espetáculo das máquinas num parque de diversões e a modernização de Curitiba (1905-1913). Curitiba: Fundação Cultural, 1994. COSTA, Elmar B. da (Ed.). História ilustrada de Porto Alegre. Porto Alegre: Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), 1987. DILLENBURG, Sérgio R. Os anos dourados do rádio em Porto Alegre. Porto Alegre: Associação Riograndense de Imprensa, 1990. FIGUEIREDO, Osório S. A primeira usina hidrelétrica de São Gabriel. Informativo CEEE. Porto Alegre, abr. 1975. Mimeografado. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: Guia Histórico. 3. ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 1998. KORMANN, Edith. Blumenau: Arte, cultura e as histórias de sua gente (1850-1985). Blumenau, 1996. 4v. Apoio: Fundação Catarinense de Cultura. LANGE, Francisco L.P. Os Campos Gerais e sua Princesa. Curitiba: Companhia Paranaense de Energia (Copel), 1998. LAVALLE, Aida M. Germânia-Guaíra: um século de sociedade na memória de Ponta Grossa. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), 1996. MEDEIROS, Ricardo; VIEIRA, Lúcia Helena. História do rádio em Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1999. PIRES, José Henrique. et al. O cinema em Santa Catarina. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 1987. ROCHA, Amara Silva de Souza. A sedução da luz: eletrificação e imaginário no Rio de Janeiro da Belle Époque. Revista da História Regional, v.2, n.2, 1997. Disponível em:<www.rhr.ulpg.br/v2n2/ amara.html> Acesso em: 21 abr. 2002. SILVA, Edson Armando. Conflitos entre a comunidade pontagrossense e a PRADA. In.: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PESQUISA HISTÓRICA (SBPH). São Paulo, 1994. SILVA, Edson Armando (Coord.) O povo faz a História – Ponta Grossa (1920 – 1945). Ponta Grossa, 1994. 1v. Relatório de Pesquisa – Departamento de História, Setor de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Ponta Grossa. SIQUEIRA, Márcia D. et al. Um século de eletricidade no Paraná. Curitiba: Universidade Federal do Paraná (UFP), 1994. ALMANACH DE PELOTAS. Pelotas, RS: Diário Popular. 1913. JORNAL A FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 30 jun. 1930. JORNAL A REPÚBLICA. Curitiba, 18 jun. 1896. JORNAL CORREIO DO POVO. Porto Alegre, 22 nov. 1931. JORNAL DIÁRIO DA TARDE. 6 jan. 1912. ______. Porto Alegre, 12 jan. 1930. ______. Porto Alegre, 24 mar. 1931. JORNAL GAZETA DE JOINVILLE. 13 fev. 1909. JORNAL O DIA. Florianópolis, 27 set. 1910. JORNAL O ESTADO. Florianópolis, 13 maio. 1915. Coluna Theatro e Diversões. REVISTA O GLOBO. Porto Alegre, 30 abr. 1929.
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O setor elétrico no cenário dos Planos Nacionais de Desenvolvimento
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F Solenidade de Criação da Eletrobrás, com a presença do Presidente João Goulart. Rio de Janeiro, 11/6/1962. Acervo: Memória do Setor Elétrico no Brasil.
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Foi no segundo governo de Getúlio Vargas (1950-54) que se desenhou, através da Assessoria Econômica liderada por Rômulo de Almeida, uma política nacional de energia. O petróleo, o carvão e a energia elétrica eram os destaques dessa ação governamental. Através de diversos projetos de Lei foram propostas, entre outras, a criação de um Fundo Federal de Eletrificação (Lei nº 2.308, de agosto de 1954); de um Plano Nacional de Eletrificação; e a criação das Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás). Tais iniciativas, tomadas num cenário político adverso à estatização do setor elétrico, transformaram o Congresso no epicentro de acaloradas discussões. O envolvimento de segmentos da sociedade foi significativo, especialmente de grupos identificados com a defesa dos interesses nacionais. Esses atuavam em contraposição àqueles que advogavam o controle do capital privado sobre as empresas de energia elétrica. As posições privatistas, entretanto, estimuladas pelas concessionárias estrangeiras, dominavam o Congresso. A batalha legislativa teve diversos lances. O Plano Nacional de Eletrificação jamais foi aprovado. Durante cerca de sete anos diferentes manobras garantiram o adiamento, pelo Congresso, do exame da proposta de criação da Eletrobrás. Mas a decisão acabou acontecendo. O Plano de Metas elaborado pelo governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-6l) também consignou a intenção do Estado em investir na infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do País. O Plano destacou seis grandes objetivos econômico-sociais, priorizando os investimentos financeiros nos setores de energia, transportes e indústrias de base. Através de estudos do Conselho de
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Desenvolvimento, previu-se que a potência instalada deveria crescer na base de 10% ao ano. Determinava-se, para tanto, a construção de novas centrais geradoras e o aproveitamento, para fins energéticos, do carvão nacional. A existência da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), de Furnas, criada como sociedade de economia mista sob o controle do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), e das Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. (Cemig), como conseqüência de diferentes intervenções governamentais, foi determinante para a criação do Ministério de Minas e Energia (MME) através da Lei nº 3.782, de 22 de julho de 1960. Foram incorporados ao MME o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Este último, através de sua Divisão de Águas, tinha, até então, as responsabilidades de concessão e fiscalização das empresas que exploravam a energia elétrica, conforme o previsto no Código de Águas (1934). Foi neste contexto que, em 25 de abril de 1961, depois de longa tramitação no Congresso, foi sancionada pelo Presidente Jânio Quadros a Lei 3.890 A, autorizando a constituição da empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás). Os fatos políticos relacionados à renúncia de Jânio Quadros, contudo, fizeram com que o ato de instalação da empresa somente acontecesse em 11 de junho de 1962, sob a liderança do Presidente João Goulart. Um novo e estratégico passo na definição da intervenção do Estado no setor elétrico estava dado.
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A Eletrobrás e suas subsidiárias: projetos termo e hidrelétricos no Sul
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A Eletrobrás foi constituída com a incumbência de coordenar o setor elétrico brasileiro, técnica, administrativa e financeiramente. Na prática, assumiu as aplicações feitas no setor pelo BNDE e se propôs a atuar como uma holding, incorporando e criando diferentes empresas. Além da Chesf e de Furnas, logo foram implantadas as Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul) e as Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), todas de caráter regional. Duas empresas de âmbito estadual foram também incorporadas, a Light Serviços de Eletricidade S.A. e a Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa). Houve, ainda, iniciativas para a participação ou para a incorporação de diversas outras empresas, todas de menor porte. O objetivo maior da Eletrobrás, sob a orientação do Ministério de Minas e Energia (MME), era planejar e coordenar as atividades do setor elétrico, promovendo a captação dos recursos financeiros necessários para a consecução das metas prioritárias. No âmbito do MME, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), criado em 1965, manteve as atividades de concessão, fiscalização e controle dos serviços de eletricidade, antes atribuídas à Divisão de Águas do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério da Agricultura. Atuando como uma holding, a Eletrobrás teve facilidades para transferir a execução das obras necessárias à expansão da capacidade instalada para as empresas subsidiárias, acima referidas, e para outras que foram sendo associadas. A distribuição de energia, por sua vez, foi delegada às empresas estaduais. Na prática, apesar de muitos avanços, nem sempre este modelo
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Transporte de carvão pela Rede Ferroviária Federal S.A., no sul de Santa Catarina, 1940. Acervo: Centro de Convivência Cultural, Unisul.
centralizado manteve sua coerência interna. Politicamente, o País vivia sob o regime militar, instaurado em 1964, autoritário, rígido e hierarquizado. Isto facilitava a imposição dos planos e decisões assumidos sem maiores negociações. Mas não poucas pressões políticas fizeram com que algumas empresas estaduais de distribuição iniciassem projetos de geração de energia; que empresas privadas, com finalidades de atendimento a demandas de energia elétrica localizadas, fossem constituídas; que encaminhamentos de interesse da holding não fossem acolhidos nas instâncias superiores de poder. De qualquer modo, foi a Eletrobrás que adotou e socializou a prática do planejamento de longo prazo no País, decidindo por uma matriz essencialmente hidrelétrica. Também assumiu uma metodologia voltada para o estudo de bacias hidrográficas, em continuidade aos trabalhos iniciados pelo Comitê de Estudos Energéticos da Região Sul (Enersul)1, e teve participação decisiva na concretização do projeto da Itaipu Binacional. Da mesma maneira, atendendo a crescentes pressões apresentadas pelos organismos internacionais de financiamento e por entidades ambientais, nos anos oitenta do século XX passou a valorizar a legislação aprovada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Assim, os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e os Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA), referentes aos novos empreendimentos hidrelétricos, passaram a ser analisados internamente através do Departamento de Meio Ambiente e pelos setores congêneres das empresas integrantes da holding, além dos setores específicos da área ambiental, estaduais ou federais. Sérios questionamentos referentes ao trato inadequado das questões sociais e ambientais decorrentes da implantação dos projetos hidrelétricos, entretanto, continuaram sem a obtenção das respostas adequadas por parte das subsidiárias responsáveis pela implantação dos empreendimentos. Conflitos e críticas, envolvendo inclusive os organismos internacionais de financiamento, se fizeram presentes em vários momentos e, em particular, a partir do processo de redemocratização do País. Em termos gerais, porém, deve-se ressaltar que a Eletrobrás traduziu com objetividade a tarefa da intervenção estatal no setor elétrico, logrando o alcance de metas originalmente não imaginadas. Entre essas metas destacamos a aquisição de competência técnico-científica em diferentes áreas de conhecimento que permitiram ao País alcançar reconhecimento internacional no
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O carvão nacional e seu aproveitamento energético
Usina Termelétrica S. Jerônimo (RS), que entrou em operação em 1954. Acervo: Assessoria de Comunicação Social, CEEE.
As jazidas de carvão mineral do Brasil estão concentradas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. É um carvão de baixa qualidade, com forte teor de enxofre e de cinzas, o que tem sido apontado como uma das dificuldades para a sua exploração intensiva. Identificadas as primeiras concentrações em meados do século XIX, o carvão nacional teve arautos e investidores como Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, e Henrique Lage. Porém, pressões de empresas estrangeiras levaram sucessivos governos a atitudes de irresponsável descaso. Nos anos trinta, com Getúlio Vargas e no cenário da deflagração da Segunda Guerra Mundial, surgiram as primeiras decisões políticas voltadas para a sua valorização e aproveitamento. Dificuldades diversas, porém, restringiram as possibilidades do seu uso energético. Somente com a emergência do Plano Nacional do Carvão (1953) abriram-se perspectivas para a utilização sistemática desse combustível para gerar energia. As usinas integrantes do Complexo Jorge Lacerda, no sul de Santa Catarina, entre outras, inserem-se neste contexto. Atualmente, quando se intensificam os esforços para ampliar a matriz energética do País, o potencial representado pelo carvão emerge como uma das alternativas possíveis, desde que se definam estratégias para a superação das questões socioambientais decorrentes da sua exploração.
domínio da implantação de grandes barragens e na extensão de linhas de transmissão a grandes distâncias. Institutos universitários e empresas, de uma forma ou outra, foram envolvidos nesse processo, com repercussão na formação e na especialização de centenas de profissionais universitários. No cenário da Região Sul há muito o governo federal vinha fazendo intervenções objetivando o melhor aproveitamento das jazidas de carvão ali existentes. O Plano Nacional do Carvão (Plancarvão), definido ainda no governo de Getúlio Vargas (Lei nº 1.886/53), pretendia dar a necessária autonomia ao desenvolvimento do parque siderúrgico de Volta Redonda, melhorando as condições de aproveitamento deste insumo energético. Para tanto foi criada uma Comissão Executiva do Plancarvão, subordinada diretamente à Presidência da República. Anteriormente, diferentes usinas termelétricas haviam sido implantadas no Sul tendo como combustível carvão, lenha ou óleo, em geral todas de baixa potência. No que se refere ao uso do carvão energético, que em alguns casos era importado, experimentos específicos ocorreram no Rio Grande do Sul. Ainda nos anos vinte, por exemplo, a termelétrica do Gasômetro foi implantada tendo como referência o consumo do carvão nacional. Mais adiante, o mesmo aconteceu com as usinas termelétricas (UTE) Candiota I, Charqueadas e Alegrete, que tiveram diferentes incentivos do Plancarvão. Em Santa Catarina foi a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que estimulou o aproveitamento do carvão-vapor, participando da criação da Sociedade Termelétrica de Capivari S.A. (Sotelca), em 1957. A região litorânea catarinense vivenciava uma crise no fornecimento de energia elétrica. A constituição da Celesc, em 1955, objetivava o incremento, em curto prazo, do potencial instalado. A opção pelo aproveitamento do carvão-vapor resultante da produção do carvão metalúrgico, associada aos interesses das empresas mineradoras, apareceu como uma oportuna solução para a falta crônica de energia. A CSN, através de sua subsidiária Serviços de Eletricidade S.A., já tinha instalado na localidade de Capivari de Baixo uma pequena termelétrica (10 MW), objetivando o atendimento de suas necessidades de beneficiamento do carvão e de suas minas. Esta termelétrica também atendia ao fornecimento de energia para algumas cidades do sul de Santa Catarina. Constituída a Sotelca, uma linha de transmissão em pouco tempo chegou até a capital e, depois, até Joinville. As novas
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demandas de consumo levaram à ampliação da capacidade instalada para 12 MW, em 1958. Um pouco mais tarde, a Sotelca colocou em operação uma segunda unidade geradora. Em 1971 a Sotelca foi incorporada pela Eletrosul. Em 1973 também ocorreu a aquisição, pela Eletrosul, da pequena térmica da empresa Serviços de Eletricidade S.A. As usinas da Sotelca tomaram o nome de Jorge Lacerda I e II e, depois, com a encampação patrocinada pela Eletrosul, passaram a integrar o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, com quatro usinas. O potencial instalado, nos finais dos anos noventa, era de 857 MW. Trata-se do maior complexo termelétrico da América do Sul. No Paraná as jazidas de Cambuí permitiram a implantação da Usina Termelétrica Figueira (Utelfa), construída por iniciativa do governo do Paraná, a partir de 1954, com incentivos do Plancarvão. Em 1961 a responsabilidade da execução das obras e da operação da usina foi transferida para a Usina Termelétrica de Figueira S.A., empresa subsidiária da Eletrobrás. Sua instalação ocorreu em 1963, com a potência de 20 MW, que foi ampliada, em 1975, para 30 MW, com o acréscimo de uma terceira unidade geradora. Transferida para a Copel em 1969, a Utelfa teve uma de suas
Usina Termelétrica Jorge Lacerda, Tubarão (SC), anos setenta. Foto: Sílvio Coelho dos Santos. Foto menor, Usina Termelétrica Capanema, a diesel, que entrou em operação em 1951, em Curitiba. Acervo: Copel.
unidades geradoras desativada em 1987. Nos anos noventa a Copel transferiu, por dez anos, para a Companhia Carbonífera de Cambuí o uso das instalações dessa termelétrica. Não poucas foram as dificuldades relacionadas ao aproveitamento do carvão nacional. Interesses empresariais conflitantes, indefinições governamentais e a não-continuidade das ações trouxeram sucessivas instabilidades para o setor. Em 1960 foi criada pela Lei nº 3.860/60 a Comissão do Plano do Carvão Nacional (CPCAN), em substituição à Comissão Executiva do Plancarvão. A partir de 1968 as atribuições da CPCAN foram sendo transferidas para o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) e para o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em 1975 a Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras (CAEEB) assumiu a comercialização do carvão não coqueificável, até 1988, quando ocorreu a extinção do subsídio ao transporte do carvão. Em decorrência dessa descontinuidade política e administrativa os empresários do setor assumiram posições de acomodação, quando não de descrédito, deixando de investir na ampliação e na modernização de suas empresas. As sucessivas crises do setor repercutiram no aproveitamento do carvão-vapor, bem como tiveram implicações nas complexas questões relacionadas à preservação ambiental. Não se pode deixar de referir, também, a existência de dezenas de usinas termelétricas alimentadas a óleo combustível, instaladas em diversos municípios da Região Sul e pertencentes a diferentes empresas. A maioria dessas usinas eram de baixa potência e foram instaladas, quase sempre, para atender a demandas emergentes. Apesar da rapidez com que os equipamentos dessas usinas eram montados, os custos operacionais eram elevados devido ao preço do combustível, resultando em tarifas pouco atrativas. Quando foi constituída a Eletrosul, como subsidiária da Eletrobrás, em 1968, sua área de abrangência eram os Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A autorização para o seu funcionamento ocorreu através do Decreto nº 64.395, de 23 de abril de 1969. Por esse mesmo Decreto também foi transferida para a Eletrosul
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Acima e abaixo, Hidrelétrica Governador Bento Munhoz da Rocha, ou Foz do Areia, em operação no rio Iguaçu (PR), a partir de 1980. Acervo: Copel. Ao lado, Hidrelétrica de Segredo instalada no rio Iguaçu (PR), em 1992. Acervo: Copel.
a concessão para o aproveitamento hidrelétrico dos rios Erechim e Passo Fundo, da qual era titular a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). A UHE Passo Fundo, cuja casa de máquinas está situada no rio Erechim, foi construída pela Eletrosul. Entrou em operação em 1973, tendo a potência de 220 MW. Como empresa regional, tornou-se a Eletrosul responsável pelo planejamento, pela construção e pela operação de novas usinas hidrelétricas, e assumiu diferentes incorporações e participações que eram até então de responsabilidade da Eletrobrás. Dando continuidade aos estudos referentes ao potencial energético das bacias do Paraná/Uruguai, levados inicialmente pelo Enersul, a Eletrosul centrou suas atenções no aproveitamento do rio Iguaçu. A UHE de Salto Santiago, com a potência de 1.420 MW, começou a ser construída em 1975. A primeira unidade geradora entrou em operação em 1980. Em 1998 esta usina passou a integrar as Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. (Gerasul). Ainda no mesmo rio Iguaçu, a Eletrosul obteve a concessão dos estudos para implantação da UHE Salto Osório. A sua construção, porém, foi delegada à Copel, a partir de 1970. Inaugurada em 1976, com 1.078 MW, esta obra contou com recursos financeiros da Eletrobrás e do Banco Mundial. Administrada pela Eletrosul, em 1998 esta UHE passou, igualmente, a integrar o parque gerador da Gerasul. Num contexto de disputas promovidas pelas empresas estaduais de energia elétrica para a implantação de novas usinas, a Copel obteve a concessão para a instalação da UHE Governador Bento Munhoz da Rocha, ou Foz do Areia, em 1973. Com a potência final de 1.488 MW, sua primeira unidade entrou em operação em 1980. A Eletrobrás participou desse empreendimento, fazendo aportes financeiros e técnicos, que de uma forma ou de outra também envolveram a Eletrosul. Paralelamente, a Eletrosul começou a desenvolver os estudos necessários à definição do aproveitamento integral da bacia do rio Uruguai. Esta proposta, divulgada a partir de 1978, considerava a possibilidade da construção de vinte e dois barramentos, no trecho nacional do rio, sendo 19 destinados à implantação de hidrelétricas, e três necessários para a regularização do fluxo das águas. Definiu-se, também, que eram prioritárias as construções das hidrelétricas Machadinho e Itá. O denominado Projeto Uruguai, apesar de suas preocupações
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metodológicas nas áreas ambiental e social, provocou desde o primeiro momento uma série de questionamentos por parte das populações potencialmente atingidas, abrindo caminho para as discussões que hoje se travam sobre os impactos sociais decorrentes da implantação de hidrelétricas, no País e no exterior. A partir de 1980, a Região Geoelétrica Sul, de interesse da Eletrosul, que originalmente envolvia o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, passou a abarcar também o Estado do Mato Grosso do Sul (Decreto nº 84.589, de 24 de março de 1980). Para atender às novas demandas decorrentes da expansão de sua área de atuação, a Eletrosul
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Manutenção de linhas de transmissão em Foz do Iguaçu (PR). Acervo: Copel.
realizou estudos e obteve a concessão para implantar a UHE Ilha Grande, no rio Paraná. Os trabalhos de implantação desta usina, porém, foram interrompidos. O atendimento ao Mato Grosso do Sul se deu pelo estabelecimento de novas linhas de transmissão. Anteriormente, a interligação dos diferentes sistemas passou por complexos estudos e negociações relativos à unificação da freqüência, que era diferenciada no Rio Grande do Sul. Este trabalho começou a ser definido pela Eletrobrás, elegendo-se a freqüência de 60 Hz. A Eletrosul assumiu a sua continuidade, ao mesmo tempo em que se qualificava para a transmissão em longas distâncias. As primeiras linhas de transmissão de 230 kV foram concluídas em 1975, para distribuir a energia gerada pela UHE Salto Osório. Seguiram-se a construção de outras linhas estratégicas, interligando os Estados do Sul entre si e ao Sudeste. Dezenas de subestações foram construídas. E, mais recentemente, através de acordos específicos a Eletrosul estendeu linhas de transmissão em direção à Argentina e ao Uruguai, num cenário de integração energética com países integrantes do Mercosul. O quadro de pessoal da Eletrosul foi, em sua maior parte, devidamente especializado, objetivando responder às múltiplas funções que envolviam estudos preliminares do potencial energético de bacias hidrográficas; à definição de prioridades; à eleição de tecnologias e de equipamentos; às questões econômicas, sociais e ambientais; às estratégias administrativas e políticas, além de rotinas técnicas e funcionais. A sede da Eletrosul, originalmente localizada em Brasília (DF), começou a ser transferida para a capital de Santa Catarina em 1973. Até 1978, quando foram inauguradas suas instalações centrais, um expressivo número de servidores técnico-administrativos foi deslocado para os diferentes empreendimentos incorporados, ou para áreas de interesse específico. Mas a maior parte foi sediada em Florianópolis. Os impactos decorrentes da presença de cerca de 450 servidores e suas famílias, com poder aquisitivo relativamente alto, não foram pequenos para os tradicionais residentes. A dinamização urbana da Ilha-capital havia se iniciado com a instalação, em 1962, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), à época abrigando um conjunto de sete faculdades e cerca de trezentos professores e servidores. Com a chegada dos funcionários da Eletrosul e a simultânea expansão da UFSC a capital efetivamente vivenciou diferentes mudanças. Ocorreu uma
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dinamização econômica, que impôs uma reestruturação da zona urbana, especialmente através da incorporação de diferentes áreas até então tidas como rurais. Uma nova dinâmica se afirmou na cidade, que foi mais adiante acentuada por um crescente fluxo turístico, com positivos reflexos nas atividades culturais e no cotidiano social local.
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A definição e a importância do Projeto Uruguai
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GILBERTO VALENTE CANALI
CALDEIRA, Jorge. et al. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL – MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. Banco de Imagens. Usinas de Energia Elétrica no Brasil (1883-1999). São Paulo: Sonopress Rimo, 2000. 1 CD-ROM ELETROBRÁS. Diretrizes Ambientais para Usinas Termelétricas a Carvão Mineral Nacional. Rio de Janeiro, 1990. Relatório Técnico. ––––. Diretrizes Ambientais para Usinas Termelétricas a Carvão Mineral Nacional. Rio de Janeiro, 1990. Relatório Técnico. ––––. Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico, 1991/1993. Rio de Janeiro, 1991. Relatório Técnico. ––––. A Energia Elétrica no Brasil: da primeira lâmpada à Eletrobrás. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1977. ELETROSUL. 25 anos de História. Florianópolis, 1993. Relatório da Administração. LAGO, Paulo Fernando. Santa Catarina, dimensões e perspectivas. Florianópolis: [s.n.], 1978. LEITE, Antonio Dias. A energia do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 528. SANTOS, Sílvio Coelho dos. Nova História de Santa Catarina. 4. ed. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1995.
O aproveitamento do rio Uruguai, com seus principais formadores e afluentes, para a produção de energia elétrica, entrou na mira dos interessados desde aproximadamente os anos quarenta do século passado. Na segunda metade dos anos cinqüenta a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) do Rio Grande do Sul começou a realizar os primeiros estudos para a construção de uma usina hidrelétrica de vulto, na bacia do Uruguai, no rio Passo Fundo. Em fevereiro de 1959 contratou a empresa de consultoria italiana Electroconsult (ELC) para preparar o estudo de viabilidade técnica e econômica do aproveitamento, incluindo a escolha do local da barragem, da usina e dos equipamentos. No mesmo ano foram iniciados os trabalhos de preparação do projeto básico e promovidas negociações com o antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) com vistas a obter sua participação financeira, das quais resultou um acordo, em 1963, para a abertura das necessárias licitações. Aproximadamente nesta mesma época o mesmo DNOS viria a deflagrar os estudos para a implantação de uma usina no rio Chapecozinho, afluente do Chapecó, no lado catarinense da bacia do rio Uruguai. Mas tanto a primeira como a segunda passaram a enfrentar a competição por recursos financeiros escassos, a cujas fontes recorriam os principais Estados brasileiros. A partir de 1961, com a implantação da Eletrobrás, foi possível a obtenção de um financiamento internacional que permitiu que se realizasse o levantamento do potencial hidrelétrico das regiões Sudeste
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Linhas de transmissão. Avenida das Torres, Curitiba. Acervo: Copel.
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Constituído por representantes do Ministério de Minas e Energia, do BIRD, da Eletrobrás, da Comissão do Plano do Carvão Nacional (CPCAN), da Copel, da Celesc e da CEEE.
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e Sul do Brasil e se iniciasse um planejamento para a implantação de novas usinas. Os estudos de planejamento que orientaram o desenvolvimento do setor elétrico, a partir de meados da década de sessenta, foram realizados por um Consórcio CanadenseAmericano-Brasileiro (Canambra), através de iniciativa do Enersul. Esses estudos resultaram num dos maiores levantamentos sistemáticos de potencial hidrelétrico realizados no mundo, e numa proposta de expansão da capacidade instalada, obedecendo uma ordem seqüencial de implantação dos melhores empreendimentos de geração de energia, segundo um critério primordial de eficiência econômica. Esta proposta incluía a interligação regional das usinas, através de grandes sistemas de transmissão de energia, o que representaria uma mudança fundamental na concepção de novos projetos hidrelétricos e na forma de atender à demanda. A bacia do Uruguai, com topografia montanhosa nas partes alta e média, em território exclusivamente brasileiro, até a foz do seu tributário Peperi-Guaçu, que faz a divisa de Santa Catarina e, portanto, de nosso País com a Argentina, assim como a sua formação geológica, de predominância ígnea, e uma relativa abundância de água, mostrava uma potencialidade considerável para a produção de energia hidrelétrica. Além disto, o trecho em que o curso principal do rio Uruguai faz a fronteira entre os dois países apresentava parcela expressiva de potencial aproveitável, mas não foi incluído nos estudos, por falta de condições favoráveis ao tratamento bilateral da questão, coisa que já estava acontecendo entre a Argentina e o Uruguai, com vistas ao aproveitamento do potencial existente no trecho final do rio, antes de sua desembocadura1, no estuário do rio da Prata. Somente muito mais tarde, nos finais da década de setenta, iniciaram-se entendimentos entre o Brasil e a Argentina para realizar o levantamento do trecho fronteiriço. Pouco antes do início dos estudos do Canambra na Região Sul, o governo do Rio Grande do Sul e o DNOS haviam decidido abrir licitação para a construção das obras civis de Passo Fundo, as quais
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Acima, Hidrelétrica inconclusa, iniciada no rio Chapecozinho (SC). Foto: Aneliese Nacke, 1990. Ao lado, vista da Usina Hidrelétrica Passo Fundo (RS). Acervo: Assessoria de Comunicação Empresarial da Tractebel.
Construção da Hidrelétrica Itá, rio Uruguai (SC/RS). Foto: María Rosa Catullo.
foram efetivamente iniciadas em 1965. Entretanto, devido a restrições financeiras, não conseguiram manter o cronograma de construção, que previa sua conclusão em setembro de 1970, e um novo arranjo institucional e financeiro acabou por surgir. Vale mencionar que as obras do rio Chapecozinho igualmente tiveram que ser paralisadas, padecendo de pior sorte, já que seguem inconclusas até o presente. Com a criação da Eletrosul, as atenções se voltaram primeiro para o aproveitamento do rio Iguaçu (PR) e do carvão catarinense. Em 1976, diante da perspectiva de crescimento acelerado do seu mercado e da possibilidade cada vez maior de intercâmbio de energia elétrica com a região Sudeste, as atenções se voltaram para a bacia do rio Uruguai. Sob exclusiva coordenação e responsabilidade da Eletrosul foram desenvolvidos estudos que resultaram num plano de construção de 19 novas usinas hidrelétricas2, as quais permitiriam o aproveitamento de cerca de 90% do potencial economicamente utilizável, totalizando – incluindo-se a usina de Passo Fundo – uma potência instalada máxima da ordem de 9.500 MW, com um investimento equivalente a aproximadamente US$ 10 bilhões. Para que se tenha uma idéia da relevância destes números, é bom compará-los à potência de Itaipu, que é de 12.600 MW, compartilhada meio a meio com o Paraguai. Por outro lado, para que se possa avaliar o grande interesse em promover a implantação deste plano, basta dizer que os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul são importadores de energia. Sob qualquer ângulo, o potencial da bacia do Uruguai representava, portanto, uma iniludível e inevitável oportunidade, não apenas para os dois Estados, como para toda a região e para o País, integrando o sistema cuja definição acelerou-se na década de 1970. Efetivamente, o plano sofreu pequenas alterações desde que foi apresentado, em 1979, tendo sido implantadas até o momento as usinas de Passo Fundo, com 220 MW, e de Itá, com 1.450 MW. Encontram-se em fase adiantada de implantação as usinas de Machadinho, com 1.140 MW, Quebra-Queixo com 120 MW e Monjolinho com 67 MW. As usinas de Barra Grande, Campos Novos e Foz do Chapecó encontramse em início de implantação. As de Pai-Querê foram objeto de concessão recente pela ANEEL. As demais certamente seguirão o mesmo caminho nos próximos anos. Todas estas usinas têm hoje participação majoritária, quando não exclusiva, de capitais privados.
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Usinas Hidrelétricas na bacia do rio Uruguai Ordem cf. custo
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Perfil do aproveitamento energético do rio Uruguai
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Reservatório Cota N.A. (m)
Passo Fundo Itá Machadinho Barra Grande Campos Novos São Roque Garibaldi B. Pessegueiro Itapiranga Iraí P. da Cadeia Pai-Querê Monjolinho Foz Chapecó Aparecida Abelardo Luz Nova Erechim S. Domingos Quebra-Queixo Gabiroba Voltão Novo Bom Jesus Xanxerê
Passo Fundo Uruguai Uruguai Pelotas Canoas Canoas Canoas Canoas Uruguai Uruguai Pelotas Pelotas Passo Fundo Chapecó Chapecó Chapecó Chapecó Chapecó Chapecó Chapecozinho Chapecozinho Chapecozinho Chapecozinho
598,0 368,0 480,0 647,0 624,0 823,0 732,0 853,0 208,0 265,0 940,0 797,0 331,0 430,0 858,0 767,0 335,0 650,0 589,0 814,0 542,0 694,0 617,0
Reservatório Reservatório Potência Volume (hm³) Área (km²) instalada (MW) 1.568 3.590 4.510 3.865 527 5.165 1.945 1.190 113 2.610 1.310 1.742 9 870 1.200 855 216 643 317 530 -
* Reservatórios de regularização, sem usinas nos locais. Obs.: diversos empreendimentos foram otimizados em estudos posteriores, resultando em algumas alterações significativas nas configurações propostas. As maiores modificações ocorreram em Machadinho, Campos Novos, Garibaldi e Iraí, este substituído por um novo empreendimento, denominado Foz do Chapecó.
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149,0 160,0 270,0 102,0 15,0 320,0 170,0 191,0 142,0 179,0 46,0 57,0 6,0 40,0 55,5 3,3 56,5 14,4 27,8 18,8 1,5 24,9 3,4
220 1.315 1.060 609 374 256 398 * 936 1.116 104 288 72 184 64 84 198 55 162 * 45 * 25
O caráter inovador dos estudos sobre a bacia do rio Uruguai O levantamento sistemático dos recursos energéticos da bacia do Uruguai, como foi visto, já tinha sido realizado pelo Canambra, juntamente aos das demais principais bacias da Região Sul, entre 1966 e 1969. Nesses estudos prevaleceram critérios e metodologias exclusivamente das esferas da engenharia e da economia, embora inovadores para a época, tanto em abrangência, como em métodos de análise, de forma a permitir comparações coerentes e seleção das melhores alternativas de aproveitamento dos potenciais, otimizando a produção de energia aos menores níveis e custos de investimento. Entretanto, quando retomou o interesse pelo desenvolvimento do potencial da bacia do Uruguai, a Eletrosul constatou uma série de fatores modificadores da conjuntura, determinando a necessidade de promover uma revisão, levando em conta critérios de análise ainda mais aperfeiçoados. Fundamental importância passariam a assumir os efeitos das grandes obras sobre o meio ambiente, quer seja do ponto de vista dos impactos sobre os ecossistemas, quer seja dos impactos sociais causados sobre as populações diretamente afetadas com a inserção das obras, quase sempre exigindo o deslocamento compulsório de expressivos contingentes. Tratava-se, portanto, de encontrar a melhor alternativa de aproveitamento do potencial hidroenergético que causasse o menor impacto, ou que permitisse a consideração de medidas mitigadoras, mantendo o custo de produção de energia abaixo daqueles que se poderia obter da segunda fonte alternativa mais atraente, tomada como referência.
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Vista aérea da Hidrelétrica Machadinho, rio Uruguai (SC/RS), 2001. Acervo: Tractebel.
Em termos técnicos, no caso de um estudo de uma bacia inteira, como a do rio Uruguai, o aproveitamento do potencial se dá por meio da construção de uma série de barragens, dita em cascata, de modo que o desnível total, entre, por exemplo, a nascente e a desembocadura de um curso d’água, fique subdividido em degraus, cada qual correspondendo a uma usina, com a sua respectiva queda e reservatório. Em todas as usinas estudadas na bacia do rio Uruguai foi proposto este tipo de solução, e nos estudos do Canambra pouca atenção foi dada aos possíveis impactos das obras, porque estas não apresentavam reservatórios com volumes significativos, capazes de regularizar os caudais naturais a níveis mais elevados de garantia. Na revisão dos estudos a Eletrosul decidiu considerar a possibilidade de aumentar substancialmente os volumes úteis dos reservatórios pela elevação de seus níveis máximos, redividindo o desnível total entre as nascentes e o rio Peperi-Guaçu, num menor número de barragens, com maior volume de acumulação de água, na expectativa de reduzir o custo médio de aproveitamento e aumentar a energia total produzível e o correspondente nível de garantia. Em contrapartida, consciente de que poderia vir a provocar maiores impactos, decidiu incorporar avaliações socioeconômicas na comparação de alternativas, desenvolvendo uma metodologia inovadora, chamando a participar da análise profissionais de outras áreas de conhecimento que não apenas de engenharia, como era o caso mais comum até então. Os estudos socioeconômicos e físico-territoriais tiveram o propósito de delinear um diagnóstico relativo às áreas geográficas que poderiam vir a ser afetadas direta ou indiretamente pela formação dos reservatórios e analisar os impactos decorrentes. Esses estudos compreenderam o levantamento e a análise da
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infra-estrutura regional, da organização do espaço, dos aspectos populacionais, do sistema econômico regional, das populações indígenas remanescentes, de sítios arqueológicos e da cobertura vegetal atual. Ressalte-se que a obrigação legal de realizar estudos de impacto ambiental para obras dessa natureza surgiu apenas em 1986, com a regulamentação do licenciamento ambiental, previsto na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente3. Os estudos consistiram na montagem de alternativas de subdivisão do desnível, quantificação e orçamento das obras necessárias, da energia obtida em cada usina e uma avaliação dos impactos de cada uma, estimados através de indicadores desenvolvidos para esta finalidade. A metodologia adotada, consistia, pois, de uma análise simultânea de múltiplas variáveis, com o objetivo de selecionar a melhor entre as alternativas de subdivisão do desnível e de características das usinas. Tratava-se de uma metodologia derivada do Método Delphi, desenvolvido para fins de tomada de decisão em estratégias militares, especialmente quando as variáveis não podem ser tratadas através de equações matemáticas que, resolvidas, produzam uma solução que satisfaça uma série de condições estabelecidas a priori. Antes, tal metodologia requer e implica uma série de análises subjetivas, através da ponderação atribuída às repercussões mútuas entre um determinado conjunto de variáveis, que convergem para um certo nível de consenso entre os avaliadores após algumas rodadas de sucessivas avaliações. Desta forma, supostamente, a metodologia permite reduzir o grau de subjetividade e encontrar uma solução que represente um ótimo ao menos relativo, na opinião consensual dos avaliadores. Ao todo foram examinados e avaliados 51 locais possíveis de construção de barragens, combinados em 16 esquemas, cada qual com cerca de 20 barragens, distribuídas em toda a bacia, tendo resultado a escolha de um destes esquemas como sendo aquele que apresentava a combinação mais aceitável da quantidade de energia produzida, custo e impactos, e que viria a ser adotado como base de um plano de obras a serem implantadas pela Eletrosul. Foi a primeira vez que se utilizou tal método para este tipo de problema, o qual até hoje guarda uma certa dose de ineditismo, precursor de profundas mudanças nos métodos de análise empregados pelo setor elétrico brasileiro para a tomada de decisão na expansão do sistema, especialmente porque dele participou uma equipe
multidisciplinar que envolveu profissionais da área da engenharia da empresa e das ciências sociais com experiência diversificada, com destaque para antropólogos, sociólogos, arqueólogos e economistas.
A reação da população ao plano proposto Apesar do avanço que representou esta metodologia de análise e de tomada de decisão, o plano de aproveitamento do potencial da bacia do rio Uruguai não deixou de suscitar intenso questionamento e reação da população da bacia, em especial dos segmentos diretamente atingidos, e particularmente na área rural. Ao todo, estimava-se que cerca de 36.000 pessoas seriam diretamente afetadas pelas obras, isto é, deveriam ser desalojadas para dar lugar à construção das barragens e formação dos reservatórios, cobrindo uma área total de aproximadamente 1.500 km², distribuída em cerca de 177 municípios da bacia, nos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A reação da população da bacia, após a divulgação do plano em 1979, progrediu de moderada até uma mobilização generalizada de grupos de protesto contra a construção de qualquer barragem na região. A reação se tornou exacerbada na medida em que se tornavam conhecidos os efeitos negativos dessas obras. Por outro lado, a empresa empreendedora não se mostrava preparada para apresentar as medidas mitigadoras ou compensadoras que atenuassem a sensação de insegurança e perda que se disseminou entre os segmentos da população que seriam diretamente atingidos com o deslocamento compulsório. A primeira fase das reações e o início de intenso envolvimento da população no processo s e c a r a c t e r i z a r a m Foto: Sílvio Coelho dos Santos.
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Manifestação de agricultores às margens do lago da UHE Itá, julho de 2000. Foto: Roberto Santos. Acervo: Jornal Diário da Manhã, Erechim (RS).
p o r reivindicação de informações sobre o Projeto, de indenização justa e de definição formal a respeito da época em que esta seria paga. Como alternativa à indenização, o reassentamento em terras de igual fertilidade começou, também, a ser reivindicado. Entretanto, a experiência brasileira a este respeito não era consistente, havendo exemplos de pendências e disputas judiciais não resolvidas que prejudicavam muito a credibilidade governamental e de seus agentes, no caso a Eletrosul. Esta primeira fase foi marcada, sobretudo pela criação, em 1979, da Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB), tendo como mediadores as Igrejas Católica e Protestante, sindicatos dos trabalhadores rurais, universidades regionais e políticos da oposição. Esta organização assumiu a função de principal interlocutora da população atingida com a Eletrosul, embora a empresa tenha resistido a tanto, durante algum tempo. A partir de 1983 a mobilização popular entrou em sua segunda e mais radical fase: uma mobilização de larga escala visando a obstar a construção das barragens. De modo crescente o movimento ultrapassou as fronteiras da bacia para questionar, em âmbito federal, as decisões governamentais quanto a projetos desta natureza, de modo especial o Projeto Uruguai e a atuação da Eletrosul, vista como um agente
Vista parcial do reassentamento de agricultores, em Chiapeta (RS), deslocados para a instalação da UHE Itá, 1997. Acervo: Eletrosul.
governamental. Um abaixo-assinado com um milhão de assinaturas foi levado às autoridades em Brasília, reivindicando o cancelamento do referido Projeto. Em 1985, já em regime de governo democrático, o governo federal decidiu paralisar todas as atividades de campo, com exceção daquelas relacionadas com a relocação da cidade de Itá. Esta cidade, com aproximadamente dois mil habitantes, viria a ser inundada pelas águas do reservatório da usina de Itá, até então a segunda obra do plano da Eletrosul, a ser executada com pequena defasagem sobre as obras de Machadinho. Assim sendo, no início de 1986, após intensas conversações, o Governo Federal propôs a formação de duas comissões formais, uma em Itá e outra em Machadinho, reunindo representantes de todas as partes envolvidas no conflito, com o objetivo de discutir possíveis soluções mitigadoras dos problemas sociais ocasionados pelas obras e negociar medidas compensadoras. O principal resultado das reuniões dessas comissões foi a elaboração do “Documento de Acordo entre as Centrais Elétricas do Sul do Brasil (Eletrosul) e a Comissão Regional de Atingidos por Barragens (CRAB), em relação às Usinas Hidrelétricas de Itá e Machadinho”, assinado, inclusive, pelo então Ministro de Minas e Energia. Com marchas e contramarchas, vários foram os resultados concretos para a população local da bacia do Uruguai, decorrentes, sobretudo, de sua mobilização. Entre eles a responsabilidade dos empreendedores implantarem reassentamentos coletivos, na Região Sul, facultados, inclusive, para trabalhadores rurais não proprietários das terras ocupadas; o estabelecimento de uma tomada semestral de preços sobre o valor das terras a serem indenizadas; a constituição de uma comissão paritária, composta por atingidos e funcionários da Eletrosul, para tomar decisão sobre casos socialmente atípicos (proprietários rurais mais idosos, doentes, etc.); e a relocalização dos chamados “núcleos rurais” (sede de igrejas, escolas, áreas comunitárias de lazer, etc.). Este foi o processo que se desenvolveu, com um nível razoável de satisfação das reivindicações dos atingidos até o presente momento, e que permitiu a conclusão de Itá em 1999, além do prosseguimento das demais obras. É interessante, ainda, observar que a mobilização dos atingidos ganhou expressão nacional e uma estrutura ramificada por quase todos
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os locais de construção de novas barragens, inclusive para outras finalidades que não apenas a geração de energia4. Mais tarde, o movimento, já sob a denominação de Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ganhou projeção internacional, participando de grupos de pressão contra a construção de barragens5 e contribuindo para a tomada de decisões de repercussão global, como foi o caso do processo que culminou com o lançamento do relatório da Comissão Mundial de Barragens, em 19976, sob a égide do Banco Mundial e da União Internacional para a Conservação da Natureza, duas instituições de grande poder de influência sobre políticas públicas e sobre a opinião pública internacional. Muitas propostas foram elaboradas no sentido de promover a inserção regional das obras de modo a aproveitar o momento de alocação intensiva de capitais e ampla mobilização, para assegurar benefícios locais permanentes, incluindo a melhoria da infra-estrutura local e regional, a recuperação ambiental, a melhoria de práticas agrícolas e outras medidas concorrentes à promoção social da região. Tais propostas, a rigor, tiveram efeito prático muito limitado porque o setor elétrico, embora assumindo mais do que estava habituado a fazer, considerava que tais propostas deveriam ser enquadradas em planos multissetoriais de governo, para que seus custos pudessem ser absorvidos de maneira diversa à mera incidência que teriam sobre a tarifa da energia a ser produzida, caso ficassem sob sua exclusiva responsabilidade.
Uma revisão crítica Não resta dúvida que todo o processo de elaboração e implantação do plano de aproveitamento hidroenergético da bacia do Uruguai trouxe uma série de lições muito importantes, sob qualquer ponto de vista. Para a engenharia nacional, foi marcante o desenvolvimento de nova metodologia de análise, na medida em que foi incorporada formalmente pelo setor elétrico, passando a fazer parte de seus manuais de orientação para a realização deste tipo de estudo, segundo critérios padronizados e requeridos para a aprovação de novas concessões. Com a privatização do setor, em andamento, provavelmente esta metodologia será revisada, mas é de se esperar que a atuação do Estado continue a prevalecer na definição de critérios básicos, através dos mecanismos
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Preservação das torres da antiga igreja, atingida pela formação do lago da UHE Itá (SC). Acervo: Foto Gabiatti, Itá, 2001.
de regulação do setor elétrico, sob a responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Mais do que isto, ainda do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, a construção de obras de grande porte promove a definitiva consolidação da engenharia de barragens nos dois Estados onde estão sendo implantadas, fomentando o interesse e a fixação de capacitação técnica a ser aproveitada em outros setores do desenvolvimento socioeconômico. Não obstante, ficou patente que as obras públicas de grande repercussão e impacto, por mais econômicas e atraentes que sejam, devem ter sua viabilidade sociopolítica e ambiental claramente demonstrada no momento de tomada de decisões cruciais. O envolvimento participativo do público atingido é indispensável, mas o País ainda tem um longo aprendizado desta prática, de modo a criar foros formais de discussão construtiva e de tomada de decisão fundamentada em critérios amplamente aceitos a priori. É bom notar que o procedimento de audiências públicas, previsto na legislação ambiental, é pouco eficaz, carecendo também de aprimoramento, uma vez que não têm caráter decisório e se realizam em geral em fases demasiadamente adiantadas do empreendimento, dificultando alterações de concepção, porventura suscitadas. A população interessada deve ser informada também das conseqüências da não construção de uma obra, coisa que leva, em geral a uma ampliação extraordinária do público a ser envolvido, visto que, em se tratando da produção de energia, os benefícios se estendem por um território muitas vezes superior ao da região que deve suportar os impactos. Medidas mitigadoras e compensadoras devem ser negociadas antecipadamente e registradas formalmente, como meio de quantificálas, e executadas em escala regional, antes ou no máximo durante a própria implantação das obras. É de capital importância assegurar o fluxo de recursos financeiros que permita ao empreendedor dar cabo dos compromissos firmados nas negociações. Do ponto de vista regional, a produção de energia deve propiciar a internalização de benefícios expressivos, a começar pela participação direta no resultado financeiro, a título de compensação aos municípios e aos Estados, medida que vem sendo praticada desde 1991, por força da regulamentação de dispositivo constitucional assegurador deste direito.
Do ponto de vista dos atingidos, é absolutamente necessário que as populações, em especial quando forçadas ao deslocamento, sejam indenizadas e compensadas de modo que possam continuar a viver, no mínimo nas mesmas condições anteriores, ou se possível, em melhores condições. É importante que percebam a oportunidade para negociar e alcançar tais melhorias. Esta possibilidade passará a ser menos provável num ambiente agora privatizado, exigindo maior esforço dos empreendedores para encontrar as formas que conduzam à viabilidade social e ambiental dos novos empreendimentos. Do ponto de vista ambiental, é importante que as obras sejam cercadas dos devidos cuidados, em primeiro lugar para que não causem maiores impactos que os previstos. Portanto, é necessário que os estudos sejam abrangentes e realizados com as melhores informações e técnicas disponíveis, observando os princípios da prevenção e da precaução, propostos na carta de princípios resultante da Conferência Rio 92, para a promoção do desenvolvimento sustentável. O papel do governo, idealmente considerado e razoavelmente aceito, seria o de mobilizar e organizar as forças vivas do País para a satisfação das necessidades e objetivos da sociedade. De outro lado, o uso racional dos recursos naturais, com uma alocação equânime de ônus e benefícios à sociedade como um todo, requer uma habilidade muito especial, se é que isto é de todo possível, para que ao menos essas necessidades e objetivos possam ser traduzidos em critérios e objetivos de engenharia na concepção de grandes obras de interesse público. Na realidade, a percepção da sociedade quanto às suas prioridades em geral está mesclada com, ou mesmo escondida sob, vários anseios e ansiedades gerados pela própria dinâmica social, nem sempre compreendida a tempo, no âmbito e na escala desejados. A necessidade de entendimento entre os agentes de governo, formuladores de políticas públicas, e os técnicos tornou-se bastante evidente após as experiências vividas durante o regime de governo autoritário, quando muitas decisões de grande alcance resultaram de uma concepção tecnocrática do papel do governo. Atualmente seria impensável iniciar um projeto com a magnitude do Projeto Uruguai sem abrir espaços para o envolvimento e o julgamento do público nas etapas decisivas. Por outro lado, finalmente, seria também impensável restringir a possibilidade de aproveitar recursos naturais de grande potencial multiplicador do bem-estar social, como é o caso da
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hidreletricidade, apenas pela incapacidade de desenvolver alternativas que possibilitassem o uso sustentável do recurso, conciliando a ampla gama de interesses da sociedade, desde a conservação do ambiente até a busca de melhores condições de vida. A importância do Projeto Uruguai pode ser assim inferida, mas é evidente que a sua verdadeira amplitude terá sempre que ser permanentemente reavaliada, para fazer com que os resultados sejam, sempre, globalmente positivos.
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Estudos do trecho internacional da bacia do rio Uruguai O aproveitamento dos recursos hídricos do trecho do rio Uruguai, limítrofe entre o Brasil e a Argentina, reconhecido de interesse mútuo, resultou em convênio assinado por seus órgãos competentes, a Eletrobrás e a Agua y Energía Eléctrica (AYE), em março de 1972. Este convênio se destinava à realização de estudos do potencial hidrelétrico e da possibilidade de promover múltiplo aproveitamento das águas do trecho compartilhado. Os estudos realizados cobriram o trecho de 725 km entre a foz do rio Quaraí (fronteira entre o Brasil e o Uruguai) e a foz do rio Peperi– Guaçu, permitindo, em 1974, definir um esquema de aproveitamento mediante a construção de três usinas: São Pedro, cerca de 18 km a montante da foz do rio Quaraí, com 370 MW; Garabi, logo a montante, com 800 MW; e Roncador, mais a montante, com 1.000 MW. Além das análises relativas ao aproveitamento do potencial hidrelétrico, os estudos compreenderam avaliações relativas à navegação e outros usos da água. Os estudos de navegação indicaram a possibilidade e a vantagem de dotar a barragem de São Pedro com eclusas, visando a garantir a continuidade da navegação a montante da barragem de Salto
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Trata-se do aproveitamento binacional de Salto Grande, construído nos anos 1960 e 1970. Além destas, o plano previa a construção de reservatórios de regularização no trecho mais alto dos rios Canoas e Chapecozinho, totalizando, portanto, 22 novas barragens. 3 Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. 4 Como é o caso da Barragem do Castanhão, no Estado do Ceará, destinada ao suprimento d’água para fins agrícolas, industriais e domésticos. 5 Em 14 março de 1997 o MAB organizou uma reunião internacional em Curitiba e lançou o Dia Internacional do Movimento contra a Construção de Barragens. 6 World Commission on Dams, 2000. 2
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Grande, já construída no trecho internacional entre o Uruguai e a Argentina, abrindo, assim, para amplas regiões produtoras brasileiras e argentinas os portos marítimos do estuário do Prata e o acesso a Porto Alegre, através da interligação Ibicuí-Jacuí, há muito prevista nos planos hidroviários brasileiros. Em 1980 concluiu-se, em Buenos Aires, o “Tratado para o Aproveitamento dos Recursos Hídricos Compartilhados dos Tr e c h o s L i m í t r o f e s d o R i o Uruguai” e de seu afluente, o rio Peperi-Guaçu, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina, subseqüentemente aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro, pelo Decreto Legislativo nº 82, de 1982, e promulgado pelo Presidente da República, pelo Decreto nº 88.441, de 29 de junho de 1983. Os estudos de Garabi tiveram prosseguimento por toda a década de 1980, concluindo-se um projeto básico e grande parte dos documentos de licitação para a implantação das obras, até que os dois países, já levados pela necessidade de promover mudanças nos respectivos modelos institucionais dos seus setores elétricos, decidiram suspender as iniciativas e os estudos de implantação, manifestando a intenção de delegá-los, oportunamente, à iniciativa privada.
Vista aérea da Hidrelétrica Itá, 2001. Acervo: Tractebel.
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Itaipu: um megaprojeto C L Á U D I O J O S É D A L L A B E N E T TA
Construção da Hidrelétrica de Itaipu, década de 70. Acervo Itaipu Binacional (PR).
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Em 1962, quando o governo João Goulart solicitou estudos ao escritório do engenheiro Octávio Marcondes Ferraz para o aproveitamento hidrelétrico de Sete Quedas, o Paraguai protestou. A demarcação de fronteiras entre o Brasil e o Paraguai, realizada em 1872, após a Guerra da Tríplice Aliança, deixara dúvidas sobre a qual dos dois países pertencia o Salto de Sete Quedas ou Salto del Guairá, como é chamado no Paraguai. O documento, em português e em espanhol, definia que o território brasileiro, na fronteira com o Paraguai, ia “até” (ou hasta) o Salto de Sete Quedas. Para o Salto ser brasileiro, os paraguaios entendiam faltar o “inclusive”. A proposta de Marcondes Ferraz previa uma usina com capacidade de 10 mil megawatts, para produzir 67 milhões de megawatts-hora por ano, o que representava, na época, três vezes o consumo do Brasil.
Montagem de turbina na UHE de Itaipu. Acervo: Assessoria de Comunicação Social da Itaipu Binacional.
Este não era o primeiro estudo para aproveitamento do Salto de Sete Quedas. Desde o começo do século XX houve outros, mas nenhum passou da etapa preliminar. Nem o de Marcondes Ferraz. Neste último caso, devido à alegação paraguaia de que a fronteira do Brasil ia “até” Sete Quedas ou Guairá, mas não incluía o próprio Salto. Como no Brasil sempre se considerara Sete Quedas como integrante do território brasileiro, houve surpresa com a reação paraguaia. O litígio estava instalado. Em 1964 o presidente João Goulart sentou-se à mesa para negociar com o presidente paraguaio, general Alfredo Stroessner. Mas, naquele mesmo ano, Goulart foi derrubado e o governo militar apressou-se em mandar tropas para a zona em litígio, o que levou o Paraguai a pedir o apoio de outros países. Em 1966 o chanceler brasileiro Juracy Magalhães apresentou ao seu colega paraguaio, Raúl Sapena Pastor, a proposta de construir uma usina binacional cujo reservatório deixaria debaixo d’água a zona em litígio. A proposta foi aceita. Com isso, o Brasil retirou o pequeno destacamento militar, e os dois países assinaram a Ata do Iguaçu, na qual ambos concordavam em dividir igualmente “[...] a energia elétrica eventualmente produzida pelos desníveis do Rio Paraná, desde e inclusive o Salto Del Guairá ou Salto de Sete Quedas até a boca do Rio Iguaçu”. Em 1967 foi criada a Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia, que concluiu pela contratação de consultores internacionais para os estudos sobre a usina, escolhendo o consórcio formado pela Internacional Engineering Company (IECO), dos Estados Unidos, e a Electroconsult (ELC), da Itália. Brasil e Paraguai assinaram o Tratado de Itaipu em 26 de abril de 1973. O documento previa a construção da usina no Rio Paraná e a criação de uma empresa binacional para administrar as obras e, futuramente, gerenciar a produção e a comercialização de energia. Em 17 de maio de 1974 foi constituída a entidade Itaipu Binacional e, um ano depois, tiveram início as obras. Itaipu despertou reações na Argentina, que na época disputava com o Brasil o controle geopolítico da América do Sul. Com a usina hidrelétrica em comum, o Brasil queria estreitar os laços com o Paraguai e reduzir a influência da Argentina. Assim, os argentinos tentaram impedir a construção de Itaipu, alegando que a navegação no Rio
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Paraná, em território argentino, poderia ser prejudicada ou controlada pelo Brasil. Os paraguaios se aproveitaram da rivalidade entre os vizinhos para negociar com os argentinos a construção das usinas Yacyretá e Corpus, também no Rio Paraná. O projeto de Corpus preocupou os técnicos brasileiros: se sua cota fosse muito elevada, o remanso das águas do reservatório poderia reduzir o desnível aproveitado por Itaipu e, em conseqüência, a sua capacidade de produção. Só em 1979, quatro anos depois que as obras de Itaipu tinham começado, é que Brasil, Paraguai e Argentina assinaram o Acordo Tripartite, que compatibilizava as hidrelétricas de Itaipu e Corpus, no trecho internacional do Rio Paraná.
Uma obra monumental A Usina de Itaipu foi um desafio que chegou no momento certo para uma geração de engenheiros e técnicos brasileiros, após várias iniciativas bem-sucedidas na construção de outras hidrelétricas. No domínio da construção civil, Itaipu atingiu um índice de nacionalização de 100%, considerando o parceiro brasileiro. As obras civis foram executadas por dois consórcios, um formado por cinco empresas brasileiras e outro por seis firmas do país vizinho. Na área de fabricação e montagem dos equipamentos, o índice de nacionalização nunca foi inferior a 85%. As unidades geradoras (turbinas e geradores) foram adquiridas de um consórcio de seis empresas brasileiras, seis européias e uma paraguaia. Para a montagem dos equipamentos permanentes, foi contratado um consórcio que reunia oito firmas brasileiras e uma paraguaia. Com isso, Itaipu transferiu para o Paraguai considerável acervo de tecnologia, enquanto no Brasil provocou um avanço tecnológico muito grande na área de construção de barragens e de montagem de equipamentos de toda a ordem. A Hidrelétrica de Itaipu foi construída em Foz do Iguaçu, no lado brasileiro, e em Hernandarias, no Paraguai. Está localizada no médio rio Paraná, a cerca de dez quilômetros a montante da sua confluência com o rio Iguaçu. O aproveitamento hidrelétrico consiste num conjunto de barragens
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Itaipu, detalhe da construção da barragem. Acervo: Itaipu Binacional.
Itaipu em construção. Acervo: Itaipu Binacional.
de diferentes tipos, com altura máxima de 196 metros, cuja crista se prolonga por oito km, numa cota de elevação de 225 metros sobre o nível do mar. O reservatório se estende por 170 km, desde a barragem até a cidade de Guairá onde, antes, se situava Sete Quedas, e possui uma área de 1.350 km². Quando cheio, o reservatório armazena 29 bilhões de metros cúbicos de água. A potência instalada é de 12.600 MW, representada por um conjunto de 18 unidades geradoras, nove em 50 Hz e nove em 60 Hz. Em 2004, com a conclusão das obras de instalação de mais duas unidades geradoras, a capacidade instalada da usina passará para 14.000 MW. Para permitir a construção da barragem principal da usina, o rio Paraná foi desviado para um canal na margem esquerda, com aproximadamente dois km de comprimento. Este canal foi aberto em 32 meses. Os estudos hidrológicos feitos na fase do projeto calcularam que a enchente máxima, na área de Itaipu, atingiria uma vazão de 62.200 metros cúbicos por segundo, o que deu origem à construção de um dos maiores vertedouros do mundo. A barragem principal de Itaipu utiliza o tipo gravidade aliviada, com duas células de contrafortes, coroadas por um bloco monolítico de 34 m de largura. As barragens laterais são de gravidade, em contraforte. Foram também construídas barragens de terra em ambas as margens, e na margem esquerda uma barragem de enrocamento. As unidades geradoras eram as mais avançadas tecnologicamente na época do projeto. Os geradores foram projetados com o seu resfriamento estatórico a água, tecnologia até então pouco usual. O sistema de transmissão utilizou tecnologia inédita no mundo. Em território brasileiro optou-se pela corrente alternada 60 Hz, na tensão de 765 kV, e em +/- 600 kV, corrente contínua. De 5 de maio de 1984, quando sua primeira unidade geradora entrou em operação, até 7 de junho de 2001, Itaipu completou a produção acumulada de 1 bilhão de megawatts-hora (MWh), energia suficiente para suprir o consumo de energia elétrica de todo o planeta por 29 dias. A Itaipu é considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno, conforme pesquisa da Sociedade Americana de Engenharia Civil. O orçamento anual de Itaipu atinge aproximadamente US$ 2,2 bilhões. Esses recursos são utilizados para pagar suas despesas de custeio – o que inclui o pagamento de royalties ao Brasil e ao Paraguai, e as
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dívidas junto à Eletrobrás pelos empréstimos e financiamentos para a sua implantação. A entidade mantém 3.300 empregados, dos quais cerca de 1.500 no lado brasileiro e 1.800 na margem paraguaia, que trabalham na usina e nos escritórios em Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, na região de fronteira; em Curitiba (PR); e em Assunção (Paraguai). E ainda, em pequeno número, no escritório de representação que mantém em Brasília (DF).
Meio ambiente Itaipu foi projetada numa época em que a preocupação ambiental, no Brasil, estava ainda em seus primórdios. Mesmo assim, já em 1975, três anos antes de formar o reservatório, Itaipu implementava as ações previstas em seu Plano Básico para a Conservação do Meio Ambiente. Desde os primeiros monitoramentos, inventários e ações para atenuar os impactos ambientais causados pela criação do reservatório, a empresa vem mantendo sob controle todo o reservatório e sua faixa de proteção, o que inclui cuidados com a água, a flora, a fauna e com a questão sanitária das populações da área de influência do Lago de Itaipu. A qualidade da água – primeiro do rio, depois do reservatório – foi monitorada de forma praticamente ininterrupta, desde 1977. Com o cuidado permanente, a água do reservatório encontra-se dentro dos limites aceitos para os mais diversos usos. O Decreto federal nº 83.225, de 1º de março de 1979, delimitou as áreas de terra necessárias à formação do reservatório e incluiu uma faixa adicional, na margem brasileira, considerada de preservação permanente. A margem paraguaia também é protegida pela legislação daquele país. Além dessa faixa de proteção, que se estende por 2.919 km, em ambas as margens, com largura média de 200 metros, também foram criadas reservas e refúgios biológicos, que totalizam cerca de 100 mil hectares de áreas protegidas. Na margem brasileira, onde a vegetação nativa já havia sido completamente alterada em função do processo de colonização do oeste paranaense, a faixa de proteção foi reflorestada com o plantio, até 2001, de aproximadamente 19 bilhões de mudas de espécies variadas.
Vista aérea da megabarragem de Itaipu. Acervo: Itaipu Binacional.
UHE Itaipu - detalhe da barragem. Foto: Sílvio Coelho dos Santos.
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O primeiro inventário dos animais existentes na área que seria posteriormente inundada começou em 1977. Durante o enchimento, foram resgatados cerca de 30 mil animais, que foram soltos nas reservas e refúgios biológicos. Espécies raras ou ameaçadas de extinção são reproduzidas em criadouros, em ambas as margens.
Desapropriações e relocações Para garantir a área necessária ao reservatório, que soma 1.350 quilômetros quadrados, foram desapropriadas 8.519 propriedades, sendo 6.913 rurais e 1.606 urbanas, onde moravam cerca de 40 mil pessoas. Das áreas desapropriadas, apenas 16 foram adquiridas judicialmente. O valor total das indenizações chegou a 208,6 milhões de dólares. Itaipu acompanhou o fluxo migratório dos expropriados. Este trabalho mostrou que cerca de 86% deles ficaram no Paraná, enquanto cerca de 9% foram para o Mato Grosso do Sul. Veja no quadro abaixo o destino dessas pessoas: Paraná Rio Grande do Sul Santa Catarina São Paulo Mato Grosso do Sul Minas Gerais Bahia Pará Rondônia Amazonas Paraguai
86,29% 0,76% 1,16% 0,18% 8,89% 0,09% 0,35% 0,31% 0,76% 0,18% 1,03%
Além das desapropriações, Itaipu teve que reassentar cerca de quatro mil pequenos proprietários, arrendatários e posseiros. Em conjunto com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), esses agricultores foram relocados para áreas no Paraná, na Bahia e no Acre, de acordo com a escolha que fizeram, depois de conhecer os projetos de assentamentos existentes.
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Indígenas Avá-Guarani atingidos pela formação do lago de Itaipu, assentados na área do Ocoí, São Miguel do Iguaçu (PR). Foto: Sílvio Coelho dos Santos, 1994.
Mulheres e crianças Avá-Guarani acampadas reivindicando novo reassentamento. Refúgio Biológico Bela Vista, da Itaipu, Foz do Iguaçu (PR). Foto: Cátia Weber, 1995.
Para assentamentos do Paraná foram relocadas 401 famílias, num total de 2.390 pessoas, em glebas nos municípios de Arapoti, São José da Boa Vista e Toledo. Na Bahia, 72 famílias (399 pessoas) foram reassentadas no projeto Serra do Ramalho, em Bom Jesus da Lapa. Em projetos localizados em Pedro Peixoto, Humaitá e Boa Esperança, no Acre, foram reassentadas 191 famílias, num total de 1.193 pessoas. Para relocar os agricultores Itaipu utilizou 136 ônibus e 219 caminhões. Além das propriedades rurais e urbanas, Itaipu indenizou ainda 42 templos religiosos e 95 escolas, além de cemitérios. Os restos mortais de 1.090 pessoas tiveram que ser transladados dos cemitérios atingidos para outros, situados nos mesmos municípios de origem. Vale ressaltar, contudo, que o processo de desapropriação das famílias rurais das áreas requisitadas para a instalação de Itaipu, iniciado em 1977, provocou a reação organizada dos agricultores, dando origem ao “Movimento Justiça e Terra”. Esse Movimento, iniciado em 1978, sobretudo através da mediação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de garantir o atendimento de algumas das reivindicações dos agricultores, serviu de exemplo a outras populações locais atingidas pela implantação de hidrelétricas, de modo especial os agricultores da bacia do rio Uruguai. Itaipu teve também que resolver o problema de uma comunidade indígena que ocupava uma área do futuro reservatório. Às margens do rio Paraná, na foz do rio Ocoí, um agrupamento indígena vivia da pesca, agricultura e de pequenos serviços nas propriedades vizinhas. Eram 19 famílias do grupo Avá-Guarani, que ocupavam uma área de 30 hectares. Itaipu procurou a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que cadastrou os índios, iniciando-se um longo processo para atingir a relocação. Depois de muitas negociações, os indígenas foram reassentados numa área à beira do lago, de aproximadamente 250 hectares. A comunidade indígena, no entanto, considerou a área muito pequena e iniciou uma intensa e sistemática campanha reivindicatória para obter uma área maior. Só em 7 de março de 1997 houve uma solução aceitável. Itaipu adquiriu uma nova área, de 1.744 hectares, e ali foram reassentados, pela Funai, cerca de 300 índios. Esta experiência continua a ser monitorada por técnicos da Itaipu, da Funai e da Prefeitura de Diamante do Oeste.
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Perspectivas Itaipu paga ao Brasil e ao Paraguai royalties em proporção à energia gerada, como forma de compensação pelas terras inundadas na formação do reservatório. Esse tipo de benefício foi inovador na legislação do Brasil e do Paraguai. De 1985 até 2023, ano em que poderão ser renegociados alguns aspectos do Tratado, o montante total previsto para o pagamento de royalties a ambos os países se situará próximo a US$ 11 bilhões, valor equivalente ao investimento direto feito no empreendimento. Itaipu continuará sendo fundamental para o Brasil e para o Paraguai ao longo dos próximos dez anos, mesmo perdendo importância relativa no mercado de energia brasileiro. O atual diretor técnico executivo da Itaipu, Altino Ventura Filho, calcula que a participação da usina no mercado brasileiro, que hoje é de 25%, ainda será de aproximadamente 16% em 2010. Nos últimos cinco anos, até 2000, a produção de Itaipu se manteve em torno de 90 milhões de megawatts-hora/ano. Com a entrada em operação de mais duas unidades geradoras de 700 megawatts cada uma, a partir de 2004, a produção média poderá chegar a 95 milhões de megawatts-hora/ano. As novas unidades permitirão também alterar o contrato de Itaipu com os mercados brasileiro e paraguaio, que se baseia na demanda dos dois países. Pelo contrato a usina deve gerar 10.787 megawatts médios. Em 2004 serão mais 1.400 megawatts médios, que representam o atendimento a uma cidade de quase quatro milhões de habitantes. O aumento na produção de Itaipu será possível também com o fim das limitações na transmissão. A troca de energia entre o Sul e o Sudeste passará a ser feita por novas linhas, como a Bateias-Ibiúna (entre Curitiba e São Paulo), liberando as linhas de Furnas para o transporte exclusivo da energia de Itaipu. Quando se fala em aumento de produção, a hidrologia é a grande variável a ser considerada. O histórico das vazões, no entanto, permite prever que, além de ampliar sua geração do patamar de 90 milhões de MWh para 95 milhões de MWh, em anos excepcionais a usina poderá passar dos 100 milhões de megawatts-hora. “Chegaremos à casa dos três dígitos”, afirma o diretor técnico executivo da Itaipu. Além de sua importância no mercado de energia, Itaipu é também
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Com capacidade instalada de 12.600 megawatts (MW), Itaipu produziu no ano 2000 cerca de 93,4 milhões de megawattshora (MWh), energia suficiente para abastecer um quarto do mercado de energia elétrica do Brasil e 89% do consumo paraguaio. Este ano foi iniciada a instalação de mais duas unidades geradoras, que aumentarão o total para 20 unidades. Com elas, a capacidade instalada da usina passará para 14.000 MW, em 2004. O investimento nas novas unidades equivale a cerca de US$ 200 milhões. Com apenas uma das 18 unidades geradoras atuais seria possível abastecer uma cidade com 1,5 milhão de habitantes, como Curitiba, por exemplo. Os Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul poderiam ser abastecidos, ao mesmo tempo, por 12 unidades.
uma das mais importantes atrações turísticas do Brasil. Desde 1977, quando foi aberta à visitação pública, ainda na fase de obras, a usina de Itaipu foi visitada, até o final de 2001, por mais de 11 milhões de pessoas de 165 países. Em média, 1.500 turistas visitam a usina, diariamente. A maior parte (75%) das visitas é feita pelo lado brasileiro da usina. Na margem brasileira, o maior número de visitantes de Itaipu, depois de brasileiros e argentinos, tem como origem a Alemanha (mais de 200 mil de 1977 até 2001); a Espanha (150 mil); os Estados Unidos (120 mil); a França, a Itália, o Japão e o Uruguai (de cada um desses países Itaipu recebeu cerca de 90 mil turistas). Ainda pelo lado brasileiro, visitaram a usina 70 mil chilenos e 60 mil suíços, entre outros. Desde o ano 2000, além da usina, foi oferecida ao visitante a opção de conhecer também o Ecomuseu de Itaipu, que mantém em seu acervo exemplares da fauna e da flora regionais, documentos históricos do Oeste do Paraná e materiais utilizados pelos antigos povos que habitavam a região. O turista que vem a Foz do Iguaçu pode, numa mesma viagem, conhecer uma das maravilhas da natureza – as Cataratas do Iguaçu –, e uma das sete maravilhas construídas pelo homem moderno – Itaipu.
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CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL – MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. 500 anos - Energia Elétrica no Brasil. Rio de Janeiro, 2000. COTRIM, John Reginald. Notas sobre os antecedentes da criação de Itaipu Binacional. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil – Memória da Eletricidade, 1999. Colaboração de Paulo Azevedo Romano. DEBERNARDI, Enzo. Apuntes para la Historia Política de Itaipu. Paraguai: Continua, 1996. MONTEIRO, Nilson. Itaipu: a luz. 2. ed. Curitiba: Itaipu Binacional, 2000. SCHWAB, Marcos Antônio; SILVEIRA, José Ricardo; MARENDA, Luiz Dalmi. Itaipu – Um empreendimento binacional de sucesso. In: CONGRESSO SOBRE APROVEITAMENTO E GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS EM PAÍSES DE IDIOMA PORTUGUÊS, 1., 2000, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2000.
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50 Hz ou 60 Hz? Uma decisão geopolítica, em detrimento de maior vantagem técnico-econômica A produção, a transmissão e a utilização da energia elétrica são tradicionalmente feitas em corrente alternada à freqüência de 50 ou 60 Hz (Hertz ou ciclos por segundos). A maioria dos países das Américas adotou sistemas elétricos em 60 Hz, com p o u c a s e x c e ç õ e s c o m o Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia e Guiana Francesa, que adotaram sistemas em 50 Hz, seguindo a maioria dos países europeus. No Brasil, a ausência de uma política para o Setor Elétrico até os anos 1960 permitiu que os Estados de Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tivessem sistemas em 50 Hz, enquanto o resto do País, em 60 Hz, operando isolamente. Embora não haja qualquer vantagem a favor de um ou outro, os sistemas que operam a diferentes freqüências não podem ser interligados diretamente, tendo sido esta a principal razão pela qual o governo federal decidiu, em 1964 (Lei nº 4.454, de novembro de 1964), uniformizar a freqüência de todos os sistemas que operavam isoladamente em 50 ou 60 Hz, adotando esta última como padrão para todo o País. Esta medida permitiu uma rápida expansão das interconexões entre usinas geradoras e sistemas de transmissão e distribuição, com grandes vantagens técnicas e econômicas para o desenvolvimento do País. Embora parecesse muito distante, irreal mesmo, uma possível interconexão com os países vizinhos, a opção brasileira
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por 60 Hz revelou-se, mais tarde, desvantajosa, sob este aspecto, na medida em que avançavam as negociações com o Paraguai, a partir de 1966, com vistas à construção de Itaipu, no rio Paraná, e com a Argentina, a partir de 1978, com vistas ao desenvolvimento do projeto de Garabi, no rio Uruguai. A história de Itaipu registra episódios de tensão nas relações diplomáticas entre os dois países empreendedores, pois era preciso decidir como seria produzida e transformada a imensa quantidade de energia daquela usina, que seria a maior do mundo, a ser compartilhada igualmente pelos dois países. Ao Brasil, comprador preferencial da energia que não fosse consumida pelo Paraguai, interessava que a usina fosse projetada para produzir somente em 60 Hz, já que seria a solução menos onerosa, ainda que fosse necessário converter todo o sistema paraguaio de 50 Hz para 60 Hz. Mas o Paraguai, que estudava paralelamente a construção de outras usinas – Corpus e Yaciretá – com a Argentina, viu-se pressionado a resistir, inclusive pela oposição interna ao governo, que via o risco de um indesejável incômodo que a medida causaria aos consumidores, além de um inaceitável atrelamento imposto pelo interesse do Brasil. Tal resistência, que provocou a impaciência do governo brasileiro, prolongou-se por vários meses além do prazo que o governo paraguaio havia
anunciado para a tomada da decisão final, ao ponto de ameaçar atrasos no cronograma das obras, que, já em 1977, prosseguiam rapidamente. Nas palavras de Enzo Debernardi, Diretor Geral paraguaio da entidade Itaipu Binacional e um dos principais interlocutores no governo paraguaio, enquanto o Brasil se preocupava com a questão sob a ótica técnico-econômica, o Paraguai se via obrigado a levar em conta muitos outros fatores. A opção de manter seu sistema em 50 Hz significaria, indireta mas muito claramente, a outorga de uma vantagem à Argentina, tanto sob a forma de facilidades de colocação de seus produtos industriais no mercado paraguaio, quanto para a construção de Yaciretá e Corpus, assim como para a interconexão elétrica entre os dois países. Além disto, sob o ponto de vista geopolítico, tão em voga naquela época, esta opção daria a entender uma inclinação, quase uma aliança, para com a Argentina e uma conseqüente derrota diplomática para o Brasil, tanto mais grave porque ambos os países se defrontavam com uma divergência manifesta. Era difícil saber, afirma ele, se a Argentina consideraria, valorizaria e agradeceria esse gesto e em que medida. Mas, por outro lado, a opção de mudar a freqüencia do País para 60 Hz seria interpretada pela Argentina no sentido desfavorável, de tal modo que as antes mencionadas vantagens se tornariam desvantagens. “Quienquiera que se inclinara hacia la frecuencia de 60 Hertz se
arriesgaba a ser violentamente acusado de entreguista al Brasil, casi como si fuese um traidor a la patria. Curiosamente, no se opinaba lo mismo respecto de los 50 Hertz y la Argentina.” Finalmente, em 10 de dezembro de 1977, quase dois anos após o início das negociações, em decisão pessoal do presidente Ernesto Geisel, que parece ter se constituído em um dos mais infelizes episódios para a diplomacia brasileira, o Brasil comunicou ao Paraguai que adotaria a solução que parecia mais adequada, consideradas as circunstâncias, ou seja, a metade dos 18 geradores em 60 Hz e a outra metade em 50 Hz, que correspondia à alternativa indicada pelo governo paraguaio. Desta forma o Brasil seria obrigado a adquirir a energia paraguaia em 50 Hz e convertê-la para 60 Hz, o que engendrou um sistema de alta tecnologia para a época. A solução final consistiu num sistema em que a energia a ser adquirida do Paraguai, em corrente alternada de 50 Hz, seria convertida para corrente contínua, numa estação conversora a ser construída em Foz do Iguaçu, no lado brasileiro, e assim transmitida a Tijuco Preto em São Paulo, onde seria reconvertida em corrente alternada em 60 Hz e distribuída ao sistema brasileiro. Esta configuração, que opera desde 1984, sem maiores problemas, custou ao Brasil um montante muitas vezes superior ao que teria custado a conversão de todo o sistema paraguaio para 60 Hz. (Gilberto Valente Canali)
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A CEEE e sua trajetória histórica L UIS A IRTON F ERRET
N Hidrelétrica Bugres, que entrou em operação em 1952, em São Francisco de Paula (RS). Foto: Beto Negrão. Acervo: CEEE.
No Rio Grande do Sul, quando foi criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE), em 1943, somente os centros urbanos mais desenvolvidos contavam com serviços públicos de energia elétrica de padrão técnico aceitável. Com a criação da CEEE o governo objetivava planejar e explorar os potenciais hidrelétricos em conexão com as reservas carboníferas e integrar os esforços para a eletrificação dos municípios. Para tanto, estabeleceu o Plano de Eletrificação do Rio Grande do Sul, cuja execução foi projetada em três etapas. Quando a CEEE iniciou suas atividades a capacidade instalada em todo o Rio Grande do Sul era de 70.000 kW, dos quais 24.600 kW encontravam-se instalados na Usina do Gasômetro, localizada em Porto Alegre, e atendiam aos municípios de Porto Alegre e Canoas. Inicialmente subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios de Obras Públicas, no decorrer dos anos a CEEE passou por várias mudanças. Em 1952 foi transformada em autarquia e assim continuou até 1963, quando se tornou uma Sociedade de Economia Mista, com a designação de Companhia Estadual de Energia Elétrica, conservando a sigla CEEE. A partir de então passou a controlar os serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no Estado do Rio Grande do Sul até 1997, quando sofreu nova reestruturação societária e patrimonial, mantendo as atividades dos segmentos de geração hidrelétrica e transmissão (rede básica) e a distribuição na região sulsudeste do Estado do Rio Grande do Sul. O Plano de Eletrificação do Estado, aprovado pelo governo federal
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em 1945, em caráter pioneiro em todo o País, previa o fornecimento de energia elétrica à base do preço de custo e com tarifa uniforme em todo o território do Rio Grande do Sul. A falta de recursos técnicos e financeiros iniciais e a grande deficiência de energia então constatada em todas as regiões do Estado evidenciaram a necessidade de priorizar as obras de construção mais simples e rápidas, que integraram uma primeira etapa do Plano. Ficariam para uma segunda etapa as obras de portes médio e grande, adequadas às necessidades do Estado para um período mais dilatado e, paralelamente, à formação e ampliação de um corpo administrativo e técnico especializado. Outras etapas seriam lançadas de acordo com as exigências do mercado de energia, e na medida em que não houvesse limitações de ordem financeira. A primeira etapa do Plano de Eletrificação previa um acréscimo de cerca de 40.000 kW, ou seja, 60% da capacidade até então existente em todo o Estado, potência esta que seria instalada entre 1946 e 1954. Este acréscimo de 40.000 kW foi distribuído em 16 pequenas usinas, das quais as maiores foram a hidrelétrica de Bugres, com 11.000 kW, a primeira etapa da termelétrica de São Jerônimo, com 10.000 kW, e a diesel elétrica de Porto Alegre, com 7.000 kW. Em setembro de 1948 entrava em operação a primeira usina inteiramente projetada e construída pela CEEE, a hidrelétrica de Passo do Inferno, de 1.500 kW, destinada a reforçar o fornecimento de energia às áreas industriais de São Leopoldo e Caxias. A Usina diesel-elétrica de Porto Alegre foi instalada em 1949 e destinava-se a reforçar o sistema da capital e de Canoas, onde era concessionária a Companhia Energia Elétrica Rio Grandense (CEERG), subsidiária da American & Foreign Power Co. (Amforp). Além das obras acima, que obedeciam à planificação geral inicial, durante a primeira etapa do Plano de Eletrificação a CEEE providenciou a instalação de aproximadamente 10.000 kW em usinas diesel de emergência, a fim de reforçar o fornecimento de energia elétrica em vários pontos do Estado, atendidos por particulares ou pelas prefeituras. Apesar de a CEEE ter sido criada para resolver em especial a deficiência de energia no interior do Estado, em 1953 teve que antecipar obras para socorrer a capital, onde foi implantada a subestação da Vila IAPI, através da qual a CEERG passou a receber energia fornecida pela CEEE. Com as realizações da primeira etapa do Plano de Eletrificação foi
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Hidrelétrica Passo do Inferno, inaugurada em 1948, em São Francisco de Paula (RS). Foto: Luiz Antonio Ferreira. Acervo: CEEE.
possível cobrir grande parte da região norte do Estado, através de linhas de curta extensão e com menores exigências técnicas e financeiras. Assim, desenvolveram-se de modo uniforme mercados regionais, que mais tarde justificaram, por sua importância, serem atendidos por linhas de transmissão mais longas. Paralelamente a esse trabalho pioneiro, a CEEE iniciou um programa de encampações dos serviços de energia elétrica existentes nas áreas atendidas pela primeira etapa, a fim de melhorar e ampliar as respectivas instalações. Com esta finalidade e em obediência à legislação federal específica sobre a matéria, a CEEE procedeu ao tombamento dos bens patrimoniais dos serviços de eletricidade, tanto particulares, quanto das prefeituras. A seguir, sempre dentro dos limites dos recursos financeiros disponíveis e na medida em que os próprios concessionários pleiteavam a transferência dos seus serviços à CEEE, a comissão procurou ultimar as encampações, cuidando dos casos de maior urgência e mais próximos dos locais onde já operava. A princípio houve necessidade de extenso trabalho de divulgação. Essa tarefa buscava a compreensão dos concessionários e dos usuários para o problema dos tombamentos que iam sendo executados, esclarecendo-os sobre o espírito da legislação federal e sobre os propósitos da CEEE de melhorar e ampliar os serviços, e não simplesmente absorvê-los. Ao findar a primeira etapa do Plano de Eletrificação, em 1954, o Rio Grande do Sul contava com cerca de 130.000 kW instalados. Isto representava um acréscimo percentual de 85% em oito anos de construções, ou seja, uma taxa incremental média de 11% ao ano. Do acréscimo de 60.000 kW couberam à CEEE mais de 50.000 kW. Em meados de 1950, antes, portanto, de concluída totalmente a primeira etapa do Plano, a CEEE encaminhou ao governo do Estado ampla justificativa técnica, econômica e financeira para lançamento de sua segunda etapa. Previa-se, nesta nova etapa, a construção de centrais de maior porte que poderiam atender aos mercados através de sistemas de transmissão mais longos, então já economicamente justificáveis. Em sua versão final foi planejado para se elevar em 140% a potência instalada, abrangendo inicialmente um total de 120.000 kW, que foram posteriormente ampliados para 170.000 kW.
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A programação inicial de 120.000 kW estava representada principalmente pelas hidrelétricas do Jacuí e de Canastra e pelas termelétricas de São Jerônimo (complementação) e de Candiota. A UHE do Jacuí, embora projetada para a capacidade final de 150.000 kW, distribuída em seis grupos geradores, contaria na segunda etapa do Plano com apenas dois grupos, totalizando 50.000 kW. Localizada no centro geográfico do Estado, sua energia seria distribuída por um sistema radial de linhas de 138.000 V, de modo a interligar os mercados regionais criados na primeira etapa, trazendo energia inclusive até a região da capital do Estado. Na UHE de Canastra foi instalado, de início, apenas um gerador de 21.000 kW, embora tenha sido projetada para fornecer a potência
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Hidrelétrica Jacuí, instalada no rio homônimo, que entrou em operação em 1962. Foto: Beto Negrão. Acervo: CEEE.
total de 42.000 kW. Localizada a jusante da usina de Bugres, instalada na primeira etapa, a usina de Canastra aproveitaria as mesmas águas daquela usina, e sua energia seria transmitida para a área mais populosa do Rio Grande do Sul, junto à capital. A termelétrica de São Jerônimo, que já na primeira etapa havia sido projetada para ter sua potência duplicada, recebeu mais uma unidade de 10.000 kW, elevando-se assim a sua capacidade para 20.000 kW. Na região sul do Rio Grande a CEEE havia inicialmente planejado aproveitar as jazidas de carvão da localidade de Hulha Negra para instalar uma central termelétrica que complementaria a então planejada central hidrelétrica do Paredão, no rio Camaquã. Entretanto, o governo federal, através do Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF), interessado em eletrificar a estrada de ferro Rio Grande-Bagé-Torquato Severo, tomou a iniciativa de aproveitar a jazida de Candiota, que se mostrou mais conveniente por suas maiores reservas. De comum acordo com o governo federal, a CEEE resolveu, então, ampliar para 20.000 kW a potência prevista para a central de Candiota I, a qual poderia, deste modo, atender não somente aos objetivos do DNEF, como também promover a eletrificação da região sul do Estado. Foi assim que a central de Candiota I, embora iniciativa do governo federal, passou a integrar também a segunda etapa do Plano de Eletrificação. Sua construção, excluídas linhas e subestações, ficou a cargo do DNEF, que recebeu toda a colaboração da CEEE, encarregada da conclusão das obras no último ano e meio de sua construção. Além destas centrais de maior porte, a segunda etapa previa, ainda, a implantação de aproximadamente mais 20.000 kW, distribuídos em pequenas usinas hidro e termelétricas, das quais a mais importante era a hidrelétrica de Ernestina, com 4.000 kW, cujo reservatório regularizaria as descargas de estiagens do rio Jacuí. Apesar de o planejamento inicial desta etapa quase duplicar a potência instalada, e diante das vultosas somas requeridas para concretizar o programa, a CEEE decidiu instalar mais 50.000 kW, no início da década de cinqüenta do século XX, consubstanciados na terceira unidade geradora da central do Jacuí e na segunda unidade geradora da central de Canastra. Com essas iniciativas a capacidade prevista para segunda etapa do Plano de Eletrificação aumentou para 170.000 kW.
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As propostas iniciais relativas à terceira etapa sofreram, entretanto, profundas alterações. Durante a década de cinqüenta as dificuldades para obtenção de recursos financeiros em moeda nacional, tanto em âmbito estadual quanto federal, obrigaram à reformulação do programa original. Como conseqüência, obras importantes como as das centrais de Canastra e a segunda etapa da central Jacuí atrasaram, determinando crises de energia difíceis de serem contornadas. Foi nesta fase que vieram se superpor outras iniciativas no campo da geração de energia elétrica que, levadas adiante sem o controle da CEEE, passaram, no entanto, a influir em seu planejamento. Assim, o então Consórcio Administrador das Empresas de Mineração (Cadem) obteve do governo federal a concessão para implantar, junto à jazida carbonífera de Charqueadas, uma central termelétrica com capacidade inicial de 54.000 kW e final de 72.000 kW, cuja energia seria fornecida à CEEE. Esta central, iniciada em 1956, foi instalada na mesma área da central de São Jerônimo, tornando desaconselhável a prevista ampliação desta última usina, em mais 25.000 kW.
Vista geral e interior da Hidrelétrica Canastra, instalada em Taquara (RS), em 1956. Fotos: Luiz Antonio Ferreira. Acervo: CEEE.
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Entretanto, a mesma falta de recursos que atingira a CEEE e que dificultava o prosseguimento do Plano de Eletrificação também atingiu o Cadem e, em conseqüência, ocorreu um grande atraso na finalização das obras da central de Charqueadas. O governo viu-se, assim, com o problema do prosseguimento simultâneo de duas obras de grande porte, como as de Jacuí e Charqueadas, disputando os exíguos recursos disponíveis na mesma área federal. O rápido crescimento do mercado consumidor de energia fazia prever severo racionamento em todo o Estado, diante da impossibilidade de cumprir os cronogramas das duas obras principais em andamento. Em maio de 1959 o governador Leonel Brizola assinou o Decreto nº 10.466, que permitiu a encampação do acervo da Companhia de Energia Elétrica Rio Grandense (CEERG), concessionária dos serviços de energia elétrica em Porto Alegre e Canoas, mediante a qual a velha Usina Termelétrica do Gasômetro passou a pertencer à CEEE. Em fins deste mesmo ano a Termelétrica Charqueadas S.A. (Termochar), empresa constituída para construir a usina de mesmo nome, recebeu substancial auxílio federal do Banco de Desenvolvimento Econômico (BNDE), então gestor do Fundo Federal de Eletrificação. O novo aporte de capital permitiu o prosseguimento das obras da central de Charqueadas, que entrou em funcionamento em janeiro de 1962, com um grupo gerador de 18.000 kW. Neste mesmo período a CEEE recebeu oferta para comprar o equipamento completo de uma usina térmica de 24.000 kW, oportuna para enfrentar a crise de energia que se esboçava, e que constituiria a Nova Usina Termelétrica de Porto Alegre (Nutepa). Entretanto, por várias razões, as obras da Nutepa sofreram atraso, tendo sido concluídas somente em 1969. Paralelamente, a CEEE, também com recursos do BNDE, conseguiu concluir, em fins de 1962, as obras da primeira etapa da central do Jacuí, integrantes da segunda etapa do Plano de Eletrificação. Ainda em fins da década de cinqüenta, o governo, preocupado com o desenvolvimento econômico da região oeste, determinou à CEEE a implantação de uma central termelétrica de 66.000 kW, a qual seria inteiramente custeada pelo governo, com recursos extras aos do Plano de Eletrificação. Nasceu, assim, a Termelétrica de Alegrete, localizada em município de mesmo nome, e cuja energia seria distribuída para quatorze municípios, através de um sistema de 1.000 km de linhas de
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Sala de caldeiras da Termelétrica São Jerônimo, instalada em 1962, (RS). Acervo: Assessoria de Comunicação Social da CEEE.
transmissão de 69 kV, por meio do qual seriam interconectadas as usinas isoladas existentes. Na realidade, os encargos de implantação desta central e de seu extenso sistema de transmissão, não integrantes do Plano de Eletrificação, acabaram ficando com a CEEE. A central de Alegrete, constituída de dois grupos geradores de 33.000 kW cada, utilizando óleo combustível, foi inaugurada em setembro de 1968. Em 1974 esta termelétrica foi encampada pela União, permanecendo com a Eletrosul a responsabilidade de sua operação. O seu sistema de transmissão foi transferido para a CEEE. Finalmente, com recursos próprios e com a ajuda do governo federal, através do BNDE, a CEEE concluiu, em meados de 1968, a segunda etapa da central Jacuí, acrescentando assim mais 75.000 kW ao seu parque gerador. Durante o desenvolvimento da terceira etapa do seu Plano de Eletrificação, a CEEE, a fim de reforçar rapidamente o fornecimento local de energia com baixos investimentos, instalou em todo o Estado pequenos e médios grupos geradores diesel-elétricos, os quais em grande parte evitaram que a crise de energia atingisse maiores proporções. Em 1969 a CEEE adquiriu da Rio Light/Serviços de Eletricidade S.A. a usina termelétrica flutuante Piraquê, de 25.000 kW, que entrou em funcionamento junto à Nutepa. Também a Termochar colocou em operação a quarta unidade da central de Charqueadas, com 18.000 kW, completando a potência total instalada de 72.000 kW. Desta forma, foram adicionados mais 43.000 kW aos sistemas do Estado que podem ser, por extensão, considerados integrantes da terceira etapa do Plano de Eletrificação. Chegou-se, assim, em 1969, a 565.000 kW de capacidade efetiva no Rio Grande do Sul.
Os estudos do Enersul e a instalação das usinas de maior porte A partir de 1966 o Comitê de Estudos Energéticos da Região Sul (Enersul), através do Canambra, realizou um detalhado inventário das bacias dos rios Iguaçu e Uruguai e um reconhecimento geral dos demais rios do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina, além das Hidrelétrica Ernestina, que entrou em operação em 1953, em Passo Fundo (RS). Foto: Luiz Antonio Ferreira. Acervo: CEEE.
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Hidrelétrica Itaúba, localizada entre os municípios de Arroio do Tigre e Júlio de Castilhos (RS), inaugurada em 1978. Foto: Beto Negrão. Acervo: CEEE.
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reservas carboníferas do Sul do Brasil, definindo seu potencial energético e planejando sua eficiente utilização. Concluídos em 1969, esses estudos, no caso do Rio Grande do Sul, contemplavam dois locais no rio Jacuí – Itaúba e Dona Francisca – que apresentavam a vantagem de se beneficiarem com a regularização propiciada pelos reservatórios já existentes a montante: Ernestina, Passo Real e Jacuí. A CEEE contribuiu para o Enersul com seus estudos e projetos já executados, ao mesmo tempo em que passou a adaptar sua programação ao referido Comitê. Os estudos conduziram, no campo hidrelétrico, à seleção, como prioritários, dos aproveitamentos de Passo Real, Itaúba e Dona Francisca, no rio Jacuí, e Passo Fundo, no rio de mesmo nome. Na área termelétrica elegeu-se a Central Candiota II. O relatório final apresentou um plano energético até 1980, bem como um programa para a progressiva mudança de freqüência, no Rio Grande do Sul, de 50 para 60 Hz. Posteriormente, de 1977 a 1979, a Eletrosul, em conjunto com a empresa de consultoria Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (CNEC), revisou o referido plano, propondo uma nova alternativa com 22 aproveitamentos na bacia do rio Uruguai, totalizando 9.500 MW de potência instalada. No início dos anos 1970 o consumo de energia elétrica no Rio Grande do Sul crescia a uma média de 15% ao ano, e no primeiro semestre de 1974 chegou a 17 % em relação a igual período de 1973. Para garantir o abastecimento do mercado, usinas de maior porte foram planejadas e implantadas. A usina de Passo Fundo, que teve suas obras passadas à responsabilidade da Eletrosul, em conseqüência de protocolo assinado em 1968 entre a Eletrobrás, o governo do Estado do Rio Grande do Sul e a CEEE, entrou em operação em 1973, com duas unidades de 110 MW de potência, totalizando 220 MW. A usina de Passo Real entrou em operação em 1973. Localizada no município de Salto do Jacuí, a 12 km a montante da Barragem Maia Filho (que forma o reservatório da usina de Jacuí), com potência efetiva atual de 156 MW, tem um reservatório de 225 km² de área. A usina termelétrica Candiota II fase A, ou Presidente Médici – Fase A (UPME – Fase A) – entrou em operação em 1974, com duas unidades de 63 MW de potência, totalizando 126 MW. A UPME – Fase B entrou em operação em 1986, com duas
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unidades de 160 MW de potência, totalizando 320 MW. A usina de Itaúba, o penúltimo aproveitamento de maior porte a entrar em operação no rio Jacuí, iniciou sua operação em 1978, com a primeira unidade de 125 MW. Em 1979 passou a operar com as demais três unidades. Localizada no município de Pinhal Grande, tem uma potência efetiva de 500 MW e um reservatório de 13,8 km² de área. A usina de Dona Francisca, com 125 MW, localizada no município de Nova Palma, entrou em operação em 2000, fruto de uma parceria entre a CEEE e outras empresas públicas e privadas que viabilizou a conclusão do empreendimento já sob a égide do novo modelo do setor elétrico, ou seja, da privatização. A UTE Jacuí I, com potência de 350 MW, tendo como combustível o carvão mineral, localizada no município de Charqueadas, a 50 km de Porto Alegre, teve sua construção iniciada pela Eletrosul em 1985. Mas suas obras foram paralisadas. Em 2000 entrou em operação a primeira usina do Rio Grande do Sul utilizando como combustível o gás natural proveniente da Argentina – a UTE Uruguaiana, com 600 MW de potência, empreendimento do grupo norte-americano The AES Corporation.
quais duas seriam vendidas), duas de geração (térmica e hídrica), e uma de transmissão. Após o leilão das duas distribuidoras, em outubro de 1997, a empresa Rio Grande Energia S.A. (RGE) passou a atender a região norte-nordeste do Estado, e a empresa AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S.A. passou a prestar serviços à região centro-oeste.
A federalização das usinas termelétricas
Reestruturação societária e venda de parte da CEEE Em meados da década de noventa o modelo institucional do setor elétrico, caracterizado por forte perfil estatal e pela existência de monopólios regionais na prestação dos serviços públicos, foi modificado. O novo modelo do setor elétrico adotou a tese da desverticalização, ou seja, a separação das empresas nas áreas de geração, transmissão, distribuição e comercialização, e a retomada dos investimentos por meio de capitais privados. No Rio Grande do Sul o primeiro passo foi a adoção do Programa de Reforma do Estado, viabilizado pela Lei nº 10.607, de 28 de dezembro de 1995, que abriu os caminhos para a busca de recursos privados na infra-estrutura. O trabalho de avaliação e modelagem do setor elétrico gaúcho propôs a divisão da CEEE em seis empresas, três de distribuição (das
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Página anterior, Hidrelétrica Dona Francisca, localizada em Nova Palma (RS), que entrou em operação em 2000. Foto: Luiz Antonio Ferreira. Acervo: CEEE.
Negociações havidas entre o governo do Estado do Rio Grande do Sul e o governo federal, no âmbito da renegociação das dívidas do Estado, resultaram na celebração de contrato, em abril de 1998, no qual o controle acionário da empresa de geração térmica criada com a reestruturação da CEEE, a Companhia de Geração Termelétrica (CGTEE), foi transferido para a União. O parque gerador da CGTEE é composto pelas termelétricas Presidente Médici (UPME), Nutepa e São Jerônimo, perfazendo um total de 490 MW. A usina Candiota III, primeira unidade que foi contratada junto à empresa francesa Alsthon Atlantique, em 1981, foi federalizada, passando para o governo federal a responsabilidade pelo empreendimento. Projetada para ser implantada próxima à usina Presidente Médici (446 MW), em Candiota (RS), e utilizar o carvão produzido pela Companhia Rio Grandense de Mineração (CRM), controlada pelo governo estadual, a usina Candiota III – primeira unidade (335 MW) teve o canteiro de obras implantado e parte de seus equipamentos fabricados no exterior, mas os esforços da CEEE para prosseguir na execução esbarraram na ausência de recursos, e houve a paralisação do projeto em 1983. Atualmente, após sua reestruturação, a CEEE permanece com as atividades de geração hidrelétrica, transmissão (rede básica) e distribuição de energia elétrica na região sul-sudeste do Rio Grande do Sul.
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CEEE – Geração, Transmissão e Distribuição1 Usinas 15
Substações Potência Instalada Linhas de Transmissão
Potência efetiva 910,6 MW
Rede Básica 39 6.016,76 MVA 4.399,30 km
Conexões 11 613,61 MVA 985,03 km
Total 50 6.620,37 MVA 5.384,33 km
Número de Consumidores Número de Mercado Atendidos Municípios Atendidos 1.213.063 (dez/2000) 6.130 GWh (ano 2000) 69
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Usina Termelétrica Presidente Médici I e II, localizada em Bagé (RS). Foto: Fernando Cesar Vieira. Acervo: CEEE.
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BOMBASSARO, Dumara M. Energia Elétrica no Rio Grande do Sul: da Fiat Lux em 1988 à CEEE em 1963. 1992. Monografia (Bacharelado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. COMISSÃO ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Usinas do Plano de Eletrificação do RS. Rio Grande do Sul: [s.n.], 1951. COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA (CEEE). Estudo de expansão da capacidade geradora da CEEE (1969-1978). Porto Alegre, 1969. ______.UTPM B: Situação das obras em junho de 1981. Porto Alegre, 1981. ______. Relatório de Gestão 1995-1998. Porto Alegre, 1999. ______. Relatório de Gestão 2000. Porto Alegre, 2001. COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA DO RIO GRANDE DO SUL (CEEE). História da CEEE. Disponível em: http://www.ceee.com.br> Acesso em: jan./ fev. 2002. ______. Disponível em: <http://www.ceee.com.br/institucional/ceeehoje.asp> Acesso em: 5 fev. 2002. ELETROSUL. Eletrosul e o futuro no ano dez. Florianópolis, 1978. CENTRAIS ELÉTRICAS DO SUL DO BRASIL (ELETROSUL) E CONSELHO NACIONAL DE ENGENHEIROS CONSULTORES (CNEC). Estudo de Inventário Hidroenergético da bacia do rio UruguaiSumário. Florianópolis, 1981. COMITÊ DE ESTUDOS ENERGÉTICOS DA REGIÃO SUL (ENERSUL). Estudos Energéticos da Região Sul do Brasil. Curitiba: Comitê Coordenador de Estudos. Nov. 1969. FERRET, L. A.; LEÃO, L. A. Pequenas e médias centrais hidrelétricas no Estado do Rio Grande do Sul. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE PMCH, 2, 2000, Canela, RS. Anais... Canela, RS: [s.n.], 2000. RIO GRANDE DO SUL. Lei Estadual n. 1.744, de 20 de fevereiro de 1952.
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CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica do RS parceria com a iniciativa privada. Ela está localizada junto ao maior complexo de geração hidrelétrica do Estado, integrado pelas usinas Ernestina, Passo Real, Jacuí e Itaúba. No ano de 1952 a CEEE foi transformada em autarquia, permanecendo com essa constituição até dezembro de 1963, quando se tornou Sociedade de Economia Mista, com a designação de Companhia Estadual de Energia Elétrica. A CEEE é responsável pela totalidade da geração, da transmissão e da distribuição de energia elétrica em todo o território gaúcho, até o ano de 1997, quando ocorreu o processo parcial de privatização na empresa. Na ocasião, dois terços da área de distribuição foram transferidos ao capital privado, e a geração térmica foi federalizada. O patrimônio da empresa, hoje, é de R$ 2,080 bilhões. Seu parque energético é constituído por 15 usinas hidrelétricas, com potência instalada de 910,6 megawatts (MW); 52 subestações com capacidade de 6.102,9 megavoltsampère (MVA) e seis mil quilômetros de linhas de transmissão.
A Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), empresa pública do Rio Grande do Sul, completou 59 anos dia 1º de fevereiro de 2002. Desde o ano de 1943, quando então recebia o nome de Comissão Estadual de Energia Elétrica, a empresa tem se identificado com o próprio desenvolvimento gaúcho, sendo hoje uma das maiores empresas do Estado, com um faturamento anual de aproximadamente um bilhão de reais e atendendo diretamente mais de 1,27 milhão de consumidores em 72 municípios gaúchos. A história registra que a situação da energia elétrica, nos primeiros anos da década de quarenta, era bastante crítica. Nessa época, após às 23 horas, por exemplo, o fornecimento de energia era suspenso às residências. Para reverter essa situação e abastecer o mercado gaúcho que crescia rapidamente, a Companhia iniciou, em 1944, a construção de uma série de usinas hidrelétricas no Estado. A usina Passo do Inferno, em São Francisco de Paula, inaugurada em 1948, foi a primeira das quinze hidrelétricas que a CEEE possui hoje. A última usina hidrelétrica no Estado – Dona Francisca – entrou em operação em 2001 e foi construída em
(CEEE - Assessoria de Comunicação Social)
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A Celesc: da instalação aos dias atuais SEBASTIÃO BERLINCK BRITO
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Ao ser constituída, em 1955, a empresa Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. (Celesc) não significou uma tentativa isolada ou um esforço solitário no tempo. Pelo contrário, o estudo da administração pública brasileira revela que a década de 1950 foi aquela que caracterizou a deflagração, em grande escala, da intervenção do Estado na economia, com o incremento da criação de empresas com participação acionária do Poder Público. A ampla discussão sobre a necessidade de ampliação de importantes atividades básicas e essenciais à nação, entre elas a energia elétrica, defluiu para a constituição da sociedade de economia mista, que foi a primeira forma de atuação do chamado Estado empresário. Na conformação jurídica segue-se a instituição da empresa pública, para depois, numa sucessão cronológica, abrigarem-se ambas sob a designação genérica de empresas estatais. A Celesc figurou na linha de frente das sociedades de economia mista – sendo uma das primeiras no País –, acompanhando, desta forma, o nacionalismo econômico então emergente. Propunha-se o intervencionismo estatal brasileiro a implantar, de modo significativo, as atividades industriais como insumos indispensáveis à formação da infra-estrutura que alicerçaria a expansão econômica que se delineava. Objetivando produzir, transmitir e distribuir energia elétrica num Estado que dependia fundamentalmente desses serviços, a Celesc desde logo se alçou ao patamar das grandes empresas brasileiras, alinhandose no conjunto daquelas instituições que, pelos nítidos objetivos sociais,
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foram e são indissociáveis do processo de desenvolvimento. O Plano de Obras e Equipamentos, formulando diretivas e metas para o desenvolvimento de Santa Catarina, centrou seus objetivos na agricultura, na saúde, na educação, em estradas e na energia elétrica. A prioridade se evidenciava para a área de estradas de rodagem, que requisitava 45% dos recursos previstos, vindo em segundo lugar a energia elétrica, com 35%. Numa única frase, a justificativa que acompanhava o Plano de Obras e Equipamentos apresentado à Assembléia Legislativa em 1955 indicava a situação a que se propunha resolver: “A deficiência de produção de energia elétrica é sentida em todo o Estado de Santa Catarina. Mesmo nas regiões em que é mais abundante, o racionamento é freqüente. É um dos pontos de estrangulamento da economia catarinense, que urge corrigir”. Para equacionar tal situação o plano previu a construção de usinas hidrelétricas em todo o Estado, que somariam a potência total de 193.770 kW, assim distribuídas:
Região
Usina
Potência
Chapecó
Chapecozinho
7. 370 kW
Joaçaba
Estreito do Rio Uruguai
40.000 kW
Bacia do Itajaí e Planalto de Lages
Canoas
72.400 kW
Planalto de Canoinhas e litoral de São Francisco
Cubatão
20.000 kW
Litoral de Florianópolis
Garcia (2 usinas)
24.000 kW
Litoral de Laguna
Termelétrica de Tubarão
30.000 kW
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Construção da barragem da Hidrelétrica Garcia, em Angelina (SC), 1957. Foto: Waldir Fausto Gil.
193.770 kW
Essas usinas foram orçadas em 1,6 bilhão de cruzeiros, mais o custo das linhas de transmissão respectivas, estimadas em 190 milhões de cruzeiros. O governador Irineu Bornhausen (1951-1956) tinha em mente um projeto de viabilização dessas usinas, o qual pressupunha a participação do Estado e dos investidores locais interessados na sua construção, como se verifica no texto abaixo, retirado também da
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mensagem que submeteu à Assembléia Legislativa, propondo o Plano de Obras e Equipamentos: “Os recursos do plano estudado não podem, evidentemente, atender a todos os gastos com as construções das usinas programadas. Tratando-se, porém, de iniciativa industrial que produzirá renda, será organizada, para cada usina, sociedade de economia mista, em que o Estado entrará, para a constituição do capital, com as dotações aqui consignadas. A fim de facilitar a execução do plano e estimular investimentos particulares nas sociedades a se organizarem, está prevista a construção das usinas em etapas, a primeira das quais com recursos exclusivos do Plano de Obras e Equipamentos. Somente as pequenas usinas serão construídas de uma só vez.” Ao descortinar um conjunto de hidrelétricas cobrindo quase todo o Estado, o plano revelava preocupação com o Vale do Itajaí e com o Planalto Norte. Entendia, no primeiro caso, que a usina do Canoas, destinada a suprir de energia elétrica o Vale do Itajaí e as cidades de Lages, Curitibanos e São Joaquim, seria de difícil construção, requerendo obras de grande vulto. Quanto à região de Joinville, o plano mencionava o pouco conhecimento sobre o regime do rio Cubatão, assim como da bacia do rio Itapocu, no qual havia a disposição de aproveitar 18.000 kW. O plano se fixou, a partir desta consideração, na idéia de solucionar o problema daquelas regiões utilizando a linha de transmissão Capivari – Jaraguá, que transportaria para o Vale do Itajaí e Joinville os 15.000 kW que seriam produzidos na Usina Garcia, considerada de rápida construção, e mais o excedente do fornecimento à região de Florianópolis da energia termelétrica provinda do sul do Estado. Estimava-se transferir para as regiões críticas citadas o volume de 20.000 kW, o que resolveria suas necessidades momentâneas até que o aproveitamento do Itapocu ficasse definido. Conquanto refletisse, como já afirmamos, uma tendência renovadora que se operava na máquina estatal brasileira, não foi pacífica a criação da primeira sociedade de economia mista catarinense, que se consubstanciaria na Lei nº 1.365 de 4 de novembro de 1955. Os fatores determinantes foram de ordem política. O jornal O Estado, a vanguarda do Partido Social Democrático (PSD) sob o comando do brilhante jornalista Rubens de Arruda Ramos, investia
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sobre os pontos que considerava vulneráveis do projeto proposto pelo governo do partido da União Democrática Nacional (UDN). Atacava, de modo especial, a parte em que o projeto assegurava garantia de dividendo máximo, permitido por lei, com o espírito de incentivar investidores particulares. Reproduzimos matéria elaborada pelo jornalista citado e publicada pelo jornal O Estado, de 27 de maio de 1955: “O Plano prevê a organização de algumas sociedades de economia mista – uma ou seis – que, em nome do Governo, mas no interesse próprio, exercerão a posse, usufruirão as vantagens da captação, transformação e comercialização da energia de fonte hidráulica, em todo o Estado. Se essas mistas não derem lucro aos acionistas particulares, diz o artigo 7º do projeto do Senhor Governador, o Tesouro do Estado, lançando mão do dinheiro do povo, suprirá, até o máximo de 10%.”
Acima, deputados estatuais visitam as obras da Hidrelétrica Garcia, em 1957. Ao lado, autoridades estaduais visitam a instalação dos transformadores da Usina Rio dos Cedros, instalada em 1949. Fotos: Waldir Fausto Gil.
“As mistas, que o Senhor Governador pretende para os acionistas privados, oferecerão os lucros máximos, ainda quando totalmente deficitárias.” A liderança do governo na Assembléia Legislativa, refutando tais argumentos, esclareceu Interior da casa de força da Usina Bracinho, instalada em Joinville que o dividendo máximo (SC), em 1932. Acervo: Celesc. seria instituído como estratégia para atrair capitais privados e como forma de compensar as imobilizações a serem realizadas, para restituição quando finda a concessão. Discorreu, neste sentido, sobre a legislação à época aplicável às empresas de eletricidade, que proibia a reavaliação dos seus ativos, os quais deveriam ser mantidos em serviço sob os custos históricos, sendo remunerados de maneira insuficiente. Sobrepostos os percalços que se ofereceram à tramitação legislativa, o Plano de Obras e Equipamentos tornava-se realidade, corporificando-se na referida Lei nº 1.365, a qual, entre outras medidas, autorizava o Poder Executivo a “[...] promover, na forma da legislação vigente, a constituição de sociedades por ações, destinadas a planejar, construir e explorar sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica no Estado de Santa Catarina, operando diretamente ou através de subsidiárias, ou empresas a que se associar.” A partir desta autorização legal, o governador Irineu Bornhausen assinou, em 9 de dezembro de 1955, dois decretos. O Decreto nº 21, instituindo a Empresa de Luz e Força de Florianópolis S.A. (Elffa), para desenvolver os serviços de eletricidade na área de influência do município de Florianópolis. E o Decreto nº 22, criando a Celesc, atribuindo a esta o mesmo encargo, mas em âmbito estadual, fixando os pressupostos e requisitos indispensáveis à sua constituição e ao seu funcionamento. As linhas gerais desses pressupostos e requisitos eram os seguintes: a) o capital da Empresa seria investido na subscrição de companhias de âmbito regional, que se tornariam suas subsidiárias; Hidrelétrica Governador Celso Ramos, que entrou em operação em 1963, no município de Faxinal dos Guedes (SC). Acervo: Celesc.
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Hidrelétrica Rio do Peixe, instalada em Videira (SC), 1958. Acervo: Celesc.
b) o Estado transferiria para a nova sociedade todas as ações de que dispunha ou viesse a dispor em companhias dedicadas à produção, à transmissão e à distribuição de energia elétrica; c) a Celesc deveria prestar às suas subsidiárias assistência técnica, contábil, jurídica, financeira e administrativa, diretamente ou através de firmas especialmente contratadas; d) o prazo de duração estabelecido foi de 50 anos, prorrogável; e) capital de duzentos milhões de cruzeiros, dividido em duzentas mil ações ordinárias nominativas, e o Estado de Santa Catarina teria a participação obrigatória de 51%; o Tesouro Estadual, para atender ao fim colimado, ficava autorizado a dispor dos bens e direitos alienáveis e relacionados com a produção, a transmissão e a distribuição de energia elétrica, uma vez que os investimentos até então realizados para o suprimento e a distribuição de energia elétrica a Florianópolis, por sua condição de capital, pertenciam ao Estado de Santa Catarina; f) a empresa disporia, além do Conselho Fiscal, com funções fiscalizadoras, de um Conselho Consultivo, este figurando como órgão auxiliar da Diretoria, composto de sete membros; g) o Estado se dispunha a oferecer as garantias necessárias aos empréstimos tomados no Exterior e assegurava à Celesc o direito de promover as desapropriações do seu interesse. Além das duas datas que referimos, a primeira autorizando, e a segunda efetivamente criando a Celesc, os nascedouros históricos da empresa revelam duas outras também da maior significação. A primeira delas, 11 de abril de 1956, quando foi editado o Decreto nº 39.015, pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, autorizando-a a funcionar como empresa de energia elétrica. A segunda, em 4 de agosto de 1956, dia em que ocorreu a efetiva instalação da empresa, através da Assembléia Geral que demarcou a transição entre a fase de constituição, nos seus aspectos políticos e legais, e a de organização interna. Em ordem cronológica, no entanto, já em 31 de julho de 1956 realizara-se a primeira reunião de Diretoria, quando foram estabelecidas as providências que deveriam ser adotadas e as datas que necessitavam ser cumpridas para a realização do capital subscrito, uma vez que, em termos estritamente jurídicos, a empresa existia, inclusive, com a sua Diretoria eleita e empossada, desde a data referida. Assim, a Celesc se consolidava como empresa.
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O capital inicial foi formado com parte em dinheiro, parte com os bens integrantes da Linha de Transmissão Capivari – Florianópolis e, finalmente, pela transferência das ações que o Estado detinha na Elffa e na Empresa Sul Brasileira de Eletricidade (Empresul), com sede na capital e na cidade de Joinville, respectivamente. Estas foram as subsidiárias originais, às quais se somariam outras, na proporção em que a Celesc foi ampliando sua atuação e se expandindo por todo o Estado de Santa Catarina. Em sua concepção original, portanto, era a holding de um grupo de empresas regionais. A Assembléia Geral Extraordinária de 6 de fevereiro de 1958 autorizou a Diretoria a subscrever capital majoritário na empresa Força e Luz Videira S.A. (Videluz), bem como a prestar aval de 1,5 milhão de cruzeiros, em empréstimo que aquela empresa contraíra junto ao Banco do Brasil S.A. A Assembléia Geral Extraordinária ocorrida no início de agosto de 1961 autorizou a subscrição de 75 milhões de cruzeiros no capital da Companhia Oeste Catarinense de Eletricidade (Ciaoeste), com sede em Concórdia. Em fevereiro de 1962 foi autorizada a participação na Companhia Pery de Eletricidade (Cipel), sediada em Curitibanos. Já no mês de abril do mesmo ano a Assembléia Geral dos Acionistas tomou duas outras importantes decisões: autorizou a Celesc a tornarse acionista majoritária no capital da Empresa Força e Luz Santa Catarina S.A., como forma de viabilizar a construção da Usina Palmeiras, projeto que já se encontrava em execução pela Força e Luz, como era conhecida a empresa blumenauense. A participação acionária foi estabelecida em 220 milhões de cruzeiros cumprindo protocolo firmado entre as respectivas diretorias, com o que foi resolvido o abastecimento energético ao Vale do Itajaí. A deliberação acima referida também possibilitou que a Celesc se compusesse com a Companhia Catarinense Força e Luz – sediada na cidade de Lages – e constituísse uma nova empresa destinada a produzir e a transmitir energia elétrica no Planalto Serrano. Convencionou-se que a concessionária existente subscreveria capital na empresa a ser criada, mediante a integralização dos bens que estavam vinculados à concessão que já explorava. A Celesc subscreveria o mínimo de 51%, mais precisamente 51 milhões de cruzeiros, destinados ao aproveitamento energético do rio Caveiras, sendo firmado protocolo
em razão do qual as obras seriam imediatamente iniciadas, mesmo antes da constituição legal da nova empresa, que foi constituída a seguir, sob a razão social de Companhia Serrana de Eletricidade (Cosel). Novos recursos se faziam necessários, e o governador Celso Ramos foi buscá-los junto ao Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), tentando viabilizá-los sob a forma de um empréstimo para investimentos. O BID exigiu como condição essencial para a concessão do empréstimo que a Celesc se transformasse de empresa investidora em produtora e operadora de sistemas elétricos, situação que foi consumada na data de 27 de dezembro de 1963, quando as suas sete subsidiárias foram incorporadas. O capital da Celesc, em decorrência, da incorporação das subsidiárias, foi elevado para 5,5 bilhões de cruzeiros. Enquanto esta transformação se processava, as gestões catarinenses obtinham o encaminhamento de Mensagem do Sr. Presidente da República ao Congresso Nacional, solicitando abertura de crédito especial para investimentos no setor elétrico. A Celesc foi contemplada na mensagem com 1,1 bilhão de cruzeiros para aplicação nas seguintes obras: barragem de regularização da Usina Palmeiras; Usina Garcia; linha de transmissão (LT) Tubarão – Lages – Joaçaba; LT Ilhota – Blumenau – Indaial – Ibirama – Rio do Sul; e a LT Garcia – Florianópolis. As decisões tomadas, assim como o tempo, consolidavam uma grande empresa, destinada a transformar – como transformou – a economia estadual. O sonho de seus idealizadores, sendo missão gratificante e de esperanças, transformou-se num objeto em comunhão de milhares de catarinenses.
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Entrevista com Francisco Küster, à época presidente da Celesc
características mais marcantes, e positivas, das estatais. Eu acho que o modelo que desverticaliza o setor, concebido atropeladamente no Brasil, precisa de uma profunda revisão. Tem coisas absurdas, que podem leválo à falência. Tomemos como exemplo o caso de um órgão criado pelo novo modelo, o Mercado Atacadista de Energia (MAE). Graças a Deus ele foi extinto recentemente pelo Presidente da República, pois nos estava levando à falência. Os preços praticados pelo MAE em certas regiões do País estavam quebrando as distribuidoras. O governo federal entendeu, em tempo, que é preciso domesticar um pouco este monstro selvagem chamado mercado spot. Para agravar, o mercado de energia elétrica passou a ter uma vinculação muito forte com o câmbio, com o dólar. Levanto a tese da necessidade de um grande debate no setor, com revisão ampla das posturas aplicadas. A capacidade instalada no Brasil chega a 70 mil MW, mas temos o desafio de gerar, por ano, um acréscimo em torno de 3.500 a 4.000 MW. Em termos de investimentos, este plus representa R$ 6 bilhões por ano. É muito dinheiro para um Estado descapitalizado arcar sozinho. Mas entregar tudo também não dá bons resultados. É um jogo complicado.
• Como ocorreu a reorientação do setor elétrico brasileiro, na transição do estatal para o privado? O perfil do setor elétrico nacional, nestes últimos anos, mudou radicalmente. Como o poder público perdeu a sua capacidade de investimento num setor vital e que demanda altos investimentos, o processo de privatização ganhou oxigênio. No Brasil, como em alguns outros países, este processo foi meio atropelado, tanto que tenho sérias dúvidas sobre a eficácia da privatização por inteiro do setor. Hoje, das 62 empresas de distribuição de energia elétrica existentes no País, nada menos que 56 passaram do controle público para o privado. Faltam apenas seis, entre elas a Copel, do Paraná, a CELG, de Goiás, e a CEEE, do Rio Grande do Sul. Eu só permaneço no comando da Celesc porque o governador também não quer privatizar a estatal catarinense. Entendo que é uma temeridade privatizar 100% da distribuição de energia no País porque o investidor prioriza o lucro. Ele quer o retorno garantido do investimento, principalmente se o capital for estrangeiro. Ele não assume compromisso com os aspectos sociais, o que é uma das
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• E quanto ao novo modelo de gestão da Celesc: segue os mesmos moldes da cisão da Eletrosul? O que vai acontecer na Celesc não lembra em nada o que aconteceu com a Eletrosul. A Celesc não será privatizada, o que aconteceu com a geração da Eletrosul. A Celesc hoje enfrenta uma realidade cruel, pois a competição entre as distribuidoras, a maioria privada, é violenta. Nossa natureza pública funciona também como algema. Muitas vezes, por força da lei, ficamos com as mãos atadas, sem condições de responder com agilidade à demanda do mercado. Em muitos casos, a empresa se sente engessada. O corpo técnico da Celesc, se por um lado adquiriu competência ao longo dos anos, também se acostumou a um estilo que hoje não é mais aceito pela sociedade. Não vejo muito empenho em aumentar a produtividade, por exemplo. É preciso um choque nesta situação que, às vezes, beira o acomodamento. É preciso, no entanto, que eu reafirme que não sou contra a estabilidade dos empregados, apesar dos riscos de acomodação dos beneficiados. Existe um outro problema, que reputo muito grave na Celesc: é o passivo trabalhista. Quando cheguei à Presidência, fiquei espantado e seriamente preocupado pelo volume de recursos que
são destinados a cobrir as sentenças contra a Celesc. Por força do corporativismo, ninguém testemunha a favor da empresa e contra algum colega de trabalho. Essa cultura é explicável, mas inaceitável. De janeiro de 1999, até hoje, tivemos que desembolsar R$ 37 milhões em ações trabalhistas. É muito dinheiro. Por outro lado, é preciso dotar a Celesc de agilidade para que possa competir em igualdade de condições, mesmo entre as privatizadas. Agora, é urgente definirmos a nossa área de atuação: temos uma gigantesca infra-estrutura que serve à atividade-fim da empresa, mas que, em parte, está ociosa. Só em linhas de distribuição, subtransmissão e transmissão, temos 90 mil quilômetros. Este patrimônio pode nos proporcionar um rendimento extraordinário. Precisamos agregar valor e criar novos negócios, como telecomunicações. Temos 1,19 milhões de postes, 1,80 milhões de clientes e uma estrutura do tamanho do Estado de Santa Catarina. As áreas de negócios têm que se auto-sustentar, a atividade de distribuição não pode bancar a geração, e assim por diante. Por isto, já temos a permissão da Assembléia Legislativa para cindir a Celesc tradicional e criar a Celesc Geração e a Celesc Telecomunicações. Antigamente, antes da desver-
ticalização das empresas, as tarifas eram generosas, remuneravam o desperdício. Hoje, não é mais assim. A ANEEL, órgão regulador do setor elétrico nacional, está apertando cada vez mais as distribuidoras. Antes, os clientes eram cativos, mas a partir de 2003 todos serão livres, poderão comprar energia de quem tiver os preços mais convenientes. E nós queremos ter condições de competir. E o que é competir? É ter qualidade nos serviços, bom atendimento, procurar a satisfação do cliente. Nos moldes atuais, a Celesc tem problemas estruturais para atingir estes objetivos. O novo modelo vai flexibilizar tudo. Por exemplo: a gestão da empresa será essencialmente técnica, profissionalizada. É o fim da ingerência político-partidária, uma contribuição definitiva para a salvação da empresa.
• E quais são as perspectivas de incremento de geração de energia alternativa? Após um exaustivo trabalho de levantamento do potencial, já temos três locais escolhidos para a instalação de parques eólicos: Laguna, Água Doce e Bom Jardim da Serra. Em relação à energia fotovoltáica, nosso grande programa, em andamento, é o atendimento a mais de 80 escolas isoladas por todo o Estado. Elas estão longe das redes convencionais e se torna mais barato instalar painéis de captação solar em cada unidade. Ainda temos projetos de biomassa, co-geração e aproveitamento do bagaço de cana-de-açúcar. (Entrevista revisada e autorizada para publicação. Realizada em 28 de setembro de 2001, por Cláudio Prisco Paraíso e Fábio Mafra Figueiredo)
• De quem a Celesc adquire energia? Da Gerasul, de Itaipu e um pouco da Copel. Geramos em nossas 12 pequenas usinas somente 3% da energia que distribuímos. Aqui é bom que se diga que, por força da renovação dos contratos iniciais com a ANEEL, a cada ano nós perdemos 25% de energia barata, que temos que comprar no mercado pelo dobro do preço. Esse é outro problema que o governo federal também precisa rever.
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A Celesc no seu estágio atual A Constituição de 1998, especialmente no Título VII – da Ordem Econômica e Financeira – Capítulo dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, introduziu profundas alterações no regime jurídico das empresas estatais brasileiras, concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Revelou-se de extremo prejuízo para as referidas concessionárias, de modo particular, a extinção do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), – embora arrecadado até dezembro de 1993, por força de disposição constitucional transitória – e a sua substituição pelo Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A supressão do IUEE sobre energia elétrica retirou das empresas estatais de eletricidade milhões de dólares anuais, sendo de enfatizar que algumas delas tinham no citado tributo a única fonte certa de investimento de capital. O impacto na Celesc pode ser avaliado por um único dado: nos seus cinco últimos anos de arrecadação, o IUEE proporcionou ao capital da Celesc 4,5 milhões de dólares. Cabe considerar, também, que as concessões, até a Constituição de 1988, eram outorgadas livremente pelo poder concedente, sendo caracterizadas por imunidades e isenções tributárias, que estavam devidamente transpostas para a legislação ordinária que normatizava a atuação das concessionárias de eletricidade. Além de onerá-las com forte tributação, a Constituição de 1988 impôs o regime de licitações para o deferimento de novas concessões, procedimento de caráter administrativo que passou a ser obrigatório, também, para todas as suas compras e contratações, não obstante a exigência de terem que atuar nas mesmas condições das empresas privadas, com as quais devem competir em caráter de igualdade (artigos nº 173 e nº 175). De outra parte, a Carta de 1988 listou como fundamentos essenciais da concessão: “[...] direitos dos usuários, política tarifária e obrigação de manter serviço adequado.” Suprimiu, com tal formulação, a “[...] plena garantia do equilíbrio econômico financeiro das concessões [...]”, expressamente assegurada pelo artigo nº 167 da Constituição Federal de 1967, confirmada no Ato Complementar de 1969. A justa remuneração das tarifas foi
substituída pelo vislumbre de uma política tarifária nacional e pela garantia de direitos ao utilizador dos serviços concedidos. Entre esses pressupostos e antecedentes, estabelecidos pela norma jurídica superior, adveio a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, à qual se seguiu a Medida Provisória nº 1.017, de 8 de junho de 1995, e a legislação subseqüente, instituindo nova estrutura legal e regulamentar sobre concessões e permissões de serviços públicos. Vale salientar, também, além das duas leis acima citadas, a Lei nº 9.427, de 25 de dezembro de 1996, que instituiu a ANEEL e acrescentou novas disposições sobre o regime das concessões. Criou-se, enfim, um novo ordenamento para o setor elétrico brasileiro, modificando em profundidade o regime que se consolidara a partir do Código de Águas e da Constituição de 1934. Portanto, foi sob o atual balizamento constitucional que a Lei nº 9.247/96, reproduzida pela de nº 9.648, de 27 de maio de 1998, que se dispôs ser condição implícita ao regime financeiro e à atuação das concessionárias de eletricidade a “[...] apropriação de ganhos de eficiência empresarial e da competitividade[...]” (inciso IV do artigo nº 14). Ao indicar, neste sucinto relato, as modificações marcantes que ocorreram na estruturação constitucional e na legislação básica reguladora da atividade das concessionárias dos serviços públicos de energia elétrica, pretendemos registrar que os caminhos a trilhar são substancialmente diversos daqueles que foram antes percorridos pela Celesc. O regime anterior das imunidades e isenções tributárias, com amplos e permanentes recursos de capital – além de outras garantias que remontam à fase do pioneirismo da eletricidade – cedeu lugar ao da luta pela sobrevivência. Isto exige das concessionárias de eletricidade estatais uma atuação pautada em rígidos parâmetros de eficiência empresarial e competitividade. É adequado afirmar, assim, que o setor elétrico brasileiro acha-se envolvido num contexto que se caracteriza pela incerteza da remuneração tarifária proporcionada pelo poder concedente e pela crescente necessidade de comprimir custos, ampliar o atendimento às comunidades, aprimorar mecanismos gerais de gestão, além de dar prioridade a atividades correlatas, ou mesmo laterais. Este novo quadro constitucional, disciplinando as concessões e a
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atividade das empresas de energia elétrica no País, teve influência direta na renovação do contrato de concessão da Celesc. Foi exigida pelo poder concedente (representado pela ANEEL) a separação dos ativos de geração e distribuição, para atender a formulações da política de desverticalização posta em prática pelo governo federal nas renovações de concessões. Essa contingência de natureza contratual e as dificuldades operacionais caracterizadas pela falta de geração própria de energia e de recursos de capital impuseram à Celesc a necessidade de formular um modelo capaz de substituir aquelas deficiências, permitindo atender ao seu grande mercado com a desenvoltura e a qualidade que caracterizaram seu trabalho nos últimos 45 anos. A credibilidade do governador Esperidião Amin fez convergir para a discussão os diversos setores catarinenses interessados na matéria, num processo aberto à participação das formulações mais díspares, ao fim do que foi elaborado um novo modelo estrutural e de gestão para a Celesc. O Projeto encaminhado à Assembléia Legislativa, que nele inseriu apenas duas emendas – uma delas vetada quando da sanção governamental –, transformou-se na Lei nº 15.130, de 16 de janeiro de 2002, que “Autoriza o Chefe do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina a promover a reorganização administrativa, técnica e societária da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A., dispõe sobre o Acordo de Acionistas e sobre o Contrato de Gestão da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – Celesc – e suas subsidiárias e adota outras providências.” A Celesc deverá ser submetida ao processo legal de cisão, com a separação dos seus ativos de geração e de distribuição, e este agregará a área de comercialização. Restarão como entidades públicas a Celesc S.A. (encarregada da distribuição e da comercialização de energia elétrica) e a Celesc Geração S.A., nas quais o Estado de Santa Catarina participará como sócio majoritário. Por outro lado, a Celesc participará com capital minoritário em empresa de telecomunicações a ser constituída e conduzida sob os padrões do direito e da administração privada, utilizando o acervo representado por linhas e redes de energia elétrica também para a transmissão de dados. O novo modelo Celesc pressupõe um Acordo de Acionistas –
através do qual os investidores estabelecerão as condições sob as quais aportarão seus capitais na empresa – e o Contrato de Gestão, que disciplinará o comando diretivo e gerencial, segundo metas previamente estabelecidas e rigidamente controladas. A administração superior da Celesc deverá ser composta não só pela expressão do capital, segundo a sua concepção original, passando a congregar outras representações como a dos empregados e a dos consumidores (estes, nas suas várias classes), além dos sócios minoritários. As representações descritas terão posição preponderante na composição do Conselho de Administração que, por sua vez, será ampliado em suas funções de fiscalização e comando da empresa.
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BRITO, Sebastião Berlinki. História da Celesc. Florianópolis, 2000. Manuscrito. CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA (CELESC). Livros de Atas das Assembléias Gerais. Florianópolis. ______. Livros de Atas das Reuniões da Diretoria. JORNAL O ESTADO. Florianópolis. 27 maio, 1955.
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A Copel: origem e perfil atual FREDERICO REICHMANN NETO
O Hidrelétrica Segredo, instalada no rio Iguaçu, entre os municípios de Mangueirinha e Pinhão (PR), que entrou em operação em 1992. Acervo: Copel.
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O crescimento econômico do Paraná, após a Segunda Guerra Mundial, aqueceu a demanda de energia elétrica, exigindo um aumento significativo da sua oferta. Com o intuito de equacionar o desafio que se vislumbrava, o governo do Paraná instalou o Serviço de Energia Elétrica do Estado, em 1947, subordinado à Secretaria de Viação e Obras Públicas, reconhecido no ano seguinte como órgão auxiliar do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica. Ainda em 1948 o referido Serviço de Energia Elétrica ganhou autonomia administrativo-financeira passando a denominar-se Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Uma das primeiras iniciativas do DAEE foi a proposição do Plano Hidrelétrico Paranaense, inspirado no Plano Nacional de Eletrificação. A grande dificuldade de viabilizar o Plano estava na obtenção de recursos externos, captados somente em 1953, quando se constituiu o Fundo de Eletrificação e a Taxa de Eletrificação do Estado. Um ano mais tarde o governador Bento Munhoz da Rocha Netto percebeu que a produção de eletricidade clamava por uma organização mais ágil e eficiente do que aquela disponível na esfera do serviço público. Assim, em 26 de outubro de 1954 foi criada a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), que recebeu autorização do governo federal para atuar como concessionária de energia elétrica em 27 de maio de 1955. Na condição de sociedade de economia mista, seu capital era composto por ações, das quais 86% pertenciam ao governo do Estado e ao governo federal, através da Eletrobrás. Algumas prefeituras municipais, instituições diversas e pessoas físicas eram
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os acionistas minoritários. Pouco depois, em 1956, a Copel recebeu a incumbência de centralizar todas as ações governamentais de planejamento, construção e exploração da energia elétrica e serviços correlatos no âmbito do Estado do Paraná, através do Decreto Estadual nº 1.412. Inicialmente, a Copel instalou sua sede na cidade de Maringá, localizada na nova fronteira agrícola do Estado, região carente de energia elétrica, apesar da sua pujança. Desde a sua criação, até o ano de 1960, a empresa passou por um período de estruturação organizacional quando, então, iniciou um programa de obras fundamentais para o cumprimento dos objetivos básicos de uma empresa concessionária de energia elétrica. Duas providências foram fundamentais para a expansão do sistema elétrico do Estado: a constituição da Companhia de Desenvolvimento do Paraná (Codepar), posteriormente Banco de Desenvolvimento do Paraná (Badep); e o imposto que abasteceu o Fundo de Desenvolvimento do Estado e que permitiu o início de todas as obras que até hoje constituem a base do sistema elétrico do Paraná. Em 1961 o governador Ney Braga nomeou, como presidente da Copel, o professor Pedro Viriato Parigot de Souza, com a missão de organizar o sistema elétrico do Paraná. Na ocasião, a empresa atendia somente a 14 localidades com potência instalada que mal chegava aos 10.000 kW, e com apenas 140 km de linhas mal construídas e subestações absolutamente precárias. Além de o consumo per capita ser muito baixo, o território paranaense era predominantemente suprido por pequenas térmicas a diesel, pertencentes às prefeituras municipais. Os sistemas maiores funcionavam isoladamente ou eram uma extensão do sistema elétrico paulista, caso do Norte Pioneiro e da região de Londrina. O engenheiro Arturo Andreoli, que mais tarde também foi presidente da empresa, fez o seguinte comentário: “Eu mesmo, em 1956, morando ao lado da atual Catedral de Maringá, portanto no centro da cidade, tinha em minha residência um pequeno gerador diesel-elétrico, pois os motores da Copel eram absolutamente imprevisíveis.” Muitos, entre os mais antigos funcionários da empresa estatal de energia – incluindo os chefes da Companhia –, passaram por situações de perigo e até de comicidade. Arturo Andreoli lembra que um engenheiro da empresa responsável pelo atendimento da cidade de Paranaguá, não vendo outra saída numa situação de motim por causa
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Ao lado, Hidrelétrica São Jorge, instalada em Ponta Grossa (PR), que entrou em operação em 1945. Acervo: Copel. Abaixo, Hidrelétrica Júlio de Mesquita, ou Foz do Chopim, instalada em Dois Vizinhos (PR) e inaugurada em 1970. Acervo: Copel.
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da falta de eletricidade da cidade, foi esconder-se numa “casa de tolerância”. É bem provável que grande parte do sucesso da Copel tenha sido conseqüência da visão de Parigot de Souza, que soube manter à distância os interesses políticos imediatistas da sua gestão, muitas vezes com a ameaça da própria demissão. Não se pode deixar de mencionar o aprimoramento contínuo que ele exigia de todo o corpo funcional 1. Foi na sua administração que a Copel firmou com o Paraguai o primeiro contrato internacional de aquisição de energia elétrica de que se tem notícia no Brasil. Este instrumento possibilitou àquele país um financiamento externo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a construção da Hidrelétrica de Acaray. Como sociedade de economia mista, a Copel priorizava investimentos em obras com rentabilidade econômica. Todavia, como trabalhava com um produto de utilidade pública, muitas vezes assumia obras deficitárias reclamadas pela população de regiões carentes, cuja falta da eletricidade poderia ocasionar problemas de ordem social e política. Coube à Copel, portanto, a responsabilidade pela construção dos grandes sistemas hidrelétricos previstos no Plano de Eletrificação do Paraná. Essas obras representavam soluções definitivas aos problemas de energia elétrica do Estado. Obtiveram-se, assim, as concessões dos rios São João e Mourão, Tibagi, Capivari e Cachoeira, alto e baixo
Hidrelétrica Três Bocas, instalada em Londrina (PR), que entrou em operação em 1943. Acervo: Copel.
Iluminação pública em Maringá (PR). Acervo: Copel.
Vista geral da Hidrelétrica Mourão I, instalada em Campo Mourão (PR), que entrou em operação em 1964. Acervo: Copel.
Acervo: Museu de Energia, Copel.
Iguaçu, e autorização para a construção da termelétrica de Figueira. Com isso a Copel dispunha das concessões necessárias para a implementação do Plano de Expansão da empresa. A interligação dos sistemas Norte-Sul, através das linhas de transmissão, garantia a estabilização da energia em todas as zonas de influência, podendo uma usina compensar a deficiência hídrica de outra. Encontrar uma solução definitiva para o abastecimento de energia elétrica em larga escala foi o grande desafio para a empresa durante a década de sessenta do século XX. O complexo hidrelétrico CapivariCachoeira, no sudeste do Estado, e a construção da Usina Termelétrica de Figueira, no nordeste, atendiam temporariamente a suas metas. Com o intuito de viabilizar os projetos, duas empresas subsidiárias foram criadas. A primeira, denominada Central Elétrica CapivariCachoeira S.A. (Eletrocap), e a segunda, Usina Termelétrica de Figueira S. A. (Utelfa). Ainda na década de sessenta a Copel construiu a Usina Hidrelétrica
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de Salto Grande do Iguaçu, que favoreceu dezoito municípios do sul do Estado. Na região central, próximo à Cidade de Campo Mourão, foi inaugurada a Usina Hidrelétrica de Campo Mourão. Para atender à demanda por energia elétrica dos contingentes populacionais que se fixaram no sudoeste do Estado, atraídos por projeto de colonização implementado pelo governo brasileiro ainda na década de quarenta, foi construída a Usina Hidrelétrica de Chopim I, próxima às cidades de Pato Branco e Francisco Beltrão. Em 1971 foi implementado o I Programa de Eletrificação do Governo do Estado, visando ao atendimento global das necessidades de energia elétrica, que previa a interligação gradativa de todo o Paraná e conexão interestadual com outros sistemas. Arturo Andreoli, à época o presidente da Copel, dá o seguinte depoimento sobre a situação: “Pela primeira vez percebi a importância de um sistema de transmissão. Na realidade não era o que se generalizou por muito tempo no setor, ou seja, apenas um elo imprescindível entre uma central geradora e um determinado centro de consumo, mas um sistema verdadeiro de transmissão, concebido em anel para atendimento racional de todo o Estado.” Outra área que mereceu atenção da empresa foi a de distribuição de energia. Sobre este aspecto comentou Andreoli: “Lembro do esforço que se fez naqueles anos para atender todos os municípios paranaenses [...].Centenas de circuitos de distribuição, milhares de postes de concreto e transformadores de distribuição foram sendo implantados por todo o Estado de modo que, quando deixei a empresa, todos os municípios estavam ligados ao sistema Copel.” A partir da década de setenta o governo federal iniciou o processo de encampação das empresas privadas e de transferência das respectivas concessões para as empresas estaduais. Entre os anos de 1973 e 1974 a Copel encampou as principais concessionárias de distribuição de eletricidade. A hidrelétrica do Vale do Ivaí, em janeiro de 1972; a Companhia Força e Luz do Paraná, em setembro de 1973,
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Barragem da Usina Apucaraninha, instalada na área indígena Apucaraninha (PR). Foto: Sílvio Coelho dos Santos. No detalhe, casa de força da Hidrelétrica Apucaraninha (PR). Acervo: Copel.
que atendia a região metropolitana de Curitiba; a Companhia Prada de Eletricidade, que atendia a região de Ponta Grossa, e a Empresa de Eletricidade Alexandre Schlemm, que atendia União da Vitória (PR) e Porto União (SC), em outubro de 1973; e finalmente a Empresa Elétrica de Londrina S.A., em junho de 1974. Daí em diante a expansão da demanda de energia elétrica no Estado foi superior à média do País, um bom indicativo de crescimento econômico e do sucesso das estratégias governamentais. Beneficiada pela situação, a Copel dedicava-se à programação e ao planejamento de novas obras de geração e de transmissão. Com a experiência adquirida em obras de grande porte a empresa vislumbrou oportunidades de geração em larga escala na bacia hidrográfica do rio Iguaçu. Contudo, esta proposta desagradava o governo federal. Em 1969 a empresa solicitou à União autorização para construir a Usina Hidrelétrica de Salto Osório. No entanto, a concessão foi outorgada à Eletrosul, sob a alegação de que aquela energia serviria aos três Estados do Sul. A fim de manter seu corpo técnico, a Copel firmou convênio com a Eletrosul para administrar a construção daquela hidrelétrica. A usina foi concluída e entregue à Eletrosul em 1976. O presidente da Copel propunha que cada Estado da federação tivesse a sua empresa de energia e que as tarefas relacionadas ao gerenciamento dos sistemas e seu planejamento fossem asseguradas por comitês coordenados pela Eletrobrás. Evitar-se-ia, assim, o aumento de custos resultante do paralelismo administrativo e operacional da união com os Estados. Não aceitando a argumentação da Copel, o governo federal concedeu a Hidrelétrica de Salto Santiago, também localizada no Rio Iguaçu, à Eletrosul. Em suas memórias Andreoli lembra do fato com o seguinte pronunciamento2: “Nos foi, então, prometida a usina de Salto Santiago, cuja concessão também foi anos mais tarde repassada à Eletrosul, ficando para nós a vaga promessa de um aproveitamento até então desconhecido, denominado Foz do Rio Areia, com potência estimada em 500 MW [...].” A própria concessão de Foz do Areia foi enormemente dificultada pela Eletrobrás, mas a diretoria da Copel conseguiu vencer as barreiras políticas e burocráticas impostas pela holding do setor elétrico, realizando a obra. A estiagem que assolou o Sul e o Sudeste do Brasil, em 1977, exigiu
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Hidrelétrica Salto Caxias, instalada no rio Iguaçu (PR), que entrou em operação em 1998. Acervo: Copel.
a utilização plena dos sistemas das duas regiões, que já estavam parcialmente interligadas, sem, contudo, atender satisfatoriamente à capacidade da demanda. Cresceram as inquietações por causa das perspectivas desfavoráveis quanto à disponibilidade de energia. Em maio de 1978 o racionamento já atingia as ruas de Curitiba. Diante de um cenário que requeria cuidados, a Copel patrocinou uma campanha cujo slogan era “Poupe água. Apague a luz”. A situação provocou a aceleração das obras da Hidrelétrica de Foz do Areia. Em 1979 a Copel já era a maior empresa do Estado do Paraná, com 800 localidades atendidas e 21.000 km de linhas de transmissão que cobriam todas as regiões. Atendia aproximadamente 800.000 consumidores, dos quais 16.000 eram indústrias. A melhoria da qualidade e da oferta de eletricidade mediante anéis elétricos possibilitou o desenvolvimento dos pólos industriais de Curitiba, Ponta Grossa, Londrina, Maringá e Cascavel. Em 1980 foi inaugurada a hidrelétrica de Foz do Areia, com quatro unidades geradoras de 418 MW, até então as maiores do Brasil. Com a operação de Foz do Areia a geração própria da Copel atingiu 2,9 bilhões de kW, contra 1,9 bilhões do ano anterior. Neste período houve no Estado um intenso crescimento do mercado de energia, exigindo mais esforços para atender à demanda. Foram elaborados novos projetos, destacando-se o início da obra da Hidrelétrica de Segredo e a concessão para construção da Hidrelétrica de Salto Caxias. Uma conquista significativa, considerando-se a posição anteriormente mantida pelo governo federal. O Programa Especial de Eletrificação Rural executou, entre 1978/ 81, 30.000 ligações em todo o Estado. No mesmo período a Copel comemorou a sua milionésima ligação e, mediante a incorporação da Companhia Hidrelétrica Paranapanema (CHEP), expandiu o atendimento direto ao Norte Pioneiro. Com o apoio do governo federal teve início a construção da UHE de Segredo, cuja conclusão inicialmente estava prevista para 1988. As grandes enchentes que ocorreram no Paraná, em 1983, trouxeram para a empresa altos prejuízos financeiros. As inundações causaram graves danos a usinas, linhas de transmissão, subestações e redes de distribuição, além da redução da receita. Naquele momento ganhou realce um programa de conservação de energia. Às dificuldades locais somou-se a crise econômica generalizada no País. A maxidesvalorização
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cambial foi um duro golpe para as finanças públicas. Apesar das dificuldades enfrentadas no período por todas as empresas do País, e particularmente pelas concessionárias de energia elétrica, a Copel conseguiu manter em dia todos os seus compromissos, conduzindo uma racional política de pessoal. Mesmo com as sérias dificuldades encontradas, um novo programa de eletrificação rural foi implementado na metade da década de oitenta. Denominado “Clic Rural”, resultou num acréscimo de 32,5% no total de propriedades eletrificadas do Estado. Os resultados positivos estenderam o programa para as regiões metropolitanas das grandes cidades, com o nome de “Clic Urbano”. Para a manutenção destes dois programas foram utilizados recursos de financiamentos externos (nacionais e internacionais), enquanto para a continuidade da construção da obra de Segredo a Copel empregou recursos próprios. Ao final da década de oitenta a empresa enfrentava problemas judiciais com uma das licitantes do contrato principal da UHE de Segredo. O enorme esforço canalizado para não parar a obra fez com que a Copel fechasse o ano de 1989 com balanço negativo, mantendo, no entanto, a qualidade dos seus serviços. Visando a superar as dificuldades de captação de recursos para as obras de Segredo, no início da década de noventa foi lançado o “Programa de Pré-venda de Energia da Usina de Segredo”. Inédito no País, visava a atrair a participação de capital privado para o setor elétrico em troca de garantias contra o racionamento de energia. Na mesma ocasião os programas de eletrificação rural e urbana passaram a denominar-se “Força Rural” e “Força Comunitária”. Em 29 de setembro de 1992 a usina de Segredo foi finalmente inaugurada, reduzindo a dependência paranaense da eletricidade gerada em outros Estados. Em 1993 foram concluídos os projetos da UHE de Salto Caxias, que entrou em operação em dezembro de 1998, denotando assim um novo avanço na geração de energia elétrica, com conseqüências positivas no desenvolvimento do Estado do Paraná. Em 1994 a Copel abriu o capital tendo suas ações negociadas nas bolsas de valores brasileiras, em especial na Bovespa. Em 1997 a empresa fez uma emissão primária de ações preferenciais no mercado nacional e internacional, concentrando a emissão internacional na Bolsa de Valores de Nova York, quando foram emitidos 31,9 bilhões de ações, totalizando 575 milhões de dólares. A partir de 1998 a empresa diversificou sua atuação tornando-se
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Ao lado, canteiro de obras e vista aérea da UHE Salto Caxias (PR). Interior da casa de força da UHE Salto Caxias (PR). Acervo: Copel.
uma multi-utility, com novos negócios nas áreas de telecomunicação, serviços, internet, saneamento e firmando parcerias em novos projetos de geração, inclusive de fontes alternativas de energia. Em 2001 o governo do Estado decidiu que venderia o seu controle acionário da Copel. Assim, em janeiro, foi publicado o edital de licitação na modalidade de Concorrência Internacional, visando à contratação de empresas, ou consórcio de empresas, para desenvolver o processo de desestatização. Em maio o contrato com os consultores foi assinado. Em julho foi realizada uma reformulação jurídico-administrativa que transformou a empresa numa holding com cinco subsidiárias integrais, quais sejam: Copel Geração S.A.; Copel Distribuição S.A.; Copel Transmissão S.A.; Copel Telecomunicações S.A. e Copel Participações S.A. Em junho de 2001 foi aberta a Sala de Informações (Data Room), na mesma época em que a crise financeira da Argentina se agravava, comprometendo o risco Brasil na economia mundial. No mesmo mês a Copel foi proclamada – pela segunda vez em três anos – a melhor distribuidora de eletricidade do Brasil, arrematando o prêmio Abrade 2001. No dia 6 de setembro de 2001 foi publicado o edital de desestatização com o anúncio do preço mínimo. No dia 11 daquele mês aconteceram os atentados às torres gêmeas de Nova York (Word Trade Center), fato que mudou o perfil da economia mundial, agravando a crise que se instalava gradativamente. No início de outubro a Copel recebeu o prêmio de melhor empresa de eletricidade da América Latina. O prêmio foi entregue em cerimônia promovida pela revista Global Finance, também na cidade de Nova York. Onze grupos empresariais fizeram inscrição para acessarem o Data Room. Contudo, somente três se préqualificaram para o processo licitatório, e nenhum depositou as garantias do dia do leilão (30 de outubro). Marcada nova data, 6 de novembro,
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Vista parcial do reassentamento de agricultores desalojados para a instalação da UHE Salto Caxias (PR). Acervo: Copel.
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A Copel, em poucas linhas A Companhia Paranaense de Energia (Copel), fundada em 1954, e, portando, com quase meio século de existência, consolidou-se como uma das maiores, melhores e mais eficientes empresas de energia do País. Sua estrutura contempla o atendimento direto a quase três milhões de clientes, parque gerador próprio com 4.549 MW de potência, sistema de transmissão com 6.763 km de linhas e 122 substações, e sistemas de distribuição com 155.073 km de linhas e 232 subestações. É a única empresa brasileira do setor listada na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE). Atenta aos novos cenários e novas oportunidades que se abrem no mercado, a Copel vem se modernizando estruturalmente com o objetivo de ampliar seu poder de competição. Assim, encontra-se organizacionalmente estruturada em cinco subsidiárias integrais: a) Copel Geração S.A., Copel Transmissão S.A. e Copel Distribuição S.A., voltadas, respectivamente, para os nichos tradicionais de geração, transmissão e distribuição de energia; b) Copel Telecomunicações S.A.; c) Copel Participações S.A., a qual se concentra no estabelecimento de parcerias em diversos negócios: gás canalizado, comercialização de energia, água e saneamento, prestação de serviços de engenharia, nas suas diversas especializações, pesquisa e desenvolvimento, entre outros. (Luiz Fernando Leone Vianna, Diretor de Relações Institucionais - Copel)
Copel: Geração, Linhas e Subestações
Potência Instalada (MW)
Unidades Geradoras Hidrelétricas
novamente não aconteceram os depósitos exigidos no edital de licitação. Em janeiro de 2002 o governo do Estado do Paraná decidiu que a desestatização da Copel deixava de ser estrategicamente atrativa para os interesses do Estado, razão pela qual o processo foi definitivamente encerrado, diante das circunstâncias do cenário internacional e das novas normas estabelecidas pelo governo federal para o setor elétrico.
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Gov. Bento Munhoz da Rocha Netto (Foz do Areia) Gov. Ney A. de Barros Braga (Segredo) Salto Caxias Gov. Parigot de Souza (Capivari – Cachoeira) Guaricana Chaminé Outras Termelétricas Total
1.676 1.260 1.240 260 36 18 39 20 4.549
Nível de Tensão (kV)
Km de Linhas
Nº de Subestações
Potência (MVA)
34,5 e 13,8 69 138 230 500 Total
153.307 1.138 4.012 1.437 160 160.054
228 29 66 21 5 349
1.222 1.666 3.817 6.506 6.072 19.283
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Cabe ressaltar que Francisco Gomide, presidente da empresa durante a década de 1980, também afirmou a mesma coisa. Embora as memórias de Arturo Andreoli ainda não tenham sido publicadas, o autor foi autorizado a citá-las a partir de sua versão original.
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ANDREOLI, Arturo. Pedro Viriato Parigot de Souza: lembranças. Curitiba: Companhia Paranaense de Energia (COPEL), 1994. ______. A história de energia elétrica no Estado do Paraná. In: COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA (COPEL). Histórico. Curitiba: No prelo. COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA (COPEL). Conheça a história da Copel. Disponível em: <htpp:// www.copel.com/conheça a copel> Acesso em: 15 out. 2001. ELETROBRÁS. Florestamento e piscicultura no Paraná. Revista de Energia Elétrica, out./dez. 1975. FOZ do Areia: integração do potencial hidráulico ao processo de desenvolvimento nacional. Construção pesada, ano 9, n. 102, jul. 1979. GOMIDE, Francisco Luiz Sibut. Entrevista concedida a Frederico Reichmann Neto. Curitiba, 5 nov. 2001. GAZETA DO POVO. Curitiba, 30 out. 2001. INSTITUTO DE TECNOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO. História; instituições associadas; organograma e parceiros. Disponível em: <htpp://www.lactec.org.br/ > Acesso em: 1 nov. 2001. REICHMANN NETO, Frederico. Inter-relação entre a Copel e o meio ambiente. Curitiba: Companhia Paranaense de Energia (Copel), 1988. SIQUEIRA, Márcia D. et al. Um século de eletricidade no Paraná. Curitiba: Universidade Federal do Paraná (UFPR), 1994.
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O setor elĂŠtrico no limiar de um novo milĂŞnio
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N Experimento de energia solar no campus da Universidade Federal de Santa Catarina. Acervo: Labsolar-UFSC.
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Nos anos oitenta do século XX o setor elétrico começou a vivenciar nova reorientação organizacional. A Eletrobrás sofria dificuldades crescentes para exercer seu papel de holding, especialmente devido ao fato de ser cada vez mais difícil conseguir financiamentos no exterior. As disputas exercidas pelas empresas estaduais para ampliar suas concessões na área da geração também cresceram. A reordenação econômica mundial avançava, impondo diferentes limitações às empresas estatais. O cenário da privatização do setor começava a ser desenhado. De forma quase ostensiva, o País foi se submetendo às regras de mercado, que tendiam para a globalização e para o esvaziamento do papel do Estado como promotor de empresas estatais. A Constituição de 1988 impôs um revés inesperado à Eletrobrás, ao impedir a continuidade da cobrança do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), base do Fundo Federal de Eletrificação (FEE), criado em 1954 (CF art. nº 155, 3º). O fluxo permanente de recursos financeiros para a holding, suas subsidiárias e empresas estaduais de energia estava cortado, trazendo em médio prazo problemas financeiros insanáveis. Provavelmente, a proibição constitucional não foi suficientemente discutida, nem tampouco seus efeitos foram devidamente percebidos à época. O BNDES (antes BNDE), grande aliado que participara de quase todos os projetos da Eletrobrás, também passou a orientar seus investimentos em favor da privatização. O enfraquecimento do monopólio estatal, porém, estava decidido. Tudo seria questão de tempo. Nos anos noventa aceleraram-se as iniciativas de privatização do
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setor elétrico. A falta de investimentos para dar seguimento à implantação de diferentes hidrelétricas no País, previstas nos Planos 2000, 2010 e 2020, e suas revisões, elaboradas diligentemente pela Eletrobrás, associadas à crescente demanda por energia, faziam prever uma crise de abastecimento sem precedentes. O País estava numa situação de risco para dar continuidade aos seus planos de expansão econômica. Tornou-se inevitável, pois, a aceitação da modelagem do processo de privatização, que contemplava a atração de investimentos externos e estimulava a formação de consórcios nacionais, visando à implantação de novas hidrelétricas e, eventualmente, de termelétricas. As empresas integrantes da holding foram orientadas no sentido de buscar parceiros privados para dar andamento a projetos que estavam paralisados por falta de recursos financeiros. Também surgiram iniciativas para a reorganização interna dessas empresas, a partir da redefinição de suas atividades essenciais e da redução do número de seus colaboradores. As cisões tornaram-se freqüentes, reordenando especialmente os setores de geração e de transmissão. As empresas estaduais de energia começaram a conviver com processos similares. Quase no final dos anos noventa na Região Sul a Eletrosul sofreu um processo de divisão, dando origem às Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. (Gerasul) e à Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul). A seguir, a Gerasul foi privatizada, sendo adquirida pelo grupo belga Tractebel, Electricity & Gas International. Para entender esse quadro há que se ter claro o contexto econômico internacional, centrado nas políticas de globalização, fundamentadas numa nova versão do liberalismo econômico. As atribuições do governo foram redirecionadas para o exercício do controle das diferentes empresas que passaram, ou estão passando, a atuar no setor elétrico. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a Câmara de Gestão da Crise de Energia (GCE), que popularmente foi conhecida como o “ministério do apagão”, são, entre outras, algumas dessas novas agências reguladoras governamentais. O modelo estatal, centralizado e verticalizado de administração e de planejamento do setor elétrico, com avanços e recuos, está desaparecendo. Havendo falta de investimentos para a implantação de novas hidrelétricas, ou termelétricas, bem como para a ampliação das existentes, conforme definido nos planos da Eletrobrás, associado à
falta de linha de transmissão e ao constante crescimento da demanda, o potencial do sistema começou a ser utilizado sem reservas. A crise da escassez de energia não se fez esperar, colocando o País na dependência da abundância de chuvas. Novos dilemas surgiram. Uma revisão da matriz energética se impôs, privilegiando-se projetos termelétricos a gás. O racionamento tornou-se uma realidade, junto com alterações tarifárias. Simultaneamente, a modelagem do processo de privatização do setor elétrico sofreu diversas revisões críticas, tendendo para acentuar a necessidade do aporte de capitais para projetos novos, que efetivamente garantissem a ampliação acelerada do sistema de geração e permitissem a implantação de novas linhas de transmissão. No âmbito da GCE foram estabelecidas orientações no sentido da abreviação das análises pertinentes às questões ambientais ligadas aos empreendimentos considerados estratégicos para a superação da crise energética, até então reguladas pelas Resoluções do Conama. No início de 2002 uma nova revisão do modelo foi anunciada pela GCE, acabando com o Mercado Atacadista de Energia (MAE) e desacelerando o processo de privatização, entre outras medidas. Trata-se de uma tentativa, um tanto tardia, de revitalização do papel do Estado no Setor Elétrico, priorizando projetos e investimentos. Resta saber se o governo terá condições de efetivamente exercer os papéis que lhe são atribuídos, concretizando em curto prazo novos projetos de geração e de transmissão e dirimindo inevitáveis conflitos de interesse das empresas do setor entre si, e entre elas e os consumidores. Tudo isto no cenário de uma sociedade que cada vez mais amplia suas complexidades, aumenta suas demandas e se conscientiza sobre seus direitos e sobre suas perspectivas de futuro.
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A importância estratégica do setor elétrico no cenário da Região Sul
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Usina Hidrelétrica Passo Real (RS), vista parcial. Entrou em operação em 1973. Foto: Luis Antonio Ferreira. Acervo: CEEE.
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S Í LV I O C O E L H O D O S S A N T O S ANELIESE NACKE
A realidade socioeconômica dos Estados do Sul não pode ser compreendida sem a existência de um eficaz sistema de produção e de distribuição de energia elétrica. Este sistema começou, como vimos, com as iniciativas essencialmente locais de alguns pioneiros. Passou depois a atrair os interesses de empresas e de capitais estrangeiros que aproveitavam a flexibilidade permitida pela legislação, essencialmente municipal e estadual. Com o passar do tempo, o governo central começou a intervir diretamente nesse estratégico setor da economia, criando uma legislação reguladora das concessões e, adiante, no cenário de políticas centralizadoras, implantando o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobrás. No âmbito dos Estados surgiram as empresas estaduais de energia elétrica, que assumiram a hercúlea tarefa de implantar sistemas de distribuição integrados nos espaços urbanos e rurais, além de fazerem investimentos também na área da geração. Foi assim que, a partir dos anos sessenta do século XX, a energia elétrica começou a ser disponibilizada de maneira crescente nos Estados do Sul. Essa infra-estrutura começou a garantir a expansão econômica, em todos os seus segmentos. É evidente que estamos falando de um processo, no qual nem tudo ocorreu de forma harmônica e igualitária. A eletrificação rural, por exemplo, só foi considerada prioritária muito mais tarde. De outra parte, na implantação dos primeiros projetos hidrelétricos e termelétricos de maior porte não foi dada maior atenção às suas conseqüências negativas, especialmente em termos sociais e ambientais. Os denominados “alagados” pela implantação da UHE Passo Real, no Rio Grande do Sul, nos anos sessenta, exemplificam
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bem a questão. As legítimas reclamações dos atingidos pela formação do lago dessa hidrelétrica foram consideradas equivocadas, pois se tratava de um projeto de interesse do Estado. O mesmo aconteceu com os expropriados pela implantação da Itaipu Binacional. Os planos de reassentamento das populações atingidas e a legislação de proteção ambiental surgiram bem mais recentemente, e ainda não estão totalmente assimilados pelas empresas estatais e privadas do setor elétrico. Nesse sentido, a formulação do Projeto Uruguai pela Eletrosul, nos finais dos anos setenta, teve um papel pedagógico. De um lado, pela primeira vez se desenhou o aproveitamento integral do potencial energético de uma bacia hidrográfica. De outro, motivou o surgimento da Comissão Regional de Atingidos por Barragens (CRAB), que estabeleceu novos parâmetros de organização da população afetada e de encaminhamento de suas reivindicações. Deve-se considerar que a implantação de projetos hidrelétricos implica a existência de múltiplos atores sociais e de diferentes interesses políticos, econômicos e empresariais. Não se trata só de desafios de engenharia, nem tampouco do domínio de novas tecnologias. Cada projeto tem sempre sua especificidade. Mas, em comum, todos apresentam problemas de intervenção na natureza e na vida das populações locais ribeirinhas. Tais constatações são, hoje, reconhecidas internacionalmente, e necessitam ser cada vez mais internalizadas por todos quantos têm participação nos processos de tomada de decisão referentes à implantação de novos empreendimentos. Não basta considerar os projetos hidrelétricos como de interesse da melhoria da qualidade de vida da maioria da população de um Estado ou de uma região. É preciso assegurar àqueles que são prejudicados por tais projetos, devido à desapropriação de suas propriedades, por seu reassentamento forçado, por perda de empregos e de relações de vizinhança, entre outros efeitos negativos, que tenham efetiva oportunidade de reconstituírem suas condições de vida, em termos socioculturais e econômicos. O mesmo vale para as questões ambientais, que têm tido normalmente um tratamento superficial e não plenamente satisfatório. Um bom exemplo é a falta de solução adequada, até o momento, para garantir a circulação das espécies de peixes que necessitam subir os rios para realizar a desova, a conhecida piracema. É necessário, pois, ter claro que os projetos hidrelétricos que tanto têm permitido a expansão econômica da sociedade como um todo também têm faces sombrias
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Montagem de linha de transmissão no Rio Grande do Sul. Foto: Beto Negrão. Acervo: CEEE.
que necessitam permanente atenção e monitoramento. A Região Sul do Brasil, formada pelos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, tem uma área de 577.214 km², distribuída em 1.159 municípios. Sua população, pelo censo de 2000, era de 25.089.783 habitantes, dos quais 80,94% vivem em áreas urbanas. O crescimento populacional da região foi acentuado: em 1900 contava com 1.796.495 habitantes, eqüivalendo a 10,30% da população do País. Em 1940 o número de habitantes havia saltado para 5.735.305; em 1960 atingiu 11.892.107; em 1980 chegava aos 19.380.126 de residentes. Em 2000 os sulistas representavam cerca de 14,79% da população total do País. No cenário nacional a região é reconhecida por suas potencialidades econômicas. Em 1998 o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu 159,679 bilhões de reais, o segundo maior do País. A renda per capita anual, no mesmo ano, foi de R$ 6.611,00. No ano de 1999 havia na Região Sul cerca de 984.583 empresas, representando 23,5% do total existente no País. O número de estabelecimentos rurais, em 1995, era de 1.003.180. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais elevado do País, em 1996, era o do Rio Grande do Sul, seguido de perto por Santa Catarina e pelo Paraná, revelando condições sanitárias e expectativas de vida bastante razoáveis. Contando com expressiva diversidade étnica, com diferentes tradições culturais, a Região Sul possui recursos naturais de importância, ressaltando-se o carvão mineral, o potencial de suas bacias hidrográficas, os recursos marinhos e florestais. É grande produtora de soja, milho e trigo; de papel e celulose; de frutas de clima temperado; e de café. Ocupa, também, posição de destaque como produtora de laticínios, de carnes, de frangos e de suínos; na produção de veículos, de motores elétricos, de máquinas agrícolas e industriais, de eletrodomésticos e de tecidos além da prestação de serviços. No cenário das exportações nacionais os Estados do Sul aparecem, em 1999, nas seguintes posições: Rio Grande do Sul, US$ 4,9 bilhões; Paraná, US$ 3,9 bilhões; Santa Catarina, US$ 2,5 bilhões, que representaram em conjunto 23,9% das exportações do País. É neste contexto que se devem entender as diferentes iniciativas governamentais e privadas para dotar a região com uma infra-estrutura de serviços, envolvendo eletrificação, estradas, portos, aeroportos e comunicações, bem como as crescentes pressões comunitárias para a
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sua permanente ampliação. É impossível, pois, imaginar a Região Sul sem a existência dessa base material que é a energia elétrica, indispensável para a concretização dos mais diferentes projetos econômicos, sociais ou culturais, além de garantia de conforto e de bem-estar às populações dos conglomerados urbanos e rurais. No novo cenário das privatizações que estão em andamento no setor elétrico cabe ressaltar que o potencial hidrelétrico da Região Sul está em fase final de aproveitamento. Os últimos projetos de importância estão sendo implantados nas bacias do Uruguai (RS/SC) e do Tibagi (PR). Há disponível o potencial representado pelo carvão mineral, cujas jazidas são significativas para a geração térmica, desde que superado o problema ambiental. No contexto do aproveitamento do gás boliviano há esforços governamentais para a implantação privada de termelétricas que consumiriam este combustível. Já está instalada a UTE Uruguaiana, de capital privado, aproveitando o gás originário da Argentina. Há, também, programas de repotenciação e modernização visando ao aumento da capacidade instalada de algumas usinas, bem como novas experiências de geração térmica por célula a combustível e pela utilização da biomassa, além do aproveitamento das fontes de energia solar e eólica. A diversificação da matriz energética, pois, implica também o crescente investimento em pesquisas de fontes alternativas, além da conscientização da sociedade sobre questões como eficiência energética e proteção ambiental. Vale enfatizar, ainda, o papel dos setores públicos envolvidos na questão energética, seja definindo políticas, seja decidindo sobre novos empreendimentos. A energia elétrica cada vez mais deve ser compreendida como um bem público, em cujo setor as intervenções dos governos federal e estaduais, com ou sem a participação de segmentos privados, devem sempre visar ao interesse da sociedade. Este parece ser o maior desafio neste momento de mudança do modelo do setor elétrico.
Imagem de satélite do rio Iguaçu (PR), destacando os lagos das hidrelétricas Foz da Areia e Segredo. Acervo: Copel.
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Entrevista com Cláudio Ávila da Silva, à época Presidente da Eletrobrás
Sem dúvida, acentuaram-se em muito a importância e a necessidade de incrementar essa parceria. A Eletrobrás, por exemplo, está participando de investimentos em geração e transmissão em parceria com o setor privado. Participamos de forma minoritária, mas viabilizando os investimentos complementares aos projetos e o cumprimento de seus prazos. Como todo momento de crise, esse também permitiu a reflexão e apontou o caminho do incremento das parcerias como o mais adequado. O papel a ser cumprido pela Eletrobrás é apoiar os projetos, viabilizá-los e, depois de sua maturação, retirar-se para apoiar outras iniciativas, isto é, assumindo o papel de fomentador.
• Quais as novas orientações no setor energético? Nesse momento nós vivemos também uma fase de transição do modelo. Em 1995 previa-se a privatização da geração e da transmissão de todo o sistema federal. Este processo foi retardado, entre outros motivos, em função do racionamento de energia, que dirigiu todo o foco do governo na busca do aumento da oferta e da diminuição do consumo. O que o governo procurou fazer foi incrementar a parceria com o setor privado, para aumentar os investimentos em geração, transmissão e distribuição. De qualquer forma, foi uma oportunidade para reavaliar o programa de privatização – verificar o que estava caminhando bem e o que precisava ser modificado. Sabese, também, que muitos pontos na regulamentação do setor precisam ser concluídos, coisa que faremos em 2002, e a privatização será uma decisão do próximo governo. De qualquer forma, uma coisa ficou muito clara: a necessidade de unir esforços para dar conta dos altos investimentos que o setor requer. E está claro que o governo sozinho não dispõe destes recursos.
• E nesse papel a Eletrobrás continua estatal? No programa inicial estava prevista a venda de toda a parte de geração. Na distribuição, a Eletrobrás ainda mantém algumas empresas que foram federalizadas, no Norte e no Nordeste, mas que também estão incluídas no plano de privatização futuro. As partes de geração e transmissão ainda são majoritariamente estatais. Resta à Eletrobrás o papel de comercializadora de energia nuclear, que constitucionalmente é energia do Governo, mais a energia de Itaipu – somos donos de 50%, do sistema de transmissão brasileiro – e, como disse
• Nesse momento de crise cresce a importância dessa parceria com o setor privado?
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anteriormente, o apoio a projetos com participação minoritária. A venda dos ativos de geração de Furnas, Eletronorte e Chesf está sob análise nesse momento, e a venda efetiva deve ficar para o próximo governo. Portanto, uma grande parte da Eletrobrás tem que continuar estatal e aprofundar as parcerias com o setor privado. • Qual é a situação atual da crise energética no Brasil? A situação do Nordeste era a mais preocupante mas, assim como no Sudeste, a primeira grande reação foi a participação da sociedade. Isto permitiu que tivéssemos uma manutenção nos níveis dos reservatórios. Aliado a isso, o programa emergencial estabelecido pelo governo prevê a entrada de quase 20 mil MW até o fim de 2003, com usinas térmicas, hidrelétricas e linhas de transmissão novas no sistema. As avaliações recentes apontam para uma situação mais confortável, e já podemos falar no fim do racionamento a partir de 1º de março, pela elevação dos níveis dos reservatórios acima do previsto.
matriz energética para termos garantias. Ganham importância aí a geração térmica e as fontes de energia alternativas. • E quais são as perspectivas de mudança na matriz energética? A crise mostrou que precisamos diversificar e também fazer novos investimentos. É inegável que a energia mais barata é a hidrelétrica. É inegável também que essa é nossa vocação natural. Temos ainda um potencial de mais de 200 mil megawatts a serem explorados – nenhum outro país tem essa potencialidade. No entanto, temos que entender que precisamos de alternativas de reserva que atendam à sociedade em um momento de diminuição de oferta hidráulica. Para isto temos a oferta do carvão catarinense e do Rio Grande do Sul, que somam mais de 32 bilhões de toneladas. É um produto nosso, negociado em real, que gera empregos e precisa de investimentos no setor termelétrico. As fontes com gás natural, biomassa, além da energia eólica e a solar, entre outras renováveis, também devem ter uma participação importante nesse processo.
• O clima tem ajudado? Não podemos reclamar. Mas também não podemos depender dele. O sistema brasileiro, com base na hidreletricidade, tem no regime de chuvas um fator muito importante, mas é preciso investimentos e diversificação da
• A crise teve impacto no setor produtivo brasileiro? As projeções davam conta de um grande impacto, como a desaceleração da economia, reflexos no PIB, mas, felizmente, isso não ocorreu da forma prevista.
No entanto, a crise trouxe lições valiosas, e uma delas é a da importância da infra-estrutura da energia elétrica para o crescimento do País. A crise não está totalmente superada, mas o caminho para superação está correto, e todos os esforços devem ser feitos nesse sentido. • No novo quadro, qual é o papel da ANEEL? É um papel fundamental. O mais urgente é concluir, com a participação de todos, a regulamentação que ainda falta ao setor elétrico. Isto representa a segurança para novos investimentos. Esta regulamentação representa também a proteção ao consumidor final – que não deve ter seus gastos com energia aumentados de forma exorbitante. Tem ainda o importante papel de fiscalização. Isto para o cumprimento de prazos das obras e serviços prestados, agilidade no lançamento de novos projetos de geração e transmissão de energia capazes de sustentar nosso desenvolvimento. Portanto, é essencial que a ANEEL tenha condições de executar seu trabalho, que o tempo e a experiência se encarregarão de fortalecer. (Entrevista revisada e autorizada para publicação. Realizada em 22 de outubro de 2001 por Cláudio Prisco Paraíso e Fabio Mafra Figueiredo)
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A energia elétrica na Região Sul no contexto da privatização
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MARIA JOSÉ REIS NEUSA MARIA SENS BLOEMER
Nos anos 1990, com a aceleração do processo de privatização, novos agentes passaram a atuar no sistema de energia elétrica na Região Sul. O processo de reorganização da Eletrosul em 1997, já referido, deu origem às Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. (Gerasul) e à Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul). Logo em seguida, a Gerasul foi levada a leilão, sendo adquirida pela Tractebel, Electricity & Gas Internacional (Tractebel), que tem sua sede na Bélgica. A Gerasul, com o patrimônio adquirido, tornouse a maior empresa privada de energia elétrica do País, cuja capacidade de produção representa 7% da eletricidade gerada no Brasil e 50% de energia da Região Sul1. Deste modo, a Gerasul passou a ser responsável pelos sete empreendimentos de produção de energia elétrica que faziam parte do patrimônio da Eletrosul.
A Gerasul: perfil atual
Usina Termelétrica Charqueadas (RS). Acervo: Tractebel.
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Em 2002 a Gerasul alterou seu nome para Tractebel Energia S.A., mantendo o controle sobre sete empreendimentos de porte na produção de energia elétrica. Quatro desses empreendimentos são usinas hidrelétricas: a de Salto Osório e a de Salto Santiago, no Paraná; a de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e a de Itá, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, totalizando 4.276 MW de potencial instalado. Três são termelétricas: as usinas de Alegrete e Charqueadas, no Rio
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Grande do Sul, além do Complexo Jorge Lacerda, em Santa Catarina, que possuem 995 MW instalados. A partir de 1998 a capacidade de geração própria da Gerasul foi ampliada em 40%, passando de 3.719 MW para 5.271 MW. A empresa expandiu sua atuação centradamente no Sul do País. Atualmente, porém, além das usinas nessa região, possui empreendimentos nos Estados de Goiás e do Mato Grosso do Sul, participando, inclusive, no desenvolvimento de projetos de co-geração de energia na região Sudeste. Na Região Sul a Gerasul participa em diferentes consórcios destinados à instalação de novos empreendimentos. São eles a Usina Hidrelétrica Machadinho, localizada entre os municípios de Piratuba (SC) e Maximiliano de Almeida (RS), com a capacidade de geração de 1.140 MW, e a Usina Termelétrica Jacuí, localizada no município de Charqueadas (RS), que terá capacidade de geração de 350 MW2. No que diz respeito aos aspectos ambientais, a Gerasul desenvolve, em relação às termelétricas, convênios com a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), com a Fundação de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul e com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)3. Esses convênios têm como meta o desenvolvimento de programas de monitoramento sistemático das emissões atmosféricas e líquidas assim como o impacto dessas emissões na qualidade do ar e dos cursos d’água na área de influência de suas usinas. Para a gestão ambiental nas hidrelétricas, a Gerasul mantém convênios com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e com o Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (EmaterRS) e com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), para a execução do monitoramento ambiental dos lagos das usinas e suas adjacências. Ao mesmo tempo, a companhia, dando continuidade aos projetos desenvolvidos pela Eletrosul, foi responsável pela instalação de parte da população rural atingida pela UHE Itá, atendendo a todos os projetos previstos e responsabilizando-se, também, pela assistência técnica aos assentados. Além do reassentamento integral da sede do município de Itá, no total foram removidas das áreas atingidas pela implantação da UHE
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Itá 4.139 famílias rurais, das quais 3.260 receberam indenização financeira; 458 tiveram acesso a cartas de crédito, modalidade que permitiria viabilizar o reassentamento individual das famílias beneficiadas; 370 foram reassentadas coletivamente em sete reassentamentos instalados pelos empreendedores em áreas distribuídas nos três Estados sulinos; 72 foram assentadas individualmente, em áreas remanescentes, nos próprios municípios parcialmente alagados4. Foram, igualmente, relocados 35 núcleos rurais, que sediavam igrejas, escolas, cemitérios, salões de festas e instalações esportivas.
Acima, vista parcial do complexo termelétrico Jorge Lacerda. Acervo: Tractebel. Ao lado, Usina Hidrelétrica Salto Osório (RS). Acervo: Tractebel.
Entrevista com Manoel Arlindo Zaroni Torres, Presidente da Gerasul. • No novo modelo no setor elétrico qual é a participação da Gerasul? A Gerasul nasceu em 1998, com a cisão da parte de geração da Eletrosul. A Gerasul foi comprada em 15 de setembro, num leilão da bolsa de valores do Rio de Janeiro, pela Tractebel. Nós somos a maior empresa geradora privada do País. Estamos investindo e crescendo, e respondemos por 7% de toda a energia gerada no Brasil e por 50% do mercado da Região Sul. • Como está o quadro da crise energética no País? O Sul está fora do racionamento, graças a investimentos como o realizado na Usina Hidrelétrica Itá, com 1.450 MW, com custo da ordem de U$ 1 bilhão. A Gerasul possui um parque produtivo diversificado que conta com usinas termelétricas no Sul e no Sudeste, e hidrelétricas no Sul e, num futuro bem próximo, também no Sudeste, com a entrada em operação da hidrelétrica de Cana Brava. Em junho deste ano a Gerasul inaugurou a primeira termelétrica que utiliza o gás do gasoduto Bolívia-Brasil, a Usina William Arjona, em Campo Grande. O desempenho dessas usinas garantiu ao Sul manter o Edifício sede da Tractebel em Florianópolis.
seu suprimento de energia e minorar a situação do Sudeste. Vale lembrar que o Sul poderia minorar ainda mais a situação do Sudeste, caso as restrições de transmissão entre as duas regiões não fossem tão severas. Para que no futuro o setor não dependa exclusivamente da quantidade de chuvas, é essencial uma maior intensidade em novos investimentos. • A crise acabou forçando a entrada de novos projetos. Eles estão vindo? Estão acontecendo muitos leilões, mas os investimentos ainda não estão ocorrendo no nível considerado ideal para fazer frente ao crescimento da demanda. Isto porque usinas são investimentos de longa maturação e são intensivas em capital. Outro problema é que o mercado atacadista não está funcionando. Até o momento as compras de energia realizadas sem contratos não foram liqüidadas, o que inibe o investidor a tomar suas decisões. • O fato de a matriz energética estar quase exclusivamente baseada na hidreletricidade é um fator agravador da crise? Não. Se nós tivéssemos feito os investimentos necessários, construído mais hidrelétricas e mais linhas de transmissão, não teríamos a crise. É evidente que o aumento da capacidade térmica
tem o seu lado positivo, permite que se diversifique a matriz, busque outros combustíveis de boa qualidade, como o gás natural, mas isso tem um preço. Na minha opinião, o setor elétrico brasileiro, por ser predominantemente hidrelétrico, é privilegiado, pois não dependemos praticamente de divisas. Nós temos estrutura, temos engenharia civil de qualidade e temos rios. Nossa diversidade hidrológica é única no mundo. • E o setor de transmissão, que está nas mãos do governo, está funcionando bem? Os investimentos estão atrasados. Hoje, nós temos várias usinas térmicas paradas no Sul, que poderiam mandar energia para o Sudeste. Mas no momento está inviável o transporte dessa energia de forma segura por falta de linhas, e acabamos pagando mais caro por isso. No novo ambiente, a transmissão é o elemento viabilizador da competição no mercado e deveria andar na frente para puxar a geração, e não correr atrás, como está acontecendo. • Mas a transição do público para o privado está sendo benéfica para o País? Sem dúvida. Veja que essa é uma decisão política do governo, que orientou a aplicação de seus recursos para outros setores. O
setor privado está investindo alto, concluindo obras em tempo recorde. Infelizmente o processo de desregulamentação do setor parou em função da crise, tendo sido retomado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.
• Quais as perpectivas de expansão da Gerasul? Nós crescemos muito. Vamos crescer em 2002 aproximadamente 5%. Se comparar ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), esse número é fantástico. Estamos concluindo a hidrelétrica de Cana Brava, em Goiás, com investimento de U$ 300 milhões. A Gerasul tem participação de 17% na Usina Hidrelétrica Machadinho. Além disso, concluímos em 2001 a William Arjona e estamos ampliando-a. Estamos fazendo um estudo com resíduos urbanos, um projeto de utilização de biomassa para geração de energia em Lages (SC), além de uma série de outros projetos. (Entrevista revisada e autorizada para publicação. Realizada em 2 de novembro de 2001 por Cláudio Prisco Paraíso e Fábio Mafra Figueiredo)
Reorientações nas empresas estaduais de energia: CEEE, Celesc e Copel 5
Depois da sua reestruturação, a CEEE remanescente permaneceu com as atividades dos segmentos de geração hidrelétrica, transmissão (rede básica) e distribuição na regiões sul-sudeste do Estado do Rio Grande do Sul. A empresa tem, no momento, um parque gerador constituído por 15 usinas, que totalizam uma potência efetiva de 910,6 MW, 50% dos quais direcionados ao atendimento do mercado de sua própria área de concessão e os restantes destinados ao suprimento das demais concessionárias do Rio Grande do Sul. Quanto à transmissão, a CEEE opera a rede básica, que compreende 41 subestações com potência instalada de 5.518,9 MVA e 4.393,22 km de redes. As instalações de conexão são constituídas de dez subestações, com potência instalada de 584 MW e 985,03 km de linhas. Além de conservação, melhorias e modernização de unidades existentes, a CEEE tem investido em parcerias para novos empreendimentos de geração, implantação e ampliação de subestações, de linhas de transmissão e distribuição. Atualmente, a Companhia está participando em consórcios para explorar os potenciais hidrelétricos das bacias dos rios Uruguai, Taquari-Antas e Jacuí, bem como da Usina Termelétrica Gaúcha, a gás natural, e pequenas centrais termelétricas a biomassa. Na bacia do rio Uruguai a empresa participa do consórcio responsável pela instalação das usinas hidrelétricas Machadinho (1.140 MW) e Foz do Chapecó (855 MW), localizadas no rio Uruguai, e na de Campos Novos, localizada no rio Canoas (SC), com potência de 880 MW. Na bacia do rio Jacuí a CEEE participa do consórcio responsável pela instalação da usina hidrelétrica Dona Francisca. Esta usina está situada no médio curso do rio Jacuí, tendo a potência de 125 MW. Em consórcio com a companhia paulista de Força e Luz e com a empresa Desenvix S.A., a CEEE será responsável também pela construção do Complexo Energético do Rio das Antas (CERAN),
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Acervo: CEEE.
Acervo: Celesc.
constituído pelas usinas Castro Alves (130 MW), Monte Claro (130 MW) e 14 de Julho (100 MW), localizadas no rio das Antas entre os municípios de Bento Gonçalves, Veranópolis, Nova Pádua, Nova Roma do Sul e Cotiporã. Paralelamente, foram desenvolvidos pela empresa estudos para a retomada da pequena usina hidrelétrica Furnas do Segredo, obra iniciada pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) e interrompida em 1967. Esta usina está localizada no rio Jaguari na divisa dos municípios de Jaguari e Jari. Com a implementação do projeto da Usina Termelétrica de Uruguaiana, foram iniciados pela Sul Gás os estudos para a construção do gasoduto Uruguaiana/Porto Alegre visando ao atendimento de uma usina de grande porte a gás natural. Localizada no Pólo Petroquímico de Triunfo, a 60 km de Porto Alegre, essa usina terá um potencial de 480 MW. Em parceria com a Companhia Geral de Distribuição Elétrica (CGDE), empresa portuguesa e com interveniência da Secretaria de Energia, Minas e Comunicações (SEMC), a CEEE realiza estudos relativos à viabilidade técnico-econômica e ambiental da utilização da biomassa (resíduos de madeira e casca de arroz), com vistas à implantação de novas usinas, que poderão produzir cerca de 100 MW. A CEEE e a SEMC apóiam, também, estudos para a instalação de estações de medição de ventos, visando a colocar em operação 12 estações fornecedoras de energia eólica, através da formação de consórcio com diversas empresas privadas. Em relação à energia e ao meio ambiente, vários são os programas desenvolvidos pela CEEE. Entre esses programas destacam-se os de Educação Ambiental; Gestão de Resíduos; Reciclagem e Recuperação de Óleo Isolante utilizado pela própria empresa; Viveiros e Hortos de Proteção; Recuperação de Áreas Mineradas; criação de um Parque Estadual e de uma Estação de Piscicultura. Nos projetos hidrelétricos a empresa tem contemplado os aspectos ambientais em todas as fases de instalação e operação das usinas. Através do uso múltiplo de seus reservatórios, a CEEE busca conciliar a utilização para fins energéticos com os demais interesses das populações locais. Preocupada, também, com a memória da produção de energia elétrica, a CEEE mantém o Museu da Eletricidade do Rio Grande do Sul (MERGS), órgão vinculado à sua Assessoria de Comunicação
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Social. Suas dependências apresentam, além de uma exposição permanente, salas de pesquisa, de projeção de vídeo e uma videoteca com documentários históricos sobre a energia elétrica no Estado6. A Celesc, através da Lei nº 12.130 de 16 de janeiro de 2002, passou por uma remodelagem organizacional. No processo de reorganização foram criadas empresas independentes, sob a forma de subsidiárias integrais: a Celesc Geração S.A.; a Celesc Telecomunicações S.A.; e a Celesc S.A., responsável pela distribuição e comercialização da energia elétrica em todo o Estado de Santa Catarina. O parque gerador da Celesc conta com 12 pequenas usinas elétricas que geram um total de 79,2 MW. A distribuição de energia é realizada através de 92 subestações com potência instalada de 3.970 MVA, através de 3.741 Km de rede elétrica e 2.617 Km de rede física7. Além das 12 hidrelétricas sob administração da Celesc, há aproximadamente 70 outras usinas no Estado, a maior parte delas pertencente a empresas privadas que usam a eletricidade gerada para consumo próprio8. Numa política de privatização e de compartilhamento em novos empreendimentos a Celesc está investindo também na participação nos já referidos consórcios destinados à instalação da UHE Campos Novos, que deverá disponibilizar 880 MW; da UHE Machadinho, cuja potência total instalada será de 1.140 MW; da UHE Dona Francisca, com potencial de 125 MW, em operação no Rio Grande do Sul desde 2000. Do mesmo modo, a empresa tem investido na exploração de recursos naturais como fontes alternativas de energia elétrica. Em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, a Celesc implantou sistemas para medição de radiação solar com o objetivo de verificar o potencial do Estado na geração de energia elétrica a partir desta fonte. Sistemas fotovoltaicos foram instalados na Ilha de Guarás, em parceria com o Ministério de Minas e Energia; e no Forte da Ilha de Ratones, através de parceria com o mesmo Ministério e com a Universidade Federal de Santa Catarina. Sistemas solares fotovoltaicos estão sendo instalados também em escolas do interior do Estado. Um sistema de 27 estações anemométricas foi instalado pela companhia, com a finalidade de inventariar o potencial eólico para a produção de energia elétrica em todo o Estado. Três regiões foram apontadas com condições técnicas e econômicas para a implantação dessas usinas. Em 2001 a Celesc e a Wobben Windpower estabeleceram
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Página anterior, energia solar em uso na Ilha de Ratones, Florianópolis. Acervo: Labsolar, UFSC.
Experimento de uso de energia solar realizado pela Copel. Ilha de Ararapira (PR). Acervo: Copel.
parceria para construir parques eólicos em Laguna, Água Doce e Bom Jardim da Serra, com a previsão de fornecer um total de 12,6 MW a partir de meados de 2002. A Celesc incorporou a preocupação com o meio ambiente através de diferentes programas ambientais, como o de Gestão de Resíduos; o Programa de Descontaminação de Lâmpadas; o Programa de Coleta de Papel Reciclável; o Programa de Tratamento de Bifenilas Policloradas, entre os quais estão os óleos usados em transformadores e capacitadores, e o Projeto de Proteção ao João de Barro, objetivando reduzir o número de desligamentos e evitar a morte desses pássaros. Além desses projetos, a Empresa criou a Estação Ecológica do Bracinho, localizada entre os municípios de Schroeder e Joinville, com os objetivos de realizar pesquisa básica e aplicada e desenvolver a educação ambiental. A Celesc tem a intenção de transformar a UHE Maroim, cuja casa de máquinas por si só é um monumento arquitetônico, em um Museu. Tal iniciativa, se concretizada, certamente trará reflexos bastante positivos, tanto no contexto da preservação da memória regional, quanto para a ampliação das alternativas para o ensino e o lazer na área da Grande Florianópolis. A Copel, a partir de julho de 2001, foi submetida a um processo de desmembramento, passando a formar um grupo com cinco empresas, atuando nas áreas de geração, transmissão, distribuição, participações e telecomunicações. A companhia tem, atualmente, um parque gerador constituído por 16 usinas hidrelétricas, totalizando 4.529 MW de potência instalada, além de duas termelétricas que geram, em conjunto, 20 MW. A transmissão de energia é realizada através de 349 subestações, com potência instalada de 19.283 MVA e 160.054 km de rede. Além da manutenção e da modernização de suas unidades de geração e transmissão, a Copel tem, igualmente, investido na participação em consórcios para a realização de novos empreendimentos. A Copel começou a atentar para a importância das questões ambientais no início da década de setenta do século XX. Durante a construção da Hidrelétrica de Foz do Chopim foram desenvolvidos os primeiros projetos de reflorestamento com espécies nativas e exóticas e o cultivo experimental de peixes. Com a regulamentação do Sistema Nacional de Meio Ambiente,
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Depoimento Desde 1997 a Rio Grande Energia – RGE é responsável pela distribuição de energia elétrica nas regiões do norte do Rio Grande do Sul. Nos 254 municípios em que atua, a empresa atende a um milhão de clientes, representando aproximadamente 3,4 milhões de habitantes. Distribuir energia com qualidade e confiabilidade são atribuições essenciais da RGE. Para tanto, a empresa vem realizando fortes investimentos no seu sistema elétrico, disponibilizando capacidade suficiente para atender à expansão do mercado e garantir o conforto e a qualidade de vida dos seus clientes. A RGE continuará direcionando todas as ações no sentido de aliar a qualidade e a confiabilidade de seus serviços ao desenvolvimento econômico e social das comunidades onde atua. Nós temos um compromisso com os nossos clientes que não se limita à distribuição de energia elétrica. Queremos ser peça fundamental no desenvolvimento do Estado e de seu povo. (Sidney Simonaggio, Presidente da RGE)
Geração de energia por célula a combustível. Acervo: Copel.
no início da década de oitenta, as ações ambientais foram incorporadas ao cotidiano da empresa. Foram desenvolvidos, a partir daí, programas de experimentos com espécies florestais; estudos e levantamentos ictiológicos; manejo ambiental integrado; criação de estações ecológicas e de parque ambiental. Os estudos botânicos e faunísticos têm sido desenvolvidos pela empresa em parceria com diferentes instituições universitárias. A Copel tem igualmente investido no levantamento de formas alternativas de energia. Em relação à energia eólica, foi inventariado o potencial energético do Estado e elaborado, em parceria com a Empresa Woblen Windpower, o Projeto Eólico de Palmas, com 2,5 MW de potência instalada. Várias experiências foram também realizadas utilizando a energia solar, permitindo a eletrificação de comunidades litorâneas e rurais e a eletrificação de parques estaduais. Através de convênio com o Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (Lactec-UFPR), a Copel mantém, ainda, o fornecimento de energia elétrica através de células a combustível, sistema que consiste no aproveitamento do hidrogênio, contido em combustíveis como o gás natural, em combinação com o oxigênio extraído do próprio ar. Com a obra da Hidrelétrica de Segredo a Companhia realizou projetos de reassentamento de agricultores familiares, experiência que foi aperfeiçoada na Hidrelétrica de Salto Caxias. Esses projetos foram apresentados em diferentes eventos internacionais, sendo o reassentamento dos agricultores de Salto Caxias considerado, por uma comissão da FAO, como a melhor experiência mundial em projetos dessa natureza. A Copel, preocupada com a preservação da memória da eletricidade, mantém em Curitiba o Museu da Energia e, em Irati, junto a parte das instalações da empresa, funciona o Museu de Demonstração
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Usina Garatuva. Além disto, em Guarapuava funciona o Museu Regional do Iguaçu, localizado próximo à UHE Segredo, que tem suas exposições voltadas para a preservação ambiental. No contexto da privatização, além dos consórcios nos quais estão envolvidas as empresas acima referidas, novos empreendedores privados têm assumido os projetos de instalação e transmissão de energia elétrica nos Estados do Sul. Entre esses consórcios, vale destacar os responsáveis pela implantação de hidrelétricas no vale do rio Uruguai. Este é o caso da hidrelétrica Quebra Queixo em construção com 120 MW, cujo consórcio é liderado pela empresa Queiroz-Galvão, e o da UHE Barra Grande, sendo iniciada com 680 MW, liderado pelas empresas Votorantim, Bradesco e Camargo Correia (VBC)9. Compreende-se, assim, que os papéis das agências oficiais de regulação têm importância mais do que estratégica. A operacionalização do sistema, na totalidade, implica compreender sua complexidade, mantendo sua coerência interna e sua capacidade de auto-sustentação econômica sem, contudo, deixar de assegurar à população serviços de qualidade, associados a tarifas justas.
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Gerasul. Relatório Anual 2000 e informações do Setor de Comunicação Social da empresa. Jornal Gazeta Mercantil, 26 de dezembro de 2001, p. A-6 www.copel.com.br. 4 Gerasul, 2001. 5 Este tópico tem por base dados fornecidos pelos autores dos Capítulos 7, 8 e 9, respectivamente, Luis Airton Ferret (CEEE), Sebastião Berlinck Brito (Celesc) e Frederico Reichmann Neto (Copel). 6 www.ceee.com.br. 7 Informação fornecida pelo Departamento de Planejamento de Sistemas (Celesc). 8 Jornal Gazeta Mercantil de 21 de junho de 2001, ano III, nº 801, p.1. 9 www.ceee.com.br. 2 3
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O papel da Eletrosul como empresa de transmissão num sistema interligado
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CLÁUDIO PRISCO PARAÍSO FÁBIO MAFRA FIGUEIREDO
Com a reestruturação do setor elétrico brasileiro iniciada na década de noventa do século XX, os serviços de energia elétrica foram divididos em seus segmentos principais: geração, transmissão, distribuição e comercialização. A partir deste momento o Estado se afastou de sua condição de empreendedor, passando a assumir o papel de regulador, essencialmente através da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Esta autarquia, sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, tem a finalidade de regular e fiscalizar a produção, a transmissão, a distribuição e a comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. Também ganhou grande importância a necessária compatibilização do aproveitamento energético dos cursos de água com a política nacional de recursos hídricos, recém-adotada pelo País. Além da ANEEL, complementam a constituição do arcabouço jurídico institucional do Setor Elétrico Brasileiro os seguintes organismos:
CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S.A. (CELESC). Quem somos: histórico. Disponível em: <http://www.celesc.com.br>. Acessado em: mar. 2002. COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA DO RIO GRANDE DO SUL (CEEE). História da CEEE. Disponível em: <http://www.ceee.com.br>. Acessado em: mar. 2002. COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA (COPEL). Conheça a história da Copel. Disponível em: <htpp:// www.copel.com/conheça a copel>. Acessado em: mar. 2002. TRACTEBEL ENERGIA (GERASUL). Quem somos. Disponível em: <http://www.gerasul.com.br>. Acessado em: abr. 2002.
– Operador Nacional do Sistema (ONS), entidade de direito privado que atua mediante autorização da ANEEL. Executa as atividades de coordenação e controle da operação da geração e transmissão do sistema interligado nacional; – Câmara de Gestão da Crise de Energia (GCE), criada com o objetivo de centralizar as decisões referentes à recente crise de energia; – Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão de
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Projeto dirigido a alunos do Ensino Fundamental, destacando a importância da conservação de energia elétrica.
Montando linha de transmissão. UHE Machadinho (RS/SC). Acervo: Foto Gabiatti.
assessoramento do Presidente da República para a formulação de políticas e diretrizes de energia. Esse conselho tem a função principal de promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, preservando o interesse nacional e ampliando a competitividade do País no mercado internacional; – Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE), onde as atividades de geração e de comercialização de energia elétrica, inclusive sua importação e exportação, deverão ser exercidas em caráter competitivo, assegurando aos agentes econômicos interessados o livre acesso ao sistema de transmissão e distribuição, mediante o pagamento dos encargos correspondentes. Durante a recente crise de energia foi proposta a desativação do MAE; – Programa Nacional de Desestatização (PND), que tem como objetivo fundamental reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades anteriormente exploradas pelo poder público. Dentro deste contexto, a atividade de transmissão passa a ser exercida exclusivamente mediante concessão, precedida de licitação. Todos os reforços das instalações existentes serão de responsabilidade da concessionária proprietária da instalação, mediante autorização da ANEEL. As instalações e os equipamentos integrantes da Rede Básica de Transmissão serão disponibilizados ao ONS, mediante Contrato de Prestação de Serviços de Transmissão, subordinando-se às ações de coordenação e operação. As demais instalações de transmissão serão disponibilizadas diretamente aos acessantes interessados, contra pagamento de encargos, através de celebração de contratos de conexão. É assegurado o tratamento não discriminatório a todos os usuários dos sistemas de transmissão e de distribuição, mas sempre preservando a utilização racional dos sistemas. O repasse de energia elétrica gerada pela Itaipu Binacional será objeto de contratos específicos celebrados diretamente entre os concessionários e autorizados com Furnas e Eletrosul. Para conectar-se às instalações de transmissão os acessantes deverão celebrar Contrato de Conexão ao Sistema de Transmissão (CCT) com as concessionárias detentoras das instalações, com a interveniência do ONS, definindo, entre outras condições, os requisitos técnicos e operacionais do ponto de conexão.
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A Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul) atua neste contexto desde o final de 1997, exclusivamente no segmento de transmissão de energia. Essa nova empresa nasceu da cisão dos ativos de geração e transmissão da antiga Eletrosul. Foi também essa cisão que deu origem às Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. (Gerasul), que já nasceu de acordo com os preceitos do novo modelo do Setor Elétrico Brasileiro. Entre as principais funções do sistema de transmissão da Eletrosul estão: promover a integração dos mercados consumidores de energia elétrica; garantir o livre acesso de consumidores e produtores, criando condições para que ocorra competição; possibilitar a otimização energética; viabilizar a importação de energia elétrica dos demais países do Mercosul; e manter a qualidade da energia nos pontos de suprimento. Esse papel é estratégico, uma vez que a Região Sul é uma das mais fortes geradoras de energia do País, tanto hidráulica quanto térmica, e a estatal deve atuar como uma facilitadora do acesso dessa energia aos grandes mercados nacionais, como o Sudeste, uma região onde o consumo é bastante superior. O Subsistema Sul (Região Sul mais Mato Grosso do Sul), área onde estão localizados os investimentos da Eletrosul, abriga um contingente populacional da ordem de 27 milhões de habitantes (IBGE), em 2000, e responde por 19% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, e 17% do mercado de energia elétrica do País. A capacidade instalada de geração de energia elétrica na referida área é de 24.874 MW, sendo 2.727 MW térmica e 22.147 MW hidráulica, incluídos 12.600 MW de Itaipu. O consumo total de energia elétrica no ano de 2000 foi da ordem de 56 mil GWh, tendo expandido 7,2%. Esse crescimento foi superior ao verificado em 1999, que ficou em 5,5%. No mesmo período observase que o mercado nacional cresceu 4,6%. No ano em referência a demanda máxima integralizada em uma hora do Subsistema Sul alcançou 9,51 MWh/h, registrada em julho de 2000, sendo 8,4% superior ao valor ocorrido em 1999. Além dessas funções, a transmissão no novo modelo assume o papel de induzir e viabilizar o livre mercado, e também de aumentar a energia garantida do sistema interligado, ao propiciar o aproveitamento das diversidades hidrológicas regionais. Para o perfeito desempenho de suas funções a empresa conta com
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uma infra-estrutura composta por 19 mil torres, 65 mil quilômetros de cabos, 8.575 quilômetros de linhas de transmissão, além de 29 subestações e uma conversora de freqüência, totalizando uma capacidade de transformação de aproximadamente 12.000 MVA. A sólida estrutura operacional e financeira da Eletrosul a credencia a participar no novo ambiente do setor elétrico brasileiro, onde a competição tem tido um aspecto preponderante, em condições de vencer todos os desafios a ela impostos, contribuindo de forma decisiva para o desenvolvimento econômico e social da área onde atua.
Sistema de Transmissão da área de atuação da Eletrosul, 2002-2003. Fonte: Eletrosul
Entrevista com João Paulo Kleinübing, então Presidente da Eletrosul. • Quais as novas orientações políticas no setor elétrico brasileiro? Do ponto de vista do modelo, o que menos importa é se ele vai ser privado ou público, e em que parte será privado ou público. O modelo tem que valer, não importa para quem seja o proprietário da ação, não importa para quem seja o dono da empresa. O modelo propõe segmentar as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização. Você encontra na transmissão e na distribuição monopólios naturais, onde a competição é menor e a regulação deve ser maior. Na geração e na transmissão há uma maior possibilidade de ocorrência de competição e, portanto, uma necessidade menor de regulação. Alguns atores não podem fazer determinadas atividades conjuntas, como é o caso da Eletrosul. Como transmissores, não podemos comercializar, não podemos gerar, só podemos fazer o serviço de transmissão. Os defensores da empresa pública costumam atacar as desverticalizações como primeiro passo para a privatização. Eu acho que isso não é verdade. Eu acho que a desverticalização é uma necessidade do modelo, e ela melhora o modelo. O sistema sueco é muito
parecido com o nosso. Lá o modelo é 100% estatal. Mas há diversos atores, todos sob o controle do Estado. Mas os atores existem independentemente, e não numa só empresa.
Não só a Eletrosul, mas uma série de outras empresas.
• Foi essa necessidade de desverticalização que levou à cisão da Eletrosul?
Boas, e o Brasil está explorando todas elas. Hoje, 93% da energia elétrica brasileira vem da água, aproximadamente 3% do carvão, quase 2% nuclear, e 1% diesel e outras fontes, grosso modo. Mas com certeza precisamos ampliar a participação de outras fontes, principalmente térmicas, como o gás, e mais o carvão, no caso do Sul.
Foi. O processo da Eletrosul foi com base nisso. O transmissor e o gerador foram separados, e o governo federal achou por bem ter um gerador privado. Agora, essa desverticalização, do ponto de vista do modelo, teria ocorrido de qualquer forma. A Gerasul poderia ter continuado pública, mas não junto com a Eletrosul. Por quê? Porque o transmissor, de certa forma, é um garantidor da competição. Além das funções clássicas da transmissão, que são integrar mercados consumidores; otimizar recursos naturais, ela também tem o papel de garantir a competição. Se a Eletrosul fosse geradora, ou comercializadora, eu iria levar em consideração outros interesses da minha empresa, não necessariamente a integração total dos mercados. Como transmissor, não: o nosso papel é garantir a competição, principalmente na geração. • Essa foi a importância de a Eletrosul ter se mantido estatal e transmissora?
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• Quais são as perspectivas de surgimento de energias alternativas?
• No contexto de crise a Região Sul é privilegiada em relação ao resto do País? Do ponto de vista da matriz, se você considerar só o Sul, como nós temos aqui a termelétrica Jorge Lacerda, entre outras, a participação da energia térmica cresce consideravelmente. Mas como nós trabalhamos com sistema interligado, a energia pertence ao País. Eu acho que nós temos que melhorar a participação de outras fontes, sim, não podemos ficar dependendo apenas da água. O Brasil é um país abençoado pela quantidade de recursos hídricos que tem. A energia hidráulica é mais barata, sempre foi e sempre será, mas em termos mundiais, 40% da energia do mundo vem do carvão, que é
muito mais caro que a energia hidrelétrica, porque o resto do mundo não tem a mesma condição de rios que o Brasil tem. A vocação hídrica do Brasil é clara. Mas nós temos que ter um equilíbrio com outras fontes que garantam uma otimização dos nossos recursos e que garanta o nível de risco hidrológico que esteja adequado ao País.
muito aquém do necessário, só começando a recuperar isso a partir de 1995, os resultados só agora estão acontecendo. E a solução da crise é realmente investir.
• Quais são as perspectivas para o fim da crise energética brasileira?
• E Santa Catarina no processo de geração?
A crise não foi tão grave quanto se esperava, mas a administração dessa crise foi feita de forma adequada. Nós chegamos a essa crise por três fatores, entre eles a chuva. Está certo, mas seria simplista demais colocar a culpa na chuva. Houve números desfavoráveis que fizeram a crise estourar naquele momento. Se você pegar a fatura de mais longo prazo, se comprova. Houve uma redução de investimentos, que só foram retomados em 1995, 1996, coincidindo com a entrada do setor privado que, de forma inequívoca, tem mais condições de investir do que o poder público. Houve um aumento de consumo, com o próprio crescimento do nosso País. Mas, sem dúvida, o fator determinante disso foi o do volume de investimentos. Como são investimentos de longa maturação, e como nós tivemos nos primeiros cinco anos da década de noventa um volume
Em sete anos nós devemos estar gerando 7.000 MW. Hoje nós geramos 2.600 MW, considerando Itá e Machadinho, que estão na divisa, com apenas metade da geração. 7.600 MW é o consumo de todo Sul do País. Só Santa Catarina vai gerar todo o consumo do Sul, somando aí o complexo Jorge Lacerda. Hoje Santa Catarina já é auto-suficiente em geração de energia e será um dos grandes produtores do País.
• Nós já conseguimos controlar a situação? O pior já passou.
(Entrevista revisada e autorizada para publicação. Realizada em 5 de outubro de 2001 por Cláudio Prisco Paraíso e Fábio Mafra Figueiredo)
A história da humanidade pode ser vista como a história do domínio de diferentes fontes de energia. Nesta perspectiva, a energia elétrica emerge como uma excepcional conquista do ser humano nos últimos 125 anos. Conquista que transformou tanto a base produtiva, quanto a vida cotidiana, dando suporte às mais sofisticadas manifestações da cultura em quase todas as sociedades humanas. No Brasil, e na Região Sul em particular, a energia elétrica foi e continuará a ser uma fonte estratégica para o processo produtivo, para nossa segurança, nosso conforto e a continuidade do modo de vida que conhecemos.
Perfil dos Autores O
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Sílvio Coelho dos Santos – Antropólogo, Professor Emérito da UFSC e Pesquisador Sênior do CNPq. Foi Presidente da Associação Brasileira de Antropologia e Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Publicou dezenas de artigos e livros, destacando-se Índios e brancos no Sul do Brasil (2a ed., Movimento, 1986); Nova história de Santa Catarina (4a ed., Terceiro Milênio, 1998); Os índios Xokleng – memória visual (Editora da UFSC/ Univali, 1997). Coordena o Núcleo de Estudos de Povos Indígenas (Nepi/UFSC) e desenvolve o projeto “Hidrelétricas, Privatizações e os Povos Indígenas no âmbito do Mercosul”, com o patrocínio do CNPq. Maria José Reis – Antropóloga, professora Adjunta IV, aposentada (UFSC). É professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (UFSC) e professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Tem realizado pesquisas e participado de consultorias tendo como foco os desdobramentos socioambientais e políticos da instalação de usinas hidrelétricas, sobretudo em relação a pequenos produtores rurais, resultando em vários artigos publicados em diferentes periódicos e em coletâneas, entre as quais Antropología y grandes proyectos en el Mercosur [Balazote, A; Catullo, M. R.; Radovich. J. C. (Org.). La Plata: Ed. Minerva, 2001]; e, Hidrelétricas e populações locais [REIS, M. J. e BLOEMER, N. M. S. (Org.) Florianópolis: Cidade Futura/Editora da UFSC, 2001]. P
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Aneliese Nacke – Antropóloga, professora Adjunta IV do Departamento de Antropologia da UFSC, integra o Núcleo de Estudos de Povos Indígenas (Nepi/UFSC). Tem realizado pesquisas e participado de consultorias sobre povos indígenas no Sul do País, voltadas, de modo especial, para as conseqüências socioambientais da instalação de hidrelétricas em terras indígenas, que resultaram em várias artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais e em coletâneas, entre as quais O cerco está se fechando [Hébette, J. (Org.). Petrópolis; Rio de Janeiro; Belém: Vozes; Fase; Naea, 1991]. Neusa Maria Sens Bloemer – Antropóloga, professora Adjunta IV, aposentada (UFSC). Atualmente é professora na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), colabora no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, UFSC, e integra o Núcleo de Estudos de Povos Indígenas da UFSC. Tem desenvolvido pesquisas e participado de consultorias sobre efeitos sociais da implantação de hidrelétricas, tanto no caso de populações indígenas, quanto de pequenos produtores rurais. Publicou vários artigos
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e o livro Brava gente brasileira: migrantes italianos e caboclos nos Campos de Lages [Editora Cidade Futura, 2000]; e, Hidrelétricas e populações locais [REIS, M. J. e BLOEMER, N. M. S. (Org.) Florianópolis: Cidade Futura/ Editora da UFSC, 2001]. COLABORADORES Cláudio José Dalla Benetta – Formado em Comunicação Social pela Universidade Católica do Paraná em 1977. Trabalhou em vários órgãos de comunicação do Estado, como as TVs Paranaenses e TV Iguaçu, e os jornais Diário do Paraná, Correio de Notícias, O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná, todos em Curitiba. Atua no setor de Comunicação Social da Itaipu Binacional desde 1988. Frederico Reichmann Neto – Engenheiro Florestal pela Faculdade de Florestas da Universidade Federal do Paraná em 1972. Especialista em Agroindústria e Desenvolvimento Industrial pela Graduate School, United States Department of Agriculture, Washington D.C., USA. Mestre em Ciências Florestais e Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento, ambos pela Universidade Federal do Paraná. Assessor de Meio Ambiente da Companhia Paranaense de Energia (Copel), Coordenador do Comitê Socioambiental do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos do MME. Consultor ad-hoc da Fundação Boticário de Conservação da Natureza. Gilberto Valente Canali – Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1966, e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, em 2000. Atua nas áreas de engenharia e planejamento de recursos hídricos, barragens e meio ambiente. No setor elétrico, trabalhou na Eletrosul, onde exerceu por vários anos a Chefia do Departamento de Engenharia de Geração, e na Itaipu Binacional, como Superintendente de Meio Ambiente. Foi Professor de Obras Hidráulicas na UFSC e Presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Atualmente é consultor independente, com atividades no Brasil e no exterior. Luis Airton Ferret – Engenheiro Mecânico, graduado em 1982 pela Universidade Federal de Santa Maria (RS) e pós-graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2000. Desde 1985 é funcionário da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), onde atuou em empreendimentos termelétricos e estudos de Inventário, Viabilidade e Projeto Básico de Aproveitamentos Hidrelétricos. Atualmente desempenha atividades de planejamento, estudos e projetos de aproveitamentos hidrelétricos, de engenharia e meio ambiente.
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Cláudio Prisco Paraíso – Exerce o Jornalismo desde 1980. Começou no jornal O Estado, como repórter, passando depois a cobrir a área de política. Em 1985 foi repórter especial do Jornal de Santa Catarina. Em 1986 passou a atuar como analista político do Diário Catarinense, da RBS TV, da Itapema FM e da CBN Diário, veículos onde permaneceu até maio de 1997. Voltou à mídia impressa em 1999, atuando no Jornal A Notícia e depois em O Estado. Atua também como comentarista político no SBT.
Fábio Mafra Figueiredo – Jornalista, graduado pela Univali (Itajaí-SC) e pós-graduando em “Estudos do Jornalismo”, na UFSC. Trabalhou no jornal O Estado, como repórter e editor, e atuou no Diário Catarinense. Editou dois livros, jornais e outras publicações. Atualmente é Gerente de Jornalismo do SBT em Florianópolis. A
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Cátia Weber – Bacharel em Ciências Sociais pela UFSC e Especialista em História Social no Ensino Fundamental e Médio pela Udesc. Foi bolsista de Iniciação Científica (CNPq) no projeto integrado: “Indigenismo Oficial, Lideranças e Exploração do Meio Ambiente em Áreas Indígenas”, UFSC, no período de 1993 a 1996; e bolsista de Aperfeiçoamento de Pesquisa (CNPq) no projeto integrado: “Hidrelétricas, Privatizações e os Indígenas no Sul do Brasil”, UFSC, entre 1996 e 1998. Participou como Auxiliar de Pesquisa no Projeto: “Estudo Etnográfico da Usina Hidrelétrica Machadinho”, viabilizado pela FAPEU/UFSC, de junho a dezembro de 1998. Luciano Bornholdt – Bacharel em Ciências Sociais pela UFSC e mestrando do curso de Antropologia Social também na UFSC. Foi bolsista de Iniciação Científica – CNPq no projeto “Hidrelétricas, Privatizações e os Povos Indígenas no Âmbito do Mercosul”. Realizou diversas exposições fotográficas sobre a temática indígena. Realiza atualmente pesquisa sobre reprodução social de famílias rurais e grandes projetos de desenvolvimento.
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