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Arte como experiência

Arte como experiência

Um dos principais exemplos deixado pelo filosofo e professor americano John Dewey (2010), é a de que, não existindo separação entre a vida Cotidiana e a Educação, esta deve apontar para a vida, promovendo seu constante desenvolvimento. Baseado na concepção, também de Read (2020, p.6) onde para o autor o: “[...] objetivo da educação, portanto, só pode ser o de desenvolver, juntamente com a singularidade, a consciência social ou reciprocidade do indivíduo [...]”, um sujeito participante da vida cotidiana de seu grupo social bem como de seu grupo escolar, neste contexto, de acordo ao pensamento de Dewey (2010), os estudantes não estão num dado período de suas histórias, sendo dispostas para a vida e, em outro, vivendo. Então, qual é a diferença entre preparar uma criança para a vida e para a boa frequência no ano letivo escolar?

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Como educar alunos que têm realidades tão diferentes entre si e que, por exemplo: alunos de um grupo escolar de uma zona rural e de outro grupo escolar na sede deste mesmo município, provavelmente, terão também futuros tão distintos?O pragmatismo foi o principal instrumento de pensamento, não só de Dewey, mas de diversos outros pesadores da educação brasileira entre eles Anísio Teixeira. Deste modo a prática educativa se dará a partir de realidades pertencentes aos seus sujeitos interligados a seus cotidianos. O que a arte quer nos dizer? Será que essa é a razão que faz com que milhares de pessoas dia a pós dia passem cada vez menos tempo diante de uma obra de Arte, seja exposta em um museu, galeria ou mesmo nas praças e ruas das grandes cidades. Neste contexto, o fenômeno da experiência como princípio de trocas do ser vivo em plena interação com seu espaço, sobre a questão Dewey (2010) vai dizer que:

“[...] a experiência ocorre continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver. Nas situações de resistência e conflito, os aspectos e elementos do eu e do mundo implicados nessa interação modificam a experiência com emoções e ideias, de modo que emerge a intenção consciente.” (dewer 2010, p.109)

Deste modo é possível compreender como se constituem as relações de intermediação de um observador durante uma condição de experenciada qualquer. Não obstante, salienta Dewey (2010, p. 114) que é “[...] possível ser eficiente na ação e não ter uma experiência consciente. Uma atividade pode ser automática demais para permitir uma sensação daquilo a que se refere e de para onde vai.” Deste modo percebemos que no contexto artístico, não basta meramente o contato com a obra, para que seja gerada uma resposta aos sentidos do observador, uma relação qualquer ou uma predisposição deverá ser ativada para que esse observador possa interagir com a obra de arte.

Neste contexto a experiência se dará em fluxos relacionais, o que para Dewey em uma experiência (2010, p. 111) “[...] o fluxo vai de algo para algo. À medida que uma parte leva a outra e que uma parte dá continuidade ao que veio antes, cada uma ganha distinção em si. O todo duradouro se diversifica em fases sucessivas, que são ênfase de suas cores variadas. [...]”, neste sentido as experiências são relações singulares motivadas muitas das vezes por relações não esperada, do ponto de vista da experiência como objeto fenomenológico, não se espera ter determinada experiência de algo alguma condição pré-estabelecida, a experiência será assim singular tanto quanto for inesperada, independente de qual condição seja estejas relacionada.

A experiência da leitura de um poema, pode levar o leitor a sensações e pensamentos nunca experimentados. De certo modo a experiência com o poema, por exemplo, não será diferente. Ao lermos um poema, conheceremos uma experiência singular, de modo que para cada leitor, existirá um poema distinto, tal qual o de (lima, 2017),

“[...] Era um cavalo todo feito em larvas recoberto de brasas e de espinhos. Pelas tardes amenas ele vinha e lia o mesmo livro que eu folheava. Depois lambia a página, e apagava a memória dos versos mais doridos; então a escuridão cobria o livro, e o cavalo de fogo se encantava.

Bem se sabia que ele ainda ardia na salsugem do livro subsistisse transformado em vagas sublevadas. Bem se sabia: o livro que ele lia era a loucura do homem agoniado em que o íncubo cavalo se nutria. [...]”

(lima, 2017, pag. 153) Jorge de Lima10, Invenção de Orfeu, 1952,

A propósito de uma abordagem, sobre fenômenos humanos, a arte e a experiência, o poema de Lima (2017), tem como propósito: ensaiar a relação do leitor com as possibilidades de um experiências imaginativa, na medida em que para Read (2020, p. 32), a: “[...] imaginação revela-se como um fator comuns a todos os aspectos subjetivos da arte, e como o fator que reconcilia esses diversos aspectos subjetivos com as invariáveis leis da beleza objetiva, o estado emotivo mais que habitual com a ordem mais que habitual “[...]”. Não se trata de uma dinâmica em vista a coletarmos quaisquer que sejam os resultados, apenas como uma provocação a noção que muitas das vezes nos é falha: a noção de experiência no campo artístico, ou simples ato de se conceber a arte meramente como experiência humana, ainda como dito por Read (2020, p.16) “[...] a arte, seja lá como a definimos, está presente em tudo que fazemos para satisfazer nossos sentidos [...]”.

Ao longo da história, o fazer artístico sempre foi privilégio das sociedades que por mais simples que tenha sido o nível de existência tecnológica, nunca deixou de produzir arte como uma ação cotidiana parte de suas culturas, o

10Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares, Alagoas, em 1893, e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1930. Era médico, e seu consultório carioca se tornou um importante ponto de encontro de artistas e intelectuais. Apesar de ser considerado um dos grandes nomes do modernismo brasileiro, sua obra percorreu os inúmeros caminhos da poesia. É autor de, entre outros livros Poema negros, Tempo e eternidade (publicado com o poeta e amigo Murilo Mendes), Anunciação e encontros de Mira-Celi e Invenção de Orfeu, ponto alto da literatura em língua portuguesa. Faleceu em 1953.

que pode ser observado a partir do pensamento de Farthing (2010, p. 8), ao citar que as “[...] representações e decorações, assim como a narração de histórias e músicas, são tão naturais para o ser humano quanto a construção de ninhos é para os pássaros [...]”, a relação do sujeito com seu cotidiano pelo universo artístico de possibilita a partir das experiências por ele obtidas, neste contexto segundo Read o:

“[...] meio ambiente do indivíduo não é completamente objetivo: sua experiência não é apenas empírica. Dentro do indivíduo existem dois “pátios internos” ou estados existenciais que podem ser exteriorizados com a ajuda das faculdades estéticas. Um deles é somático, sendo encontrado até mesmo nos cegos e surdos-mudos: trata-se de um armazenamento de imagens que não derivam da percepção externa, mas das tensões musculares e nervosas de origem interna. Em si mesma, essa sensibilidade ‘háptica’ talvez não seja importante, mas ignorar esse elemento tal como aparece na expressão estética levou a muita incompreensão dos desvios do naturalismo fotográfico encontrados nas artes primitiva e moderna [...].” (2020, P.9)

Deste modo a abordagem artística a partir da linguagem da poesia, pode colaborar com esse despertar estético, possibilitando ao indivíduo a produzir suas próprias experiências, na mesma medida em que a loucura do homem agoniado, em Lima (2017), a loucura dos homens da vida real, encontram na experiência a possibilidade de intepretação diante de sua realidade, a geração de sentido sendo proporcionada pelas experiências, o que para Kaplan in Dewey (2010, p. 20) “[...] a experiência, se examinada empiricamente, ela mesma, não é algo que aconteça em uma subjetividade encapsulada. Tem um lócus objetivo, evocado e perpassado por uma transação entre organismo e meio [...]”. Neste sentido os personagens exemplificados embora ficcionais têm lócus distintos compartilham dos mesmos sentidos de organismos e meio, disposto pelo autor em referência.

Ampliar as possibilidades das experiências como processo artístico, sejam

elas parte do objeto artístico ou parte da obra artística, abre um significativo campo de trabalho para o professor da disciplina de artes, principalmente se dessa relação for intermediada pela utilização da fotografia como linguagem artística principal. Potencializar as relações entre sujeito e espaço, entre alunos e sala de aula, entre cotidiano escolar e cotidiano doméstico, pode ser uma oportunidade de transitar com a prática artística de maneira espontânea que o aluno não se perceberá tendo que produzir por demanda e sim pela oportunidade de produzir uma atividade artística da qual se sentirá com autor. A experiência como vetor, não só criativo, mas renovador de sentidos subjetivos pode ser observado em uma atividade baseada na utilização da fotografia desenvolvida por professoras da disciplina de artes, da escola municipal da cidade de Boquira, Bahia, no ano de 2019.

Relatada pela professora Flor do Deserto , a atividade consistiu na organização dos alunos para uma seção de fotografias: o dia D, nesta atividade coletiva, as professoras, selecionou as alunas mais tímidas de suas salas de aulas e as arrumavam, com assessórios trazidos, também, pelas professoras, deste modo, eram desenvolvidas todas as etapas tais como em uma seção fotográfica, não só as roupas, mas os cabelos e pôr fim a maquilagem.

As alunas tinham direito a serem fotografadas pelas professoras, que não se consideravam fotógrafas, usaram seus próprios aparelhos de telefones munidos de câmeras fotográficas. Ao final do ensaio, as alunas, muitas delas que se consideravam com pouca beleza, não soltavam os cabelos, ao verem as fotografias produzidas naquela ocasião, destro da atividade escolar, se percebiam de maneira bem diferentes. Ao certo a experiência de se descobrirem a partir daquelas imagens, aos seus olhos, demonstravam como a experiência artística pode trabalhar como despertar da autoestima como decorrência da proposta desenvolvida pelo víeis da fotografia, pode oferecer resultados animadores e surpreendentes.

Essa experiência pode ser melhor compreendia aos olhos de Dewey (2010, p. 40) para ele: “[...] a arte é uma questão de sentidos, é algo a ser compreendido; seu conteúdo expressivo está inserido na matéria sensorial, é algo a ser percebido [...]”. É desta percepção fruto da experiência que essas alunas se percebem de maneira não distintas, pois são elas mesmas, mas ao mesmo tempo,

diferentes de como elas se percebiam então a fruição se dar no próprio processo de experimentar uma nova possibilidade até então pouco experimentada, apesar de estar e ser parte dela.

Uma das dificuldades do trabalho da arte com objeto da educação reside justamente do dualismo, combatido por Dewey (2010), existente entre a escola e a sociedade, ou a escola e a cultura de uma determinada comunidade; desta maneira, as experiências, como parte do processo de criação de um ato artístico, disposto nas atividades programadas pelos Livros do Professores, oferecem atividades muito distantes das realidades de boa parte dos professores. Segundo a professora Girassol , a dificuldade em aplicar parte do exercício proposto é grande pois tanto o espaço quanto o próprio acesso a alguns suicídios para atividade acaba por dificulta ainda mais a proposta, neste sentido a saída é a busca por uma melhor proposta que atenda a realidade de seus alunos e que não só seja possível de realização, mas faça sentido dentro das realidades deles. Neste sentido a escola e os programas escolares não podem se bifurcarem, não pode se distanciar da realidade de sua localização regional, bem como de suas práticas culturais e até religiosas, bem como étnica.

É estratégico para o professor de artes pensar como fazer das experiências, uma real maneira de produção de sentidos, uma vez que como mencionado por Kaplan (dewey 2010, p. 21) quando: “[...] toda experiência é resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspectos do mundo em que ela vive, também a arte emerge de uma interação entre organismo e meio. Sozinho, nenhum dos dois é decisivo [...]”.

Muitas das vezes é assim que o aluno, como muitos outros sujeitos contemporâneos se sentem, sozinhos. Uma das grandes questões da arte reside na experiência formativa da obra em si, entendesse por obra de arte, o produto desta relação sejam elas quaisquer obras como resultado de uma existência artística, arte como resultado de uma experiência física. Citado por Eco (2013, p. 170):

“[...] o artista, ao formar, inventa efetivamente leis e ritmo totalmente novos, mas essa novidade não surge do nada, e sim nasce exatamente como livre resolução de um complexo de sugestões que a tradição cultural e o mundo físico propuseram no artista sob a forma de resistência e passividade codificada [...]”.

Neste sentido, ao relacionar o artista como sujeito que experimenta suas sensações em vista a modificar um material qualquer que seja, Dewey (2010, p. 45) reafirma que: “[...] a arte torna ‘comum o que era isolado e singular’; ‘rompe as barreiras que separa os serem humanos’. Em outras palavras, a arte é comunicação não como intenção prévia, mas como consequência eventual [...]”.

A compreensão que Dewey nos oferece, soa bastante tranquilizadora ao pesarmos a arte como um conjunto de atividades proposta que flui da experiência cotidiana de vermos o caminho passar. Essa inventividade criativa cotidiana se oferece para potencializar as aulas para transformar seu observador, fazendo dele sujeito modificado pelo simples ato de ver, um processo que faz da experiência visual possibilidade de transformação, com resultado muito mais além da matéria transformada, seja ela em objeto, som, imagem ou texto.

Na obra de arte, ou em seu estágio processual, enquanto experiência, é possível surgir transformação do indivíduo como partes dos resultados deste procedimento transformador e formador. As experiências do cotidiano quando tratado como processo artístico ajudam na possibilidade de eliminar preconceito, retirando cortinas de fumaça encobre a visão de mundo, e do cotidiano moral e cultural.

Em outras práticas, principalmente a relevância de concebermos a arte como experiência de vida cotidiana proporciona uma maior formatividade restabelecendo a ampliação da percepção como fenômenos comum ao sujeito. Deste modo poderemos aproveitar com maior potência da vida cotidiana, ao fazer referência a qualquer que seja a experiência artística entre seu sujeito intermediador do processo criativo, Dewey (2010, p. 46) argumenta que a arte: “[...] é um processo de tornar o mundo um lugar diferente para viver, e envolver uma fase de protesto e de reação compensatória [...]”.

Assim, a arte se apresenta como uma forte possibilidade na tentativa de reestruturar a dualidade existente entre a escola e a sociedade, entre o espaço escolar e cotidiano do aluno, entre o fazer por obrigação escolar, e o fazer com prazer as obrigações escolares. Para a arte, a experiência deve ser ponte entre o trabalho artístico e a obra de arte, deste modo, podemos estimular novos sentidos e conhecimentos a partir de atividades realizadas em sala de aulas com os mais diversos objetos disponíveis na natureza.

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