R.Nott Magazine Issue #02

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ISSUE#02

Interrogando Steven Goethals - Ensaio M. Hari - Entrevista com Dirceu Villa A Espiritualidade na MĂşsica como Produto? - Cinco Curitibas - A Fotografia de Isabella Lanave - Interrogando Marlon Anjos.


WHO ARE THESE PEOPLE?

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ISSN 2358-0127

VINICIUS FERREIRA BARTH

RAFAELA LAGARRIGUE

SE AUTO-INTITULA: EDITOR CHEFE

SE AUTO-INTITULA: DIRETORA DE ARTE

NA VERDADE É: Fotógrafo de rua, Mestre em Literatura pela UFPR.

NA VERDADE É: Produtora de moda, excêntrica.

vinicius.rnott@gmail.com

rafaela.rnott@gmail.com

JULIANO SAMWAYS

GUILHERME GONTIJO FLORES

SE AUTO-INTITULA: COLABORADOR

SE AUTO-INTITULA: COLUNISTA

NA VERDADE É: Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

NA VERDADE É: Poeta, tradutor e professor no curso de Letras da UFPR.

jspetroski@hotmail.com

ggontijof@gmail.com

Vinicius Ferreira Barth

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PROPOSTA DA REVISTA

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epois da missão cumprida de um número 01, o número 02. Nosso conteúdo viajou mais do que nunca ao redor do globo nesta edição, e temos fotos para comprovar! Foi com orgulho imenso que pudemos apresentar, com entrevista, a fotografia magistral de Steven Goethals pelos continentes asiático e africano. Também a cidade de Curitiba se vestiu e revestiu sob os olhos de cinco fotógrafos, que percorreram as suas ruas e a desnudaram sob seus olhares curiosos. O que trouxemos aqui é resultado da busca pela capital paranaense, seguindo o assunto da Street Photography introduzido na edição passada. Isabella Lanave, inaugurando a nossa preciosa coluna R.You!, nos presenteou com as suas fotos, viajando entre Curitiba, Belém do Pará ou Paris, e comentou ela mesma o papel da fotografia na sua vida. O resto (e não deixem de ler nem ouvir o ‘resto’, meus caros), esteve nas mãos de Guilherme Gontijo Flores, entrevistando o poeta Dirceu Villa, e Juliano Samways, que tratou de investigar a espiritualidade da música como produto, indo descobrir o que faz um produtor nessa cadeia artística tão dificilmente definível que é a da música comercial. Por fim, indo dos terraços de Buenos Aires no nosso ensaio de capa ao atelier do artista Marlon Anjos em Curitiba, asseguro a vocês que, daqui pra frente, apenas boas e calorosas mãos lhes conduzirão pelas páginas desta revista.

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SUMÁRIO

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INTERROGATÓRIO

Interrogando Steven Goethals

O

fotógrafo belga respondeu ao nosso Interrogatório e revelou como começou a sua carreira e como foi trabalhar com retratos de povos de diferentes lugares. Confira também algumas fotos que selecionamos.

[28] M. HARI

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LITERATURA

Entrevista com Dirceu Villa

O

poeta paulista Dirceu Villa, em entrevista concedida ao nosso colunista Guilherme Gontijo Flores, fala sobre o percurso de sua carreira até aqui e expõe a sua visão a respeito de como vai a poesia no Brasil. Cinco poemas do autor acompanham a entrevista.

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RUÍDO

A Espiritualidade na Música como Produto?

E

xiste espiritualidade na música comercial? Juliano Samways investiga o movimento de ascensão das novas linguagens musicais do século XX e revela essa figura tão invisível e indispensável na indústria musical: o produtor.

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R

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A Fotografia de Isabella Lanave

naugurando a coluna R.YOU!, destinada a novos nomes da produção artística, trouxemos a fotografia da jovem Isabella Lanave, apresentada por ela mesma. Não deixe de conhecê-la!

VISUAIS

Cinco Curitibas

eunimos para esta edição cinco fotógrafos de rua que se dispuseram a percorrer a capital paranaense e mostrar um pouco do que enxergam no vai-e-vem da cidade. Confira aqui o trabalho de Emerson Christian, Melvin Quaresma, Ricardo Pozzo, Zeca Milleo e Vinicius F. Barth e descubra o que é a Fotografia de Rua para cada um deles.

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R.YOU

I

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO

Interrogando Marlon Anjos

nterrogamos o artista plástico Marlon Anjos em seu ateliê, em Curitiba. Ele nos contou um pouco sobre o seu processo criativo e também sobre a 'inutilidade' da arte. Por fim, entre Leonardos e Duchamps, ele deu uma dica para quem gostaria de começar a pintar. Confira!

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Steven

Interrogando

Goethals

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INTERROGATÓRIO

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e onde você é e o que você fazia antes de fotografar?

Eu sou da Bélgica. Nasci em Bruxelas, mas agora vivo em Melsele, na província de East-Flanders. Ainda não sou um fotógrafo “profissional” de verdade, mas já tive alguma oportunidade. Eu realmente gostaria de me tornar um. Antes de fotografar eu era um estudante, fiz Contabilidade e depois História. - Conte sobre o seu caminho como fotógrafo. Quais foram os momentos-chave da sua carreira até agora? Isso começou com o meu primeiro emprego como vendedor em uma loja de artigos eletrônicos. Eu comecei a ganhar algum dinheiro e a fazer as minhas primeiras viagens pelo mundo. Foi aí que notei o quanto eu gostava de fotografar, mas com uma câmera compacta só se pode chegar até um certo nível... Quando voltei para casa, surgiu a oportunidade de eu ir trabalhar em uma loja maior, e lá o meu trabalho seria o de vender equipamento fotográfico. Então foi aí que realmente começou, porque era como estar no meu lugar favorito todos os dias. Daí em diante, a cada nova viagem eu tentava fazer fotos

[06-07] Imagem 1 Dassanetch girl Ethiopia

[08] Imagem 2 Drinking from the Holy River India

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INTERROGANDO STEVEN GOETHALS

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As histórias que contam, as emoções que expressam, o modo como se vestem, as tradições... Nunca é entediante tentar fazer um bom retrato nesses lugares.

melhores, usando novos equipamentos e todos os conhecimentos que adquiri nesse novo emprego. - Por que fazer retratos, em especial? Pode parecer um clichê, mas você pode ir a inúmeros lugares no mundo e tirar um monte de fotos. Entretanto, apenas ao entrar em contato com o povo local é que você começará a conhecer de verdade um país. As histórias que contam, as emoções que expressam, o modo como se vestem, as tradições... Nunca é entediante tentar fazer um bom retrato nesses lugares. E fazer esse bom retrato é também um sinal de respeito por essa pessoa. Muitas pessoas em férias tiram fotos de outros sem pedir nenhuma permissão e, acredite ou não, você verá isso refletido na expressão e na atitude do fotografado. Então quando alguém te dá uma expressão e mostra uma emoção real, é porque você fez esse contato e ali passou a existir um respeito mútuo. Só isso já me dá uma sensação de realização pessoal.

- Onde foi que você mais gostou de trabalhar? Creio que na Etiópia em Myanmar. As pessoas em Myanmar são muuuuito amigáveis. Depois de certo tempo nem mesmo importava se você chegava a tirar uma foto ou não. Apenas entrar em contato com eles já era suficientemente recompensador. E, claro, a Etiópia, mais pelo desafio. Muita gente acabou não gostando de viajar para a Etiópia por ter que pagar por cada foto que tirava de gente das tribos. O desafio aí era o de se fazer um bom retrato sem acabar sendo igual ao próximo turista que chegava. Isso significava ter que tentar conversar com eles e fazer as coisas de um modo mais pessoal. Dar a eles um colar de doces em vez de dinheiro, fazer brincadeiras e mostrá-los as fotos. Na tribo Arbore, levei comigo algumas fotos que havia tirado um ou dois anos antes. Eles amaram e me deixaram tirar muitas fotos de graça.

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INTERROGATÓRIO 10

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INTERROGANDO STEVEN GOETHALS [10] Imagem 3 Buddhist monks at Angkor

- No seu trabalho, qual é a diferença entre fotos coloridas e preto e branco? Você tem alguma preferência? Eu não chego a ter uma preferência. É apenas durante a edição, ou até meses depois, que você acaba notando que algumas fotos foram feitas para estar em preto e branco. Talvez eu goste um pouco mais dos retratos coloridos porque estão mais ‘na sua cara’, e ajudam a expressar as emoções na imagem.

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Cambodia

[11] Imagem 4 Inle lake leg-rowing Myanmar (Burma)

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INTERROGATÓRIO 12

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INTERROGATĂ“RIO 14

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[12-13] Imagem 5 Monks in the morning mist

[14] Imagem 6 Borana woman

Myanmar (Burma)

Ethiopia


INTERROGANDO STEVEN GOETHALS - Como você se aproxima das pessoas que fotografa? Quais são as dificuldades? Em primeiro lugar, sempre com respeito, seja com um idoso, um adolescente ou mesmo um bebê. Respeito é a chave. As pessoas percebem e admiram isso. Em retorno elas te concederão um belo retrato. As dificuldades estão basicamente na comunicação, porque nem sempre é possível falar as suas línguas, então você deve se comunicar baseado em expressões faciais e gestos. Aprender algumas palavras e expressões já te trará muito respeito e admiração do povo local. - Influências? Heróis? Certamente Steve McCurry, e não se pode esquecer de Eric Lafforgue. - Quando vemos as

pessoas que você fotografa, há muitos rostos que transbordam emoções, e simpatizamos facilmente com eles. Eu gostaria de saber o que se passa no lado oposto: o que você sente nesses momentos, e quem vem a ser o fotógrafo visto pelo fotografado. Na verdade é bastante simples. Eu me sinto honrado que essas pessoas me permitam fazer os seus retratos. Pode acabar sendo até engraçado quando eu me ponho praticamente a rir atrás da minha câmera, ou quando é o contrário. Me sinto também triste pelas condições de vida desses locais. Mas posso apenas imaginar o que eles pensam de mim. Espero que me vejam como uma pessoa gentil e honesta que não está lá para explorá-los e que está genuinamente interessada em quem eles são. - Onde você gostaria de fotografar agora? Planos para o futuro? Há tantos lugares para onde eu gostaria de ir. Esse ano é capaz que eu vá para Orissa e Chhattisgarh, na Índia, ou Benim e Togo. Um dos lugares que eu ia amar visitar é a Papua-Nova Guiné. Mas para mim isso está um pouco caro no momento…

Mais em: Página oficial: http://stevengoethals.wix.com/steven-goethals Flickr: http://www.flickr.com/photos/27671491@N05/ 500px: http://500px.com/Steven_Goethals

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ENTREVISTA com Realizada por Guilherme Gontijo Flores

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Dirceu illa

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LITERATURA

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o post passado, dei início a uma conversa sobre poesia contemporânea. aqui, preferi passar a voz para outro contemporâneo dos meus favoritos, o poeta, tradutor & ensaísta dirceu villa.

nascido em sampa , anno domini 1975, villa é autor de três livros de poesia: MCMXCVIII (ed. badaró, 1998), Descort (ed. hedra, 2003, vencedor do prêmio nascente) e Icterofagia (ed. hedra, 2008, contemplado com o PAC). foi publicado em revistas brasileiras de peso como Ácaro, Cult, Ciência e Cultura, Modo de Usar & Co., Celuzlose, IHU, Metáfora, além de estrangeiras, como Rattapallax, Poetry Wales, Alforja, Alba & Neue Rundschau. além de poeta, villa tem uma produção acadêmica de dar inveja: mestre em 2004 com uma tradução anotada dos poemas de Lustra, de ezra pound (publicada pela ed. demônio negro/annablume, em 2011), & doutor na USP, em 2012, com tese sobre a poesia dos séculos XV-XVI na itália e na inglaterra, com direito a estágio de pesquisa na biblioteca do warburg institute e na british library, de londres entre 2010 & 2011. lecionou poesia por três anos na extensão universitária da USP & foi curador da exposição de livros de ezra pound da biblioteca pessoal de haroldo de campos, na casa das rosas, em 2008. Na revista digital Germina Literatura escreveu uma série ensaios sobre poesia contemporânea, revisões do cânone da poesia de língua portuguesa, e traduziu ovídio, matteo maria boiardo, peire vidal, voltaire & e.e.cummings, dentre outros. organizou a antologia de doze poetas brasileiros contemporâneos para a revista La Otra, do México. por fim, traduziu também contos de joseph conrad & prefaciou obras traduzidas de stéphane mallarmé, charles baudelaire, christopher marlowe, além de obras recentes de alfredo fressia & érico nogueira. há pouco, participou, com o poeta ulf stolterfoht, do VERSschmuggel (Contrabando de versos), oficina de tradução no PoesieFestival de berlim, em 2012, publicada em livro por wunderhorn (alemanha) & 7Letras (brasil). como se não bastasse, escreve o blog Demônio Amarelo: http:// odemonioamarelo.blogspot.com.br/ segue aqui uma entrevista & mais 5 poemas que fazem parte do livro Couraça, ainda inédito.

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Entrevista com Dirceu Villa - são 15 anos de poesia, desde o lançamento do teu primeiro livro MCMXCVIII, em 1998. alguma coisa mudou? tudo mudou. estou mais velho, minha poesia deve estar mais meticulosa, o mundo mudou. MCMXCVIII marcava também, ou pretendia marcar, trinta anos do nosso desastre cívico recente, o AI-5, como também uma resposta de liberdade. é muito importante lembrar disso, e na época era claramente recente em termos históricos, e mais de uma geração pensante e criativa havia sido eliminada por contínuos violência e terror. ninguém o diz, porque a ditadura entregou o poder e acordou-se um voto de silêncio geral. mas a merda da educação, do país e da arte devem-se à brutalidade feroz desses animais de farda que eram os testas-de-ferro de animais de gravata, que tinham e têm o dinheiro. - penso que os teus dois primeiros livros já apresentavam um projeto poético desde o título: MCMXCVIII (1998) indicava o próprio ano (sua indiscutível vinculação com o presente) em números romanos (no confronto com a tradição, na leitura constante do passado), enquanto Descort (2003) se referia ao gênero trovadoresco do desacordo, mistura de línguas, etc. você percebe nesses dois título programáticos uma continuidade com a sua poesia de agora? quando se é jovem, a sensação é a de que se é invencível e que mudar o mundo está a apenas 5 anos de distância, no máximo. é uma inocência muito grande, mas muito corajosa e comovente. pode ser incrivelmente brutal, também, pouco saudável ao supor um poder que não se tem nem se deve ter. minha poesia, precisamente agora, começa a prestar contas à memória, ao tempo, à vida que não se fixa quando se quer. não é nostálgica, que a nostalgia é uma idiotice como o patriotismo, mas há nessa nova poesia uma consciência dos buracos abertos no corpo frágil, na mente e no coração, que não podem se defender de tudo. chama, por isso, couraça. a ligação que há, penso, é a da linha que leva aquele homem e poeta a este, o mesmo, para efeito de carteira de identidade. minha poesia creio que sempre terá a marca ambivalente de presente e passado. e futuro: porque é provável que seja melhor lida com alguns anos de distância. estamos em um ponto em que a leitura de poesia praticamente inexiste no brasil. - Icterofagia (2008) é um imenso livro de poesia lírica (se é que o termo ainda se aplica a estes tempos) de 200 pp., porém com uma amarração temática bastante demarcada. como foi o processo de composição? longo. o conceito dele nasceu com a escrita dos poemas já adiantada, quando percebi traços de um padrão mais ou menos caótico, e de certa forma canalizou muito da minha percepção a partir daí. foi um período muito fértil, aquele: www.rnottmagazine.com

intervalos pequenas as mentiras da sinceridade, delicadas, impedem futuro pavor de pessoas feridas. pequenas as crônicas dores das estratégias de sobrevivência em sociedade, alegrias casuais sem alarde. pequenos incômodos entre duas verdades, como vestir lã inglesa, aquecido, e os punhos coçarem.

lilly cabaret o que faz agora a lilly cabaret? “que graça o seu sorriso” lhe dá um pontapé dois spaccatti de improviso heu heu heu che carina! seria um exagero exagero mesmo dizer que é pervertida digamos ao invés: ordinária é a sua vida fitas que desenham num laço um coração sobre as ancas “que potranca!” ― isso não é brecht, palhaço ― suas pernas de cabaré saem andando sozinhas “isso é que é mulher” pensam as vizinhas glamour, então? sim, como não? usa um bottom sobre o seio em que se lê ignição

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LITERATURA

traduzia ovídio, pound, discutia com alguns outros poetas e com gente que escreve no jornal, publicava artigos mensalmente na revista germina, tinha uma atividade ininterrupta. daí o livro ser solar, muito vivo, amplo. tinha de ter, de certa forma, uma amplitude que propusesse sinteticamente a experiência da vida com intensidade. - você está com um novo livro em andamento, Couraça . Lá se vão 5 anos desde Icterofagia. poderia falar mais um pouco sobre ele? é um livro no qual se reduz ligeiramente o escopo de icterofagia, e onde há menos inocência, menos ímpeto. é um livro todo em caixa baixa, quer investigar mais dentro do que fora, creio. é um livro escuro como uma armadura antiga, riscado, áspero. o que era a virtude solar da experiência tornou-se gasto aqui, na luta. é tudo o que posso dizer sem estragar a leitura. - considero teu Lustra — tradução poética & crítica do livro homônimo de ezra pound, resultado da tua dissertação de mestrado — um ponto importantíssimo na revisão crítica de pound fora dos poetas concretos. como você vê esse trabalho? há uma revisão em andamento? já é possível ver alguns resultados da tua intervenção? em primeiro lugar, obrigado. lustra foi publicado primorosamente por vanderley mendonça, editor notável & bom amigo. mas não

teve repercussão porque o brasil é obviamente um buraco negro cultural: você faz uma coisa e ela é sugada por um vazio. mas eu de fato o traduzi e escrevi para o efeito que você descreve, o de uma revisão crítica para ampliar a leitura de pound a partir da primeira onda de divulgação de sua obra, com os trabalhos da poesia concreta. é preciso que pound seja visto além da ótima apropriação temática e formal que a poesia concreta fez dele, para que se desdobre, para que se saiba o que é pound e o que é concreto, porque se atribui muito a pound do que é, na verdade, conceituação da poesia concreta, e se deixa de ver outras coisas (muitas, aliás), que são pound e que naturalmente não estão em parte alguma da recepção da segunda onda de vanguarda brasileira, ou que a contradizem, em parte. não vejo resultados diretos do meu trabalho, ainda. lustra foi lido em geral muito ignorantemente pelas resenhas de jornal (com a exceção da escrita por régis bonvicino), e, é claro, a maior parte do meio literário brasileiro nem sabe que o livro existe. é sintomático de muitas coisas. na internet a recepção foi bem melhor e mais complexa, indicando talvez um segmento de leitores que já não é representado na mídia impressa, e a que devemos estar atentos. uma vez, no começo de meus estudos que levariam ao mestrado, fui procurar orientador. um dos professores a quem perguntei se me orientaria um trabalho sobre pound me respondeu, lá na fflch-usp: “se eu morrer sem ler pound não vai me incomodar”. isso era o que pensavam algumas das pessoas supostamente responsáveis pela minha educação literária na

isto cansado disto tudo você gostaria de ser capaz de cantar erbarme dich mein gott até a voz lhe faltar: o mundo é de fato uma ilusão, advertida por religiões e filósofos igualmente, todos certos; os frustrados, os sem ânimo, aqueles que se gastaram como seixos rolando rio abaixo; todos certos; e no entanto isto, e isto não tem nome, nem poetas o disseram ou dirão, incessantes sobre o assunto, nem há palavra ou conjuntos de palavras a dizer para enfim amenizar o inominável que arrepia toda a espinha, traz lágrimas aos olhos e nos fornece estranha, desejada solidão em pleno dia.

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Entrevista com Dirceu Villa maior universidade da américa latina, no ano do senhor de 1997. nem sequer perceberam o artesanato da minha tradução. um dos resenhistas se queixava de que não tinha deixado claros, na introdução, meus métodos tradutórios. além de a tarefa redundante ser um verdadeiro tédio para qualquer leitor não-acadêmico que se preze, a edição é bilíngüe, com o original à frente para o cotejo. seria muito pedir que ele usasse um pouco da massa encefálica ao invés de eu dar tudo de colherada na boquinha? - tua última fala indica dois pontos que me interessam sobre a crítica literária no brasil: um professor que poderia passar a vida sem ler pound & um grupo de leitores incapazes de reconhecer o artesanato da poesia. a coisa é feia, mas tem cura? ou melhor, cura em tempo pra gente ver? ricardo domeneck (1977), marília garcia (1979) e angélica freitas (1973) oferecem repertórios muito bons de poesia contemporânea de um modo geral, e especificamente brasileira, na revista modo de usar & co., versão digital e impressa. é uma atividade crítica por excelência, a escolha dentro de textos e poetas sem fortuna crítica estabelecida. e minha esperança é numa novíssima geração de escritores e críticos, gente no brasil, hoje, com por volta de 20, 30 anos. os que conheço dessa geração lêem mais, com mais qualidade, e não obedecem à caretice do meio literário atual (e com meio literário falo de editoras, críticos, universidades): fazem suas descobertas, escrevem com liberdade e sabor textual, são inteligentes e honestos. são poucos os críticos de qualidade, mas são contundentes. non multa sed multum.

a onda em kanagawa em kanagawa há mais de um século as mãos do mar nos avisavam “não ousem seguir além”. nada, nem mesmo o monte fuji crescia o bastante para domá-las a estes olhos humanos. montanhas do mar desprendiam seus flocos, chuveiro de flocos sobre nós, sobre as entranhas escuras do mar. inclinados remando, reverência também, havia uma prece nos lábios pedindo a clemência daquelas garras geladas. barcos humildes, mera madeira, um mundo de água. as nuvens acima se condensavam num gesto imitando a crista da onda, silêncio glacial de distância ― nós, nós somos pouco e pequenos, mas sorrimos por cima do medo, morte e vida se espelham, crescendo. corações que não vejam a beleza além do temor: esses nem valem o bater.

por que é assim? sei lá. como explicar, por exemplo, que mesmo com essa pasmaceira geral tenhamos uma quantidade tão grande de poetas bons escrevendo hoje, mesmo que não lidos? é uma contradição, ao menos aparente, com uma educação quase inexistente e um sistema literário politiqueiro, cheio de invejas, carreiristas, pessoas perversas. eu chutaria que em uns vinte anos, se não tivermos nenhum cataclisma político, as coisas estarão bem diferentes. estou fazendo a minha parte, embora mais velho do que eles, e mesmo contra tudo nesse sistema. não é nada fácil, porque quem tem poder te faz sumir da vista humana. eles obviamente não querem que pessoas com idéias melhores & mais estimulantes apareçam & tirem deles o pequenino poder que arregimentaram com cotoveladas. como se alguém REALMENTE envolvido com a arte quisesse um poderzinho liliputiano desses.

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LITERATURA

- a tua dissertação é sobre um poeta difícil & erudito do séc. XX, no doutorado você retornou ao renascimento, além disso andou vertendo trechos de ovídio. como funciona na tua poesia essa relação com a tradição literária?

o grande alfaiate a vida não é muito confortável ela disse pensa ou deve saber mas assim de qualquer forma ela disse uma roupa que não cabe direito sua roupa e não cabe direito assim é a vida você pensa desse jeito? não ela disse acabou de me ocorrer a coisa e não é verdade? é verdade certamente e ela: veja as luvas que você põe na mão sabe de cara se são certas ou não a vida não tem isso ao menos não pra mim é sempre caber não cabendo olhou longe como quem precisa recompor o mundo depois da palavra e disse sei como quem sente e isso não serve pra nada esse é o problema de saber digo quem só sabe o que serve só sabe servir você sabe o que não serve ela riu e completou

qual a utilidade disso? não vejo nenhuma. ao contrário. a poesia me parece sempre ganhar quanto mais informada for de suas práticas. e, depois, sou um leitor que realmente gosta da coisa: leio muita poesia e com muito prazer. minha poesia claramente fala com esse todo, e é um modo de fazer as outras vozes permanecerem dizendo coisas: porque se uma voz pára em um livro, é letra morta; se fala através de uma outra voz entre os vivos, é viva novamente e estabelece novas ligações de sentido. - você começou faz pouco um trabalho sobre antologias poéticas. poderia comentar um pouco quais são os planos desse trabalho. ele se vincula de algum modo com a tua produção poética? o meu trabalho define que a cultura letrada portuguesa e brasileira se diferencia das demais de extração ocidental por ter adotado um critério específico de seleção, que é um critério preguiçoso & estúpido: escolhe-se o típico. esse é o conceito que defini, em termos sucintos.

o grande arquiteto diziam antigamente e não o grande alfaiate

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penso que seja natural, como a de qualquer poeta que valha o nome. a poesia é uma arte ― ainda que alguns digam que é uma dead art, ou que ainda outros queiram retirá-la do domínio que consideram afetado de uma arte, como contrária ao gesto espontâneo e significativo ―, e isso significa que se a prática se estende por séculos, línguas e culturas diferentes, você chegará a um ponto em que se forma uma massa de conhecimento específico na coisa que, para se ignorar, é necessário fazer um completo jejum mental.

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Entrevista com Dirceu Villa pior, escolhe-se o típico lido através de um número abstratizante de categorias arranjadas a priori, ou de modo também generalizante a posteriori, e nomeiam uma continuidade limitada no tempo, reunida sob um nome fantasia, por exemplo, romantismo. paul valéry, mais esperto, disse por exemplo sobre definir romantisme: il faudrait, pour s’essayer à le définir, avoir perdu tout sentiment de la rigueur. fala-se em “características românticas”, daí. essas características, que apenas redundam em um poema genérico, escolhem a peça antológica e sistematicamente a reproduzem de modo insensível, sem critérios qualitativos ou de inovação, a-historicamente, e são essas mesmas características que ergueram um muro de preconceito contra coisas vistas como fora do padrão. sob o subtítulo “mau gosto”, por exemplo, antonio candido põe as traduções de odorico mendes, porque lhe soam “macarrônicas”. o bom de odorico mendes, para candido, seria um “idílio à tarde” ou algo do tipo, um poema imbecil de lugarescomuns sobre uma tardezinha bocó em algum lugar soporífero. é preciso acabar com isso de uma vez por todas, porque os efeitos são devastadores para as escolas, para as editoras e para o meio literário atual no brasil, que é lerdo, burro, deselegante, preconceituoso e, numa palavra, morto, a despeito da quantidade invejável (inclusive para países em que se lê mais) de bons poetas escrevendo hoje. - O que você pensa da função da poesia no brasil do séc. XXI? ou então, o que você espera como um poeta aqui & agora? a poesia é uma força que cria o mundo. não “criar o mundo” no sentido do deus que vem e dispara um fiat lux, mas opera nas mentes das pessoas de modo a lhes dar uma nova configuração do mundo, uma nova descrição da vida, que em alguns anos costuma se tornar aquilo que todos reconhecem como sendo o mundo, em sua imaginação.

sua língua, a expressão de seus pensamentos, o mundo à volta. terá dado ao futuro um modo de expressão de coisas que exigem algum refinamento. - você não é um poeta propriamente visual, mas está claro que o olhar tem uma grande importância na tua poesia (seja pela fanopeia, seja pela disposição visual dos versos & de elementos não verbais em alguns textos). como você encara a influência & a força dos elementos visuais na poesia brasileira, ou na tua poesia? na poesia brasileira é muito forte, sobretudo pela onipresença da poesia concreta nos últimos 60 anos. mas é muito forte, em geral, de modo derivativo da própria poesia concreta, e é pena que pouco se alimente de outras experiências, como a de joan brossa, os futuristas, kurt schwitters, bob brown, apollinaire, & muitos outros. uma exceção a isso é marcelo sahea (1971), ótimo poeta, também na vertente visual. na minha poesia há alguns exemplos, talvez mais discretos, de visualidade. tive formação inicial em artes plásticas, e tenho um interesse onívoro em arte, então quando o poema pede eu dou. e não acho que um poeta brasileiro hoje tenha saído incólume do contato com a poesia concreta, ou, especialmente os muito interessados em poesia, com a poesia visual internacional, que penso começar no ocidente com a technopaegnia grega, com os carmina figurata latinos & depois com um monte de exemplos por toda a história da escrita. é inevitável, e a palavra tem uma dimensão visual a que nenhum poeta bom está indiferente, assim como nunca se está indiferente à dimensão musical, à variedade de suas possibilidades. - tem alguma pergunta que você gostaria de responder, mas nunca te perguntaram? se tem, responda. não, creio que você me perguntou bem e suficientemente: menos tagarela, melhor

colaboram para tecer esse novo mundo mental todas as outras artes, a filosofia, etc. as chamadas humanidades. têm uma importância gigantesca, formam o desenho das mentes futuras para a apreensão de, e o trabalho com, as idéias do mundo. daí a função do poeta permanece a mesma: cabe a ele saber o seu metiê como ninguém, e ser rigorosamente fiel às suas percepções, não importa o quanto elas estejam em conflito com a sociedade. a sociedade não sabe nada disso, e embora o poeta seja tratado como um leproso em vida, vai ter ajudado às pessoas do futuro a entenderem melhor www.rnottmagazine.com

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Espiritualidade

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por Juliano Samways

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RUÍDO

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século passado foi exceção à regra erudita, ou até mesmo clássica, que definiu alguns séculos da criação musical. Foi o século do popular, que aliado à tecnologia e às novas formas de mídia, carimbaram o rótulo da novidade musical. A música tornou-se elétrica, na sua criação e propagação. Vários foram os novos aditivos tecnológicos na música, sendo eles aplicados nas mais diferentes formas de criação, manipulação e divulgação. Novos aditivos que nos fazem pensar que, se existe uma progressão histórica da música, uma sucessão de novas músicas e linguagens musicais através da história, a eletrificação e manipulação das mídias de gravação estariam à frente dessa possível progressão no último século. O filósofo alemão George W. F. Hegel conjecturava a respeito da existência de certo progresso da humanidade, de seu espírito, inclusive de sua arte, e chamava esse espírito de Weltgeist. Matéria e espírito, corpo e alma, se conectavam e desconectavam em uma série de sínteses históricas que desenrolavam o motor do ‘progresso’ das formas de arte, giros e caminhos ora hiperbólicos, ora comedidos, da nossa consciência pela história. Pois bem: de certa forma espiritual e material, mergulhados em novas tecnologias e

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novos sentimentos, povoam e perfazem uma espécie de conteúdo da arte dos séculos XX e XXI, em uma dialética que talvez não tenha fim. Povoam os novos instrumentos, as novas batidas, novas maneiras de se lidar com a música, novas maneiras até de se “sentir a música”, novas maneiras de se ganhar dinheiro com a música. Sentimentos de “não pertencer”, “vazio existencial”, “distorção da guitarra”, “desafinos e grunhidos da voz”, são apenas alguns exemplos que sintetizam a nossa história musical recente. Talvez até uma nova imagem de artista tenha surgido. Conhecido como “produtor”, este novo artista é uma espécie de articulador do talento musical de indivíduos junto a novas tecnologias de lapidação e refinamento musical. Primeiramente, a música apropriou-se da produção, depois a produção tomou conta da música: música comercial, dialética dos escravos do produto, servos e senhores do som. Tornou-se a música um objeto de produção, o refino laboral da criação. Nascido em Nova Iorque no final dos anos 1930, Phil Spector representa exatamente essa ideia de produtor como um novo tipo de artista: aquele que

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Primeiramente, a música apropriou-se da produção, depois a produção tomou conta da música: música comercial, dialética dos escravos do produto, servos e senhores do som.

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Espitirualidade na Música como produto? lapida uma pedra bruta e a transforma em produto. Beatles, Ramones, George Harrison, John Lennon, mais de 40 hits no topo das paradas qualificam esse artista do estúdio, ou um “Wagner” da produção, como gostava de ser chamado. Sua principal e mais extravagante criação, o “Wall of Sound”, pode ser sonoramente contemplado na obra prima “Be my baby”, das The Ronettes, além de várias outras produções assinadas por Spector. Além de Phil, vários outros artistas da produção poderiam ser citados neste artigo. São esses produtores uma nova espécie de artista que, através da lama e engodo do capitalismo, um a-priori de lixo e sujeira que circundam esse maldito e mal visto sistema, conseguem criar uma espécie de pureza, limpidez em novas canções, compostos de harmonia e melodia que trazem até mesmo uma nova concepção de espiritualidade. Quando escuto “Be my baby”, “My sweet lord”, “Do you remember rock’n roll radio”, todas com o dedo do homem Phil Spector, me sinto mais perto de Deus, mergulho através da carapaça produto e vislumbro algo que toma minha alma. Ou precisamos ser devotos de Nossa Senhora para nos emocionarmos com o “Mother Mary comes to me” de “Let it be”, também produzido por Spector? Já por outro lado, alguns outros, menos exaltados com coisas do espírito, trazem a figura do produtor como sendo alvo principal de críticas severas dentro do assunto ‘arte e tecnologia’, pois este possuiria a tão lamentável função de dar vida ao produto através de um aparato criado pela própria atmosfera do capitalismo, massificação e popularização da arte, música embalada e pronta para vender. É uma crítica daqueles que não poupam o sistema capitalista e consideram-no o maior culpado das mazelas do mundo. Adeptos da crítica à apropriação do capitalismo da música cegam-se, por vezes, frente à grandiosidade e importância da arte da produção em música. Não é colocar o capitalismo como único motor de propulsão do universo da criação musical dos séculos XX e XXI, mas sim observar o

resultado final que esses artistas trazem com a possibilidade do dinheiro em financiar e criar arte. Se retomássemos uma possível ideia de progresso da arte, teríamos de falar, dentro do espírito do nosso tempo, do progresso de um produto-arte. Talvez até, em uma futura arqueologia do nosso atual tempo histórico, chamarão neste porvir o período em que vivemos de arte-produto, músicacomércio: assim como o conteúdo da música já foi Deus, a honra, a glória, o amor, hoje falamos de Deus na música para vender, amor na música para vender. Arte é capital: axioma do nosso momento histórico. Daí a estranheza em se ver artistas outrora consagrados pelo modelo de livre mercado, consagrados pelas grandes gravadoras, pedindo apoio financeiro para o Estado, em uma relação que vai além da já natural lama capitalista. Alguns artistas, músicos que se beneficiam de editais, leis, estatização da arte, assunto que daria eternos outros artigos intermináveis, recaem em outro problema, que é a presença ou não do Estado em financiar a música ou qualquer outra forma de arte. Pensar nestas questões é avaliar quanto o sistema de propriedade privada e acúmulo de capital, vulgo capitalismo, inovou na estética musical, e como essa inovação não se perpetuará no modelo de simples conservação de artistas estatizados. Se um otimista observa certa espiritualidade no produto, um pessimista acreditaria talvez que o produto arte deve ser financiado pelo Estado. Quem detém a espiritualidade de nossa época: o edital ou o livre mercado?

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M.Hari "Ninguém indicou-lhe onde deveria colocar-se, mas ela não hesitou. Pôs-se no lugar exato, com as costas para a parede. Um oficial adiantouse com a venda negra nas mãos. Os olhos dela abriram-se, surpresos: 'É mesmo necessário?' E foram suas últimas palavras."

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EQUIPE Produção e estilismo: Rafaela Lagarrigue Fotógrafa: Ailin Cordoba

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Cinco

Curitibas

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Na última edição tratamos do que a Fotografia de Rua pode significar nos dias de hoje, e ainda do modo como o fotógrafo não só é visto pelo mundo, mas também se faz ver enquanto percorre ruas e cidades. A busca por significado e por discursos visuais faz com que cada trabalho seja único, como a visão própria de cada autor. Neste mês a discussão se materializa e ganha corpo com um passo adiante: reunimos o trabalho de cinco fotógrafos de Curitiba que se dispuseram a nos mostrar a cidade com suas lentes. Diferentes formações, equipamentos, interesses, visões, aproximações: confira aqui, através de três fotos de cada um deles, como se formam as diferentes cidades em uma só. www.rnottmagazine.com

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VISUAIS

Melvin

Quaresma

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Cinco Curitibas

P

or que eu fotografo a rua?

Desde muito novo vou ao centro. Acompanhava minha mãe nas idas semanais ao centro de Florianópolis, onde fui criado, e desde então me encontro apaixonado por assistir ao cotidiano. A paixão por assistir à vida, às pessoas, ao que acontece ao meu redor sempre veio acompanhada da minha timidez. Nunca fui muito de falar, sempre ficava escutando. Meu medo de interagir me fazia, sempre, um mero espectador do que acontecia em minha volta. E a fotografia chegou assim, como uma extensão do que a criança dentro de mim insistia em ser. Hoje, acredito que sou um tanto menos retraído e que a “fotografia tímida” seja uma parte, muito amada, do que eu faço. Agora também gosto dos retratos, da fotografia conversada e do que o “eu um pouco mais velho” é. Parece piegas mas, a fotografia sempre foi, pra mim, a minha vida traduzida. Lugares preferidos para fotografar: Gosto de lugares em que eu possa observar e passar despercebido. Em Curitiba, meus lugares preferidos são a rua XV, a rua Saldanha Marinho e o Largo da Ordem... Mas sempre vai mudando... Influências diretas: Minha maior influência na fotografia de rua é Robert Doisneau.

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Cinco Curitibas

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VISUAIS

Emerson Christian

Pereira

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Cinco Curitibas

P

or que eu fotografo a rua? Gosto de fotografar o movimento do inesperado. Justamente o contrário do trabalho em estúdios ou em ensaios, onde a ação é geralmente bastante controlada.

Influências diretas: Evandro Teixeira, Pedro Martinelli, Sebastião Salgado e André Kertész

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Cinco Curitibas

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VISUAIS

Zeca

Milleo

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Cinco Curitibas

F

otografia "de rua", para mim não é necessariamente procurar o "momento decisivo" nem capturar personagens esotéricos ou momentos extraordinários, mas sobre encontrar a beleza no mundano, da vida cotidiana de lugares curitibanos com as quais me deparo constantemente. Eu as vejo, as guardo em minha memória e depois volto para retratá-las, procurando detalhes, sem mostrar todo o seu contexto original. Lugares cotidiano são frequentemente reencenados por fotógrafos como Ryan Russell, William Eggleston e Stephen Shore.

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Cinco Curitibas

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VISUAIS

Ricardo

Pozzo

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Cinco Curitibas

P

or que eu fotografo a rua? Sempre admirei os fotógrafos correspondentes de guerra, mas escolhi uma outra guerra para fotografar, a guerra das classes no cotidiano da urbe fágica, que aliás é o nome do meu projeto de fotos urbanas.

Lugares preferidos para fotografar: Fotografo a cidade de Curitiba, mais precisamente o centro, onde todas as classes convivem e se enfrentam diariamente, além da periferia, onde moro e outras cidades para onde raramente viajo. Influências diretas: Teóricas: Vilém Flusser Práticas: os fotógrafos de guerra em geral, desde Robert Capa, James Nachtwey, o brasileiro André Liohn e o argentino Rodrigo Abd.

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Cinco Curitibas

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VISUAIS

Vinicius

F. Barth

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Cinco Curitibas

P

or que eu fotografo a rua?

Comecei sem saber muito o porquê, mas com certeza reunindo as características básicas (creio) de todo fotógrafo de rua: timidez e curiosidade, que foram aguçadas pela vida em outro país. Daí o próximo passo, que considero decisivo, foi o de perceber aos poucos o quanto a vida do dia-a-dia nos fornece muito mais dramaticidade e comédia, por meio de narrativas instantâneas que se montam e se desmancham em frações de segundos. Fotografo porque o mundo tenta nos dizer o quanto ele é estético e literário em seu cotidiano, e é uma satisfação incomparável ser capaz de captar isso nessa pequena e peculiar moldura que carregamos pendurada ao redor do pescoço. Lugares preferidos para fotografar: Grandes aglomerações, centros, feiras e avenidas. Gosto de lugares coloridos, que construam no quadro uma rede de relações cromáticas. E gosto de lugares que compreendam diferentes classes sociais interagindo livremente, como num palco improvisado com personagens que se cruzam. Influências diretas: William Klein e Joel Meyerowitz.

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Cinco Curitibas

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A Fotografia de

Lanave Isabella

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Texto por Isabella Lanave

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VISUAIS

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A fotografia para ela é isso. Uma maneira de contar histórias, viver pelo outro e para o outro.

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T

udo começou quando ela ainda era uma criança, com seus 11 anos, e ganhara uma daquelas Sony Cybershot 5MP paga em 10x no Supermercado Carrefour. Daí veio, aos poucos, o descobrimento: Era possível registrar o mundo com aquele pequeno brinquedo de metal. “A primavera chegara, com seus ares menos gélidos, com seus pássaros sobrevoando as cidades, com sua mudança de espírito. Porém, as pessoas, elas nada veem disso. Elas somente veem aquilo que se convencionou como importante, as instituições criadas pelas próprias pessoas para serem impostas sobre elas. E o mundo delas gira naquilo que se convenciou como importante”. Tosltói acerta em cheio com essa frase. É isso, “As folhas nem sempre estão verdes com os galhos floridos”, ela dizia. E ia atrás do que se mostrasse preto diante da primavera, ou mesmo do aroma adocicado que as margaridas lhe traziam. Percepções. Ela sabia que cada um tinha uma, e outra, e várias. Não importava. Ela sabia e corria atrás era para o despertar dos sentimentos.

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A Fotografia de Isabella Lanave

[56-57] Imagem 1

[58] Imagem 2

[59] Imagem 3

Paris 2013

Centrais CTBA

BelĂŠm PA

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[60-61] imagens 4 e 5

[62] Imagem 6

[53] Imagen 7

[53] Imagem 8

Belém PA

Belém PA

Belém PA

Superagui 2013

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A Fotografia de Isabella Lanave

Talvez ela ainda não conheça nem metade dos trabalhos de grandes fotógrafos, nem as técnicas de luz de Lee Jeffries ou Joey F., nem possua a câmera mais moderna do mercado. Mas ela não liga. E nem tem vergonha. Ela tenta, ela faz. Mete a cara e aprende, se necessário for. Tentar citar influências se torna difícil diante do vasto universo que a compreende. O ar mais gelado, a novela que faz o povo chorar, a obra de Dali, a chegada do trem a estação e tudo o que está a sua volta reflete em seus

movimentos na hora de posicionar a câmera. Junto a isso, alguns mestres; desde os mais clássicos, Sebastião Salgado, Bresson e Capa a Flávio Damm, Paolo Pelegrini, Steve McCurry e outros mais inquietos como Martin Parr e Man Ray. Ela ainda não sabe muito bem o que mais gosta. O poder da imagem em movimento mexe com a sua decisão em seguir firme apenas numa linha. E talvez ela nem precise decidir isso agora, hoje, com 19 anos. A ansiedade é grande e junto aparece a vontade de ir. Pra onde? Pra

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VISUAIS

onde tenha vida. Pra onde ela possa voar pisando no chão. É vai ver ela é do mundo. Mas ao mesmo tempo não teria outra coisa que ela faria nesse momento. Ela sabe disso e está feliz em se sentir assim. Acredita nessa história de que tudo tem o seu tempo, assim como também sabe que esse “tudo” não caí do céu. É preciso correr, pular, nadar se for preciso. O curso de Jornalismo ainda está na metade, entretanto, as ideias e projetos gritam por liberdade de dentro de sua cabeça. Ela é cheia das coisas, não sabe dizer não ao pedido de ajuda de um amigo ou ao convite para auxiliar num evento, por exemplo. E com isso acaba deixando algumas ideias para depois. Mas, quando por um acaso do destino dá certo, fica feliz.

E dessa maneira, indo, as coisas vão acontecendo. Em 2013 ela ganhou um prêmio na categoria “Ensaio Fotográfico Artístico”, em um congresso regional, com o ensaio “O Corpo Fala”, no qual retrata a mulher nua e crua em seu espaço. Fez também uma exposição no Bazar Itinerante em Jaraguá do Sul. Como eu já disse, talvez seja realmente cedo, mas talvez o tarde nunca precise chegar. Que graça teria a vida se tivessemos certeza de tudo? As vezes é melhor apenas seguir, caminhar, buscar e desejar. Se for o tudo, problema não há. Loucos são aqueles que acreditam poder mudar o mundo, já dizia Kerouac.

A última dessas foi uma viagem a Belém do Pará com 3 amigos fotógrafos com apenas um propósito: fotografar. Foram 8 dias intensos. Acordava antes do sol e se surpreendia, pois a cidade já estava viva; dormia depois da lua quando o calor, finalmente, já se acalmara. O carinho e a receptividade dos paraenses a encantou. Simplicidade e sensibilidade que exala por entre olhares e palavras. Sorrisos que encontram a lente da câmera, mesmo que sejam apenas com os olhos. Tapioca, tacacá, a Vó ... , as meninas, todas elas, a fizeram deixar uma parte da menina por lá. E no fim, é isso que vale. As mais de 1000 fotos no cartão de memória são apenas consequência. Foto por foto não tem sentido, não tem valor.

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A Fotografia de Isabella Lanave

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VISUAIS A fotografia para ela é isso. Uma maneira de contar histórias, viver pelo outro e para o outro. Encontrar a felicidade em simples atos. Ver a beleza onde ninguém vê. Denunciar desastres e situações erradas. Não existem segredos, e quando ela conseguir esquecer de todo o resto e apenas sentir, aí sim dirá ser uma Fotógrafa. Enquanto isso, ela se satisfaz sendo apenas mais uma registradora de momentos.

[64] Imagem 9 Belém PA

[65] Imagem 10 O Corpo Fala

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A Fotografia de Isabella Lanave

Mais em: Pรกgina oficial: http://isabellalanave.com/ Tumblr: http://isalanave.tumblr.com/ http://para3x4.tumblr.com/

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO 66

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Interrogando Marlon Anjos

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I

nterrogamos o artista plástico Marlon Anjos em seu ateliê, em Curitiba. Ele nos contou um pouco sobre o seu processo criativo e também sobre a 'inutilidade' da arte. Por fim, entre Leonardos e Duchamps, ele deu uma dica para quem gostaria de começar a pintar. Confira!

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http://www.rnottmagazine.com/ https://twitter.com/RNott_Magazine https://vimeo.com/rnottmagazine

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