R.Nott Magazine Issue #09

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setembro de 2014

ISSUE#09

Interrogando Rômolo DHipólito - Ensaio Rubik Elétrico - Sexto Propércio "RRRádio Espanha está no ar!" - Coleção Grandes Falsificadores - Han Van Meegeren - Notas íntimas - Interrogando Lean Frizzera.


WHO ARE THESE PEOPLE?

2│n.09 2014│R.Nott

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ISSN 2358-0127

VINICIUS FERREIRA BARTH

RAFAELA LAGARRIGUE

SE AUTO-INTITULA: EDITOR CHEFE

SE AUTO-INTITULA: DIRETORA DE ARTE

NA VERDADE É: Mestre em Literatura pela UFPR. Estudante de fotografia e desenho.

NA VERDADE É: Produtora de moda, excêntrica.

vinicius.rnott@gmail.com

rafaela.rnott@gmail.com

JULIANO SAMWAYS

GUILHERME GONTIJO FLORES

SE AUTO-INTITULA: COLABORADOR

SE AUTO-INTITULA: COLUNISTA

NA VERDADE É: Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

NA VERDADE É: Poeta, tradutor e professor no curso de Letras da UFPR.

jspetroski@hotmail.com

I

ggontijof@gmail.com

Vinicius Ferreira Barth

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PROPOSTA DA REVISTA

ssue #09: cores na capa! Dentro de um estúdio em Buenos Aires, enchemos os olhos com as mais diversas cores e com a beleza de Lemylie Sozah. Tanto o ensaio de capa quanto o vídeo de making-of saíram extremamente coloridos e divertidos. Não sabíamos ainda, mas esse seria o último editorial produzido dentro de um estúdio por um bom tempo, e o resultado nos deixou muito satisfeitos. Em nossa primeira matéria sobre street-art, entrevistamos Lean Frizzera, autor de murais gigantes e trabalhos impressionantes que estão espalhados pelos bairros de Buenos Aires. Descobrimos também, nessa ocasião, a magia do Parque Chas, o bairro mais misterioso da capital portenha. Nossa entrevista escrita foi com o quadrinista, designer e artista plástico brasileiro Rômolo D’Hipólito, a mente por trás dos quadrinhos geniais intitulados ‘Malditos Designers’. A poeta Fernanda Fatureto estrelou a coluna R.You!, falando um pouco sobre seu projeto de concepção de poesia e seus assuntos prediletos. E nas nossas mais-que-clássicas colunas: a colunista convidada Fernanda Maldonado escreve a matéria de Ruído apresentando o trabalho de Tomás Ramos e da Rádio Espanha; Guilherme G. Flores, em Literatura, apresenta a poesia de Sexto Propércio; e Marlon Anjos, em Visuais, conta a história de Han Van Meegeren, um mestre falsificador. E isso é tudo, pessoal.

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SUMÁRIO

I

[06]

INTERROGATÓRIO

Interrogando Rômolo DHipólito

nterrogamos o quadrinista, designer e artista plástico Rômolo D’Hipólito, e ele nos contou sobre a grande mistureba de estilos e discursos em sua vasta produção. Veja aqui como foi!

[14]

RUBIK ELÉTRICO LITERATURA

Sexto Propércio

A

poesia de Sexto Propércio, autor romano do séc. I d.C., em magistral tradução de Guilherme Gontijo Flores. Entre aqui para saber um pouco mais desse universo distante, e ao mesmo tempo tão estranhamente próximo de nós.

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[24]

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[20]

"RRRádio Espanha está no ar!"

B

em-vindos à Rádio Espanha, o programa de rádio conduzido por Tomás Ramos que é inteiramente dedicado à música latina underground! Matéria por Fernanda Maldonado.

[38]

N

[32]

RUÍDO

Coleção Grandes Falsificadores -

Han Van Meegeren

C

onheça a inacreditável história de Han Van Meegeren, um dos maiores falsificadores da história da arte, e certamente um dos maiores artistas do séc. XX. Texto por Marlon Anjos.

R.YOU

Notas íntimas

a coluna R.You desse mês: Fernanda Fatureto, autora do livro de poemas Intimidade Inconfessável (ed. Patuá, 2014). Ela mesma nos conta a respeito do difícil e tortuoso caminho de se (d)escrever, mas sem perder a ternura.

VISUAIS

I

[46]

INTERROGATÓRIO EM VIDEO

Interrogando Lean Frizzera

nterrogamos em Buenos Aires o pintor e muralista Lean Frizzera. Veja aqui um pouco das suas pinturas em tamanho colossal e saiba o que move a arte que acontece na rua, sua recepção e sua efemeridade.

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Rômolo DHipólito

INTERROGANDO 6│n.09 2014│R.Nott

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por Vinicius F. Barth


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INTERROGATÓRIO

C

omo, onde, quando e por quê?

É um clichê dizer isso, mas acho que como muitas (ou todas) crianças, sempre gostei de desenhar. Acontece que algumas param e outras continuam. Eu canalizei meu desenho para os quadrinhos. E foi aí que descobri um meio eficiente de me expressar. Durante minha adolescência (1999), junto com um amigo comecei a produzir fanzines. Criamos o Chapa, que teve cerca de 18 números publicados, se não me engano. Influenciado pelos processos gráficos de produzir zines desde a produção dos quadrinhos até a sua viabilização (custos de

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material, formato e distribuição) o resolvi estudar Design Gráfico em 2002. Na faculdade, consegui me desprender da linguagem dos quadrinhos e tive a oportunidade de explorar meu desenho adaptado a diferentes mídias. Além disso, havia começado a trabalhar como num estúdio de animação e ilustração. Ali tive uma oportunidade única de trabalhar ao lado de ilustradores e artistas que admiro até hoje. Certamente, esse período foi um divisor de águas para meu trabalho. Entendi meu trabalho de forma profissional e objetiva através da ilustração trabalhando para o mercado publicitário e editorial. Porém, com o tempo, também senti a necessidade de desenvolver uma vertente no campo das artes visuais. Desde então, tenho um vida dupla (risos) como ilustrador e artista visual. E ambas as áreas se complementam. Quadrinhos, gravuras, pinturas e ilustrações. Como convivem esses discursos na sua produção, e que significados eles assumem no meio dessa variedade de estilos? Eu gosto de imaginar estes discursos como organismos independentes que em algum ponto no passado se derivaram de outros e adquiriram um caminho próprio. Eu consigo enxergar isso muito claro na minha cabeça, só que de uma forma gráfica:

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Interrogando Rômolo DHipólito Algumas vezes, estes pontos se encontram (como eclipses) e contribuem com resultados visuais interessantes. Acho que o importante se deixar ser levado pela técnica e se fazer valer do “acidente feliz”. É difícil, mas quando você deixa de lado o cacoete, aquela zona de conforto de querer fazer sempre o mesmo, e deixa o material te surpreender, seu trabalho cresce. Em que momento da sua carreira você decidiu produzir quadrinhos? Surgiu naturalmente quando eu era criança, nem lembro direito as primeiras vezes que fiz uma hq. Mas lembro que minha mãe viu as histórias e me matriculou num curso na Gibiteca de Curitiba.

Fale um pouco sobre o universo e o nascimento de Malditos Designers. Malditos Designers surgiu na faculdade a partir de um convite de uns amigos “ativistas” do centro acadêmico da PUC. Na época, publicavam um folheto independente bastante crítico com relação a profissão, discussões, enquetes... Enfim, temas típicos de um CA. A princípio, eles pediram que eu fizesse tiras para tirar “onda” de clientes. Afinal, quem nunca xingou um cliente? Mas no final, achei mais interessante mexer no ego da profissão. Ali sim dava um “caldo”. As tiras até que tiveram uma certa repercussão, mas naquela época ainda não pretendia manter o projeto por muito tempo. Foi então que um pessoal do blog design. com.br me chamou para dar continuidade

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INTERROGATÓRIO

[6-7] imagem 1 Sol na laje, 2014. Aquarela, nanquim e colagem sobre papel - 46x31 cm

[9] imagem 3 Malditos Designers [10] imagem 4 Sudeste Asiático, 2012.

nas tiras. Achei legal, pois era um veículo interessante no meio. Publiquei um ano lá e depois migrei para o Ideafixa. Com o tempo, as ideias foram amadurecendo e o universo dos malditos se expandiu para diversas áreas das humanas. Não me limito mais a profissão, até acho que o termo designer já não faz muito sentido, mas mantenho por um valor histórico.

Caderno de Viagem

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Interrogando Rômolo DHipólito você vê como diferença fundamental entre as duas áreas?

Publico até hoje no IF e também na página dos MD no Facebook. Como você vê essa posição intermediária entre o design e as artes plásticas? Sendo alguém com formação em design, e com uma posição bastante crítica em relação a esse universo, o que

A diferença principal, é a margem para interpretação. Se design fosse arte, o mundo seria um caos (risos). Imagina só hospitais, estradas, fábricas, enfim, lugares que dependem de informação visual 100% eficiente para poder funcionar. Acho óbvia a diferença, mas não vou ser louco de tentar explicar tudo. Serei breve nas definições. Na área gráfica, design é um projeto de comunicação que envolve um entendimento objetivo por parte do público através de códigos comuns ao contexto onde é aplicado. Isto é, ele não pode falhar na clareza ou dar margem a subjetividade. Nas artes visuais, há uma “tentativa” de exprimir esteticamente algo que o artista achou importante evidenciar em determinado momento de sua vida. O público, normalmente, tem uma abertura a interpretação e o artista não tem, necessariamente, obrigação em se explicar. Tem até uma frase pertinente para esta resposta que ouvi uma vez mas não lembro do autor: “A arte é a tentativa fracassada de representar uma experiência solitária.” A respeito de trabalhos como Trauma de Érico e Exemplo do Sujeito

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INTERROGATÓRIO

que Flatulou, como surgiu a ideia de trabalhar com textos escritos em versos rimados? Conte sobre essas produções. Há alguns anos, comecei a me interessar muito por cordel, tanto a escrita quanto o seu contexto. Mas acho que o que me marcou mesmo foi o humor de como a história é trabalhada. Me identifico bastante com o absurdo que é desenvolvido e de como tudo parece ser plausível. “Gugu encontra lampião” ou “A chegada de Michael Jackson ao inferno”. Vale tudo (risos). Então, me arrisquei numas riminhas vagabundas e quis contar minha história só que através dos quadrinhos. Acho que elas funcionaram bem como dois “pilotos” para produzir outras. Principais influências e heróis? (nas artes, nos quadrinhos, em tudo) Lembro como era valioso conseguir uma referência antes da internet. Lembro muito dos quadrinhos que lia na gibiteca. Um deles, que acho muito importante citar, foi o “Mundo Cão”, de Miguelanxo Prado. Mas as influências de quadrinhos foram várias, principalmente os autobiográficos americanos como Clowes, Crumb, Peaker. Também, por conta de Jean Leguay (Jano) comecei o projeto de Cadernos de Viagem, que faço desde 2006. Cito estes porque acho importante falar da minha formação inicial.

internet pasteurizou tudo, e não consigo lembrar de muita coisa que me tocou de forma significativa. Mas ultimamente, num modo bem geral, venho curtindo o expressionismo alemão na gravura, uns modernos brasileiros e ilustrações científicas de botânica. Em que você está trabalhando agora? Quais são os projetos futuros? Dia 20 agora, vou lançar o livro Malditos Designers (editora Gato Preto) na feira Ugra, no CCSP. Além disso, estou trabalhando numa nova hq estilo cordel e sigo produzindo gravuras, colagens e pinturas para uma futura exposição.

Difícil falar de influência hoje em dia, já que qualquer coisa pode servir com estímulo a produção. Além disso, a

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Interrogando Rômolo DHipólito

imagem 5 [12] 20,14, 2013.

imagem 6 [13] Exaustão, 2013.

imagem 7 [13] Malemolência, 2013.

Xilogravura 4 matrizes sobre papel 25 cópias 17x21 cm.

Acrílico sobre tela - 60x90 cm.

Acrílico sobre tela - 60x90 cm.

Mais em: página oficial: http://www.romolo.com.br/ www.rnottmagazine.com

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A

cabei de lançar a primeira tradução poética completa das Elegias de Sexto Propércio em língua portuguesa, pela editora Autêntica. Foram quase dez anos com essa poesia na minha cabeça, entre idas e vindas, porém marcados por um silêncio. Quase não falei sobre Propércio, quase não mostrei ou publiquei essas traduções fora de um círculo bem restrito de amizades e de leitores de poesia antiga. Não foi pudor, aconteceu enquanto eu procrastinava ou me dedicava à penca infinita dos projetos paralelos. Por isso este texto de hoje: contribuir, fora do livro que está saindo, para uma divulgação de uma obra que me moveu por anos. Dar um gostinho dessa poesia jocosa e densa, entre o patético e o erudito. O texto a seguir é tirado da introdução ao livro.

SEXTO

PROPÉRCIO 14│n.09 2014│R.Nott

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"

Quereis saber por que eu escrevo meus Amores, por que meu livro vem suave aos lábios.

Não é Calíope que dita, nem Apolo quem gera o meu engenho é minha amada.

"

Por Guilherme Gontijo Flores www.rnottmagazine.com

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LITERATURA

s

obre a vida de Propércio, temos pouquíssimas informações, e a maioria derivada da sua própria poesia, o que aumenta ainda mais o grau de desconfiança. Porém, se tivéssemos que fazer um apanhado, ficaria mais ou menos assim: nascido em torno de 50 a.C. de uma família nobre, Sexto Propércio vem da Úmbria (próximo a Assis); devido às guerras civis, sua família perdeu parte de suas terras, que foram confiscadas por Otaviano e Marco Antônio (cf. 1.21, 1.22 e 4.1, além de Virgílio Bucólicas 1 e 9), o que levou a família ao empobrecimento, mas não à miséria; se confiarmos ainda em 1.21 e 1.22, sabemos que a família sofreu profundamente com a Guerra da Perúsia, em 41 e 40 a.C.; ao que tudo indica, perdeu seu pai ainda jovem (4.1), mas recebeu uma educação formal da elite romana, provavelmente em Roma, com o objetivo de trabalhar na advocacia. Por fim, ainda jovem, se voltou para a poesia, e não temos maiores dados sobre sua carreira profissional desvinculada da escrita. Em 29 a.C., provavelmente, aparece seu primeiro livro de elegias (talvez intitulado Amores, mas comumente conhecido como Cynthia monobiblos) dedicado inteiramente à sua amada, a Cíntia, e que parece ter feito algum sucesso imediato. A figura de Cíntia é um grande problema interpretativo, se considerarmos sua existência biográfica como a maior amante de Propércio: Apuleio, mais de um século depois da morte do poeta, em Apologia 10, afirmaria que sob a máscara de Cíntia estaria velada uma certa jovem romana chamada Hóstia; no entanto a maioria dos comentadores tende, hoje, a descartar leituras biográficas da elegia romana. E acrescento: mesmo que houvesse uma ou várias mulheres que motivassem a escrita de Propércio, sua artificialidade, seu enquadramento dentro das diversas regras e lugares comuns do gênero, tudo isso aponta para uma autoconsciência literária muito profunda; e assim a biografia estaria, e muito, submetida à poesia, e não o contrário. Em seguida, Propércio publica (talvez sob o patronato de Mecenas), os livros II

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(entre 26-25 a.C., na verdade, talvez dois livros distintos, cf. introdução às notas) e III (23 a.C.). Por fim, o livro IV (talvez sob o patronato do próprio Augusto) sai em cerca de 16 a.C. Na falta de mais informações, costuma se assumir que Propércio deve ter falecido em 15 a.C., com cerca de 35 anos. Sua poesia ganhou fama de obscura, difícil, excessivamente mítica, etc., por vários leitores; seu estilo é complexo, e não à toa Pound identificaria nele uma espécie de precursor da logopoeia, que só viria a se desenvolver completamente, quase dois mil anos depois, com a poesia fin de siècle de Corbière e Laforgue. Muitas vezes construções inesperadas tomam conta do texto, uma ironia sutil desconstrói expectativas e com frequência deixa o leitor sem base para fazer seus julgamentos sobre uma possível verdade da poesia expressa pelos poemas. Assim, Propércio já foi considerado romântico, político engajado (pró e contra o Império), sincero em suas paixões, artificial na escrita, simbolista avant la lettre, modernista romano, etc. Para tentar dar algum anteparo ao leitor, vale a pena fazer um pequeno comentário sobre a poesia elegíaca e as suas possibilidades enquanto gênero literário. A história da elegia na Antiguidade é marcada por descontinuidades; não que não tenha sido continuamente escrita ao longo dos séculos, mas sua definição é um grande problema, desde suas origens, até a elegia romana. A elegia grega arcaica podia ser definida primariamente pelo seu modo de apresentação: um poema entoado (muito provavelmente acompanhado por um aulós, um instrumento de sopro) e feito com o dístico elegíaco: um hexâmetro datílico e um pentâmetro datílico que formam uma estrofe (cf. posfácio). Não há uma temática específica para a elegia arcaica, entre os séculos VII e VI a.C.; nela vemos poemas amorosos, gnômicos, políticos, narrativos, bélicos, etc., talvez ligados a um uso funeral, mas não unicamente. Já no período helenístico (séc. III a.C.), a elegia passa a ser muito utilizada por poetas como Calímaco de Cirene e Filetas de Cós

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SEXTO PROPÉRCIO como veículo para narrativas, muitas vezes amorosas, de mitos menos conhecidos, e assim a temática amorosa toma boa parte do espaço elegíaco. Simultaneamente outro gênero também tem um boom: o epigrama, uma espécie de inscrição funerária que passa a ganhar o status literário e a possibilidade de ser escrita ficcionalmente (alguns dos maiores nomes do gênero seria Meleagro, Calímaco, Leônidas de Tarento, dentre vários). O epigrama também incorpora muito da tradição da poesia amorosa subjetiva, além de também ser escrito em dístico elegíacos. Talvez seja dessa fusão entre a brevidade subjetiva e o complexo desenvolvimento das elegias mais longas e míticas amorosas que a elegia romana surge como uma forma nova. Porém mesmo esse surgimento em Roma é difícil de se definir. Se tivéssemos de apresentar um ponto de origem, eu diria que estariam em dois carmina de Catulo, de meados dos anos 50 a.C.: 65-6 (com uma breve carta de 65 apresentando 66, uma tradução da Coma de Berenice de Calímaco) e 68 (um longo poema subjetivo amoroso, com várias guinadas para o campo mítico, familiar, na forma de monólogo endereçado ao um amigo confessor). Provavelmente Catulo não compreenderia seus poemas como “elegia erótica romana” tal como nós: enquanto um gênero definido. Os dois poemas parecem resultado de experimentação com formas tradicionais previamente estabelecidas: o epigrama e a elegia dos gregos. Mas Catulo ainda consegue dar notas humorísticas aos poemas, que parecem ter outra origem, a Comédia Nova romana, de Plauto e Terêncio (séc. III e II a.C.); o que faz um pequeno caldeirão de influências resultar em poemas de estruturas bastante complexas. Mas tarde, Cornélio Galo (70 - 26 a.C.) publicaria os seus Amores, um livro que não nos chegou – fora 10 versos fragmentários -, onde cantava a sua paixão por Licóris. Embora não possamos afirmar ao certo se o livro apresentaria apenas elegias (e se elas seriam tal como as nossas elegias romanas), ou se teria

uma mistura de metros e assuntos. Seja como for, Galo é posteriormente tomado como o fundador da elegia romana como gênero literário novo, diverso do que havia sido produzido pelos gregos. Boa parte do que podemos deduzir de sua poesia está na sua representação como personagem central da décima bucólica de Virgílio. O que torna ainda mais incrível o desenvolvimento da elegia é seu período minúsculo de pouco mais de meio século, entre seus primeiros esboços com Catulo e seu esgotamento com Ovídio, no início da nossa era. Catulo e Galo, de algum modo, deram as bases da elegia erótica romana; e vamos resumir grosseiramente assim: a) uma poesia subjetiva complexa e mais longa do que um epigrama; b) uma temática prioritariamente amorosa, mas não exclusiva; c) o uso mais ou menos frequente da mitologia como argumento ilustrativo e alusivo da própria subjetividade expressa nos poemas; d) uma boa dose de humor derivado da comédia romana. É com essa base que Tibulo e Propércio vão começar a sua escrita, e pouco depois Ovídio levará o gênero ao seu esgotamento, seguindo os passos do experimentalismo apresentado pelos poetas anteriores. Quando falo em experimentalismo, é preciso que o leitor seja sutil – não há nada aqui parecido com as vanguardas experimentais do século XX, ou com a poesia experimental das últimas décadas. A experimentação é aqui feita por pequenas quebras de expectativa, inversões dos lugares comuns do gênero, fusão de gêneros, etc. Há um jogo entre cumprir uma série de determinações genéricas e um pequeno espaço de liberdade e originalidade poética. Como exemplo desse experimento, deixo com vocês minha tradução do poema 2.1.

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LITERATURA

2.1

Quereis saber por que eu escrevo meus Amores,

Quaeritis unde mihi totiens scribantur Amores,

por que meu livro vem suave aos lábios.

unde meus ueniat mollis in ore liber.

Non haec Calliope, non haec mihi cantat Apollo:

quem gera o meu engenho é minha amada.

ingenium nobis ipsa puella facit.

Se a vejo refulgir com seu manto de Cós,

Siue illam Cois fulgentem incedere cerno,

se vejo a coma esvoaçante sobre a fronte,

seu uidi ad frontem sparsos errare capillos,

se orgulhará do meu louvor às mechas;

gaudet laudatis ire superba comis;

se com dedos ebúrneos toca à lira uns versos,

siue lyrae carmen digitis percussit eburnis,

admiro as mãos num ágil movimento;

miramur, facilis ut premat arte manus;

poeta, encontro novas causas, mil;

inuenio causas mille poeta nouas;

se, livre de seus véus, luta comigo nua,

seu nuda erepto mecum luctatur amictu,

então componho Ilíadas imensas;

tum uero longas condimus Iliadas; seu quidquid fecit siue est quodcumque locuta,

Quod mihi si tantum, Maecenas, Fata dedissent,

para que Pélion fosse a ponte ao céu,

impositam, ut caeli Pelion esset iter, nec ueteres Thebas nec Pergama, nomen Homeri, regnaue prima Remi aut animos Carthaginis altae, bellaque resque tui memorarem Caesaris, et tu

nem Remo e antigo reino, ou o valor de Cartago, eu lembraria as guerras e atos do teu César,

25

e, após César, a ti atentaria.

Caesare sub magno cura secunda fores. Nam quotiens Mutinam aut, ciuilia busta, Philippos

Quando eu cantasse tumbas, Mútina ou Filipos, e combates navais da fuga Sícula,

aut canerem Siculae classica bella fugae,

os lares destruídos de antigos Etruscos,

euersosque focos antiquae gentis Etruscae,

e a Ptolomaica Faros subjugada,

et Ptolomaeei litora capta Phari, aut canerem Aegyptum et Nilum, cum attractus in urbem

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nem Pérgamo, uma glória homérica, nem Tebas,

nem Mário contra as ameaças Címbrias:

Cimbrorumque minas et bene facta Mari:

hic Ixioniden, ille Menoetiaden.

20

nem os mares que Xerxes manda unir,

Xerxis et imperio bina coisse uada,

Theseus infernis, superis testatur Achilles,

Ó Mecenas, se os Fados me dessem talento Titãs não cantaria, nem Ossa no Olimpo

non ego Titanas canerem, non Ossan Olympo

et sumpta et posita pace fidele caput:

15

de conduzir à guerra as mãos heroicas,

ut possem heroas ducere in arma manus,

te mea Musa illis semper contexeret armis,

se ela faz qualquer coisa ou fala algo qualquer, do nada nasce uma sublime história.

maxima de nihilo nascitur historia.

Actiaque in Sacra currere rostra Via;

10

se ao sono entrega os seus olhinhos relutantes,

seu compescentis somnum declinat ocellos,

aut regum auratis circumdata colla catenis,

5

com veste Côa vem o meu volume;

totum de Coa ueste uolumen erit;

septem captiuis debilis ibat aquis,

Não é Calíope que dita, nem Apolo:

30

quando eu cantasse o Egito e o Nilo em plena Urbe com suas sete fontes prisioneiras, régios pescoços presos por correntes áureas e esporões Ácios pela Via Sacra; a minha Musa sempre te uniria às armas, como fiel amigo em paz e guerra: Teseu no inferno e em terra Aquiles testemunham ao filho de Menécio e ao de Ixíon.

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35


SEXTO PROPÉRCIO Sed neque Phlegraeos Iouis Enceladique tumultus

Porém a luta em Flegra entre Encélado e Júpiter

intonat angusto pectore Callimachus,

não troa o peito angusto de Calímaco,

nec mea conueniunt duro praecordia uersu

40

nem ao meu âmago convém louvar a César,

Caesaris in Phrygios condere nomen auos.

com versos rijos, entre os avós Frígios.

Nauita de uentis, de tauris narrat arator,

De ventos fala o nauta, o lavrador de touros,

enumerat miles uulnera, pastor ouis;

de chagas o soldado, o pastor de anhos;

nos contra angusto uersamus proelia lecto: qua pote quisque, in ea conterat arte diem.

porém eu verso lutas sobre um leito angusto:

45

cada um passa o tempo em sua arte.

Laus in Amore mori: laus altera si datur uno

Glória é morrer de Amor: outra glória é gozar

posse frui: fruar o solus amore meo!

de um só: sozinho eu goze meu Amor!

Si memini, solet illa leuis culpare puellas,

Se lembro, ela critica jovens levianas

et totam ex Helena non probat Iliada. Seu mihi sunt tangenda nouercae pocula Phaedrae, pocula priuigno non nocitura suo,

e por Helena ela reprova a Ilíada.

50

Posso provar os filtros da madrasta Fedra, filtros não fazem mal ao enteado,

seu mihi Circaeo pereundum est gramine, siue

posso morrer por ervas de Circe, ou queimar

Colchis Iolciacis urat aena focis,

nos fogos de Iolco em Cólquida caldeira;

una meos quoniam praedata est femina sensus, ex hac ducentur funera nostra domo.

se uma mulher apenas me roubou o senso,

55

sairá desta umbral o meu enterro.

Omnis humanos sanat medicina dolores:

A medicina cura toda a dor dos homens:

solus Amor morbi non amat artificem.

somente Amor não ama o seu remédio.

tarda Philoctetae sanauit crura Machaon,

Macáon melhorou os pés de Filoctetes,

Phoenicis Chiron lumina Phillyrides, et Deus exstinctum Cressis Epidaurius herbis

Quíron Filírida, a visão de Fênix;

60

com as ervas Cretenses o Deus de Epidauro

restituit patriis Androgeona focis,

ressuscitou Andrógeo em lar paterno;

Mysus et Haemonia iuuenis qua cuspide uulnus senserat, hac ipsa cuspide sensit opem.

e o jovem Mísio, que na lança Hemônia a chaga sentiu, na mesma lança sente alívio.

Hoc si quis uitium poterit mihi demere, solus Tantaleae poterit tradere poma manu;

Se este vício alguém puder tirar de mim,

65

frutos pode trazer às mãos de Tântalo,

dolia uirgineis idem ille repleuerit urnis,

e encher com cântaros das virgens os tonéis

ne tenera assidua colla grauentur aqua;

sem que o pescoço ceda ao peso da água,

idem Caucasia soluet de rupe Promethei

do Cáucaso ele pode livrar Prometeu

bracchia et a medio pectore pellet auem.

e afugentar a ave de seu peito.

70

Quandocumque igitur uitam mea Fata reposcent,

e eu for um parco nome em pouco mármore,

et breue in exiguo marmore nomen ero,

Mecenas, esperança invejável dos jovens,

Maecenas, nostrae spes inuidiosa iuuentae,

justa glória de minha vida e Morte,

et uitae et Morti gloria iusta meae, si te forte meo ducet uia proxima busto, esseda caelatis siste Britanna iugis, taliaque illacrimans mutae iace uerba fauillae: “Huic misero Fatum dura puella fuit.”

Por isso, quando o Fado me exigir a vida,

se uma estrada levar-te perto do meu túmulo,

75

para o carro Bretão de jugo ornado, e, em lágrimas, diz isto às minhas cinzas mudas: “Fado desse infeliz foi dura moça.”

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20│n.09 2014│R.Nott

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RUÍDO

À

frente do programa de rádio que consolidou a música latina underground

Curitiba e transformou os padrões da locução, o produtor e apresentador Tomás Ramos fala sobre origens, influências e pretensões. em

C

arregando a naturalidade paulistana impressa no RG e no sotaque, de mãe paraguaia e avós paternos uruguaios, entender as origens de Tomás Ramos é uma tarefa um tanto quanto complexa. O produtor e apresentador do Rádio Espanha, programa que vai ao ar todos os domingos à noite na Mundo Livre FM, tem na bagagem um pouco de cada uma das cinco cidades onde viveu. Nem brasileiro, nem paraguaio, prefere se dizer simplesmente “latino” quando questionado sobre suas origens. É dessa mistura de cidades, culturas e da experiência de anos trabalhando com discotecagem que Tomás se inspira todas as semanas para trazer a latinidade da música aos ouvintes fiéis do Rádio Espanha. O programa, que desde o seu início traz a proposta de tocar

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todos os gêneros musicais, porém com um tempero latino, transita entre estilos tradicionais e modernos para criar um clima original e contagiante. Desde muito cedo, Tomás Ramos viveu em convívio intenso com a música, e apesar de assumir abertamente que a sua escola é o bom e velho rock ‘n roll, a infância dividida entre a Vila Mariana em São Paulo e cidade de Assunção, no Paraguai, colocou-o em contato direto com

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A cumbia surgiu mais ou menos como o

samba no Brasil. Resultado da mistura das

culturas africana, indígena e espanhola, é um ritmo muito popular nos bairros mais pobres das cidades hispânicas.

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"RRRádio Espanha está no ar!" os gêneros que na época explodiam nas rádios e nas ruas. Entre eles o hip hop e a cumbia, ritmo popular tradicionalíssimo em diversos países da América Latina. “Tenho uma lembrança muito forte de sair de carro com meu pai no centro de Assunção, pararmos no posto de gasolina e, quando eu abaixava o vidro da janela de trás, entrava aquela batida típica da cumbia que todos escutavam.”, conta ele. “Os motoristas dos ônibus de Assunção deixavam o som ligado no último volume, e dentro se viam pessoas de todo tipo: homens engravatados indo trabalhar, crianças pedindo dinheiro, estudantes de uniforme, paraguaias vendendo chipas (biscoito tradicional do país). Todos acostumados com aquela atmosfera e com aquela música. Tudo muito à flor da pele” relata ele. A cumbia surgiu mais ou menos como o samba no Brasil. Resultado da mistura das culturas africana, indígena e espanhola, é um ritmo muito popular nos bairros mais pobres das cidades hispânicas. É a música dos subúrbios, guetos e vilas que teve suas fronteiras expandidas quando sua qualidade foi reconhecida, se destacando pela imensa facilidade de aceitação por parte de quem escuta. Em 1970, duas décadas depois de uma canção de cumbia tocar pela primeira vez em uma rádio em Bogotá e causar imensa euforia na população, surgiram as primeiras misturas do ritmo tradicional com as guitarras psicodélicas do rock setentista. A partir de então, o estilo virou matéria-prima para experimentação. Nasce a tecnocumbia, a famosa cumbia villera – fruto das favelas de Buenos Aires com influências do rap norte-americano – e a cumbia psicodélica, marca absoluta na programação da Rádio.

Para Tomás, a cumbia e a boa música latina em geral ganharam um enorme espaço entre o público. “Há mais ou menos dois anos quase ninguém conhecia bandas como Ska Cubano, Chicha Libre, Ondatropica ou Bomba Estereo aqui. Com o Rádio Espanha pude trazer esse boom da latinidade até Curitiba. Hoje acontecem várias festas com essa temática pela cidade todos os meses.” afirma ele. A explosão da nova música latina underground está acontecendo em diversas metrópoles do mundo. Uma prova disso é que cada vez mais músicos britânicos, norte-americanos e europeus estão produzindo e formando bandas com fortes influências nos gêneros tradicionais dos nossos países-irmãos. Chicha Libre, um dos grupos mais famosos de cumbia psicodélica, bebe da rica fonte da música peruana. Quase podem passar como peruanos de fato, quando na verdade são do Brooklyn, Nova York. Ska Cubano, outra banda referência, é formada por ingleses de Londres explodindo na Europa com a combinação certeira de ska, mambo e uma ótima presença de palco. Com todos esses elementos fica difícil não se deixar envolver pela boa onda e pelo alto astral da música, a linguagem mais universal que existe. O sucesso do Rádio Espanha na Mundo Livre se deve muito a esses dois fatores, somados à singular locução de Tomás. O programa segue em seu comando todos os domingos às 19h, faça chuva ou faça sol, com a mesma energia positiva. Sempre ao vivo. A bailar!

Rádio Mundo Livre Curitiba (93,9fm): http://www.mundolivrefm.com.br/ Rádio Espanha no Fabebook: https://www.facebook.com/radioespanha

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EQUIPE Fotografia: Ailin Cordoba Produção: Rafaela Lagarrigue Modelo: Lemylie Sozah Vestuário: Flowa Powa Maquiagem: Luciana Segovia Backstage e edição: Vinicius F. Barth Trilha sonora: Pzychobitch - Big Lover (rmx by sleepwalk) (2002)

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Han Van Meegeren 32│n.09 2014│R.Nott

Por Marlon Anjos

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Han foi um dos mais bem sucedidos falsários do século XX. Um personagem sagaz que fez frente a um mundo caótico e opressor, dominado pelo Terceiro Reich, em plena turbulência da revolução da Arte Moderna.

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lgumas histórias verdadeiras são tão improváveis que são aceitáveis apenas na ficção. A história de Han Van Meegeren (1989 - 1947) talvez seja o retrato célebre de tal afirmação. Han foi um dos mais bem sucedidos falsários do século XX. Um personagem sagaz que fez frente a um mundo caótico e opressor, dominado pelo Terceiro Reich, em plena turbulência da revolução da Arte Moderna.

dizer que Han Van Meegeren foi uns dos falsários mais bem sucedidos da história da arte; porém, o que impede que suas obras, seus Vermeers, sejam considerados obras genuínas? Não é o nosso papel julgar tal figura, mas depurar alguns aspectos da vida deste artista e deixar que o leitor efetue seu próprio julgamento sobre o caso.

Han acumulou uma fortuna em dinheiro. Vendia seus quadros por um valor dez vezes maior que Picasso (1881 – 1973), e viu seus 'Vermeers' pendurados nos museus nacionais de maior prestígio. Bon vivant, acumulou uma fortuna estimada em 50 milhões de dólares, que foi esbanjada. Sem dúvida soprou uma pequena parte de seu saque em morfina, em casas na França e na Holanda, caviar e prostitutas. Só por isso, poderíamos

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Em 1889, quando Han nasce, o realismo declinava, mas a pintura florescia. Foi em 1889 que Gauguin se afastou do impressionismo para criar algo menos naturalista, que chamou de sintetismo; e que Georges Seurat fez esboços pontilhistas da Torre de Gustave Eiffel, enquanto operários se esfalfavam para concluir essa extravagância de ferro para a Exposition Universelle. Esse foi o ano em que um desconhecido pintor holandês se internou voluntariamente no asilo de St. Paul, em Arles, onde retratou o banco de pedra e os ciprestes dos jardins; o ano em que o jovem


Coleção Grandes Falsificadores - Han Van Meegeren Henri Matisse, escrivão que nunca tinha posto o pé numa galeria de arte, matriculou-se num curso de pintura em sua Saint Quentin natal. E em 1889 que Picasso, aos oito anos de idade, pintou o que se considerava sua primeira obra, Le Picador. Algo quase mágico estava acontecendo na arte ocidental. Uma centelha de loucura, uma faísca de gênio estava no ar, alimentando discussões controvérsias em Paris e Londres. Nada disso havia chegado a Deventer. (WYNNE, 2008 p.35)

Han Van Meegeren nasceu na cidade holandesa de Deventer no final do século XIX. Reprimido e estigmatizado quando criança por ser o filho mais velho, teve seu talento negligenciado. Impedido de estudar arte e ridicularizado pelo pai, foi obrigado a escrever inúmeras vezes: “eu não sei nada, eu não sou nada, eu não sou capaz de nada” (GREEN, 1996). Apesar dessa infância trágica, Han enfrentou os pais e dedicou-se à arte. Durante seu curso na Escola Superior Burger, Han conhece Bartus Korteling (1853-1930), professor e pintor tradicionalista que tinha como modelo Johannes Vermeer, era filiado a ideia de que a arte moderna constitui uma atividade degenerada e decadente. Esse intelectual cativa o jovem Han, seja pela sua postura contra o movimento vigente, ou pelo seu profundo conhecimento sobre as técnicas de pintura da era de ouro holandesa. Dotado de um talento extraordinário, Han Van Meegeren nasceu fora da época em que teriam reconhecido sua grandeza, já que nasceu para ser pintor mas chegou com cinquenta anos de atraso.

enquanto trabalhava para a École des Beaux-Arts, retratando a história da arte numa pintura de 27 metros. O dobre fúnebre soou em resposta ao acontecimento mais espetacular da história da arte figurativa: a doação ao mundo, feita pelo governo francês, de uma nova e fascinante patente, o daguerreótipo. (WYNNE, 2008, pág 30).

Tal declaração se deveu ao fato de que, na época, espalhava-se pela Europa uma nova tecnologia capaz de pintar com a luz: a fotografia. A afirmação de Paul Delaroche traz em seu bojo o que talvez tenha sido a maior crise da imagem na história da arte figurativa. Louis Daguerre, criador do primeiro aparelho fotográfico em 1839, mostrava ao mundo uma máquina capaz de congelar o instante e reconstruí-lo com “perfeição”. No entanto, Han não estava atento às mudanças de sua época. Em sua aprendizagem praticava livremente cópias dos grandes mestres do passado, aprendendo noções formais, como perspectivas, e noções puramente técnicas e químicas. Copiar sempre foi comum entre a pintura acadêmica, era um método formalizador; “Rubens copiou e aprimorou a obra de todos os pintores que admirava, Delacroix elaborou mais de cem cópias das pinturas de Rafael e Rubens” (WYNNE, 2008, pág. 67). Porém, tal prática encontrava-se em descrédito para o mundo que se apresentava.

Em 19 de agosto de 1839, Paul Delaroche, um dos pintores franceses mais populares e respeitados do século XIX, solenemente declarou: "A partir de hoje, a pintura está morta". Paradoxalmente, fez essa declaração

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[...] o impressionismo cedera lugar ao neo-impressionismo, ao efêmero nabis, ao fauvismo; o art nouveau alcançara o ápice na exposição da secessão vienense um ano antes; o cubismo e o futurismo eletrizavam os críticos em Paris e Nova York, e as publicações especializadas já estavam repletas de termos novos como vorticismo, suprematismo e biomorfismo. Entretanto, Han

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pintava retratos à maneira de Van Dyck” (WYNNE, 2008, pág. 73).

Em 1917, Marcel Duchamp, dois anos mais velho que Han, mudaria o mundo da arte para sempre, abandonando as tintas e telas e apropriando-se de um objeto comum, transferindo-o de um contexto de objeto a um contexto alheio, artístico; um urinol da ‘J. L. Mott Iron Works’, girado em oitenta graus e assinado R.Mutt, 1917 – the font. No entanto, Han não estava atento ao seu tempo, não tinha nenhum engajamento com as poéticas modernas. Em seus trabalhos, para o escopo de sua época, nada além do virtuosismo havia em suas obra, nada que conduzisse as poéticas modernas. Enquanto Han se preparava para receber os convidados de sua primeira exposição, Duchamp apresentara para o mundo os ready-made. “O júri do salão recusara a obra The Font” (WOOD, 2002. pág. 12) Sua exposição Individual coincidiu com notórios acontecimentos artísticos; enquanto Han trabalhava em sua natureza morta que Pieter Claesz poderia ter pintado três séculos antes, em Rotterdan, apresentava-se para o mundo as obras de Piet Mondrian (lançamento da revista De Stijl). Enquanto Han pintara a tradicional “madona com o menino”, no cabaré Voltaire, em Zurique, Hugo Ball se dirigia a poetas e artistas num dos momentos mais definidores da arte do século XX – o primeiro Manifesto dada, Zurique 1917 (WYNNE, 2008. pág. 74)

arte atual, viria de imediato ao meu espírito o nome de alguns críticos de arte”. (RESTANY, 1979 pág. 11)

O contato de Han com Karel de Boer foi decisivo. Boer era um notório critico holandês, e, após os elogios de sua crítica, todos os quadros foram vendidos. Segundo Wynne, Han manteve laços de amizade com Boer, mas não de fidelidade, pois nutre um caso duradouro com a esposa do crítico, que mais tarde tomaria como sua amada. Boer lamentou a humilhação pública que o submetia, e se pôs a cargo de destruir a carreira que ele próprio tinha feito; junto a seus colegas decidiu lembrá-lo do grau da influência que a voz do crítico podia ter. Em 1922, Han fizera mais uma exposição que acabou sendo um fracasso. A crítica reuniu-se para atacá-lo, e dessa forma nada foi vendido nem admirado. Da mesma maneira que Han viera à “fama”, agora descia à vergonha. Seu fracasso era eminente, suas obras foram depreciadas em jornais e textos críticos. Han sumiria na história e somente tornaria a aparecer num caso embaraçoso após a segunda guerra.

A arte é um elemento das relações públicas. A única opinião que importava era da crítica. Se a crítica confabulasse de maneira positiva, a obra teria sucesso, se não, a porta de saída permanecia aberta; “Não há mais artistas, mas há arte. Já não são os artistas que fazem a arte progredir, mas sim os críticos. Se me perguntassem quais os personagens mais importantes da

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Com o término da guerra em 1945, confiscaram o coleção e as pilhagens de obras de artes que o terceiro Reich conquistara. Incluía 1200 quadros, entre os quais, o astrônomo, Mulher Surpreendida em Adultério, “autênticos Vermeer”, (FELICIANO, O Museu Perdido p. 55). “Os quais não tinham sido pilhados por Goering, e sim comprados por um agente em Amsterdã. Seguiriam pistas, por documentos de vendas e correspondência que o agente teria trocado com o comprador, assim chegaram a Meegeren, proprietário de um clube noturno na Holanda. Meegeren declarou à polícia que sua fortuna provinha da venda de seis Vermeer, que adquirira de uma família italiana”. (WYNNE, 2008 p.189 a 195)


Coleção Grandes Falsificadores - Han Van Meegeren A pena para quem colaborasse com os nazistas era a morte, e a única defesa possível era admitir que todos aqueles quadros eram, de fato, de sua autoria, confissão em que o público se recusou a acreditar. O único recurso da corte foi exigir que Han Van Meegeren, então, pintasse seu último Vermeer diante de um júri. Confessou ter falsificado obras de Hals, Hoock e Vermeer, totalizando 14 obras-primas, entre as quais se incluía Cristo e os Discípulos em Emaús. Com essa declaração Meegeren abalou a reputação de Abraham Bredius crítico renomado que gozava da atribuição da descoberta dos novos Vermeer, e também de todos os conhecedores da arte holandesa da era de ouro. Contudo, o júri duvidou, caindo em gargalhada, Han respondeu: [...] eu provo, preciso ter acesso ao meu ateliê, aos meus pigmentos, às minhas telas. E, se é para criar, preciso de morfina para manter a calma. Mas vou lhes pintar uma obra prima. (Idem p. 209).

A arte da falsificação de Han van Meegeren desafia o bom senso porque se trata principalmente de um caso que escapa a uma classificação precisa (não sendo, nesse sentido, aliás, um caso isolado na arte contemporânea); confunde a compreensão de que o nexo entre estética e moral seja claro; balança a crença acerca da autenticidade da obra de arte. (PEREIRA, 2007, p. 3)

Contudo, nem tudo está perdido. E, segundo o catálogo de Vermeer, seis obras atribuídas ao artista não foram encontradas e são descritas com detalhes nos séculos XVII e XVIII, nunca tendo sido localizadas. Assim, temos apenas que esperar que o julgamento de um crítico incauto, ou o pincel de um falsário, as ressuscite.

Na prisão, diante de fotógrafos, fez seu último Vermeer - O Jovem Cristo Ensinando no Templo. Após tal prova de habilidade Han, contudo, foi acusado de falsificar a assinatura, e a pena foi de dois anos de cárcere. Morreria, no entanto, seis meses após a sentença. A morte ronda o falsário, seja literalmente, como pena capital, seja culturalmente, como censura. O que por um momento era obra de arte tornara-se objeto de menor valor. Ou seja, sucedeu o engavetamento de suas obras. Se algum objeto artístico carrega dúvida a respeito de sua autenticidade, tais objetos deixam de ocupar os espaços expositivos e ficam armazenados até o esclarecimento de suas autenticidades.

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notas íntimas Por Fernanda Fatureto

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Ameno, como um céu triste

ravar uma escuta interna em meio aos acontecimentos exige coragem. Talvez coragem seja uma palavra muito forte para nomear o próprio trabalho, mas quem trabalha com a escrita a possui em doses arriscadas. O risco consiste em lidar com fronteiras, o abismo da linguagem se fazendo – acredito que com poesia o abismo é maior. Há os fatos, a vida, a realidade. Há o sonho, a imagem, o inconsciente. A partir daí me esbarro com uma palavra que esteve por muito tempo em meu vocabulário particular. Ao longo da escrita do meu livro de estreia, Intimidade Inconfessável, editado pela Editora Patuá, estive muito interessada em leituras de Jacques Lacan, que permearam meu imaginário e empurravam-me a pergunta que se fazia crescente como um estranhamento: o que é ser mulher? Sendo mulher, como atuo no mundo? Meu livro nasceu dessa angústia. E mais: uma mulher descentrada. Estrangeira. Para a filosofia, o requiem do Outro. E nesse duelo que foi viver em uma cidade que não a minha, o embate surgiu em forma de poemas. Não sei ao certo por que poesia. Pode ser por condensar emocionalmente melhor frases e conceitos. Trabalho intuitivamente, como pontuou um excelente poeta. Ou também há uma dose de teoria, mas camuflada pelo tom emocional dos meus escritos. Essa questão do feminino foi primordial para mim desde o início, mesmo não tendo claro o livro como todo. O livro surgiu em torno de cinco anos. Com as leituras sobre o feminino e a psicanálise, vieram – entre outros – poemas como Ameno, como um céu triste:

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Ameno, como um céu triste O calmante permite que desista da vida por um instante e durma.

Função maternal: durma em braços esplêndidos Como em nosso Hino esquecido.

A cama retém toda a fúria de um corpo são. Ameba aquática calmaria azul. Blue.

Canto de alento, sinal delirante de saudade. Assim, a vida torna-se mais simples lá fora. Passa-se a vassoura por baixo da mesa, Limpa o fogão. Enquanto ela dorme embebe. Seu pathos de vida retirado. Justificado por qualquer teoria queer De gênero. Dorme moça, princesa em seu castelo Zombeteiro. Dorme, Os vizinhos lucrarão em não ouvir A verdade escandalosa.

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Notas Íntimas

Traço Li em um artigo: ‘todos estamos sangrando’.

Parece que as mulheres sangram mais ao escrever.

Traço

A tempestade guiará o povo. Local sagrado

Monte das Oliveiras,

Bote no topo da árvore

Maomé regendo seu povo com o condão.

Escrevo lentamente, sem pressa. E caminho em paralelo à leitura de mulheres ficcionistas. Tenho um interesse especial pelo modo que, com o passar do tempo, elas desafiam o status quo, driblam os cânones. Tomo-as como espelho para o diálogo com a vida. Li em um artigo: “todos estamos sangrando”. Parece que as mulheres sangram mais ao escrever. Esse descentramento, viver em um habitat que não o meu de origem, foi o epicentro para deslocar a angústia para a criação em termos efetivos. Se é que atualmente podemos usar a palavra “criação” sem embaraço, já que a tessitura da linguagem se faz em mil vértices:

Trope, trope

seguro por sobre as montanhas.

Línguas de fogo presas ao porto. Tinto cálice Milênios injúrios Clamo seu nome. Assim escrevo – Tenda delicada teia tecida Vértice. Colina por sobre o mar. Povo a procura do Nome. O segredo de um nome. Por entre códigos decifrar a origem do mundo.

Desvela o segredo oculto. Cala-me a um ponto de chegada.

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Nessa teia, mulheres como Marguerite Duras, Clarice Lispector, Sylvia Plath e Anna Akhmatova trouxeram um norte para minha busca, primeiramente como mulher, pela temática de seus livros. Posteriormente na escritura formal. Porém, faço leituras pelo arrebatamento. E não tenho um plano formal preciso ao escrever. O arrebatamento nessas mulheres traduz a forma como conduziram suas obras. Há o espelho, como em Alice e o País das Maravilhas. E há um duplo, há a fantasia masculina em torno do gênero:

Pin Up

Não estou à venda: Bonequinha de luxo exposta em vitrine.

Modinha godê.

Safo no país das maravilhas. Aleluia, aleluia alegria dos homens.

Transformar o frágil em riso. Com Escrivão, uma homenagem àqueles que fazem da alteridade um risco e nunca um acolhimento:

Escrivão Escrivão

Minha demanda de amor

percorre a Guanabara inteira à procura de um colo uma prece

um sorrio meio largo

ao imaginar a surpresa em me ver aqui – inteira – a admirar seu raro talento - usurpador de ofício.

No final, por mais que máscaras caiam e relações se equilibrem em precipício, há o humor e a subversão. Escrever sangrando e não perder a ternura.

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Notas Íntimas

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Fernanda Fatureto nasceu em 1982 em Uberaba, Minas Gerais. Formou-se em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. É autora do livro de poemas Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014).

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO 46│n.09 2014│R.Nott

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Interrogando Lean Frizzera

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click to play nterrogamos em Buenos Aires o pintor e muralista Lean Frizzera. Veja aqui um pouco das suas pinturas em tamanho colossal e saiba o que move a arte que acontece na rua, sua recepção e sua efemeridade.

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