R.Nott Magazine Issue #08

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agosto de 2014

ISSUE#08

Interrogando Bill “Fatback” Curtis - Ensaio Estrella Oscura- um caso de sulpícia(s) - O músico, o amante e o filósofo - Cover Girl Rabiscos-poéticos e Rabiscos-rabiscos - Interrogando Orlando Azevedo.


WHO ARE THESE PEOPLE?

2│n.08 2014│R.Nott

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ISSN 2358-0127

VINICIUS FERREIRA BARTH

RAFAELA LAGARRIGUE

SE AUTO-INTITULA: EDITOR CHEFE

SE AUTO-INTITULA: DIRETORA DE ARTE

NA VERDADE É: Mestre em Literatura pela UFPR. Estudante de fotografia e desenho.

NA VERDADE É: Produtora de moda, excêntrica.

vinicius.rnott@gmail.com

rafaela.rnott@gmail.com

JULIANO SAMWAYS

GUILHERME GONTIJO FLORES

SE AUTO-INTITULA: COLABORADOR

SE AUTO-INTITULA: COLUNISTA

NA VERDADE É: Professor de filosofia, autor, músico, estudante, ex-enxadrista, ex-filatélico.

NA VERDADE É: Poeta, tradutor e professor no curso de Letras da UFPR.

jspetroski@hotmail.com

ggontijof@gmail.com

Vinicius Ferreira Barth

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PROPOSTA DA REVISTA

A

issue #08, lançada em agosto de 2014, foi bastante especial por vários motivos. Entrevistamos em Curitiba o incrível fotógrafo Orlando Azevedo, que no futuro veio a ser nosso parceiro em várias produções de capa. Nessa entrevista falamos sobre a poesia da fotografia, a música e o significado místico que reside por trás das lentes. Também entrevistamos Bill Curtis, o baterista e fundador da lendária banda estadunidense de funk: Fatback Band. Aí você pode ler a história da banda contada por ele mesmo, é incrível. Realizamos em Curitiba um editorial de capa um tanto diferente, um tanto mais perturbador. Com Lise Santos como modelo, a produção ‘Estrella Oscura’ trouxe a santa muerte para estampar esse ensaio de capa. Não deixe de conferir! E mais: Guilherme G. Flores trata da poesia de Sulpícia, um dos poucos exemplares da poesia feminina da Roma antiga; Bernardo Brandão, colunista convidado nesse mês para assumir a coluna Ruído, fala do místico na música e na formação do nosso universo; em Visuais eu debato o assunto da Cover-Girl, a importância da figura da ‘garota da capa’; e, enfim, na coluna R.You!, apresentamos o trabalho de poesia ilustrada feito por quatro mãos, com Letícia Pilger e Claudia Santana. Conteúdo pra um mês inteiro!

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SUMÁRIO

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INTERROGATÓRIO

Interrogando BILL “Fatback” CURTIS

C

onfira aqui um Interrogatório super especial com Bill Curtis, o baterista e fundador da lendária banda nova-iorquina de funk, Fatback Band, e conheça toda a trajetória de sucesso dessa que foi a mais emblemática banda de funk de todos os tempos.

[14]

ESTRELLA OSCURA LITERATURA

um caso de sulpícia(s)

C

onheça um pouco da poesia de Sulpícia, um dos raros exemplares da poesia feminina em Roma, com introdução de Guilherme Gontijo Flores e traduções realizadas por ele e pelo Curioso Obscuro.

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[26]

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[22]

RUÍDO

O músico, o amante e o filósofo

B

ernardo Brandão, o colunista convidado para a coluna Ruído desse mês, fala um pouco sobre as músicas que formam o nosso universo, que emanam do nosso corpo, e que, assim como a filosofia, oferecem um caminho de sentido entre os mistérios da existência.

[38]

A

R.YOU

Rabiscos-poéticos e Rabiscosrabiscos

coluna R.You! volta ao ar nesse mês de agosto com uma participação dupla: as jovens Letícia Pilger e Claudia Santana nos presenteiam com um encantador trabalho de poemas com ilustrações, e nos contam elas mesmas como isso começou.

[34]

VISUAIS

Cover-girl

C

over-girl: o significado e o desejo representados pela 'garota da capa' em uma sociedade onde todos, em alguma medida, desejamos nos tornar admirados e esplêndidos 'cover-girls'.

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INTERROGATÓRIO EM VIDEO

Interrogando ORLANDO AZEVEDO

F

otografia, poesia, música. Conheça aqui a trindade que move a obra de Orlando Azevedo, que nos recebeu em sua galeria para falar sobre a sua brilhante trajetória e sua intensa relação com a fotografia e o Brasil.

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por Vinicius F. Barth

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INTERROGANDO

bILL CUrTiS fatback

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INTERROGATÓRIO

" E

Eu tinha cerca de 15 anos, e todos na banda tocavam bateria melhor do que eu.

aí Bill, como vai? Estamos muito contentes em tê-lo na revista. Ótimo Vinicius! O prazer é meu, e obrigado pelo convite.

- Como, quando, onde e por quê. Ok, eu nasci em Fayetteville, North Carolina, e fui criado pela minha Mãe como filho único. Minha Mãe era uma amante da música e tocava piano. A primeira coisa que ela trouxe quando arranjou a nova casa foi o piano, e esse foi o meu primeiro instrumento, embora eu não o toque mais. Comecei a tocar bateria no colégio, e a primeira banda com que toquei foi a Fairley Brother. Eu não sabia tocar. A razão pela qual me escolheram era que eu era a única pessoa na cidade que possuía uma bateria. Minha mãe não me deixava emprestar essa bateria, então eles me deram o posto. Eu tinha cerca de 15 anos,

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"

e todos na banda tocavam bateria melhor do que eu. Quando eu terminei o colegial (na E.E. Smith) fui para New York… “A Big Apple”. Nesse verão eu fui para a escola de música, me inscrevi para a Harnett School of music. Tive que deixar a escola e juntar-me ao exército porque estava difícil de arrumar trabalho e o inverno estava vindo. New York é um lugar muito frio para se estar no inverno, sem lugar onde se possa ficar... Então tem que ser o exército. Cumpri os meus quatro anos lá e voltei para New York para terminar meus estudos. Acabei nunca terminandoos academicamente, e comecei a minha família. Tinha então que começar a trabalhar de verdade. Meu primeiro trabalho profissional foi com Noble Watts e Big Maybell, e daí eu parti com Paul William. Toquei também com Bill Doggett, Sil Austin, King Curtis e Clyde McPhatter. Tive muitos trabalho em estúdio e toquei na orquestra no Apollo Theater por um tempo antes de começar o meu próprio

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Interrogando Bill "fatback" Curtis grupo. Eu era o que geralmente se chama como músico freelance da noite, o que significava que eu podia tocar em qualquer lugar em que se precisasse de um baterista. Comecei o meu próprio selo musical aí pelo fim dos anos 60, chamado Fatback Records, juntamente com o meu coprodutor, Sam Culley. Nosso primeiro lançamento foi Mary Davis. Sim, a mesma Mary Davis, vocalista principal com a SOS Band. Tínhamos quatro artistas no selo: The Four Puzzles, Jimmy William, e Tom and Gerry. Enquanto isso eu estava produzindo durante o dia enquanto nas noites e fins de semana eu tocava em clubes com trios de jazz. Toquei com Charlie Williams, Don Pullen & Bubba Brooks. Nós tocamos em um clube por cerca de seis anos, e ao mesmo tempo eu estava tocando dance music com Ron Anderson, em uma banda de R&B. A música começou a mudar naquela época. Um novo som tinha surgido na… Motown. Eu estava tentando me livrar do som R&B e era para ali que eu ia, então

formei o meu grupo. No início eram Baixo, Bateria, Guitarra e Metais. Eu estava dividindo alguns músicos com um amigo, Warren Daniels, quando tínhamos algum show, mas aos poucos as datas dos shows começaram a bater e eu tive que arranjar os meus próprios músicos. Esse foi o início da Fatback Band. Johnny King na guitarra, Johnny Flippen no baixo. Em pouco tempo adicionamos metais, Earl Shelton no sax, George Williams no trompete e Wayne Wooford nas congas. Essa foi a primeira e original Fatback Band. - O que é ‘Fatback’? ‘Fatback’ é a parte gorda de cima do porco, geralmente curada com sal¹. Quando cozida solta muita gordura, e era a única carne conhecida por muita gente pobre, e a gordura era usada para condimentar praticamente toda a nossa

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INTERROGATÓRIO comida. As pessoas no sul ainda hoje seguem comendo e cozinhando com um pouco de ‘fatback’. Caso você entre em algum restaurante e veja o ‘fatback’ no menu, saberá que esse é um lugar repleto de emoção. Eu tinha que contar um pouco disso, algo sobre o ‘fatback’… Então por que eu chamei a minha banda de Fatback? Foi um apelido que eu recebi de Eric Gale, um guitarrista. Tocamos juntos na

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Ron Anderson Band. Quando ele queria um certo ritmo, dizia ‘faça aquele ritmo engordurado, aquele ritmo fatback’. Era tipo uma variação de um double shuffle na mão esquerda, com o beat New Orleans tocado no pé. Veja, eu andava cansado de apenas tocar o back beat dois e quatro como todo o resto dos bateristas de R&B, então quando montei o meu próprio grupo, chamei-o de Fatback, e tocávamos

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Interrogando Bill "fatback" Curtis

tempo no pé. Esse é o famoso Fatback beat que você ouve em disco, house e funky music. Eu não pretendia me alongar tanto, mas já que você perguntou eu aproveitei para esclarecer a história. Nós não recebemos muitos créditos pelas contribuições que fizemos à música. - Como foi o nascimento da Fatback Band? O que você imaginava e esperava naquele tempo? Acho que eu já respondi a primeira parte da sua pergunta acima. O que eu imaginava e esperava… Bem, nada do que realmente aconteceu. Estávamos só fazendo música e nos divertindo com isso. Eu pensei sim em gravar com a minha banda quando eu estava produzindo, porque as bandas não estava vendendo. Eu nunca as usei quando era produtor, eu sempre uso músicos de sessão. Lembro de Johnny King me perguntando por que eu não gravava a minha banda e arranjava um hit. Não lembro bem agora como tudo isso aconteceu, mas eu estava por aí negociando minhas gravações da Fatback, buscando um acordo de distribuição, e encontrei um antigo amigo chamado Bo Frazier, que disse que estava começando um novo selo e que eu devia passar no seu escritório de vez em quando. Eu fui no dia seguinte, e não falei com ele sobre um acordo de distribuição, mas sobre a minha banda. Eu disse que tinha um novo ideal e queria gravar algum Country e Western funk. Ele disse que nunca tinha ouvido falar de algum Country funk mas me deu um orçamento de $5.000 para fazer um álbum. Fomos ao estúdio e fizemos 12 músicas em quatro horas... E as mixamos em três horas. Acho que fizemos duas country e o resto era puro funk. Isso foi na Perception Records.

essa música engordurada, que queria dizer música ‘repleta de espírito’ (soulful), funky music. Mas quando se fala da batida Fatback… Não estão falando sobre essa. Essa de que estão falando é a que eu misturei a batida Calypso e um back beat com o quarto

E como era fazer gravações nos anos 70? Nessa época era muito divertido, porque você tinha a possibilidade de fazer duas coisas, tocar e criar. A maioria dos produtores deixava que os músicos criassem um tema. Eles apenas entravam e diziam “o que você ouve?” Houve tantas músicas gravadas durante os 70… Acho que uma das razões pelas quais a Fatback demorou tanto para

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INTERROGATÓRIO

arrancar foi que havia tanta música boa por aí, e o que fazíamos era caminhar para uma batida diferente. - De onde vinha o seu material? Músicas, temas, letras? Do topo da minha cabeça e dos caras da banda. - O que você sente quando olha para trás e vê o início de coisas como a line dancing e o hip-hop, já que vocês foram partes (ou os pais) desses movimentos? King Tim III, por exemplo, é largamente considerado o primeiro tema hip-hop lançado. Como você vê isso depois de tantos anos? Eu me sinto ótimo a respeito de todas as coisas que fizemos e com as quais contribuímos. Só o que me incomoda é que não recebemos nenhum crédito ou reconhecimento. Sim, alguns por aí

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sabem suas histórias musicais. Eu sempre digo aos meus rapazes para sentirem orgulho de si mesmos, porque nós fomos os pioneiros. Nós deixamos as nossas pegadas nas areias da música. - O álbum Raising Hell saiu em1975, com o tremendo sucesso da faixa Do the Bus Stop. O tema recebeu um tipo de sequência em 1977, no álbum NYCNYUSA, com Double Dutch. Como, e por que, você fez essa sequência? (para mim, são dois dos meus temas preferidos, e sempre os ouço um após o outro) Hey, esse foi um ótimo álbum. Você sabia que “Do the Bus Stop” estourou no Reino Unido antes de estourar nos EUA? Meu parceiro Gerry Thomas, que estava tocando com Jimmy Caster na época, estava na Inglaterra fazendo shows e me ligou, dizendo que temos um hit, e eu digo “What, Bus Stop!” “Sim! É melhor você vir para cá!”

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Interrogando Bill "fatback" Curtis Agora, foi assim que acabou surgindo a Double Dutch… já que eu criei o estilo da dance music (eu não criei realmente as danças de Bus Stop ou Double Dutch, só as gravei). A ideia para a Bus Stop eu arranjei dos Griffin Brothers, uma banda de Washington, D.C., aí dos anos 40 ou começo dos 50. Acredito ter visto um casal dançando esse estilo em New Jersey. Me lembrou de crianças girando cordas para pular²; acabei apenas fazendo uma música sobre isso. - O que mudou para a funk music nos anos 80? Você quer dizer para a música da Fatback ou para a Funk music como um todo? Só posso te contar a respeito da nossa música. Eu não seguia, nós liderávamos. Tinha completa liberdade para gravar qualquer coisa que quisesse; eles deixavam na minha mão. E às vezes achavam difícil conseguir reproduções ao vivo nas rádios. Nosso som não se encaixava no que as rádios queriam. Foi apenas pelo fim dos anos 70 e início dos 80 que começamos a nos tornar populares. Nesse tempo a banda era um grupo bem temperado com todos os ingredientes de gordura e funk. Nessa época muitas outras bandas surgiram na cena usando os ingredientes da Fatback. Vinicius, aposto que você não sabia que as gravadoras não assinavam contratos com bandas funk de rua até a primeiro grande gravação da Fatback, “Goin Home to See my Baby”; um presentinho para o seu livro de história. - Websites como o Wikipedia contam que a banda alcançou um

sucesso substancial no Brasil nos anos 70. Você gosta da música brasileira? Nunca toquei no Brasil, mas amo sua música. Estive no carnaval umas cinco vezes nos anos 80 e no começo dos 90, me diverti muito. Já pensei em me aposentar por lá uma vez. Sou bastante familiarizado com o seu país. - Como vai a banda hoje? Algum novo material? A nova Fatback tem tocado junta, por aí, desde 2004. Temos postado novas músicas na internet. Hoje em dia eu gravo sob o nome de Bill Curtis and Friends w/ The Fatback Band. Agora me deixe explicar a razão pela qual comecei a gravar com o meu próprio nome... A Fatback Band já foi & já fez história e eu não estou tentando competir com isso ou ficar no mesmo saco. Dessa maneira eu tenho mais espaço para criar outras coisas e para experimentar. Ligeiras: Melhor show que você já fez O último Festival em Glastonbury Melhor show que você já assistiu - Marvin Gaye Tema da Fatback que você mais gosta de tocar ao vivo - I found lovin’ Maiores influências e heróis Paul Williams e Bill Doggett

¹ N.t.: um tipo de toucinho. ² N.t.: a brincadeira de pular a corda dupla é conhecida nos EUA como “double dutch”. Mais em: página oficial: http://www.fatbackband.com/ iTunes: https://itunes.apple.com/us/artist/the-fatback-band/id7251393 www.rnottmagazine.com

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um caso de 14│n.08 2014│R.Nott

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(s) sulpícia

Por Guilherme Gontijo Flores

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LITERATURA

s

ulpícia é um dos pouquíssimos exemplares de poesia feminina em roma. tudo indica que teria vivido no período de augusto, provavelmente filha de sérvio sulpício, e que, como sobrinha de messala corvino, teria participado do círculo de poetas em torno desse patrono. a mínima poesia de sulpícia sobreviveu até os nossos dias dentro do corpus tibullianum (poemas ligados ou tradicionalmente atribuídos ao poeta tibulo), na série que vai do poema III, 13 ao III, 18. nesses dísticos elegíacos – verdadeiros epigramas em sua brevidade – ela se dirige a cerinto, provável pseudônimo para cerinto cornuto, seu amado. assim, o que temos é uma inversão das tópicas gerais da elegia erótica romana, sempre nas vozes masculinas. aqui é a mulher quem pena pelo desinteresse de um homem; em vez do lugar comum do homem submetido à mulher. interessante é notar que na elegia há uma inversão dos papéis regulares da cultura patriarcal romana (o homem submetido à mulher, perde sua virilidade política e submete-se à escravidão do amor; a mulher tornase domina, senhora de seu escravo). ora, a elegia era, em grande parte, um jogo literário em que as inversões poderiam funcionar como humor na cultura romana. a pergunta que se poderia apresentar é: como

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podemos ler a inversão da inversão? reverter o processo, tal como faz sulpícia, é apresentar o mundo amoroso tal como ele era? ou, mais que isso, é duplicar o sentido da elegia e formular uma contrapolítica amorosa por dentro do gênero? até pouco tempo atrás, a poesia de sulpícia era vista como mera curiosidade feita por uma amadora; porém nos últimos 30 anos estudos diversos surgiram, com interesse nessa poética complexa que emerge dos poemas. a questão de gênero (genre & gender) nos dá possibilidade de entrever outras possibilidades para a poesia antiga; ao mesmo tempo em que podemos ver uma mulher em pleno domínio da técnica epigramática e da tópica da elegia erótica. no entanto, ao mesmo tempo, houve quem indicasse que os poemas não teriam sido escritos por uma mulher, mas sim por um homem que assumiria o papel de sulpícia como exercício literário. o argumento é que tal exposição da vida amorosa seria um risco para uma aristocrata romana. o jogo todo se torna ainda mais complicado se levamos em consideração outra série de poemas do corpus tibullianum, que vão de III, 8 a III, 12, tradicionalmente atribuídos a um amicus sulpiciae (amigo de sulpícia) que teria desenvolvido os epigramas da poeta até o formato de uma elegia. como em quase tudo na literatura antiga, restam-nos muito mais perguntas que respostas. a meu ver, independentemente da origem da escrita (homem, mulher, amadora, profissional, número de máscaras para sulpícia, cerinto, o amicus escritor), o que temos é uma possibilidade da voz feminina na poesia romana. e essa voz se faz como poesia e como inversão de aspectos dos gêneros. por isso apresento abaixo os 6 poemas de sulpícia em traduções minhas e do curioso obscuro (pseudônimo de aires de gouveia, 1828-1916); além disso, apresento ainda a tradução de um dos poemas atribuídos ao amicus, para que vocês tenham uma ideia das diferenças e pensem nas possibilidades interpretativas.

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um caso de sulpícia(s)

I. Tandem uenit amor, qualem texisse pudori quam nudasse alicui sit mihi fama magis. Exorata meis illum Cytherea Camenis

I (III, 13) Chegou-me emfim o amor, e tal que eu mais desejo

adtulit in nostrum deposuitque sinum. Exsoluit promissa Venus: mea gaudia narret, dicetur siquis non habuisse sua. Non ego signatis quicquam mandare tabellis, ne legat id nemo quam meus ante, uelim, sed peccasse iuuat, uultus conponere famae taedet: cum digno digna fuisse ferar.

de a qualquer o mostrar, que de ocultal-o em pejo. Cytherea o guiou, rendida aos versos meus, e veio-m’o depor no selo a amar, sem veus. Venus os dons solveu; minha alegria pura narre, quem sua amante embalde inda procura. E quanta e quanta foi, nem quero eu escrever; porque, antes dele, alguem não vá curioso ler. Mas ter pecado encanta; e enoja-o fama escura: saibam que digna fui co’um digno do prazer. (trad. Curioso Obscuro)

II. Inuisus natalis adest, qui rure molesto et sine Cerintho tristis agendus erit. Dulcius urbe quid est? an uilla sit apta puellae

II (III, 14)

atque Arrentino frigidus amnis agro? Iam nimium Messalla mei studiose, quiescas,

e sem o meu Cerintho, hei de passar! que idéa!

heu tempestiuae, saeue propinque, uiae! Hic animum sensusque meos abducta relinquo, arbitrio quamuis non sinis esse meo.

Eis o odioso natal, que na molesta aldeia, Que ha melhor que a cidade? a aldeia ás moças diz? Volve-as, no prado Arezo, o frio Arno gentis? Não cances mais, Messala, em me estudar jornadas, nem corras tanta vez incomodas estradas. Mas, pois que o arbitrio meu não vale sobre os teus, cá deixo, no partir, minh’alma e os olhos meus. (trad. Curioso Obscuro)

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LITERATURA

"

"

Mas de que serve superar doenças, se tu Indiferente assistes os meus males?

III. Scis iter ex animo sublatum triste puellae? natali Romae iam licet esse suo. Omnibus ille dies nobis natalis agatur, qui nec opinanti nunc tibi forte uenit.

III (III, 15) Sabes que ela tirou da mente a triste viagem? E vai passar em Roma o aniversário. O aniversário, então, nós dois o festejemos, pois veio inesperado para ti. (trad. Guilherme Gontijo Flores)

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um caso de sulpícia(s) IV. Gratum est, securus multum quod iam tibi de me permittis, subito ne male inepta cadam.

IV (III,16)

Sit tibi cura togae potior pressumque quasillo scortum quam Serui filia Sulpicia:

Eu gosto que, seguro de mim, muito a ti

Solliciti sunt pro nobis, quibus illa dolori est,

permitas, e eu não caia como tola.

ne cedam ignoto, maxima causa, toro.

Mais te agrade a toga e a puta com um cestinho que Sulpícia, de Sérvio simples filha:

preocupam-se comigo os que por ela sofrem, por que eu não saia ao leito de um qualquer. (trad. Guilherme Gontijo Flores)

V. Estne tibi, Cerinthe, tuae pia cura puellae, quod mea nunc uexat corpora fessa calor? A ego non aliter tristes euincere morbos

V (III,17)

optarim, quam te si quoque uelle putem. At mihi quid prosit morbos euincere, si tu nostra potes lento pectore ferre mala?

Cerinto, tu não tens piedade da menina Se a febre me perturba e turva o corpo? Ah! eu nem tentaria superar a dura doença, se achasse que também não queres. Mas de que serve superar doenças, se tu indiferente assistes os meus males? (trad. Guilherme Gontijo Flores)

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LITERATURA

VI.

VI (III, 18)

Ne tibi sim, mea lux, aeque iam feruida cura ac uideor paucos ante fuisse dies,

Não quero ser, querido, um férvido tormento

si quicquam tota conmisi stulta iuuenta,

– parece que passaram poucos dias –,

cuius me fatear paenituisse magis,

se em tola juventude algo eu cometi

hesterna quam te solum quod nocte reliqui,

que mais me doa agora confessar,

ardorem cupiens dissimulare meum.

do que ter te deixado a sós, noite passada, pois quis dissimular o meu ardor. (trad. Guilherme Gontijo Flores)

III, 11 (amicus Sulpiciae) Qui mihi te, Cerinthe, dies dedit, hic mihi sanctus

III, 11 (amigo de Sulpícia)

atque inter festos semper habendus erit. Te nascente nouum Parcae cecinere puellis

O dia que me deu Cerinto será santo,

seruitium et dederunt regna superba tibi.

será sempre festivo para mim!

Vror ego ante alias: iuuat hoc, Cerinthe, quod uror,

Quando nasceste, as Parcas entoaram nova

si tibi de nobis mutuus ignis adest.

escravidão às moças, teus reinados.

Mutuus adsit amor, per te dulcissima furta

Eu ardo mais que as outras; amo o ardor, Cerinto,

perque tuos oculos per Geniumque rogo.

se queimares por mim num fogo mútuo.

Mane Geni, cape tura libens uotisque faueto, si modo, cum de me cogitat, ille calet.

Que mútuo seja o amor, a ti furtivos gozos

peço; peço aos teus olhos, ao teu Gênio:

Quod si forte alios iam nunc suspiret amores,

ó Gênio matinal, aceita incenso e votos,

tunc precor infidos, sancte, relinque focos.

se ele se abrasa quando pensa em mim!

Nec tu sis iniusta, Venus: uel seruiat aeque

Porém, se acaso suspirar por outro amor,

uinctus uterque tibi uel mea uincla leua. Sed potius ualida teneamur uterque catena, nulla queat posthac quam soluisse dies. Optat idem iuuenis quod nos, sed tectius optat: nam pudet haec illum dicere uerba palam. At tu, Natalis, quoniam deus omnia sentis, adnue: quid refert, clamne palamne roget?

peço-te: deixa, ó santo, o lar infiel. Sê justa, Vênus: gera igual escravidão para os dois ou enlevá-o no meu laço. Melhor será sofrer na pesada corrente que nenhum dia pode desatar. Ele deseja o mesmo, mas é mais silente, pois tem pudor de confessar em público. Mas tu, Gênio Natal, ó deus que tudo escuta, anui; que importa se é secreto ou público?!

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um caso de sulpícia(s)

p

ost-scriptum: “a outra sulpícia”

há registro de outra poeta chamada sulpícia em roma, que teria vivido sob o império de domiciano. ela é elogiada por marcial (epigrama X, 35 e X, 38) como uma poeta capaz de cantar o amor marital com caleno numa forma repleta de paixão e erotismo. marcial chega mesmo a compará-la a safo, enquanto ausônio (centão nupcial) diz que sua poesia era de fato sexualmente excitante. certamente é por isso que, um século depois, o bispo sidônio apolinário não indicava a leitura de suas obras. é provável que tenha morrido em cerca de 98 d.c., antes de seu marido. o que explicaria os louvores de marcial como um texto escrito no momento, como consolo ao marido. infelizmente, temos apenas dois versos que nos chegaram através dos escólios às sátiras de juvenal (VI, 635). são os seguintes: Si me cadurci restitutis fasciis nudam Caleno concubantem proferat. Se de novo, envolvidos todos os lençóis me apresentar deitada e nua pra Caleno a tradução da passagem é difícil pela sua especificidade: o escoliasta comenta exatamente o uso raro de carducum, as faixas que ajudam a sustentar o colchão e o leito; mas que também serviria para indica a vulva. porém como é incerto o sujeito de proferat (“apresentar” “expor”), há outra em outra leitura, um pouco mais compreensível: Lux me cadurci dissolutis fasciis

E que a luz, revolvidos todos os lençóis, me apresente deitada e nua pra Caleno de qualquer modo, temos nestes dois versos um acontecimento único na poesia romana: a voz de uma mulher que deseja o sexo com seu marido, e não a cumpridora submissa do seu papel de matrona como procriadora da estirpe e mantenedora do lar.

dois livros bacaníssimos pra quem se interessar pelo assunto * Stevenson, Jane. Women Latin poets: language, gender & authority from Antiquity to the eighteenth century. Oxford University Press: Oxford, 2005 (667 pp.). esse calhamaço apresenta & discute uma lista imensa de poetas mulheres ao longo de quase dois mil anos. é uma chance rara de vermos o papel da escrita feminina numa história literária em que sempre predominaram os machos brancos. * Skoie, Mathilde. Reading Sulpicia: Commentaries 1475-1990. Oxford: Oxford University Press, 2002. (376) este livro apresenta, em vez de um estudo próprio sobre a poesia da primeira sulpícia, uma revisão de toda a história de sua recepção (sob o viés teórica da hermenêutica de gadamer) ao longo de cinco séculos. é uma peça importantíssima, já que com ela podemos ver como, ao longo dos últimos séculos os estudiosos formularam suas leituras para um caso excepcional da poesia romana, a voz feminina.

nudam Caleno concubantem proferat

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o músico, o amante e o Filósofo Por Bernardo Brandão¹

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RUÍDO

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Esse é o prazer do

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estranhamento: descobrir que o óbvio não é óbvio, que as coisas

U

m dos prazeres que tenho com a leitura de textos da Antiguidade é o estranhamento que eles me causam ao mostrar de maneira inusitada algo que, até então, me era familiar. Penso, por exemplo, em uma passagem do Contra os músicos de Sexto Empírico, um cético do século II d.C, que aproxima o músico do filósofo. Segundo conta-nos Sexto, em sua época, alguns acreditavam que tanto a filosofia quanto a música teriam o poder de regular a vida humana e refrear as paixões da alma, sendo que a música seria ainda mais eficaz por causa de sua persuasão encantatória. Sabemos que a música é parte importante de nossa vida, mas como seria ela capaz de regulá-la? Temos a experiência de seu poder em evocar emoções, mas ela realmente poderia nos fazer mais calmos e moderados? E a filosofia? Ela nos leva a uma visão

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podem ser diferentes - e que, no passado, já foram diferentes.

mais profunda do mundo. Mas, por causa disso, teria o poder de ordenar nossa alma? Esse é o prazer do estranhamento: descobrir que o óbvio não é óbvio, que as coisas podem ser diferentes - e que, no passado, já foram diferentes. De acordo com Boécio (De institutione musica), existiriam três tipos de música: a cósmica, a humana, a dos instrumentos. A música, tal como nós a entendemos, instrumental, "produzida por tensão, como nas cordas, ou pelo sopro, como no aulos, ou nos instrumentos que se ativam hidraulicamente ou pela percussão", não seria mais que uma das manifestações da harmonia que também se encontrara no mundo e no homem. A música cósmica se manifestaria na sucessão ordenada das estações do ano e no percurso regular das estrelas e planetas: "pois como é possível", escreve ele, "que uma máquina tão veloz como a do céu se mova em uma trajetória muda e silenciosa?"². E continua: "ainda que, por muitas razões, seu som não chegue

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O músico, o amante e o filósofo

aos nossos ouvidos, não é possível que um movimento tão rápido e volumoso não produza nenhum som, especialmente porque o curso das estrelas está ajustado em uma harmonia tão grande que nada tão perfeitamente unido, nada tão perfeitamente ajustado pode ser concebido". A música humana é aquela que existiria dentro de nós mesmos: "que é que mistura ao corpo essa vivacidade incorpórea da razão, senão a coerência e equilíbrio entre os sons graves e os agudos, que produzem como que uma única consonância? Que outra coisa poderá ser o que une entre si as partes da própria alma que, de acordo com Aristóteles, é constituída pelo irracional e o racional? Que outra coisa poderá ser o que combina os elementos do corpo ou mantém unidas suas partes com uma ligação firme?" Sendo harmonia do corpo e da alma, essa manifestação da música não estaria tão distante da filosofia que, para os antigos gregos e romanos, não era feita apenas de argumentos e teorias, mas também de uma certa atitude perante a vida. Segundo Pierre Hadot, um dos grandes estudiosos do tema, a sabedoria buscada pela filosofia era uma vida marcada pela paz de espírito, liberdade interior e consciência cósmica. A filosofia era um modo de estar no mundo que devia ser praticado a cada instante e cujo objetivo era transformar a totalidade da existência. Era uma arte de viver que, como a música humana, buscava a ordem da alma.

diferente da nossa: músicos e filósofos como companheiros de uma mesma jornada. A esse respeito, Plotino, um platônico do século III d.C., em mais um desses textos estranhos que a Antiguidade nos legou, dizia que três eram os tipos de homens capazes de seguir seu caminho de ascensão espiritual: o músico, o amante e o filósofo. O filósofo estaria preparado para a jornada porque, sendo por natureza fascinado com a ordem invisível que fundamenta nosso mundo visível, estaria já disposto a se elevar até ela. O amante, desejando intensamente a beleza do corpo humano, poderia aprender a desejar também a beleza da alma e do conhecimento e, assim, alcançar o próprio Belo. Já o músico, ao se deleitar com a harmonia dos sons, estaria, no fundo, buscando a harmonia silenciosa que também preside o homem e o universo e que não é outra que a ordem procurada pelo filósofo. Por isso, poderia se transformar ele mesmo em filósofo e ascender. Não nos causa hoje espanto que filósofos estudem a música, seu poder e sua natureza. Mas nos estranha que alguém nos diga que a música é também um caminho filosófico. A não ser que, como Plotino, acreditemos que músicos e filósofos são, no fundo, movidos por um mesmo desejo de harmonia, ou, ao menos, por uma mesma necessidade de encontrar sentido ante às dissonâncias com as quais nos deparamos em nosso caminho pelo mistério da existência. Se for esse o caso, Platão e Johann Sebastian Bach não estariam tão distantes assim.

Essa é uma perspectiva muito

¹ Bernardo Brandão é professor da área de Letras Clássicas do curso de Letras da UFPR e coeditor do blog de poesia Escamandro. ² Faço aqui uma adaptação da tradução de Carolina Castanheira.

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E strella O scu ra

Um estalo que ecoava. Por cima dos meus ombros emanava a pálida e vibrante presença dela; imponente e sorrateira. Uma aura nascida do silêncio; madre eterna de supernovas. www.rnottmagazine.com

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EQUIPE Produção e fotografia: Lanna Solci e Vinicius F. Barth Edição: Lanna Solci Modelo: Lise Santos Vídeo - Backstage e edição: Vinicius F. Barth Trilha sonora: Lila Downs - Estrella Oscura (2002)

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GIRL Por Vinicius F. Barth

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VISUAIS

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over-girl. Garota de capa. Coelhinha. Polly Maggoo.

Todos queremos ser uma cover-girl. Ou algo que o valha. A imagem e o outro, tudo o que nos constitui enquanto indivíduos, parece ser tão importante que, de certa maneira, toda capa de revista, independente de estilos, públicos ou tendências, se manifesta como símbolo inequívoco dessa unidade-rosto que nos representa enquanto raça. Odiamos o que consideramos a estética da baixaria e o que nos ofende, admiramos a beleza do bom gosto e do que nos apraza enquanto artístico. Tentamos nos igualar ao bemproporcionado e ao que é profundo de significado, sempre às nossas próprias maneiras, no que nos distingue enquanto seres individuais e únicos. Cada um à sua maneira busca seus modos de ser, dentro do seu próprio meio e mundo, a cover-girl, o destaque, a referência e o molde a serem seguidos. Esse conceito se contrapõe de uma maneira interessante, conflitiva, à própria individualidade, pois somos individuais, buscamos isso, e ao mesmo tempo nos encaixamos, nos identificamos, somos e nos etiquetamos em escolas e padrões. O mercado da moda já nos fala disso há muito tempo. Por isso mantém um ideal enquanto nos oferece um caminho. Nos prende. O engano e a incerteza nesse caminho são inevitáveis. Aquela cover-girl que admiramos é inalcançável. Porque é irreal. A busca pelo irreal no plano do real pode ser frustrante e nociva quando não é convertida em força produtiva ou criativa. A moda, a cover-girl, e todo o mundo em

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Cover-girl

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O mundo se move em batidas misteriosas, a

sedução é um fascinante componente humano, mas que conduz, em geral, ao desengano.

que vivemos e que é derivado dessa lógica – que lógica? a do mercado: seduz-se para vender–nos distancia de nós mesmos e da apreciação do que não é comercial. Covergirls e produções de moda não são obras de arte, mesmo que tentem nos convencer do contrário. São desvios, tensões que desembocam em inexplicáveis mundos de fantasia consumista. Não sou a favor ou contra. O mundo se move em batidas misteriosas, a sedução é um fascinante componente humano, mas que conduz, em geral, ao desengano. Gostaríamos de ser a cover-girl de nossas próprias vidas, nossos próprios palcos. Mas, se estamos frente a frente com uma obra de arte, com uma Mona Lisa, que mundo e que mistério são os que operam sobre nós? Não se sabe e nunca se poderá explicar. Mas Mona Lisa, essa cover-girl de infinito significado e fantasia, nos entende e nos absorve. Já cheguei a pensar que um retrato como o dela poderia ser equiparado ao de uma covergirl, mas não. Não se compara. Pois ela, Mona Lisa, em seu mistério, já é todos nós, e me conhece e conhece a você mesmo em nossas mais profundas esferas da existência.

Se olhamos para uma cover-girl, gostaríamos de ser como ela. Se olhamos para uma obra de arte, provavelmente já a somos, porque olhamos, e vemos. E o ser, o significado, não se alcança ou se compra, nem ao menos se compara, pois é o que nos define enquanto raça, que vai, inclusive, além da sedução e do consumo onírico. Isso, é claro, se a sua visita à Mona Lisa não se resumir a uma selfie e um souvenir. Nesse caso, sim, Mona Lisa é a maior de todas as cover-girls.

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R.YOU

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ois bem, iniciar com palavras de esclarecimento: por sermos duas, e, para os fins desse trabalho, aparentemente indissociáveis, uma vez que desenho e escrita se entrelaçam igualmente indissociavelmente, concordamos mutuamente que falarmos de nós na terceira pessoa será mais fácil. Pode ter ficado um tanto quanto estranho para os propósitos de apresentação de nós duas, mas certamente foi o método menos confuso que conseguimos encontrar. Encerrado este pequeno esclarecimento, às rabiscadoras. Letícia Pilger, ou simplesmente Pilger, como é chamada pelos amigos, é uma guria curitibana de 18 anos que cursa o segundo ano de Letras na UFPR e é a responsável pela parte rabiscosrabiscos dessa parceria. Sua mãe diz que ela desenha desde a pré-escola, mas ela só lembra de produzir rabiscos a partir dos dez, quando resolveu fazer um curso de desenho. Era a única criança da turma e, frustrada porque não conseguia desenhar como os colegas – isto é: desenhar realisticamente - e lidar com a tinta acrílica/óleo, logo abandonou o curso e o ato de rabiscar. Passaram-se os anos, até que, no auge dos 17 anos, nas férias de inverno do último ano do Ensino Médio, encontrou perdido em casa um estojo. Então ela voltou a rabiscar. A partir dessa redescoberta do rabiscar, ela já não queria desenhar perfeitamente, ela só queria desenhar e... ser feliz. Se perguntarem a ela quem faz parte do seu “top 5” de ilustradores, ela logo diz: Marion Bolognesi, Paula Bonet, Agnes Cecile, Kelly Vivanco e (seu amor platônico espanhol)

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Conrad Roset. As duas paixões de Pilger (além do Conrad Roset) são a arte visual e a Literatura, mas em relação a essa última ela tem o dom da “apreciação”, porque nunca conseguiu escrever um poema, uma crônica, conto ou romance, então ela manifesta seu amor pela arte de escrever através de seus rabiscos-rabiscos, que são invadidos por rabiscos-poéticos, seja por frases aleatórias, por poemas da Florbela Espanca, do Leminski, ou trechos da obra de Austen. Claudia Santana, também guria curitibana desde sempre, de 18 anos, é a responsável pelos rabiscos-poéticos, começou seus escritos na sétima – ou oitava? – série, e admite que nunca foi muito fã de ler poesia, embora tenha sido esta a forma de suas primeiras aventuras no mundo da escrita. Isso nunca mudou por completo; mesmo hoje ela ainda é muito seletiva, e acaba não lendo muita coisa, no intuito de deixar a sua palavra

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Rabiscos-poéticos e Rabiscos-rabiscos

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Em 2013, a rabiscadora de rabiscos Pilger e a

rabiscadora de poemas Claudia se conheceram na

faculdade de Letras e descobriram que compartilham uma coisa muito bonita: o amor pela poesia.

a mais “original” possível; com a voz dela. Mas, assim como o detrimento de ler para escrever poesia se manteve, teve coisas que mudaram de lá para cá... Ela começou escrevendo poemas melosos, de “amor”, do “vazio” que qualquer pessoa sente nos seus 13, 14 anos. Só que acabou seguindo em outra direção, deixando a poesia de lado, se dedicando a narrativas mais extensas, complexas, que ela hesita muitas vezes em chamar de “livros”. Seu primeiro “livro” foi iniciado em setembro de 2009, e concluído na longínqua data de julho de 2012, depois de tantas reescritas que basicamente não era mais o mesmo livro. Depois disso, nas férias antes de entrar para a faculdade de Letras, começou e terminou seu segundo livro, iniciando seu terceiro livro logo depois, em julho de 2013. Só então, com a vinda do segundo semestre da faculdade, quando começou a estudar a teoria das poesias, que começou a retomar esta produção. Agora, munida de todo o conhecimento teórico de rimas, sílabas, ritmo, sabia o suficiente para decidir quando usá-los e quando ignorá-los. A partir de então, foi

escrevendo, com uma maturidade bem maior que as primeiras poesias, de 2008, 2009, com uma técnica que diferencia muito de poesia pra poesia; ora sonetos, ora métrica livre, ora longa, ora curta... As temáticas vêm principalmente de eventos cotidianos; coisas que acontecem que lhe desencadeiam alguma reflexão, que ela eterniza no papel em forma de poesia. “Inspiração” ajuda com a temática das poesias, mas a maioria dos outros aspectos é pensada. Ela nunca gostou muito de expor seu trabalho – porque, para ela, seu trabalho é um pedacinho dela própria. Portanto, expô-los seria também se expor. E muito disso ainda não mudou; alguns poucos poemas foram escolhidos para serem mostrados; talvez já tenha mostrado alguns 15, em meio a mais de cem poemas que já escreveu desde a segunda metade de 2013 até então. Em 2013, a rabiscadora de rabiscos Pilger e a rabiscadora de poemas Claudia se conheceram na faculdade de Letras e descobriram que compartilham uma coisa muito bonita: o amor pela poesia – Claudia como criadora, Pilger como leitora.

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R.YOU Pilger vivia insistindo que Claudia expusesse seu trabalho num pequeno mural destinado à produção artística dos alunos de Letras no Centro Acadêmico do curso, no décimo andar do prédio Dom Pedro I da Reitoria, mas Claudia nunca quis se expor daquela forma, pelo menos não sozinha... Daí, em uma tentativa (felizmente fracassada) de fazer Pilger desistir de sua ideia fixa de Claudia expor suas poesias, Claudia a desafiou que só ia expor uma de suas poesias, se Pilger a ilustrasse... No início dessas férias de inverno, essa parceria aconteceu, surtindo um efeito muito melhor que o inicialmente

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imaginado – realmente divulgar o nosso trabalho numa primeira parceria (?), num coletivo (?), numa camaradagem (?), numa união de rabiscos (?). Independentemente do que seja, Pilger ilustrou um dos poemas de Claudia e, com o consentimento desta, publicou o resultado no facebook. Pela primeira vez na história da humanidade, um público maior que uma dúzia de pessoas teve acesso a um rabiscopoético de Claudia. A rabiscadora de poemas sempre teve receio em divulgar seus rabiscospoéticos, mas disse que se sentia mais confortável em divulgar junto com os rabiscos da amiga. Elas continuaram unindo rabiscos, Pilger ilustrando poemas de Claudia e Claudia poetando rabiscos de Pilger. Um dia um amigo (Saudações, Gesoel!) da Pilger perguntou se ela conhecia a R.Nott – sim, ela conhecia - e disse que se tivesse alguma ideia, seria interessante tentar divulgar. Isso nunca passou pela cabeça delas, mas elas resolveram tentar. Então elas enviaram e, aqui, pela primeira vez na não-tão-longa vida dessas duas rabiscadoras amadoras, pessoas desconhecidas – que não os pais, avós, amigos, vizinhos e cachorros – estão vendo esse amontoado de rabiscos por onde

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Rabiscos-poéticos e Rabiscos-rabiscos

essas gurias canalizam suas energias para conseguir viver. E, como não podia faltar, o nosso “jargão”, inventado às pressas para que pudéssemos enviar o primeiro e-mail à revista R.Nott: saudações artísticas, de Claudia e Letícia.

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Interrogando Orlando Azevedo

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