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árvore dos cheiros A texto
| amanda pimentel
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| matheus jeremias fortunato
O abricó-de-macaco é uma bela árvore de flores perfumadas e fruto malcheiroso. A sombra é boa, mas um perigo por causa da “bola de canhão”
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im de tarde à sombra de uma árvore frondosa, Pão de Açúcar do lado direito, um vendedor anuncia água de coco e chega o grupo de amigos para o futebol de areia. Isso mesmo, este cenário é o Rio de Janeiro! Mais especificamente, o Aterro do Flamengo. E a árvore, a da sombra? Essa você até já pode ter visto, mas sabe o nome dela? De todas as referências do cenário, ela é o enigma para muita gente. Árvore ornamental, de 25 a 35 metros de altura, exibe flores exuberantes que recobrem o tronco e os frutos do tamanho de um melão. É o abricó-de-macaco. Em dias quentes, sem ventilador ou ar condicionado, o refrigério fica por conta da sombra das árvores. Mas, atenção! Nem to-
das são seguras para fugir do sol. E o abricó-de-macaco é uma dessas: “A árvore possui frutos que levam quase um ano para amadurecer e podem ser muito perigosos nesta fase. Pois, em função de seu peso, quando caem, podem machucar. Assim, a recomendação é que sua beleza seja apreciada, mas sempre a distância, em amplos parques e grandes jardins”, adverte a engenheira florestal Alessandra Silva. Em meio a uma mistura de árvores, como as palmeiras-imperiais e os coqueiros do Aterro do Flamengo, o abricó-demacaco se destaca pelo perfume que, com uma nota de canela, rouba a cena e preenche todo o espaço. Foi catalogada em 1775 pelo botânico francês J. F. Aublet, nas Guianas, daí o nome científico Couroupita
BeM NA ceNA Em meio a outras árvores e aos prédios (págs. anteriores), o abricó-de-macaco, espécie amazônica, se destaca no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro f lora | Terra da Gente
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remédio na floresta O abricó-de-macaco é usado como remédio na Amazônia. O chá feito com folha, flor ou casca ajuda no tratamento de hipertensão, tumores, dores e processos inflamatórios e a casca é usada no tratamento de doenças da pele, informa o professor Ricardo Moreira, da Unirio. No interior do fruto há uma substância usada para limpar machucados e evitar infecções, segundo a engenheira florestal Alessandra Silva. Mas é preciso tomar cuidado, porque, como explica o professor de Bioquímica, algumas espécies da família do abricó, como a castanha-sapucaia (Lecythis usitata), tem elevado teor de selênio potencialmente tóxico em grandes quantidades da semente. Quanto à composição nutricional, poucos estudos foram feitos em virtude do baixo consumo do fruto maduro malcheiroso. Sabe-se que a semente tem 32% de óleo e 19% de proteínas e um aminoácido que ajuda o organismo a absorver o ferro. “Entretanto, outros estudos devem ser conduzidos para garantir que seu consumo é realmente seguro”, afirma Ricardo Moreira.
coNTrAsTe O fruto parece uma “bola de canhão” e, quando maduro, tem polpa malcheirosa. A flor tem perfume acanelado e é muito bonita 28
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guianensis (Couroupita é o nome indígena de Guianas). É espécie de regiões quentes e úmidas, mas adapta-se bem em solos mais secos. Além da região de origem, a Amazônia, é encontrada também no Rio de Janeiro, na Venezuela, Guiana e Índia. A filatelia ajudou os brasileiros a descobrirem a beleza da árvore. Em 2002, os Correios lançaram um selo com uma flor da C. guianensis como parte da série Flores da Amazônia. O abricó-de-macaco pertence à família Lecythidaceae, a mesma das conhecidas castanha-do-pará e jequitibá. Assim como a castanha, o abricó também pode ser consumido pelo homem. Basta um pouco de curiosidade para abrir o fruto e experimentar a polpa e as sementes. Mas nem todos os que experimentam gostam. “Seu odor é um tanto desagradável quando maduro e desencoraja a maioria dos indivíduos. Embora tenha essa característica, o uso de sua polpa acontece, por exemplo, na Guia-
na inglesa, onde é utilizado para produção de bebidas”, explica o professor Ricardo Filipe Moreira, chefe do Departamento de Bioquímica do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). A malcheirosa polpa é azulada e gelatinosa, um banquete para os porcos. As pequenas sementes, de 100 a 300 em cada polpa, são apreciadas por pequenos roedores e macacos, o que justifica alguns dos nomes pelos quais a árvore é conhecida. Entre tantos nomes populares como abricó-de-macaco, castanha-de-macaco, cuia-de-macaco, amêndoa-dos-andes, macacarecuia e cuiarana, uma denominação em inglês é a mais curiosa: cannon ball tree — árvore de bola de canhão, pelo formato arredondado do fruto. A casca lenhosa, marrom, parece madeira. O fruto é grande e pesado: cerca de 20 centímetros e tem de 3 a 4 quilos. Daí o alerta de Alessandra Sil-
o fim do mau cheiro? Por que a mesma árvore tem flores tão perfumadas e o fruto maduro malcheiroso? Os professores Ricardo Filipe Moreira e Carlos Alberto Bastos de Maria, da Unirio, estão pesquisando em laboratório. A primeira descoberta, de que a polpa tem a maioria dos compostos voláteis do cheiro agradável, mas em quantidades muito reduzidas, vai levar a novos e promissores estudos. “A partir daí, pesquisas genéticas poderão ser desenvolvidas e, por fim, problemas como o odor desagradável do fruto maduro poderão ser minimizados”, prevê Ricardo Moreira.
va no começo desta reportagem. Além de machucar as pessoas, a “bola de canhão” pode também danificar os carros. A árvore exige muito sol, mas garante sombra graças à copa densa e muito ramificada com folhas de cerca de 15 centímetros, em tom verde-escuro, aglomeradas nas pontas dos galhos e ramos. As flores contam, em média, com seis pétalas nos tons avermelhados, alaranjados e esverdeados, com seu interior – os estames – nas cores branco, rosa e amarelo. Além de muito bonitas, têm um perfume que atrai as abelhas, que, em troca do pólen, fazem a polinização que garante a espécie. “As flores brotam do tronco e soltam longos ‘cipós’, ou seja, longas inflorescências tipo rácemo, que podem chegar a três metros de comprimento. A floração pode perdurar todo o ano, porém se intensifica nas estações primavera e verão”, explica a engenheira florestal.
o índigo, substância que dá cor à polpa do fruto do abricó, é o mesmo corante natural que tinge de azul a calça jeans Com a ajuda do sol e das abelhas, cultivar abricó-de-macaco é fácil, garante Alessandra Silva. Basta plantar a semente lavada e secada ao sol e irrigar regularmente, que o crescimento é rápido. “A muda necessita de tutoramento ou condução por meio de hastes e amarrios para segurar e fixar o galhos nos primeiros anos após o plantio. As florações surgem a partir do quinto ano”, afirma. O aumento do cultivo permitirá novos estudos, mais conhecimento e a propagação da espécie por novos terrritórios. Assim, o abricó-de-macaco poderá ser visto não somente pelos cariocas e visitantes nos finais de tarde do Parque do Flamengo, mas em qualquer amplo jardim do País. f lora | Terra da Gente
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