Aquário de Guarujá

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OBSERVAÇÃO

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Muito além das

VITRINES texto AMANDA PIMENTEL e fotos

MATHEUS JEREMIAS FORTUNATO

O conhecimento adquirido no contato direto com animais impressiona e mobiliza. A chance de observar de perto nos ensina o valor da biodiversidade. Por isso, é difícil sair ‘ileso’ do maior aquário da América do Sul: todo mundo fica pelo menos um pouquinho mais inclinado a contribuir com a conservação...


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uem freqüenta praias por puro lazer costuma pensar no mar como um componente refrescante da paisagem e dificilmente se lembra da imensa população de animais escondida no azul. Um ou outro exemplar — molusco, siri, peixe, pingüim ou mesmo algum mamífero aquático — pode até ir parar na areia, mas isso não chega a mudar o olhar do grande público. Essa tarefa cabe a educadores e instituições educativas, que muitas vezes são também responsáveis por resgatar, acolher e abrigar esses seres marinhos ‘visitantes’. Embora ainda sejam vistos

apenas como locais de exposição, vários zoológicos e aquários hoje cumprem também essas funções, de educar o público e de abrigar animais. E assim contribuem para a conservação da vida. É definitivamente o caso do aquário localizado no Guarujá, no litoral de São Paulo, considerado o maior da América do Sul. Tudo no Acqua Mundo gira em torno de promover o conhecimento a partir da experiência adquirida durante a visitação. De forma didática e lúdica, o passeio leva as pessoas a refletirem sobre a relação do homem com a natureza e sobre a importância de se ter respeito como base dessa relação. A inspiração vem do Programa de Educação Ambiental (PEA), cria-

do em 1998 pelo Governo Federal, traduzido para os visitantes nas instalações disponíveis no aquário e no atendimento de toda a equipe, desde a bilheteria. Já no início do passeio, painéis luminosos trazem dados sobre os ecossistemas costeiros e seus organismos, ao lado dos recintos que os representam. Logo após, inicia-se o trajeto aos tanques de areia, aquários de água doce e de água salgada, sempre com apoio das informações sobre as espécies expostas nos diferentes espaços. Os mais interessados também têm a possibilidade de assistir a documentários ou palestras no auditório. Com uma área total de 5.775 m2, o aquário abriga cerca de 8 mil animais de 160 espécies, divididos em


Sphenicus magellanicus

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HORA DO RANCHO Os pingüins fazem fila para ganhar a merenda. No detalhe, o lobo-marinho-de-dois-pêlos

Arcto

cephalus australis

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oito tanques de água doce com peixes de 60 espécies diversas e 16 tanques de água salgada, com peixes de 55 espécies. São mais de 1.446 m3 de água nesses recintos. Ainda existem 14 terrários para 15 espécies de répteis — jacarés, tartarugas,

serpentes, lagartos — e 3 de anfíbios — sapos, pererecas e rãs. Entre os animais mais ‘famosos’ expostos nos recintos secos estão uma serpente asiática píton-albina (Python molurus bivittatus) e um teiú (gênero Tupinambis), o maior lagarto brasileiro. O visitante ainda tem a chance de conhecer algumas aves, além de crustáceos, invertebrados, corais, ouriços, paguros, entre outros. E de onde vêm tantos animais? Essa é uma das perguntas mais comuns. Em muitos casos, famílias mal orientadas adquirem filhotes de animais retirados dos ecossistemas brasileiros ou até trazidos de outros países e comercializados como mascotes. Levam-nos para casa, sem ter uma idéia clara do tamanho do animal adulto, dos cuidados exigidos, dos riscos para a

saúde humana ou da própria mascote. Os filhotes de jabutis, tartarugas, cágados, peixes, lagartos e serpentes crescem e não cabem mais nos aquários ou casas providenciadas. Ou mordem. Ou ficam doentes. Então seus donos os levam para aquários ou zoológicos, na esperança de solucionar o problema doméstico e garantir sua acomodação num espaço mais adequado, embora nem sempre esses estabelecimentos possam receber esses animais. Algumas vezes, cargas ilegais de animais são apreendidas pela polícia ou por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e os bichos não podem ser devolvidos à natureza. Exemplares desgarrados ou feridos também aparecem nas praias ou são acidentalmente capturados em redes de pesca. E todos são encaminha-


BELEZA À MOSTRA A beleza do peixe-leão está ao alcance também dos deficientes — como os cadeirantes (à esq., acima). No Acqua Mundo há espaço para todos (ao lado)

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Pterois sp

49 dos para os profissionais do aquário, que prestam os primeiros socorros, cuidam de sua reabilitação e, se possível, os devolvem a seus ambientes naturais. “Muitos chegam com frio e bastante debilitados, ou porque nadaram muito, ou porque ficaram se debatendo, ou ainda porque as pessoas não souberam o que fazer com eles no resgate”, conta a bióloga do aquário paulista, Rossana Virga. “É o caso dos pingüins-demagalhães (Sphenicus magellanicus). Muitas vezes chegam com pneumonia ou hipotermia por terem permanecido em contato com gelo ou até em geladeiras! É uma tentativa de ajudar a ave, mas acaba prejudicando, pois essa espécie não vive exclusivamente no gelo, vive no sul da Argentina, em terrenos

Aquários e zôos são a chance de salvação para alguns animais rochosos e sem geleiras”. Segundo Rossana, a chance de devolver o animal à natureza diminui conforme aumenta o tempo de recuperação. “Recebemos um lobomarinho-de-dois-pêlos (Arctocephalus australis) todo machucado, enrolado numa rede de pesca, ainda filhote e mamando. Precisamos produzir uma fórmula de leite, limpar o animal, cuidar dos ferimentos. Devido à demora na recuperação, devolvê-lo ao mar seria entregar o mamífero à morte. Já não poderia

aprender a caçar e seria um alvo fácil para predadores, além de ter se habituado a humanos. Então, um ano após a sua chegada, construímos um tanque maior e continuamos tratando dele”. Sem esse serviço prestado por zoológicos e aquários, tais animais provavelmente não teriam chance de sobreviver ou, no caso das espécies exóticas (não nativas), poderiam se transformar em invasores. Já a permanência num cativeiro com os devidos cuidados diminui os riscos para o animal e para as espécies nativas do ambiente onde ele seria solto. E se eles são colocados em exposição, cria-se a oportunidade de o público ver de perto seres normalmente observados em livros ou documentários de tevê. E isso faz as pessoas se encantarem. E aprenderem, sobretudo as crianças. No Acqua Mundo, sem dúvida, o


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VER E SENTIR Jacarés e tartarugas dividem o mesmo espaço. Na pág. seguinte, a área onde os visitantes podem tocar nas arraias e os biólogos Paulo e Rossana

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momento da alimentação dos pingüins-de-magalhães é a atração mais esperada. Num cenário rochoso — nada de gelo — eles fazem fila para receber os peixes. Os primeiros, já de barriga cheia, pulam na água ou voltam para suas tocas. A monitora vai contando a história de cada um. Bebel é a mais nova moradora da colônia, uma fêmea cega de um olho e com problemas no outro. Sozinha, na natureza, com certeza não sobreviveria. Outra atração é o tanque dos tubarões. A primeira reação da visitante Beatriz, de 7 anos, ao ouvir como será feita a alimentação, é de medo. Mas, logo em seguida, ao ver a mergulhadora nadando e brincando com tubarões-lixa, arraiasprego e arraias-ticonhas, ela admi-

No aquário, um novo mundo, com lazer e educação ambiental te: “agora eu não tenho mais tanto medo de tubarão”. Matheus, de 5 anos, tem uma reação semelhante quando a tratadora recebe ‘beijos’ do lobo-marinho, num agradecimento pelo peixe oferecido: “Ele não é ruim, gostei dele”. Segundo Paulo de Tarso, um dos biólogos do aquário, a preocupação com a educação ambiental abrange todos os projetos e abre a qualquer visitante a possibilidade de obter explicações, acompanhar os monitores, ler sobre curiosidades e mesmo por a mão em alguns seres, nos carrinhos temáticos e em tanques de toque, distribuídos

pelos ambientes. “Ninguém entra no aquário com uma idéia e sai igual”, ressalta Paulo. “Todos os visitantes saem com algum tipo de aprendizado”. O aquário tem, inclusive, um projeto para atender pessoas ou grupo de pessoas com necessidades especiais. “No caso de pessoas com deficiência visual, pesquisamos bastante para assegurar que, ao sair do aquário, possam dizer que realmente o visitaram e puderam ‘ver’ como é”, continua o biólogo. A visitação de deficientes visuais conta com apoio de som ambiente nos corredores, reproduzindo cachoeiras, ondas do mar e vozes de animais, como baleias e golfinhos. Além do tato, imprescindível para que esses visitantes sintam tamanhos, formas e texturas e identifiquem as penas dos pingüins, escamas de serpentes, agulhas de ouri-


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Um habitante inesperado

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sozinho na praia de Mongaguá, ali perto, tinha aproximadamente 45 dias e necessitava de cuidados veterinários, com sinais de pneumonia e desidratação. Normalmente um filhote dessa espécie não ultrapassa 15 dias em cativeiro, mas Francis sobreviveu 83 dias, o que possibilitou a análise da evolução de seu quadro clínico e a observação de alguns comportamentos. O breve estudo é um exemplo da contribuição que os cativeiros podem dar para a conservação do mamífero e para futuros resgates que venham a acontecer.

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Na madrugada do dia 22 de janeiro de 2006, o Acqua Mundo recebeu um filhote de um mamífero raro e em perigo de extinção. Era uma toninha ou franciscana, da espécie Pontoporia blainvillei, mais precisamente um macho, logo batizado com o nome Francis. Encontrado

51 ços-do-mar, a pele escorregadia das arraias e dos pepinos-do-mar. Ainda há dinâmicas de grupo com miniaturas dos animais em borracha e a leitura de uma cartilha em braile, especialmente produzida. As visitas de pessoas com deficiências auditiva e mental são acompanhadas pelos monitores em todo o percurso, com pausas para as explicações serem traduzidas na linguagem de sinais ou compreendidas pelo grupo. “A emoção desses visitantes ao tocar o vidro do nosso maior aquário e sentir a vibração dos animais ou mesmo tocar os animais vivos e taxidermizados, é fantástica”, diz a bióloga Rossana. “Confirma a nossa idéia primária, a de mostrar um novo mundo para eles”. Por ano, o Acqua Mundo recebe

600 mil pessoas. Escolas e universidades levam seus alunos como apoio a aulas dadas em sala. O tema do passeio pode ser escolhido pela instituição de ensino e a equipe do aquário se prepara com jogos, carrinhos de explicação e vídeos voltados para o assunto. Também há opções para diversas faixas etárias. Para os pequenos, brincadeiras com a caixa escura, de descobrir o bicho pelo tato, ou teatro de fantoches. Para os maiores, informações sobre a formação de ecossistemas, explicações sobre hábitos e ecologia dos animais. Para todos, questões que envolvem o homem, como os impactos da pesca abusiva e do lixo nos mares e rios. “Aprendi que não devo jogar lixo na água porque os peixes podem morrer”, observa

Beatriz, de 7 anos. A conservação da natureza é uma luta abraçada por toda a equipe do aquário. “Nós queremos mostrar a organizações não-governamentais e empresas conservacionistas que, juntos, podemos trabalhar na reabilitação de animais e ampliar a possibilidade de devolvê-los a seus hábitats, dando a elas uma nova chance de viver”, reitera Paulo de Tarso. “Podemos também utilizar das experiências que temos com a observação e o tratamento dos animais em cativeiro para ajudar nos planos de manejo de populações que estão fora dele, em vida livre”. PARA IR LÁ: O Acqua Mundo fica na Av. Miguel Estéfano, 2001, Guarujá, SP Para mais informações, acesse o site: www.aquarioguaruja.com.br ou ligue (13) 3351-8867


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