Cachaça Orgânica

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3 CULTURA

Uma tradição de

RESPONSABILIDADE

de São Paulo, famosa por seus alambiques artesanais. Existem várias maneiras de produzir cachaça de qualidade, de maneira artesanal ou industrial. Alguns segredos da produção de pinga artesanal são passados de pai para filho como um tesouro, mas só nessa geração se começa a vincular algumas práticas às responsabilidades socioambientais, tão necessárias em todos os setores produtivos. Um bom exemplo vem de uma família do interior de São Paulo: de origem italiana, a família dos Campanari instalou seu primeiro engenho em Monte Alegre do Sul, em 1932, e, desde então, 4 gerações já viveram do produto dos alambiques, de onde hoje saem as cachaças Lambedor e Campanari. Os irmãos Marcos Roberto e Antônio Sérgio seguem a tradição familiar imitando o que observaram seus tios, pai e avô fazerem. Com

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onhecida em todo mundo, a cachaça leva nomes, sabores e licores diferentes de acordo com a cultura do local no qual é produzida. “A origem da cachaça é contada em diferentes histórias pelas pessoas. Não sei a verdadeira, mas, contam que quando os escravos preparavam o melaço rejeitavam uma espuma que ficava na superfície do tacho, colocando em outro tacho separado para dar aos animais. Essa espuma fermentava com o calor, evaporava grudando na madeira da parte de cima do engenho. Quando pingava nas costas dos escravos chicoteados, ardia. Por curiosidade, um deles experimentou e foi assim que todos começaram a consumir a espuma fermentada”, conta Antônio Sérgio Campanari, produtor de cachaça de Monte Alegre do Sul, uma pequena cidade do interior

MATHEUS JEREMIAS FORTUNATO

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texto AMANDA PIMENTEL FERRARESSO e fotos

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Sustento de algumas famílias há várias gerações, a cachaça agora sai dos engenhos mais ‘verde’

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PRODUTO NATURAL Os cuidados com a cana selecionada e com o engenho ajudam a garantir a pureza do produto final, orgânico (à dir.)

72 alambiques separados, alegam fazer bebidas de sabores diferentes, apesar de usar a mesma matéria-prima e o mesmo fermento. Marcos comprou o sítio com o engenho do pai e algumas peças do engenho do avô. Formado técnico de segurança do trabalho, torneiro técnico mecânico e desenhista técnico, utiliza seus conhecimentos na reforma dos equipamentos e ainda arruma tempo para ser cozinheiro em seu próprio restaurante. Já Antônio, trabalha como pequeno produtor de cana e faz sua cachaça no próprio sítio. “Todo aprendizado que tivemos veio do fato de acompanharmos nosso pai desde pequenos. Nossa família nunca parou de produzir cachaça. Há alguns anos, nós e outros produtores de pinga montamos uma associação com incentivo do Sebrae, a Procamas, que nos ajudou muito a

O bagaço vira composto orgânico, artesanato e tijolo ecológico entender algumas coisas e uniu os produtores da região”, conta. O plantio da cana é ponto de partida. No sítio, além de cultivar 5 variedades de cana-de-açúcar, plantadas sem defensivos químicos e consideradas as melhores para a bebida, Antônio mantém uma plantação de milho orgânico. “Estamos regulamentando os alambiques para conseguir as certificações necessárias e, assim, comercializar de vez a cachaça com rótulo e nome direitinho. Aí, o passo seguinte é a certificação como cachaça orgânica pelo IBD (Instituto Biodinâmico de Desenvolvi-

mento Rural)”, acrescenta Marcos. Responsável pelo corte da matéria-prima e seleção das melhores plantas, Antônio Sérgio higieniza a cana colhida com água e leva para o engenho do irmão. No Rancho, sítio de Marcos, as folhas são retiradas para mais um jato de água corrente, antes de moer. Num lado do engenho fica o bagaço após a moagem, enquanto no outro lado, o caldo é despejado em uma caixa de aço inoxidável, de onde a garapa é encaminhada por canos — também de inox, preferidos por manter a qualidade do líquido — até desembocar em um dos três tanques de polipropileno. O motor usado é um detalhe importante: com baixa rotação e pouco gasto de energia — aproximadamente 25 amperes — o motor de 1902 extrai o caldo da cana com menos impacto do que os modelos atuais, de, no mí-


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O exemplo do Nordeste

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gião são beneficiados com uma horta comunitária produzida numa área de propriedade de Amorim, numa iniciativa executada em parceria com a Prefeitura do município. Alface, couve, cebolinha, repolho, entre outros alimentos saudáveis e nutritivos, saem da horta totalmente orgânica e vão direto para a mesa e a merenda das crianças, contribuindo para a manutenção da saúde de todos. E na produção de cachaça, todos os processos estão em conformidade com as normas do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD), que fiscaliza e inspeciona as propriedades agrícolas conforme padrões internacionais.

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O Alambique Brejo dos Bois, localizado no município de Junqueiro, Alagoas, numa pequena propriedade rural, é conhecido não apenas por seus produtos orgânicos, mas também pelas ações socioambientais promovidas por seu proprietário, o médico Lenildo Amorim. Ele procura manejar, de forma equilibrada, os recursos naturais, cuidando da qualidade da água, intensificando a vida microbiológica do solo, aumentando a biodiversidade, promovendo o retorno dos pássaros e outros pequenos animais ao espaço agrícola. E também faz o tratamento da água consumida pela comunidade vizinha ao alambique. Os alunos de escolas da re-

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texto PALOMA FARIA

73 nimo, 40 amperes. “Os modernos não têm a força que este tem. Por motivos de rendimento, aproveitamento da matéria-prima e pela falta de mão-de-obra, precisei reestruturar e melhorar o processo todo na produção da cachaça”, revela Marcos. O bagaço é moído e reaproveitado de diferentes maneiras, incluindo o artesanato. O uso principal é nas lavouras de pequenos produtores da região, como composto orgânico para forrar canteiros de verduras, evitando a proliferação de mato e mantendo a umidade necessária. “Eu, por enquanto, vendo para hortas e já vendi para artesanato. Mas pretendo utilizar na fase da destilação da cachaça (na caldeira) e, quem sabe, para fazer um tijolo mais ecológico, o de adobe”, planeja Marcos. “Se juntar a serragem da cana, areia, argila e secar

O fermento de milho orgânico é um dos segredos da boa cachaça na sombra, não faço queimada e não elimino gás carbônico”. No processo de transformação da garapa em um vinho pronto para destilar, o segredo é um bom fermento. Esse processo demanda tempo e conhecimento. “A cana orgânica boa, o engenho bom e o alambique bom, não garantem uma qualidade boa. Mas, um fermento bom, sim!” prossegue Marcos. Antes mesmo da moagem, no sítio Campanari, o fermento já deve ser fabricado. Aí entra o milho orgânico do sítio de Antônio. Ele escolhe as melhores espigas, rejeita a ponta, retira

a base, seca o miolo e utiliza somente a canjica. Mistura com a garapa feita da cana quente do sol e deixa fermentar. A par do bom fermento, a fermentação adequada depende de uma boa decantação de toda a areia que possa ter sobrado entre os nós da cana ao ser moída. O caldo-de-cana descansa por aproximadamente 48 horas até o próximo passo. Quando um tanque de polipropileno é liberado do descanso do caldo fermentado, e antes de ser novamente utilizado, a limpeza com panos e água morna é imprescindível. Já na limpeza do alambique, é fundamental a retirada do vinhoto e a assepsia com limão-vinagre e água, para evitar que o zinabre — substância liberada pelo cobre — incorpore-se à bebida. E, para dar um destino adequado ao vinhoto que sobra no alambique, Marcos estuda uma maneira de regar o canavial e árvores de reflorestamento, pois, depois de


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O mé que é um mel texto e foto FERNANDO

KASSAB

Branquinha, purinha ou marvada, o certo é que todos já ouvimos muitos nomes para definir a aguardente de cana. Um deles, divulgado pelo saudoso músico e comediante Antonio Carlos ‘Mussum’, do inesquecível grupo Os Trapalhões, ficou para sempre no vocabulário popular: mé. Por isso, quando se instituiu o nome oficial cachaça para fins de comercialização e exportação,

GELÉIA DE PINGA

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INGREDIENTES (PARA 100 UNIDADES PEQUENAS)

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2 sachês de gelatina incolor (24g), sem sabor 2 sachês de gelatina vermelha (24g), sem sabor 200 ml de água fervente 200 ml de cachaça branca 1 kg de açúcar 1 vidrinho pequeno de essência de morango — ou outro sabor de sua preferência Manteiga ou margarina para untar Açúcar para polvilhar

PREPARO: Coloque os 4 sachês de gelatina em uma vasilha funda. Junte a água fervente e mexa com uma colher até dissolver completamente. Em outra panela, com bordas bem altas, coloque a pinga e o açúcar; acrescente o preparado de gelatina e leve ao fogo alto, sem

logo se soube que seria difícil adotar a nomenclatura usada por bartenders do mundo inteiro. Ao menos entre os brasileiros. Também não se conseguiria mudar o nome de um doce derivado da bebida, típico da roça e muito apreciado: geléia de pinga. Com sabores diversos e cores variadas, a receita é apreciada por crianças e adultos, que adoram a textura gelatinosa e aquele sabor inconfundível. Muito popular, a geléia marca presença em festas e quermesses, e pode ser feita em casa, com um mínimo de trabalho e com a ajuda das crianças, na hora de cortar a massa e envolvê-la no açúcar. Os pequenos vão adorar! parar de mexer. Quando a mistura ferver, diminua a chama do fogão e siga cozinhando por cerca de 15 minutos ou até o ponto de fio. Retire do fogão, junte a essência de morango e mexa sem bater. Transfira a mistura para um refratário untado com manteiga ou margarina sem sal. Deixe esfriar, cubra e refrigere por 6 horas. Corte com uma tesoura ou use cortadores de biscoitos e dê formatos variados, aparando com a tesoura. Duas dicas importantes: a panela tem que ser alta, pois, mesmo no fogo mínimo, a fervura sobe muito em virtude do uso da gelatina. E jamais deixe de mexer a mistura, para que a massa fique uniforme.

DA CANA À PINGA — A partir da esq.: engenho; cano de aço inox; tanques de fermentação; garapa em processo de fermentação; caixa resfriado, é um adubo excelente. Tudo limpo, voltamos à produção: o ‘vinho de cana’ de qualidade está pronto para a ‘alambicada’. Destila-se, primeiro, a água para uma última lavagem e também para acertar o calor do forno, antes de liberar

o caldo fermentado. “Como reformei tudo no engenho que foi do meu avô, arrumei o forno para que não gastasse tanto eucalipto antigo. Em média, cada alambicada gasta quatro tocos. Mas na próxima compra de madeira, não vou precisar tanto, pois pretendo

prensar o bagaço da cana, como se faz com feno, para alimentar o forno da caldeira”, diz Marcos. A caldeira aquece o caldo fermentado. Somente o álcool sobe, em forma de vapor, por uma serpentina (caninho em espiral) que passa por


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DESDE 1932 Os irmãos Antonio e Marcos (de boné), à frente da tradição da família Campanari na cachaça artesanal

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d'água (esq.) para resfriamento do forno (dir.); e a peneira de tecido no tonel de envelhecimento um tanque de água, feito de barro. A água de resfriamento circula em circuito fechado: vem de um cano subterrâneo, impulsionada por um motor, sai ao ar livre e, depois de resfriada à temperatura ambiente, volta ao tanque. A cachaça passa

pela serpentina e, ao sair do tanque, é peneirada em um tecido, desembocando direto nos tonéis de envelhecimento, feitos de carvalho, amendoim, grapia, amburana e cabreúva. Em coro, os dois herdeiros da família Campanari mostram como é

possível provar o sabor da tradição com qualidade e respeito pelos novos tempos de preocupações ecológicas: “Nascemos no meio da pinga, tá no sangue da gente. Tudo que fazemos hoje é pensando na natureza, porque é nosso futuro”.


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