Jabuticaba Branca

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flora brasileira

Jabuticaba

branca

A frutA que não AmAdurece A joia rara, sempre verde, já foi a fruta dos seresteiros. Hoje, o esforço é para salvar da extinção a frutinha agridoce da qual muitas pessoas nem ouviram falar texto

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| amanda pimentel

fotos

| silvestre silva


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É

primavera! As árvores voltam a se encher de cores e de folhas novas. Os campos mais floridos contrastam com o céu azul e voltam a chamar a atenção de seus visitantes mais aguardados para ajudar na polinização e semeadura. A nova estação floresce das mais comuns até as mais raras espécies, um prenúncio para os olhos e olfatos do que o paladar ainda poderá provar quando os frutos brotarem e amadurecerem. Quando se trata de raridades, um leque se abre e revela uma lista de árvores ameaçadas de extinção. Neste rol, encontramos a jabuticaba-branca (Myrciaria aureana). Com sabor especial, é conhecida por seu nome indígena ibatinga, que significa “fruta branca”, ou por outras denominações populares como batinga, jabuticaba-verde e jabuticabatinga. A árvore é bastante ramificada e o tronco possui cascas em tons amarelados, que sempre se renovam. A espécie é da família Myrtaceae, composta por árvores e arbustos. Uma família grande e importante, como explica Osny Tadeu de Aguiar, pesquisador atuante no levantamento de vegetação e taxonomia no Herbário Florestal de São Paulo: “É uma das mais importantes famílias de angiospermas no Brasil, com 100 gêneros e 3.500 espécies no mundo. As mirtáceas são uma família com importância econômica por seu potencial medicinal, ornamental, comestível e condimentar”. Conhecida como a “fruta que nunca amadurece”, a jabuticaba-branca tem polpa macia, aquosa e ácida, porém adocicada. Apesar do nome, não é branca. Sobre este aspecto, Silvestre Silva, jornalista, fotógrafo e autor de vários livros sobre as frutas brasileiras, conta uma história curiosa que chegou até ele por uma carta de um morador de Mogi Mirim, no interior de São Paulo. “Contava que durante sua infância na cidade seus colegas e ele costumavam apanhar frutas em uma chácara que ficava no caminho da escola. Entre muitas árvores frutíferas, havia uma que, em qualquer época do ano, nunca madurava. Eles ficavam receosos em comer, mesmo verde! Não sabiam se era venenosa ou se faria algum mal. Todos os dias, ano após

rAridAde A jabuticabeira-branca só é encontrada em poucos lugares: num pequeno trecho na Mata Atlântica, no Rio de Janeiro, e na Serra da Mantiqueira, em São Paulo e Minas f lora bra sileira | Terra da Gente

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sempre verde A frutinha madura tem um tom branco esverdeado (acima). A polpa é macia e aquosa (pág. seguinte, abaixo). A flor é sempre branquinha 20

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ano, observavam que as frutas caíam do pé sempre verdes. O tempo passou, a chácara acabou e no lugar, hoje, estão alguns prédios. Um dia, lendo uma reportagem em um jornal de agricultura e agronegócios, recordouse da história de sua infância e descobriu que aquela fruta que seus colegas e ele nunca experimentaram, porque não amadurecia, era a jabuticaba-branca”. Mas como saber a hora certa de consumir os frutos? A coloração do fruto ainda imaturo é amarela-esverdeada e, conforme o tempo passa, vai clareando até assumir tom brancoesverdeado. Mas, uma dica para saber se está pronta para consumo é analisar a superfície do fruto: se estiver esparsamente pilosa (aveludada), pode ser colhida.

As árvores da variedade branca das jabuticabeiras, que têm folhas lisas na face superior e esparsamente pilosas na parte inferior, quase perderam o brilho de vez antes de 1990. Não fosse pelo esforço de um grupo interessado em preservá-la, as crianças da geração de hoje poderiam ver somente nos livros algumas fotos da árvore. E olhe que são algumas mesmo. Na década de 1980, Silvestre Silva iniciava sua pesquisa e preparava fotos sobre as frutas brasileiras. Hoje, com as comodidades da internet e das redes de relacionamento, é difícil imaginar os problemas naquela época para descobrir e se comunicar com cultivadores de frutas raras nativas brasileiras na lista das desaparecidas ou em risco de extinção. “Nessa


divulgação silvestre silva

década, a jabuticaba-branca já estava ameaçada de extinção e até hoje não tenho registro de cinquenta pés espalhados. Encontrava as primeiras pistas sempre por meio de nossos grandes escritores e em conversas com pessoas idosas. A primeira vez que li sobre a ibatinga foi em uma obra de Pedro Nava. Normalmente, eu pesquisava de 3 a 6 anos até encontrar alguém que tivesse a árvore da fruta”, conta Silvestre. “No caso da jabuticabeira-branca foram 5 anos para localizar duas árvores em um sítio no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Porém, sem flores e frutas. Anotei a época das frutas e fiquei aguardando para voltar na data correta. Mas, imprevistos sempre acontecem e, podem acreditar, quando voltei ao local, descobri que após a minha primeira visita, os donos do sítio

A jabuticaba-branca, rica em vitaminas e minerais, era usada como remédio no tratamento da asma e da tuberculose foram assaltados e na cidade corria um boato que o mandante era o fotógrafo, no caso, eu! Essa história me rendeu mais dois anos de espera, tentando provar que eu não tinha relação com o ocorrido, até poder tirar fotos das jabuticabas. Até hoje, sou bem-vindo ao sítio”. A jabuticabeira-branca só é encontrada em uma pequena área da Mata Atlântica, no Rio de Janeiro, e nos vales da Serra da Mantiqueira, tanto em São Paulo como em Minas Gerais. Seu tamanho varia entre 3 e 5 metros de altuf lora bra s ileira | Terra da Gente

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fruta dos seresteiros “Por uma das razões que levam pessoas a se tomarem de amores pelo Rio de Janeiro, a jabuticaba-branca desejou ser referida pela sua maior presença nas terras fluminenses. Própria da região da Mata Atlântica, alegrou apreciadores residentes nos vales paulistas e mineiros da Serra da Mantiqueira. Porém frequentou (será que ainda frequenta?) preferencialmente o chão do baixo Paraíba. Não que tenha sido de muito aparecer. Nunca foi das que se barateiam pela quantidade reservada, fez-se procurar. Hoje, é raridade. Tanto assim que só em 1962 tirou documento de identidade, deixando-se apresentar, para a classificação científica, no Instituto de Botânica de São Paulo. Carimbaram-na Myrciaria aureana. A palavra aureana homenageia Áurea, a funcionária que a levou ao herbário. Bastante antes, era conhecida não apenas por degustadores entusiastas, mas também nas rodas de boêmios cariocas e paulistas dos tempos das serestas. Neste caso, a convocação da fruta ocorria na farmácia doméstica. Diziam-na ótima no confronto com a asma, a diarréia, até hemoptises numa época em que a tuberculose era assídua no viver do pobre e do poeta. Nesse mesmo período, sustentou privilégio singularmente simpático: amadurecendo em janeiro, convivia com as noites quentes, propícias às serestas. Era solicitada a manter em forma a garganta dos cantadores. Depois de noite ao sereno, socorriam-se de gargarejos com a decocção de frutos e folhas. E pronto! Podiam insistir, pela noite seguinte, em rumorejar reclamos de amor sob janelas escolhidas”. (Trecho do livro frutas brasil frutas, de Hernâni Donato e silvestre silva, editora empresa das artes, 1991)

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ra. Uma joia rara entre mais de vinte variedades de jabuticabeiras. Entre elas, as mais conhecidas são a precoce ou híbrida (Myrciaria cauliflora), a caipirinha (forma arbustiva de M. jabuticaba) e a anã-do-cerrado (Myrciaria ou Plinia nana). A fruta, rica em vitaminas do complexo B, em vitamina C e minerais como ferro, fósforo e cálcio, já foi usada como remédio natural para auxiliar no tratamento de asma e até tuberculose, como consta no texto de Hernâni Donato, escritor e jornalista, no livro Frutas Brasil Frutas. Além de ser apreciada ao natural, a jabuticaba-branca pode ser consumida também em geleias, licores, tortas, vinhos, doces, sorvetes e outros produtos feitos da polpa. Pensando em “causos” e histórias que cercam

os primeiros registros são de 1830, mas a jabuticaba-branca ganhou “certidão de nascimento” científica só em 1962 “a fruta que nunca amadurece”, é de se perguntar: como descobriram sua familiaridade com a popular jabuticaba, a espécie Myrciaria cauliflora, de cor roxo-escura, quase pretinha? Quando foi sua primeira aparição? A resposta pode ser lida na publicação Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, de Auguste Saint-Hilare, botânico viajante, autor dos primeiros relatos sobre a jabuticaba-branca, em 1830. Num dos trechos do livro, o autor narra: “Vimos que havia em Itabira de Mato Dentro jabuticabeiras de frutas negras e de frutas amarelas, e, se minha memória é fiel, existe uma espécie que se designa pelo nome de jabuticabeira-branca, ou, pelo menos, cujo fruto se chamaria jabuticaba-branca”. Mas foi só em 1962 que a fruta foi registrada, graças à coleta de material feita por Áurea Bordo, funcionária do Instituto de Botânica de São Paulo. Só então a espécie ganhou a “certidão de nascimento”, com o nome científico Myrciaria aureana. “Precisamos preservar”. A frase, pequena no tamanho, porém de grande alcance, é uma das mais repetidas nos últimos tempos. Mas ainda é preciso passar das palavras para a prática. O que determina se vamos continuar a ver flores de cor branca e sentir o perfume desta jabuticabeira e de muitas outras árvores, pelas próximas primaveras e verões, é a consciência conservacionista, são atitudes como a de Silvestre Silva e colaboradores, que tentam resgatar para o nosso paladar esta doce e rara lembrança, a jabuticaba-branca.

sAbor Agridoce A árvore tem de 3 a 5 metros de altura. Como as outras espécies, a jabuticaba-branca pode ser comida no pé, ou como geléia, sorvete, licor e doces f lora bra sileira | Terra da Gente

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