ARTESANATO SUSTENTÁVEL
Uma rede de
ARTE E HISTÓRIAS texto | AMANDA PIMENTEL fotos | MATHEUS FORTUNATO
Artesãos cariocas transformam material reciclável em arte e implantam, com sucesso, o comércio sustentável e solidário, com foco no respeito ao meio ambiente
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ma pitada de prosa acompanha cada peça de artesanato. Afinal, não basta comercializar o produto. É preciso vender uma história, uma ideia ecologicamente correta. Com esta proposta, uma rede de artesãos que trabalham com materiais recicláveis inseriu o comércio sustentável e solidário no rico caldo cultural do Rio de Janeiro, com sua mistura populacional de todas as partes do Bra-
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sil e do mundo. Pensando em como usar essa cultura a favor dos menos favorecidos, e com foco na proteção ambiental, nasceu em 2003 o Instituto Realice, que, por meio do projeto Mãos Brasil, reuniu grupos interessados em produzir objetos sustentáveis e comercializá-los de forma direta. A primeira tentativa de colocar os produtos em lojas de shoppings e quiosques se mostrou inadequada, como explica Ali-
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CRIATIVIDADE Um grupo de criação ajuda as artesãs a transformar materiais recicláveis numa extensa linha de produtos, como os das fotos das págs. 66 a 71
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ce Freitas, coordenadora executiva do Realice. “Produtos como esses necessitam que suas histórias e as de quem os fabricou sejam contadas. Só assim saberão de toda a dedicação e do cuidado com a preservação da natureza em cada peça. E, desta forma, as famílias produtoras podem se sustentar e produzir seu artesanato.” O aprimoramento da ideia resultou, em 2007, na Rede Asta. “É a primeira rede de vendas diretas de produtos de economia solidária do País. E é a primeira vez que uma instituição coloca na venda direta produtos em sua maioria sustentáveis e feitos à mão por grupos de pequenos em-
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preendedores”, ressalta Alice. A rede começou com 8 cooperativas e hoje tem 33 grupos que utilizam materiais vindos de doação. Os artesãos usam jornais, revistas, folhetos de promoção, retalhos de tecidos e produtos naturais como as fibras de uma bananeira que não dará mais frutos para elaborar peças com estilo, agregando um grande valor ao produto final. “As peças desenvolvidas pelos grupos são selecionadas pelo departamento de criação da Asta que, se necessário, estará pronto para auxiliá-los na adaptação do produto para garantir o sucesso da venda.”
As criações só se tornam possíveis porque por trás delas há muitas histórias de vida. “Cada um desses grupos tem uma importância muito grande na região onde atua. E o sucesso dessas pessoas beneficia muita gente. As mulheres podem trabalhar perto de suas casas e de seus filhos”, diz Alice. A renda gerada pelos integrantes é investida na comunidade. São mais de 600 artesãos que moram em regiões pobres do estado do Rio de Janeiro e se empenham na busca de melhores oportunidades. Ana Lúcia Sila Franco é uma pioneira na Rede Asta. A cooperativa da qual faz parte, a Fuxicarte, conta com
O artesanato é ecologicamente correto, fonte de renda para famílias carentes e ajuda a elevar a autoestima das artesãs 10 artesãos, mas já teve mais de 50, vindos de uma comunidade próxima à favela de Vigário Geral. “Eu nunca tinha pregado um botão. Quando fui a uma Ong que trabalha em prol do desenvolvimento social e oferece cursos, comecei a fazer fuxico. Conheci a Rede Asta e foi ótimo, porque poderia ajudar mais em casa e as famílias das outras pessoas que trabalham comigo. Consegui ampliar minhas vendas e melhorar o produto com os designers da ar t esanat o sust entável | Terra da Gente
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Tudo se aproveita A matéria-prima de todos os artesãos são materiais recicláveis e reutilizáveis. A Crochetando Vidas utiliza sacolas plásticas doadas por empresas, padarias e amigos. Os retalhos de tecidos são doados por empresas parceiras e os retalhos dos fuxicos servem para rechear outros fuxicos. “Usamos tudo! Produzo menos lixo, ajudo o meio ambiente e quem compra as peças também ajuda”, diz Ana Lúcia Sila Franco, da cooperativa Fuxicarte. A Fio Nobre utiliza matéria-prima natural. A bananeira se reproduz sozinha. Quando já deu bananas e não frutificará novamente, o caule pode ser retirado. “Usamos o tronco sem utilidade para tirar os fios e tecer carteiras e bolsas”, explica Eva Cirino.
Asta”, conta Ana. No ano passado, a Fuxicarte ficou em primeiro lugar em vendas pela Rede. A experiência de Débora Coutinho Leme é um pouco diferente. Na pequena cidade de Porciúncula, região noroeste do estado, ela coordena o Centro de Referência de Ação Social (Cras), que acompanha mulheres de comunidades carentes desde a gestação até o fim da vida. O Cras abriga o projeto Crochetando Vidas, um grupo de 15 mulheres que se reúnem duas vezes por semana para fazer crochê com sacolas plásticas e sobras de malhas. Uma atividade que vale por uma terapia. “Muitas pessoas que tomavam remédio 70
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não tomam mais e, além disso, ajudam financeiramente em casa. Isso aumenta a autoestima. Além de crochê, você trabalha a vida das pessoas desfazendo os nós internos”, compara. As peças do Crochetando também são conhecidas fora do País. “A Asta é uma parceira muito boa, que nos orienta e ajuda”, conta Débora. Além de participar de feiras e eventos de decoração, o grupo fez vitrines especiais de primavera para uma conhecida rede de lojas. “Foram 20 árvores que levavam 600 flores de plástico.” E quem poderia imaginar uma carteira pronta e decorada com sobras de bananeira? Eva Maria Cirino e Vera Lúcia Benevenuto, que estão há 5 anos na Rede Asta, aprenderam a tecer com fibras de bananeira nos cursos do Sebrae. Quando formaram um quarteto, decidiram fundar a Fio Nobre.
“Eu era dona de casa, quando comecei a ter uma renda e poder comprar minhas coisas e ajudar em casa; achei ótimo”, diz Eva. O grupo faz até 20 carteiras por dia. O trabalho começa no bananal. As artesãs cortam o caule e colocam as fibras separadas para secar. Com o tear, fazem uma espécie de malha. “Tudo é usado. Mas o material mais precioso é o fio interno que é chamado de fio nobre. Por isso, o nome do grupo.” O que une os grupos do Instituto Realice é o cul-
O conceito de sustentabilidade une os grupos da Rede Asta e influencia as ações do dia a dia dos participantes tivo da ideia do Salve o Planeta. “Sempre pensamos em como contribuir para que cada artesão possa aproveitar da melhor maneira possível o material que tem em mãos. Nossas ações no dia a dia, nossos projetos congregam responsabilidade social, sustentabilidade e competitividade para pequenos e médios produtores”, afirma a coordenadora Alice Freitas.
SAIBA MAIS Sobre a Rede Asta, produtos e formas de vendas em www.asta.org.br
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