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DO CINEMA E DO ASSASSINATO COMO BELAS ARTES HITCHCOCK E A ESTÉTICA DO CRIME
from Hitchcock
Tadeu Capistrano
Pessoalmente, colocando-me no ponto de vista do técnico, não estou profundamente interessado na moral ou mensagem do filme. Sou uma espécie de pintor que pinta flores, esta mesa ou aquela janela: é a forma de tratar as coisas que me interessa. Mas, por outro lado, se eu fosse pintor, diria: ”só posso pintar aquilo que contenha uma mensagem”. Acontece, talvez, que esta mensagem seja muito profunda para a pintura. Alfred Hitchcock
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Em várias entrevistas, Alfred Hitchcock declarou que gostaria de ter sido um criminalista. Ironicamente, acabou se tornando o “pai do crime” no cinema e explorou muitas artimanhas estéticas para cometer assassinatos virtuosos. Dizia que a parte mais excitante de filmar um roteiro era a escolha do melhor modo para realizar um homicídio e, com muito humor, afirmava que seu maior prazer com o cinema era fazer o público sofrer: “Não sou tão sério como o público”, dizia, “Confesso que ao vê-los chorar, sinto uma sensação de comicidade. Todos os meus filmes tem uma lógica profunda: fazer com que os espectadores sofram.”
Em suas primeiras obras, os crimes emergem do “sangue fácil” que se derramava nos melodramas sensacionalistas. Mas, os seus assassinatos estarão cada vez mais situados em uma dimensão artística, que marcará o diálogo de Hitchcock com determinadas vertentes da literatura e das artes visuais das últimas décadas do século XIX e das primeiras do XX, tais como o simbolismo e o decadentismo, o expressionismo e o surrealismo.
Nesse período, o crime excedia os discursos da criminologia e atravessava a imprensa popular, a literatura, o mundo das artes e do espetáculo. Discutir a natureza do crime implicava problematizar a natureza humana com argumentos filosóficos contra certos excessos do individualismo propagados pela cultura romântica. Tais exageros eram representados nos ímpetos anárquicos e “malditos” encontrados em obras como Sociedade dos amigos do crime, do Marquês de Sade, ou Do assassinato como uma das belas artes, de Thomas de Quincey. Entre muitos outros tesouros, tais como os contos de Edgar Allan Poe, Crimes exemplares, de Max Aub, e Os cantos de Maldoror, de Lautreámont.
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Essa relação entre arte, filosofia e crime é precisamente o tema de Festim diabólico (Rope, 1948). No enredo do filme, dois jovens assassinam um amigo e depositam seu corpo em um baú, que em seguida servirá de mesa para o jantar oferecido no apartamento onde ambos moram. O motivo do crime é frívolo: o rapaz é morto porque ficou noivo de uma garota, revelando-se fraco ao ceder às convenções de uma vida comum – um estudante de Harvard que pretende levar uma vida burguesa em uma família normal. Após o assassinato, para que o crime perfeito fosse consumado em sua plenitude, era necessário brindar com uma festa que serviria de assinatura para o quadro belamente pintado pela dupla: o próprio “festim diabólico” de Hitchcock.
Porém, e para que a perfeição do crime pudesse ser atingida com todos os louros, um dos convidados à comemoração é justamente o mentor das teorizações acerca do assassinato como uma das belas artes: o professor “nietzschiano” dos rapazes. Se, por um lado, cometer o crime perfeito é uma arte, por outro lado, desvendá-lo pode chegar a ser uma arte maior. Assim, enquanto um dos assassinos teoriza sobre o “demônio da perversidade”, o inseguro “coração delator” do outro irá desvelar paulatinamente as pistas do homicídio diante dos olhos clínicos do professor-criminólogo.
Realizado como se fosse um único plano-sequência, o filme insere o espectador nesse quadro em que as cenas que discorrem sobre a filosofia do assassinato estão acompanhadas pelas inúmeras pinturas dispostas no apartamento: retratos, desenhos, paisagens – e, claro, uma natureza morta.
Apesar de estar situada em Nova York, esta trama macabra traduz o fascínio que Hitchcock sentia pelos crimes britânicos. Em um ensaio intitulado Assassinato com molho inglês1, Hitchcock diferencia os crimes norte-americanos dos ingleses, chamando a atenção para o requinte destes últimos, que seriam mais “dramáticos, engenhosos e variados”. O cineasta atribui essa criatividade às condições restritivas da vida britânica nos espaços urbanos e, sobretudo, nos lugares, e com objetos típicos para se cometer crimes e encobri-los, tais como os porões, os sótãos, os serrotes, as malas e os baús. O humor negro que envolveria os assassinatos ingleses, segundo Hitchcock, seria um legado desse contraste entre a polidez britânica e a aberração do crime, tal como ocorre em Festim diabólico.
Outro tema que articula crime e arte nos filmes de Hitchcock se vincula aos “fenômenos da dissociação”, aqueles processos de desagregação psíquica revelados em estados de transe, hipnose ou sonambulismo, bem como na cisão da personalidade e em outros modos insólitos de percepção. Cabe lembrar que as pesquisas acerca da suposta existência de um “inconsciente corporal” e suas conexões com os fenômenos dissociativos, tais como a hipnose ou a alucinação, também fizeram parte da criminologia. Além de ter habitado essas sisudas prateleiras, esse “duplo” ou essa “segunda consciência” encarnaram em inúmeros sonâmbulos, hipnotizados, e em outros “dissociados” da literatura e do cinema.
1Ver Sidney Gottlieb (org.). Hitchcock por Hitchcock. Imago Ed.: Rio de Janeiro, 1998.
Não é de se estranhar que as relações entre arte, crime e dissociação estejam entranhadas desde o início do cinema, na passagem do contexto mágico das atrações circenses para o estabelecimento da narrativa fílmica. Naqueles tempos primordiais, o cinema, como uma espécie de “manicômio óptico”, já deflagrava estados de fascinação e os mais diversos tipos de emoções espectatoriais, por meio de técnicas caligarianas de sugestão e manipulação do espectro visual. Esse poder espetacular das projeções cinematográficas foi abordado pelo próprio Hitchcock em Assassinato (Murder!, 1930) e em Quando fala o coração (Spellbound, 1945).
A protagonista de Assassinato, por exemplo, é acusada de assassinar uma colega numa trama que envolve atrações circenses, acrobacias identitárias e um julgamento num tribunal que questiona o que procura dar significado a atos voluntários e involuntários. Essa discussão se refere ao estado dissociativo ou de “fuga”, no qual a suposta vilã do crime se encontrava. Tal estado pressupõe atos inconscientes, ou comandados por um “lado negro” que é impulsionado pelos mais rudes instintos da suspeita fuguer2 .
Já em Quando fala o coração, Hitchcock fez um filme sobre a psicanálise. Ou, como esta é apresentada na abertura: “a ciência que expulsa nossos demônios interiores”, a partir do assombro de “descobrir que você não é o que pensa ser”. Como em Assassinato, temos mais um caso envolvendo trauma, amnésia e crime: um homem despersonalizado não consegue se lembrar do que é e do que fez. Desconfiado de ter assassinado aquele médico do qual assumiu a personalidade, conta com a ajuda de uma psicanalista apaixonada, que o levará a desvendar a verdade do crime e o desfecho da narrativa de si.
É interessante notar o caráter caligariano – ou mabuseano – do diretor do sanatório nesse filme, o Dr. Murchison, um psiquiatra que acaba se revelando um assassino. Esta temática do duplo, muito presente no expressionismo, aqui é retomada por uma estética surrealista que fratura a narrativa clássica: na famosa ilustração dos devaneios oníricos do protagonista de Quando fala o coração, assinada por Salvador Dalí, há um cassino decorado com um grande painel de olhos abertos, que uma mulher atravessa com uma tesoura enquanto um homem joga cartas de naipes transfigurados, e outro sujeito sem rosto segura uma roda torta diante de um abismo. O sonho desloca e condensa o próprio enredo do filme, cujo enigma deve ser decifrado pelo espectador, como um detetive-psicanalista, através de diferentes sugestões cinematográficas e sintomas do paciente revelados nas sessões de análise da doutora Constance.
Porém, o foco das relações entre a psicanálise e a metáfora do “cinema como lugar do crime”3 estará ainda mais ajustado em Janela indiscreta (Rear Window, 1954). Seu protagonista, Jeff, pratica o voyeurismo fazendo seu olhar penetrar, por meio de uma indiscreta luneta, nas janelas vizinhas, onde se desdobram vários “gêneros” de conduta humana. Em
2Fuguer é o termo (preservado assim em francês) da psiquiatria para denominar pessoas dissociadas, acometidas de despersonalização ou em “estado de fuga”. 3Ver o ensaio de Ismail Xavier “O lugar do crime: a noção clássica de representação e a teoria do espetáculo, de Griffith a Hitchcock”, em O olhar e a cena. Editora Cosac & Naif, São Paulo: 2003.
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uma dessas janelas, o “inconsciente” do espião é espelhado por um assassino com o qual ele compartilha uma característica: Jeff, com inclinações misóginas, é avesso ao casamento, enquanto o “outro” consuma tal aversão matando a esposa.
No entanto, além desse inconsciente homicida que também reflete as emoções dos amantes do suspense, há outra dimensão autorreflexiva que deve ser considerada em Janela indiscreta. O tom melancólico e claustrofóbico do filme não metaforiza apenas o dispositivo cinematográfico como um espaço para “exorcizar demônios”, mas também comparece a própria crise do cinema como o espetáculo audiovisual dominante a partir da emergência da televisão. Através da janela/ tela, Jeff observa várias outras janelas que evidenciam uma profunda atomização social, em função da qual os indivíduos são cada vez mais reduzidos, como ele próprio, ao estatuto de espectadores ou voyeurs solitários.
Essa alusão a uma nova ordem espetacular, que traga vidas e olhares para suas imagens, emoldura situações melancólicas e solitárias que remetem às telas de Edward Hopper e seus personagens isolados em pleno auge das massas. Trata-se daquela Multidão solitária engendrada no seio da cultura audiovisual e consumista dos Estados Unidos em meados do século XX, aludida no próprio título do célebre estudo do sociólogo David Riesman, e logo irradiada em escala global.
Outro filme que articula voyeurismo e crime é Um corpo que cai (Vertigo, 1958). Exibido com a tecnologia panorâmica do VistaVision, sua abertura apresenta um olho feminino que emana formas espiraladas, multicoloridas e mesmerizantes. Além de lembrar as experimentações da Op Art [expressão vinda do inglês Optical Art, ou arte ótica], essas imagens expressam a solicitação espectatorial do filme ao conjugar olhar e vertigem. Novamente, acompanhamos aqui uma narrativa de dissociações psíquicas: Scottie, um policial que sofre de acrofobia, é contratado para seguir uma mulher, Madeleine, que acredita ser uma outra, Carlotta Valdés, morta no século XIX. Como um detetive, ele segue os passos dessa misteriosa mulher e a observa apaixonadamente, até ser testemunha do seu suicídio.
Obcecado pela imagem de Madeleine, de um modo comparável ao que a ela ocorria com Carlotta, ele tentar agora “reencarná-la” em outra: Judy, uma mulher estranhamente familiar. Esse desejo de Scottie por “recriar uma imagem sexual impossível” e “querer dormir com uma morta”, em um caso de “pura necrofilia”, como declarava Hitchcock, é ornamentado por uma iconografia que remete tanto aos simbolistas como às telas dos pré-rafaelitas em suas invocações góticas e decadentistas.
Como acontece com algumas personagens de Edgar Allan Poe, Madeleine tem transes monomaníacos e olha fixamente para o quadro e a lápide de Carlotta Valdés. Essa relação fantasmagórica, que pendula entre algo vivo e algo morto, além de dialogar com o estranho fascínio do espectador pela imagem, também evoca a própria ambiguidade da narrativa do filme. Essa atmosfera hipnótica pode ser vislumbrada na sequência da visita de Madeleine ao cemitério da Misión Dolores. A personagem de Kim Novak é uma espécie de sonâmbula, cuja beleza, figurada entre lápides cinzentas e flores vermelhas, também ressucita as som-
brias mulheres de Gustave Moreau, Edward Burne-Jones, Aubrey Beardsley, bem como as dos satânicos Jean Delville e Franz Von Stuck. Um tipo de fêmea misteriosa e melancólica, caracterizada por “uma natureza noturna impenetrável”, aquela que assombrou muitos corações masculinos no século XIX, e serviu de inspiração para poetas como Charles Baudelaire e Gerard de Nerval. No entanto, a missão dessa vamp decadentista foi executada com plenitude em toda sadopaideia vitoriana, onde se imortalizou como a letal “bela dama sem misericórdia” no versos masoquistas de Algernon Swinburne em seu poema “Dolores”.
Esse romantismo tardio de Alfred Hitchcock será eclipsado com Psicose (Psycho, 1960), onde a relação entre crime e duplicação de personalidade adquiriram um novo corpo imortalizado nas psicopatias – e taxidermias – de Norman Bates. O cenário do filme aponta uma tensão na arquitetura do suspense, invocando, por um lado o terror dos clássicos enredos góticos que envolviam as casas mal-assombradas por almas e memórias fantasmagóricas; e por outro, ao horror, ou as modernas concepções do pavor relacionada às surpresas que os espaços urbanos podem suscitar em um corpo desprotegido. A famosa sequência do chuveiro infiltrou o terror em um espaço ordinariamente doméstico, desnudando os riscos da vulnerabilidade social e suas psicopatias. Hitchcock se orgulhava em dizer que o esfaqueamento de Marion foi cometido por cortes cinematográficos que produziram a ilusão das punhaladas. Essa atenção aos “cortes” e seus efeitos estéticos fez dessa sequência um objeto de culto cinéfilo e uma espécie de homenagem de Hitchcock aos poderes estéticos do cinema, sintetizando seu fascínio com o esquartejamento do corpo, da imagem e da visão, cuja faca utilizada, assim como a câmera, “de modo algum tocou o corpo de Janet Leigh”.
Exibido em 1960, Psicose foi todo um acontecimento cultural que excedeu os limites do próprio filme. Um dos mais significativos efeitos do maior sucesso de Hitchcock foi a popularização do termo “psicose”. Naquela época, os filmes de horror e os pornográficos formavam uma zona espetacular clandestina que, até então, não podia ser consumida no espaço doméstico. Isso fez com que a indústria cinematográfica solicitasse novas formas de suspense, que por vezes colapsavam com a elegância estética de Hitchcock.
Em um ensaio intitulado “Sobre o prazer do medo”4, Hitchcock argumentava que o medo poderia ser oferecido ao espectador de duas formas: através do suspense ou por meio do terror. O primeiro estaria relacionado a certo aviso prévio esculpido pela narrativa, enquanto o segundo estaria limitado ao efeito-surpresa, inseparável do mercado dos sustos desprovido do fino trabalho com a linguagem cinematográfica. “O suspense é mais divertido que o terror, na verdade, porque é uma experiência contínua e vai crescendo até atingir um clímax”, explicava o cineasta. “Já o terror, para ser realmente efetivo, tem de vir todo de uma vez, como um relâmpago e, consequentemente, é mais difícil de saborear”.
4Ver Sidney Gottlieb (org.). Hitchcock por Hitchcock. Imago Ed.: Rio de Janeiro, 1998.
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No pôster original de Psicose, vemos o corpo de Janet Leigh anunciando com todo seu sex appeal em uma composição que sugere crime, medo e sensualidade: “a new and altogether different screen excitement!!!” [Uma emoção nova e diferente na tela!!!]. Ironicamente, Psicose transformou-se no protótipo dos filmes de horror que seriam disparados nas décadas seguintes, sobretudo através de suas vertentes gore, slash, splatter e afins. Graças a esses “subgêneros” da indústria cinematográfica, o sensacionalismo ganhou novo sangue: dele emergiram legiões de psicopatas consumidos em massa e idolatrados sob uma auréola pop. Referindo-se a esse tipo de exploração banal do horror, Hitchcock também declarou: “Não creio que a violência pela violência tenha qualquer efeito, nem sequer acho que a plateia seja tocada por ela, e muito menos mobilizada; ela é óbvia”.
Foi justamente nos anos 1960 que o cineasta britânico alcançou uma enorme popularidade. Além de ter se estabelecido como uma entidade cultural proto-warholiana, cultivando a exibição de sua própria imagem em seus filmes, Hitchcock também se tornou um carismático showman televisivo que anunciava o seriado Alfred Hitchcock apresenta (Alfred Hitchcock Presents). Sua inconfundível silhueta, combinada com o irônico tema musical, fez de Hitchcock uma clássica marca registrada do suspense. Esse culto pop o transformou em um objeto de fetiche camp, e suas imagens continuam mesmerizando artistas até hoje. Seus filmes se tornaram objetos de diversas experimentações artísticas em instalações, vídeos, fotografias e dispositivos digitais, bem como no próprio cinema, cujo exemplo paradigmático é a refilmagem de Psicose por Gus Van Sant de 1998.5
Em 1999, nas comemorações do centenário do seu nascimento, foi realizada a mostra Notorius: Alfred Hitchcock and contemporary art, no Museu de Arte Moderna de Oxford.6 A exibição reuniu vários trabalhos que dialogam com os filmes do famoso mestre do medo através de processos de apropriação e intervenção nas imagens, reelaborando sequências e tentando propiciar novas experiências estéticas com o universo hitchcokiano. Entre as obras artísticas exibidas havia uma citação de Chris Marker a Um corpo que cai em Sans soleil (1982), o trabalho de Victor Burgin em The Bridge (1984), onde é refeita a cena da tentativa de suicídio de Madeleine embaixo da ponte Golden Gate, em São Francisco, invocando-a como a Ophélia do famoso quadro pré-rafaelita de John Everett Millais.
Ainda com base em Um corpo que cai, Christian Marclay criou sobreposições sonoras na obra Vertigo: soundtrack for an exhibition (1990), produzindo novos sentidos para as sequências do filme, enquanto David Reed inseriu suas pinturas em Scottie’s Bedroom (1994), utilizando recursos de computação gráfica. Por sua vez, Pierre Huyghe reconstituiu Janela indiscreta
5Nota do editor: ver entrevista exclusiva com Gus Van Sant na página 333 desse catálogo. 6Nota do editor: ver também neste catálogo os textos “Hitchcock e o sonho”, de Donald Spoto (pp. 95-102), e “A parte do sonho: a propósito de Hitchcock e Dalí, do surrealismo e do onirismo”, de Nathalie Bondil-Poupard (pp. 103-118), publicados originalmente no livro de título homônimo ao da exposição do realizada pelo Museu de Belas Artes de Montreal e posteriormente também exibida no Centre Pompidou de Paris sobre as influências e coincidências acerca da obra de Hitchcock com outras obras de arte, Hitchcock et l’Art: coïncidences fatales. Montreal e Paris: Centre Pompidou e Mazzotta, 2001.
cena por cena em Remake (1995), recriando sua atmosfera voyeurista em 16 mm e tentando extrair reflexões sobre a memória cinematográfica ao comparar as cenas originais com as reconstituídas. Em outro trabalho instigante, baseado em Marnie, confissões de uma ladra (Marnie, 1964), Stan Douglas realizou Subject to a film: Marnie (1989), uma espécie de filme randômico que procura deflagrar questões sobre repetição, obsessão e as incontroláveis pulsões criminais.
Porém, talvez o mais conhecido e radical trabalho de apropriação de um filme de Hitchcock seja 24 Hour Psycho (1993), de Douglas Gordon: uma projeção do longa-metragem original em câmera lenta, a uma velocidade de dois quadros por segundo, em uma tela de dupla face, na qual o espectador poderia visualizar a obra em ambos os lados. Graças a essa desaceleração das imagens, o filme adquire um ritmo antiespetacular, permitindo que cada sequência se transforme em pequenas narrativas. Neste caso, através do “roubo” e da “perversão”, a relação entre arte, crime e cinema se revela uma experiência da duração que propicia novas e perturbadoras potências estéticas, sempre a partir do vigoroso legado de Alfred Hitchcock.
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nota do editor: As relações entre cinema e percepções insólitas apontadas neste texto estão discutidas mais profundamento no livro deste autor, A luz cine ação: o cinema, o autômato e a dissociação, a sair pela Editora Contraponto (no prelo).
tadeu CaPistrano é professor do Departamento de Teoria e História da Arte e do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da UFRJ, onde desenvolve pesquisas sobre a teoria da imagem e seus campos afins. É Doutor em Literatura Comparada pela UERJ, onde desenvolveu tese sobre cinema, tecnologia e percepção com o apoio do CNPq e da Columbia University.