ANS nº 397397
REVISTA
CONVIVER BEM É DAR AO OUTRO O DIREITO DE SER FELIZ Uma publicação trimestral da Unimed Campina Grande | Distribuição Gratuita | Ano IV | Número 17 | Julho de 2013
ISSN 1983-1102
Os caminhos poéticos da nossa gente Campina Grande
da unimed
c
A Unimed e a prosa poética da vida
N
as distintas matizes que definem o que é a vida, alguns afirmam que é aprendizado, outros, apenas um ponto de partida para cada recomeço, mas é no equilíbrio que uma existência se edifica, que uma história se consolida. A Unimed é a representação prática do quanto um ideal pode cooperar com e pela vida, pois são os valores do cooperativismo, que desde o ano de 1844 no bairro de Rochdale em Manchester na Inglaterra, que reverberam pelo mundo, e, aqui no Brasil se fez célula para que a classe médica pudesse unir qualidade, humanismo e trabalho solidário junto a uma prestação de serviço com ética e dedicação. Cooperação, diversidade, sabedoria, liberdade, simplicidade, relacionamento e responsabilidade são valores da marca Unimed, expressados pelo desenvolvimento de produtos que dão acesso a uma parcela cada vez maior da população aos planos de saúde. O sistema Unimed esta presente em 83% do território nacional, onde 360 cooperativas prestam assistência a quase 19 milhões de clientes que confiam suas vidas a 109 mil médicos. Na prática, a história do sistema Unimed no Brasil, entre o trabalho e o sucesso, traz a responsabilidade como ponte que nos liga a você. Esse é o mote que a Unimed Campina Grande, há quase 42 anos, vem construindo, consolidando valores com ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, eqüidade e solidariedade, tendo a resposta da nossa comunidade como rima de uma saudável e acreditada parceria. Essa é a fascinante prosa de uma história de crescimento conjunto, onde maior do que o sobrenome desta cidade foram os ideais dos primeiros médicos cooperados, pioneiros nesta forma de trabalho no Nordeste. A Unimed Campina Grande hoje, conta a sua história harmonizada com as necessidades do seu tempo, que refletida junto à assistência a uma comunidade, exemplifica que entre a prosa e a poesia o povo narra os seus próprios caminhos com uma bússola apontada para trabalho, e o horizonte representado pela própria vida. Boa leitura!
Dr. Francisco Vieira de Oliveira Presidente da Unimed
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 05
C índice seções Ponto de Vista
Nosso Patrimônio 32
28 Porta de entrada para a universidade pública
Artes em Movimento 44
Elizabeth Marinheiro: Uma mulher vestida de sol, sem meias palavras
Cantadores e cordelistas - A origem
565 Justificativa do eu
Medicina Preventiva 18 Um olhar poético sobre o tempo
30
47
40
Tan: Quando a poesia é a voz
38 Puericultura ao pé da letra
CONVIVER É TORNAR NATURALMENTE O DIFERENTE IGUAL A TODOS
A poesia popular no século XX
A arte do cuidar: Luz que transcende o tempo
Saúde Alto Astral 59 50
20
O lado B de João Gonçalves
Por que validar?
Eterno voo de um amor - A incrível estória de um pavão misterioso
61 26
Os direitos humanos e a proteção cultural
54
Responsabilidade Socioambiental
Qual
Os ecos poéticos no registro imaginário do nosso povo
70
Por que existem o mal e o sofrimento humano?
42
expediente
50 anos do A, B, C social de Paulo Freire
diretoria 2010/2014 - conselho de administração 2010/2014: Dr. Francisco Vieira de Oliveira - Dr. Alexandre de Castro Batista Leite - Dra. Teresa Cristina Mayer Ventura da Nóbrega - Dr. Norberto José da Silva Neto vOgais: Dr. Antônio Dimas Cabral - Dr. Emílio de Farias Júnior - Dra. Gesira Soares de Assis Florentino - Dr. Giovannini Cesar Abrantes L. de Figueiredo - Dra. Waldeneide Fernandes Azevedo conselho técnico e de ética 2010/2014: Dr. Carlos Roberto de S. Oliveira - Dra. Deborah Rose Galvão Dantas - Dr. Ericsson Albuquerque Marques - Dr. José Protásio Vieira - Dr. Juarez Carlos Ritter - Dr. Saulo Gaudêncio de Brito conselho fiscal 2013/2014: Efetivos: Dr. Expedito Nóbrega de Medeiros - Dra. Katia Maria Lima Vidal - Dr. José Tadeu Pereira Vitorino - Suplentes: Crisleide Rodrigues da S. Souza - Gladstone Botto de Almeida - Gimena Lacerda Cavalcanti - assessoria jurídica: Dr. Giovanni Bosco Dantas Medeiros - Dra. Maria Rodrigues Sampaio - Dra. Ramona Guedes comitê de comunicação: Dr. Evaldo Dantas Nóbrega - Dr. José Alves Neto - Dr. José Morais Lucas - Dr. José Moisés Medeiros Neto direção/edição: Dra. Teresa Cristina Mayer Ventura da Nóbrega - Alice Rosane Correia - Ribamildo Bezerra de Lima - Ulisses Praxedes - Yonnara Araújo jornalista responsável: Ribamildo Bezerra - DRT 625/99 redação: Ulisses Praxedes - DRT 2287/08 fotografia: Leonardo dos Santos Silva capa: Fernanda Castro - Imagem: Vlad Gerasimov assessoria de marketing: Alice Rosane Correia revisão: Marcelo Coutinho de Oliveira Rocha PROJETO GRÁFICO E Diagramação: Fernanda Castro
circulação: 2.500 exemplares - Distribuição Gratuita - Edição Trimestral espaço do leitor - atendimento: (83) 2101.6576/2101.6580 - revistaconviver@cg.unimed.com.br para anunciar, ligue: 83)2101.6580(Alice) - alice@cg.unimed.com.br para se corresponder com a redação: (83)2101.6554 - revistaconviver@cg.unimed.com.br
A Revista Conviver é uma publicação sem fins lucrativos, custeada pelo material publicitário, veiculado na mesma. Todo conteúdo veiculado nesta publicação é de responsabilidade dos seus autores.
colunas 10
Uma marca no seu tempo ___________________________________________________ Dr. Ademar Dantas
13
Cooperado ____________________________________ Unimed Campina Grande com sede em crescimento
14
Cliente __________________________________________________ Relacionamento com responsabilidade
16
Colaborador _______________________________________________________________ Setor de cadastro
24
Natureza Médica _________________________________________________________ A antítese dos anjos
36
Medicina: Ciência da Vida ____________________ Receitas simples de prevenção em doenças infecciosas
52
Sensibilidade Crônica __________________________________________________________ R, de rouxinol
64
Histórias e Estórias _____________________________________________________________ Inveja do cão
68
Urbe Campinense __________________________________________ Como a poesia entrou em minha veia
69
Conviva ______________________________________________________________ III Curso de gestantes...
c
leitores
ANS nº 397397
c
da redação
convivendo com você
c
CULTURA, CONVIVÊNCIA E IDENTIDADE
REVISTA
CONVIVER BEM É DAR AO OUTRO O DIREITO DE SER FELIZ. Uma publicação trimestral da Unimed Campina Grande | Distribuição Gratuita | Ano III | Número 16 | Julho de 2012.
ISSN 1983-1102
A
100LUIZ GONZAGA MAIS DE 40 LÉGUAS DE SAUDADE UMA EDIÇÃO COMEMORATIVA AO CENTENÁRIO DO REI DO BAIÃO
www.cg.unimed.com.br
Campina Grande
“A revista Conviver tem cumprido seu papel de informar e promover saúde de forma exemplar na região de Campina Grande. Em particular, registro a grande valia da última edição (sobre Luiz Gonzaga) para a preservação e para o reavivamento da nossa cultura. Como professor, me deparo, constantemente, com a necessidade de manter viva a nossa memória cultural, tanto nos adultos, quanto nos nossos jovens. Continuem fazendo publicações com este intuito. Nossa cultura só tem a ganhar!”. Marcelo Lima Júnior Professor
“Achei muito interessante a ação de trazer de volta uma entrevista do Rei do Baião. Luiz Gonzaga é um dos maiores (se não o maior) ícones da cultura nordestina e esta homenagem que a Revista Conviver fez a ela foi mais do que merecida. Cada página era um misto de história e cultura e foi muito prazeroso ler cada linha e saber que somos tão ricos culturalmente. Orgulho-me da cultura nordestina e de fazer parte deste povo. Parabéns!”. Romero Barreto Economista
“Gostaria de parabenizar a todos que fazem a revista conviver pelo belíssimo trabalho realizado. Com certeza a revista Conviver é um importante veiculo de comunicação. Fico encantada com a variedade de temas abordados e a riqueza de informações que encontramos nos artigos publicados, também, não é pra menos, com tanto nomes de peso contribuindo e escrevendo para revista, só poderia ter um conteúdo com tanta qualidade”. Tássita Araújo Jornalista
08 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
individualidade do homem e o meio em que está inserido dentro do seu tempo são fundamentais para a formação de uma identidade integral e ímpar na sociedade. O homem constrói o ambiente e vice-versa; o paradigma tempo e ambiente forma o indivíduo da atualidade de tal maneira que o homem busca, constantemente, meios e estratégias para vencer os desafios da sua convivência e da sua sobrevivência. A convivência do homem com o meio em que vive traz implicações, tanto para um quanto para outro, sendo o homem o agente principal desta transformação sociocultural. Segundo o teórico cultural Stuart Hall, “a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado; a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela se tornou politizada”. A partir desta premissa, podemos ver que a identidade e a produção cultural do homem perpassa intrinsecamente pelas características de sua relação entre sociedade e meio. Após o surgimento da industrialização, houve um aumento progressivo na população das cidades, fato este resultante de uma mudança de compor-
tamento, em que as pessoas passaram a buscar melhores condições de vida. E estas transformações influenciaram, também, a construção cultural de um povo. Nas manifestações culturais, sejam elas as mais diversas possíveis, encontra-se a identificação de uma sociedade. O artista se constitui porta-voz que anuncia as intrínsecas especificidades e nuances de uma identidade social, onde o povo se vê na cultua, e a cultura se vê no povo. O homem da sociedade moderna emergiu com uma poderosa perspectiva dentro da ciência social e cultural, permitindo um entendimento sobre o papel do significado da produção e reprodução das práticas sociais. Isto podemos ver, também, na produção da nossa região. A diversa cultura que inclui cantadores, contadores e escritores traz, para o mundo, a identidade do nordestino – a identificação dele com sua arte e a sua forma de se fazer conhecido em um povo. Portanto, não há identidade de um povo sem que preexista a sua manifestação cultural; pode-se dizer, por outro lado, que não há manifestação cultural sem a construção desta identidade pelo povo.
O
nde está a poesia, pergunta o leigo ao poeta? A poesia dobrou a esquina e foi comprar jornais, respondeu o arquiteto das palavras. Tamanho o espanto diante a surpreendente resposta, completou o poeta: agora a poesia está a sua frente. A poesia nasce do espanto. Para um dos maiores poetas vivos do país Ferreira Gullar, “A poesia como arte é uma algo imprevisível, impactante, uma reinvenção da vida, por isso qualquer coisa pode espantar um poeta, um galo no quintal pode ser espantoso”, afirma. É o que é esta visão da vida se não a prática de olharmos a nossa própria existência com uma visão lúdica, uma percepção humanizada do quanto a vida pode ser extraordinária. A poesia não é para quem a faz, mas sim para quem necessita dela. Nas palavras do Poeta Pablo Neruda existe poesia na percepção mais clara do que seja a vida, uma pulsão latente de nossa sensibilidade. Somos poetas naturais a justificar, nos encantos e lamentos, a trajetória de uma existência. Somos um povo poético imortalizando a história desta terra entre motes e versos alimentando a memória, revivendo, a cada novo canto, os caminhos trilhados por uma gente de prosa e rima, onde o aboio do vaqueiro ecoa tão forte em nossos corações quanto o mais erudito dos versos de Augustos dos Anjos, e tão ousado quanto o olhar mais vanguardístico de Elizabeth Marinheiro ( ver entrevista nas paginas verdes). Campina Grande é a nossa musa, de caminhos recortados, celeiro de preservação cultural onde a arte erudita ou popular aqui encontra terreno fértil para florescer, em cada sonho alheio, a esperança da saudável transformação daquilo que outrora seja dúvida e consolide a plenitude do existir. A poesia é a medicação da alma para que a sensibilidade nunca adoeça, a Revista Conviver é apenas um espelho a refletir, nesta temática, Os Caminhos Poéticos de Nossa Gente, o quão luminosos são os passos deixados por esses que creditaram seu legado no Poiesis do Viver.
A poesia não reinventa o mundo nem existe por causa própria, entre vírgulas pausas e emoção, são os valores humanos que renascem a cada sonora composição artística. Afinal, contra a patológica banalização da rotina, estão lá as cores do poético, onde, para o grande enigma do existir, é a arte que nos aponta a resposta, mesmo que ela ainda não saiba. Boa leitura!
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 09
Unimed | Uma marca no seu tempo
PARA A PRÁTICA MÉDICA
não há idade
Aos 91 anos, Dr. Adhemar Dantas continua exercendo a medicina, atendendo a clientes em seu consultório médico TEXTO: JOSÉ MORAIS LUCAS
O
Dr. Adhemar Fernandes Dantas, cidadão íntegro e respeitado, reside em Campina Grande desde 1956, quando aqui chegou como oficial Médico do Exército. Nesse mesmo ano casou-se com a jovem Norma Galvão Dantas, filha do Dr. Paulo Galvão, respeitável médico daquela época. Deste matrimônio nasceram os seus quatro filhos. Ainda em 1956, o Dr. Adhemar Dantas instalou o seu primeiro consultório médico nesta cidade, que ficava localizado na rua Cardoso Vieira. O Dr. Adhemar é paraibano de Santa Luzia, nascido em 21 de março de 1922. No ano de 1940, veio para mudar sua vida, pois deixou a Tipografia Fernandes, onde trabalhava com um tio, que era o proprietário, para se alistar como soldado voluntário, no Quartel do 22º BC na capital do Estado. Nesta sua determinação de servir à Pátria, chegou a João Pessoa fazendo o percurso de trem a partir de Campina Grande. Tendo sido aprovado no exame de seleção para o Exército, começou a vida militar como soldado, sendo promovido, depois, a cabo e, posteriormente, a sargento. Prosseguindo na sua vida militar, depois de soldado, cabo e sargento, finalmente, ao concluir o curso de medicina pela Universidade Federal em Recife no ano de 1955, quando ainda era sargento, foi aprovado no curso para Oficial Médico do Exército. No oficialato, foi tenente e, posteriormente, capitão, tendo encerrado a carreira militar em 1964, quando foi reformado como Major Médico do Exército. Continuando a residir e trabalhar em nossa cidade, foi nomeado mé10 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Aos 91 anos de idade, ainda atende alguns clientes tradicionais, muitos deles, da terceira geração familiar.
dico da Previdência Social, estando hoje aposentado também como servidor público federal, onde exerceu a função de Auditor Médico. Em todo o percurso da sua vida, sempre foi um médico dedicado ao seu consultório e a sua clientela. Atualmente, aos 91 anos de idade, ainda atende alguns clientes tradicionais, muitos deles, da terceira geração familiar. Sua especialidade é Clínica Médica, com uma dedicação toda especial para os pacientes portadores de Asma Brônquica, patologia na qual se enquadrava a maioria dos seus clientes. Logicamente, dentro deste contexto, sempre foi voltado aos estudos do Aparelho Respiratório com os seus processos alérgicos. Seus pais se chamavam Ignácio de Loiola Dantas e Maria Fernandes Dantas. Seus filhos por ordem de nascimento, são Deborah Rose, Lucio, Michael e Fábio, sendo três médicos e um engenheiro, no caso, Michael, o terceiro. A Dra. Deborah Rose, bastante conceituada na sua especialidade, que é Clínica Médica, no momento está concluindo o doutorado em Medicina da Saúde, pela UFBA; a primogênita do doutor Adhemar lhe deu três netos, que se chamam Clarissa, Mariana e Alberto Filho. Lucio, pela ordem, o segundo filho, fez residência médica para Oftalmologia em Belo Horizonte, onde também fez doutorado. Após concluir os seus estudos de pós-graduação, instalou a sua clínica na capital mineira, onde também se casou e constituiu família. A oftalmologia também é exercida pelos seus tios Paulo Gustavo Galvão em BH e Roberto Galvão, no Recife, provavelmente, vindo daí a sua inspiração para esta importante especialidade médica; O Dr. Lucio Galvão Dantas é casado com Raquel e são seus filhos: Luiza e Rafael. O engenheiro Michael é casado com a odontóloga Eva Maria, tendo como filhos: Thaynã e Arthur. Thaynã já deu ao casal Adhemar/ Norma a primeira bisneta que se chama
Mariah. O filho caçula do casal Adhemar/Norma é o Dr. Fábio Galvão Dantas, que reside em Campina Grande e que tem, como especialidade médica, a Neurologia; assim como seus irmãos médicos, também fez doutorado. O Dr. Adhemar Dantas tem uma paixão pelo Teatro e, como tal, escreveu e dirigiu peças. Foram várias, aqui lembrando “Um pouco de nós mesmos”, que ele próprio destaca. Sua contribuição artístico-literária não parou por aí, aqui citando o livro por ele escrito, com o título “Pelo tempo sem fim amém” que é, na verdade, um misto de ficção e história. Residindo em Campina Grande há mais de meio século, Adhemar Dantas tem muitos amigos e admiradores, dentre os quais está o Dr. José Moisés Medeiros que, além de colega médico, é quase vizinho, parente muito próximo, além de conterrâneo, pois ambos vieram de Santa Luzia. Notei a satisfação do amigo e colega Zé Moisés, quando o Conselho Editorial desta revista acolheu o nome do Dr. Adhemar Dantas para ser o homenageado da vez; a escolha do nome foi por aclamação. Confesso que também fiquei satisfeito com o nome escolhido para desenvolver este trabalho que venho fazendo com colegas, desde quando a revista “Conviver” foi implantada pela Unimed Campina Grande. O Dr. Adhemar Dantas é o médico mais antigo em Campina Grande ainda em atividade profissional, embora limitada; só não é o decano, porque, com idade superior a sua, há o Dr. Ubaldino
O Dr. Adhemar Dantas é o médico mais antigo em Campina Grande ainda em atividade profissional
Souto Maior, o qual, no entanto, está inteiramente afastado das suas atividades como médico há mais de quinze anos. Da turma de 1955 da Faculdade de Medicina do Recife, além do Dr. Adhemar Dantas, também vieram se instalar em Campina Grande os doutores Milton Medeiros, Newton Figueiredo, José Pereira da Silva, João Ribeiro, Agripino Cavalcanti e Evandro Costa, este último residindo atualmente em Recife. Acho que cumpri o meu dever, colocando o Dr. Adhemar Dantas no patamar que ele merece, fazendo com que os leitores tomem conhecimento da sua importante participação na vida médica e intelectual da nossa cidade.
Dr. José Morais Lucas
Médico Anestesiologista - cooperado da Unimed Campina Grande - Membro da Academia Campinense de Letras
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver
11
Cooperado | Unimed
UNIMED CAMPINA GRANDE COM SEDE EM CRESCIMENTO
A
companhar a evolução do tempo, não se faz apenas diante das necessidades trazidas por ele; é preciso ousar, entendendo que, muitas vezes, precisamos estar um passo a frente. A modernização na dinâmica do atendimento no campo da saúde suplementar não se resume à dinâmica de fluxos de leis que regem esse setor no país, é preciso desenvolver-se a materialidade estrutural da Operadora como lastro arquitetônico a exemplificar a solidez na prestação de serviço a qual se propõe. Em meados de 2012, a Unimed Campina Grande reafirmou o seu crescimento enquanto cooperativa médica na consolidação física da reestruturação da área física da sua SEDE; a elevação de um terceiro piso tornou-a mais funcional. Esse foi o ponto de partida para a adequação da Unimed Campina Grande diante de mais de quase três décadas, desde a última reforma. A criação de um amplo auditório para reunião de colaboradores ou cooperados pode exemplificar bem um dos pontos positivos obtidos com a reforma. A ideia é consolidar um redimensionamento da área com o propósito de trazer
maior fluxo e agilidade nos processos de trabalho. “A otimização da nossa área física foi toda planejada para uma maior interação entre os setores da cooperativa”, destaca o Dr. Francisco Vieira, presidente da Unimed Campina Grande. Na prática, o crescimento da Unimed em volume de clientes e a chegada dos novos cooperados implica, diretamente, a motivação para a reforma, pois, como afirma o Diretor Administrativo Financeiro Dr. Alexandre Castro Leite “Crescer com responsabilidade pode ser sinônimo de otimização da nossa estrutura incluindo uma redistribuição física e departamento com intuitos de aprimoramento em nossa logística de serviços”, pontua. A reforma traz consigo não apenas um olhar ainda mais aprimorado para a acessibilidade de clientes cooperados e colaboradores, como também uma melhoria nos banheiros e uma melhor acomodação para atendimentos, solicitações e reuniões de ordem estratégica. Prevista para encerrar neste segundo semestre de 2013, a reforma da Sede da Unimed recebeu o aval orçamentário do Conselho de Administração da própria Unimed. www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 13
RELACIONAMENTO COM RESPONSABILIDADE
UNIMED E AeC – A SAÚDE ATENDE A ESTE CHAMADO
solidez de um contrato consolidado nos pilares da parceria e da assistência médica com qualidade. Atualmente, os colaboradores AeC assistidos pela Unimed Campina Grande constituem o número de 2.681 vidas. Para se ter uma ideia da grandiosidade desta parceria, apenas no período de abril a maio de 2013 foram realizadas cerca de 1.200 consultas (entre eletivas e de urgência). Dados como esses nos mostram como é importante uma assistência à saúde qualificada e de grande credibilidade na região e o quanto é saudável primar por um relacionamento com responsabilidade. Muita saúde à parceria Unimed Campina Grande e AeC. Campina Grande é beneficiada em todos os aspectos!
house/unimedcg
Unimed | Cliente
ANS nº 367397
POR QUE AeC? Campina Grande
A
Unimed Campina Grande, ao longo dos seus 41 anos, consolidou o conceito de que parceria se constrói com relacionamento, e que, quando se valoriza um relacionamento, ele se torna uma parceria saudável e todos os beneficiários ganham. Pensando neste conceito foi que, honradamente, a Unimed Campina Grande recebeu a AeC como muito mais que uma cliente, mas como uma empresa parceira. Porém, antes de falarmos sobre a parceria Unimed e AeC, conheça mais sobre esta empresa que fincou suas raízes em Campina Grande há pouco tempo. O grupo AeC é uma das maiores e mais respeitadas empresas do Brasil que traz para si a responsabilidade por uma série de serviços fundamentais a vários negócios (outsourcing) nas áreas de Contact Center, Consultoria, Software e Gestão em Saúde. Ela oferece a mais completa série de serviços para empresas de todos os tamanhos alcançarem melhores resultados em suas respectivas áreas de atuação. Fundada no Estado de Minas Gerais no ano de 1992, Antônio Guilherme Luz e Cássio Azevedo criam a A&C Infor, empresa mãe do Grupo AeC, que é especializada em licenciamento de software. Em 2008, o Grupo AeC se posiciona como AeC. 14 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
O Call Center, então, se torna uma das oito maiores empresas do país e é eleita, pelo Prêmio ABT, como sendo a Melhor Empresa de Call Center no ano. E foi, em abril de 2012, que a empresa inaugurou sua unidade em Campina Grande, no mesmo período em que completa 20 anos de atuação no mercado. A unidade de Campina Grande tem um número recorde de PAs (Pontos de Atendimento) implantadas de uma só vez em sua inauguração: 400. Hoje, é a principal unidade em volume de atendimento e mantém mil PAs em funcionamento. Com mais de 22 mil empregados no total, a AeC está, atualmente, entre as 10 maiores empresas de Tecnologia da Informação do Brasil, segundo ranking publicado recentemente pelo jornal Valor Econômico a partir de uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e auditada pela Serasa Experian. “Esse crescimento é muito expressivo para nossa operação e contribui significativamente para atingirmos a meta de faturar R$ 1 bilhão em 2014”, afirma Alexandre Moreira, presidente da AeC. Diante de todo este potencial, a AeC traz, para a carteira de clientes da Unimed Campina Grande, não só um significativo reposicionamento de número de clientes como também a
Somos médicos. C A de Antônio Guilherme, E isso faz toda a diferença. de Cássio. Amigos de colégio, colegas da faculdade, parceiros na www.cg.unimed.com.br vida. Pessoas diferentes, projetos em comum: sócios de uma empresa. O ano: 1992. O ramo: venda de softwares. Nascia a AeC. Como é fácil perceber, de lá para cá, muita coisa mudou. Menos a vontade de realizar do Antônio Guilherme e do Cássio.
Sua vida começa a ganhar mais verde.
Saiba mais sobre este benefício.
Unimed | Colaborador
uma equipe coesa com as atuais necessidades dirigidas ao mercado de planos saúde . Junto a equipe de cadastro está a supervisora Maria das Graças, carinhosamente chamada de “Gracita” que ao
lado das colaboradoras Nairam Araújo e Klébia Cavalcanti, constroem um trabalho definido como “o gerenciamento da vida funcional, através do registro e manutenção dos dados cadastrais dos
Dentre as inúmeras funções do Setor de Cadastro, podemos citar: Recebimento dos contratos celebrados pelos consultores de vendas (Pessoa Física e Pessoa Jurídica), que envolve a conferência, inserção dos dados no sistema, cadastro da 1ª mensalidade e cadastro do CID (para doenças preexistentes); Alteração dos dados cadastrais dos beneficiários; Movimentação e exclusão de beneficiários; Cadastro de óbitos e inadimplências; Emissão de cartão magnético; Dra. Elizabeth Menezes (2ª da esquerda para direita) e sua equipe à frente do cadastro Unimed Campina Grande
SETOR DE CADASTRO
A vida funcional gerenciada de perto O
f luxo de informações bem como a idoneidade de cada uma delas é fator essencial para o bom andamento das atividades de uma Operadora de Planos de Saúde. Cada cliente possui, dentro da operadora, seu próprio banco de informações que traça a sua trajetória de saúde antes mesmo de aderir a algum plano e enquanto possuir vínculo com ele. Mas como se dá este trabalho? Na Unimed Campina Grande, as informações de cada beneficiário são tratadas com total prioridade. A busca pela 16 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
excelência nos serviços e o cumprimento das exigências da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fazem com que o Setor de Cadastro tenha uma dinamicidade impressionante, para que tudo ocorra organizadamente saudável dentro da cooperativa. Tendo a frente a médica cooperada Dra. Elizabeht Menezes como gerente de contrato que de forma criteriosa e atualizada tem acompanhado a dinâmica que a Agencia Nacional de Saúde Suplementar – ANS, o setor de cadastro é
Cadastro para débito automático em conta-corrente; Rastreamento da situação financeira para novos clientes; Envio de informação e dados dos beneficiários para a ANS; Informação de reajuste dos planos coletivos e empresarias para a ANS; Assistência complementar e suplementar; Suspensão temporária (para beneficiários que se ausentarão por período determinado, para atividades no exterior); Envio de relatórios de beneficiários para a Federação das Unimeds da Paraíba e para a Unimed Brasil; Envio de correspondência-controle aos beneficiários (cartão magnético, maioridade); Emissão de declarações solicitadas pelos beneficiários.
Na Unimed Campina Grande, as informações de cada beneficiário são tratadas com total prioridade
beneficiários”. Estas são algumas das atividades deste setor que fornece informações primordiais para todos os outros processos que compreendem o fluxo de operações em planos de saúde. E, por possuírem uma dinâmica bastante acelerada, os desafios também se aceleram. O atendimento às demandas da ANS, dentro dos prazos pré-estabelecidos, constituem um dos principais focos a serem vencidos diariamente. Para Gracita, cada beneficiário também pode contribuir com a manutenção dos seus dados cadastrais atualizando-os sempre que necessário; alguns dados são essenciais, como CPF, endereço, telefone e e-mail. “Este pequeno gesto agilizará bastante a nossa comunicação com o beneficiário e trará maior qualidade e celeridade nos serviços prestados pela cooperativa”, assegura Gracita. As demandas relacionadas ao cadastro têm aumentado significativamente a cada dia, e o trabalho de Gracita, Klébia e Nairam é pautado na excelência da qualidade, uma premissa que abrange a todos os colaboradores Unimed Campina Grande. É assim, sabendo que cada membro é responsável pelo bom andamento do “corpo Unimed”, que todo esse empenho redunda na prestação de um serviço cada vez melhor ao cliente Unimed Campina Grande. www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 17
Ponto de vista
Um olhar poético sobre o tempo TEXTO: EVERALDO LOPES
A
dimensão temporal se revela no “agora” em que o homem distingue o que passou e o que está por vir, separados pelo presente fugidio. Poder-se-ia representar o “presente” como um cursor abstrato que se movimenta na linha do tempo, diferençando o passado e o futuro. A consciência registra apenas o movimento. Não se tem como aprisionar o momento exato em que o futuro se torna passado. No mesmo lapso indeterminável do diálogo entre a consciência e o mundo, abre-se o portal mágico do “belo”, absoluto escondido na finitude formal do homem e da Natureza. A prosa descreve a realidade sensível espacial e temporal do “agora”. A poesia, despertada pelo belo atemporal e não espacial, representa-o em símbolos e metáforas que dizem mais do que o conjunto das acepções de um vocábulo. O olhar poético vê além do tempo, e enxerga, no simbolismo universal, formas perfeitas e proporções harmoniosas. No momento da inspiração artística, o tempo cósmico se anula. A experiência estética revela a perfeição que ignora os limites do tempo e do espaço. O estro poético, cronologicamente indemarcável, corresponde à vivência do belo alheia ao tempo medido pelo tique-taque do relógio. Exemplificando, as
quatro estações do ano previstas no calendário são objeto de inspiração da sensibilidade poética! Mas, enquanto fenômenos naturais cíclicos, previsíveis, que se repetem sistematicamente, tornam-se comuns! Todavia, “aquele” pôr de Sol que sensibiliza e encanta, e é vivido com intensa emoção, permanece intocado como uma experiência estética ímpar de beleza inigualável que se eterniza numa lembrança privilegiada, numa tela ou em versos. A linguagem dos símbolos estéticos é universal, pelo que a leitura de uma obra de arte desperta ressonâncias significativas nos espíritos sensíveis, não importa onde nem quando. “Um olhar poético sobre o tempo” reflete a dimensão intemporal do ser humano. Sem este olhar, a organização psicofísica do homem equivaleria a um prolongamento cósmico complexo, porém mensurável. A imaginação criadora demonstra, porém, que não se pode confinar o fenômeno humano aos limites da realidade conhecida através dos sentidos. Nessa perspectiva, o “olhar poético sobre o tempo” denuncia a dimensão transcendental do homem, evidenciando a imponderabilidade da inspiração estética, intuição que excede a leitura prosaica do mundo percebido pelos sentidos.
Dr. Everaldo Lopes
Ginecologista Oncológico - Um dos fundadores da Faculdade de Medicina de Campina Grande - Escritor
18 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 19
Ponto de vista
POR QUE VALIDAR? TEXTO: DANILO SIQUEIRA
A
questão da escassez de médicos no interior é complexa e, como todo problema complicado, há uma solução simples... e errada a ser feita. Parece-me bem o caso quando se fala em importar médicos sem validar o diploma. A questão basilar filosófica nas ações de política pública é: “para se atingir determinado fim, todo meio é válido?” Para qualquer pessoa com um mínimo norte ético a resposta é: “NÃO”! Adentremos o caso. Para efeito de comparação, é sabido que faltam defensores públicos e juízes no Brasil, carreiras também essenciais à vida social. São cargos exclusivos para o Direito e acessíveis por meio de concurso público. Existem inúmeros bacharéis em direito desempregados e “concurseiros”. Não obstante somos o país que possui mais faculdades de direito (temos mais que o resto do mundo somado). Portanto, abrir cursos de direito não se mostrou eficaz, pois permanece a falta daqueles profissionais e ainda há desemprego na área. A solução nefasta seria facilitar ou abolir a necessidade de concurso público. Seria justificável? O caso médico é ainda mais emblemático. Outros países têm parteiras, optometristas, entre outras funções paramédicas. Suas formações muitas vezes são apenas técnicas. A validade dos seus diplomas, obviamente, é contestável aqui, como o são os dentistas em países onde a formação destes é médica. Mas pergunto: aqueles serão médicos aqui? A diferença da formação nos casos acima é facilmente identificada, todavia, mesmo quando tênue, tem de ser levada em conta, haja vista a necessidade constitucional de que para o exercício profissional há de se comprovar a qualificação (art. 5º, XIII, CF/88). Fica claro que há de se respeitar a validação dos diplomas, sim! Assim é em todo lugar do mundo! 20 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 21
Ponto de vista
Vejam bem, o argumento insano é de que a premente necessidade do médico no interior, sobretudo para assistir o mais pobre, é o principal problema de saúde pública. Atalham o caminho para a solução: “então traremos mais médicos”. Além do drible no aspecto ético, jurídico e de eficiência da proposta, omite-se a pergunta sobre a validação dos diplomas e se escondem as origens da distribuição médica irregular, relacionada mais a falhas governamentais. Parte-se para a aquisição de “médicos baratos” sem diploma reconhecido. Aqui, com um atraso de quase cem anos, confunde-se ideologia com política pública, sob o silêncio cúmplice de leigos amigos, na acepção pura da palavra. Falo de leigos amigos, pois, temo os experimentados inimigos. E contra estes não adianta argumentar. Circularão sempre no mesmo argumento tautológico stalinista que, no fundo, prega que, para salvar a nação, mata-se até o próprio povo. Mais uma vez a título de reflexão, pergunto agora se seria lícito dar direito de exercício profissional ao estudante de medicina ou ao farmacêutico, para os mesmos fins. Não há diferença, haja vista o fato de ambos possuírem conhecimento técnico não mensurado na área. A resposta óbvia também é “NÃO”. O órgão técnico regulador é essencial para o controle de qualidade. Mas quem sabe – quanto à também obrigação estatal de prestar segurança pública –, deveríamos contratar o serviço das milícias nas comunidades, já que o Estado é ineficiente. Ainda se pode alegar a existência da banda podre da polícia. Outra medida similar seria se doássemos os restos de comida dos restaurantes (são toneladas!), aos ainda milhões de famintos miseráveis no Brasil. Será que sou um gênio social? Acho mais provável que seja apenas demagogia barata. 22 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
A qualificação médica deve ser medida pensando o profissional e não os pacientes a quem ele irá atender
Agora, trago a pergunta fatal: você, defensor da vinda de um profissional da saúde sem que lhe tenham aferido o conhecimento, levaria sua mãe cancerosa a um cirurgião que não é reconhecido como tal pelos órgãos brasileiros? Se a resposta for “não”, então também não queira para o seu irmão pobre, o sertanejo, o índio, ou qualquer forma de excluído social, aquilo que você não quer para os seus! Ainda podem argumentar rasteiramente que “quem não tem cão caça com gato”. Será que o gato resgatará a caça ou a matará? Não eximindo a necessidade de uma prova justa e universal (também para médicos locais) se cubanos têm índice de reprovação superior a 90% nas provas de validação, algum significado isso deve ter. Chego a quase me comover quando falam que a medicina cubana é um sucesso, mas logo imagino que não teriam dificuldade na aprovação em qualquer validação. A título dialético, aceitemos que a resistência dos médicos é apenas uma questão de mercado e corporativismo da classe. O que leva a crer que, a mercê da falta de estrutura nos rincões e grotões brasileiros, haveria permanência daqueles supostos médicos nas áreas
carentes? Logo, como todo cidadão em busca da dignidade, também se transfeririam para os grandes centros, inchando tais locais em detrimento da qualidade. Reforce-se que clínicos, cirurgiões gerais e pediatras são os mais necessários, mas são os já menos remunerados na medicina. Não é uma questão de reserva de mercado, mas apenas uma demonstração de que a solução não é satisfatória para o problema a que se propõe. É necessário despir-se do ranço dos demagogos do poder, de ambos os lados políticos (a mesma situação ocorreu em 1999-2000), e ver que o bem tutelado pela medicina é, sim, a vida, mas a medicina é só uma profissão como todas as outras. Nem mais... NEM MENOS! Toda profissão necessita de emprego, para, do fruto do trabalho, auferir-se renda. Simples! Os governos precisam dialogar com os órgãos de classe constituídos e estes precisam apresentar soluções viáveis em contrapartida. Infelizmente, Medicina também é sacerdócio na medida em que rebanhos e pequenos pastores morrem pelas omissões e dogmas de dominação de cúrias nefastas, muitas das quais dentro da própria classe.
Por fim, destaco, aos mesmos leigos amigos que, dentro da medicina, passamos pela mesma “luta de classes” da sociedade geral. Poucos dominam o poder de muitos, poucos são milionários da causa e, na maioria das vezes, sem dominar o conhecimento. Nada de méritos! A maior exploração da saúde é feita por outros médicos e empresários. Estes calam nessa hora. E não me resta dúvida de que a vinda de médicos sem diploma só facilitaria o combatido acúmulo de rendimentos daqueles empresários da saúde, degenerando ainda mais o sistema. Carreira de Estado, estímulo à permanência no interior como há em outras profissões (sobretudo as jurídicas), entre outros aspectos legais podem ser a solução até em curto prazo! A medicina precisa, sim, de uma “revolução cultural do bem”, não basea-
da na imposição estatal, mas vinda de dentro. Distanciando-se do autoritarismo das entidades, mas também repensando a própria conduta moral. Rediscutindo e afastando a exploração que faz berço, desde o R2 (especializando médico de segundo ano) que se acha chefe do R1. Passando pela jornada de 60h de trabalho remunerada com 3 salários mínimos dos residentes. E ainda, necessariamente, pelo dono de serviço ou o médico vil, que aceita desviar pacientes ou verbas do público ao privado, com base na dor dos que buscam a cura. Até, ao fim, o gestor público que finge pagar e aceita que outros finjam trabalhar. Por fim, em toda medida que não sirva ao almejado bem comum.
Dr. Danilo Nóbrega Siqueira
Oftalmologista - Perito médico - Acadêmico de Direito - Médico cooperado da Unimed Campina Grande
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 23
Ponto de vista | Natureza médica
S
ou médico. Meus olhos, minhas mãos, minhas palavras, enfim, minha espera de segundo após segundo permeiam tíbia, cérebro, crânio, alcançam a miserável anatomia das rugas, entremeando-se entre vômitos impregnados de ptialina e percebendo, das bocas queixas de cardíacos, hálitos e escarros intempestivos de fígados doloridos, chagas profundíssimas que latejam, até encontrar-me com siglas e poções que, ao menos, disso tudo alivia, alguma vezes retrata. Alinha-se ao que cogito a inevitável trama das coisas péssimas, tecidas em carbono e amoníaco, que fazem da anatomia dos homens, frágil vítima da frialdade inorgânica da terra. Dos filhos da matéria de quem trato, de quem guardo, atormenta-me à beira da nervura ideal do saudável suspiro, esse destino de notória ausência. A ideia do péssimo, da fratura e do gemido, me condenam. Vivo a afugentar, nessa bruta ardência do ofício, o morcego silencioso, o verme subterrâneo, operários das ruínas de nossos tecidos de carbono, famintos de nossas veias e ossos. Então, para não deparar minha psicologia com a de um vencido, meus olhos sempre espreitam, nos leitos daquela gente adoecida, a sombra repentina de ancestrais cadáveres. Sou médico. Prescrevo o que despacha micróbios. Escrevo em relatórios e receitas com palavras e tintas de um Augusto de mágoa infinda, morando entre feras, deliberando sobre si em tísica, tênue, mínima e raquítica esperança. Crente no feixe de moléculas nervosas que renegam dos Anjos, que palpitam o Augusto dos homens maior, porém vencido na noite de outras eras. Mas eis que, da escuridão do cósmico segredo, da substância de todas as substâncias, arremessam-se, na bruma do
tempo impiedoso, o coração, a boca, em síntese, o Homem e, dessa matéria do incógnito átomo, do reluzente sonho, faz-se o homem, daquele que cuida dos outros homens e daquele padecido homem dos Anjos. Se imensas as mágoas das ideias gastas e das cismas do destino, imensas, ainda, as catedrais de nossos corações, como nas tintas do Augusto dos homens, que encontram as longínquas datas do amor, e das crenças. Posto que ser homem, mesmo Augusto, mesmo médico, é redimir-se da descrença que se encerra na finitude da matéria. Em nossos corações, elevam-se imensas catedrais, onde ressoam orações e falas que, secretas, delineiam a arquitetura e a matéria incrível dos Anjos. Esta que alcança os surdos quando ouvem os olhos dos outros, os cegos quando, veem o tato dos outros, os loucos, quando escutam a prece dos outros. Sou médico. Nas catedrais imensas de meu coração devem caber fios das almas de quem cuido, e, então, quem padece não se reduzirá ao escarro ou ao grito, à certeza do cadáver, e será pleno de sonho e estória, templos claros e risonhos impregnados nas rugas e cavidades de nossa anatomia que nos atravessa as tantas horas de nossas vidas e memórias. Mesmo estando-se entre a rudeza de homens feras, e o desespero de homens sem palavras, havemos de ser sagrados, mesmo não sendo Augusto, havemos de ser irradiação intensa, mesmo não sendo dos Anjos, ao tolerarmos a poesia de tudo quanto será morto, enquanto a vida canta sobre os ossos do caminho. Somos todos, no final do dia, ora feitos, ora esquecidos, de um tanto de Augusto, de um tanto dos Anjos.
A ANTÍTESE
DOS ANJOS TEXTO: FLAWBER CRUZ
Dr. Flawber Antônio Cruz
Perito médico do INSS - Especialista em Pediatria - Membro do Conselho Regional de Medicina
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 25
Ponto de vista
A
cultura é a representação do conjunto de manifestações sociais, nos seus modos de ser e fazer; é a alegria do carnaval, o forró e a festa de São João, o som da orquestra sinfônica, as jogadas de capoeiras ao ar livre, o sabor das deliciosas comidas típicas brasileiras (o acarajé, o rubacão, a feijoada e a pamonha, dentre outros pratos típicos). Toda criatividade humana se une para criar variados estilos e maneiras que marcam sua identidade cultural, sua expressão enquanto característica de um povo ou de um lugar. Sabiamente, Stuart Hall nos ensina que: “as culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso — um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”. Em outras palavras, a cultura é um texto que fala por si mesmo, a partir de suas manifestações e de seus significados, muitas vezes, não percebidos numa simples observação descompromissada. Um exemplo que bem elucida a questão é a missa católica. Todo o seu ritual, suas indumentárias, seu incenso e a elevação da hóstia e do cálice de vinho representam o drama do sacrifício de Jesus Cristo, sua morte e ressurreição, segundo o Evangelho e a Tradição Católica. Eis, então, outro papel da cultura: representar e fazer-se representar na criatividade e no agir do homem.
“
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.
Os direitos humanos e a proteção cultural TEXTO: DAVESLLEY CARDOSO
26 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
A Cultura, apesar de toda a sua liberdade e criatividade, não poderia atuar de forma desregrada, prejudicando direitos de terceiros ou expondo suas vidas, patrimônio ou integridade submetendo-os a quaisquer riscos. Eis aí onde adentra o papel dos Direitos Humanos como mecanismos jurídicos responsáveis por limitar (quando necessário), proteger e valorizar a cultura. Em reforço, a própria Constituição Federal assegura que: O Direito é um marco regulador e protetivo da cultura nacional. Sem ele, a liberdade e a diversão decorrentes das manifestações culturais poder-se-iam transformar em agressão e libertinagem. Mesmo havendo a diversão, o festejo ou a comemoração, deve existir também, quando da realização deles, a proteção e a segurança, garantida através da polícia militar. Eis uma síntese que combina perfeitamente: cultura e segurança. O Direito também atua através do tombamento, através da proteção ao patrimônio cultural, seja ele material (Igrejas históricas, monumentos) ou imaterial (direitos autorais e capoeira, por exemplo). A finalidade do tombamento é proteger a cultura, enquanto patrimônio artístico-cultural e marca identitária da nação brasileira, para que as futuras gerações conheçam os símbolos, monumentos e representações que marcaram a época de seus antepassados. Atualmente, o Brasil tem dezoito bens considerados patrimônios da humanidade pela UNESCO, dos quais a cidade de Ouro Preto, o centro histórico de Olinda, o Plano Piloto de Brasília e a Mata Atlântica (Reservas do Sudeste) estão entre eles. Com isso, percebemos a forte influência do Direito em tutelar a cultura em nível nacional e internacional. Afinal, a cultura é a base do Direito, sendo determinante sobre sua elaboração, transformação e adequação aos tempos contemporâneos de modo que o Direito, como instrumento normativo de ação e de controle social, visa a condicioná-la ao bem comum e ao progresso social, tidos como marcas preponderantes da identidade nacional.
Daveslley Oliveira Cardoso
Advogado - Pesquisador de Direito Internacional e Ativismo Judicial - Crítico literário
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 27
Ponto de vista
PORTA DE ENTRADA
PARA A UNIVERSIDADE PÚBLICA TEXTO: FLÁVIO PINTO
O
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio foi criado em 1998 pelo Governo Federal, inicialmente, apenas para avaliar o ensino médio. Acabou maturando e passou a ser instrumento de avaliação para os estudantes com intenção de ingresso no ensino superior. Realizado sempre em meio a polêmicas, a exemplo do vazamento de questões dentro do processo seletivo nacional em versões anteriores e da anulação de questões, o ENEM tem sido adotado, a critério das Universidades, em fases ou combinações distintas dentro de cada processo seletivo. Vejamos, o ENEM pode estar presente como fase única, através da seleção unificada (SISU), ou até mesmo como primeira fase do vestibular. O ENEM pode ser combinado com o vestibular da própria instituição, ou como fase única para as vagas remanescentes do vestibular. A Universidade pode utilizar as notas do próprio ENEM em seu próprio 28 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
processo seletivo, sem que se faça a utilização do SISU. Leia-se por SISU o Sistema de Seleção Unificada, como processo de seleção unificado onde o estudante pode disputar vagas em diferentes instituições a partir da nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mais de 1,8 milhão de estudantes se inscreveram no SISU em 2013, superando o recorde do ano passado. O SISU é o método de seleção que pode assegurar vida longa ao ENEM pela proposta democrática de acomodação do fluxo de vagas nas Universidades brasileiras tendo como indicativo balizador a nota de corte preliminar das mais de cento e vinte e nove mil vagas distribuídas em 101 instituições federais e estaduais em todo país tendo, como média, as notas do ENEM obtidas pelos candidatos que pleiteiam as vagas. Em 2013, 87 universidades públicas já confirmaram que
integrarão o SISU mas ainda é possível encontrar instituições públicas que não participam do SISU e, nesta estatística, a nossa Universidade Federal de Campina Grande faz parte das instituições ausentes do programa. Na Paraíba, em 2013, o SISU disponibilizou 7.191 vagas para três universidades públicas do estado: UFPB, UEPB e IFPB. O maior número de vagas na Paraíba é para a UFPB, que ofereceu 3.193 vagas para 118 cursos distribuídas para cinco campi, seguida pela UEPB, com 2.858 vagas e IFPB com 1.140 vagas. A grande questão é: por que a nossa Universidade Federal de Campina Grande ainda não está inserida no SISU? Se a justificativa é de que a UFCG garante a sua autonomia no processo de seleção, resultado e cronograma do seu vestibular se excluindo do SISU, é preciso ampliar o olhar para algumas distorções que acabam ocorrendo por esta particularidade. Um dos exemplos destas distorções é a concorrência para o curso de Medicina que na última entrada (período 2013.1) chegou a 270,9 candidatos para cada vaga disponível. Isto sem destacar que, em Cajazeiras, campi também pertencente à UFCG, a concorrência para esta último vestibular de medicina ficou em 141,08 candidatos/ vaga. É natural que estudantes de outras regiões optem em participar do processo seletivo da UFCG usando a nota do ENEM e, ao serem aprovados em vestibulares das suas cidades usando o SISU como meio de entrada jamais vêm até Campina Grande para matricular-se nos respectivos cursos, gerando necessidade de inúmeras novas listas de chamadas de aprovados além de causar frustação inicial em vários candidatos que não são convocados nas primeiras listas, com risco de não preenchimento das vagas totais disponíveis, ou até, desorganização
Concorrências para o curso de Medicina em algumas universidades brasileiras, no vestibular 2013:
Fuvest: 56,43 UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia: Vitoria da Conquista: 135,06 e Jequié 77,73 UNESP - Universidade Estadual Paulista: 185,3 UEM - Universidade Estadual de Maringá: 156,8 UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais: 49,77 UPE - Universidade Pernambuco - Campus Garanhuns: 58,08 Serra Talhada: 51,85 Santo Amaro - Recife: 45,18 UFBA – Universidade Federal da Bahia – 58,67 UFPA – Universidade Federal do Pará – 49,04 UFPB – Universidade Federal da Paraíba – 131,3 UFPE – Universidade Federal de Pernambuco: 35,3 UFPR - Univesidade Federal do Paraná - 44,97 UFS – Universidade Federal de Sergipe – 186,65 UNICAMP - 127,3 UFRN – 72,44 UNCISAL - Universidade Estadual de Alagoas - 70,56
do início dos cursos. Questionar o ‘estado probatório’ e de credibilidade do Sistema de Seleção Unificada também não é argumento que se segure, basta perceber o número expressivo de instituições que aderiram ao sistema. Ressalto aqui a importância do Colegiado junto à Reitoria da UFCG, a sensibilização ou, pelo menos, a análise e dis-
cussão democrática para entramos no compasso que o mundo acadêmico brasileiro está aderindo quanto à recepção dos seus novos alunos e pesquisadores. Participar desta seleção e contar com a aprovação da comunidade é de fundamental importância para que isso ocorra.
Dr. Flávio Pinto
Oftalmologista - Médico cooperado da Unimed Campina Grande
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 29
Ponto de vista
TA N
QUANDO A POESIA É A VOZ TEXTO: SUELI DE SÁ
T
odos nós, em algum momento da nossa infância, brincamos de construir castelos de areia. A diversão era observar as ondas do mar destruírem os castelos e, imediatamente, voltarmos a erguer novas paredes. Foi assim que o pequeno Alexandre aprendeu a superar as dificuldades e recomeçar sempre que fosse preciso. O vai e vem das ondas do mar trouxeram poesia à vida do garoto que cresceu e teve sua alma roubada pela saudade e pelo romantismo que, de mãos dadas, guiaram aquele menino pelo caminho que o fez descobrir, quando adulto, a sonora razão de sua vida. Alexandre de Amorim Pereira Barros é Alexandre Tan, artista paraibano que traz consigo o dom de cantar e o talento de personificar a poesia, sendo ela o combustível e o alicerce ao diferenciá-lo como um dos grandes intérpretes da música popular brasileira. 30 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Era uma tarde agitada. Fazia muito calor. Alexandre, envolvido em suas atividades culturais, freou o tempo arredio para responder às perguntas que nortearam esta matéria. O relato inspirado e sincero foi o retrato do artista que tem a emoção à flor da pele. Alexandre Tan se descobriu artista muito cedo. Em meados dos anos 70, ele começou a fazer teatro na escola. O espetáculo “Pluft – O Fantasminha” de Maria Clara Machado deu a largada na sua trajetória de produção de textos e atuação no movimento cultural da escola onde estudava na época. A convivência com os pais também ajudou a sacramentar a carreira artística de Alexandre Tan. Entre os passeios às lojas de disco aos concertos particulares protagonizados por sua mãe Dona Maria Amélia, mulher privilegiada que pode ver e acompanhar de perto o nascimento deste artista, Tan foi
Quando pisa no palco, Alexandre Tan é várias personagens em um só corpo. Irradia luz própria e declara amor à vida sem o receio de ser feliz e fazer feliz, a plateia
construindo, aos poucos, o alicerce de história de vida. Aos 15 anos de idade, Tan ganhou de presente um microfone. Aquele simples equipamento conseguiu aproximá-lo de seus ídolos e ajudá-lo a cantar junto com eles, numa espécie de Karaokê lúdico, onde, de sua casa, era possível ouvir um dueto entre Tan e Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Alcione e Maria Bethânia. Na companhia inusitada de seus ídolos, ele concretizava a frase de Oscar Wilde, “Nenhum grande artista vê as coisas como realmente são. Caso contrário, deixaria de ser um artista”. Anos mais tarde, os sonhos do adolescente ganharam asas e Tan teve a alegria de subir ao palco para abrir os shows de seus ídolos: Cauby Peixoto, Alcione, Maria Betânia, Roberto Carlos, Roupa Nova, Benito de Paula, Fábio Junior, The Playters, Wanderléia, Erasmo Carlos, entre tantos outros... Quando pisa no palco, Alexandre Tan
é várias personagens em um só corpo. Irradia luz própria e declara amor à vida sem o receio de ser feliz e fazer feliz, a plateia. Ele transpira aquilo que lhe inspira. Como ele próprio diz, é um eterno aprendiz da vida e, no palco, encena todo o seu sentimento. Vive o momento e eterniza fragmentos de emoção. É a dor que se transforma em amor, a alegria que vira nostalgia, a saudade que traz proximidade e a certeza de que, de alguma forma, existe beleza em tudo. “Música é vida e sem ela não sei viver”, declara Tan. Ele também não saberia viver sem o palco. A fé é uma aliada das suas conquistas pessoais e profissio-
nais. É o que faz Alexandre acreditar que nada é por acaso e que uma força maior (Deus) fez com que uma criança insegura e sonhadora conquistasse o sonho de ser um artista e estar nos palcos. Tudo tornou-se realidade. Seu repertório é sugerido pelo coração e escolhido pela força das palavras contidas nas letras das músicas. Alexandre Tan sabe que corpo e alma precisam estar presentes no palco. Para ele, a inspiração tem que vir de mãos dadas com a história. A família é seu porto seguro. Entre alegrias e tristezas, a vida tem mostrado, a Alexandre Tan, que o show deve continuar. Parar, jamais. Ele finaliza a entrevista: “Hoje vivo a saudade onde o tempo escreveu nas minhas páginas uma história onde todos os tons e melodias mostram o quanto sou feliz”. E, onde a felicidade está presente, devemos somente contemplar o “Encontro das Águas”, se necessário dizer “Palavras Cruzadas” e imaginar que “Se Todos Fossem Iguais a Você”, o mundo seria muito mais feliz.
Sueli de Sá
Jornalista - Especialista em Comunicação Educaional - Coordenadora de Comunicação do Sistema Indústria da Paraíba
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 31
Imagem: Woman before the Setting Sun - Caspar David Friedrich
Nosso patrimônio
ELIZABETH MARINHEIRO:
UMA MULHER VESTIDA DE SOL,
Sem meias palavras TEXTO: XICO NÓBREGA
O
que se vê além da literatura? A famosa janela para a alma de fato só existe aos olhos de quem a contempla; mas não é preciso um olhar físico para enxergar além; a poesia é o caminho. Elizabeth Marinheiro não é a poesia, é a poiésis, que, do Grego, quer dizer como se faz, ou a arte de criar. Esta mulher vestida de sol ampliou caminhos com luzes e garra para que a Literatura minasse desta terra tal qual água da fonte, e saciasse a sede daqueles que nada mais percebiam do que a rudeza da letra fria. Elizabeth Marinheiro dessacralizou o academicismo literário quando, através de ações de vanguarda, foi uma das responsáveis por introduzir, no cenário acadêmico brasileiro,
32 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
os estudos sobre literatura popular ao trilhar caminhos tão ousados quanto é a sua marca, exemplificada na criação da Fundação Artístico Cultural Manuel Bandeira –FACMA e os seus famosos corais falados, além de deixar escrita, na história, a edificação dos singulares Congressos Literários de Campina Grande. Elizabeth Marinheiro, numa alusão à obra de Manoel Camilo dos Santos, “Viagem a São Saruê” é, por si só, um universo fantástico, onde sua literatura é a sua voz, ainda que impregnada de sintética mensagem; carrega, de forma refinada, uma profunda análise e diversos questionamentos sobre o mundo que a cercam. Eis o que nos ensina a sua literal forma de viver, eis como se mostrar esta poética professora.
“Elizabeth Marinheiro não é a poesia, é a poiésis, que, do Grego, quer dizer como se faz, ou a arte de criar. Esta mulher vestida de sol ampliou caminhos com luzes e garra...” www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 33
Nosso patrimônio
“A literatura (literariedade) não é uma ferramenta de serviço. Entre suas múltiplas significações, destacamo-la como meio de melhorar o Homem e gerar mudanças nas Nações”
RC - Para que serve a literatura em geral? EM- A literatura (literariedade) não é uma ferramenta de serviço. Entre suas múltiplas significações, destacamo-la como meio de melhorar o Homem e gerar mudanças nas Nações. RC - O que a literatura paraibana representa no panorama nacional, em termos de autores, obras e movimentos literários? EM: A literatura paraibana já está consagrada nacionalmente; não apenas por autores “canônicos”, mas também por uma Nova Literatura, ou seja por excelentes autores (as) que fortalecem o nosso agora. 34 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
RC - Ao que a senhora atribui a ascensão da literatura de cordel nos meios acadêmicos e na aquisição de novos leitores? EM – Ora modismo, ora convicção pedagógica. RC - A professora Elizabeth Marinheiro inovou no ensino da língua portuguesa e literatura em Campina Grande, na década de 1960. Em que constituiu essa inovação e quais foram os impactos das novas metodologias no meio juvenil? EM- Concordamos plenamente com a pergunta. A inovação foi turbinada por várias metodologias. Destacamos a adoção da Arte através da Educação e a Didática móvel. Em ambos, e noutros casos, um pioneirismo àquela época. RC - A cantora Elba Ramalho deu os primeiros passos da carreira nos Corais Falados Manuel Bandeira e no Cecília Meireles. A senhora já via, na jovem atriz, o brotar da grande artista da MPB que se consagraria? EM: Concordamos, sim.
RC – Depois dos Corais Falados, o que levou a senhora a criar a Fundação Cultural Manuel Bandeira, FACMA? E o que está faltando para entidade cumprir fielmente as funções a que se destina? EM: A FACMA é a continuação dos famosos Corais Falados, isto é, transformaram-se em Instituição. A FACMA tem 43 anos de resistência. Falta-lhe quase tudo... É lamentável!... RC - O ensino da teoria literária na Paraíba existe antes e depois das inovações da mestra Elizabeth Marinheiro, formando gerações de professores e pesquisadores do assunto. Que avaliação a senhora faz do tema da crítica literária no meio acadêmico hoje? EM : Realmente fomos a introdutora da Teoria Literária nos cursos de graduação de Campina Grande, gestão do Reitor José Geraldo Araújo. A semente plantada por nós está brotando maravilhosamente. RC - Como surgiram os Congressos Literários de Campina Grande e quais
as principais personalidades do meio da literatura e da crítica literária que vieram a Campina Grande para os tais congressos? EM : Se a “a modéstia é uma mentira que pregamos contra nós mesmos” , de acordo com J.A. de Almeida, podemos dizer que os Congressos nasceram do nosso idealismo avant la lettre. Devido à necessidade de síntese nas respostas, não há espaço nesta entrevista para citar mais de duzentos Professores e Escritores – nacionais e internacionais que, ainda hoje, pedem o resgate dos grandes Congressos. RC - Por que os Congressos Literários de Campina Grande nunca mais foram reeditados? EM: Porque o Decreto-lei, do então Prefeito Cássio Cunha Lima, não vem sendo cumprido. RC – A produção ensaística de Elizabeth Marinheiro inclui obras marcantes no panorama da crítica literária nacional, reconhecidas e premiadas nos meios literários e acadêmicos no Brasil e no exterior.
O que representam essas premiações? EM: Representam uma Benção de Deus e o reconhecimento que não temos da terra natal, onde até meu Título de Professora Emérita – aprovado unanimemente pelo Departamento de Letras/UEPB (Universidade Estadual da Paraíba) – até agora não me foi outorgado. RC - Qual a importância de pertencer a Academias literárias? A senhora, porventura sonha com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras? EM: Pertencer à Academia Brasileira de Letras é o sonho de todo Escritor(a). Sonhar é preciso...
publicar novo livro? EM: Perfeitamente. Permita Deus que possamos concluir nosso novo livro em 2014. RC - O que é o Projeto Memória de Campina Grande, que a senhora está desenvolvendo? EM : O projeto MEMÓRIA DE CAMPINA GRANDE é outro dos nossos projetos pioneiros. Seus objetivos específicos são a pesquisa e o estudo da MEMÓRIA, tido como gênero literário. Também instaura-se como Centro Móvel da Literatura. Já contamos com 34 sessões públicas, duas Revistas editadas e duas engavetadas... Faltam-nos recursos.
RC - A autora Elizabeth Marinheiro tem alguma obra inédita ou tem projeto de
Francisco Antônio Vieira da Nóbrega Jornalista - Se dedica, atualmente, a dois projetos culturais voltados ao Rei do Baião, Luiz Gonzaga www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 35
Medicina preventiva | Medicina: ciência da vida
1ª
Antibiótico é coisa séria, só serve para bactéria. Não serve para febre, virose ou dor de dente, nem tente.
2ª
Doença que pode ser prevenida com vacina, é mal a ser derrotado antes de aparecer. Use a vacina sem temer.
3ª
Se estes sintomas aparecem em até sete dias, como febre de repente, dor de cabeça, dor no corpo, manchas na pele, pequenos sangramentos, não vá se assustar, em dengue deve-se pensar. Se a febre desaparece, não é para relaxar. Vômitos, dores fortes na barriga, tontura, palidez, é hora de alertar, pois a dengue pode complicar.
4ª 5ª
Na guerra sem parar que é a infecção hospitalar, uma arma é poderosa: as mãos sempre lavar.
Receitas simples de prevenção
em doenças infecciosas TEXTO: ANDRÉA BARROS
36 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Se você é mulher, se tem diabetes, doença nos rins, bebe pouca água, idade avançada, infecção urinária pode ser diagnosticada.
6ª
Doenças transmissíveis assim podemos listar: tuberculose, coqueluche, difteria, escarlatina,
tipos meningites e hepatites, sarampo e catapora. Tratamento sempre há, com remédios e cuidados, mas com prevenção não iremos nos contaminar.
7ª
10ª
8ª
11ª
9ª
12ª
As doenças sexualmente transmissíveis aparecem porque as pessoas querem se amar sem proteção. Anticoncepcionais diminuem a chance de gravidez, mas não evitam os inimigos da vez: sífilis, cancro, hepatite, gonorreia, AIDS tem no preservativo a solução. Muitas das diarreias evitadas serão: com higiene pessoal e ingestão de alimentos com cuidados de preparação. Leptospirose é doença cuja bactéria é transmitida pela urina do rato. O saneamento deficiente e os períodos de enchente prejucam a população carente. Quem será o vilão?
A tuberculose é uma doença que ocorre em um terço da população mundial, e o Brasil, das Américas é o campeão, chegando aqui no tempo da colonização. Transmitida pela respiração, tem aumentado a resistência do bacilo à medicação. Vista com preconceito devido à desinformação, tem cura se tratada com determinação. Dos tempos bíblicos ao século XXI a hanseníase pode causar dor, manchas na pele, deformidade, mas a ignorância sobre a doença é a mais grave das perdas de sensibilidade. Se não existisse a pobreza extrema, maior de todas as chagas, estaria o brasileiro livre da Doença de Chagas.
Drª Andréa de Amorim Pereira Barros
Médica cooperada da Unimed Campina Grande - Professora de Infectologia da UFCG
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 37
Medicina preventiva
Puericultura AO PÉ DA LETRA TEXTO: DIANE ALVES
A
palavra Puericultura refere-se à arte de criar, em um sentido muito mais do que alegórico; em ordem mais prática, o de criar fisiológica e higienicamente, as crianças. Surgido em 1762, o termo Puericultura foi criado pelo suíço Jacques Ballexserd, em seu livro “Tratado de Puericultura”, que extrai o termo puer, pueris do latim, que quer dizer criança. Sua obra tratava das questões de higiene desses pequenos seres. Foi na ebulição intelectual na França do século XVIII, entretanto, que o médico francês Caron deu ao conceito de Puericultura a sua definição mais aprimorada referindo-se ao acompanhamento e ao desenvolvimento infantil, tendo a integridade da criança como objeto maior desta hoje tida como subespecialidade da pediatria. O olhar de Caron surge da constatação de que, na época, grande parte das internações infantis poderiam ser evitadas se as mães tivessem recebido orientações preventivas de caráter preventivo tais como amamentação e condições de higiene
que lhes garantissem um lastro de respeito e segurança, condição essencial a uma plena evolução física, psíquica e social. É por essa ótica que se evidencia o amparo magno da Puericultura à prevenção e à educação em saúde, bem como à vivência de uma Pediatria preventiva. Se partirmos do princípio de que o exercício médico é a busca por mais qualidade de vida ao ser humano tendo, como princípios basilares, as orientações e aconselhamentos como educador em saúde, é junto às crianças e adolescentes que a pediatra tem condição, através da Puericultura, de consolidar um futuro mais saudável para os homens e mulheres de amanhã. Assim argumenta o poeta inglês do século XVII, Jonh Milton: “A infância mostra o homem, como a manhã mostra o dia”. É por essa máxima que muitos pais devem tomar consciência acerca da importância da consulta mensal no primeiro ano de vida como forma inicial de trabalharmos a detecção de
possíveis distúrbios e patologias iniciando medidas adequadas de tratamento com grandes chances de positivos prognósticos. Acredito que a Puericultura traz ao pediatra, em essência, o antigo papel de médico da família de modo que, juntamente com os pais, é possível não só pensar a gestação, o acompanhamento pré-natal, a amamentação, a supervisão e a administração das vacinas assim como o investimento nas potencialidades intelectuais do bebê promovendo, assim, crianças, adolescentes e adultos mais preparados para os desafios da vida moderna. O elo entre a família e o pediatra se constitui de forma mais estreita, haja vista que, culturalmente, as visitas dos pais e da criança ao médico, durante o primeiro ano de vida, dá-se pelo menos uma vez por mês e, depois disto, a cada dois meses, até os dois anos de vida, a partir daí, a frequência pode ficar espaçada sendo um acompanhamento posterior a cada três meses, inegável dizer
que um elo de afetividade recíproco se constitui a cada nova história: eis o cuidar nas suas mais amplas dimensões. Os ecos históricos que neste artigo se fazem presentes, reverberam até hoje graças ao reconhecido trabalho de Carlos Arthur Moncorvo Filho (18711944), médico que foi um dos pioneiro da Puericultura no Brasil, tendo fundado, em 1899, o “Instituto de Proteção e Assistência à Infância” no Rio de Janeiro, instituição filantrópica que teve, por objetivo, melhorar as condições da assistência médica e social às crianças carentes. Foi através desse instituto que grande parte do Brasil passou a assimilar a prática da Puericultura como instrumento de me-
lhoria da qualidade de vida das crianças. Filho do Dr. Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo (1846 -1901) – o pai da pediatria brasileira – Moncorvo herdou do pai o sonho de buscar horizontes em corações com ideais, assim ocorre com a poesia. Pensar e viver a Puericultura é, muito mais do que uma prática, ter a consciência de que começa, em nosso íntimo, a credibilidade por uma sociedade mais saudável, com amplas condições de respeito e valorização à vida dos seus futuros cidadãos para que tenham uma cultura que venha, literalmente, do berço.
Drª Diane de Sena M. Alves
Médica cooperada da Unimed Campina Grande - Especialista em Pediatria e Neonatologia - Especiialista em Medicina do Trabalho
Medicina preventiva
De Florence Nightingale aos dias de hoje, a enfermagem transcende tempo, novas técnicas e tecnologias para legitimar sua essência como a arte de cuidar.
A ARTE DO CUIDAR LUZ QUE TRANSCENDE O TEMPO TEXTO: HELOISY MEDEIROS
O
cuidar não é uma tarefa fácil, pois exige doação, exige amor, que é tão escasso na sociedade atual, a qual, muitas vezes, se mostra fria e visa sempre ao lucro para as suas ações. O cuidar é uma arte! Mas o que é cuidar? Segundo Amora (2010) cuidar é refletir, pensar, interessar-se por, preocupar-se com, considerar. E o que é arte? Arte, do latim ars significa técnica ou habilidade, é o produto ou processo em que o conhecimento é usado para realizar determinadas habilidades. 40 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
“A enfermagem é uma arte; e, para realiza-la como arte, requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, quanto a obra de qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore comparando ao tratar do corpo vivo, o templo de espírito de Deus? É uma das artes; poder-seia dizer, a mais bela das artes!” Florence Nightingale
A enfermagem, dentre as profissões que lidam diretamente com o paciente/ cliente/usuário, deve ser lembrada dentro desse nobre exercício do cuidar, pois, para o desenvolvimento de suas atividades ele deve ter englobado a sua personalidade o saber-ser, o saber-fazer e o saber-saber, tríade que rege a qualidade no ser enfermeiro. A relação com o outro foi lastro para que a enfermagem surgisse como prática, e da prática se aprimorasse em ciência, o momento onde a teoria valida a prática padronizando pesquisa e humanização no ideal de um bom atendimento. A sensibilização com o sofrimento alheio, e o olhar para outro como extensão de nós mesmos, é o impulso que se faz muitas vezes necessário para que possamos superar possíveis obstáculos que, por maiores que sejam, não impedem de atingirmos o nosso objetivo e alvo: o bem estar do próximo. Cuidar implica em conviver, e con-
viver resulta na comunhão de experiências, entre um enfermeiro e o seu assistido é possível consolidar laços que contribuam e dois viés para suas experiências futuras. Eis um grande legado se percebido quanto à dimensão do seu valor. A arte de Cuidar está no exercício de uma escuta afável que não se limita a expressão das palavras. É ser sensível ao outro escutando o seu íntimo, os seus sentimentos e até o seu pensamento.
Está alicerçado na escuta qualificada que cria o cenário apropriado para a cura com amor. O Cuidar transcende a técnica, ele é facilitador para o objetivo ótimo, que, junto com os conhecimentos científicos, a competência e a destreza do profissional, levam o cuidado ao lar, rompendo as resistentes e, por vezes, inconscientes barreiras que geram a descontinuidade no processo de melhoria. O cuidar é uma arte!
Heloisy Alves de Medeiros
Enfermeira - Especialista em Saúde da Família - Coordenadora do setor de Promoção a Saúde Unimed Campina Grande
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 41
Responsabilidade socioambiental
50 anos do A, B, C social de
PAULO FREIRE TEXTO: SUELHA NUNES
E
xiste uma sutil história que define a ideologia de um dos maiores pensadores da pedagogia no mundo, ao preencher uma ficha onde se identificava Paulo Reglus Neves Freire, nascido em 19 de setembro de 1921 em Recife Pernambuco. Ao assinar raça, escreveu em letras garrafais: HUMANA. Paulo Freire era um homem simples na condição de ser humano, mas de uma grandeza intelectual avançada para a sua época. Como educador, podia ver o que outros não conseguiam, a exemplo das potencialidades das camadas populares em aprender a partir do próprio meio em que viviam. O pedagogo colocou o oprimido na história. A ideia orgânica presente na obra de Paulo Freire é que toda forma de assimilar informações deveria passar por um importante filtro – a experiência do próprio aluno; segundo ele “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção”, costumava afirmar. Foi no início da década de 1960 que Paulo Freire inicia um método de alfabetização que o faz entrar na história da educação brasileira quando, na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, alfabetizou 300 trabalhadores durante 45 dias. A experiência era sinônimo de uma ousadia inédita: alfabetizar adultos em 40 horas. 42 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Numa ação crítica ao panorama atual da educação vigente na época, o sistema Freireano propunha a quebra do modelo também conhecido como educação bancária, onde o professor repassava o conhecimento de forma unilateral, em patamar de superioridade, aos seus alunos. Pelo método Paulo Freire, somos apresentados ao círculo da cultura, uma forma mais democrática de comunhão de experiências entre todos os envolvidos no processo de aprendizagem. Para o Pedagogo, o conceito de alfabetização ia muito além da assimilação dos códigos linguísticos, era preciso revolucionar, despertar o ser político em cada aprendiz; na prática, uma via de mão dupla: “Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender”, esta era uma das suas máximas a sintetizar o seu processo de alfabetização. As palavras geradoras eram o ponto de partida para a acessibilidade junto a cada alfabetizando, ou seja, o início do processo se dava com referências fonéticas vinculadas à realidade do próprio aluno. Um padeiro podia assimilar, com muito mais facilidade palavras contextualizadas ao seu trabalho, a exemplo de pão, massa, farinha...; um passaporte para um universo que começa a se mostrar. Além disso, a discussão é a permuta
de experiências de vida entre os alunos e professores é, sim, uma porta aberta para um estímulo à construção do pensamento crítico e a uma participação mais interativa. Para um dos diretores do Instituto Paulo Freire, instituição fundada em setembro de 1992 em São Paulo, professor Moacir Gadotti, “A generosidade e a conectividade presente na obra de Paulo Freire em muito se assemelha aos 4 pilares propostos pela UNESCO no tocante à educação : aprender a apreender, aprender a conviver, aprender a fazer, aprender a ser e aprender o porque?” ressalta. O olhar antropológico de Paulo Freire para o ser humano nos ajuda a compreender um pouco mais acerca da sua pedagogia; para ele, todos nós somos seres curiosos; por sermos assim, podemos ser considerados como seres inacabados e incompletos, o que ressalta a nossa necessidade do outro, por isso, somos seres de ligação com necessária conectividade. O caso Angicos é emblemático quanto à materialidade dessas ideias. Naquela pequena cidade, a 164 km da capital do Rio Grande do Norte, Natal, em 1962, iniciava-se um contra-ponto para um Brasil com níveis elevados de analfabetismo que chegava a atingir 25 milhões de pessoas, dos quais 15 milhões eram nordestinos. Se levarmos em conta que cada encontro era de 1 hora, e que o projeto consistia na totalização de 40 horas para o processo de alfabetização, a ideia era fazer valer um plano de ação mais ambicioso. A meta era instalar, até em 1964, 20.000 círculos de cultura capazes de formar, no mesmo ano, por volta de 2 milhões de alunos – 30 alunos formados a cada dois meses. Todo este ideal foi interrompido pelo golpe militar de 1964, quando Paulo Freire foi preso e exilado, fato este que castrou, ainda que temporariamente, este marcante ato de inclusão social. Era a visão humanística e de vanguarda que amedrontavam os poderosos na época. Paulo Freire relia a escola
como algo muito além do espaço físico, o letramento era necessário mas a construção de uma identidade social, através de uma visão crítica do mundo; era o grande lastro por trás da mobilização. Não era à toa que a metodologia consiste em três importantes fases que se conectam, a Investigação, onde o aluno busca no seu contexto de vivência, palavras e referências que descrevam onde ele se encontra inserido. Na segunda fase, temos a Tematização, onde as palavras geradoras passam a ser bússolas de assimilação e compreensão dos temas propostos. E, por fim, a Problematização, onde ocorre o momento culminante do processo freireano: o exercício da visão crítica do mundo. Em matéria publicada no site G1 pelos 50 anos da história do projeto Paulo Freire em Angicos, celebrados em 2013, um dos 300 alfabetizandos, Paulo Sousa que, na época, tinha 20 anos, já não tinha esperanças de aprender a ler “Assim que soube do curso, fui na hora. Depois do trabalho a gente seguia para a aula com o caderninho debaixo do braço. Aquilo mudou a minha vida, porque quando a
gente não sabe ler a gente não participa de nada, a gente não é ninguém”. Paulo Freire é um nome hoje imortalizado, morreu em maio de 1997, mas seu legado ecoa em várias partes do mundo como Suécia, Portugal, Inglaterra; foi detentor de 41 títulos de doutorado honoris causa de universidades como Harvard, Cambridge e Oxford. Não gostava de definições sobre sua pessoa, trabalho ou caráter. Achava um insulto quem o achava um santinho, assim como não permitia se ver apenas como um educador para adultos. Para que houvesse o processo de alfabetização, para ele, não deveriam existir fronteiras, nem idade “A alfabetização é uma experiência criadora, o alfabetizando é o arquiteto desta experiência”. Se ousou abrir o coração foi quando afirmou “Não tenho medo de amar, amo gente, assim como amo o mundo, brigo por justiça social, antes mesmo da caridade”. Essas foram as suas próprias palavras geradoras a identificar a que universo pertencia Paulo Freire.
Maria Suelha Nunes Marcelino
Pedagoga - Especialista em Psicopedagogia e em Práticas Educativas - Membro do grupo de estudos GESPAUF
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 43
Artes em movimento
CANTADORES E CORDELISTAS
A ORIGEM abjpd TEXTO: RUI VIEIRA
A
força poética existente no Estado da Paraíba é impressionante. Podemos afirmar que o berço do “cordel” foi a Paraíba, conforme pesquisas realizadas pelos mais importantes estudiosos do assunto, como Leonardo Mota, Câmara Cascudo, Átila Augusto F. de Almeida, José Alves Sobrinho, Francisco Coutinho e tantos outros; isso remonta há muito tempo. Em meados do século XIX surgiam, em terras paraibanas, os primeiros grandes poetas improvisadores, repentistas dotados de um dom que só Deus pode dar. Segundo Edvaldo Muniz de Melo em seu livro “Século e meio de repente” fundamentado, é claro, em pesquisas dos mestres acima mencionados, a primeira grande cantoria foi realizada na cidade de Patos PB, no ano de 1870, entre o repentista paraibano Francisco Romano Caluete (Romano de Teixeira) e o escrevo gênio Inácio da Catingueira, tendo o primeiro nascido em 1840 e, o segundo, em 1845 na cidade de Piancó-PB. Nesse mesmo século, nasceram os poetas Silvino Pirauá (Patos-PB), o grande Leandro Gomes de Barros, natural de Pombal-PB, e que foi o maior cordelista até hoje existente. Esse século ainda presenteou o mundo poético, em 1896, com aquele que seria o mais genial dos poetas repentistas, Severino Lourenço da Silva Pinto, “Pinto de Monteiro” o cascavel do repente, no dizer dos poetas contemporâneos. 44 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Até o final do século XIX, não havia cordel; pelo menos não existe nenhum registro, nem prova concreta. Isso só veio ocorrer no início do século XX, com os primeiros trabalhos escritos por Leandro Gomes de Barros e Silvino Pirauá. Até então, os desafios e os repentes eram conservados pela tradição oral, de forma que foram refeitos e, logicamente, estão distantes de sua originalidade. A poesia de cordel tem esse nome pelo fato de os cordelistas, como eram conhecidos, colocarem os seus folhetos presos em cordéis (barbantes), onde faziam suas apresentações, isto é, liam os versos que tratavam dos acontecimentos da época, de estórias e romances, lendas e fantasias, especialmente para uma população carente e analfabeta. O folheto de cordel tem, normalmente, de 8 a 16 páginas, em sextilhas e em versos heptassílabos. Se não tiver uma estória e não for escrito, não é cordel. Alguns cordéis têm de 32 a 64 páginas e, nesse caso, recebe o nome de romance. Leandro Gomes de Barros, cognominado o jornalista da rima escrevia, diariamente, e escreveu centenas deles, entre 1904 até 1917. Calcula-se que vendeu mais de dez mil cordéis, quando veio a falecer. Viveu exclusivamente da poesia popular, escrevia com rapidez, facilidade e belas expressões, tratando dos mais variados assuntos que se podia imaginar.
Entre os anos 20 e 30 do século passado, surgiu a xilogravura, sendo instrumento primordial na confecção das capas dos folhetos. José Costa Leite, cordelista e xilógrafo, natural de Sapé PB, foi incluído entre os 12 melhores do Nordeste. Em 1976, em Campina Grande-PB, recebeu o prêmio “Leandro Gomes de Barros”, instituído pela Universidade Regional do Nordeste, hoje UEPB. Foi o segundo poeta agraciado com esse prêmio. O primeiro foi o também paraibano Manoel Camilo dos Santos. Na Paraíba, foram criadas as primeiras tipografias direcionadas só para esse fim. A “Tipografia Popular”, na Capital, e a Tipografia “Pedro Batista”, em Guarabira-PB, realizavam produção semanal e davam, como pagamento ao cordelista autor da obra, apenas 20% de tudo o que era editado. O cordel funcionava como um jornal popular, e, quando havia um evento importante, como a morte de
Padim Ciço, os combates e a morte de Lampião, os cordelistas editavam o folheto no mesmo dia ou no dia seguinte. Para se ter uma ideia, segundo Ricardo Noblat, estudioso do assunto, ele relatou este fenômeno sobre o folheto circunstancial: “No dia 24 de agosto de 1954, às 7,30 h, Francisco Sales Areda (natural de Campina Grande), cordelista ouviu pelo rádio, no Recife, a notícia da morte de Getúlio Vargas. Muniu-se de papel e lápis e, em algumas horas escreveu o fato histórico em versos. Imprimiu e, às primeiras horas da tarde, tão rápido como uma edição extra de jornal, seu folheto estava sendo vendido no Mercado São José, e despachado para o interior de Pernambuco e outros Estados da região. Vendeu trezentos mil exemplares. Sobre o suicídio de Getúlio, segundo o poeta baiano Rodolfo Coelho Cavalcanti, foram publicados sessenta folhetos no Nordeste e vendidos cerca de dois milhões de
Infelizmente, o cordel, hoje, tem os seus dias contados: praticamente inexiste
exemplares. Também o poeta paraibano José Soares, considerado o melhor poeta circunstancial (ele mesmo se intitulava poeta-repórter), escreveu sobre: Divórcio; Vitória de Marco Freire, Sport 75 – 20 vezes campeão, e outros temas que surgiam em momentos históricos.
Leandro Gomes de Barros (à esquerda) e Pinto do Monteiro (à direita): marcaram a história da poesia paraibana, respectivamente, em versos de cordel e repente
Artes em movimento Imagem: Leo Costa
Artes em movimento
Infelizmente, o cordel, hoje, tem os seus dias contados: praticamente inexiste. Para se ter uma ideia, apenas uma tipografia “O Luzeiro”, esta em São Paulo, ainda trabalhava o cordel. Entretanto, como elemento de pesquisa, existe um acervo muito bom, conservado em Campina Grande. O acervo pertencia ao Professor Átila Almeida, com mais de 15 mil exemplares e foi adquirido pela Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB). A Fundação Casa de Rui Barbosa/Rio de Janeiro e a Fundação Regional do Nordeste resgataram parte da obra de Leandro de Barros. Como fonte de pesquisa, existem excelentes antologias publicadas, como as organizadas por Sebastião Nunes Batista (Fundação José Augusto – 1977/390 páginas), Mário Souto Maior e Waldemar Valente (Fundaj Editora – 1989/248 páginas – Fundação Joaquim Nabuco), e, finalmente, o Dicionário Biobibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, de Átila Augusto F. de Almeida e José Alves Sobrinho. Antigamente, toda a fonte de conhecimento de que o cantador de viola e o cordelista precisavam estava contido nos Almanaques da época, romances em prosas, a bíblia, a Missão Abreviada e o Lunário Perpétuo. Com base nesses conhecimentos, era o bastante para impressionar os seus ouvintes, em sua grande maioria proprietários e pessoas simples do sertão. Hoje, o cordel ainda resiste com figuras isoladas como o poeta Manoel Monteiro e outros baluartes.
46 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Vejamos alguns fragmentos de cordéis famosos:
A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO, de José Pacheco. Após descrever sua chegada no inferno, o poeta começa a descrever as brigas: Morreu a mãe de Canguinha/ o pai de forrobodó/ três netos de parafuso/ um chamado Cotó/ escapuliu boca insossa/ e uma moleca moça/ quase queimava o totó//morreram 10 negros velhos/ que não trabalhavam mais/ um cão chamado traz-cá//Vira-volta e capataz/ tromba suja e bigodeira/ um por nome de goteira/ cunhado de satanás.
A QUEDA DO SKYLAB E O MEDO DO POVO, de José Soares, finaliza suas últimas estrofes assim: Na hora em que ele caiu/ o cão chamou por Jesus/ Um ateu de nascimento/ fez logo o sinal da cruz/ E um cara falso a bandeira/ teve um susto e deu a luz// uma cabrocha amigada/ chamada Maria Inês/ Pensando que ia morrer/ disse para o português/ dos 12 filhos que tenho/ Você só é pai de três//
Finalmente, esclarecemos que existem milhares de cordéis, dos mais variados estilos, normalmente com boa dose de humor. Seria impossível citar todos os cordelistas. Citamos apenas uns poucos, dos mais importantes e suas fontes de
pesquisas, para quem quiser mergulhar nesse universo maravilhoso que foi e é, a poesia e o cordel na Paraíba.
A poesia popular no século XX de Campina Grande a Patos, muitas rimas e histórias TEXTO: XICO NÓBREGA
O
Rui Vieira
Jornalista - Escritor e pesquisador de poesia popular
livro de memórias de José Alves Sobrinho – Cantadores com Quem Cantei, editado pela gráfica da UFCG – é uma obra valiosa sobre a presença da poesia popular de cantoria de viola e do folheto de cordel no Nordeste em geral, especialmente na Paraíba (Patos e Campina Grande). Antigamente havia dois tipos de cantadores de viola: os agricultores, que só atuavam no verão, por causa dos cuidados da lavoura; e o cantador itinerante, tipo José Alves Sobrinho, que não plantava roçado e, por isso, com a chegada do inverno, a saída para ele era migrar para o brejo e o litoral. Por isso ele conheceu poetas e cantadores que viviam ao redor de Campina Grande no final da década 1930: Heleno Belo, agricultor do sítio Covão (fora grande glosador), Joaquim Marques, agricultor, cantador diletante que não fazia profissão, do Genipapo, Severino Roque, agricultor no sítio Alvinho, e os cantadores Agostinho Lopes dos Santos e Generino Francisco Gregório (Estrelinha), do sítio Zé Velho de Queimadas.
No final daquela década, o cantador José Alves Sobrinho começou a vender folhetos nas feiras, e também nas cantorias, onde o povo pedia para ele cantar, decorado, os romances de José Camelo de Melo, entre eles, O Pavão Misterioso, e os de Leandro Gomes de Barros, principalmente Cachorro dos Mortos. José Alves Sobrinho foi morar em Patos das Espinharas, no final da década 1930, quando fez uma cantoria de viola com Zé Limeira, de quem Zé Alves dizia ter ido consagrado impropriamente “poeta do absurdo” pelo poeta Orlando Tejo. Ele conhecia Zé Limeira desde 1937, já muito prestigiado em Várzea da Jurema, a ponto de qualquer cantador de fora temer surra dele em cantoria. “Eu tratava o moreno muito bem, e ele a mim com a mesma cordialidade. Ganhamos cinquenta mil réis nessa cantoria e fiz uma boa camaradagem com o povo do lugar”, diz Zé Alves, afirmando que Zé Limeira jamais cantou os absurdos que Orlando Tejo escreveu no seu livro sobre o poeta. www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 47
Artes em movimento
Safra de algodão e cantadores Na década 1940, entrando a safra do algodão no sertão, Patos era o lugar de convergência dos cantadores se encontrarem, formarem duplas e se destinarem para os sertões mais distantes. Chegavam a Patos cantadores da Paraíba, Pernambuco, os irmãos Batista, Lourival e Dimas, da vila de Imburanas (Itapetim) e de São José do Egito. De Campina Grande, Elísio Félix (Canhotinho), Machadinho e Estrelinha. De Santa Terezinha e Piancó vinham Manuel Dionísio (Canelinha) e Francisco Romano Neto, neto de Romano do Teixeira. Patos das Espinharas ficava cheia de cantadores de fora e também da circunvizinhança da cidade, que vinham formar duplas: João Severo, José Pereira Pequeno, Manga Rosa, Barramina, José Monteiro Guedes. As emissoras de rádio e a cantoria de viola A primeira grande reunião de cantadores de Campina Grande, organizada por José Alves Sobrinho em meados da década 1940, aconteceu no auditório do Círculo Operário da cidade, patrocínio da Perfumaria Invencível, de Manuel do Óleo, das firmas de Noujaim Habid, de A. C. Agra, e apoio do serviço de alto-falante A Voz de Campina, de José Jataí, e do jornal O Rebate, de Luís Gil de Figueiredo. Participaram dessa cantoria, com direito a cachê de 150 mil réis, além de José Alves Sobrinho, os irmãos Batista, Sebastião José, Lino Pedra Azul, Canhotinho e Estrelinha. 48 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
nto “Com negro não ca ciedamais/ Perante a so bide/ Estou dando ca m co mento/ E ele está u vo liberdade;/ Por isso r po me calar,/ Mesmo e” minha vontad (Romano de Mãe
d’Água)
No fim da década 1940, com o advento das emissoras de rádio no interior do Nordeste brasileiro, os cantadores logo viram o potencial do novo veículo para propagar a sua arte. Assim sendo, começaram a surgir programas de cantorias no rádio nordestino. A primeira apresentação de cantadores em emissora de rádio foi na Rádio Clube de Pernambuco, em 1946. Na Rádio Cariri de Campina Grande seria criado, em 1949, o primeiro programa de cantadores de viola do Brasil, O Sertão é Assim, em 1949, organizado pelo próprio José Alves Sobrinho. Nesse tempo ele substitui os irmãos Batista na Rádio Tabajaras da Paraíba, no programa A Voz do Sertão na Rádio Tabajara, onde houve boa audiência e muitas apresentações nas usinas e cidades
ma e cha ue m r nho oq “O se Pensand O / , ,/ o negr cabrunha brana m me home entes r de o h os d n se tem a pele é ó S co/ / Su eu unha ada/ E s e as ” m quei unha muito é testem lo ) cabe eira ngu i t a da C cio (Iná
paraibnas: Usina Santa Helena, Engenho Central, em Santa Rita, Mamanguape, Rio Tinto, Campina Grande, Itabaiana, Pilar, Sapé, Araçá, e outras cidades. O duelo lendário de Inácio e Romano A história da poesia popular registra um famoso duelo do cantador Inácio da Catingueira, escravo e analfabeto, e Romano de Mãe d’Água, em 1874, no mercado da cidade de Patos, que teria durado uma semana. A memória oral preservou alguns fragmentos de quadras da famosa peleja, como lenda, aproveitados posteriormente pelos poetas populares, entre eles, Leandro Gomes de Barros (pai da literatura de cordel), enaltecendo a vitória do fraco (o negro escravo) sobre o forte (o branco renomado poeta).
A toada da grande Campina Campina Grande é a cidade mais homenageada na música popular brasileira, na voz dos principais nomes de origem nordestina: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Marinês. Entre as músicas da MPB que referem à cidade Rainha da Borborema, a famosa toada Tropeiros da Borborema eleita por voto popular o segundo hino de Campina Grande, em 2005. Luiz Gonzaga, em suas turnês pelo Nordeste sempre teve Campina Grande em vista, atraído pela próspera cidade paraibana, suas importantes emissoras de rádio, sobretudo a Rádio Borborema (hoje Cidade) e a sua principal atração, o radialista e compositor Rosil Cavalcanti. O Rei do Baião gravara músicas de sucesso de Rosil Cavalcanti desde 1962, entre elas Ô Veio Macho, mas foi em 1964, que RCA Victor quis homenagear a cidade em seu centenário com a gravação de um compacto onde na voz de Luiz Gonzaga se ouvia Queixas do Norte e Tropeiros da Borborema, do outro lado do disco Marines interpretava Campina Grande Centenária e Saudade de Campina Grande. Embora figure no selo do compacto apenas nome do compositor Rosil Cavalcanti em Tropeiros da Borborema, na verdade o autor da letra é o poeta e então deputado estadual Raimundo Asfora. Acontece que Asfora não enviou a tempo a procuração para o devido registro autoral da toada no Rio, envolvido como ele estava na organização do centenário da cidade, daí a música só foi registrada no nome de Rosil Cavalcanti.“Rosil, grave esta música só em seu nome, rapaz! A gente ainda vai compor tanta coisa bonita adiante”, teria dito Raimundo Asfora. Eles jamais comporiam juntos.
Letra original de Tropeiros da Borborema, de 1964* -Burra! Se apruma Medáia! Estala arrelho marvado recordar hoje é meu lema Quero é rever os antigos tropeiros da Borborema São tropas de burros que vem do sertão Trazendo seus fardos de pele e algodão O passo moroso só a fome galopa Pois tudo atropela os passos da tropa O duro chicote cortando os seus lombos Os cascos feridos nas pedras aos tombos A sede, a poeira, o sol que desaba Oh! longo caminho que nunca se acaba Burra! Se apruma Medáia! Burra! Assim caminhavam as tropas cansadas E os bravos tropeiros buscando pousadas Nos ranchos e aguadas dos tempos de outrora Saindo mais cedo que a barra da aurora Riqueza da terra que tanto se expande E se hoje se chama de Campina Grande Foi grande por eles que foram os primeiros Oh! tropas de burros, oh! velhos tropeeeiros -Burra! Se apruma Medaia! Que é isso Medaia! Tu nunca visse luz eterna? Oia o acêro da Medaia! Burra! Tarás feito muié dama quando vê caixeiro viajante! Se apruma Medaia! *A regravação da toada Tropeiros da Borborema no disco Luiz Gonzaga O Homem da Terra (1980) é definitiva na interpretação marcante de Luiz Gonzaga, e na beleza do arranjo musical.
Francisco Antônio Vieira da Nóbrega
Jornalista - Se dedica, atualmente, a dois projetos culturais voltados ao Rei do Baião, Luiz Gonzaga
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 49
Artes em movimento
O Lado B de
Sangue sobre a sua fronte, seu olhar distante muito além do céu Tanta gente se mal diz e não traz na cabeça o peso de um chapéu Ê meu pai, meu pai olhai pra nós Quem tudo vê tudo sabe, a boca não abre e a verdade dói
João Gonçalves
O duplo sentido surgiu na vida de João Gonçalves sem intenção, apesar de em um tom confessional o mesmo assumir que adora fazer músicas alegres, “Componho para alegrar o povo”, mas nem sempre isso foi compreendido. Na composição Minha Margarida, primeira musica de João Gonçalves a ser gravada nos anos 70, na interpretação do cantor Messias Holanda, a história de um pé de margarida roubado, presente de uma namorada de mesmo nome, poderia ser uma bela canção de um só metáfora, não fosse pela presença de um trecho em uma das estrofes que involuntariamente rouba a cena, melhor dizendo a canção:
TEXTO: RIBAMILDO BEZERRA
E
m tempos áureos, quando não existia uma militância tão severa com o humor, e o chiado do vinil ainda era um charme, podíamos falar do Lado B sem risco de sermos mal interpretados. João Gonçalves de Araujo, ou simplesmente João Gonçalves, o “pai” da Severina Xique-Xique, possui um lado B, sem malícia, o que, metaforicamente, diríamos o outro lado do disco. Conhecido como o rei do duplo sentido, também chamado de “cantor do minhocão” por causa da grande repercussão, em nível nacional, da música “Pescaria em Boqueirão”, João Gonçalves, acredite, possui músicas que fariam corar o mais debochado dos fãs pela força imagética e lúdica traduzida na sua verve poética. A sua poesia não é acadêmica nem tampouco burilada em uma sensibilidade densa, João é um poeta tão prático quanto seu olhar para a vida. “Para mim, poesia é aquilo que podemos dizer rimando, e não se fabricam poetas, estes já nascem prontos”, afirma. Em 43 anos de carreira, com mais de 780 músicas editadas, o humor sempre foi a bússola de João Gonçalves, mesmo quando não se evidenciava em suas letras. Uma das suas mais belas canções “Um lugar ao Sol”, imortalizada na voz de Dominguinhos, surgiu de forma inusitada:
Eu venho do sol ardente Procuro um lugar ao sol Eu sou um sobrevivente Da seca do seridó Não tenho pão nem abrigo Trouxe a família comigo Quero mudar pra melhor ... “Eu vinha do massapé para Campina Grande percorrendo duas léguas a pé, quando tive um desarranjo intestinal, e ali no meio do mato a música veio enquanto observava a natureza”,
Quem levou a minha margarida Não tem peito no coração Vou trabalhar de jardineiro; Planto um pé de pega-pinto Pra pegar esse ladrão
confessa João Gonçalves. Contemplar é um exercício pleno na vida de João Gonçalves, o cotidiano é a sua melhor aquarela onde as cores das alegrias e das dores se transformam na melhor ferramenta de um poeta, a experiência vivida ou imaginada numa espécie de catarse sensorial. A quebra da rotina frequentemente passava diante daquela imagem do cristo, a qual foi traduzida na canção “A verdade doi”, também gravada na voz de Dominguinhos:
Seu quadro em minha parede, deitei numa rede fiquei lhe olhando Contei mais de vinte espinhos em sua coroa chorei lamentando
Para maiores esclarecimentos, a planta pega-pinto possui esse nome por produzir pequenas flores que nem carrapicho e que cresce até 70 cm, os pintos do terreiros geralmente ficam presos na planta por suas finas penugens, até que alguém possa soltá-los. Intencionalmente, ou não, a música Minha Margarida selaria a marca de João Gonçalves para música de duplo sentido, uma espécie de preâmbulo para Severina Xique-Xique sucesso na voz de Genival Lacerda 4 anos depois, e Pescaria em Boqueirão, o primeiro sucesso na sua estreia no mercado fonográfico, ao gravar já como
cantor pela Tape Car em 1976. É neste período que uma espécie de Auto de fé de Barcelona*, ocorre na vida de João Gonçalves, quando três dos seus discos foram queimados pela polícia federal paraibana, em nome da moral e dos bons costumes, ficando proibido, inclusive, de fazer shows na paraíba. O motivo seria o refrão de uma das suas músicas que destacava “O bode comendo, acaba”, e olha que ele teria ido ao órgão federal para pedir previamente autorização para a venda dos seus discos. Como se não bastasse a revelia do olhar satírico de João Gonçalves para o nosso cotidiano, o então apresentador Flavio Cavalcanti, uma espécie de ‘fiscal’ da família brasileira, após fazer pesadas críticas ao cantor e compositor resolveu quebrar o LP Pescaria em Bouqueirão no ano de 1977. No ano seguinte, João Gonçalves não deixou por menos: mandou a resposta musicada e satírica no LP “ Nordeste de Hoje”
Bicho dos quadris de trinchete/Banguelo da venta de bolão/Um dia tu entra no cacete/Para não bancar o gostosão, / Bicho do sangue de procotó/Tu tiveste a ousadia De criticar meu forró!/Disse que sou mau compositor/Que bom mesmo é discoteque/Que xote não tem valor... Vai tomar banho na cacimba/Quando tu levantar os braços/Ninguém aguenta a catinga Parceiros como o médico José Moises e vozes como a do cantor Ademar Santana reverberam como ecos infinitos a musicografia de João Gonçalves, na qual não existe fronteira temporal. Da vida nenhum lamento, apenas saudade de um tempo que cumpriu seu papel ajudando-nos a amadurecer:
Os meus cabelos brancos desponta-
“Para mim, poesia é aquilo que podemos dizer rimando, e não se fabricam poetas, estes já nascem prontos” João Gonçalves
ram As rugas começaram a aparecer lembranças Que os anos me deixaram do tempo Ninguém pode se esconder É duro, mas é a realidade Herói é quem consegue envelhecer (Saudade da Mocidade – João Gonçalves – José Moyses) Como lenda viva entre os forrozeiros, João Gonçalves, tal qual a figura inteligente do bobo da corte, sempre incutiu duras verdades ditas de forma bem humorada. O que conseguiu na vida? A resposta mais parece poesia quando encontra o mote certo, “Minhas glórias foram muitas. E destaco que nos altos e baixos da carreira consegui criar meus filhos junto com minha esposa. Não fiquei rico com a música, mas vivo satisfatoriamente sem dever a ninguém. E os infortúnios foram por conta da falta de experiência”, pontua. A sentença reafirmada, tal qual suas canções, ensina que a vida também tem duplo sentido.
* Auto de Barcelona : queima em praça publica de 300 livros espíritas, em 1861, em Barcelona na Espanha. 50 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 51
Artes em movimento | Histórias Sensibilidade crônica e estórias
R, DE ROUXINOL TEXTO: MICA GUIMARÃES
E
ra manhã de sábado, de um sábado cinzento. Meu corpo, de ativo, ficou lento, e meu quintal de rouxinol cantou, tanto cantou. Exemplarmente, não era o meu quintal. O meu quintal sempre foi de muitos rouxinóis, mas, nesse dia, os meus estavam a sós. Era canto, era pio, era encanto, em todo recanto reclamando. Era uma ave adejando em prantos, e sob toda asa, tudo desolado. Era um pio, de espio, em pio sofrimento. Era tudo, enfim, ressentimento, que toda alma alada em desencanto. Era um verbo de declinação silente. Era tudo que podia dizer tudo em sendo mudo. Era uma fala com presente ingratidão. Era um rouxinol, gaiola ausente, porque não se pode prender a liberdade. E tudo havia, inclusive, um pranto dos céus, que, por desaguar nos bairros, inundou de dor toda a cidade. O que dirá um palco que viveu o fim do criador? Que faraó dirá “pirâmide existe?”. Que esfinge dirá “poeta foi!?”. Enigmática figura geométrica, que a tudo alcança em sua simetria, haverá um céu que engaiole um canto, canto que se refaz no ouvido amigo? E foi assim num deserto do há-de vir, que o que se foi é só porvir, na comunhão de ideais mumificados. E foi assim, e será sempre, como hieróglifo nunca desvendado.
Sina não se ensina; e só, é só, só caminhar. É companhia que em vão desvio se reencontra em caminho vão. É uma mão em constante contramão, que quebra a placa e diz melhor caminho. É o que nasceu pra dividir, pela certeza de se multiplicar. É soma que não vê subtração, pelo desejo de se fazer em mais somar. É distribuição, gratuito prêmio, que mais cresce em tanto mais dar. É São Francisco de luto, cantando o hino, que transformou em santo certo menino, que deixou lágrima incerta em cada olhar. Eu fui, e fiquei só contemplando o que a morte não alcança em pleno viço, porque de serviço em serviço, foi-se aquele que do povo é serviçal. Foi palanque, qual um ringue, muito lutou, foi vencedor, soube perder. Pois, se assim a terra está tão ressequida, saibam que é a chuva que cai e faz lembrança da semente sob o solo adormecida. E quem dorme no descanso do Pai para acordar, é semente, sempre semente, é sempre vida. E, nesse dia, o meu quintal mudo cantou, transformando em passarela os meus ouvidos, na pertinácia do meu rouxinol ausente, fiquei na solidão sem mais respaldo. Era só tristeza, era silêncio, era meu quintal sem fala, era Ronaldo. Rouxinol Ronaldo!
Mica Guimarães
Jornalista - Professor do curso de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba - Radialista
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 53
Artes em movimento
QUAL TEXTO: EVALDO DA NÓBREGA O Ventre que a vida germina, O Seio que a criança alimenta, A Mãe que o filho protege, O Pai que a prole orienta, A Mão que ao outro é solidária, A Estrada em que os pés enveredam, O Pássaro que ao voo dá asas, O Sol que a terra aquece, A Lua que a noite ilumina, A Estrela que no céu é bússola, A Montanha que acolhe a alvorada, O Dia que os raios solares enobrecem, A Primavera que as flores enfeitam, O Verão que o corpo rejuvenesce, O Mar que na areia se espraia, O Sonho que a vida inveja, O Vento em que as folhas flutuam, A Barca que aos mares se atira, O Ninho em que os ovos as aves aquecem, O Horizonte que as nuvens embelezam, A Criança que brinca de roda, A Mulher que pelo lar não esmorece, O Homem que pela família se engrandece, O Jovem de caras-pintadas de esperanças, O Ancião que na experiência da vida ensina, A Praça que é como um palco da liberdade, A Seiva que o gume do machado perfuma, A Chuva que molha e dá vida à terra, O Outono em que as árvores frutificam, 54 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
O Soldado que pela Pátria tomba, O Cão que pela fidelidade a vida arrisca, A Paixão que no peito arde cegamente, A Dor de amor que no coração explode, O Sorriso que nos lábios não conseguem esconder, O Amor que, por si, só é capaz de morrer, O Espírito que o corpo carrega, O Ódio que por amor se perdoa, O Abraço que põe fim à distancia, O medo que a realidade enfrenta, A Alegria que tristeza espanta, A Mágoa que de amargura nódoa, O Afago que a carícia não nega, O Irmão que no sofrer mais se aproxima, O Vaqueiro que à caatinga se entrega, O Nordestino que ao destino não foge, O Retirante que seu torrão não esquece, O Ombro amigo que na dor consola, A Despedida que a lágrima reflete, A Lágrima que no rosto escorre, A Criada que nossos filhos acalenta, O Aroma que tua presença denota, O Olhar que teus olhos percebem, A Alvorada que teu sono desperta, O Samba que ao asfalto desce, O Enfermo que o seu médico não esquece,
O Rio que o seu leito não abandona, O Cárcere que a liberdade nos rouba, O Pôr-do-sol que é o acaso do dia que finda, O Amigo de que a lealdade é símbolo, O Sangue que as tuas veias aquece, O Lar que a família nobilita, A Surpresa que o coração ainda agita, A Morte em que a vida renasce na eternidade, A Sepultura que o passado encobre, A Bondade que o teu ser não esquece, A flor que a brisa perfuma, O Trabalhador que da luta não se cansa,... E, enfim, Qual este nosso Reencontro,... A Saudade de ti, querida MESTRA, Em que nesta tua presença se dissipa, A Felicidade que teu sorriso nos dá, A distância que este Reencontro vem supera, Por Deus, qual seria o outro “QUAL”, enfim, que neste Singelo poema, por certo, eu pude ter esquecido?
Dr. Evaldo Dantas da Nóbrega
Médico cooperado da Unimed Campina Grande - Escritor membro titular das APMED, SOBRAMES/PB, ALCG e IHCG
Artes em movimento
U E EU
JUSTIFICATIVA DO
TEXTO: MARINALVA FREIRE
A
ugusto dos Anjos escreveu apenas um livro através do qual se imortalizou. Sua publicação ocorreu em 1912, sendo, porém, relegado pelo público e pela crítica porque, se ainda hoje o poeta é demais para a nossa época, sendo grande o esforço dos literários no sentido de erguer a tesoura para cortar a sua singularíssima poética, muito menos o público e os especialistas da área, da primeira década do século passado. Augusto dos Anjos não se filiou particularmente a escola literária alguma; não obstante, assimilou a filosofia da escola expressionista alemã, da qual bebeu todo o vigor potencial e existencialista, fortalecendo-se para lançar ao mundo o seu “eu” através da poesia. Ao mesmo tempo em que Augusto publicava o EU, a Alemanha editava o primeiro livro expressionista, razão por que, possivelmente, não obteve a repercussão merecida, o que está sendo reparado hoje em dia, especialmente pelos críticos literários brasileiros. Além disso, a Paraíba, o Brasil, o mundo estava atravessando um período de transição, de conflitos. A cultura estava relegada, pois, pelo clímax político-ideológico da época. Mesmo assim, a sua obra representativa do espírito da época pode ser considerada parnasiana, coroada por aspectos simbolistas, abrindo horizontes para uma modernidade literária que confundiu e divergiu os
críticos, provocando acirradas polêmicas. Raros foram os elogios e muitas as contestações. Apesar de ainda não ter sido totalmente digerido nem pelo público nem pela crítica, atualmente, o poeta do EU, é bastante lido e comentado (até nas mesas dos bares), por representar um leque de opções para estudos profundos, tanto no âmbito da literatura, como em outros ramos do saber, a exemplo da medicina, psicologia, sociologia, metafísica e do próprio misticismo religioso. Assim, o título do livro vale por uma autopsicologia. É um monossílabo que fala. O EU é Augusto, sua carne, seu sangue, seu sopro de vida. “É ele integralmente, no desnudo gritante de sua sinceridade, no clamor de suas vibrações nervosas, na apoteose de se sentir nos alentos e desalentos de seu espírito” (ANJOS, 1971, p. 33). Analisando-se detalhadamente a poesia, encontra-se refletida a imagem do trágico inerente ao poeta; aquela própria e singular amargura que o caracterizou. “Foi um extraordinário, destes de boa estofa para os quais a mentira não oferece gosto, só desgosto” (ANJOS, 1971, pp. 33-34). No poema “Monólogo de uma Sombra” há trinta e três estrofes, imperando angústias e vinganças, provando que a
angustiante sombra que fala, parte “das outras eras, do Cosmopolitismo das moneras” (ANJOS, 1971, p. 51). Examinando o EU, conclui-se que o livro contém, além de espírito crítico e sensibilidade, erudição e fulgores, por vezes, geniais. Verifica-se, ainda, que o poeta soube traçar parte de sua própria biografia, através de poesia. Por meio dos versos, ele deixou a marca dos atos importantes assinalados durante a sua breve existência. Quem se dispuser a escrever um estudo sobre a personalidade do autor em foco encontrará farto material, muito útil a um ensaio ou interpretação. A postura existencial do poeta lembra, certamente, o inferno do cientificismo naturalista – uma angústia profunda diante da fatalidade que arrasta toda a
carne para decomposição e morte. Todavia, já não será correto falar em Spencer ou em Haëckel para definir bem a cosmovisão de Augusto dos Anjos, mas no alto pessimismo romântico de Arthur Schopenhauer, que identifica, na vontade de viver, a raiz de todas as dores, de todos os males. O poema “As cismas do Destino” é um pouco da autobiografia de Augusto dos Anjos; a melodia de seus versos moldados traz uma grande extravagância estilística, a ponto de descortinar o véu da harmonia poética da época: O EU é a revelação do conhecimento científico profundo de que Augusto dos Anjos, “o poeta do cientificismo” é dotado: Através dele, o autor expressa uma imensa inquietude, uma necessidade de
solucionar seus próprios dilemas – encontrar-se para realizar a sua personalidade. Daí, haver assimilado a poesia de mistura com a confidência e a ânsia: o seu interior já assinala o que ele próprio produziu. Foi grande a sua luta em busca de um paraíso perdido, na concepção de Proust. A interrogação absorve-lhe a arte. Deixa-se conduzir na humildade que as variações cósmicas criam com a contemplação. Entretanto, buscando fórmulas e princípios para o conhecimento da existência, na verdade, desejava apenas resolver o enigma que o surpreende dentro de si mesmo. Ao colocar em seus poemas atos de exímia criação, procurando a ausência de si mesmo, Augusto deseja ser outro, evadir-se e o consegue através de sua www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 57
Artes em movimento
obra; ele foge da existência rotineira, comum aos homens comuns. Teve, contudo, energia suficiente para extrair da verticalidade a linha horizontal em que vê o homem situado numa eterna aflição de amortecer o sofrimento, justificá-lo, já que nem sempre pode eliminá-lo. Augusto dos Anjos realiza, por conseguinte, um paradoxo, porque, largado do mundo fundamental, resgata-o para encontrar-se; perde-se e reencontra-se; foge da superfície e embrenha-se na unidade originária e, depois, no choque com o ambiente e que o cerca, cede e verifica, por fim, que, entre os dois pólos, há a necessidade de harmonia. Nessa confluência de limitação, sentindo a presença do tempo, e não podendo sufocar as exaltações poéticas, outra alternativa não se lhe apresenta senão a de criar para justificar-se. Este é o trágico drama de muitos poetas que se surpreendem refletindo na consciência e na sensibilidade lírica, como uma sombra provisória em conflito, com as palavras originárias do fenômeno cósmico. Foi exatamente o que Augusto dos Anjos procurou fazer: criar e transportar, da estrutura profunda para a superficial e vice-versa, as imagens, ideias e pensamentos para dentro desse complexo mundo; cultivar o contraste que, por vezes, surge em cores carregadas de negro ou de alvura nitente. O certo é que a sua arte comove porque se adentra nos mistérios e nos simbolismos sem perder a clareza emotiva, o que é possível a espíritos iluminados cosmicamente. O tempo se encarregou de demons-
trar o que o EU continha de novo para a literatura brasileira, uma original mensagem e, se fosse contrário, por certo, atualmente, não despertara tanto entusiasmo como fonte de sensibilidade poética, pois, à proporção que se avança no futuro, mais se acentua, de força de Augusto dos Anjos através do EU. Mostrando extraordinário preparo intelectual para a idade que tinha, e, assim se amplia ainda mais seu valor eloquente na galeria dos poetas brasileiros sensíveis às belezas do mundo. No poema “A Ilha do Cipango” (Anjos, p. 148), encontra-se muito retirada a sensibilidade do poeta às pequenas belezas. Talvez, os momentos menos infelizes que teria passado ao lado dos familiares, no Engenho Pau d´Arco. Mesmo que o poeta negue o amor, não pode negar que lhe fora vítima, pois sempre o revela em alguns dos seus poemas. O citado poema traduz parte da sua biografia, faz referência à felicidade que lhe fora negada, no momento em que usufruía das delícias do amor. Este poema é bem o Pau d`Arco, considerado por muitos estudiosos da literatura, como a pasárgada onde o poeta vivera os melhores dias, quando o pai mandava para ser obedecido, quando tinha toda a família reunida patriarcalmente; quando ensinava aos filhos com disciplina infatigável, tornando parte nas festinhas religiosas e participando no ensinamento dos primeiros amores, cujos fracassos fizeram sofrer tanto aquele mais sensível dos filhos que foi Augusto dos Anjos.
Marinalva Freire da Silva
Doutora em Filologia Romântica - Escritora - Tradutora Membro da IWA, Ohio, USA
ETERNO VOO DE UM GRANDE AMOR A INCRÍVEL ESTÓRIA DE UM PAVÃO MISTERIOSO TEXTO: JOHNIERE ALVES RIBEIRO
J
á são mais de cem anos da Literatura de Cordel em solo Nordestino. E mesmo em tempos de alta tecnologia e dos e-book´s - ameaçando o futuro do livro impresso-, nos impressiona o fôlego com que chega os “antigos folhetos de feira” em pleno século XXI. Literatura de Cordel, que, com certeza, é uma expressão artístico-cultural eminentemente nordestina, e, por que não dizer, paraibana, visto que o nosso estado é o berço dos maiores cordelistas que já existiram em toda a história do gênero, como é caso de Leandro Gomes de Barros - aclamado por Carlos Drummond de Andrade como “ o rei da poesia do sertão”-, que lançou no mercado mais de quinhentos títulos, e de José Camelo de Melo Rezende, este foi o autor do grande clássico O Romance do Pavão Misterioso, do qual comentaremos adiante. Já Leandro Gomes, acredito, foi “avôhai” de todos os poetas de cordel.
O Romance Pavão Misterioso é sem dúvida o cordel mais conhecido de José Camelo de Melo Rezende, é um dos folhetos mais lidos dentro e fora do Nordeste brasileiro. Tanto que não há uma ideia precisa da quantidade de tiragem desta história durante esses 86 anos de sua existência. Alguns pesquisadores mais ousados estimam uma média de mais mil tiragens desde sua primeira publicação. Sem dúvida é um best-seller da Literatura Brasileira. O enredo do cordel que teve sua primeira publicação em Cordel na década de 20 do século passado nos apresenta a historia de uma rapaz, chamado Evangelista, que ao contemplar a beleza de Creuza, donzela conservada prisioneira pelo conde (seu pai), sente-se invadido por um forte desejo: tirar a moça do sobrado do conde e tomá-la como mulher. Evangelista foge com Creuza, ajudado por um pavão mecânico Em um dos trechos do cordel o reino onde vive a donzewww.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 59
Artes em movimento
O fantástico criador do pavão José Camelo de Melo Rezende (1885- 1964) nasceu em Pilãozinho e morreu em Rio Tinto na Paraíba. Homem simples, mas dono de uma sensibilidade e percepção de mundo incrível, basta percebermos a visão que ele descreve a Turquia e a Grécia na sua obra mais famosa, através de uma narrativa envolvente que nos torna cúmplices de uma grande história de amor. José Camelo era cantador e poeta, mas não escrevia suas composições - guardava-as na memória para cantá-las onde quer que se apresentasse.
la está em festa,isto porque Creuza enquanto prisioneira o pai só lhe permite uma aparição pública por ano, o que justifica aquele dia especial : “As duas horas as tarde/Creuza saiu à janela/ Mostrando a sua beleza/Entre o conde e a mãe dela/Todos tiraram o chapéu /Em continência à donzela” No ápice do enredo Evangelista, com aquele pássaro misterioso, voa até o castelo e depois de algumas tentativas consegue convencer a bela princesa a voar e fugir com ele: ”A moça interrogou-o/ Disse: – Quem é o senhor/Diz ele: – Sou estrangeiro/Lhe consagrei grande amor/ Se não fores minha esposa/A vida não tem valor”. INFLUÊNCIAS A PARTIR DO ROMANCE DO PAVÃO MISTERIOSO O Romance do Pavão Misterioso nos chama atenção por encerrar em si um paradoxo interessante, pois mesmo sendo um enredo tradicional da cultura popular, consegue beirar o que ficou conhecido, no meio acadêmico, como Literatura Fantástica. Isto porque, em seus versos podemos notar um misto de tecnologia, ciência e uma exposição clara de elementos ligados à mágica. Tais elementos agregam valor àquele estranho objeto – um aeroplano desmontá60 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
vel - criado no enredo pelo Engenheiro Edmundo. Quem lê a história perceberá que o tratamento ofertado à ciência, no interior da história de José Camelo, foge daquele perfil positivista/determinista – tão em voga no período em que o folheto foi lançado, em 1929 - e assume um quê de magia e, assim, realiza prodígios, aponta soluções apresentando estratégias para que João Evangelista consiga o objeto de desejo: sua amada Creuza. A ciência, portanto, acaba se tornando uma espécie de varinha de condão “ofertada” por Edmundo a João Evangelista, retomando uma concepção subjacente em muitos contos da literatura infantil. Acreditamos que estes motivos fazem com que O Romance do Pavão Misterioso tenha conseguido um voo eterno, chegando até nós como um fascinante enredo e inspirando autores da contemporaneidade a criarem músicas, peças de teatro, novelas (como é caso d´A Botija de Clotilde Tavares, Arievaldo Viana, reconta o folheto em uma nova versão) tomando por base os fantásticos
versos de José Camelo de Melo Resende. Este voo pode-se perceber até mesmo em algumas novelas televisivas, que também já beberam direta ou indiretamente dos versos deste tipo de literatura. Tomando por “mote” personagens, ambientação, enredos, dentre outros aspectos peculiares a este mundo dos folhetos de feira ou do romance aqui em questão. Foi o caso de Saramandaia, do dramaturgo Dias Gomes, exibida em 1976, que tinha como trilha sonora de abertura a música “Pavão Misterioso”, do compositor Ednardo (epígrafe que abre o texto). Ainda no campo musical, não podemos esquecer da “Canção da despedida”, de Geraldo Azevedo, que ao criticar a Ditadura Militar, faz uma alusão – mesmo que indireta – ao folheto, nos seguintes versos: “Um rei mal coroado/ Não queria/O amor em seu reinado/Pois sabia/Não ia ser amado”.
Johniere Alves Ribeiro
Mestre em Literatura e Interculturalidade - Professor de língua portuguesa
Os ecos poéticos
no registro imaginário do nosso povo TEXTO: RIBAMILDO BEZERRA
Q
uando tratamos de memória e cultura popular, a justiça pode ser cega, mas no mesmo contexto a injustiça é certamente surda. Explica-se. A oralidade, tão presente na poesia popular nordestina, com raízes no trovadorismo europeu, e que aqui na Paraíba teve no poeta Leandro Gomes de Barros seu maior representante, não fosse a importância dos seus registros escritos, muita coisa teria se perdido. Na escala do tempo, e na rota da memória, na força do mote de improviso que permeia a historia dos cantadores de viola e poetas declamadores; se não houver registro, muita coisa se perde e injustiças certamente acontecem. Na obra Dicionário Temático da Poesia Popular, do jornalista, pesquisador e poeta Rui Vieira , é possível se inserir, nesse ‘desleal’ resgate, tendo à frente este abnegado ‘“arqueólogo’” dos versos e de autorias perdidas, que, ciente do seu papel, reconhece que existe muita coisa a ser descoberta. O livro que ultrapassa 1.000 temas, distribuídos nos verbetes assinados por mais de 400 poetas da região nordeste, foi
construído na função de desafio imaginário do autor de reter nas suas 414 páginas o supra sumo da vasta temática poética registrada em livros ou cordéis, ou presente na memória do povo nordestino. No livro, é possível conhecer histórias sobre a importância do Poeta Ivanildo Vila Nova, que, depois de Pinto do Monteiro, é considerado um dos mais importantes improvisadores no campo da poesia popular. Através do vasto conhecimento cultural, Ivanildo representa a luta pela valorização da classe dos cantadores ao impor limites de tempo de apresentação dos poetas nas Cantorias. Antes, sem horário certo para as apresentações, muitos poetas repentistas perderam a voz, ao ultrapassar horas da madrugada cantando em espaço aberto e sem microfone. Este foi o destino do poeta José Alves Sobrinho, que se transformou em pesquisador ao abandonar a cantoria e a viola, descrevendo o seu drama em versos:
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 61
A obra, em mais de 400 páginas, é um verdadeiro resgate da cultura nordestina, abordando a vasta temática poética registrada em livros e cordéis
Eu também fui cantador Repentista e violeiro Todo Norte brasileiro Inda lembra sim senhor O meu nome, o meu valor, A minha voz estridente, Porém, repetinamente, A mão do destino atroz Arrebatou minha voz Deixei de cantar repente Na obra é possível saber que, historicamente, a primeira cantoria é datada do ano de 1870, na cidade de Patos, na Paraíba, entre Romano de Teixeira e o cantador escravo Inácio da Catingueira. Foi em Patos, por volta de 1910, que nasceu Francisca Maria da Conceição, a Chica Barrosa, a primeira mulher violeira, que, à frente do seu tempo, bebia, jogava sinuca e fazia repente de qualidade, morrendo assassinada mas imortalizando sua obra. Teixeira, cidade paraibana foi berço, no século XIX, de importantes nomes da Cantoria, terra onde viveu Agostinho Nunes da Costa (1795-1858), o qual é tido como pai da poesia popular e Leandro Gomes de Barros (19.11.1865/04/041918) que, mesmo nascido em Pombal, mudou-se, ainda criança, para Teixeira. De Teixeira para Pernambuco, Leandro, aos 15 anos já carregava, na memória lúdica, o conhecimento de vários cantadores e poetas ilustres daquela região. Pelo seu 62 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
vasto conhecimento em abraçar várias temáticas, Leandro assim mesmo se descreveu em um dos seus cordéis : Leandro Gomes de Barros Escritor Paraibano No ofíicio de escrever Trabalha com calma e plano Tem fama de repentista Escritor e romancista Tem folhetos mais de mil É, ainda no Brasil, O seu primeiro humorista Tamanha foi a produção de Leandro Gomes de Barros, assim como extensas foram suas histórias e temácticas que até mesmo Carlos Drummond de Andrade, em 9 de setembro de 1976, em crônica publicada no Jornal do Brasil, o batizou de “Príncipe dos Poetas”: “Não foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro” destacou. Mas é pelas mãos do poeta Rogaciano Leite (1920 – 1969) poeta, escritor orador e premiado jornalista, que a poesia popular sobe aos palcos do Teatro Santa Isabel em Recife, no ano de 1948, com a força do I Congresso de Cantadores Repentistas do Brasil. Um sucesso tamanho que o teatro teve que fechar as portas, tão grande era o volume de público. O êxito teve
o endosso do escritor Ariano Suassuana que, dois anos antes, teria promovido uma cantoria naquele palco, além do apoio do ilustre e já falecido políitico pernambucano Miguel Arraes, na época, Secretário de Estado. Mas são os motes a grande sacada deste importante trabalho de pesquisa de Rui Vieira, a exemplo da homenagem póstuma ao poeta Severino Ferreira, que, vitima de um acidente de automóvel, teve seu nome dado a uma palmeira na casa do cantador em Teresina no Piauí. Coincidentemente, a palmeira também começou a definhar, um mote mais do que provocador para o poeta Moacir Laurentino: Essa placa tem nome De quem se foi e não vem, Mas com o peso das letras Do nome que a placa tem, A palmeira entristeceu Findou morrendo também O grande mérito de Rui Vieira é a ousadia da pesquisa, mesmo sabendo que o resgate total é uma tarefa hercúlea e utópica. Mas assim é o coração de um poeta, não encontra limites para seus sonhos, pois verseja sempre sob a palmilha dos desejos e devaneios, não encontrando distâncias, bastando ser provocado em sua impulsiva sua sensibilidade. De Leandro Gomes de Barros a Manoel Monteiro, o processo singular da criação poética é registro a ecoar no tempo; um filtro comum traduzidos nos versos do próprio Rui Vieira, o processo de gestação dos versos: Eu sei que os versos nascem Bem dentro do Coração, É um braseiro constante Nem precisa soprar não, Basta um vento de amor, Ou um sopro de paixão.
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 63
Artes em movimento | Histórias e estórias
COMO A POESIA
entrou na minha veia TEXTO: JOSÉ NETO
A
poesia entrou em mim e se incrustou nas hemoglobinas que circulavam no meu sangue, desde a minha infância. No período de férias, passava quase todo na fazenda, só indo à cidade nos finais de semana. Durante o dia, quando íamos campear o gado, ouvia os vaqueiros cantando aboios e toadas, ainda tenho gravada, na mente, parte da “Morte do vaqueiro”: ... - Bom vaqueiro nordestino/ morre sem deixar tostão/ o seu nome é esquecido/ nas quebradas do sertão/ nunca mais ouvirão/ seu cantar, meu irmão... E “Carmelita” quando dizia: ... - Carmelita quando via seu amor verdadeiro/ todo vestido de couro/ começava no desespero/ minha mãe deix’eu ir embora/ na garupa do vaqueiro./ O vaqueiro adoecendo joga seus couros na cama/ pelo campo o gado urra/ como quem por ele chama/ na porteira do curral/ berra toda bezerrama... 64 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Eduquei os meus ouvidos às músicas de cantorias, ouvindo “os feras” da viola: Ivanildo Vila Nova, Moacir Laurentino, Geraldo Amâncio, Severino Feitosa, Arnaldo Cipriano, Sebastião da Silva, Louro Branco, Oliveira de Panelas, Miro Pereira, Pedro Bandeira e tanto outros. Violeiros que sabiam falar sobre as coisas do campo e da natureza, com palavras tão simples e de uma forma tão sublime, demonstrando uma inteligência incomparável, porque não dizer: invejável! À noite, antes de dormir, ficávamos olhando para o céu mais lindo do mundo, todo preto com a Via Láctea com milhões e milhões de diamantes espalhados, cintilando e alimentando os nossos sonhos e ilusões que podem virar realidades que basta você crer. Em nenhum lugar do mundo tem céu mais bonito como o céu da Fazenda Capim Grosso. Tudo lá era o mais bonito do mundo. No céu límpido, víamos aque-
la farinha delas a brilharem e tínhamos medo de contá-las apontando com o dedo, pois poderia criar verrugas no corpo. Depois, deitávamos em nossas redes, no alpendre, em forma de L, da “Casa Grande” a qual ficava olhando para o nascente, a sua esquerda, um engenho de cana de açúcar, à frente um grande baixio circundado por grandes pés de juazeiros, à direita um açude, local que dava água ao gado, tomávamos banhos nus e banhávamos os animais no final da tarde. No limite entre o terreiro da casa e o baixio, havia vários pés de juás. Na sombra do frondoso juazeiro maior, ficava, embaixo, o carro de boi, cujo carreiro ajudei muito ao encostar a junta de bois para colocá-la na canga do carro; os menores ajudavam amarrando os cavalos selados dos vaqueiros e do pessoal que vinha visitar o meu avô. Ao lado do alpendre ficava o curral de gado que, ao amanhecer, os chocalhos das vacas serviam de despertadores para podermos ir tomar o leite morno tirado do peito das vacas. À época, a fazenda não tinha energia elétrica, a luz provinha do candeeiro. Antes do sono, uma certeza: começávamos a cantar aboios, eu, meu irmão José Augusto, meus primos e os filhos dos vaqueiros. Cada um de nós cantava um aboio e o outro respondia. Lembro-me ainda destes: - Bezerro de vaca preta/ onça pintada não come/ quem casar com mulher feia/ não tem medo d’outro homem/ quem casar com mulher bonita/ leva chifre e passa fome, Ôôôôôô... Outro respondia: - Menina me dá um beijo/ só não quero no pescoço/ quero no bico do peito/ no lugar que não tem osso/ para quando eu ficar velho/ me lembrar do tempo moço, Ôôôôôô... Mais outro aboio se ouvia: - Meu cavalo e a mulher/ morreram no mesmo dia/ do cavalo eu tive pena/ da mulher tive alegria/ cavalo
bom é difícil/ mulher se encontra to’dia, Ôôôôôô... Tudo isso sentindo o aroma que se espargia das flores plantadas em volta da Casa Grande de Bom Dia e Boa Noite. Hoje, cheguei à conclusão que para você ser feliz, não precisa ter muito dinheiro, a felicidade é um fruto que se colhe da felicidade que se semeia. Criei-me com a poesia correndo nas minhas veias. No período de estudante secundarista, tinha uma imensa admiração pelos poetas Olavo Bilac, Castro Alves, Gonçalves Dias, aprendendo deles várias e várias poesias que ainda declamo por onde passo. Depois fui gostando de ler e aprendendo poesias de cunho mais popular, dos poetas: Ronaldo Cunha Lima, Augusto dos Anjos, Patativa do Assaré, José Alves Sobrinho, Otacílio Batista, Edvaldo Perico, Rogaciano Leite, Cego Aderaldo, Cancão, Jansen Filho, Pompílio Diniz... Mas, o que mais foi incisivo para mim, foi o vate de Puxinanã, José Laurentino da Silva. Um poeta de uma forma singular, esse aedo faz crônicas em forma de poesias e de cunho social, colocando uma mensagem reflexiva. Tenho muito delas decoradas, recitando-as quando existe uma oportunidade. Sua poesia está disponível em discos de vinil, em CD e em vários livros publicados para as novas gerações conhecerem, como: Coletânea Poética de Zé Laurentino. Nesta obra estão reunidos mais de 200 poemas escritos durante a vida desse paraibano. Na coletânea estão os poemas mais conhecidos: Eu, a cama e Nobelina; O mal se paga como o bem; Mudança de Chico Bento; Esmola pra São José; Lição do gato; Matuto no futebol; Existe felicidade e tantos outros, publicados anteriormente nos seus nove livros. (Sertão, humor e poesia – 5 edições/1990); Meus versos feitos na roça; Carta de matuto; Na cadeira do dentista; Poesia do sertão; Dois poetas, dois cantares (Parceria com Edvaldo Perico);
Ivanildo Vila Nova
Cego Aderaldo
Geraldo Amâncio
Rogaciano Leite
Oliveira de Panelas
Artes em movimento | Histórias e estórias
INVEJA DO CÃO
A grande história de amor de Edmundo e Maria (Cordel); Poemas, prosas e glosas (1988). Neste artigo, deixarei publicada esta:
66 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
Doutor, não sou invejoso mas tem coisa que enseja, a quem não é invejoso, um dia sentir inveja. Inveja é uma desgraça. Dela tenho medo e corro mas vou lhe contar um “causo”, pois, se não contá-lo morro: é que um dia eu senti muita inveja d’um cachorro. Mas pra que o senhor entenda o “causo” que eu lhe ofereço, vou lhe contar uma estória “principiando” do começo. Um dia, de manhãzinha, amanheci com a dor, e eu não queria ir, mas eu fosse ligeiramente me consultar com o doutor. Fui bater no hospital do Dr. Evangelista, cheguei lá e disse: - Bom dia – ele me ergueu a vista. E eu estava tremendo que só quem tá com maleita, sentei-me na sua frente, o chapéu na mão direita, disse umas ou duas palavras, tava tirada a receita. Nem escutou minha queixa, não tirou minha pressão, não “encaicou” o meu “figo”, em mim não botou a mão. Vi, pela primeira vez, um Dr. Adivinhão. Eu quis falar com o doutor, de modo muito decente mas ele gritou bem alto: -Entra outro paciente! Eu saí sem “paciença”, inda muito mais doente.
Não confiei na receita do Dr. adivinhão, fui me curar com remédio que passou-me um charlatão.
Me perguntou pelos pais e pelos avós do cão, se ele já tinha cruzado, se ainda não tinha não.
Tomei uns chá de pião “vacideira”, quina-quina, porque remédio do mato É a maior medicina pra esses “caboco” pobre que nasceu com minha sina.
Depois de muita pergunta, que quase que eu não aguento, o Dr. passou enorme lista de medicamento. E uma grande dieta, dizendo: - Tenha cuidado, não lhe dê carne de porco, somente carne de gado.
Seu moço preste atenção, vá botando na memória, porque agora é que eu tô na metade da estória
Não pode dormir no chão, só beber água fria, tomar banho de água morna só duas vezes por dia.
Quando eu já tava curado, Meu patrão, Dr. Macário, mandou que eu levasse Black ao Dr. veterinário.
Enquanto o Dr. falava, dele eu não tirava a vista sem esquecer um minuto o Dr. Evangelista.
Black, seu moço, é um cão a quem meu patrão quer bem, que bonito igual a ele no mundo todo não tem.
Eu via tudo invertido, confesso sinceramente, o Dr. Absalão devia cuidar de gente.
Dr. Macário falou: - Caboclo, preste atenção, leve Black para a clínica do Doutor Absalão e eu levei com cuidado o cachorro do patrão.
O Dr. Evangelista, de quem às léguas eu corro, ele, sim, é que devia ser um doutor pra cachorro.
Quando nós chegamos lá, o Dr. tava esperando por mim não; pelo cachorro, foi logo lhe acariciando. Botou Black no colo, com a maior paciência, perguntou pelo seu nome, a idade, a procedência. Abriu-lhe a boca e os olhos e com uma luz vermelha, olhou a sua garganta, reparou suas orelha, as patas uma por uma, olhou debaixo do rabo mas quando ele fez isso o Black meteu-se a brabo.
Terminando a minha estória, faço esta confissão estou pra morrer de inveja do cachorro do patrão.
Dr. José Alves Neto
Médico Ultrassonografista - Cooperado da Unimed Campina Grande
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 67
Cidade | Urbe campinense
Conviva | Saúde alto astral
III CURSO DE GESTANTES
CANAÃ DE LEAIS FORASTEIROS TEXTO: GEORGE GOMES
O
ano de 1964 foi marcado pelas festividades em comemoração ao centenário de Campina Grande, embora a programação tivesse começado desde 1961. Durante o mencionado período, além de ter havido muitos eventos paralelos para a “espetacularização” do Centenário, várias obras sociais e culturais foram realizadas através das políticas públicas, tais como: as inaugurações de colégios, postos de atendimento ao público; calçamentos de algumas ruas de Campina Grande, além de festivais culturais, como teatro, danças, desfiles cívicos, dentre outras. Em meio a tantas obras efetuadas pelo Poder Público, houve a edificação de um conjunto monumental constituído de três grandes estátuas, tais que representassem as raças ou povos formadores da “urbe campinense”. As três estátuas representam três personagens fundadores da cidade, assim compreendidos: a colhedeira do algodão, que representa o momento algodoeiro de Campina Grande, principalmente até a metade do séc. XX; o tropeiro, como sendo aquele que veio de longínquas terras que negocia e contribui para o fortalecimento e expansão 68 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br
do comércio campinense; e o índio que, catequizado, tornou-se civilizado. Contar Campina Grande é também cantar seus becos, praças, ruas e avenidas; é, ao mesmo tempo, silenciar suas angústias e decepções; é fazer pose de mocinha mimosa, e a sua memória está presente na poética daqueles que, de longínquas terras chegaram e se agarraram ao firme torrão, tais quais: o cearense Fernando Silveira, que saiu de Fortaleza para morar em Campina Grande e escreveu o hino de declaração de amor à terra que se tornou sua, que se transformou no hino oficial da cidade pelo músico Antônio Guimarães saiu da cidade de Penedo, Alagoas para cantar Campina Grande, para declarar o seu amor que Campina era a “Canaã de leais forasteiros”. Campina Grande decantada pelo guarabirense, Ronaldo Cunha Lima. Seus bairros são decantados através
das mais variadas poesias, na maioria das vezes pelos “leias forasteiros”. “Eu fui feliz lá no Bodocongó, no meu barquinho de um remo só’’, escrita pelo cearense da cidade de Iguatu, Humberto Teixeira e pelo compositor Cícero Nunes, natural do Rio de Janeiro . “Bodó, Bodó, Bodó, Bodó-congó, no meu barquinho de um remo só” expressa o sentimento de saudade, da angústia de viver tão longe da Campina que se tornou deles. “Bodoncongó” chegou a ser interpretada pela conceiçãoense Elba Ramalho, pelo pernambucano de Exu, Luiz Gonzaga, e também pelo alagoagrandense (paraibano) Jackson do Pandeiro. Campina de tantos poetas! Os poetas que decantam, e os poetas que encantam!
O olhar sobre a Saúde é uma construção conjunta, portanto, a Unimed comunga com os Objetivos do Milênio, mais especificamente o 5º, Melhorar a Saúde das Gestantes; neste contexto, damos continuidade às ações de promoção da saúde realizando o III Curso para Gestantes, que tem, como objetivo, orientar, informar e esclarecer, aos futuros pais, qual a importância dos cuidados gerais ligados à maternidade antes e após o parto, através de palestras e aulas práticas. O III Curso de Gestante aconteceu nos dias 15 e 16 de maio no hotel Village. É um encontro aberto a todas as gestantes campinenses, clientes e não clientes Unimed, a nossa equipe multidisciplinar abordou os seguintes temas: Pré-natal; parto humanizado; aleitamento materno; nutrição da gestante, cuidados com o recém-nascido, paternidade, saúde bucal da gestante e da criança e caderneta da criança.
CORRA PELA VIDA No dia 7 de abril foi comemorado o Dia Mundial da Saúde, e não poderia ter tido uma celebração melhor. Mais de mil atletas prestigiaram, de forma participativa, a II Corrida da Saúde Unimed Campina Grande. Em sua segunda versão, o número de participantes dobrou de forma surpreendente. A corrida, que abriu o Circuito de Corridas de Rua de Campina Grande, mostrou a grande mobilização da comunidade campinense junto ao apelo da Unimed por mais qualidade de vida através do slogan “Corra pela vida, corra por você”. A corrida ofereceu duas modalidades de percurso, uma de 5km e uma outra de 10km sendo todas as baterias com largada no Parque da Criança, importante cartão postal da nossa cidade.
George Gomes de Araújo
Historiador - Pesquisador da Memória de Campina Grande
www.cg.unimed.com.br | Revista Conviver 69
Saúde alto astral
Por que Existem o Mal
e o Sofrimento Humano? TEXTO: LEANDRO GOMES DE BARROS
Se eu conversasse com Deus Iria lhe perguntar: Por que é que sofremos tanto Quando se chega pra cá? Perguntaria também Como é que ele é feito Que não dorme, que não come E assim vive satisfeito. Por que é que ele não fez A gente do mesmo jeito? Por que existem uns felizes E outros que sofrem tanto? Nascemos do mesmo jeito, Vivemos no mesmo canto. Quem foi temperar o choro E acabou salgando o pranto?
Leandro Gomes de Barros nasceu no sítio Melancia, município de Pombal (PB), em 19 de novembro de 1865, morrendo em Recife (PE), em 4 de março de 1918. Foi o primeiro a escrever e editar histórias versadas em folhetos. Até os 15 anos viveu em Teixeira, centro de poesia popular. Mudou-se em 1880 para Pernambuco, tendo vivido em Vitória de Santo Antão, Jaboatão e Recife. Começou a escrever em 1889 e, sobrevivendo de folhetos, sustentou uma numerosa família. 70 Revista Conviver | www.cg.unimed.com.br