Revista Conviver #21

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CONVIVER Uma publicação da Unimed Campina Grande | Distribuição Gratuita | Ano V | Número 21 | outubro de 2017

ISSN 1983-1102

RIO SÃO FRANCISCO

Cooperação A VIDA TEM SEDE DE

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A R T I S T A

P L Á S T

I C O


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DA

UNIMED

Rio São Francisco

A vida tem sede de cooperação

Anúncio

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T Dr. Francisco Vieira de Oliveira Presidente da Unimed

al qual o fluxo de um rio, seguir em frente é uma lei natural. A essência primeira da vida que nos impulsiona a desaguar no grande mar, chamado aprendizado. O Rio São Francisco traz em seu curso um conjunto de histórias, que convergem na essência primeira que é a integração de um povo. Sendo o maior rio totalmente localizado em território brasileiro, metaforicamente poderíamos afirmar que temos sim um cordão umbilical de uma extensão singular, 2,8 mil quilômetros quadrados, a unir uma pluralidade de várias culturas de um país com dimensões continentais. De Minas Gerais a Sergipe, o Rio São Francisco é cooperação em seu curso mais dinâmico, da água que mata a sede, a agricultura de subsistência e de exportação, ao peixe que alimenta. Não existem barreiras quando a força de cooperar sacia a sede do bem-estar coletivo. Esta força humanística não se perdeu com o tempo, e se mostra mais natural e orgânica do que nunca. Em um paralelo com este exemplo de solidariedade natural, a história da Unimed também tem o seu curso singular. Sozinhos, não teríamos construído uma história de prestação de serviço em Campina Grande, sem agregar e aprender com a pluralidade do nosso povo que tanto nos acrescenta. Como cooperativa médica tal qual a

força de um rio, dar vigor a vida é o nosso maior objetivo, afinal nos doamos para a maior de todas as causas: o seu bem-estar e a sua integridade. É no leito da cooperação que corre o sentindo soberano da integração, onde o interesse pela comunidade é elemento de sustentabilidade no crédito na convivência solidária alimentando assim, saudavelmente, o fértil solo chamado cidadania. A força do São Francisco também se faz presente na sua autonomia e independência, algo que ajuda a preservar suas nuances históricas desde os tempos áureos das navegações, ligando comercialmente povos de vários estados brasileiros. Como um dos sete princípios de cooperação, se manter autônoma e independente faz da Unimed um patrimônio de Campina Grande construído à base de muito trabalho e credibilidade. Nosso “rio” é constituído pela força dos seus mais de 600 “afluentes” - nossos cooperados. Médicos que somam forças há mais de 45 anos para que nosso curso desague neste imenso mar chamado saúde. A Revista Conviver continua sendo o termômetro do nosso tempo, nunca represando as vozes históricas de cada instante. Um espaço onde as letras se fazem sentimentos, e os sentimentos se materializam em ideias. Aqui a única sede que não se mata é a de conhecimento e cuidado. Boa Leitura!


ÍNDICE Matérias&Artigos

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31 PONTO DE VISTA

CAPA

A transposição do Rio São Francisco 50

O médico que recebeu a visita de Deus

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NOSSO PATRIMÔNIO

Matuto, logo existo PONTO DE VISTA

Transposições de uma partilha

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Dr. João Ribeiro, UM imortal na Medicina

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Açude de boqueirão - a vida de Campina Grande

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Posse na APMED

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As carrancas do São Francisco

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Convivendo com a água

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O mar não é azul, é azuis

30

Estiagem na Paraíba

40

De pés firmes, convivendo com a depressão

42

De narciso ao necessário

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Sou rio, a margem de mim

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Hidratação

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Você sabe o que é fome e sede? Sabe nada!

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Sob o signo do sol, até a água adormece e morre

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Para meu filho

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João do Vale não precisa ser descoberto, precisa ser cantado

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Aquele riso raso e profundo

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Cuscuz com tudo

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Ler | ver | ouvir


DIRETORIA 2014-2018 CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO 2014/2018 Presidente: Dr. Francisco Vieira de Oliveira Dir. Adm. Financeiro: Dr. Alexandre de Castro Batista Leite Dir. Médico Operacional: Dr. Norberto José da Silva Neto Diretora de Mercado: Dra. Teresa Cristina M. V. da Nóbrega VOGAIS Dr. Aurélio José G.de M ventura Dr. Carlos Alexandre G. de Araújo Dr. Expedito Nóbrega de Medeiros Dra. Gesira Soares de A. Florentino Dra. Waldeneide F. de Azevedo CONSELHO TÉCNICO E DE ÉTICA - CONTECE Dr. Antônio Roberto Vaz R. Filho Dr. José Bismarck Fernandes Dr. Juarez Carlos Ritter Dr. Márcio Rossani F. de Britto Dr. Rodoval Bezerra Cabral Dr. Saulo Gaudêncio de Brito CONSELHO FISCAL 2016 MEMBROS EFETIVOS: Diane de Sena M. Alves Terezinha de Jesus T. Rocha Leal Francisco Couto Bem MEMBROS SUPLENTES: Dagjane Martins Frazão Edilman Soares de Araujo Marcio Rogério O. Duarte ASSESSORIA JURÍDICA Dr. Giovanni Bosco Dantas Medeiros Dra. Ramona Guedes COMITÊ DE COMUNICAÇÃO Dr. Evaldo Dantas Nóbrega Dr. José Alves Neto Dr. José Morais Lucas Dr. José Moisés de Medeiros Neto DIREÇÃO/EDIÇÃO Dra. Teresa Cristina Mayer Ventura da Nóbrega Alice Rosane Correia da Silva Ribamildo Bezerra de Lima Ulisses Praxedes JORNALISTA RESPONSÁVEL Ribamildo Bezerra DRT 625/99 REDAÇÃO Ulisses Praxedes DRT 2787/08 FOTOGRAFIA Leonardo dos Santos Silva CAPA E PROJETO GRÁFICO Gráfica Moura Ramos ASSESSORIA DE MARKETING Alice Correia REVISÃO Eliene Resende CIRCULAÇÃO 2.000 exemplares Distribuição Gratuita ATENDIMENTO/ESPAÇO DO LEITOR (83) 2101.6576/6568 - revistaconviver@cg.unimed.com.br PARA ANUNCIAR (83) 2101.6580 - alice@cg.unimed.com.br A Revista Conviver é uma publicação sem fins lucrativos, custeada pelo material publicitário veiculado na mesma. Todo o conteúdo das matérias/artigos veiculados nesta edição é de inteira responsabilidade dos seus autores e não correspondem necessariamente à visão de mundo e opinião institucional da Unimed Campina Grande Cooperativa de Trabalho Médico Ltda.

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DA

REDAÇÃO

Uma Edição HISTÓRICA

A

expressão literária ‘marcar o tempo’ refere-se àquilo que é subtraído do contemporâneo para se eternizar por toda uma história, o que se eleva do cotidiano para se tornar algo memorável. No Brasil é a transposição das águas do Rio São Francisco, sonho secular de toda a região Nordeste que marca, sem trocadilhos, um divisor de águas na nossa cultura. Muito além do mérito político, é o viés social deste marco que evidencia as várias nuances da importância do elemento água na nossa vida cotidiana. O que é viver sem este precioso líquido? Por que o nordestino preserva sua fortaleza de esperança, mesmo em situações tão adversas? Que manancial se faz tão necessário para que a nossa sede de vida seja saciada? Nas palavras do médico e colunista Flawbert Antonio Cruz eis a profundidade que a questão propõe:“… pois que os homens perdidos sobre a superfície ensolarada da terra, feito as sementes jogadas no chão, brotam do tanto de água, do tanto de seiva, do tanto de sonhos, que a vida lhes transpõe...” A Revista Conviver traz nesta edição a perspectiva maior da cooperação como fluido universal entre os povos, um rio a nos unir, fertilizando seu curso com as nossas diferenças, onde o leito desta trajetória nos aponta o caminho que deságua no mar do crescimento e da evolução. A capa desta edição imprime o talento e a vivência do artista Fábio de Brito que traz em sua arte a proximidade com o desafio da transposição. Fábio, literalmente, mergulhou na problemática do recurso dessas águas acompanhando geográfica e cronologicamente o curso dessa história, materializando em suas criações toda a somatória dessa intensa pesquisa. A resistência do nordestino na limitação do uso da água ou na total falta desse bem é uma importante janela sobre a esperança da nossa gente. Esse sim é um importante referencial perene, que nunca seca. Fé, poesia e humor transformam-se numa espécie de tripé motivacional para o enfrentamento das adversidades. Se a questão é sorriso, nada melhor do que diluí-lo na bem humorada entrevista do nosso operário do riso, Nairon Barreto, que nas entrelinhas mostra que o seu alter ego Zé Lezin, que de raso não tem nada. E se existe algo que exija maior profundidade, a luta contra a depressão, o relato do professor Pablo Villaça vem balsamizar as nossas angústias mostrando de forma impactante e não menos motivadora o quanto a força do diálogo pode ser sim um manancial a saciar a nossa sede por mais compreensão. A Revista Conviver em cada artigo ou matéria busca ser a cooperação para que a aridez do conhecimento não turve a cristalina imagem que se faz toda vez em que é preciso progredir conjuntamente: o saudável senso de humanismo. Boa leitura! www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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COOPERADORES COLUNAS Unimed - Uma marca no seu tempo Dr. José Morais Lucas Médico Anestesiologista Cooperado Unimed Campina Grande Membro da Academia Campinense de Letras

Cidade – Que Grande Campina George Gomes de Araújo Rodrigues Pós-graduado em historiografia e ensino de História pela UFCG

Viver Bem - Natureza Médica Dr. Flawber Cruz Médico Pediatra Perito Médico do INSS Membro do Conselho Regional de Medicina

Nosso Sabor Marcela Cavalcanti Antunes Barro Nutricionista pela UFPB Curso Personal Diet – NTR cursos Especialista em Nutrição Clínica

Artes em Movimento - Histórias e Estórias Dr. José Alves Neto Médico Ultrassonografista Cooperado Unimed Campina Grande

ARTIGOS Hélvia Callou Poesia : "O Velho Chico" Professora – Poeta – Cordelista - Pesquisadora da Cultura Popular Dr.Evaldo Dantas da Nóbrega Artigos : "Posse na APMED / Convivendo com a água" Membro da Academia de Letras de Campina Grande Oficial Médico do Exercito Brasileiro Cirurgião Coloproctologista Presidente da Associação Médica de Campina Grande Dr. Edmundo Gaudêncio Artigo: "O mar não é azul, é azuis" Médico Psiquiatra – Professor - Doutor em Sociologia Ouvidor Geral da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Fernanda Figueiredo Artigo: "Estiagem na Paraíba – Cinco anos de uma SECA de ‘Gotas Serenas’ " Jornalista, Repórter do Jornal Correio da Paraíba Pablo Villaça Artigo: "De pés frmes, convivendo com a depressão!" Professor, escritor, crítico de cinema desde 1994, e diretor do site Cinema em Cena Dra. Aline Guerra Artigo: "Hidratação : seu corpo tem sede de saúde" Médica Endocrinologista Médica Cooperada da Unimed Campina Grande

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Clarisse Câmara Artigo: "Para meu filho" Escritora , Engenheira, pesquisadora e instrutora de Yoga Rosângela Alves Souto Artigo: "O caminho que leva ao sonho nordestino: a transposição do Rio São Francisco" Graduada em Ciencias Biologicas pela Universidade Estadual da Paraíba Mestre em Agronomia pela Universidade Federal da Paraiba Doutora em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande Lorena Tavares Artigo: "De Narciso ao necessário" Enfermeira graduada pela Universidade Estadual da Paraíba Pós-graduação em Estratégia de Saúde da Família e em Auditoria em Saúde, pela UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto). Enfermeira do setor de Promoção à Saúde da Unimed Campina Grande Johniere Alves Ribeiro Artigo: "Sob o signo do sol, até a água adormece e morre" Formado em Letras pela UCFG. Mestre em Literatura e Interculturalidade pela UEPB. Professor na área de Língua Portuguesa Fred Ozanan Ilustração: "Aquele riso raso e profundo" Cartunista, jornalista, designer gráfico brasileiro

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CONVIVENDO COM VOCÊ

O Velho

Chico

Hélvia Callou – Poeta

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Tu que nasceste mineiro Onde era festejado A festa se São Francisco Também foste batizado Com o nome deste Santo E Deus cobriu com o manto Este rio abençoado.

Tuas águas têm segredos Que carregam para mar. As Cachoeiras do progresso Onde faz a luz jorrar. Pelo santo São Francisco, Respeitem o Velho Chico Não deixem ele secar!

Saindo da sua foz Lá do estado de Minas Atravessa cinco estados Chegou até em Campina! Tuas águas benfazejas Molham as terras sertanejas Onde a luz do sol calcina.

Banhava só cinco estados Agora já banha seis Pois a nossa Paraíba Com a transposição dessa vez Trouxe pra nossa Campina Água limpa cristalina. Quanto bem ele nos fez!

Como o santo: São Francisco, Rico, mas serve a pobreza Dá vida aos Ribeirinhos Sem perder tua nobreza Saindo do Centro-Oeste Deu voz e vez ao Nordeste Com a tua correnteza

Precisa que os governantes E toda a população Que usam o Velho Chico Pra fazer irrigação Não envenenam o rio Comprem esse desafio Digam aos agrotóxicos, NÃO!

Ambição dos poderosos, Projeto dos visionários, Inspiração dos poetas, Dos saudosos, relicário, Fonte de todo o progresso Que banha nosso universo Místico, culto e lendário.

Use as águas conscientes Pra não faltar no futuro Pois o Nordeste é seco E se ficar no escuro? As águas estão baixando As hidrelétricas parando Não fique em cima do muro.

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UNIMED - UMA MARCA NO SEU TEMPO

DR. JOÃO RIBEIRO

Um imortal na medicina Dr. José Lucas – Médico

A

Dr. Joao Ribeiro uma história de pioneirismo na Psiquiatria Campinense

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história da medicina campinense estaria incompleta se não tivesse o currículo do Dr. João Ribeiro, médico formado em 1955, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, tendo retornado para Campina Grande, após se habilitar nas especialidades Neurologia e Psiquiatria. Depois da formatura, fez residência em Psiquiatria no Hospital da Tamarineira no Recife, tendo posteriormente adquirido os seus conhecimentos em Neurologia no Instituto de Neurologia do Rio de Janeiro, onde também fez residência médica. Para complementar os seus conhecimentos em neuropsiquiatria, também cumpriu estágio no Hospital de Psiquiatria Saul Pet-erre, localizado na França. Após se julgar habilitado, veio para a nossa cidade, onde, com o devido apoio do seu pai, Pedro Vaz Ribeiro, também conhecido como Sindô Ribeiro, fundou e administrou o ICARNEF-Instituto Campinense de Neurologia e Reabilitação Funcional, conhecido como Hospital João Ribeiro, inaugurado no dia 07/07/1963. Durante muitos anos foi uma referência local para pacientes desta área médica. Em tom de brincadeira, quando alguém percebia uma pessoa que mudava os padrões de comportamento, dando a impressão que não estava bem do juízo, falava, “Você deve ser internado no João Ribeiro (hospital)”. O Dr. João Ribeiro está com 87 anos de idade, pois nasceu em Massaranduba, que na época era distrito de Campina Grande, em 13 de maio de

1930. Já não exerce mais atividades médicas, vivendo atualmente para administrar o patrimônio que adquiriu ao longo da sua vida, curtir a família e alguns amigos. Este ilustre campinense é casado com Dona Ada Ribeiro, com quem teve dois filhos. Além de João Ribeiro também são filhos do casal Sindô/Áurea Ribeiro: Enivaldo Ribeiro, Gracilete, Paulo, Valdete e Nivanda, sendo que os dois últimos já são falecidos. Pela importância que a família Ribeiro teve nos municípios de Campina Grande, Massaranduba e Queimadas, onde atuou em várias áreas, principalmente indústria de beneficiamento do algodão através da USINA PEDRO RIBEIRO E COMPANHIA, era natural que alguns dos seus membros ingressassem na política. Foi assim que o Dr. João Ribeiro se elegeu deputado estadual na eleição de 1982, depois que outros parentes, principalmente tios, já haviam exercido mandatos de vereador na Câmara Municipal de Campina Grande.

“Era um desejo muito grande da familia Ribeiro, ter um dos seus membros formado em medicina, e foi grande a satisfação quando tomaram conhecimento de que João Ribeiro havia passado no vestibular de medicina no Recife, aos 19 anos”

Câmara Municipal de Campina Grande reconhece o Dr. João Ribeiro e o seu hospital pela participação na fundadação dos Alcoólicos Anônimos em Campina Grande

Nas suas atividades político-administrativas, lembramos que o Dr. João Ribeiro foi Secretário de Estado no Governo Wilson Braga, quando ocupou a Secretaria de Saneamento e Habitação, tendo encerrado a sua carreira política elegendo-se prefeito de Massaranduba, isto no ano de 1996. Era um desejo muito grande da família Ribeiro, ter um dos seus membros formado em medicina, e foi grande a satisfação do seu pai, Senhor Pedro Vaz Ribeiro, bem como da sua genitora, Dona Áurea Moura Ribeiro, quando tomaram conhecimento de que João Ribeiro havia passado no vestibular de medicina no Recife, quando tinha 19 anos, pois, colou grau com 25 anos de idade, ao lado dos doutores Milton Medeiros, Newton Figueiredo, Agripino Cavalcanti, Evandro Costa e José Pereira da Silva, que também vieram se instalar em Campina Grande, após também terem realizado curso de especialização médica. Desses médicos que foram colegas de turma de João Ribeiro e que também vieram trabalhar em nossa cidade, já são falecidos Evandro Costa e José Pereira da Silva. No Hospital João Ribeiro, além de cuidar da empresa de sua propriedade, também tratava muito bem dos pacientes que estavam sob a sua responsabilidade, pois, como se sabe, pela grandiosidade do Hospital João Ribeiro, tinha vários médicos plantonistas além do dono. Na condição de servidor federal, o Dr. João Ribeiro também trabalhou no antigo hospital do “IPASE”, hoje Hospital Universitário Alcides Carneiro. Pela dinâmica da medicina, onde a maioria dos pacientes psiquiátricos passou a ser tratada ambulatoriamente, o Hospital João Ribeiro ficou muito grande para Campina e sem ter o retorno financeiro desejável para o seu porte, foi necessário o encerramento das suas atividades. Porém, enquanto durou, foi de grande utilidade para Campina Grande e cidades circunvizinhas, sem falar nos 200 empregos que garantia para os que lhe lá trabalhavam. O Hospital João Ribeiro fechou as suas portas, porém o Dr. João Ribeiro continua vivo e recebendo a gratidão dos que foram beneficiados pelo seu hospital por dezenas de anos.

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CIDADE QUE GRANDE CAMPINA

Açude de Boqueirão

A VIDA DE CAMPINA GRANDE George Gomes de Araújo – Historiador

O

nome “Boqueirão”, que o Dicionário Aurélio define como [sm. 1. Bocarra; 2. Abertura em encosta marítima, rio ou canal], origina-se, justamente, de um grande corte que o rio Paraíba fez na serra de Cornoió. O açude fica localizado no município de Boqueirão, no Estado da Paraíba, a 56,4km de Campina Grande. O referido reservatório foi cavado no Rio Paraíba (Paraíba: significados: rio-seco, rio ruim), (pa’ra - rio) e a’iba -‘’impraticável à navegação’’. As obras apresentaram um período de construção de aproximadamente quatro anos, sendo a barragem construída pelo DNOCS em duas etapas. Em julho de 1953, as obras referentes às fundações foram iniciadas transcorrendo em execução por um período de seis meses, ocasião em que o inverno impediu o prosseguimento

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da construção. Reiniciados os trabalhos em meados de 1954, foram completadas as obras de fundação e elevado o aterro a uma altura de aproximadamente 30m, marcando o término da primeira etapa. Os trabalhos finais que corresponderam a segunda etapa consistiram da complementação do maciço e compreenderam o período de junho de 1955 a novembro de 1956. A construção do açude de Boqueirão solucionou o grave problema de abastecimento d'água de Campina Grande, pois a cidade ressentia-se de fontes de águas potáveis para a sua população, desde a inauguração do seu abastecimento urbano em 1939 em que tinha como fornecedora a represa de Vaca Brava, situada nas proximidades do município de Areia. O clima de toda a região da bacia hidrográfica é tropical quente e seco, com máxima de 37°C e mínima de 16°C. A precipitação média na região é de 600 mm/ano, caracterizando-se um clima de semiárido.

O nome oficial do açude Epitácio Pessoa é uma homenagem ao único presidente do país nascido na Paraíba. No seu governo, o programa de construção de barragens foi intensificado, através do seu Ministério de Viação e Obras Públicas, exercido pelo engenheiro civil, Dr. José Pires do Rio (1880-1950). Segundo o jornalista campinense Lino Gomes da Silva Filho, na sua obra “Síntese Histórica de Campina Grande” (1670-1963), no dia 7 de setembro de 1958, foi inaugurada festivamente a Adutora de Boqueirão, obra realizada pelo governo federal em colaboração com o governo do Estado e destinada ao suprimento de água para abastecer a população desta cidade. À solenidade, que teve repercussão nacional, compareceram o Presidente da República, Dr. Juscelino Kubitschek, que se fez acompanhar de ilustre comitiva, da qual participaram, além da sua excelentíssima família, autoridades federais, desta-

cando-se os ministros da Viação, Almirante Lúcio Meira, e do Trabalho, Dr. Fernando Nóbrega; senadores Rui Carneiro, Argemiro Figueiredo, Gilberto Marinho e Alor Guimarães; deputados federais Nestor Jost, Abelardo Jurema e Draut Ernnany, embaixador Assis Chateaubriand, senhor Vitor Nunes Leal, Chefe da Casa Civil da Presidência da República; e várias outras personalidades de destaque. (...) Na Praça da Bandeira, o povo da Campina Grande, em sinal de reconhecimento pelo benefício recebido do governo da República, erigiu uma estátua do senhor Dr. Juscelino Kubistschek , em tamanho natural, esculpida em bronze, a qual foi inaugurada nesse dia. Segundo a jornalista Márcia Dementshuk (Pública) é uma história que João Ferreira Filho, tenente-coronel da reserva do Exército Brasileiro, conhece muito bem. Engenheiro especialista em obras na área hídrica, Ferreira Filho conta que os dois anos de estiagem que o Nordeste enfrentou no tempo do Império – de 1844 a 1845 – motivaram o intendente da comarca do Crato, no Ceará, Marcos Antônio de Macedo, a propor um projeto para trazer água do São Francisco para o seu estado. O canal partiria de Cabrobó, em Pernambuco, para abastecer o rio Jaguaribe, um dos principais do Ceará. Foi o primeiro projeto de transposição das águas do rio São Francisco, elaborado em 1847. Luís Inácio Lula da Silva, chegando à presidência, deparou com problemas em licitações, liberações ambientais e protestos populares contra a execução da obra, como a do bispo baiano Luiz Flávio Cappio, que impetrou uma greve de fome de dez dias em protesto apoiado por ambientalistas de todo o país. Em agosto de 2007, foram iniciadas as obras dos canais de aproximação no Reservatório de Itaparica (Eixo Leste) e em Cabrobó (Eixo Norte). No dia 8 de março deste ano, por volta das 18h20, as águas da transposição já ultrapassavam a divisa entre Pernambuco e Paraíba seguindo o percurso do canal da transposição. Já na zona rural de Monteiro, um mês e cinco dias depois, precisamente a meia-noite e meia do dia 12 de abril, as águas da Transposição do Rio São Francisco chegavam ao Açude Epitácio Pessoa, em Boqueirão. O manancial que chegou a redução extrema de sua capacidade ao nível de 3,6% até o fechamento desta edição já apresentava uma evolução de quase 27 milhões de metros cúbicos de água armazenada, ou seja 6,54% da sua capacidade total. Com a chegada das águas da Transposição e das chuvas escassas, temos a esperança de ver o tão importante manancial que mata a sede da população de Campina Grande abastecido com o sagrado líquido, na esperança de se tornar paracatu em tupi-guarani pode significar:1- ¨ o rio bom ¨ (navegável) ( pará +catu ). www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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PONTO DE VISTA

Posse na APMED Deborah Rose Galvão Dantas assume Cadeira Nº. 36

Dra. Deborah Rose Galvão passa a ocupar a Cadeira 36 da Academia Paraibana de Medicina

Dr. Evaldo Dantas da Nóbrega – Médico

N

a histórica noite do dia 28 de abril de 2017, a médica campinense Deborah Rose Galvão Dantas foi brilhantemente recepcionada como novel confreira da Academia Paraibana de Medicina (APMED), no auditório que funciona nas dependências do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM/PB), em solenidade que foi capitaneada pelo confrade imortal Joaquim Paiva Martins, Presidente em Exercício daquele egrégio Templo da Medicina paraibana. Dessa forma, com efeito, oficialmente ela passou a ocupar na condição de Membro Titular a Cadeira Nº 36, cujo patrono imortal é o médico Plínio de Andrade Espínola, a qual fora ultimamente ocupada pelo também

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imortal Ivan Lins Modesto, profissional que era especializado em Medicina do Trabalho, lá naquela litorânea Capital das Acácias. Por outro lado, garimpando informações familiares, sabe-se que Deborah Rose Galvão Dantas, nasceu na cidade de Campina Grande – Paraíba, no dia 23 de fevereiro de 1958, e é filha do Médico Especialista em Alergia e Imunologia Dr. Adhemar Fernandes Dantas e da senhora Norma Galvão Dantas, e tem três irmãos; Lúcio Herculano Galvão Dantas, Médico Oftalmologista, Michael Galvão Dantas, Engenheiro Civil, e Fábio Galvão Dantas, Médico Neurologista. Ademais, ela tem três filhos: Clarissa Dantas Ribeiro, fisioterapeuta e Estudante do Curso de Medicina, Alberto da Matta Ribeiro Filho, Administrador e Construtor Civil e Mariana Dantas Ribeiro, Advogada. Ressalte-se, também, que Deborah Rose Galvão

Dantas graduou-se pela Faculdade de Medicina da UFPB – Universidade Federal da Paraíba Campus II de Campina Grande, em 1982. Posteriormente, especializou-se em Clínica Médica, em Saúde Pública e em Administração Hospitalar. Tem curso de Doutorado em Medicina e Saúde, pela Universidade Federal da Bahia, e, inclusive, ela é Mestre em Desenvolvimento Humano pela UFPB e também, Doutora PHD em Medicina e Saúde pela UFBA (em 2013). Além de humanista ela é escritora-poetisa. Contextualizando tal acontecimento, exponho aqui trechos que considero importantes do modesto discurso que eu proferi no momento dessa posse da doutora Deborah Rose: "- Saiba, então, novel acadêmica, que a sua chegada aqui será como uma espécie de sangue novo para a APMED. Saiba, também, que esta Academia está com as suas portas devidamente escancaradas para lhe acolher, Dra. Deborah Rose. E até porque em sua brilhante filosofia de vida, equilibrada pela equidistância entre os seus confrades, enfim, lhe possibilitará um futuro excepcional. Aqui, doutora Deborah Dantas, é o lugar onde de forma muito feliz, você vislumbrará um belíssimo e infinito horizonte humanístico-cultural. E você poderá se desenvolver cada vez mais, e, realmente, porque você dividirá com seus estes seus extraordinários pares a enorme satisfação de poder interagir de forma muito democrática os seus pensamentos e seus ideais de ser humano. E aqui nós já bem sabemos, caríssima colega doutora Deborah Rose, de toda a sua competência enquanto poetisa e escritora! E também do seu conceituadíssimo poder de luta enquanto mulher, mãe, esmeralda educadora e profissional - que pauta pela importante superação pessoal. E, dessa maneira, caríssima colega Deborah Rose, sinceramente, é deste modo que se percebe que quem está a ganhar com esta sua chegada entre nós, sinceramente, é a própria APMED.

Única mulher a ocupar uma vaga atualmente na APMED

Informamos aqui que a APMED foi fundada em 19 de dezembro de 1980, tendo sido os seus idealizadores os colegas médicos: Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega, José Asdrúbal M. de Oliveira, Eugênio Carvalho Júnior e Amilcar de Souza Leão. Em 2010, por ocasião de seu trigésimo aniversário, o então Presidente da APMED doutor Antônio Carneiro Arnaud realizou o lançamento da Primeira Edição da Revista daquela Casa, a qual teve como Editor-Chefe o dinâmico confrade imortal Ricardo Rosado Maia". Por fim, ao tempo em que parabenizamos a novel confreira Deborah Dantas também lhe desejamos muitas felicidades nesta sua caminhada na APMED. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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PONTO DE VISTA

As carrancas do

São Francisco

Com olhos arregalados e dentes pontiagudos sempre foram sinônimos de figuras místicas com o poder de espantar animais perigosos, assombrações e maus espíritos

Crença, arte e cultura do povo ribeirinho José Mauricio dos Santos – Historiador

C

om uma extensão de 2.800 quilômetros que atravessa os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, o rio São Francisco, o Velho Chico, traz em seu percurso, histórias e mitos que se confundem durante todo o período histórico de navegação das barcas que teve seu início por volta de 1875/1880 e durou até o ano de 1940. Desde o seu nascedouro na Serra da Canastra (Minas Gerais), perpassando seu trecho navegável entre Pirapora (Minas Gerais) e Juazeiro (Bahia), o imaginário da população ribeirinha, como a dos os romeiros, construiu um verdadei-

ro conjunto de representações a exemplo do “Minhocão”, descrito como bicho que parecia uma grande pipa, a Mãe d’água, o Cavalo d’Água, e é nesse contexto que se incluem as carrancas. Segundo especialistas em artes plásticas, as carrancas se destacam na cultura nordestina por se tratar de uma arte tipicamente brasileira, de feitio zooantropomorfo, cabeças de proa esculpidas numa mistura criativa de gente e animal. Estudos antropológicos dão conta que a origem das carrancas nos barcos que navegavam pelo “Velho Chico” se deveu a crença e ao misticismo do povo que habitava aquela região, como forma de amuletos que protegiam os barqueiros, viajantes e moradores contra as tempestades, perigos e maus presságios.

Reza a lenda que nas noites escuras animais e seres fantásticos que habitavam as profundezas do “Velho Chico” vinham assombrar barqueiros, desvirtuar mulheres e roubar crianças. Segundo a crença popular, a feiura das carrancas espantava esses perigos. Existem também estudos que não corroboram com essa generalização. As carrancas foram minuciosamente estudadas e descritas por Paulo Pardal, ex-professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falecido em 2004, cujo trabalho sempre foi referência obrigatória sobre este assunto: carrancas do São Francisco. De acordo com o pesquisador, as primeiras carrancas indicavam prestígio e indicação de propriedade dos barcos, ideia essa, segundo o pesquisador, imitada de figuras de proa antropomorfas, vistas por algum fazendeiro (ou antes, algum comerciante) do São Francisco, em navios aportados no Rio de Janeiro ou Salvador. As carrancas ou figuras de proa como também foram conhecidas no auge das navegações do Rio São Francisco, eram sinônimos de status aos próprios donos das barcas. Fabricadas por santeiros ou escultores, em sua constituição estética as carrancas se destacavam pelo caráter híbrido de cada peça, figuras zooantropomórficas que lembravam animais como leão, cavalo, cachorro, dragão. Com olhos arregalados e dentes pontiagudos sempre foram sinônimos de figuras místicas com o poder de espantar animais perigosos, assombrações e maus espíritos.

UM MESTRE E SUAS CARRANCAS

Tendo como um dos professores o santeiro João Alves de Souza, na arte de entalhar santos, oratórios, domésticos e altares, Francisco Biquiba dy

Lafuente , ficou conhecido como Mestre Guarany, o grande escultor de carrancas do Rio São Francisco, entre os anos de 1910 e 1940. Neste período produziu cerca de 80 carrancas para ornamentar a proa das embarcações que percorrem o rio São Francisco, peças que, por sua originalidade, expressividade e plasticidade, o notabilizaram como o principal mestre carranqueiro da região. Nos anos 40 encerra a produção de carrancas para barcos, porque, com o assoreamento do rio, as embarcações usadas tiveram de ser mais leves continuando a produzi-las, porém, como peças decorativas. Nascido na cidade baiana de Santa Maria da Vitória, Mestre Guarany segundo seu biógrafo Paulo Pardal, era bisneto pela linha paterna de um espanhol que se uniu a uma escrava de origem africana, vivendo próximo a Juazeiro/BA. Seu avô materno uniu-se a uma descendente de índios do Paraguaçu e se mudaram para Barra/BA, onde passou a trabalhar construindo barcas que eram vendidas para Porto, atual Santa Maria da Vitória. Seu pai deu continuidade ao trabalho na madeira, como fariam Francisco e seus irmãos, filhos e sobrinhos. Seu trabalho despertou o interesse de compradores e críticos nos anos 1950, mesmo passando a assinar suas obras, como F. GUARANY somente a partir de 1963. Neste período suas obras passaram a ser exibidas em museus e galerias de arte do Brasil e do exterior, sendo ainda no final da década de 60 como correspondente da Academia Brasileira de Belas Artes, do Rio de Janeiro. No ano de 1979 Mestre Guarany produziu a sua última carranca, vindo a falecer aos 101 anos de idade, em 5 de maio de 1985, em sua cidade natal. As carrancas do mestre Guarany, hoje imortalizada nas mãos de outros artesãos, ajudam não só a contar a história dos ribeirinhos do São Francisco, sua diversidade cultural e as tradições da cultura popular nordestina, buscando eliminar as distâncias entre o contemporâneo e o que é compreendido como popular. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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PONTO DE VISTA CAPA

Transposições de uma

PARTILHA

COLETA DE AREIAS AUTÊNTICAS Um dos momentos mais importantes do projeto artístico foi a coleta de areias autênticas que Fábio de Brito realizou em 2007 nos quatro Estados beneficiados. Percorrendo mais de 1.400 km, o artista coletou as areias nas divisas dos quatro Estados seguindo o caminho dos futuros canais da Transposição. Sua intenção era coletar os primeiros fragmentos de areia a serem molhados pelas águas do Velho Chico. Uma metáfora da espera, da esperança e da essência e da conquista do povo nordestino.

A COLEÇÃO

As demais obras da Coleção medem cada uma 50cm x 70cm e seguem o mesmo padrão estético, alterando apenas as pinturas centrais. Cada uma das 20 obras apresenta, no lado esquerdo, uma faixa vertical com gretas e texturas que servem de pano de fundo para fósseis de peixes e correntes que representam o paradigma da seca rompido pela Transposição. No lado direito nota-se um pequeno mapa do Nordeste Setentrional formado com as areias autênticas coletadas nos quatro Estados.

O acervo tem como principal referência o Painel intitulado TRANSPOSIÇÕES DE UMA PARTILHA que mede 1m x 2m. O Painel é considerada pelo artista como a "obra Mãe" da Coleção, pois foi a partir dela que as demais 20 obras foram concebidas

Ulisses Praxedes – Jornalista

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Coleção Transposições de uma Partilha é um acervo histórico de pinturas sobre a Transposição do Rio São Francisco que completa em 2017 seus 10 anos de existência. Concebida com recursos próprios, entre 2007 e 2009, a Coleção exerceu uma enorme contribuição na luta pela defesa da Transposição do Rio São Francisco, que naquele momento sofria embargos políticos e retaliações ideológicas da mídia e de alguns setores da sociedade. Como membro do Comitê Paraibano Pró-Transposição, o artista plástico Fábio de Brito abraçou a causa com contundência

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Esta coleção traz reflexões muito importantes sobre a Transposição, mas principalmente sobre a realidade do povo nordestino. Para conhecer as outras obras da coleção acesse: www.fabiodebrito.com.br.

usando uma linguagem poética que enaltece a dignidade do povo nordestino. O acervo obteve repercussão nacional ao ser exposto na Esplanada dos Ministérios em Brasília-DF. Recebeu congratulações da Presidência da República, Ministérios da Cultura e da Integração Nacional, além de Senadores da República e outras autoridades. A Coleção é composta por 21 obras e foi produzida com técnica mista, envolvendo linguagens artísticas como escultura, decupagem, colagem e apropriação de objetos naturais e industrializados. O artista se utilizou de materiais diversos como tinta acrílica e a óleo, plásticos, transparências, madeira, vidro líquido (resina), fósseis de peixes, caramujos e minerais naturais como pedras e areias. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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PONTO DE VISTA

Convivendo com a

água! “ O destino da humanidade será, o que prepararmos agora” Albert Eistein

Dr.Evaldo Dantas da Nóbrega – Médico

N

os dias atuais, vemos que uma temática extremamente pertinente e atualizada, realmente, é em relação à palavra água. A simples afirmação de que água é vida, pois, já reflete toda a grande importância deste precioso e indispensável líquido na vida de todos os seres vivos que habitam este planeta Terra, ao longo de infinitos anos. Dentro desse prisma, lembramos aqui que a água representa cerca de 60% do peso total de um ser humano adulto e de 80% nas crianças, além de ser responsável por praticamente a maior parte de todas as relações químico-físicas que atuam no mecanismo de homeostase do nosso organismo. Como em quase tudo na nossa vida, sabe-se que todos os excessos e os extremos podem causar malefícios à nossa saúde. E, então, não seria inconveniente se afirmar que a água excessiva ou mesmo em menor quantidade poderia alterar o equilíbrio destas cadeias de reações celulares dentro dos nossos processos fisiológicos. Na prática, sabe-se que o primeiro dos nossos contatos com a água, com efeito, dar-se através do precioso líquido amniótico intrauterino, o qual nos conserva e nos protege. Na verdade, esta é uma inicial forma da delicada relação que haveremos de ter com a água, por toda a nossa vida.

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O acesso à água potável é um direito fundamental dos mais importantes, o reconhecimento da elevação da dignidade humana em qualquer lugar do nosso planeta

O ato de verter a água dos olhos (ou seja, a lágrima) está bem relacionado com os nossos sentimentos de tristezas ou mesmo de alegrias, em momentos especiais na história de cada ser humano. É tão íntima a relação entre a vida dos seres vivos e o nosso planeta Terra que, a depender da temperatura e da localidade onde nos encontramos, passamos a ingerir uma maior ou menor quantidade de água no dia a dia. Manter-se bem hidratado, portanto, é uma forma de continuarmos preservando a saúde, até porque, Não existe Vida sem Água! Estudos científicos universais dão conta que, de tão importante a presença deste precioso líquido, ele está presente em cerca de 70% na superfície terrestre, porém, apenas 4% dele é formado de água doce, e efetivamente própria para o consumo humano. O acesso à água potável é um direito fundamental dos mais importantes, até porque ele enseja e pressupõe o reconhecimento da elevação da dignidade humana, em qualquer lugar do nosso planeta, independentemente da cor, raça, religião ou outra qualquer modalidade de discriminação, diante da essencialidade dela! A população do continente africano é quem mais sofre diante da carência desta indispensável líquido! Dessa forma, cada vez mais, diante da existência de aproximadamente sete bilhões de seres humanos, nos dias de hoje, neste nosso planeta, nada mais prudente do que se utilizar a água de forma racional, responsável e inteligente, para que as futuras gerações não venham sucumbir pela falta dela, daqui a algumas décadas. A mãe natureza, de forma arguta e visando permanecer ativa em relação à sobrevivência dos seres vivos aqui no planeta Terra, enfim, utiliza-se do mecanismo denominado de evaporação da água, forma milagrosa por ela encontrada, para que ela suba aos céus e, depois, retorne aqui ao solo em forma de chuvas. E, isto, naturalmente, torna possível a manutenção equilibrada do, extremamente importante, funcionamento dos ecossistemas que dão cores e vidas à existência de todos os tipos de vida, aqui na Terra. A água

pode ser encontrada em seus estados líquidos nos mares e rios, sólidos nas geleiras, e gasosos no ar atmosférico. Poeticamente falando, em relação à água e ao amor, na verdade, não foi outro senão o notável compositor-cantor brasileiro que atende pelo nome de Gilberto Gil, que, levado pelo seu permanente estado espiritual de felicidade, teve a grata satisfação de poder compor a letra da música intitulada de “Tenho Sede”, em que assim se expressou: “Traga-me um copo dágua, tenho sede,// E essa sede pode me matar // A minha garganta pede um pouco dágua // E os meus olhos pedem o teu olhar” . Ah, e agora, ainda lembramos aqui que, pela via da religiosidade, iniciamos a nossa vida cristã já através do nosso contato com a água benta na pia batismal, forma esta em que professamos (pela fé cristã através de nossos pais e padrinhos) a nossa vida na firme busca da felicidade e fé espiritual, que somente poderão ser alcançadas, verdadeiramente, nossa consciência de entregarmos a nossa vida nas mãos de nosso Deus Pai-Todo Poderoso, Amém! Seguramente, a conscientização de todos os seres humanos em relação ao uso e à reutilização da água potável aqui na Terra, com efeito, certamente que será o melhor (e o mais prático) remédio para a nossa natural existência e sobrevivência, posto que, de outra forma poderá ser necessário que os nossos futuros descendentes venham a procurar a água noutras galáxias, se atualmente nós não a estivermos economizando e reusando-a com a devida responsabilidade, ainda que num futuro bem distante. Viva a água, porque a água é vida! Plagiando o espanhol José Maria Alvarez, cito que: “ENFRENTAR A REALIDADE É MUITO CARO, MAS É O ÚNICO CAMINHO.” E por fim, convém também afirmarmos e reforçarmos quão inegável é a importância da água potável no contexto econômico, social e vital do mundo atual! Faça você também a sua parte, economize-a e faça o reúso da água! Aliás, e você, então, já tomou água hoje? Conviva bem com a água! www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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PONTO DE VISTA

“O mar não é azul

É AZUIS!”

MONTAGEM DO BARCO Destaque esta folha da revista Dobre conforme ensinado Guarde na carteira

Sobre a frase do pequeno Pedro Henrique Gaudêncio ao três anos de idade

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Dr.Edmundo Gaudêncio – Médico

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eráclito e o rio: Ninguém mergulha duas vezes no mesmo rio. No mesmo dia. Na mesma hora. No mesmo instante. Ninguém mergulha duas vezes na mesma coisa. Tudo que acontece, apenas acontece uma vez. Apenas uma vez: tudo que acontece não acontece outra vez. Tudo é uma única vez e nunca mais. Tudo que foi (e é e será depois) é jamais. Na última chuva, fiz como em menino: Dobrei um barco de papel e deitei-o na correnteza do riacho que se formou na rua, diante de minha casa. Na meninice, numa certa vez de depois da chuva, coloquei um barco de papel no córrego que virava riacho que corria para o rio e que passava defronte a minha casa – mas apenas quando chovia!

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Lembro como se fosse hoje, lembro como se fosse agora – que chove (em torvelinhos, as águas da linha d’água na calçada convidam a querer deitar sonhos, outra vez, em um pequeno barquinho de papel colocado cuidadosamente no meio de torvelinhos). Em todo caso, feito isso, fiz como fazia: imaginar aonde vai, por onde foi, onde terá chegado o barquinho? ... E lá se foi o tempo, é verdade, mas ainda penso que neste mesmo barquinho que dobrei agora lá se vai o mesmo navio de papel dobrado de minha infância! Lá se vai, já vai longe, cada vez mais longe, o barquinho que eu havia carregado com o meu maior sonho. De minha parte, sendo outra vez o mesmo menino brincando a vida que eu brinquei (pois quem não volta a ser criança, quando chove, mas apenas para quem navegou barcos de papel quando garoto e quando chovia!). Imagino, sim, que lá se foi ela, a minha barcarola de papel, córrego, riacho, rio, mundo afora. E até hoje navega nas águas escuras dos sete mares, vagueia, vadeia a vastidão do oceano profundo, sem porto de chegada – mas, ainda assim, depois de tanto e tanto tempo, segue o meu barquinho (não este que fiz há pouco e que poucos metros adiante naufragou num rodamoinho), mas aquele outro que perdi de vista, cada vez mais distante, na correnteza das águas da sarjeta, carregando o meu melhor sonho – Que não lembro mais qual seria!

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Espere a primeira chuva de inverno e ponha o barquinho na correnteza de leito de rio no meio fio do leito da rua. Lembrete: Cuidado! No barquinho cabem apenas os seus três melhores sonhos!

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PONTO DE VISTA

O médico que recebeu a visita de

Deus Através da ponte do humanismo é possível enxergar o divino no outro? Um relato de um médico sobre a sua paciente, fez toda uma nação pensar sobre o assunto Ulisses Praxedes – Jornalista

A

humanização é algo buscado em todas as profissões que trabalham com o ser humano. Na área de saúde esta temática é amplamente discutida como uma aposta ético-estético-política. É uma aposta ética porque envolve a atitude de profissionais de saúde comprometidos. É estética porque se refere ao processo de produção da saúde e de subjetividades autônomas e protagonistas. E é política porque está associada à organização social e institucional das práticas de atenção e gestão. Mas além de toda esta abordagem teórica, existe o intangível. Humanizar trata de tornar uma atividade mais humana, de trazer sensibilidade e responsabilidade ao lidar com o outro, seja em âmbito físico ou emocional. Mas também podemos dizer que transcende tudo isto e chega ao espiritual vendo o ser humano em sua totalidade. E por falar em espiritual, esqueça toda aquela ideia de uma divindade distante. Esqueça do trono alto e inatingível, da barba branca e do olhar altivo e condenador. Foi este o convite que o médico oncologista, natural de Campina Grande, João Carlos Resende fez a todos. Publicado em Barretos, município do Estado de São Paulo, o texto comoveu a internet. Em post no Facebook, João Carlos Resende contou sobre uma consulta com uma paciente com câncer, que chegara ao hospital aguardando boas notícias, mas foi novamente diagnosticada com a doença.

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"Deus pode te visitar a qualquer momento. Seja por uma “Dona Socorro”, por um “Seu José” ou qualquer outra pessoa que se colocar em sua frente"

CONFIRA O TEXTO NA ÍNTEGRA

Semana curta e cansativa, coração agitado, mente num turbilhão. Deus hoje resolveu me visitar. Ele tinha um corpo franzino, rosto marcado pelo sol, mãos com sutil aspereza de quem trabalhou pesado a vida toda e um cheiro de lavanda misturado com as cinzas de um fogão de lenha. Ele falava de um jeito bonito e simples, arrastado e vindo lá do Goiás. Vestia a melhor roupa que tinha, colorida, bem cuidada, mas respingada da sopa que serviram antes da consulta. O sapato de algodão listrado não combinava com a blusa florida... ah, mas Ele era Deus e podia tudo. Seus olhos fugiam dos meus. Como podia Deus se fazer pequeno assim? Logo lembrei que Ele sabe muito bem fazer isso. Lembrei que Ele foi homem, é pão e será sempre grande, pequeno Deus. Parecia envergonhado, ansioso pela notícia, infelizmente não tão boa. Estava cansado da viagem, da sala de espera lotada e de anos de luta contra o câncer. Diante da grandeza à minha frente, aumentei minha pequenez para que pudesse caber na menor brecha que ousei adentrar naquela vida. A doença mudou, progrediu e voltou a judiar. Aquele remédio que tanto cansava e nauseava aqueles poucos quilos tão frágeis se faria necessário mais uma vez. "Mas, Dotô. Não diga isso." Seu rosto se entristeceu e quanto me doeu ver Deus sendo gente ali diante de mim. "D. Socorro, não fica triste. O doutor aqui tem coração mole e pode chorar." Olhou para mim e pude ver o brilho dos olhos sábios dizendo: "Vou chorar em casa, para o senhor não olhar." Como aquilo me engrandecia. Como pode Deus me visitar assim. Ali acabou meu cansaço. Ali só coube emoção. Examinei aquele corpo pequeno. Coração forte e barulhento, pulmões que sopraram em mim o sopro da vida e contemplei o mais belo sorriso com as cócegas geradas ao palpar seu abdome. Pensava comigo o quanto eu queria, com minha mão, retirar cada um daqueles tumores e ao mesmo tempo me emocionava

Dona Socorro e Dr. João Carlos, aprendizado mútuo

porque, com aquela visita, Deus retirava cada um dos meus, não físicos. Minha prescrição seria o que menos importava ali, mas assim mesmo a fiz. "D. Socorro, vou prescrever aquele remédio chatinho, mas para tentar controlar a doença da senhora." Humilde, respondeu: "É o jeito." No final de tudo, depois de eternos poucos minutos de graça, Deus olhou para mim e disse: "Dotô, o resto pode estar doente e não prestar, mas meu coração é grande e bom." Ah, Deus! Que coração. Já emocionado, apenas pedi um abraço e agradeci por tudo aquilo. Ganhei mais. Ganhei uma foto, um carinho no rosto e a certeza de que Deus sempre está comigo e sempre me visita de diversas formas. Hoje Ele me visitou, me curou e me deu força para continuar. Ironicamente, saiu daquela sala e falou: "Fica com Deus, Dotô." "Estive com Ele, D. Socorro." Deus (ou o ser superior em que você acredita) pode te visitar a qualquer momento. Seja por uma “Dona Socorro”, por um “Seu José” ou qualquer outra pessoa que se colocar em sua frente. Para isso, precisamos ter o nosso senso de humanização sempre alerta, uma sensibilidade apurada e a disposição em ver como o outro pode nos ensinar, mais do que nós a ele. Um pouco mais do Dr. João Carlos em nós e muitas “Dona Socorro” para nos fazer melhores profissionais e humanos (sim, humanos!) a cada dia. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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PONTO DE VISTA

Já no município de Areial, a 100 km da Capital, a crise chegou a tal ponto que autoridades temiam por uma guerra por água. “A gente tenta amenizar o sofrimento do povo com cinco carros-pipa, mas não dá pra abastecer hospitais, escolas, a população e tudo o mais. O desespero é grande. Se continuar assim vamos chegar a ter guerra por causa de água aqui, porque as brigas já são constantes”, alertava o então secretário de Agricultura do município. Na época mais de 7 mil pessoas não sabiam o que era ter água nas torneiras, a exemplo de Dona Maria da Costa, 39 anos, que somente acreditava numa providência divina: “Tenho quatro filhos, os dois mais velhos, de 14 e 13 anos, me ajudam carregando água da cisterna para casa, que fica a 300 metros daqui. Tenho um bebê e fiz uma cirurgia da coluna, não posso nem pegar peso. Esse sofrimento aqui não é culpa de ninguém; é esperar que Deus mande chuva e pronto. Eu não reclamo de nada, sempre pode ser pior”.

Fernanda Figueirêdo – Jornalista

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Estiagem na Paraíba Cinco anos de uma SECA de 'Gotas Serenas' 30

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inte litros de água para beber, cozinhar, tomar banho, lavar roupa e louça... Este era o consumo médio diário, por habitante, nas 41 localidades paraibanas, cujos sistemas de abastecimento entraram em colapso por causa da seca em 2015, pouco mais de dois anos antes da chegada das águas da transposição. Algo que equivalia a 10% da água utilizada pelos habitantes da Capital do Estado, que não vivem sob a ameaça da estiagem. Passar mais de uma semana sem lavar o cabelo e reutilizar a pouca água servida era uma a realidade vivida por mais de 300 mil pessoas que sobreviviam apenas do que era disponibilizado em carros-pipa. Uma água que não chegava à porta de todos. Uma necessidade representada pela fila para carregar peso e brigar um pouco mais. Desde o ano 2000 até aquele período foram cinco anos seguidos de seca; vozes onde a precariedade e a conformação se confundem em relatos por gotas de sobrevivência; relatos que não se perderam com o tempo e parecem mais atuais do que nunca. Em Esperança, município no Agreste paraibano com 31.095 habitantes que fica a 113 km da Capital, João Pessoa, uma moradora se destaca por possuir a chave da cisterna e afirma a orientação que recebe: “A matemática dos pipeiros é que cada pessoa pegue somente quatro baldes na cisterna da comunidade, mas, como o carro-pipa só abastece aqui uma vez por semana, eu nem tenho coragem de negar água a ninguém. Já é tão triste essa situação que a gente passa, como é que eu vou negar água a quem está precisando? Também a cisterna num instante seca, num dá nem pra dois dias”, disse Maria Aparecida Barbosa Santos. Dona Cida como também é chamada, sabe de cor a difícil divisão dentro da sua própria casa: “Aqui moro com os meus cinco filhos. A cada abastecimento do carro são oito baldes de 16 litros cada, mais 20 litros de botijão de água mineral comprado semanalmente, o que resulta em 148 litros que dividido entre nós por sete dias compreende pouco mais de 4 litros por pessoa. Na época Esperança contava com três tanques abastecidos pela Operação Carro Pipa que, além disso, tinham que contemplar mais cem cisternas nas zonas rural e urbana.

NÚMEROS DO CHÃO RACHADO Em 2015, em cinco anos consecutivos de seca, os números trouxeram a dura radiografia de quem vive a “conta-gotas” da generosidade alheia, quando o assunto é a falta de água:

196

cidades em estado de emergência na Paraíba

Para o professor de História, Gilbergues Santos, a cultura de passividade ao problema da seca, é um reflexo do quanto além da dignidade a forma como histórica e politicamente as longas estiagens vêm sendo tratada diante da população nordestina, tem proporcionado uma carência crítica como a da Dona Maria Francineide. “Para que estas pessoas possam acreditar que a seca é uma vontade de Deus, existe também uma estiagem de educação para o nosso povo”, ressalta. Gilbergues chama a atenção para o fato de que as condições climáticas da região, de escassez de chuvas, não justificam o abandono vivenciado pelas famílias que não possuem água nem para as atividades básicas, como manter a higiene pessoal e das residências. Para o professor, historicamente muitos governantes vêm se beneficiando com a ignorância da população. “Em Israel e na Califórnia (EUA) chove bem menos do que aqui e nem por isso eles enfrentam os mesmos problemas que nós. Aliás, quase todo o Estado da Califórnia fica sob uma região desértica, muito mais seca do que o nosso Nordeste. Mas os americanos fizeram, ao longo de quase um século, duas grandes transposições de água. O fato é que eles investiram, por meio de políticas de Estado, para resolver o problema de uma vez por todas, enquanto nós criamos algumas poucas políticas de governo, eleitoreiras, para lidarmos com a situação”, pontuou. Foto – Chico Martins

87% dos municípios do Estado vivem a ameaça da seca 2,4 milhões de

paraibanos são atingidos

29 sistemas da Cagepa paralisados 41 localidades em colapso no abastecimento 97 localidades em racionamento 12 em cidades em alerta 20 litros de água é o consumo médio,

por pessoa, nas localidades em colapso

200 l itros são usados, em média, por cada habitante da Capital

A dura realidade de quem vive a conta gotas, diante do contexto da seca www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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CAPA

O caminho que leva ao sonho nordestino: a transposição do

São Francisco Rio

U

Rosangela Alves de Souto – Bióloga

ma parcela considerável da região Nordeste brasileira convive historicamente com o problema da seca, especialmente, a região conhecida como semiárido, que abrange a maior parte do sertão e do agreste nordestino. Essa região abrange 57% da área total do Nordeste e, aproximadamente, 40% da população. No semiárido, a precipitação média anual é inferior a 800 mm, que não é considerada baixa, mas com índice muito alto de evaporação. O fato é que aproximadamente 10 milhões de pessoas vivem nos dias de hoje, no semiárido nordestino, da agricultura e da pecuária tradicionais, atividades muito vulneráveis às secas tão frequentes nessa região. A fim de mitigar os efeitos provocados pela seca, uma série de programas e medidas governamentais foi implantada ao longo do tempo, mas que se mostrou insuficiente por apenas aliviar temporariamente os danos dramáticos causados pela seca à comunidade. Deste modo a transposição do Rio São Francisco, atualmente executada, passou a ser uma das possíveis soluções para este desafio. O caminho para se chegar ao atual projeto, cujo nome oficial é “Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”, foi longo e se inicia desde o século XIX, com Dom Pedro II, e chegando ao nosso século, com reformulações, propostas e contextos diferentes, muitas vezes com um intervalo de tempo entre uma proposta e outra. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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CAPA A transposição do Rio São Francisco não pode ser um retrocesso aos avanços conquistados na gestão integrada dos recursos hídricos e gestão das bacias hidrográficas no Nordeste brasileiro. Medidas mitigadoras existentes e outras ainda não implantadas devem ser complementares ao processo de transposição, como as cisternas, as águas subterrâneas, a reutilização de água, dentre outras, a fim de otimizar o combate a escassez de água, além de garantir uma maior sustentabilidade ao processo, ao tentar preservar o meio ambiente com a exploração equilibrada de fontes distintas, sem sobrecarregar tanto o rio, diminuindo os possíveis riscos socioambientais já mencionados. Nesta perspectiva, percebe-se a importância de integração de gestores e da população na criação de redes unidas pelo interesse não só de uma melhor gestão dos recursos hídricos, como também voltadas para o desenvolvimento sustentável da região. A gestão das águas para o semiárido deve ser pautada por políticas públicas permanentes, e apropriadas, para diferentes realidades sociais, ampliando a capacidade humana local e quebrando as estruturas de concentração da terra, da água, do poder e do acesso a serviços sociais básicos.

As águas da transposição chegam ao Açude Epitácio Pessoa, que por causa da seca chegou a 3,5% da sua capacidade total

As águas que chegam a nosso Estado são a materialidade do Projeto de Transposição idealizado e iniciado no Governo Lula, no ano de 2007, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A transposição do Rio São Francisco vem assegurar a oferta de água, a cerca de 12 milhões de habitantes de pequenas, médias e grandes cidades da região semiárida dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Muitos estudiosos criticaram o projeto de transposição do rio São Francisco, alegando que da maneira que foi proposto e tem sido executado terá como foco o favorecimento dos importantes latifundiários do Nordeste, e como consequência grave, um elevado impacto socioambiental de dimensões incalculáveis, defendendo a sua substituição por alternativas mais ecológicas, socialmente mais justas e com menores custos para resolver o problema da es-

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cassez hídrica de grande parte da população da região Semiárida. Já o Governo Federal afirma que os impactos ambientais das obras de transposição do rio São Francisco serão baixos, pautados em estudos e relatórios (RIMA – Relatório de Impacto Ambiental) de especialistas renomados e que as alternativas propostas pelos críticos não resolveriam o problema de escassez de recursos hídricos na região Semiárida Nordestina. Entender a posição da maioria dos nordestinos a favor da transposição é compreensível e aceitável, pois viver na pele as “cicatrizes” deixadas pela seca não deixa espaço para outras preocupações de cunho puramente ambiental. Não dá para condenar nem mesmo aqueles que não vivem a problemática da escassez hídrica de forma direta, mas que também esperam na transposição a erradicação da miséria e o desenvolvimento socioeconômico para região nordestina.

Todo ser humano merece ter uma vida digna, o que inclui muito mais que acesso à água de qualidade. Sozinha, a água não vai realizar “milagre” algum. Se não resolvermos o problema da água junto com os problemas de renda, trabalho, reforma agrária, saúde, cultura e educação, a pobreza vai continuar a mesma de antes, e cuja solução é a emigração para os centros urbanos e a marginalização para fugir da fome e miséria generalizadas em regiões específicas. É nesse contexto que esperamos que o processo de transposição se molde, como uma obra estruturante que, associada aos grandes açudes já construídos e aos sistemas de distribuição existentes e em implementação, poderá melhorar substancialmente o panorama do Nordeste Setentrional. Esperamos ver não só a segurança hídrica necessária ao desenvolvimento sustentável de nossa população, mas uma nova geração de pessoas conscientes e comprometidas com a melhoria da realidade social, econômica e ambiental que vivenciamos hoje. Só quem pode mudar a realidade de um ser humano e do ambiente é o próprio ser humano. O Rio São Francisco também precisa de nós!

O caminho para se chegar ao projeto de transposição do Rio São Francisco foi longo e se inicia desde o século XIX, com Dom Pedro II, e chegando ao nosso século, com reformulações, propostas e contextos diferentes"

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NOSSO PATRIMÔNIO

MATUTO,

LOGO EXISTO Existe sim, uma saída para o Brasil. Enquanto preservamos a capacidade de rir de nós mesmos, figuras como Zé Lezin, continuarão sendo, semeadores da esperança batendo um bolão na arte do humor Ribamildo Bezerra – Jornalista

S

im, as palavras podem fazer graça com seus significados, até mesmo quando parodiamos o filósofo francês René Descartes, afinal se pensar é matutar, por que não entender a figura do matuto como um sábio, um pensador. Há mais de 31 anos o comediante Nairon Barreto empresta seu talento para que o Zé Lezin, seu ilustre personagem seja o cronista bem-humorado do nosso tempo. Alguém que na sua alquimia do humor consegue transformar o cotidiano em graça, e às vezes a dura realidade, vista pelo prisma dos sorrisos. Recordista de público em casas de show e teatros, impossível não render graças à espontaneidade de um artista que universalizou um estilo a ponto de não achar mais fronteiras no Brasil, quando o riso é o maior elo que nos une.

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Nairon você um dos raros casos que um santo de casa, obra milagre. Como se explica o sucesso do Zé Lezin que funciona em qualquer canto do Brasil, tamanho é ele, que você pode se dar o luxo de realizar shows apenas nas região Nordeste? Eu acho importante em algum momento da vida a gente ‘pular o muro’, conhecer e conquistar outras paragens, mas também acho importante voltar para o nosso continente afetivo, no caso o Nordeste, e comungar com o nosso povo, as nossas vivências e aprendizados. Até porque para partir, ninguém parte sem bagagem, e sou fruto deste grande manancial de criatividade e histórias que é o povo nordestino, uma dívida de aprendizado mesmo. Então em certo momento da minha vida optei por devolver a este povo, tudo que consegui com ele. Por que a figura do matuto, mesmo extinta diante da modernidade do homem do campo, ainda é presença tão viva em nosso imaginário? Nossas raízes estão lá no interior. No meu caso, por exemplo, mesmo sendo neto de português por parte de pai, minha mãe já trouxe do interior de Pernambuco suas referências e isso claramente me influenciou. Nossas raízes do interior são muito fortes. O que acontece nas grandes capitais e cidades litorâneas, além da violência, do trânsito, é muito estresse. É o interior que fertiliza culturalmente as grandes cidades. E a figura do matuto é a síntese maior dessa referência que carregamos no nosso inconsciente. Que características o matuto, como o personagem Zé Lezin, possui para ser este elo de identificação com o grande público? Eu acho que seja um mix de perfis inocência, sagacidade e inteligência, ingenuidade; ele é um cara puro, simples, e ao mesmo tempo ele é vivaldo e muito esperto. É difícil um ser humano ter tantos lados, tantas maneiras de comportamento como o matuto. Sua polivalência é a adaptação, superação, e por isso justifica porque o matuto seja tão cortejado pelas pessoas. A seara do humor tangencia muito a inteligência e o senso crítico? Diante da atual situação do país, tá difícil fazer o nosso povo rir? Nosso tipo de humor pode até soar meio macabro, mas nós temos uma facilidade imensa de rir das nossas próprias mazelas e penúrias. O povo brasileiro sempre foi assim. A gente tem uma influência muito grande dos lusitanos que justamente adotaram um tipo de humor; curtir sempre da situação momentânea, apesar de difícil, o brasileiro também tem esse reflexo. Em relação ao que o Brasil tá vivendo, são fases. O país sempre teve altos e baixos. Cabe ao humorista aproveitar esta situação para balsamizar isso junto ao seu povo.

"É difícil um ser humano ter tantos lados, tantas maneiras de comportamento como o matuto. Sua polivalência é a adaptação, superação, e por isso justifica porque o matuto seja tão cortejado pelas pessoas" Até onde o Zé Lezin te levou nesta vivência com a cultura popular? Depois de 30 anos de estrada, eu me confundo muito com o personagem, este alter ego. Nasci na Capital, e quando fazia Comunicação Social, era integrante de um grupo de dança da Universidade Federal da Paraíba. Eles bancavam para que a gente estudasse cultura popular. E foi aí que esse carinho grande pelo homem do mato, pelo rurícola, se fez paixão. Foi através desses estudos que pude até definir o que vem a ser interior não obrigatoriamente aquilo que vem do mato, mas sim de comunidades que ainda praticam e preservam celebrações como os autos populares, festas de colheita, manifestações religiosas, o versejar dos violeiros. Era um mergulho tão intenso a nós proporcionados, que recebíamos livros, discos, os velhos “bolachões”, e que nos trouxe como resultado maior, a referência desse grupo que ficou conhecido como a seleção brasileira de folclore. E possível delimitar um fronteira entre o Zé Lezin e o Nairon Barreto? A espontaneidade desse personagem é algo singular, a ponto de me espantar como criador, pois coisas aparentemente simples ditas por ele surpreendem por provocar risos e uma atenção não prevista. Uma magia que não se explica. Mas existe muito do Nairon no Zé Lezin, assim como muito dele me alimenta. Desde a sua criação o Zé Lezin vem se modernizando com o tempo. O Nairon, por exemplo, em tempos do politicamente correto deu ao Zé Lezin duas importantes defesas: o Miro e o Vicente que são contrapontos para os tempos atuais. Algo que permite que a essência do matuto seja preservada e que essa intermediação seja o ponto de equilíbrio sem ferir conceitos ou fazer apologia a pré-conceitos. O Nairon Barreto é um apaixonado por coisas simples, exatamente pela convivência quase diária com a essência do personagem. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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NOSSO PATRIMÔNIO

Como você analisa o quadro atual do humor no país? Eu tenho as minhas ressalvas, porém ao mesmo tempo me pergunto: é desse humor que a juventude está rindo? É o stand up que está enchendo casas? Então é bom relaxar, tá tudo certo. O Chico me falava: ‘Nairon eu devo fazer parte desse stand up, pois só faço humor de pé!’. Mesmo sendo esta modalidade de humor inglês, existe público para o humor mais antigo, como do Zé Lezin, por exemplo. No final ficaremos com a arte, de um Chico Anysio, de um José Vasconcelos*. Outro dia em Caruaru comprei a coleção completa, em CD, do Coronel Ludgério*. Cheguei em casa não parava de rir com aquelas histórias, a ponto do meu filho me questionar quem era aquele humorista. Não só mostrei como ele gostou muito. O fato é o que é bom não se perde. Diante das adversidades da vida, é fácil deixar a tristeza de lado para cumprir o oficio de fazer rir? Não é fácil não, é um desafio. Eu passei uma situação dessa ao lado de Chico Anysio. Certo dia eu ia gravar a Escolinha, e ele me intercepta com a informação de que meu pai tinha falecido, e que toda a produção já tinha providenciado a minha passagem de volta para a Paraíba. Tratava-se de uma opção, e optei por gravar o programa, já que nada poderia fazer; não poderia trazer meu pai de volta. Em nome daqueles que se alimentam do meu humor, do meu personagem, em nome dos inúmeros profissionais que ali estavam, gravei o programa e logo fui me despedir do meu pai. Até por que não gosto de enterro; não fui Falando em fronteiras, a convite do Chico Anysio você foi para o Rio, para a Escolinha do Professor Raimundo. Qual o valor dessa experiência em sua carreira? Um presente divino. Depois de dez anos de carreira, poder estar ao lado dos meus ídolos do humor não poderia ser nada, se não um presente de Deus. A minha ida para o programa foi melhor para mim do que para a Escolinha. Poder contracenar com artistas do porte de um Rogério Cardoso (Seu Rolando Lero), um Orlando Drummond (Seu Peru), um Francisco Milani (Seu Pedro Pedreira), para citar alguns. Ao lado dessas feras, o conceito de Escola ia além do programa. A confiança de Chico em meu trabalho, dava-me a liberdade de não ter texto e usar meu próprio material, bastando ele dar o mote durante a gravação. Lembro-me que enquanto muitos dos ‘novos alunos’ aguardavam avaliação dos seus testes para irem ao ar, o meu teste foi aproveitado de primeira, sem cortes ou edição; uma conquis-

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para o enterro de colegas como Shaolin, do próprio Chico, de Cristovão Tadeu; para mim eles viajaram e posso cruzar com eles qualquer hora dessas. Não vejo graça em ir visitar uma pessoa deitada, com um sapato folgado e dois tufos de algodão nas orelhas e no nariz. O único enterro que fui foi o da minha mãe, e ainda sim na base do Rivotril. Estava tão dopado que se tocassem um frevo na hora eu dançava. O humor é um remédio pra alma? É um remédio que não se encontra em farmácia, por que ele mexe com a essência do ser humano, o espírito, a alma. Esse fluido que vive dentro da gente que comanda tudo. O corpo da gente é um táxi, que leva a gente para frente e para trás, que no conduz, mas um dia ele cansa. Esses remédios que tomamos para as dores do corpo, as dores nas juntas, as dores de cabeça são fáceis de adquirir, mas a dor espiritual, a dor da alma, o estresse, a fadiga mental, somente o humor para balsamizar. O bom humor produz muita endorfina, exercita muito os músculos, tanto da face, como do corpo todo, da barriga, do diafragma, de forma que continua sendo um singular remédio para a vida das pessoas. Pode conferir: quando estamos bem, estamos sorrindo.

ta, se levarmos em conta de um formato de programa que vem desde a década de 50, com uma constelação de astros de talentos imensuráveis. E a convivência com Chico Anysio? Não bastasse a dádiva de um valioso aprendizado no trabalho, Deus me colocou na vida de Chico como um grande amigo, um grande irmão. Choramos juntos, sorrimos juntos. Eu tinha um carinho especial por ele, pois era realmente um ser especial. Era comum enquanto eu falava ele completava o meu pensamento, isso não só comigo, mas com tantas outras pessoas. Ele tinha uma sensibilidade fora do comum. Tal era esta ligação que os três últimos shows da vida dele, ele fez comigo; a vida me deu este presente. Perceber que por trás daquele monstro sagrado do humor existia uma criança. Foi o grande tesouro que pude achar neste ofício. Toda homenagem dirigida a Chico Anysio ainda é muito pouco para o gênio que ele era.

"Deus me colocou na vida de Chico Anysio como um grande amigo, um grande irmão. Choramos juntos, sorrimos juntos. Eu tinha um carinho especial por ele, pois era realmente um ser especial"

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VIVER BEM

Esconder a depressão é como oferecer abrigo a um serial killer na esperança de que este não nos mate

De pés firmes, convivendo com a

DEPRESSÃO! Pablo Villaça – Crítico de Cinema

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u me percebi depressivo pela primeira vez aos 15 anos de idade. Convivo com a doença, portanto, há quase 26 anos - e me medico diariamente há 12. Como professor a ministrar cursos sobre Cinema em todo o Brasil, certa vez, em Porto Alegre, me preparei para morrer tentando suicídio. Não tive consciência, naquele momento, de que estava colocando um ponto final na minha vida. Não estava chorando desesperadamente enquanto agia, não havia escrito carta de despedida e nem planejara me matar. Estava na capital gaúcha ministrando um curso e vivia uma crise depressiva que se tornara mais grave em função de várias circunstâncias. O estresse havia provocado um derrame em meu olho direito, e a depressão me golpeava há algumas semanas, insistentemente. Sozinho, em meu quarto de hotel, após voltar da aula,

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me entreguei aos velhos pensamentos suicidas e de repente me ocorreu "experimentar" a sensação de morrer. Durante o ato me dei conta de que se permanecesse da forma como decidi morrer, por mais alguns segundos, desmaiaria. E que isso seria o fim. E imaginei meus filhos recebendo a notícia de que o papai havia morrido. Firmei os pés, me ergui e só então, já sentado na cama, chorei de verdade. Ao retornar para casa, em Belo Horizonte, a primeira coisa que fiz foi procurar a minha psiquiatra, contar o que havia acontecido e trocar meu medicamento. Aos poucos, melhorei novamente. Sim, os pensamentos suicidas continuam, mas apenas como... pensamentos. Não voltei a cogitar seriamente a hipótese de colocá-los em prática. Há dias piores e dias melhores. Mas, desde então, não houve muitos dias desesperadores.

A verdade é que o suicídio será - e busco sempre me lembrar disso - uma decisão permanente para um problema temporário. Se eu tivesse hesitado um pouco mais e morrido naquele banheiro de hotel, teria perdido momentos lindos com meus filhos. Teria perdido a reação comovente dos meus leitores diante do anúncio do fim do site Cinema em Cena, (coisa que não aconteceu). Não teria ido à Suécia e a Cannes. Não teria rido tantas vezes com os amigos. Não teria conhecido tantos novos alunos. Não teria escrito sobre a Mulher no Livro de Granito e tantos outros textos. Não teria tanta coisa que apenas imaginar. Estas quase perdas me deixam agradecido por ter voltado a ficar de pé antes de perder a consciência. E percebam que esta foi a primeira vez em que cheguei realmente perto de um ato tão extremo depois de 25 ANOS de depressão. Esta é a questão, não é mesmo? Um único momento de fraqueza pode ser o bastante para jogar anos e anos de luta no lixo. E é por isto que não só devemos nos manter atentos para os sinais que nossa mente nos envia (a fim de buscarmos ajuda assim que constatamos uma recaída) como também precisamos expressar o que sentimos. Esconder a depressão é como oferecer abrigo a um serial killer na esperança de que este não nos mate - ele pode até se comportar por algum tempo, mas em certo momento aproveitará a vulnerabilidade e a solidão de seu anfitrião para fazer aquilo no qual se especializou. Portanto... fale sobre como está se sentindo. Compartilhe com as pessoas em quem confia, ou em fóruns/sites especializados. Discuta com seu psicólogo/psiquiatra/terapeuta. Ou mesmo com um companheiro de depressão. E o mais importante: lembre-se sempre de firmar os pés no chão. É o que eu pretendo fazer.

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VIVER BEM

Lorena Tavares – enfermeira

S De Narciso

AO NECESSÁRIO Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são. Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte, que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza, que suporte qualquer tipo de labores, desconheça a ira, nada cobice e creia mais nos labores selvagens de Hércules do que nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental. Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio; Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude. Sátira X, do poeta Romano Juvenal

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endo um dos personagens Gregos mais citados nas áreas da Psicologia, Filosofia, Letras de Músicas, Artes Plásticas e Literatura, Narciso é a representação maior do quanto podemos ser vítimas da própria vaidade quando o mito se apaixonou pela própria imagem e definhou no leito do rio até morrer admirando o seu próprio reflexo. No ano de 2012 pesquisadores das universidades de Michigan e da Virgínia, nos Estados Unidos, mediram o quanto a postura narcisista alterou os níveis do hormônio do estresse (o "cortisol") no corpo de 106 estudantes de graduação. Para os cientistas, narcisistas valorizam demais a importância de existirem e acreditam ser únicos e grandiosos. Para os pesquisadores, se por um lado sentimentos como liderança, autoridade e admiração própria podem fazer bem a saúde, por outro a arrogância e a ideia de superioridade traz como efeito sintomático a agressão e a frustração como resposta quando estes dois sentimentos se mostram ameaçados. A busca pelo equilíbrio do bem-estar corpóreo e a saúde mental na antiga Grécia, já era indissociável. Para os antigos filósofos gregos o desenvolvimento físico e moral do homem, deveriam acompanhar, com harmonia, práticas corporais como lastro somático ao espírito. Já em contraponto ideológico, os romanos orientavam a Educação Física para o desenvolvimento das massas musculares dos homens, em detrimento a pouca dedicação à cultura intelectual e moral. Atualmente é notório o considerável avanço nos objetivos da Educação Física, uma evolução enorme quanto ao conceito de aplicá-la à qualidade de vida, incluindo saúde, lazer, educação e esporte. Para a Organização Mundial de Saúde a evolução no conceito de qualidade de vida se dá até mesmo para definirmos o que vem ser a própria saúde, que segundo a própria organização, trata-se “de é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”. E é nessa interação corpo/mente que o estereotipo de Narciso parece se diluir com o tempo, onde novos campos de conhecimento buscam oferecer ao indivíduo capacidade para que o mesmo realize suas próprias habilidades diante das tensões normais da vida, podendo trabalhar de forma produtiva com capacidade de fazer contribuir para a sua comunidade. Tratar de qualidade de vida é tratar de um tema complexo,

Atualmente é notório o considerável avanço nos objetivos da Educação Física, uma evolução enorme quanto ao conceito de aplicá-la à qualidade de vida, incluindo saúde, lazer, educação e esporte principalmente sob a ótica qualitativa. Na Escandinávia, por exemplo, o Sistema de Bem-Estar daquele país definiu princípios em seus indicadores sociais, baseados em três verbos considerados básicos à vida humana - ter, amar, ser para que se possa chegar próximo de uma construção qualitativa de uma realidade de bem-estar. Pelo sistema escandinavo TER refere-se às condições materiais necessárias a uma sobrevivência livre da miséria; AMAR diz respeito à necessidade de se relacionar a outras pessoas e formar identidades sociais, e SER está vinculado à necessidade de integração com a sociedade e de harmonização com a natureza.

EDUCAÇÃO FÍSICA X ATIVIDADE FÍSICA

A UNESCO define: “Educação Física é um direito de todos e uma necessidade básica”. Dessa forma, define-se Educação Física como qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos, que resulte em gasto energético maior que os níveis de repouso, e Exercício Físico como sendo qualquer atividade planejada, estruturada e repetida que tem por objetivo a melhoria e a manutenção de um ou mais componentes da aptidão física. Segundo tais definições podemos concluir que passamos a maior parte da nossa vida em plena Atividade Física, ou seja, a partir do momento que acordamos começamos a produzir movimentos corporais: caminhando, trabalhando, tomando banho, comendo, ou seja, qualquer movimento voluntário necessário nos faz estar em atividade física. Já o Exercício Físico, nos faz pensar em movimentos e objetivos mais específicos, os quais estão diretamente ligados ao esporte de qualquer nível, seja atleta ou praticante eventual, aqueles que praticam o esporte apenas por bem-estar físico, mental ou até mesmo por problemas de saúde, que tem uma sequência de exercícios específicos para o seu biotipo e suas necessidades vitais, melhorando sua condição física e mental, de forma mais lenta e em alguns casos não visíveis. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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VIVER BEM / NATUREZA MÉDICA

VIVER BEM

BENEFÍCIOS DA PRÁTICA REGULAR DE ATIVIDADES FÍSICAS

Os efeitos e benefícios fisiológicos podem ser destacados com a prática regular de atividades físicas são: redução dos níveis pressóricos, controle do peso corporal, melhora na mobilidade articular, aumento da força muscular e da resistência física. Com relação à composição corporal os efeitos são: diminuição do tamanho das células adiposas sem alteração do seu número, aumento do peso corporal magro, proteção contra a perda de peso do tecido magro e elevação do metabolismo. Além dos benefícios fisiológicos, a prática regular de atividade física promove benéficos efeitos psicológicos e sociais, dentre os quais destacamos: melhoria da capacidade de trabalho, aumento da autoestima, melhor sensação de bem-estar, melhoria do ritmo do sono e apetite, redução da ansiedade e depressão, redução do isolamento social.

SEDENTARISMO

Definimos sedentarismo como a ausência ou grande diminuição da atividade física, e no ponto de vista da Medicina Moderna, sedentário é o indivíduo que gasta poucas calorias por semana com atividades ocupacionais. Uma pesquisa apresentada pelo Ministério do Esporte, no ano de 2016, apontou que 45,9% dos brasileiros não praticam nenhuma atividade física. Ainda de acordo com o estudo entre os praticantes de esporte no País (54,1%), as mulheres levam vantagem com 50,4% praticando algum tipo de exercício. O Brasil ainda é um país carente de dados sobre o sedentarismo, ao contrário da Europa que ha mais de duas décadas conhece exatamente qual o perfil dos praticantes de alguma atividade física e os seus sedentários.

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Atualmente nos deparamos com as pessoas que ficam horas e horas sentadas em frente a um computador ou deitadas na frente da televisão com vários controles remotos e uma mesa cheia de guloseimas. Essa inatividade leva o organismo ao enfraquecimento, pois não precisa mais dos músculos para correr, do coração para bombear grandes quantidades de sangue, das suas articulações para absorver impactos, e assim por diante. Esse fato trouxe consistentes implicações sobre o padrão de doenças, e na relação entre hábitos de vida e saúde. A saúde está diretamente relacionada à atividade física. A prática de atividade física deve ser sempre indicada e acompanhada por profissional qualificado, incluindo médicos, fisioterapeutas e profissionais de Educação Física. É importante também a adoção de uma alimentação saudável, rica em frutas, legumes, verduras e fibras. Preferência por carnes grelhadas ou preparadas com pouca gordura, consumo reduzido de doces e congelados, a eliminação do consumo dos famosos lanches de “fast-foods” e o aumento da ingesta de líquidos, de preferência água e sucos naturais. A atividade física consiste em exercícios bem planejados e bem estruturados, realizados repetidamente. Eles conferem benefícios aos praticantes e têm seus riscos minimizados através de orientação e controle adequados. Esses exercícios regulares aumentam a longevidade, melhoram o nível de energia, disposição e a saúde como um todo, afetam positivamente o desempenho intelectual, a capacidade de raciocínio, a velocidade de ação e reação e o convívio social. Ao desenvolvermos esse estilo de vida ativo estamos investindo em um futuro saudável, ativo, produtivo, feliz e cheio de movimento.

Sou RIO,

A margem de mim!! Dr.Flaubert Cruz - Médico

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as poucas vezes em que rio, rio seco, um riso feito fenda rasgando esse chão árido de matar sementes. Das poucas vezes em que choro, olhos secos me deixam ver, ao longe, uma promessa de rio inundado, tão somente, de luz do sol. Sou feito de sede e de fome e assim, ao que parece, sem riso e sem lágrima, não há sonhos. Há, persistentemente, a dura razão do sol, a insone luz de uma solitária lua. Temos sede de sonhos. Temos fome de prosperar. Entre riso escavado no chão nu, entre lágrima que evapora dentro do olho, tecemos palavras que, de quando em vez, imitam água, inundam rios e rios de lamentos e promessas que preenchem nossas gargantas e veias, que nos alimentam até amanhã, e depois de amanhã. Das poucas vezes em que chove, um riso molhado enfileira-se por sobre os dentes gastos. E nem precisa lágrimas, pois o rosto fica ple-

namente úmido. Então sonho de olhos abertos. Crianças brincam, as vacas jorram seu leite, o milho é robusto e dourado, o quintal, enfim, é verde e o rio que dá vida às sementes, flui lento, silencioso e infinito como uma oração. Traga-me um copo d’água, tenho sede. Não apenas a sede que termina na garganta. A sede que me toma alcança-me as veias, os olhos, preenche esta minha cabeça repleta de sol e me pede, como um filho sussurrando ao ouvido do pai: seja um novo homem, tenha uma nova vida. Tragam água até os rios de sol, de lamentos e promessas, pois as sementes têm sede. Talvez a mesma sede que me alcança, enquanto o dia segue sertanejo e áspero. E se eu pudesse sussurrar para estas sementes que plantei, como se fosse um filho delas, suplicaria: faça do meu filho homem, dê a ele uma nova vida. Pois que os homens, perdidos sobre a superfície ensolarada da terra, feito as sementes jogadas ao chão, brotam do tanto de água, do tanto de seiva, do tanto de sonhos, que a vida lhes transpõe.

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VIVER BEM

HIDRATAÇÃO SEU CORPO TEM SEDE DE SAÚDE A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba. Guimarães Rosa Dra. Aline Guerra – médica

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uito se fala da importância da hidratação, porém poucos a compreendem. No corpo humano, a água exerce variadas atividades essenciais para garantir o equilíbrio e funcionamento adequado do organismo como um todo. Depois do oxigênio, é da ausência de água que mais se ressente o organismo, daí a importância de ser mantida a hidratação normal dos tecidos. Além disso, a água pode ser uma grande aliada para um processo de envelhecimento saudável. É muito importante que cada um saiba o quanto necessita deste precioso líquido e a forneça ao organismo, pois não é demais afirmar que sem água, nosso corpo não tem 'combustível'. A água é fundamental para o nosso organismo, na eliminação de dejetos, na regulação e harmonização das funções corpóreas. É, principalmente, por meio da urina, que é 95% composta de água, que liberamos para fora do corpo substâncias que estão em excesso ou que não possuem no seu organismo. Na digestão, por exemplo, essa substância faz parte da composição dos sucos digestivos e da saliva, que são fundamentais para a quebra do alimento. A água também garante proteção de algumas estruturas do corpo. O líquor encontrado entre as meninges, por exemplo, previne impactos que podem desencadear graves danos ao sistema nervoso. Além disso, podemos citar o líquido existente nas articulações que evita o atrito entre os ossos, o líquido amniótico, que protege o embrião em desenvolvimento, e as lágrimas, que evitam o ressecamento das córneas e realizam sua limpeza.

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VIVER BEM

É muito importante que cada um saiba o quanto necessita deste precioso líquido e a forneça ao organismo, pois não é demais afirmar que sem água, nosso corpo não tem 'combustível'

A regulação da temperatura do nosso corpo também é conseguida pela água. Em dias quentes, nosso corpo começa a produzir o suor, que é eliminado para fora do corpo. Ao evaporar o suor provoca a diminuição da temperatura. Além de todas essas funções, não podemos nos esquecer de que a água faz parte da composição de nossas células, tecidos e órgãos. Estima-se que um ser humano adulto tenha cerca de 60% de seu corpo composto por água. Os fatores que interferem no conteúdo de água corporal são idade, sexo e proporção de músculo e tecido adiposo. As células metabolicamente ativas dos músculos possuem maior concentração de água, portanto, quanto maior a quantidade de tecido adiposo, que se traduz no peso corporal, menor é a quantidade percentual de água do peso total. Os obesos possuem menor proporção de água que os magros, pois têm uma quantidade aumentada de tecido adiposo, o que faz sua quantidade de água relativa ao peso corporal ser tão pouca quanto a 25 a 30%. Por isso,

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não se justifica o emagrecimento utilizando-se diuréticos, que promovem no obeso uma perda de água que já é naturalmente reduzida, podendo levar a risco de morte. Quanto à diferença do sexo, as mulheres têm menor conteúdo de água em relação ao seu peso total, pois apresentam mais tecido adiposo que os homens. As crianças têm percentual maior que o adulto (quase 80%). À medida que se envelhece, ocorre uma diminuição da proporção de água no organismo. Os idosos podem chegar a ter apenas 40 a 50% do seu peso corporal constituído por água. O organismo humano não possui condições para o armazenamento de água, portanto a quantidade de água perdida a cada 24 horas deve ser reposta para manter a saúde e a eficiência corpórea. Sem água, o corpo humano só continuaria funcionando por dois a três dias. Por outro lado, uma pessoa saudável pode sobreviver por seis a oito semanas sem alimento. Existe muita dúvida a respeito da quantidade adequada para cada pessoa e se o número de litros indicado varia de acordo com o sexo e com a idade. De uma maneira geral, o Ministério da Saúde recomenda pelo menos dois litros de água diariamente. Porém, uma pessoa que faz exercícios e, consequentemente, perde muita água pela transpiração necessita de maior hidratação quando comparada a uma pessoa que passa grande parte do dia em repouso. Uma maior

hidratação também é recomendada para as pessoas com queimaduras, com diarreia, que consomem álcool, diabéticos, gestantes, lactantes, entre outros. Em indivíduos saudáveis, a ingestão de água é controlada principalmente pela sede, e esta sensação serve como um sinal para fluidos serem ingeridos. Portanto, a sede é geralmente um guia para o consumo de água, exceto para bebês, atletas que treinam muito, doentes e, às vezes, o idoso, em que a sensação de sede pode estar diminuída. Em casos de extremo calor ou excessiva transpiração, a sede pode não acompanhar o ritmo de exigência real de água. A reposição de água é feita por meio da água pura e dos alimentos, tais como leite, iogurte, frutas, vegetais e preparações que contém água. E não esqueça que bebidas como o chá-mate, café, cerveja, refrigerante e suco de frutas industrializados contém água, mas também contém cafeína, álcool, açúcar, adoçante artificial e outras substâncias químicas que fazem o corpo eliminar, via urina, grande quantidade de água, agindo como desidratantes. Portanto, não espere sentir sede para beber água. A água é barata e livre de calorias, além de trazer inúmeros benefícios ao seu corpo. Uma dica é usar garrafinhas com volumes determinados de líquido, assim, você pode controlar e estimar o seu consumo diário de água. Ingestão de água é essencial pra a sua saúde. Hidrate-se!

QUANDO GOTA D'AGUA PODE FAZER A DIFERENÇA Benefícios da água para o seu corpo

1 Deixa a pele saudável 2 Combate a celulite 3 Ajuda a emagrecer 4 Deixa cabelos, olhos e unhas hidratados 5 Melhora o funcionamento do cérebro 6 Aumenta a massa muscular 7 Melhora o funcionamento do intestino 8 Controla as calorias 9 Funciona como regulador térmico 10 Limpa o organismo Sinais que indicam falta de água no seu corpo

1 Sede 2 Pele seca 3 Cansaço 4 Inquietude e Irritabilidade 5 Urina de cor amarelo escura 6 Boca ressecada 7 Prisão de ventre 8 Dor de cabeça 9 Odor desagradável na boca 10 Cãibras

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ARTES EM MOVIMENTO / HISTÓRIAS E ESTÓRIAS

A SECA DE 1915

Você sabe o que é fome e sede?!

SABE NADA!!! O olhar crônico para uma cultura crônica, a seca descrita pelo manancial de palavras e sensibilidade de quem enfrentou a aridez do solo porém sem deixar de beber da fonte da esperança

Dr. José Alves Neto – médico

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u gostaria de inverter o tempo e interditar a rota do destino para ver se fatos tão horríveis que aconteceram à comunidade nordestina não tivesse acontecido. Se na realidade há inferno, nosso povo que habita e habitou os Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, parte da Bahia; já viveu. As secas que já tivemos, eram para ter exterminados todos. Para que se tenha uma noção de algumas secas, farei uma cronologia das mesmas. Há documento que cita que a primeira seca do Brasil foi em 1502. Também, tiveram outros períodos melhores documentados como as secas: 1583/1585; 1606 - Nova seca atinge o Nordeste. 1615; 1652 - Seca atinge o Nordeste. 1692/1693 - Uma grande seca atinge o sertão. A peste assola a capitania de Pernambuco. 1709/1711; 1720/1721; 1723/1727; 1736/1737; 1744/1745; 1748/1751; 1776/1778; 1778; 1782; 1790/1793; 1808/1809; 1824/1825;

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1831; 1833/1835; 1844/1846; 1877/1879; 1888/1889; 1898/1900; 1903/1904; 1908/1909; 1910; 1914/1915; 1919/1921; 1945; 1951/1953; 1953; 1966; 1970; 1979/1984; 1993; 1998; 2001; 2012/2013; 2015 - Depois de 100 anos.

AS DUAS MAIORES SECAS DO NORDESTE:

Das grandes secas que assolaram o Brasil, uma das mais graves e lembradas foi aquela que compreendeu os anos de 1877 a 1879, ficando conhecida como a grande seca do Nordeste que espoletou a libertação dos escravos no Brasil. No dia 1º de janeiro de 1883, em Acarapé foi o primeiro município cearense a libertar seus escravos e por isso o município mudou de nome e passou a chamar-se Redenção. Finalmente, no dia 25 de março de 1884, foi abolida a escravidão em toda a província do Ceará. O número de negros libertos, naquela data, totalizou 35.508, bem antes que o assinado pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Foram quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema.

Foi nessa estiagem que, para impedir que os retirantes se dirigissem à capital, o governo cearense criou campos de concentração nos arredores das grandes cidades, nos quais recolhia os flagelados. A varíola fez centenas de mortos no campo do Alagadiço, próximo à Fortaleza, onde se espremiam mais de 8 mil pessoas; a falta de condições sanitárias e de comida completou o trágico quadro. O sofrimento das famílias durante essa estiagem é retratado por Rachel de Queiroz no seu romance “O quinze”, um drama instigante impondo situações dolorosas em meio à desolação provocada pela seca. Curiosidade: Calcula-se que 500 mil pessoas morreram por causa da seca, em que o Estado mais atingido foi Ceará. Na época dos invernos, quanto é belo quando o céu fica escuro, as nuvens se unem, o calor aumenta, o trovão estronda andando pelo firmamento, o relâmpago acende as nuvens com os seus clarões, os raios eletrizam as nuvens unindo o Céu à Terra. As nuvens começam a sangrar e o céu chora um pranto de lágrimas enchendo rios, mares, riachos, açudes, cacimbas, barreiros e molhando a terra com o líquido sagrado, vestindo a terra com um manto verde e a fartura que resulta dessa benesse que nos é ofertada. É a festa no Céu que Deus promete, festejando o inverno para o nordestino. E na esteira da grama esverdeada, tudo nasce, tudo é belo, tudo é felicidade; tem água em todos os buracos, em todo lugar tem legume. Mas, meu Deus, como é triste quando Ele esquece do meu Nordeste! O Sol, parece que fica enraivecido, não sei se brigou com a Lua, encosta mais perto da Terra e “descarrega” em nós nordestinos que somos tão crentes em Deus. Os rios, riachos, açudes, poços, cacimbas vão secando que o barro do fundo dos açudes chega a rachar. A cada dia que se passa, o povo começa a se deslocar procurando por água e o que comer. Cada dia mais difícil de conseguir. Vem o sonho do próximo inverno que não chega. Espera pelo dia de São José, 19 de março, faz a simpatia das três pedras de sal, rouba o santo da casa da vizinha, coloca-o de cabeça para baixo, só devolvido quando as chuvas aparecem. Devolvendo o santo ao seu verdadeiro numa procissão, cantando benditos e pagando as promessas feitas... O redemoinho dispara por cima da terra calcinada, carregando galhos secos e areia fina, arrastando tudo que encontra pela frente. Acreditamos que o Diabo vai dentro. Em nossa crença, cruzamos os dedos da mão direita, e ficamos dizendo: - Cruz-credo, cruz-credo, cruz-credo... até o redemoinho desfazer-se.

Os rios, riachos, açudes, poços, cacimbas vão secando que o barro do fundo dos açudes chega a rachar Os raios do sol ficam tirando faíscas das pedras de fogo, o chão começa a tremer pela quentura que aos nossos olhos, ficam fervendo... As árvores começam secar, não fica nada verde. Os animais a morrer. O povo caminhando, cada vez mais distante, para ir pegar água onde tiver. Ora com lata d’água na cabeça ou na cangalha de jumentos, não se importando se a água já está baldeada. A cada dia que se passa, o cacimbão vai secando, as cacimbas feitas nos leitos dos rios secos, vão se aprofundando; fazendo-se necessário cercá-las para os animais não invadirem. Cada dia se cava mais e fazendo batentes nas paredes para se poder descer para pegar água. Quantas vezes se tira um sapo de dentro pelas pernas, sacudindo-o para fora. A terra esturricada pelo calor escaldante do sol e o fantasma da seca assombrando o matuto, é roça com pouca planta, é planta com poucos frutos, vendo tantos olhos molhados, olhando o chão enxuto. Dá uma tristeza e um desespero imensos, vendo meninos, mulheres gestantes; outras, com filhos escanchados nas “cadeiras”, com os seios murchos, caídos, presos ao tórax feitos duas mochilas vazias. Se pergunta: - como se pode tirar água de uma cacimba seca?! Como se pode amamentar uma criança, se as mamas estão estioladas?! Idosos e animais passando fome e se acabando de sede. Os olhos têm uma angústia intensa ao ver uma abelha num funeral de uma flor que morreu por falta d’água na beira d’um açude. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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As plantas mais resistentes como: a maniçoba, a jurema... O mandacaru secar, o agave e macambira que as folhas viraram embira, o aveloz amarelar, no sertão não se tem mais nada verde, o gado morrendo de fome e de sede. Como é triste ver numa lagoa, um urubu que voa, rasgando uma rês tão boa, que o vaqueiro chega perto e se acocora, com ela ainda se agarra, passa a peixeira na marra, pego o chocalho e vai embora. No campo, os urubus agourando os animais e não ter ninguém que conte a Deus dessa humilhação que a seca traz ao povo nordestino. A seca leva a um desespero enorme, quase a um estágio de loucura e começa a se ver os retirantes em direção das regiões dos brejos ou fuga para outros Estados. Presenciar hordas e mais hordas de fantasmas vivos, verdadeiras almas penadas; só o couro e o osso, comendo de tudo que possa matar a fome e enganar o clamor dos roncos do estômago vazio. Arrancando batatas de raízes de maniçoba, da macambira, matando preás, aves, calangos, teiús, ratazanas, lagartixas, galinhas, porcos, formigas, punarés; torrando couro de bois que já morreram, para depois pisarem no pilão, fazerem farinha para depois comerem. Na caça, usando os meios mais rústicos, como: baladeiras, o açoite, os forjos, arapucas, ichós, ara-

"No campo, os urubus agourando os animais e não ter ninguém que conte a Deus dessa humilhação que a seca traz ao povo nordestino"

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tacas, bodoques... Com a ajuda do cachorro vira-lata por nome de Piaba, ou Tubarão, ou Tupi, ou Rompe-ferro; chamado por qualquer nome, desde que ajudasse para acuar alguns animais... Quantos não morreram nessas retiradas?! Não se sabe. Sabe-se que: os que sobreviveram tiveram que migrarem para a região do brejo como a cidade de Areia e Alagoa Grande..., para trabalharem nos engenhos de cana de açúcar por um simples prato de comida. Outros foram para a região Norte, principalmente para a Amazônia para trabalharem nos seringais. Outra leva foi para o Sul para trabalharem em qualquer emprego, como foi retratado por um nordestino na sua fuga. Ele disse: - Quando da seca para o Sul eu parti, só levei: meia dúzia de galinhas, uma cama velha quebrada, uma foice e uma enxada, era tudo que eu tinha; meia cunha de farinha, uma gaiola e um alçapão, um canário e um cancão, da casa nenhuma imagem, era toda minha bagagem quando deixei meu sertão. Assim, foi a história da grande maioria de nordestinos que sobreviveu às secas. Daí porque, Euclides da Cunha, na sua admiração pela “raça” nordestina, escreveu: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte! ”. Saindo dessa última seca que tivemos por cinco anos e fazendo uma reflexão sobre os nossos sofrimentos, será que essa água que tanto almejávamos do Rio São Francisco para os Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará que são milhões de metros cúbicos, milhares de léguas de vida, o sangue branco que irriga as veias do nosso Nordeste tão seco, esperada desde a época de Dom Pedro II, o povo da nossa região saberá valorizá-la?! Espero que sim!

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Sob o signo do sol, até a água adormece e morre Johniere Alves Ribeiro - Professor de Literatura

“H

á muitas formas de dizer a verdade, talvez a mais persuasiva seja a que tem aparência de mentira.” Parafraseando essa frase de José Américo, diria que “há várias formas de começar, de dizer a verdade sobre um livro”. Poderia ter começado a comentar sobre A bagaceira por meio do sensacionalismo, só para impressionar: MORTE, TIROTEIO, FOME, MISÉRIA, CRIANÇAS BARRIGUDAS, CORONELISMO, CANGAÇO, ONDE ESTÃO AS AUTORIDADES?... Ou talvez, ainda, algo mais lírico. Não. Escolhi iniciar com autor. Seu verbo explícito, construtor das imagens, que por meio das palavras no papel, saltam para nossa mente. Até porque a literatura é a força impressa pelas palavras. As palavras de José Américo na abertura do livro, começam com uma série de frases, num formato aproximado dos aforismos. Estratégia, que de certa forma, lembra muito os ditados populares nordestinos. Isso agarra o leitor. O prende em lugar que ele bem conhece. É a linguagem lhe ofertando o som daquilo que já se ouviu antes. De modo que quem bate os olhos nas páginas iniciais do livro - “Antes que me falem” - irá se deparar com esse chão forrado, que alimenta a vontade de ir em frente, só para ter o gosto de verificar aonde tudo vai dar. Pois: “Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã.” A bagaceira, marca uma nova etapa na cronologia da Literatura Brasileira. Lançado em 1928, introduz o que ficou conhecido como Regionalismo de 30. Regionalismo que de acordo com o José Américo “é pé-de-fogo da literatura”. Ele traz à tona um olhar para o Nordeste, apresentando-o com mais profundidade ao mundo das letras brasileiras, já que antes Euclides da Cunha, em Os sertões, havia ladrilhado um caminho para esse outro Brasil, que quase sempre se fez questão de colocá-lo por baixo de um imenso tapete, contudo parece-me que toda ecologia nordestina ficou muito difícil de esconder.

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O enredo do romance do escritor de Areia se passa entre 1898 e 1915 – dois períodos de seca intensa no sertão do Piauí. Devido ao sol implacável, Valentim Pereira, sua filha Soledade e seu afilhado Pirunga abandonam a fazenda do Bondó, na zona do sertão, e decidem migrar em direção ao brejo, lugar onde teria emprego nos engenhos e o principal, a ambulância de água. Nesse intuito, chegam ao engenho Marzagão, de propriedade de Dagoberto Marçau, cuja mulher falecera por ocasião do nascimento do único filho, Lúcio. Lá conseguem abrigo e trabalho. Mas, foi nesse lugar fértil e verde dos canaviais do brejo que brota um grande amor, porém esse amor não dura muito por interdição do pai do jovem advogado, que também tinha interesse na jovem sertaneja. O que faz com que Lúcio volte para a cidade grande para terminar seus estudos, deixando seu grande amor. Com a morte do senhor do engenho, Lúcio herda todas as terras do pai. Contudo, já em 1915 - outra data marcante de insegurança hídrica da época - Soledade, já envelhecida, vai ao encontro de Lúcio e lhe entrega o filho, fruto do seu amor com Dagoberto. É perceptível que José Américo escreve essa obra sob a forma de binômios, de dualidades. Diria que paira uma atmosfera barroca ao se contar a história d´A bagaceira. Seria, portanto, uma narrativa sustentada pelos contrastes: o sertão e o brejo; a liberdade e a submissão; o poder do coronel e a fragilidade do retirante; o amor e a sua interdição. Contudo, a maior dicotomia do romance está na presença ou ausência da água. De modo, que essa dicotomia se torna o fio condutor da prosa almeidiana. E é tomando por base tais elementos antitéticos, que José de Almeida escreve sobre o Nordeste e sua gente. Dessa forma, o romance nos apresenta personagens que brotam, paradoxalmente, a partir dos horrores causados seja pela aridez da seca ou pelo poder imposto por sua abundância nos verdores da região brejeira do canavial. E nesse contexto dualístico, de quem manda e de quem obedece, é que os retirantes sentem as atrocidades das ações e o autoritarismo do co-

ronel sobre suas vidas já tão severinas. É ele - que arrogantemente - impõe as regras de uma velha oligarquia, que se aproveita das fragilidades sazonais que o sertanejo traz consigo quando lhe falta a água, visto que os sertanejos são “muitos Severinos/ iguais em tudo na vida:/ na mesma cabeça grande/ que a custo é que se equilibra/[...] iguais tudo e na sina: a de abrandar estas pedras / suando-se muito em cima (MELO NETO, 2012)”. Assim, é nítida a oposição entre o sertão e o brejo; os flagelados da seca e aqueles que vivem na prosperidade dos engenhos na seguinte descrição denunciativa de Zé Américo no tocante aos recém-chegados ao engenho de Dagoberto, o pai de Lúcio: “Pareciam poeira levantada, a sujeira do chão num pé-de-vento./ Era o êxodo rural de 1898, uma ressureição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres (ALMEIDA, 2008, p.98)”. A visão é dantesca. Surrealista. Creio que Portinari na série “Os retirantes” conseguiu nos aproximar daquilo que Américo queria nos informar por intermédio desse fragmento, posto quase que abertura do livro. De modo que violência, discriminação e exclusão social são características que se depreendem da análise social realizada. J.A de Almeida lança mão de teorias amplamente difundidas em sua época, o “socialismo, freudismo, catolicismo existencial: eis as chaves que sustentariam ideologicamente o seu romance engajado. Dessa forma, o que se depreende é que A bagaceira não é apenas um livro que só conta a história de amor entre Lúcio e Soledade, personagens importantes na obra, mas nos apresenta - principalmente - uma verdadeira saga, uma verdadeira hermenêutica do que pode causar a falta de recursos hídricos no Nordeste brasileiro. Uma hermenêutica que muitos dos nossos governantes não fazem questão de ir a fundo e compreendê-la em sua complexidade social. O que se ver, portanto, em A bagaceira, é que José Américo de Almeida, tentou apresentar aos seus leitores o som, a cor, o suor, a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar e que não vive, apenas aguenta (para retomar algumas palavras de Milton Nascimento). Almeida nos faz perceber que a diáspora do sertanejo é uma imposição, não só da “natureza nordestina”. Até porque esse “Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!”, como diria um certo Rapaz Latino-Americano. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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"Eu quero lhe mostrar esse texto um dia e lhe falar sobre a coisa mais linda do mundo, que é gerar um filho antes de concebê-lo" Clarrissa Câmara – Escritora

E para meu

FILHO

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u nunca sonhei em casar. Já tive o desejo de gerar um filho quando era adolescente, pois via minha mãe gestante e queria saber como era carregar outra vida. Hoje eu já não tenho tanto esse desejo. Às vezes sinto uma forte vontade de gestar só pra saber qual a sensação mágica que há por trás de amamentar. Agora, depois de passados alguns anos de minha vida, eu estou vivendo uma fase em que, a qualquer momento, vou ver uma criança na rua, vagando, pedindo dinheiro ou com fome, e vou levá-la pra casa. Sim, descobri que podemos gestar outras pessoas depois delas já terem sido paridas. E parir não significa necessariamente dar vida. Essa vontade tem crescido dia após dia. Às vezes estou na fila do banco e uma criança me abraça. Às vezes estou andando na rua, já procurando algum desses seres invisíveis pra dividir um pão na chapa. E eu não tenho medo. O que um outro alguém pode fazer contra o amor? Segundo pesquisa do governo federal, 72% das crianças que vivem na rua são do sexo masculino. Estão na faixa etária dos 10 aos 14 anos e a maior razão que as levaram a essa situação é por conta de brigas familiares, violência doméstica, exploração infantil, entre outros. Algumas dormem em casa, mas vão para as ruas vagar, pedir comida ou dinheiro. Sabe, ando na rua e penso: meu filho pode estar por aí, tentando arrumar uns

trocados pra comer. Se usa drogas, deve ser pra atenuar a fome. Se já se prostituiu foi porque não conheceu outro caminho. Eu ainda não cheguei lá pra ensinar a ele sobre amor. Você já se colocou nessa posição? Aprendi a sonhar com uma gestação espiritual. Passo horas sonhando com o dia em que vou dar o primeiro banho em alguém que não sabe a diferença entre Dove e Rexona. A primeira vez que irei fazer um x-tudo com Coca-Cola, a primeira vez que vou levá-lo à escola e o que vou ensinar a respeito de Vinícius de Moraes e Garoto. Eu tenho me preparado todos os dias, pelo dia que vou encontrar meu filho vagando em algum semáforo, ou em alguma casa de acolhimento ou no juizado de menores. Pelo dia que vou ensinar que amor existe. Pelo dia que vou mostrar pra ele que casa desarrumada, mancha de copo na mesa e lençol amarrotado é sinal de lar. Eu não sei se ele terá pai, porque como já falei, meus sonhos e concepções são meio diferentes pra uma mulher da minha idade. Mas ele terá uma família. Com um cachorro, adotado também. Ele vai se chamar Paçoca. Eu quero lhe mostrar esse texto um dia e lhe falar sobre a coisa mais linda do mundo, que é gerar um filho antes de concebê-lo. Engravidar na memória o amor que não vai caber em meu útero. Gerar um ser que foi parido num mundo de agonia. Resgatar alguém que um dia poderá aprender a me chamar de mãe, sem dor, sem barreiras. Conforme sua natureza.

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João do Vale não precisa ser descoberto, precisa ser

CANTADO! Ribamildo Bezerra - Jornalista

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ão acredito que doce de leite faça poeta, nem que um diploma defina um Doutor. Para ser poeta tem que correr vida nas veias, com a cor do sofrimento, e o pulsar da vitalidade. João do Vale era um poeta puro, forjado na vida, sem firulas academias. Brotado das terras maranhenses, cantava o que via, nunca aceitou sua alma cativa. Era uma vertente autêntica de um Brasil oral, cantado nas ruas, feiras, garimpos, engajado não por ideologias, mas por ser forjado no sofrimento e discriminação. Nascido no povoado de Lago da Onça, em 11 de outubro de 1933, foi batizado João Batista Vale, um dos cinco filhos do casal de agricultores Cirilo e Leovegilda. Era um criador alquímico. Sabia transformar adversidades em pérolas musicais diluído em seus baiões e sambas. Se americano fosse juraria que teria sido um grande bluesman, alguém para dividir o espaço histórico com o mítico Robert Johnson. Mas Pedreiras não era a Memphis, nem o Rio Mearim o Mississipi. João do Vale é que sempre foi nosso, tão nosso que você leitor já deve ter cantado uma ou várias de suas músicas e mal sabe disso: A ema gemeu no tronco do juremá (2x) / Foi um sinal bem triste, morena / Fiquei a imaginar /Será que é o nosso amor, morena / Que vai se acabar?... (Canto da Ema) Logo ao chegar em Pedreiras uma das maiores cidades produtoras de arroz no Maranhão, foi morar na Rua da Golada (soa algo familiar?) e lá não só tinha vistas para o Rio Mearim, mas dele retirava água para consumo e higiene da família, pois a política de saneamento básico não estava na cartilha dos Coronéis como prioridade para os mais pobres da época. Mas nada que no futuro, na mente genial de João que não se subvertesse em uma marcante e compassado xote: Um dia desses / Fui dançar lá em Pedreiras / Na rua da Golada / Eu gostei da brincadeira / Zé Cachangá era o tocador / Mas só tocava / Pisa na fulô... ( Pisa na Fulô)

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Porém, foi um marcante e decisivo episódio que viria soltar as amarras, se é que existiam algumas, do jovem garoto negro, que ainda sonhava que na escola iria ser alguém. Durante o terceiro ano primário, foi obrigado a ceder a sua vaga na escola para um filho de coletor que acabava de chegar em Pedreiras. Sua revolta foi tão grande, que consciente de que por ter sido negro e pobre, foi o escolhido para a troca, prometeu nunca mais entrar numa escola, reafirmando seu intento no ato de jogar pedras naquela instituição, simbolizando uma cicatriz que somente a poesia iria minimizar. Preferiu ser forjado nas ruas, vendendo mungunzá e pirulito e lá seus versos livres, ganhava o povo, por sua simplicidade, porém de uma beleza tocante até para jingle dos seus produtos: Pirulito, enrolado no papel, enfiado no palito / papai eu choro, mamãe eu grito / me dê um tostão pra comprar um pirulito Para uma alma inquieta como a de João nas asas de uma poesia autêntica, Pedreiras logo seria pequena demais para ele. Logo depois de tentara vida em Fortaleza, Teresina e Salvador, onde trabalhou em circo, como garimpeiro e ajudante de pedrei-

ro, João do Vale levava na bagagem o verniz poético de um criador nato, e a cada experiência, novos baiões iam surgindo: Deu meia noite, a lua faz o claro / Eu assubo nos aro, vou brincar no vento leste / A aranha tece puxando o fio da teia / A ciência da abeia, da aranha e a minha / Muita gente desconhece / Muita gente desconhece, olará, viu? / Muita gente desconhece / Muita gente desconhece, olará, tá? / Muita gente desconhece... (Na Asa do Vento) Os elementos da poesia de João do Vale, são naturais, matizes colhidas no caminho das experiências, filtrada em um olhar onde a rudeza se harmonizava com um senso pueril sem isso fosse sinônimo de conflito ou estranheza. No início dos anos 50 desembarca no Rio de Janeiro. Aquele ajudante de pedreiro, tendo as construções como guarida, logo se aventura nas noites boêmias cariocas, e não demora muito para que sua verve poética venha a ser conhecida, por nomes como Tom Jobim, por exemplo, que ressaltava a força e a autenticidade da poesia. Ainda levava balde de massa nas construções quando ouviu certa vez Marlene, uma das vozes de ouro do rádio, cantar uma das suas pérolas, de Teresina a São Luis, e riu muito quando ninguém acreditava que ele era o autor daquele baião. Diz Luiz Vieira que de tanto conviver com intelectuais, João já escrevia coisas que nem ele mesmo conhecia... mas era falando do povo e da sua gente que João era um gênio sem diploma: Seu Malaquia preparou / Cinco peba na pimenta / Só do povo de Campinas / Seu Malaquia convidou mais de quarenta / Entre todos os convidados / Pra comer peba foi também Maria Benta / Benta foi logo dizendo / Se ardê, num quero não... (Peba na Pimenta) Seu maior sucesso “Carcará”, apresentado no famoso show-manifesto em Opinião, dirigido por Augusto Boal em 64, foi uma das grandes ironias desta vida. A música se tornou o hino de resistência dos estudantes da época. Logo esta canção, criada por um compositor analfabeto, que pedia favores aos outros para ver sua poesia escrita. Por causa disso João, o menino pobre preterido na escola de Pedreiras para um filho de um funcionário público, viria a receber o título de Poeta do Povo pela Universidade de São Paulo. www.cgunimed.com.br // Revista Conviver

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Aquele riso raso e profundo No fino traço do artista Fred Ozanan, a sensibilidade de quem faz brotar da secura dos desafios de um povo, o riso. O humor que traz a reflexão, que gera posicionamento. Difícil ficar indiferente a cada charge , numa graça que vale muito.

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NOSSO SABOR

Cuscuz

COM TUDO! Conheça uma pouco mais desta mundial iguaria, que no nordeste é referência e que não vê fronteiras nem barreiras quando o assunto é combinação gastronômica

Marcela Barros – Nutricionista

N

a região nordeste existe o hábito de incluir o famoso cuscuz no dia-a-dia. Feito de Milho ele é considerado um alimento coringa, pois vai bem com praticamente tudo. O que muitos não sabem é que o cuscuz não é exclusividade nossa, mas é um prato árabe originário do Magrebe (região do norte de África) que consiste num preparado de sêmola de cereais, principalmente o trigo. No Brasil, pode ser feito à base de farinha ou polvilho, de milho, arroz ou mandioca, cozido no vapor, pode ser consumido na sua forma básica ou ser incrementado com outros ingredientes, como é o costume do sudeste do Brasil, ou apenas ir acompanhado de leite, ovos, manteiga ou carne-de-charque, como é a preferência no nordeste. Muitas vezes tratamos o cuscuz como o vilão da nossa dieta de cada dia, Mas será que, sob alguma circunstância, comer cuscuz engorda, ou sempre emagrece? Essa é a pergunta que não quer calar! Existem muitas duvidas que permeiam a introdução desse alimento tão rico nutricionalmente como é o nosso cuscuz. O cuscuz nos oferece uma boa fonte de proteína vegetal magra. Uma porção de 1 xícara de cuscuz cozido oferece 6 gramas de proteína, o que equivale a 12% da sua necessidade diária desse nutriente. Nosso corpo necessita de proteína alimentar para ajudar na saúde da pele, músculos, órgãos e outros tecidos. Também é uma ótima fonte de Fibras, Cada porção de cuscuz oferece 2 gramas de fibra alimentar, elas têm um papel vital na manutenção da saúde, As fibras podem ajudar no controle de peso, Elas também ajudam a manter os alimentos se movendo no seu corpo,

prevenindo prisão de ventre. Seus níveis de colesterol podem se beneficiar das fibras porque elas se ligam ao colesterol no trato digestivo e o removem do seu corpo. É rico em vitaminas do complexo B, que ajudam a metabolizar energia, mantêm sua pele, sangue, cérebro, sistema nervoso, coração, mantem células vermelhas do sangue saudáveis, e minerais como o selênio que tem um papel essencial na saúde reprodutiva, metabolismo de hormônios da tireoide, síntese de proteínas e prevenção de danos causados por radicais livres. Diante de todas essas riquezas nutricionais presentes na nossa iguaria nordestina, que é o cuscuz, devemos atentar também para o seu índice glicêmico (IG) que é um indicador baseado na habilidade da ingestão do carboidrato de um dado alimento elevar os níveis de glicose sanguínea pós-prandial, o IG do cuscuz é 93, o que o caracteriza como um alimento com alto índice glicêmico, fazendo com que os diabéticos precisem resistir. Tudo na nossa vida depende e deve ser feito com equilíbrio, o que determinará se ele será aliado no emagrecimento ou não é o tipo de acompanhamento com o qual ele é servido e as porções que ingerimos.

CUSCUZ DE MILHO COZIDO COM SAL TACO - Tabela Brasileira de Composição de Alimentos

Tabela de valor Nutricional Porção de 100g Valor energético Carboidratos Proteínas Gorduras saturadas Gorduras monoinsaturadas Gorduras poliinsaturadas Fibra alimentar Fibras solúveis Cálcio Piridoxina B6 Manganês Magnésio Lipídios Fósforo Ferro Potássio Zinco Sódio

113.5kcal = 477kj 25,3g 2,2g 0,2g 0,2g 0,3g 2,1g 0,1g 1,5mg 0,1mg 0,0mg 2,7mg 0,7g 23,2mg 0,2mg 10,9mg 0,2mg 247,7mg

% VD* 6% 8% 3% 1% 8% 0% 8% 0% 1% 3% 1% 3% 10%

* % Valores diários com base em uma dieta de 2.000 Kcal ou 8.400kj. Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades.

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RIO DE LÁGRIMAS TRANSPOSIÇÃO: DO DRAMA À FICÇÃO! O traço afiado do cartunista Fred Ozanan cumpre o desafiador papel de levar crítica e humor em um só combo. O livro Rio de Lágrimas aborda a temática da seca onde a passividade e a resiliência, dada ao perfil do nordestino, não fazem parte da paleta de cores do artista. Com Fred temos em cada charge do livro uma nordestinidade crítica, afiada e ciente da manipulação e mistificação que a seca produz como discurso. Rio de Lágrimas é um livro que te provoca risos, mas impacta por fazer o leitor refletir. O olhar criativo de Fred nos conduz a um recorte que só o humor pode aliviar o traço de realidade que existe por trás. Rio de Lágrimas é um livro que não deixa esta página da história, literalmente, passar em branco.

SOUNDTRACK O fotógrafo Cris (Selton Mello) viaja para uma estação de pesquisa polar. Por lá, ele pretende fotografar para uma exposição que tem a música como inspiração. Ao lado de Cao (Seu Jorge) e Mark (Ralph Ineson), ele descobre novos pontos de vista a respeito da vida e da arte. Tendo como pano de fundo o frio e a solidão da Antártida, esta produção brasileira do ano de 2016, propõe uma difícil construção do quanto a ciência e a arte podem se relacionar. A claustrofobia de um centro de estudos naquela região e o isolamento dos personagens obrigam um embate ideológico sobre o papel da ciência e da arte. Sem parecer dogmático a dupla de diretores, que assina como 300 ml, consegue oferecer à plateia pontes de leitura e interpretação da representação destes dois seguimentos nas relações humanas. Um final que surpreende.

CHICO CÉSAR – ESTADO DE POESIA Um estado de poesia pode ser descrito como um olhar de leitura para o mundo. Quando se fala de Chico César, em seu mais novo trabalho, é possível desbravar um universo de sonoridades, onde as palavras são desconstruídas em sua fonética, sendo reinventadas livremente. Onde se começa um blues e termina um baião, impossível dizer. São composições tão orgânicas que cativam logo na primeira escuta. Além da música que dá título ao trabalho Estado de Poesia (Para viver em estado de poesia /Me entranharia nestes sertões de você...) destaque para as músicas Caninana e Caracajus. Chico César mostra que continua vivo desde o seu “Aos Vivos”.

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Médicos de Campina Grande. Assistência 24 horas ao seu lado.


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