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Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano II, n. 03. Julho-Dezembro de 2016. Parnaíba-PI
Sumário Expediente .................................................................................. 03 Ao Leitor .................................................................................... 04 Artigos SOCIOLOGIA INDUSTRIAL: Uma abordagem histórica. Annahid Burnett ............................................................................ 05 LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÃO APAGA: A Estrada de Ferro Central do Piauí sob a narrativa de ex-ferroviários. Antonio da Silva Carvalho Filho ............................................................ 14 O PARTIDO DA CLASSE OPERÁRIA: A campanha eleitoral comunista em Alagoas (1947). Anderson Vieira Moura ......................................................................... 25
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AS LIGAS CAMPONESAS e a violência no campo no Piauí (1963-1964). Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa............................................. 35 Dossiê Trabalho e Educação no Piauí ALIANÇA PARA O PROGRESSO, do Salão Leste para o Nordeste e seus reflexos na educação. José Francisco Beserra Nunes e Fernando Emílio Alves dos Santos............ 49
Expediente A Revista Piauiense de História Social e do Trabalho é um periódico científico de acesso livre e gratuito, de edição semestral, vinculado à plataforma Mundos do Trabalho Piauí, e tem como objetivo facilitar e difundir investigações teóricas, pesquisas e resenhas que contenham análises, críticas e reflexões sobre o Mundo do Trabalho (urbano e rural), com enfoque no Estado do Piauí, nas mais diversas temporalidades e temáticas variadas, como: formação do mercado de trabalho, trabalho escravo, diversificação do mundo do trabalho, movimento operário, imprensa operária, cultura operária, dentre outros, aceitando também colaborações com análises de outras realidades em localidades distintas.
Apoio: Plataforma Mundos do Trabalho - Piauí: http://mundosdotrabalhopi.blogspot.com.br
Corpo Editorial Coordenação e Edição: Prof. Alexandre Wellington dos Santos Silva Prof. Msc. José Maurício Moreira dos Santos Conselho Consultivo: Profa. Msc. Amanda Maria dos Santos Silva Profa. Msc. Ana Maria Bezerra do Nascimento Prof. Msc. Francisco Raphael Cruz Maurício Profa. Msc. Maria Dalva Fontenele Cerqueira Prof. Msc. Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa Prof. Msc. Yuri Holanda da Nóbrega Foto de capa: “Escola mantida pela iniciativa privada. São Raimundo Nonato (PI). Maio de 1912”. In.: Fundação Oswaldo Cruz. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1992, p. 86.
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho - Parnaíba-PI Julho/Dezembro de 2016. Ano 02, n° 03. contato.rphst@gmail.com http://www.rphst.com.br
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Ao Leitor
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Apresentamos ao público a terceira edição da Revista Piauiense de História Social e do Trabalho (RPHST), ano em que completa três anos de existência, com publicações semestrais e trabalhos de todas as partes do país. Para nós, tal fato demonstra que em 2015, ao iniciarmos este projeto, demos um passo modesto, porém significativo no incentivo da produção acadêmica voltada aos Mundos do Trabalho e à História Social no Piauí. Não podemos deixar de agradecer imensamente aos colaboradores desta, das passadas e das futuras edições de nossa Revista. O ano de 2017 é emblemático para nós, pois marca cronologicamente o Centenário da Revolução Russa, onde as esperanças e as forças de trabalhadores e trabalhadoras mostraram ao mundo o poder organizativo e vitalidade do povo. Nem tudo, porém, é comemoração; no Brasil, as medidas dos governos Federal e Estadual apontam para um aprofundamento das políticas neoliberais que precarizam cada vez mais as relações de trabalho, retirando direitos historicamente conquistados e alterando as já frágeis legislações trabalhistas, como a previdência social, e investimentos para saúde, educação, transporte e cultura. Essas medidas, propagandeadas por quase todos os meios de comunicação, não visam “salvar a economia do país” como prometem. Tem por objetivo aumentar o lucro de patrões e patroas, reduzindo as articulações de solidariedade dos/as trabalhadores/as, quer através de restrições ao direito de greve e aumento da carga horária de trabalho diário, ou pela intensificação da repressão contra os movimentos sociais. Como pesquisadores, não abandonamos a tarefa de debater academicamente as experiências geradas a partir das relações dos/as trabalhadores/as. Seguiremos assim, dentro de nossas possibilidades, colaborando com a ampliação dos estudos que nossa Revista tem o orgulho de divulgar. Desejamos enfim uma boa leitura a todos/as! Atenciosamente, Comissão de Organização e Edição da Revista Piauiense de História Social e do Trabalho - RPHST
Annahid Burnett
SOCIOLOGIA INDUSTRIAL: Uma abordagem histórica Annahid Burnett1 Resumo O objetivo deste artigo é apontar o surgimento da sociologia industrial dentro do arcabouço teórico e metodológico da sociologia e seu posterior desenvolvimento. A pesquisa bibliográfica concerne obras originais deste campo acadêmico, até então não traduzidas para o português, no intuito de aprofundar o conhecimento sobre a disciplina sociologia industrial dentro da academia. Estruturamos o trabalho a partir da evolução contextual e histórica pertinente ao nosso objeto de pesquisa. Palavras-chave: sociologia; educação acadêmica; trabalho na indústria. Abstract This paper aims to point the emergency of industrial sociology in the theoretical and methodological thought of sociology as well as its development a posteriori. The bibliographic research concerns original works in this academic field not yet translated into Portuguese, with the interest of search deeper knowledge about the industrial sociology discipline in the academy. We structured this work following the contextual and historical evolution concerning our object of research. Keywords: sociology; academic education; industrial labor.
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Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba. Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, PB. Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba, Licenciatura em Sociologia, Professora da disciplina Sociologia Industrial. aburnett8@hotmail.com; aburnett8@gmail.com
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Introdução
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A Sociologia em geral tem pontos em comum com outras disciplinas. Quando o objeto de estudo da sociologia é a indústria, constitui-se como ciência paralela à Psicologia Industrial e da mesma maneira se concentra no indivíduo que trabalha na indústria e focaliza os fatores sociais da indústria. Da mesma forma, a teoria neste campo deve explicar e unificar os dados colhidos, como a pesquisa deve testar a validade das hipóteses ou dos pressupostos traçados pela teoria. As técnicas sociológicas empregadas pela Sociologia Industrial são as mesmas da Sociologia em geral, adaptadas para as exigências específicas do fenômeno industrial. A pesquisa sociológica emprega diversas técnicas, como a investigação através de questionários e roteiros, a observação participativa, exame documental de arquivos, a experimentação, grupos de discussão, etc. A técnica aplicada a cada estudo em particular deve ser determinado pelo objeto. Por exemplo, grupos pequenos através da experimentação, assim como a ideologia do patronato através da observação ativa ou da entrevista e as oportunidades de trabalho através de roteiros ou questionários. Os dados obtidos através dos métodos citados podem receber um tratamento estatístico por técnicas quantitativas ou por recursos não quantitativos. De qualquer maneira, uma pesquisa sociológica para ter significação deve ser orientada por um corpo teórico, e, como é natural, a pesquisa pode demandar modificações teóricas, o que constitui o cerne da ciência (SCHNEIDER, 1976). Para Aron (1981, p. 73), a definição mais elementar da sociedade industrial é: “a sociedade onde a indústria seria a forma de produção mais característica. Uma sociedade industrial seria aquela onde a produção se realiza em empre-
sas”. Continuando com Aron (1981, p. 73) “a empresa industrial introduz um modo original de divisão de trabalho, um tipo de divisão interno à empresa, uma divisão tecnológica do trabalho, que é uma das características industriais modernas”. Nesta perspectiva, observamos que existe um consenso na bibliografia especializada na área da sociologia industrial, sobre a origem da disciplina como campo especializado, que foi a partir dos experimentos desenvolvidos na Western Electric Company em Chicago entre os anos de 1924 e 1927, MILLER & FORM (1964); GOULDNER (1946); GRINT (1998); PINTOR (1995); ROSE (1975). De acordo com Aron (1981), quando os métodos quantitativos se desenvolveram, a sociologia ganhou um caráter analítico e empírico e começam a aparecer as especialidades. Segundo Pintor (1995), apesar de a investigação empírico-industrial remontar dos últimos anos do século XIX, tanto na França, como na Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos, mas, principalmente na Alemanha, os experimentos de Hawthorne nos anos 1920 foram cruciais para a afirmação da Sociologia industrial. Para Pintor (1995) os trabalhos de maior relevância histórico-científica são os de Levenstein e os de Weber, na Alemanha, apesar da pertinência das investigações do governo francês pós-revolução de 1848 sobre as condições dos trabalhadores, incluindo a tentativa falha de investigação sobre os operários, de Marx na França. Devemos lembrar também os estudos promovidos por médicos voluntários da Comissão Real Britânica, na Inglaterra, através de oficinas a partir de métodos da observação direta. Também relevante é o estudo de Booth sobre as classes baixas de Londres e em seguida os estudos que se realizaram nos Estados Uni-
Annahid Burnett
dos no fim do século XIX, seguindo o modelo de Booth: a pesquisa de Adams sobre as classes baixas de Chicago e o trabalho de DuBois sobre os negros da Filadélfia (PINTOR, 1995). A Alemanha seguiu o modelo de pesquisa francês de observação direta, talvez porque a organização burocrática do Reichstag, pioneira desses trabalhos, pudesse garantir a eficácia na aplicação dos questionários. A primeira pesquisa foi feita em 1875 seguindo os modelos franceses e em 1890 seguiu-se um estudo de observação participante em uma fábrica e depois uma pesquisa em colaboração com Max Weber. Em 1872 foi fundada a União para uma Política Social onde se daria os estudos mais importantes do campo, inclusive as pesquisas para uma política social dirigidas por Max e Alfred Weber entre 1909 e 1911. Os temas das pesquisas eram sobre salário e produtividade; transporte e atividades de lazer; as ocupações das quatro últimas gerações familiares (para verificar a herança); história ocupacional, vida familiar etc. Os trabalhadores, em geral, se negavam a responder ao questionário, foi necessário Marie Bernays se infiltrar e trabalhar na fábrica durante quatro meses para obter algum resultado. De qualquer maneira, os resultados dessa pesquisa foram pouco conclusivos (PINTOR, 1995). Não podemos esquecer de mencionar o obra do estudioso alemão Adolf Levenstein, intitulada O problema da classe trabalhadora e publicada em 1912. Foi uma pesquisa que cobriu 63% dos oito mil trabalhadores têxteis, metalúrgicos e mineiros. O questionário continha 26 perguntas e a maior parte dos itens relacionados a antecedentes socioeconômicos, fadiga e monotonia no trabalho, desejos e expectativas, questões culturais e políticas. O principal resultado da pesquisa foi que a maioria dos trabalha-
dores preferia mudanças graduais do que revolucionárias (OBERSCHALL, 1965). A industrialização já havia se afirmado na sociedade ocidental no começo do século XX, como a uma forma social única conhecida como organização formal ou burocrática. Max Weber colocou o estudo organizacional na ordem do dia e na época da sua morte em 1920 seu trabalho já era reconhecido e estabelecido como campo de estudo para o desenvolvimento de uma agenda cheia em pesquisa e teoria sobre organização formal e burocrática. Apesar de a análise de Weber sobre burocracia tomar outros rumos fora do seu controle e se misturar com as condições patológicas da modernidade associada à secularização, racionalização com ênfase nos valores do mercado, muitos estudos no começo do campo da sociologia industrial e organizacional não adotaram necessariamente a perspectiva latente e crítica de Weber. Certamente foram os estudos da Western Electric que mostraram mais amplamente a relação entre a eficiência no trabalho e a organização burocrática (FISHER & SIRIANNI, 1984; PARSONS, 1937).
A pesquisa na Companhia Western Electric e o “Efeito Hawthorne”. Nos Estados Unidos, a pesquisa sobre as condições de trabalho começa dentro da mais pura linha taylorista para culminar nos experimentos nas oficinas de Hawthorne da Western Electric Company, em Chicago, sob a direção de Mayo, onde 29 mil empregados, representando sessenta nacionalidades, produziam campainha para o sistema de equipamento telefônico (GRINT, 1998). Esses experimentos, de 1927 a 1932, colocam em questão os princípios básicos do taylorismo: a motivação econô-
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mica no trabalho e os determinantes físicos da produtividade. A descoberta da importância das relações informais no trabalho, o papel do grupo como mecanismo de identificação e controle e a necessidade de novos estilos de supervisão abriram os caminhos para a pesquisa em três direções: as “Relações Humanas”, focando as relações entre supervisores e empregados; o estudo de grupos de trabalho e liderança na linha de pesquisa do Institute for Social Research da Universidade de Michigan, fundado em 1946; e a “Nova Escola das Relações Humanas”, batizada por Goldthorpe, na qual a realização do indivíduo na vida depende de sua realização no trabalho (PINTOR, 1995). Para Grint (1998), as características técnicas do taylorismo não vão de encontro essencialmente às implicações sociais das relações humanas, pois ambas são tecnocráticas na orientação, sendo que a abordagem das relações humanas é mais crítica no que diz respeito ao modelo taylorista da eficiência organizacional, ou seja, considera a interação social e não o dinheiro, o motivador primário no trabalho. Esses estudos levaram ao chamado “efeito Hawthorne”, o fato de que as pessoas alteram seu comportamento quando sabem que estão sendo observadas. As pesquisas na Western Electric estavam preocupadas em entender sob que condições a produtividade e eficiência do trabalhador podem aumentar. As condições físicas no trabalho, tais como iluminação e outros fatores, como as horas trabalhadas ou salários e benefícios, eram ajustadas para ver como tais variações impactariam a produtividade dos trabalhadores. Surpreendentemente, quase todas condições experimentais impostas aos trabalhadores produziram o mesmo efeito: a produtividade aumentou. Por causa de toda essa atenção de-
dicada aos trabalhadores na organização pesquisada, um senso maior de importância e obrigação, um esforço maior do que o usual estavam sendo canalizados num “bom espetáculo” para os pesquisadores. A descoberta de que as atitudes dos trabalhadores têm um profundo impacto na produtividade e eficiência levaram a uma nova ênfase implantada na organização social da burocracia e especialmente na natureza da gestão – relações dos empregados (GOULDNER, 1946). Nos anos de 1930, Elton Mayo (1933) colocou os resultados dos estudos de Hawthorne em prática com seu programa de gestão de relações humanas. Na sua essência, a sociologia industrial foi edificada nas descobertas a partir de Weber até os experimentos de Hawthorne na década de 1920 e através das práticas e teorias da nova gestão na década de 1930, na amplidão das forças sociais que foram desencadeadas com a emergência da civilização industrial. A Sociologia estava então, bem posicionada a contribuir substancialmente para o entendimento e operação eficiente da burocracia, uma vez determinada que a natureza do grupo e relações humanas estavam intimamente ligadas à motivação do empregado, à produtividade e à satisfação no trabalho. Entre os meados de 1930 e começo da década de 1950, o interesse dentro da sociologia nos assuntos concernentes ao trabalho, indústria e burocracia cresceram enormemente. Por exemplo, em 1946, a Sociedade Americana de Sociologia criou uma seção especial sobre a Sociologia Industrial (CRISS, 2001).
A evolução da Sociologia Industrial. Durante as primeiras décadas do século XX, os intelectuais estavam bastante focados nos efeitos indesejáveis da
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industrialização e urbanização. Uma preocupação geral com os problemas sociais do cotidiano ligada a essas tendências da modernidade aparecia no meio dos problemas de cidadania e das proeminentes formas progressivas dos movimentos socialistas. Durante a década de 1920, uma outra forte orientação na sociologia começou a se desenvolver numa tentativa de legitimá-la como ciência positivista (ABBOTT, 1999). A maior preocupação da sociologia positivista era a de coletar dados e “fatos” sobre o mundo social empírico ao invés de construir juízos de valor sobre o mundo e a tentativa de molda-lo corretamente (LIPSET, 1955). De acordo com Lipset (1955), existia um sentimento de que a sociologia deveria aspirar a criação de uma teoria sistemática para ser aplicada como categoria central analítica da organização social. Havia uma discordância sobre os métodos positivistas e a ênfase na valorização das medidas quantitativas, e a tendência positivista de transformar a sociologia em demasiada técnica em detrimento ao desenvolvimento sistemático da teoria sociológica. Os métodos quantitativos ficaram conhecidos pejorativamente por empirismo abstrato. No começo da década de 1930 parecia existir um acordo sobre a importância da centralidade na compreensão da comunidade como sistema social. Esse evento coincidiu com a Grande Depressão que causou a desorganização social a muitas comunidades, levando-as à indigência e, subsequente emergência do welfare state. Com isso, estudos concretos sobre grupos específicos da depressão foram substituídos por estudos que tentavam explicar as inter-relações funcionais da comunidade inteira. Lipset (1955) argumenta que os seguidores de Lynd (1929) tendiam a enfatizar a necessidade dos estudos empí-
ricos, os quais assumiam a inter-relação funcional de todos os comportamentos sociais, mas que eram orientados pelas pressões dentro do sistema social. Por outro lado, a corrente de MacIver (1917) enfatizava a necessidade de mais teoria sistemática ao que concerne à operacionalidade do sistema social. Ao mesmo tempo, o conjunto teórico de Talcott Parsons1 (1937), na linha funcionalista, foi se tornando o enfoque teórico mais aceito na sociologia em geral. Como já foi mencionado anteriormente, a emergência da sociologia industrial foi caracterizada pela apropriação das ideias de Weber no que concerne a estrutura e características das organizações formais. Esses trabalhos enfatizavam a noção de Weber de que a burocracia representava a forma mais racional e eficiente de relações sociais para alcançar os objetivos específicos da organização. Nos anos de 1940, Parsons e seus seguidores desenvolveram a teoria funcionalista dentro dos mais altos padrões e perspectivas da sociologia. O funcionalismo que visava a identificação das estruturas e processos de várias partes da sociedade os quais, através de suas funções próprias, se encarregam de contribuir com a manutenção da sociedade como um todo, com ênfase extrema na ordem social e na importância do compartilhamento das normas e valores para a manutenção de tal ordem. 1
Talcott Parsons, sociólogo norte-americano, influenciou três gerações de sociólogos, formouse no Amberst College, onde se dedicou principalmente a estudos de biologia. Na London School of Economics, estudou com Hobhouse e Ginsberg, além do antropólogo Malinowsky. Doutorou-se em 1927 pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Em 1928 assumiu a cadeira de economia em Havard e tornou-se membro do departamento de sociologia, cujo presidente era Sorokin. Em 1946 tornou-se chefe do novo Departamento Interdisciplinar de Relações Sociais da Universidade de Havard.
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Em 1940, Robert Merton publicou um ensaio muito importante intitulado Bureaucratic Structure and Personality, no qual resumiu a descrição e caracterização da chave analítica da burocracia moderna de Weber. É importante ressaltar que Weber foi uma grande influência no trabalho de Merton graças, em grande parte, à Talcott Parsons, já que Merton foi aluno de Parsons em Harvard nos anos de 1930 e, que o próprio Parsons foi o sociólogo que mais divulgou os escritos de Weber na América. Foi Parsons que, em 1930, traduziu A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Weber, publicado orginalmente em 1904-1905. Depois, em 1937, Parsons produziu um extenso tratado sobre o trabalho de Weber A Estrutura da Ação Social.
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Apesar de Merton ter sido influenciado por Parsons e pela sua leitura de Weber, Merton sempre manteve uma perspectiva crítica sobre o funcionalismo ortodoxo e, principalmente sobre os elementos críticos latentes no pensamento de Weber os quais foram quase que totalmente negligenciados por Parsons. A interpretação Parsoniana sobre Weber exagerou as diferenças com Marx em muitas áreas e às vezes com tendência a apresentar Weber como uma espécie de anti-Marx. Então, Merton levantou uma crítica corretiva do funcionalismo ortodoxo Parsoniano com distinções entre funções manifestas e latentes, especialmente introduzindo o conceito de “disfunção”, que são as consequências observadas, as quais diminuem a adaptação ou ajustamento do sistema (WRONG, 1981). No entender de Coleman & Cressey (1996), Merton foi além da mera reprodução das características das organizações formais de Weber, com sua discussão sobre as “disfunções” da burocracia. Ele argumentou que desde que a buro-
cracia existe para estabelecer os objetivos, pressuposto do comportamento dos atores na organização, é assegurada pelo critério técnico como manifestação organizacional, uma divisão do trabalho altamente refinada, uma cadeia de comando explícita e objetividade e impessoalidade ao lidar com os funcionários. Esta aderência às regras, originalmente estabelecida como um significado eficiente para o cumprimento das tarefas da burocracia, eventualmente se torna um fim em si mesmo, dando lugar à disfunção organizacional que veio a ser conhecida como “deslocamento de objetivo”, ou seja, o deslocamento dos objetivos organizacionais para longe do propósito original, quando um empregado faz alguma coisa que interfere no cumprimento dos objetivos da organização com o intuito de proteger seu emprego. Da mesma forma, a disciplina, que é valorizada porque presumivelmente assegura a conformidade com as regulações organizacionais, é transformada num valor imediato da organização de vida do burocrata. Por conseguinte, a personalidade burocrática é aquela que tende ao ritualismo na sua obsessão com regras e disciplina onde a ênfase no procedimento e regras efetivamente desloca o objetivo original de toda a organização. De acordo com Crothers (1990), através da utilização do potencial crítico da teoria weberiana, Merton elaborou uma perspectiva crítica sobre estudos organizacionais sem ter que invocar Marx e ao mesmo tempo mantendo os padrões da teoria funcionalista. Da mesma forma, seus seguidores Selznick, Gouldner, Blau, Lipset, entre outros, desenvolveram um entendimento mais sistemático e mais empiricamente estruturado, do que uma compreensão meramente especulativa da burocracia.
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Observamos bem a influência de Merton no artigo de Gouldner intitulado Discusssion, publicado em 1948 no American Sociological Review, no qual Gouldner critica com veemência o trabalho Industrial Sociology: Status and Prospects de Wilbert C. Moore, de 1948. Gouldner afirma que Moore e outros acadêmicos tendiam a reproduzir uma apropriação não crítica do trabalho de Weber e sugere que a teoria de Weber tinha atingido um patamar tão alto entre os sociólogos que eles terminaram por permitir que a teoria embotasse a percepção sobre as organizações, de tal forma que isto os impedia de perceber o que estava realmente acontecendo. Gouldner reitera que a apropriação padronizada de Weber explicaria que os empregados da burocracia valorizam tanto as regulações e rotinas das suas tarefas que tendem a perder de vista os objetivos organizacionais mais amplos, o que os leva ao acúmulo de trabalho e atraso no atendimento aos clientes da organização. De acordo com Gouldner, a uniformidade das explicações sobre a teoria weberiana e atenção inadequada aos problemas empíricos, nos mostram claramente que os sistemas teóricos alternativos não estão sendo suficientemente explorados no intuito de determinar o que podem nos oferecer em relação à compreensão do problema. Ou seja, Gouldner propõe que o comprometimento com um único sistema teórico, apartado do exame empírico do problema no qual está sendo aplicado, é tão perigoso quanto uma pesquisa sem teoria. Portanto, Gouldner adverte aos sociólogos da nova disciplina em ascensão, a sociologia industrial, que não negligenciem a pesquisa empírica em favor de uma mera aceitação passiva de teóricos clássicos como Weber, sugerindo que adotassem uma orientação crítica em relação à teoria e problemas asso-
ciados com a aceitação acrítica do conhecimento teórico. De acordo com Crothers (1998), Gouldner foi fortemente influenciado pela ênfase na pesquisa empírica de Merton como um complemento necessário para a teoria, pelos seus escritos sobre estrutura burocrática e pela sua teoria sobre o local versus influências cosmopolitanas. Em relação à pesquisa empírica, muitos dos mais importantes estudos da Universidade de Columbia sob a supervisão de Merton durante a década de 1940 e 1950 tiveram um enfoque de estudo de caso e incluíram ampla investigação de cada organização através da observação extensiva e levantamento de documentação organizacional como também algumas entrevistas.
Considerações finais O trabalho de Weber enfatizava que a burocracia era a forma mais racional e eficiente de ordenar as relações sociais para propósitos de atingir os objetivos das organizações formais modernas. Os funcionalistas, especialmente Parsons, também adotaram esta noção e enfatizaram que a burocracia moderna é um sistema de limite de manutenção que busca atingir objetivos específicos. Mas, funcional para quem? E para que? Weber e os funcionalistas viam essas funções preenchidas ou perseguidas pela organização como um todo, sem perceber que várias partes da organização pode, certamente e quase sempre, buscar diferentes, e, às vezes, objetivos incompatíveis (GOULDNER, 1954). Portanto, a herança que recebemos do mainstream da sociologia industrial, tenta mostrar o equilíbrio precário entre as duas forças antagônicas, de um lado um corpo teórico sólido baseado em pesquisa empírica para evitar problemas
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de relativismo, enquanto, do outro lado, assegurando que a teoria é suficientemente auto-reflexiva e auto-crítica, para evitar os perigos da cegueira clientelista e partisan2 ou sucumbir aos desmandos de figuras autoritárias.
Referências ABBOTT, A. Department and discipline: Chicago sociology at one hundred. Chicago: Chicago University Press, 1999. ARON, Raymond. Dezoito lições sobre a sociedade industrial. Brasília: Martins Fontes/Ed da UNB, 1981. COLEMAN, J. W. & CRESSEY, D. R. Social problems. New York: Harper Collins, 1996.
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CRISS, James. Alvin W. Gouldner and the Industrial Sociology at Columbia University. Sociology & Criminology Faculty Publications, 2001.
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O substantivo masculino francês partisan originou-se do italiano partigiano que significa pessoa devotada à uma organização, à um partido, à um ideal, à uma pessoa, etc. Também usado para designar combatente voluntário que não pertence a um exército regular. Como adjetivo, partisan de é utilizado para se referir à uma pessoa favorável à algum projeto, ideal, pessoa, etc. Seu uso pejorativo foi generalizado significando “tomar partido” ou “ser inspirado pelo espírito de partido” (Dicionário Petit Larousse). O adjetivo também é sinônimo de “injusto”, ou seja, apoiar lealmente uma pessoa, princípio ou partido político sem considerar ou julgar o problema cuidadosamente. O substantivo também pode se referir à soldado, membro de uma força armada secreta cujo objetivo é de lutar contra o inimigo que está controlando o país (Cambridge International Dictionary of English). O termo foi utilizado na Segunda Guerra Mundial para designar membro de grupo de civis armado engajado em combater inimigos dentro de território ocupado (The Random House Dictionary).
CROTHERS, C. The dysfunctions of bureaucracies: Merton’s work in organizational sociology. In J. Clark, C. Modgil, & S. Modgil (Eds), Robert K. Merton: Consensus and controversy (pp. 193-226). London: Falmer Press, 1990. CROTHERS, C. Patterns of manifest and latent influence: A double case study of influences on and from K. Merton. In: C. Mongardini & S. Tabboni (Eds.), Robert K. Merton and contemporary sociology (pp. 197- 210). New Brunswick: Transaction Publishers, 1998. FISHER, F. & SIRIANNI, C. Critical studies in organizational and bureaucracy. Philadelphia: Temple University Press, 1984. GOULDNER, A. W. Basic personality structure and subgroup. Journal of Abnormal and Social Psychology, 41, 356358, 1946. GOULDNER, A. W. Discussion. American Sociological Review, 13, 396400, 1948. GOULDNER, A. W. Patterns of industrial bureaucracy. Glencoe: Free Press, 1954. GRINT, Keith. Sociologia do Trabalho. Lisboa, Portugal: Instituto Piaget, 1998. LIPSET, S. M. The department of sociology. In: R. G. Hoxie (Ed.) A history of the faculty of political science, Columbia University (pp. 284-303). New York: Columbia University Press, 1955. LYND, R. S. & LYND, H. M. Middletown: A study in American culture. New York: Harcourt Brace, 1929. MacIVER, R. M. Community: A sociological study. London: Macmillan, 1917.
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Antonio da Silva Carvalho Filho
LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÃO APAGA: A Estrada de Ferro Central do Piauí sob a narrativa de ex-ferroviários. Antonio da Silva Carvalho Filho1
Resumo Este artigo tem por objetivo analisar as lembranças na memória de ex-trabalhadores ferroviários bem como suas práticas cotidianas de trabalho durante o processo de implantação e manutenção dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Piauí, a fim de identificar as principais transformações urbanas na cidade de Campo Maior com a chegada do transporte ferroviário. Desta maneira, para responder a problemática da pesquisa, será utilizada a metodologia da história oral, que abrangeu uma visão até então silenciada sobre o processo de construção da ferrovia; o fazer ferroviário narrado pelos próprios trabalhadores. Palavras-chave: Trabalho, Memória, Ferroviários.
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Abstract This work aims to analyze memories in the memory of former railway workers as well as their daily work practices during the process of implementation and maintenance of the rails of the Central Railway of Piauí, in order to identify the main urban transformations in the city of Campo Larger with the arrival of rail. In this way, to answer the research problem, the methodology of oral history will be used, which covered a previously silenced view about the process of construction of the railroad; The railroad narrated by the workers themselves. Keywords: Work, Memory, Rail.
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Graduado em História pela Universidade Estadual do Piauí - (UESPI). E-mail. historiadeclio@hotmail.com
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano II, n. 03. Julho-Dezembro de 2016. Parnaíba-PI
Introdução Este trabalho apresenta como proposta realizar uma análise histórica referente à implantação dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Piauí, em especial, buscamos perceber como a chegada da ferrovia impactou no processo de desenvolvimento urbano da cidade de Campo Maior-Piauí, durante a década de 1960. A pesquisa contribui como uma nova produção em relação a esta temática, mesmo porque, atualmente existem poucos trabalhos em nível de Piauí, assim como, ainda não foi publicado nenhum trabalho com essa problemática sobre a cidade de Campo Maior. Para alcançar tal meta, recorremos à metodologia da história oral através de relatos de ex-trabalhadores ferroviários, por meio de entrevistas temáticas sobre acontecimentos guardados na memória desses trabalhadores que vivem em Campo Maior, e guardam em suas memórias lembranças do período de construção desta estrada de ferro. O Piauí foi um dos últimos estados brasileiros a ser contemplado com o transporte ferroviário. Depois de muito atraso em relação às demais regiões brasileiras, os projetos ferroviários em última instância, demostravam a importância dessa concretização para o estado, como observa a historiadora piauiense Lêda Rodrigues Vieira, ao mencionar que a “estrada de ferro era sinônimo de progresso em todo o país e o Piauí não poderia ficar fora desse ideal [...]” (VIEIRA, 2010, p. 41). As condições de abandono com o sistema ferroviário do Piauí persistiu até final do Império, com o advento da República as ferrovias tendiam a se expandir pelo Brasil. Foram cogitados inúmeros projetos de implantação de ferrovias para o território nacional, con-
tudo constatamos que alguns desses planos ferroviários englobavam o Piauí. Em mensagem apresentada à Câmera Legislativa no ano de 1921, o governador João Luiz Ferreira, menciona um fato importante que deve ser marcado como episódio histórico para o Estado do Piauí, o legislativo enfatiza a importância de concretização do trecho ferroviário que ligaria o norte Piauiense, de Amarração (atual Luís Correia) a Campo Maior por via-férrea. A construção de estradas de ferro no Piauí almejava solucionar as carências do transporte no estado, um intercâmbio de aspirações ao progresso (PIAUÍ, 1921, p. 16). Os primeiros projetos em torno de assentamento dos trilhos iniciais da Estrada de ferro Amarração - Campo Maior (posteriormente denominada; Estrada de Ferro Central do Piauí E.F.C.P) ficaram a cargo da empreiteira South Americam Railway, ligada a construções da Rede de Viação Cearense, por meio do decreto 8.711 de 10 de maio de 1911 que construiria a ferrovia ligando Amarração até Campo Maior, porém, de acordo com o decreto número 11.692, esse convênio entra em recluso em 22 de agosto de 1915 (CERQUEIRA, 2014). Segundo Lêda Vieira “somente em 19 de novembro de 1916 que ocorreu a inauguração do primeiro trecho ferroviário na região norte do Estado, entre Portinho e Cacimbão, com 24 km de extensão.” (VIEIRA, 2010, p.48). Os trilhos deviam ser assentados até Campo Maior interligando a Rede de Viação Cearense, porém todo esse percurso é marcado por muitos retardamentos e interrupções, sendo dessa forma que acontece à implantação dos primeiros trilhos ferroviários no estado. A chegada da ferrovia modificou os cenários de muitas cidades piauienses,
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como Parnaíba, local de construção dos primeiros trilhos ferroviários do Estado, Cocal da Estação, Piripiri e Campo Maior, destas urbes sob a observação de Lêda Rodrigues, em relação à cidade de Parnaíba, com a construção da ferrovia o porto de Amarração se tornaria um dos maiores símbolos de modernidade e progresso para o Estado do Piauí, capaz de abrir “ondas” do comércio piauiense com o exterior e outros centros brasileiros.
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Em 1937, a ferrovia chegou à cidade de Piripiri, segundo José de Arimatéia Isaias Ferreira a “ferrovia seria um dos grandes catalisadores de benfeitorias que a cidade passaria a experimentar a partir da década de 1930, o que transformaria a malha urbana da cidade” (FERREIRA, 2010, p. 78). Durante muitos anos, Piripiri foi o ponto final da Estrada de Ferro Central do Piauí, contudo, os projetos consultados durante o desenvolvimento desta pesquisa nos mostram que a próxima parada do trem de ferro no norte piauiense seria a estação de Campo Maior, passando por Capitão de Campos, Cocal de Telha e Sambaiba, última estação antes de Campo Maior, com destino a Altos e Teresina. Em artigo publicado por Artur Passos no jornal O Dia em 1961 intitulado “Uma Grande Realização” é noticiado um grande avanço na Central do Piauí: A inauguração do trecho da Estrada de Ferro Central do Piauí que liga Piripiri a Campo Maior constitue, sem dúvida, um acontecimento fora do comum, sendo certo que desde a volta do país ao regime constitucional nenhuma obra pública, em função de economia entre nós inaugurada, se equipara ao brilnhante feito do 2ª Batalhão de Engenharia de Construção. [...] Infelizmente em 30 a Central do Piauí já esta-
va em Piripiri e agora em 60 só de lá saiu empurrada por vontadosos técnicos do exercito (PASSOS, 1961. p.1). Artur Passos relata o abandono por parte da federação ao estado do Piauí na sua caminhada para o progresso, enumerando caminhos de poderios econômicos para o estado que vive apenas de “gorjetas escassas e conversas aleatórias de vésperas de pleitos” o Estado ficaria apenas “sob os eflúvios do narcótico da Boa Esperança” que na década de 1960 marcaria 1980 anos de abandono do Porto de Amarração. Como já mencionamos a importância dessa realização, Artur Passos encerra relatando a alegria com a qual os campomaiorenses receberam esse grande feito: [...] o povo de Campo Maior, fora de si, abriu as comportas de seu justo entusiasmo, gritando, batendo palmas e vivando os veros heróis dêste magnifico combate de respeito às responsabilidades que lhes foram atribuídas; de amor à nossa terra, que também é brasileira, e de incontestável valor para o progresso, para a economia pública e privada da gente piauiense (PASSOS, 1961. p. 1). Com a conclusão da ferrovia até Campo Maior, a estação ferroviária inaugurada em 1953, passa a ser um novo ponto de encontro dos campomaiorenses, a diversão era garantida com a presença dos moradores, que quando ouviam o apito da “Maria Fumaça” logo saíam para dar boas vindas ao trem chegando à estação, que passa a ser um local de socialização, comércio e venda, onde os moradores se encontravam curiosos para verem o trem de ferro chegar à cidade.
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A construção da metodologia de pesquisa e a identificação dos sujeitos estudados Para alcançar a meta proposta neste trabalho recorremos ao uso da metodologia da história oral, a partir de uma investigação com ex-ferroviarios. Tendo em vista que o uso dessa fonte de pesquisa tem ganhado muita credibilidade no meio acadêmico desde a década de 1980, com isso o uso da história oral, se interliga diretamente com o estudo sobre memória, esta, imprescindível para a construção deste aporte teórico, constituída como base e movida por um testemunho que em certo período contemporâneo de sua vida vivenciou um acontecimento, o que nos permite desvendar lembranças próximas, crenças, acontecimentos políticos ou sociais vividos pelo sujeito. A princípio entrevistei dois extrabalhadores ferroviários residentes em Campo Maior. A partir desses, encontrei outros trabalhadores por indicação dos mesmos, o que fez aprimorar mais essa investigação. Ouvi relatos de exferroviarios que ainda residem arredores do prédio da Estação Ferroviária de Campo Maior, local conhecido como Vila Ferroviário (atual Bairro Estação). Para discutir essa relação tecida entre as lembranças e determinados lugares que são registros de memória, recorremos às análises de Michael Pollak (1992), ao associar a busca da memória pelo exercício da história oral. O autor relata que é preciso observar o “lugar social” no qual o sujeito viveu, em seguida é necessário entendermos os “acontecimentos vividos” na memória das pessoas, ou mesmo o ser social. Os lugares de apoio de memória que dão sustentabilidade a essa problemática se configuram a partir da experiência do trabalho ferroviário.
Segundo Pollak, “a memória é, em parte, herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são em função do momento que ela é articulada, em que ela está sendo expressa” (POLLAK, 1992, p. 200). Para tanto, é interessante percebemos as relações de memória arquivadas pelos vários sujeitos sociais que constitui essa metodologia de pesquisa. Entretanto, esse processo às vezes é marcado pelo esquecimento, o que Pollak chama de silêncios “não-ditos” já que a memória pode ser entendida como um processo de construção através de um aparelhamento de certos fatos e acontecimentos sociais vividos pelo sujeito. De acordo com Pollak, os relatos escritos são constituídos de memórias e são a partir dessas fontes que o historiador constrói seu objeto de estudo, para isso o trabalho do historiador faz-se sempre a partir de alguma fonte, assim como a produção que fazemos do passado, inclusive a construção mais positivista, sempre tributária da intermediação de fontes documental (POLLAK, 1992). Segundo Paul Thompson, a história oral se constitui como uma abordagem metodológica de interpretação de sociedades e culturas em processo de transformação, a escuta de histórias de vida, poderia responder questionamentos a respeito dessas transformações. Para ele, os trabalhos de história oral mais fecundos, estão relacionados com os sujeitos que não tem registros históricos convencionais ou documentados (THOMPSON, 2002. p.24). A historiadora Lucilía de Almeida Neves Delgado define a história oral como um “procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar através de narra-
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tivas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a história em suas múltiplas dimensões” (DELGADO, 2010, p.15) Delgado se refere às relações de tempo, de fatos e as relações consensuais, uma metodologia de pesquisa que constitui novos caminhos para produção historiográfica, trata-se, portanto, de uma produção especializada de documentos e fontes, realizada com interferências do historiador e na qual se cruzam intersubjetividades (DELGADO, 2010).
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Carolina Alencar (2011) em sua pesquisa de história oral acerca da ferrovia Madeira Mamoré, relata que os ferroviários representam um grupo social com memórias em comum, para a pesquisadora a memória dos ferroviários, “traz consigo reflexões de um grupo social que não teve voz na história oficial, mas que está envolvido em práticas comuns de organização, relações de trabalho e sentimento de pertencimento a cerca de um patrimônio em comum” (ALENCAR, 2012, p. 28). A problematização da história oral no meio ferroviário garante voz às lembranças dos ferroviários que são compostas do período da construção da ferrovia no trecho Piripiri a Campo Maior. As lembranças na memória dos ferroviários foram provocadas durante as entrevistas. De acordo com Ecléa Bosi em sua obra Memória e Sociedade: lembranças de velhos. (1994) “o maior número de nossas lembranças nos vem quando nossos pais, nossos amigos, ou outros homens, no-las provocam” (BOSI, 1994, p. 55). Esse incitamento faz parte da busca por acontecimentos vivenciados pelo sujeito em um determinado período. Logo, segundo Bosi “Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado” (BOSI, 1994, p.55). Isso remete a
reconstruir um passado marcado por experiências, e simbologias desses momentos vividos, até por que a “lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual” (BOSI, 1994. p. 55). O que justifica este trabalho uma vez que esta ferrovia foi extinta, e nos resta às lembranças de ferroviários, de pessoas que lembram e vivenciaram o período de funcionamento do trem na Central do Piauí. A partir dessa fundamentação percebemos que a rememoração presente na fala dos trabalhadores ferroviários nos mostra o quanto a ferrovia fez parte de suas vidas, marcada por vários sentimentos. Essa investigação foi configurada a partir da busca de informações sobre o olhar dos ferroviários e suas atuações na construção e manutenção da ferrovia, nessa perspectiva, esse tipo de averiguação como observa Carolina Alencar (2011) sobre as memórias de trabalhadores ferroviários, é possível descobrir as tramas do cotidiano, os modos de vida, as resistências assim como os aparelhamentos desses labutadores dentro da cidade e a maneira pela qual, diversos atores sociais se abarcaram dentro do contexto da história da ferrovia (ALENCAR, 2012). “Não tou lhe dizendo que era pesado, caboclo mole não aguentava”: O fazer ferroviário e suas relações de trabalho Durante a coleta dos dados através da história oral seguimos as orientações de Verena Alberti (2005) em relação à metodologia da história oral, segundo a autora a historia oral pode ser definida como método de averiguação científica, como fonte de pesquisa (ALBERTI, 2005). Logo, precisamos enfocar na elaboração de boas perguntas a fim de
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obter os resultados propostos nos objetivos do trabalho. Feito isto, precisamos verificar e selecionar os entrevistados, para depois da entrevista selecionar os dados a serem expostos (ALBERTI, 2005.) Durante as entrevistas vários sentimentos foram resgatados como, risadas de momentos vividos com colegas de trabalho, tristezas, sentimentos de saudades, demonstração de dores, cansaço, marcado pelo serviço na ferrovia. Alguns ferroviários levam marcas de dores no corpo até hoje, outros, doenças que os fazem sofrer por terem trabalhado em um serviço que exigia muita força física. O tipo de entrevista adotado foi à entrevista temática, a partir dessa, podemos conhecer sobre acontecimentos vivenciados pelos sujeitos entrevistados, essas são entrevistas que “versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido” (ALBERT, 2005, p.39). diferente da “história de vida que têm como centro de interesse o próprio indivíduo na história” (ibidem, 2005, p.39). A escolha de nossos entrevistados se justifica por serem sujeitos que atuaram como ferroviários na construção e manutenção da central do Piauí. Durante a realização dessas entrevistas usamos questionários para saber sobre a história de vida dos entrevistados a fim de conhecer um pouco mais sobre sua trajetória de vida. Diante disso, lançamos alguns questionamentos a fim de atentarmos em saber como era trabalhar na estrada de ferro? Descobrir os motivos que fizeram essas pessoas ingressarem neste serviço? Como conseguiram o emprego? O que faziam no dia a dia trabalhando como ferroviário? Como eram as condições de trabalho? Estes são alguns dos questio-
namentos que buscamos obter resposta no ato das entrevistas. O trabalho na construção de aterros, pontes, pontilhões, colocando dormentes, fazendo manutenção da ferrovia, limpando as margens da estrada, construindo aterros, assentando trilhos, são funções desempenhadas pela maioria dos entrevistados nesta pesquisa, com exceção de um ferroviário que depois de trabalhar na parte mais pesada exerceu o cargo de “mestre de linha”, Ele tinha a função de comandar turmas de “casacos”, ou seja, homens simples que exerciam trabalhos mais pesados na construção da ferrovia. Ao entrevistarmos o senhor Antonio Francisco de Oliveira um ex- ferroviário que trabalhou na construção e manutenção do trecho entre Piripiri, Campo Maior e Altos, durante a década de 1970, o mesmo relata que iniciou o trabalho aos 16 anos na ferrovia. Ao falar do serviço enquanto ferroviário ele guarda em sua memória lembranças do período quando começou a trabalhar: Primeiro eu trabalhei em capatazia carregando dormente para a beira da estrada de ferro, por exemplo; a gente apanhava na mata os dormentes no caminhão, antigamente isso aqui (gesto) era tudo cheio de dormente; esse pátio ai era cheio de dormente empilhado. Quando eu comecei a trabalhar aqui, tinha o Pedro Maranhão, que morava lá naquela casinha ali. Aí ele disse; ‘Toim, rapaz, tu da pra trabalhar na estrada de ferro que tu aguenta’, que aí, não era todo homem que aguentava não. [...], aí era serviço pesado, roçava era por cima de maribondo, intaliana, era sofrido. Serviço de estrada de ferro é como serviço de roça (OLIVEIRA, 2015). O relato do senhor Antonio Francisco de Oliveira demostra que trabalhar na construção da estrada ferro era um
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serviço pesado e desgastante. Ele relembra que saía para trabalhar muito cedo e muitas vezes não voltava para casa no mesmo dia. O trabalho de sol a sol marcou a construção de pontes sobre rios, construção de aterros, implantação de trilhos, manutenção de dormentes e reaparelhamento de trilhos, o serviço é marcado pela busca da sobrevivência e do sonho de ver o trem de ferro chegar a Campo Maior. O senhor João Alves Pereira conservador de linha trabalhou na construção e manutenção da Central do Piauí durante a década de 1970. Nesse período o mesmo estava desempregado e muitas vezes para trabalhar na ferrovia era por indicação de algum conhecido, o Senhor João Pereira lembra muito bem como consegui o emprego:
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Eu comecei a trabalhar na estrada de ferro em 75, o Das Chagas conhecia minha irmã, aí ele: ‘Branca, teu irmão ta desempregado?’ Nesse tempo eu morava lá no interior; ‘ele ta desempregado!’ ‘Ele tem todo documento?’ Ela disse; ‘tem’! Ai ele mandou eu vi falar com o velho Alberto que morava aqui, ai eu vi, aí ele, ‘pois venha tal dia’, aí quando eu min empreguei fui trabalhar lá na Sambaiba dos Negros por que não tinha vaga aqui, já tava completo (PEREIRA,2015). Assim como o seu Antonio Francisco de Oliveira, o seu Pereira conseguiu emprego na ferrovia através de um intercessor que conhecia a irmã do mesmo, como narrado pelo ferroviário. Para ele conseguir o emprego na ferrovia, precisou apenas de documentos pessoais e ajuda da irmã. Diante disso percebemos ainda que o mesmo não havia estudado, portanto, a necessidade de sobrevivência fez com que ele suportasse a dura jornada de trabalho como fer-
roviário ao ser deslocado para localidade Sambaiba dos Negros, um povoado a cerca de 40 quilômetros de Campo Maior. A seguir o ferroviário narra às práticas ferroviárias que exercia: Nós fomos pra lá, chegava lá era trocando dormente, tirando dormente ruim e botando novo, nos fazia era capinar na beira da linha, trocar os dormentes, era roçar para ficar tudo limpo, capinar ao redor da linha, se o aterro tava ruim a gente carregava piçarra e botava lá. O trabalho era esse, no começo eu só aguentei porque a pessoa que não tinha estudo não tinha profissão, o jeito era encarar, porque o dinheiro não falhava, era bom, aí foi o jeito, era fazer o esforço. Teve caboco que abriu menino; teve gente que abriu, por que disse que não ia morrer não, agora do meio para o fim é que foi melhorando (PEREIRA, 2015). Como o local onde o senhor João Pereira trabalhava era distante de sua residência ele lembra como era o deslocamento até esse trecho da ferrovia, muitas vezes caminhando ou de trole. A seguir o mesmo explica como era o transporte. O trolher tinha as rodas de ferro em cima dos trilhos, ia até seis, sete homens, ia o feitor sentado na frente, ia quatro empurrando o trole com a varra. Agente já chegava lá cansado! Nas descidas era bom demais, podia sentar que ele ia embora, agora na subida, o cabra suava pra botar força pra ele subir, chegava cansado, eu empurrei demais, era dois de um lado dois do outro, a roda apoiava nos trilhos que só sai se o trilho tiver baixo, um lado mais baixo, ou tiver qualquer problema, mas se não for, ele corre, ai que desaba numa carreira monstra. Próximo à roda tinha um buraco, o cabra botava pra ele parar, o
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cara metia a vara ai ela parava, o freio era a vara. [...] Era puxado, no começou era quase uma escravidão, era puxado mesmo! Hora; o cara descia do trolher, chegava cansado de empurrar trole, ai já ia trabalhar, rapaz saiu foi muita gente da estrada de ferro por que disseram que não aguentava, o serviço era duro, tinha dia que saia a noite e chegava de noite, um serviço desse era maneiro? (PEREIRA, 2015.) Quando o trole estava carregado de trilhos ou dormentes, os ferroviários tinham que se deslocar caminhando e empurrando o trole até o local de serviço, já que era o único transporte de deslocamento dos ferroviários para diversos trechos da ferrovia, com exceção, das viagens nos vagões da locomotiva. O senhor relata que saiam ainda de madrugada para trabalhar, assim, quando o dia amanhecer eles já estaria no local de serviço, chegando cansado de empurrar trole iam direto para o trabalho. No entanto, havia um ferroviário que fazia o café para os demais. Depois de um dia de serviço às vezes quando voltava para casa, chegava à noite, mas seu Pereira fala que muitas vezes dormia em casas de palhas construídas pelos trabalhadores as margens da ferrovia. Empurrar trole, além de ser um trabalho muito exaustivo, impunha riscos de acidentes, já que, não existia nenhuma segurança. A pessoa apenas ficava de pé em cima do transporte e seguia viagem. O senhor Conrado da Silva Oliveira fala dos riscos que era viajar de trole. Segundo ele; Corria risco trafegar de trole, certa madrugada íamos para o serviço quando aconteceu uma cena inusitada [...] nós íamos descendo com o trole umas 4 horas da manhã pra descarregar, tinha uma rampa, uma subida
e foi exatamente nesta ladeira em um pontilhão, tinha uma criatura deitada, no meio da linha, e você imagina a luta pra gente tentar parar este bicho, pra não deixar passar por cima desse homem que parece que estava bêbado (OLIVEIRA, 2015). O risco de atropelamento ao sujeito que estava deitado na passagem de um pontilhão foi um obstáculo enfrentado pelos trabalhadores ao tentarem parar o trole. Diante da fala desses dois trabalhadores acima citados algo nos chama atenção durante a análise da fala do senhor Rodrigo Simeão da Silva, um ferroviário que começou trabalhando em ferrovias no Ceará, e durante a década de 1970 trabalhou na Central do Piauí desempenhando serviço mais pesado, mas, consegui mudar de cargo na ferrovia. Para isso, era preciso muito empenho do trabalhador e amizades com os chefes. O senhor Rodrigo trabalhou como feitor e nivelador de linha, segundo ele, era um serviço que gostava de fazer: Eu toda minha vida gostei de nivelar linha, era muito elogiado, os maquinista do Ceará diziam; ‘rapaz só tem o Rodrigo e o Getúlio que sabe nivelar linha’, o trem passava que não tem pancada nem nó você só sentia aquela pancada do trem, toco, toco, toco... mais pancada não. O nivelamento de linha era para fazer o trem andar em cima das duas balizas no mesmo nível a fim de que não acontecesse descarrilhamento. Hoje, eu quase não enxergo da vista, minha vista ficou mais assim, porque eu nivelava linha só meio dia, uma hora da tarde, os dois trilhos estava como duas brasas de quente (SILVA, 2015).
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O problema de visão é uma reclamação relatada pelo entrevistado, mas quando deixou de fazer serviços mais pesados e passou a exercer cargo de “feitor”, se sentiu um vitorioso na sua trajetória de trabalho. Quando começou o serviço de feitor foi mandado a assumir uma turma de 60 a 100 homens, no começo ele achou que não conseguia comandar tantos trabalhadores, mas “Rapaz eu lhe digo, pra mim mesmo, aqui dentro da estrada só foi coisa boa” (SILVA, 2015). Na análise das entrevistas percebemos que o discurso de seu Rodrigo diferencia totalmente da fala dos demais entrevistados, até mesmo, por ele ter exercido um cargo de comando. Ele fala que a cada trecho concluído era uma vitória, e sua trajetória de serviço foi marcada por muitas conquistas;
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Quando nos emendamos o trecho do Ananás que hoje é Altamira; avemaria; esses homens só faltavam botar nós no céu, por que nos fizemos o serviço, e graça a Deus, por isso que eu digo, todo lugar que eu trabalhei eu sai vitorioso (SILVA, 2015). Os homens a quem o senhor se refere eram os engenheiros, as pessoas que ocupavam cargo de comando, dentro da empresa responsável pela construção da ferrovia, que endeusavam os ferroviários pelas conclusões de trechos da estrada de ferro. Durante mais de sessenta anos que o trem rodou na Central do Piauí muitas são as marcas deixadas por essa ferrovia. Maria Cecilia Nunes comenta que o trem de ferro representou uma grande novidade para população piauiense, algo novo que perpetuo na vida e no cotidiano de moradores de povoados por onde o trem passava a “Maria Fumaça” ou “Pinga Fogo” como preferiam chamar provocou sentimento de
medo marcado pela novidade que era ver um trem percorrer essas regiões. Segundo Nunes; “ao passar soltava brasas sobre o caminho de ferro, fumo e faísca no ar, queimando casas de palhas e as matas secas assoladas pela ausência das chuvas. Houve assim muitos incêndios muitos prejuízos no interior por onde passava o trem de ferro” (NUNES, 1994, p.169). Os estragos, as lesões e as perdas integram parte da presença do trem de ferro no Piauí. Nesta ferrovia muitos foram os acidentes provocados pelo trem, eram descarrilhamento que ocorriam constantemente e batidas em animais. Nunes narra que as crianças tinham muito medo do trem devido ao tamanho do barulho e da velocidade, segundo a autora, muitos associavam o trem a um “animal gigante saindo da mata” outros viam como um “monstro que engolia, devora as pessoas e animais” (NUNES, 1994. p. 169). Além dos acidentes de trem os trabalhadores também corriam perigo constantemente de sofrerem acidentes durante o trabalho, já que eram poucas as medidas de segurança visando impedir acidentes de trabalho. O senhor João Alves Pereira conservador de linha, guarda em sua memória um triste acidente de trabalho no qual se vitimou. A seguir o mesmo narra como aconteceu o acidente: Eu tava embarcando trilho lá no são Francisco pra cá da Sambaiba, tava mudando esses trilhos, que era para levar os trilhos grossos pra Caxias e o fino bota aqui, tirando o grosso e botando o fino, aí, nós tava botando em cima, eram 18 homens, jogando encima da prancha, ai, jogando em cima, meti a mão aqui (gestos), na hora, eu min enganei que eles não avisaram eu pensei que eles iam jogar encima, e levaram foi bem para o
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beiço da prancha, minha mão só fez imprensar no trilho, uma barra daquela pesa uns 500 quilo, só fez imprensar, quando eu tirei a luva, o pedaço do dedo ficou dentro da luva e o outro empendorado. Isso era umas três horas da tarde, ai foi sufoco brabo, queriam que o trem vinhese me deixar aqui, mas o trem tava virado com a frente pra Capitão de Campos não tinha manobra lá, ai queriam que a máquina fosse me deixar em Capitão de Campos, eu disse; pra lá eu não vou, que lá não tem médico, nesse tempo era algum médico que tinha, até que arrumaram uma moto lá e me botaram na garupa e vinheram me deixar aqui, ai eu passei um ano de acidente, ai eu fiquei na estação ai só limpando, varrendo, por que não podia trabalhar (PEREIRA, 2015). O ex- ferroviário fala do sofrimento que passou ao ser acidentado em um lugar isolado e longe do perímetro urbano, retratando as dificuldades de atendimento médico no período, após o acidente de trabalho na ferrovia, o mesmo ficou cerca de um ano sem prestar serviço de manutenção na ferrovia, sendo deslocado para serviço de limpeza na estação ferroviária de Campo Maior. Em seguida transferido para estação ferroviária de Teresina, Caxias e de depois se aposentou deixando de exercer serviço na ferrovia, essas são algumas lembranças que marcam a vida desse trabalhador.
Considerações finais Ao analisarmos a história do transporte ferroviário no Piauí percebemos que vários foram os autores que participaram desse processo de implantação de trilhos e trens no Estado. Observamos desde discursos parlamentares de governos estaduais, tivemos contatos com pesquisas que falam do desejo da
elite comercial piauiense em ver o Estado cortado por uma ferrovia, notícias em jornais que engrandeciam as conquistas para o Estado com a conclusão de cada trecho ferroviário, discursos politicos que respectivamente registaram os desabafos de insatisfação ao modo como o Piauí era tratado por parte da União Federal, até chegarmos aos depoimentos de pessoas simples como os trabalhadores ferroviários que contribuíram com essa pesquisa. Os mesmos falaram tanto da necessidade de custo para sobrevivência, o que os fez ingressar na vida de ferroviários, falaram do desejo de uma realização que era viajar de trem, ou mesmo juntaremse as dezenas de curiosos que vinham presenciar a chegada do trem na estação. A conclusão desta pesquisa foi de extrema relevância, uma vez que se junta às obras já publicadas sobre a história de Campo Maior e no tocante a história da ferrovia no Piauí. O estudo alia-se às obras que tiveram como objetivo a Estrada de Ferro Central do Piauí, trazendo aspectos inéditos, trilhamos alguns caminhos ainda não pesquisados por historiadores.
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ENTREVISTAS OLIVEIRA, Antonio Francisco de. Entrevista concedida para Antonio da Silva Carvalho Filho. Campo Maior, 2015. Arquivo digital. OLIVEIRA, Conrado da Silva. Entrevista concedida para Antonio da Silva Carvalho Filho. Campo Maior, 2015. Arquivo digital. PEREIRA. João Alves. Entrevista concedida para Antonio da Silva Carvalho Filho. Campo Maior, 2015. Arquivo digital. SILVA. Rodrigues Simeão da. Entrevista concedida para Antonio da Silva Carvalho Filho. Campo Maior, 2015. Arquivo digital.
Anderson Vieira Moura
O PARTIDO DA CLASSE OPERÁRIA: A campanha eleitoral comunista em Alagoas (1947)* Anderson Vieira Moura1
Resumo Nas eleições legislativas de 1947, o Partido Comunista do Brasil (PCB) elegeu três deputados estaduais em Alagoas. A vitória torna-se ainda mais expressiva diante das dificuldades enfrentadas pelos comunistas durante a campanha. Este artigo trata justamente desse processo, quando os militantes do PCB percorreram o estado em busca dos votos de uma desconfiada população. Palavras-chave: eleições; partido comunista; classe trabalhadora.
Abstract In the legislative elections of 1947, the Communist Party of Brazil (PCB) elected three state deputies in Alagoas. The victory becomes even more expressive in the face of the difficulties faced by the communists during the campaign. This article deals precisely with this process, when the militants of the PCB crossed the state in search of the votes of a distrustful population. Keywords: elections; Communist party; working class.
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Doutorando em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: andersonvm82@gmail.com. * Este artigo é uma versão revista e ampliada de um subtópico do primeiro capítulo de minha dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Pernambuco com o título: Comunistas e trabalhadores urbanos em Alagoas (1951-1961).
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Ao longo dos anos de Getúlio Vargas no poder, os Góis Monteiro – família com influente tradição militar1 – tiveram uma importância ímpar na política alagoana. Da família, saiu dois interventores do Estado Novo: Ismar de Góis Monteiro governou por quase cinco anos2. O prestígio da família era tamanho que o primeiro governador eleito pelo voto direto, após o fim do Estado Novo, pertencia ao clã: Silvestre Péricles de Góis Monteiro3.
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As eleições e o clima eleitoral de 1947 em si foram bastante atípicos. Péricles fora eleito pelo Partido Socialista Democrático (PSD), agremiação na qual nunca se sentiu realmente confortável, apesar do presidente ser o seu irmão Ismar. Na oposição, os comunistas uniram-se com a União Democrática Nacional (UDN) em torno do nome do udenista Rui Palmeira4. A primeira vista, podemos considerar ser uma grande “divergência” operacional entre o Partido Comunista do Brasil (PCB) nacional e o alagoano. Porque nacionalmente, nos fins do Estado Novo, os comunistas apoiaram Getúlio Vargas, fazendo coro ao lema 1
Apesar do pai, Pedro Aureliano Monteiro dos Santos, ter sido médico sanitarista, cinco dos oito filhos que teve com Constança Cavalcanti de Góis Monteiro eram militares influentes no Exército. O principal, sem dúvidas, foi o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, um dos responsáveis pela a implantação do Estado Novo em 1937, ocupando o cargo de Ministro da Guerra de Getúlio Vargas. Ismar, Edgar, Manuel César e Silvestre Péricles também eram militares de alta patente e Cícero morreu na Revolução Constitucionalista, em 1932. 2 Edgar de Góis Monteiro ficou no poder apenas entre 10 de novembro e 18 de dezembro de 1945. 3 Governou Alagoas entre 29 de março de 1947 e 31 de janeiro de 1951. 4 É bom salientar que naquela eleição, Alagoas não foi o único estado a “unir” os dois partidos.
constituinte com ou sem Vargas. Em Alagoas, se o ex-presidente não possuía um candidato próprio, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pegou carona nas diretrizes nacionais, apoiando a candidatura de Silvestre Péricles pelo PSD. Tanto udenistas quanto comunistas fizeram questão de defender seus ideais e programas políticos, totalmente divergentes, mesmo estando momentaneamente aliados. Naquele momento, o entendimento do PCB era a necessidade de agregar forças contra o atraso e o continuísmo dos Góis Monteiro, no poder em Alagoas desde muito tempo, e antigos inimigos políticos dos tempos do Estado Novo. Se os Góis Monteiros apresentavam-se como uma opção continuísta, a UDN era composta por boa parte das oligarquias pré-Era Vargas, que nunca deixaram realmente o poder em Alagoas (BARROS, 1989). Não por menos, houve tentativas de coligação entre PSD e UDN. “Chegou a haver reuniões de altos líderes políticos, de ambas as facções, (...) sem resultados positivos, muito ao contrário, deu-se até a renúncia de Alfredo Maya da direção da comissão executiva da UDN” (LIMA, 2008, p. 23). O PCB tinha candidato próprio à presidência do Brasil e em vários estados lançou candidatos das hostes do partido para o governo. Alagoas, no entanto, não teve um nome comunista para concorrer para governador. O próprio Luís Carlos Prestes veio ao estado “referendar” a aliança entre o PCB e a UDN. Entre os comícios de propaganda na capital, um se destacou. Foi em 7 de janeiro de 1947, na Praça Gonçalves Ledo, quando udenistas e comunistas se uniram, com a presença de Luiz Carlos Prestes e com uma
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assistência bem acima do comum. Obviamente, o espírito de curiosidade e o desejo de ver e ouvir o lendário “Cavaleiro da Esperança” foram fatores decisivos para a grande concorrência pública (LIMA, 2008, pp. 23-24. Grifos meus). Na visão de Prestes, “o PCB apoiaria a candidatura de Rui Palmeira, para combater a oligarquia dos Góis Monteiro” (LIMA, 2008, p. 24). A presença de Prestes no estado para consolidar a união momentânea entre as duas agremiações políticas demonstra a aproximação dos comunistas alagoanos com o Comitê Central do partido, desfazendo aquela aparente “divergência” inicial.
Uma turnê por Alagoas Porém, era na esfera do Legislativo que o PCB mostrava sua força. Nas eleições estaduais de 1947, trinta e três comunistas disputaram o pleito e três foram eleitos deputados: André Papini Góis, Moacir Rodrigues Andrade e José Maria Cavalcanti. A quantidade de candidatos é explicada por Gregório Bezerra5: “O nosso partido, que tinha lançado a palavra de ordem de um milhão de votos nessas eleições, não podia deixar de jogar todos os seus quadros na batalha eleitoral, para atingir aquela meta” (BEZERRA, 1980, p. 31). As únicas informações que encontramos sobre a campanha do PCB em Alagoas para as eleições de 1947 5
Afamado militante comunista pernambucano, Gregório Bezerra nasceu em Panelas, região agreste do estado. Militar do exército, filiou-se ao PCB na década de 1930, pelo qual foi eleito deputado federal nas eleições de 1946, sendo o constituinte mais votado de Pernambuco. Passou cerca de vinte e dois anos de sua longa vida em prisões e foi um dos presos libertados em troca da liberação do Embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Bezerra morreu nos Rio de Janeiro, aos 83 anos.
estão no livro de memórias de Bezerra. Após uma série de comícios em bairros operários do Recife e algumas cidades do interior de Pernambuco, Gregório Bezerra foi para Alagoas, (...) onde realizamos um grande comício, em Maceió, e outros em municípios vizinhos, todos concorridos e sem perturbação da ordem, ficando provado que estávamos ganhando o povo para as nossas posições, apesar das campanhas caluniosas contra o nosso partido e seus dirigentes (Ibid., p. 32). Após isto, Bezerra voltou ao Recife de onde seguiu para a Paraíba, para novos comícios, e depois para o Rio de Janeiro, “para cumprir tarefas de deputado federal”. Ao voltar da capital federal para Recife, Gregório Bezerra monta um panorama simples de como se dava as campanhas eleitorais pelo interior de Pernambuco, podendo ser aplicada ao interior de Alagoas. A escolha do comunista pernambucano para liderar a campanha do PCB pelo Nordeste é bastante óbvia: além de ser um grande orador, Bezerra já era “deputado federal, e mais conhecido do que qualquer outro elemento nos municípios afastado do grande Recife”. Pelo interior de Pernambuco, a campanha mostrou-se árdua e com uma enorme desvantagem para os comunistas, principalmente por conta da reação dos latifundiários e da Igreja Católica, e de práticas muito antigas ainda em evidência por estas regiões, como por exemplo (...) os “votos de cabresto” (o morador em terras do fazendeiro ou do latifundiário é forçado a votar nos candidatos que lhe indicam). E havia os “currais eleitorais”: os chefes políticos locais matam o gado e concentram os eleitores do município em determi-
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nados quarteirões da cidade, onde lhes oferecem comida e pinga; estes, depois que comem e bebem, recebem as cédulas dos candidatos do “coronel” e vão depositá-las na urna do posto eleitoral, sem sequer saber em quem estão votando. Mesmo assim, conquistamos boa votação, e recrutamos algumas centenas de novos militantes para o partido, além da propaganda que realizamos no meio da matutada e do povo em geral (ibid., ibidem).
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Após rodar Pernambuco fazendo campanha, Gregório Bezerra voltou a Alagoas, encontrando-se com os “camaradas José Maria Cavalcanti, André Papini, Murilo Rêgo e outros, todos membros do Comitê Estadual”. Tanto na capital, Maceió, quanto “nos municípios vizinhos, realizamos grandes comícios, com muito êxito” (Ibid., p. 34). Daí pra frente, Bezerra começa a narrar as dificuldades e peculiaridades encontradas pelo grupo em algumas cidades alagoanas. Em Rio Largo, cidade bem próxima a Maceió, o comício foi um sucesso até ser boicotado, provavelmente pelo pároco da cidade. O fato mais curioso foi a ajuda involuntária que o mesmo padre deu ao evento. Segundo Bezerra, o padre marcou uma procissão para o mesmo dia e horário do comício do PCB. Cerca de uma hora após o início, a procissão passou pelo local e os comunistas pediram “ao povo que interrompesse o comício e manifestasse seu respeito ao sentimento religioso daquela gente”. Quando o cortejo católico passou, uma parte dos fiéis ficou no evento. Alguns instantes depois, a procissão retornou e os comunistas repetem o ato respeitoso. Dessa vez, uma parcela ainda maior abandonou o cortejo católico e ficou no evento comunista. Algum tempo depois, aconteceu o inesperado: as luzes se apagaram. “Toda a cidade
ficou no escuro. Estava na cara a sabotagem do padre”. Entretanto, isto não desanimou os comunistas nem dispersou a multidão. Pedimos ao povo que permanecesse na praça, pois com luz ou sem luz continuaríamos o comício. De repente, apareceram centenas de archotes de jornal. A massa soube responder à sabotagem do padre, não só permanecendo na praça como improvisando centenas de archotes para iluminar o nosso comício. Graças a essa iniciativa, o comício tomou uma feição mais entusiástica do que antes (Ibid., p. 35). Após um evento fracassado na cidade de Viçosa, o grupo seguiu para Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, “onde esperávamos alcançar um grande êxito”, mas terminaram saindo (...) correndo antes que fosse tarde; era grande a hostilidade contra nós. Chegaram ao cúmulo de nos negar hospedagem nos hotéis ou casas de pensão, e o pior foi que mobilizaram os índios e lhes deram bebida para jogá-los contra nós. Se não saíssemos logo da cidade, seríamos rasgados a foice e facão pelos índios embriagados. Além disso, havia uma turma de pistoleiros prontos para nos liquidar na hora do comício. De Palmeira dos Índios seguiram para Arapiraca, segunda maior cidade de Alagoas, também localizada no agreste, onde o panorama ruim não se modificou. O início da visita foi até animador, com “uma série de visitas a algumas pessoas democráticas e progressistas, sobretudo aos plantadores de fumo, meeiros e arrendatários”. Contudo, intensificaram-se os boatos sobre uma possível reação violenta no comí-
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cio e os comunistas foram até o delegado de polícia. Aquela altura, um grupo já tinha iniciado “à destruição de nossa propaganda, rasgando acintosamente a maioria de nossas faixas”. Ao contrário de Rio Largo, o padre local obteve êxito. “Badalava o sino, incitando os fanáticos contra nós”. Os comunistas reuniram-se na casa de um membro local, “secretário político do CM [Comitê Municipal]”, e na porta da residência começou a juntar uma multidão, que não tardou a jogar pedras na casa. O delegado afirmou não poder ajudar, por conta de dispor de poucos policiais. Com o aumento da retaliação da multidão – as pedras já havia ferido uma criança e a esposa do dono da casa, “em adiantada gravidez”, estava alarmada –, Gregório Bezerra decidiu ir à porta “apelar para os provocadores, dizendolhes que respeitassem pelo menos uma senhora em estado de gravidez e suas crianças inocentes”, afirmando até estarem “dispostos a não realizar o comício, desde que cessassem de jogar pedras”. Por pouco, não terminou em tragédia. “Alguns deles me vaiaram e outros me jogaram pedras. Saquei meu revólver e ameacei atirar no primeiro que me atingisse. Nesse momento, encostou o nosso carro. Entramos e batemos em retirada debaixo de pedradas e vaias” (Ibid., p. 36). Após esses fracassos, Bezerra faz uma avaliação um pouco desanimada: “A excursão ao interior de Alagoas foi um verdadeiro fiasco, principalmente naquela zona totalmente dominada pelo latifúndio”. No entanto, o desânimo é passageiro. Como todo bom militante dedicado, Gregório persistiu em sua luta. E juntamente com seus companheiros não baixaram a cabeça, estando “sempre dispostos a atacar tanto quanto possível as bastilhas latifundiárias e a levar a mensagem do nosso partido
àquele povo sofrido, fanatizado e brutalizado pelo clero”. As coisas voltam a melhorar quando a caravana parte para Penedo, na região do baixo São Francisco. Os comunistas receberam garantias até do delegado de polícia da cidade, prometendo a realização do comício. O delegado alertou apenas para “os fanáticos da igreja, pois Penedo era uma cidade católica”. Começaram então os preparativos para o evento, ficando um grupo de militantes e simpatizantes do partido encarregados “de fazer uma vasta propaganda anunciando o comício”. Pela tarde, os comunistas passearam pela cidade para conhecê-la e também para “fazer algumas visitas no setor comercial” (muitos comerciantes apoiaram o PCB em Alagoas ao longo do período democrático, entre 1947 e 1964). O comício iniciou à noite. “Segundo pessoas insuspeitas, foi o maior comício realizado em Penedo, até então, e a primeira vez que os comunistas tiveram a oportunidade de falar publicamente ao povo daquela região, em nome do PCB” (Ibid., pp. 36-38). O evento foi um sucesso. “Tanto André Papini como José Maria Cavalcanti foram muito aplaudidos, principalmente Papini, que era filho da terra e bom orador”. Gregório Bezerra encerrou o comício falando em nome do PCB, respondendo principalmente as críticas feitas pela direita, pelos latifundiários e pelo clero ao partido. Dedicou outra parte de seu discurso para responder ao bispo de Penedo, que fazia uma campanha pesada contra os comunistas e o comício da noite. Terminamos às 10h. Grande parte do povo nos conduziu até a sede do CM. Todos nós estávamos encantados com o êxito do comício. Muitas pessoas foram à sede do
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Comitê Municipal para nos parabenizar e alguns pediram que o CC [Comitê Central] mandasse vez por outra um representante àquela cidade para fazer comícios ou conferências, que o povo de Penedo merecia ser esclarecido e orientado; e exemplificaram com a multidão que compareceu ao comício, apesar da propaganda dos nossos opositores (Ibid., pp. 38-39). Após relatar estes fatos, Bezerra concluiu que o “resultado da campanha eleitoral em Alagoas não foi ruim; e teria sido bem melhor se não fosse a reação dos latifundiários e da Igreja naquele estado” (Ibid., p. 40).
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Assim, o PCB alagoano chegou com trinta e três candidatos concorrendo para a Assembléia Legislativa. Desse total, a metade (dezessete) obteve menos de cem votos. Nas condições objetivas e no cenário conjuntural encontrado, a votação do PCB foi expressiva. Na avaliação de Gregório Bezerra, a escolha dos candidatos em Pernambuco não foi muito bem feita. “Não fizemos uma escolha objetiva e lógica, como devíamos. (...) Mas a maioria dos outros não tinha condição de se eleger nem de carrear votos para a legenda partidária. Foi uma falha” (Ibid., p. 32). Para as eleições em Alagoas, temos a distribuição dos votos dos diferentes partidos por zona eleitoral, indicando, assim, os locais de maior influência dos comunistas. Na tabela 1, apresento os números de votos obtidos pelos candidatos do PCB (apenas aqueles com mais de cem votos) nas cinco zonas eleitorais com a maior quantidade de votos para o partido. A seguir, justifico melhor a escolha. No dia 16 de junho de 1945, o Tribunal Regional Eleitoral (TER) dividiu o estado em vinte e uma zonas eleito-
rais (SÁ JÚNIOR, 2008, pp. 60-61a)6. Maceió foi a única cidade a ter duas zonas. A 1º Zona Eleitoral cobria a área central da capital, juntamente com toda a periferia da cidade. Bairros como o Centro, Levada, Ponta Grossa, Prado, Jaraguá, Bebedouro e o distrito de Fernão Velho eram locais de moradia de boa parte dos trabalhadores e militantes do partido. Em virtude disso, aproximadamente 59% dos votos do PCB saíram desta zona eleitoral. Mais quatro zonas representam 30% dos votos para o PCB. A 2ª Zona, sediada em Maceió, registrou 892 votos e foi o segundo local com mais votos para o partido, mostrando a importância da capital nessa vitória: era a cidade com o maior contingente de trabalhadores urbanos em Alagoas – ou seja, alfabetizados e aptos a voltar. TABELA 1: Candidatos comunistas mais votados por zona (1947)
Fonte: “Partido Comunista do Brasil – Resultado final da votação obtida pelos candidatos à Assembléia Legislativa, nas eleições de 19 de janeiro de 1947”. Diário Oficial do Estado de Alagoas. 13/03/1947, p. 9.
Partindo para o interior, a maior quantidade de votos do partido (337) veio da 15º Zona. Cidade circunvizinha de Maceió, em Rio Largo existia duas 6
As informações seguintes sobre as zonas eleitorais foram tiradas destas mesmas páginas.
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grandes fábricas têxteis e há muita movimentação comunista na cidade, inclusive com um grande diretório municipal. A estrada de ferro que saia da capital cruzava a cidade, facilitando a movimentação dos militantes. Penedo era a 13º Zona e obteve 222 votos7. A cidade possuía uma fábrica têxtil e um diretório municipal do partido, além de ser a terra natal de André Papini, o deputado mais votado do PCB. Jornalista e advogado, militante do partido desde os anos 1930, Papini chegou a fazer parte da Aliança Nacional Libertadora (ANL), era membro de uma tradicional família penedense, e lá obteve sessenta e seis votos. Em seu relato, Gregório Bezerra conta ter ido almoçar na casa do então candidato André Papini, junto “com toda a sua família, que era estimadíssima em Penedo” (BEZERRA, 1980, p. 37). A razão para esta quantidade de votos deu-se principalmente por conta da estrutura operacional e organizacional dos comunistas nessas duas cidades e da influência política de André Papini em Penedo8. A quarta zona com uma boa quantidade de votos para o PCB (144 votos) era a mais atípica dentre as analisadas, formada pelas cidades de Assembléia (hoje Viçosa) e Capela. O próprio Gregório Bezerra relatou uma passagem em Viçosa durante a campanha nos fins de 1946, após partirem de Rio Largo. Segundo o comunista, o séquito dormiu na cidade e lá realizou “um comício sem entusiasmo e com pouca platéia. Esforçamo-nos para arrancar 7
As cidades de Igreja Nova e Piaçabuçu também faziam parte da 13º Zona. 8 Sobre a importância eleitoral dessas cidades para os candidatos ligados à classe trabalhadora, ver: MOURA, Anderson Vieira. “‘Uma candidatura de inspiração popular’: A formação da Frente Popular Alagoana (1955)”. Cadernos de História, v. 17, n. 27. Belo Horizonte: PUC Minas, 2016, p. 406-430.
alguns aplausos, mas nada conseguimos. O público estava apático, curioso e frio” (BEZERRA, 1980, p. 35). De todos os votos registrados para o PCB nesta zona, 66% são de um único candidato, Armando Almeida Vasconcelos. E o mesmo só teve sete votos fora desta zona. Outro candidato, Ernani Maia Lopes, obteve 31% dos votos e fora da região, só conseguiu oito. Ou seja: 97% dos votos comunistas na 5º Zona Eleitoral são de apenas dois candidatos. Em números absolutos, só mais três candidatos foram votados por lá e cada um teve apenas um único voto (foram eles: André Papini, Cirilo Gomes da Rocha e Jaime Barbosa da Silva). Com isso, a melhor explicação para o êxito eleitoral dos comunistas na 5º Zona é o personalismo político, marca registrada da política em Alagoas. O PCB sempre foi, sem sombra de dúvidas, um partido diferenciado dentro do cenário político, tanto nacional quanto alagoano, marcado pelo personalismo, pelas relações de clientela e pela mesmice (ou falta) de ideias e projetos. No entanto, o próprio PCB não era um partido 100% “puro”; dentro dele também existia resquícios de uma forma de fazer política muito antiga e ainda muito vigorosa, com raízes muito fortes.
Números eleitorais Obviamente, os votos para os candidatos comunistas não se restringiram apenas à Assembleia Legislativa. Em 1945, Yedo Fiuza, o candidato à presidência pelo partido, obteve 5.048 votos no estado (quase 8%), em um total de 63.173 votos válidos. Para o Senado Federal, Luiz Carlos Prestes (5.532 votos) e José Francisco de Oliveira (5.390 votos) também tiveram uma votação considerável. Já nos votos por legendas para deputado federal, o
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PCB conseguiu 4.930 votos – apenas sessenta e sete a menos que o PTB, por exemplo – mesmo sem nenhum candidato disputando o cargo por Alagoas (SÁ JÚNIOR, 2008, p. 68). Por conta da coligação, não convém analisar os votos obtidos pelo candidato da frente udeno-comunista ao governo do estado9.
um importante polo, com um fortíssimo centro urbano e de comércio intenso (Cf.: MEDEIROS, 2011). Rio Largo nunca foi uma das maiores cidades do estado (entre as cidades com o maior número de votantes, Rio Largo era a oitava), mas possuía intensa atividade política por conta das duas grandes fábricas têxteis ali instaladas.
Na tabela 2, temos a distribuição geral dos votantes por zona eleitoral nas eleições de 1945 (para presidente, senadores e deputados federais – cargos nos quais não havia nenhum comunista alagoano concorrendo), em um universo total de “82.068 eleitores, sendo 20.017 na capital e 61.991 no interior” (SÁ JÚNIOR, 2008, p. 278)10. Selecionei apenas as seis zonas analisadas anteriormente:
Para termos uma dimensão da quantidade de votos obtidos pelos candidatos ao legislativo do PCB naquelas eleições, vamos compará-los com a votação dos outros quatro partidos. Assim, em uma outra perspectiva, a tabela abaixo mostra esses números – no caso, o total geral de votos, ou seja, a soma dos votos nominais (candidato) com os votos da legenda (partido).
TABELA 2: Alistamento Eleitoral de 1945 por zona
TABELA 3: Quantidade de votos para a Assembléia Legislativa por partido. Fonte: Diário Oficial do Estado de 12 de novembro de 1947, pp. 8-12.
Fonte: Diário Oficial do Estado de 6 de novembro de 1945.
Viçosa e Penedo são, respectivamente, a quarta e quinta cidades com o maior número de eleitores em Alagoas, perdendo apenas para Maceió (que nesse momento possuía menos da metade dos votantes de todo o estado), Anadia e Palmeira dos Índios. Penedo revela-se 9
Apenas a título de esclarecimento: Silvestre Péricles teve 33.900 votos, enquanto Rui Palmeira obteve 22.876. Brancos e nulos somaram 864 votos, sendo deste total apenas 78 nulos. 10 Em relação às eleições de 1947 o aumento de eleitores foi de 5.098 a mais que 1945, sendo 3.690 novos eleitores no interior e 1.408 na capital. Cf.: SÁ JÚNIOR, 2008, p. 278.
Em nossas análises, vamos excluir o Partido de Representação Popular (PRP)11. Foram 56.356 votos, sem contar os 489 brancos e 306 nulos. Assim, o total é de 57.151 votos apurados. Diante deste número, o PCB conseguiu 9,6% dos votos em todo o estado. Isso para um partido considerado pequeno e sem nenhuma representatividade12... O PCB lançou trinta e três candidatos, enquanto o PTB foi com trinta e cinco. A diferença entre os dois é de 1880 votos a mais pros trabalhistas. Com esses números, podemos enxergar melhor o poder eleitoral do PSD: também lançou trinta e cinco candidatos, mas elegeu dezenove (ficando com dezesseis su11
O partido não conseguiu eleger nenhum candidato. 12 Cf.: TENÓRIO, 2007.
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plentes). A UDN tinha o mesmo número do PCB, trinta e três candidatos e elegeu apenas 27% do seu contingente. Na tabela 4, apresento os candidatos de cada partido mais votados em Maceió. TABELA 4: Candidatos mais votados em Maceió por partido13
com maior votação para o PCB, em especial Maceió e Rio Largo: estas duas cidades possuíam cinco grandes fábricas têxteis e, junto com Penedo, os três únicos diretórios pecebistas em Alagoas. A meu ver, é um bom indício para confirmarmos o que o próprio PCB tanto apregoava: era o partido da classe trabalhadora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fonte: Diário Oficial do Estado de 12 de novembro de 1947, pp. 8-12.
Podemos observar a supremacia dos comunistas em Maceió. A soma dos votos nas duas zonas eleitorais da capital (terceira linha) de cada candidato não é sequer maior que os votos obtidos por André Papini apenas na 1º Zona. E a diferença no total de votos obtidos (quarta linha) pelos candidatos do PTB e do PSD é mínima em relação ao comunista (nove e oito respectivamente). Dentro desse universo, dos quatro mais votados na capital, André Papini teve 35% dos votos. O intuito principal deste trabalho não era apenas demonstrar a dificuldades encontradas pelos militantes comunistas no interior de Alagoas em busca de votos. Igualmente, tencionei observar a importância dos centros urbanos para o PCB nas eleições, sobretudo em um estado rural e com altos índices de analfabetismo – excluídos do processo democrático. Os trabalhadores urbanos eram, de fato, o público-alvo dos comunistas e deram seu apoio nas urnas, como podemos ver naquelas cidades 13
Na “Soma”, temos o total de votos obtidos pelos candidatos apenas em Maceió. O campo “Total” representa a totalidade de votos obtidos pelos candidatos em todo o estado.
ALMEIDA, Luiz Sávio de. Chrônicas alagoanas vol. II – Notas sobre poder, operários e comunistas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2006. BARROS, Luiz Nogueira. A solidão dos espaços políticos. Maceió: EDICULTE/SECULTE, 1989. BEZERRA, Gregório. Memórias (Segunda parte: 1946-1969). 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. CARONE, Edgard. O PCB (19431964) – Vol 2. São Paulo: Editora Difel, 1982. LIMA, Mario de Carvalho. apimentado – Apontamentos história política de Alagoas. Maceió: Editora da Imprensa Graciliano Ramos, 2008.
Sururu para a 2º ed. Oficial
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Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.
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Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa
AS LIGAS CAMPONESAS e a violência no campo no Piauí (1963-1964). Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa1
Resumo O presente artigo se propõe a discutir o crescimento da violência no campo no Piauí entre 1963 e 1964, procurando destacar como este processo foi atravessado pela reação dos grandes proprietários à emergência das Ligas Camponesas no Estado. No tocante a perspectiva teórica, dialogamos com a recente produção que analisa os conflitos de terra no Brasil contemporâneo. A pesquisa que fundamenta o trabalho envolve um amplo leque documental que perpassa arquivos legislativos, hemerográficos e judiciais. Palavras-Chave: violência; reforma agrária; Ligas Camponesas.
Abstract This article proposes to discuss the growth of rural violence in Piauí between 1963 and 1964, trying to highlight how this process was traversed by the reaction of the great landowners to the emergence of the Peasant Leagues in the State. Regarding the theoretical perspective, we are talking with the recent production that analyzes the land conflicts in contemporary Brazil. The research that underlies the work involves a wide range of documents that pass through legislative, hemmerographic and judicial archives. Keywords: violence; land reform; Peasant Leagues.
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Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí. Professor do Curso de Direito do Instituto Camillo Filho. Email: ramsespinheiro@hotmail.com
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Os conflitos extrapolam o campo: o debate sobre a questão agrária na Assembleia Legislativa do Piauí A emergência da reforma agrária como um problema nacional na década de 1950 não pode ser dissociada da exacerbação dos conflitos cotidianos pelo acesso a terra durante este período. Nesta perspectiva, as Ligas Camponesas constituem-se como um lugar de confluência de inúmeros projetos e aspirações de transformação no campo brasileiro. A atuação de organizações de esquerda como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), bem como do deputado pernambucano Francisco Julião além, é claro, da ação dos próprios camponeses convergiram para a formação das Ligas Camponesas no Nordeste do país.
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A criação das Ligas Camponesas no Piauí, a partir de outubro de 1961, logo foi acompanhada por uma forte hostilidade desencadeada pelos grandes proprietários de terra do Estado durante o ano seguinte. Todavia, os conflitos entre camponeses e proprietários em torno do reconhecimento de direitos sobre a terra no Piauí alcançou seu ponto nevrálgico no ano de 1963. Uma estratégia eficiente para visualizar melhor estes embates pela terra é acompanhar os debates na Assembleia Legislativa do Estado do Piauí durante este período. Após as eleições estaduais de 1962, a Assembleia Legislativa experimentou uma relativa renovação. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) passou a contar com a maior representação naquela casa, elevando de 07 para 16 seu número de deputados estaduais. Contudo, a coligação que elegeu o governador Petrônio Portela Nunes (1963-1967) era formada por seis partidos e alcançou um total de 26 lugares na Assembleia, garantindo certa estabilidade ao novo go-
verno e tranquilidade na aprovação de suas proposições. Em 16 de fevereiro de 1963, o jornal Folha do Nordeste noticiou que o deputado estadual petebista Deusdedit Mendes Ribeiro ocupou a tribuna da Assembleia Legislativa para trazer ao conhecimento da casa: A pressão que vem fazendo o Sr. Noé Fortes contra um seu agregado, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de União, exigindo que o mesmo deixe o sindicato ou suas terras, e pediu ao Sr. Governador que averigúe o caso, e antes de tomar alguma providencia não permita a intervenção da polícia. (...) Lembrou a Casa, todavia, que todo aquele que fica ao lado dos trabalhadores, dos camponeses, são logo taxados de comunistas e, talvez, não esteja escapo disso, S. Exa. Revamd. Dom Avelar Brandão pelo trabalho elogiável que vem prestando no Piauí no setor social (O DIA, 1963, p. 04). Após a fala de Deusdedit Ribeiro, Celso Barros Coelho, deputado estadual pelo Partido Democrata Cristão (PDC) também interveio no debate: Dizendo-se não ser contrário a que se dê uma melhor condição de vida ao trabalhador rural, ao homem do campo, lembrou que o trabalho desenvolvido por Dom Avelar, de assistência ao homem do campo não se pode comparar com aquele que muitos vem fazendo com relação a esse problema, pois eles usam tão somente de demagogias para, as vésperas das eleições, como foi o caso do movimento das Ligas Camponesas, entre nós atraírem aqueles homens, por certo analfabetos e dele tirando proveitos eleitorais. Quanto ao Sr. Luis Viana, presidente do sindicato aludido pelo deputado Deusdedit Ribeiro, o Sr. Celso Barros Coelho comunicou a Casa que o mesmo já havia procurado o ad-
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vogado daquela instituição para solicitar as providencias que o caso necessita (O DIA, 1963, p. 04). As intervenções citadas fizeram-se a partir de lugares bem determinados que nos informam sobre as escolhas políticas e filiações institucionais dos referidos deputados. Advogado e militante do PTB, Deusdedit ocupou cargos importantes durante o governo de Chagas Rodrigues (1959-1962) como o de Delegado da Superintendência Regional do Trabalho no Estado. Ele também foi um dos principais nomes citados pela imprensa quando foram criadas as Ligas Camponesas, movimento com o qual sempre manteve uma forte relação. Ao eleger-se deputado estadual pelo PTB, Deusdedit utilizou diversas vezes sua posição para denunciar abusos como aquele pontuado em relação ao proprietário Noé de Araújo Fortes. Por sua vez, Celso Barros Coelho também exercia a advocacia na Capital, além de ser professor da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, onde lecionava Literatura Latina e Portuguesa. Foi um dos fundadores do PDC, pelo qual se elegeu deputado estadual nas eleições de 1962. Durante o período em estudo, Celso Barros Coelho manteve uma forte relação com a Arquidiocese de Teresina, atuando algumas vezes como advogado de lavradores ligados aos Sindicatos Rurais organizados com o aval da Igreja. A despeito de suas posições e alianças políticas distintas no decorrer daquele ano legislativo de 1963, Deusdedit Mendes Ribeiro e Celso Barros Coelho recorreram à tribuna por diversas vezes para evidenciar os conflitos na zona rural piauiense solicitando medidas para sua resolução. Na sessão ordinária da Assembleia Legislativa realizada no dia 02 de outubro de 1963, Celso Barros Coelho vol-
tou a discorrer sobre a questão agrária. Desta vez, o deputado propôs um requerimento para autorizar a transcrição de uma Declaração de Dom Avelar Brandão Vilela, Arcebispo de Teresina, nos anais da Assembleia Legislativa. A referida Declaração abordava os problemas no campo piauiense, razão que instigou o deputado pessedista Alfredo Nunes a requerer que o item “V” daquele documento não fosse transcrito nos anais da Assembleia. O referido item registrava o apoio do Arcebispo ao movimento de sindicalização rural conduzido pelo assessor Manoel Emílio Burlamaqui no programa “Desperta Camponês” (ASSEMBLEIA, 1963, p. 01). Corroborando com Celso Barros Coelho, o deputado petebista Solon Aragão defendeu a transcrição completa da Declaração de Dom Avelar. Após ávidas discussões, o requerimento foi colocado em votação, sendo aprovada a transcrição do documento nos anais da Assembleia com a exclusão do seu item “V”. A vitória da proposição do deputado Alfredo Nunes pode ser entendida como uma tentativa de reprovar o apoio do Arcebispo de Teresina ao processo de sindicalização rural demarcando, assim, um lugar de fala que se contrapunha a qualquer forma de organização dos trabalhadores no campo. Na sessão ordinária realizada no dia seguinte, 03 de outubro de 1963, o deputado Deusdedit Mendes Ribeiro reafirmou a urgência da reforma agrária no Brasil: No grande expediente o Sr. Deusdedit Ribeiro continuou reafirmando o seu ponto de vista com relação à Reforma Agrária, achando que a divisão de terras, dentro de um critério justo, deve ser feita o mais breve possível para que sejam distribuídas entre aqueles que nada possuem, enquanto outros tem demais.
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Por último condenou as altas autoridades militares – como o General Pery Beviláqua – que negam o direito de greve aos trabalhadores (ASSEMBLEIA, 1963b, p. 01).
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Além de reiterar a necessidade imperiosa de uma reforma agrária no Brasil, o discurso de Deusdedit Mendes Ribeiro também construía pontes para a união dos camponeses e dos trabalhadores urbanos ao defender o direito de greve contra as tentativas de limitação que o ameaçava naquele momento. O forte crescimento do movimento camponês no Estado impeliu os grandes fazendeiros da capital a organizar o Sindicato dos Proprietários de Terra de Teresina no dia 04 de outubro de 1963. Segundo matéria publicada no jornal O Dia um dos principais objetivos da fundação do referido sindicato era impulsionar a criação de entidades congêneres nas cidades de Altos, Campo Maior, José de Freitas, União e Miguel Alves (PROPRIETÁRIOS, 1963, p. 04). Não por acaso as referidas cidades eram as principais áreas de atuação das Ligas Camponesas e dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. A criação de sindicatos de proprietários certamente foi mais uma resposta possível dos latifundiários do Estado ao acelerado processo de organização dos camponeses piauienses no período em estudo. Por outro lado, o jornal O Dia também informou que a fundação de diversos sindicatos de proprietários no Estado também visava à constituição de uma futura federação de proprietários de terra e sua filiação a Confederação Nacional da Agricultura. Tais objetivos evidenciavam uma articulação nacional da elite agrária brasileira visando conter a luta pela reforma agrária no país. Enquanto os proprietários de Teresina se reorganizavam, o deputado Celso
Barros Coelho voltou a discursar na Assembleia Legislativa em 16 de outubro de 1963, protestando contra os abusos praticados pelos fazendeiros contra os lavradores do lugar “Saco” na zona rural de Teresina: Com a palavra o deputado Celso Barros Coelho leu o texto da contestação, encaminhada ao Juiz de Direito da 2º Vara, que apresentara na ação proposta contra Antonio Pedro de Oliveira e sua mulher, moradores do lugar “Saco”, os quais foram despachados daquelas terras através de uma ação imprópria e baseada em dispositivos legais não aplicáveis, no entanto, ao caso em espécie. Esclareceu que na ação movida não se poderia entender como invasão de terra por quem já morava, brocava e beneficiava aquelas terras cultivando roças e muito menos por quem já ali morava há sessenta anos. Disse que a Justiça quando julga aqueles elementos pertencentes as classes privilegiadas fecha os olhos e dar direitos aqueles que não os tem. “Esses grupos privilegiados vivem como que a corromper a Justiça a fim de atender os seus interesses personalistas. Mas – finalizou o deputado Celso Barros Coelho – queiram ou não, os latifundiários, a redenção do pobre homem do campo virá, para uma melhor condição de vida social” (LIVRO, 1963b, p. 03). Antigo foco de conflitos entre lavradores e fazendeiros, o povoado “Saco” voltava a evidenciar as tensões no campo piauiense. O deputado do PDC demonstrou que a tese da “invasão” era um engodo, uma vez que os lavradores do lugar “Saco” já laboravam e brocavam aquela terra há mais de sessenta anos. Desqualificar os camponeses como “invasores” foi um procedimento bastante empregado para deslegitimar qualquer pretensão destes trabalhadores ao acesso a terra. A revolta de Celso
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Barros Coelho contra a “Justiça”, corrompida para atender os interesses dos “privilegiados”, pode ser tomada como um indício da atuação do judiciário neste período e seus julgamentos quase sempre favoráveis aos grandes proprietários. Por outro lado, no caso apresentado por Celso Barros Coelho o despejo dos lavradores ocorreu por meio de uma ação judicial, ainda que tenha sido uma ação imprópria como denunciou o deputado. Neste sentido, este episódio torna-se importante para refletirmos sobre uma nova realidade encarada pelos fazendeiros que os impedia de fazer uso tão somente da violência na sua relação com os lavradores. A forte repercussão da questão agrária e dos movimentos sociais no campo compelia os latifundiários a recorrer a meios judiciais para realizar suas pretensões o que constituía uma restrição importante ao uso indiscriminado da violência pelos fazendeiros. Retornarei a este argumento mais adiante. Na sessão ordinária realizada na Assembleia realizada no dia seguinte, 17 de outubro de 1963, o deputado Aloísio Costa denunciou as “pregações revolucionárias e anarquistas” do advogado Manoel Emílio Burlamaqui, afirmando que: É preciso colocar-se um freio nestas arbitrariedades – frisou o deputado Aloísio Costa – porque o “famigerado” Manoel Emílio está solto nos campos. A sua revolta contra minha pessoa se dá pelo fato de não poder ele penetrar na Usina Santana onde realizo realmente obras sociais (LIVRO, 1963c, p. 01-02). Nesta mesma sessão, o deputado Deusdedit Mendes Ribeiro voltou a discorrer sobre a “sonegação de terra aos camponeses”:
O grande expediente foi todo ocupado pelo deputado Deusdedit Ribeiro que voltou a tratar do que chamou de sonegação de terras aos camponeses por parte dos proprietários. Disse que tanto aquelas ações movidas contra os constituintes do deputado Celso, como a que foi movida contra o camponês José Esperidião Fernandes e outros não tem fundamento jurídico. “Essa sonegação – afirmou – agrava o problema social do homem do campo que fica sem os meios de adquirir o sustento seu e de sua família, o que lhes garante a própria Constituição Federal. E esse abuso por parte dos proprietários vem contando, até certo ponto, com o apoio da Justiça. Depois de citar os arts. 141 e 147 da Const. Fed. e ainda pronunciamentos de Pontes de Miranda, Nelson Hungria e outros, estes com relação ao direito de propriedade privada, disse não concordar com a liminar de reintegração de posse, por parte daquela que vem movendo ações contra os camponeses (LIVRO, 1963c, p. 01-02). A denúncia do deputado Deusdedit Mendes Ribeiro também recaiu sobre a condescendência da “Justiça” para com os proprietários. O deputado cita expressamente a ação movida contra os camponeses do lugar “Saco” que haviam recorrido ao advogado/deputado Celso Barros Coelho que também corroborava com seu colega petebista em relação à crítica ao Poder Judiciário piauiense. O deputado Deusdedit também fez menção à outra uma ação judicial movida contra José Esperidião Fernandes, uma das principais lideranças das Ligas Camponesas no Piauí. Tal ação nos conduz a um dos casos mais emblemáticos de luta pela terra no Estado, o processo dos lavradores da Fazenda “São Agostinho”. No dia 15 de outubro de 1963, o deputado petebista Themístocles de Sam-
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paio Pereira discorreu na Assembleia Legislativa sobre os conflitos no campo em Teresina e Campo Maior nos seguintes termos:
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Falou sobre um processo que os proprietários da fazenda “São Agostinho”, do município de Teresina, estão movendo na Justiça, sob a alegação de direito de reintegração de terras, contra trinta e uma famílias, isto após um contrato verbal feito entre proprietários e referidos camponeses perante a autoridade policial. Chamou a atenção da Casa para esses proprietários reacionários, sob o perigo que eles representam, pois enquanto isso acontece em Teresina em Campo Maior a situação é mais grave porque os proprietários estão ameaçando de atearem fogo nas roças, caso os lavradores delas não se retirem. E a reforma agrária – frisou – virá, inevitavelmente, de um modo ou de outro, queiram ou não os proprietários reacionários, os quais não podem evitar a marcha do progresso porque ela vem dos tempos áureos da libertação dos escravos que, não suportando os grilhões que lhes prendiam aos senhores, revoltaram-se contra os mesmos e venceram o seu ideal – a liberdade (LIVRO, 1963a, p. 02). O deputado Themístocles Sampaio também participava da Frente de Mobilização Popular no Piauí, o que certamente se relaciona com as minúcias presentes em suas denúncias, o que exigia um diálogo com as organizações dos camponeses no Estado. A partir do seu discurso, passo a me debruçar sobre a ação de reintegração de posse movida pelo fazendeiro Nilo de Castro Soares, proprietário da fazenda “São Agostinho”, contra as 31 famílias que residiam naquela localidade. Não foi possível saber por que José Esperidião Fernandes estava entre os réus da ação mencionada, provavelmente sua atuação co-
mo liderança do movimento camponês no Estado exigiu sua intervenção naquele conflito visando torná-lo um espaço de repercussão dos conflitos agrários no Piauí. Voltamos a ter notícias da ação de reintegração de posse movida por Nilo de Castro Soares contra as 31 famílias da Fazenda “São Agostinho” na seção “Foro de Teresina” do jornal O Dia de 28 de outubro de 1963. O jornal noticiou que o Juiz da 3º Vara Cível de Teresina havia concedido de medida liminar de reintegração de posse contra os lavradores (FORO, 1963, p. 04). Esta ação judicial tinha como fundamento o “esbulho” da propriedade, em outras palavras, “invasores” haviam privado o fazendeiro de suas terras. A concessão da liminar de reintegração de posse provavelmente consistiu na remoção compulsória dos lavradores da fazenda “São Agostinho”. Felizmente tive acesso à sentença proferida no dia 11 de novembro de 1963 que julgou a referida ação de reintegração de posse1. No seu relatório, o magistrado fez um breve histórico do processo aduzindo que os autores acusavam os réus de ter invadido a sua gleba provocando-lhes graves danos. Relatou também que, em sua defesa, os réus levantaram a tese de nulidade do processo porque não houve a citação de um dos lavradores. Em relação ao direito de permanência na terra, os réus argumentaram que existia entre eles e o fazendeiro Nilo de Castro Soares um anterior “contrato verbal de locação de prédio rústico” que lhes garantira a permanência na fazenda “São Agostinho” em troca de certas obrigações como o pa1
Encontrei o referido documento no “Dossiê” de José Esperidião Fernandes existente no Inquérito Policial Militar instaurado contra este camponês em abril de 1964 e que faz parte do banco de dados do Projeto Brasil Nunca Mais nº 185.
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gamento de uma renda e a prática do “cambão”2 (SUPERIOR, 2014). O advogado dos réus, provavelmente o militante comunista Manoel Lopes Veloso ou o próprio Deusdedit Mendes Ribeiro, além de alegar irregularidades processuais que poderiam acarretar na nulidade do processo, apresentou um argumento que certamente não passou despercebido pelo magistrado. O advogado aduziu que já existia um “contrato verbal de locação de prédio rústico”. Portanto, havia uma situação de fato anterior a ação que era amparada pelo Código Civil brasileiro, autorizando os camponeses a continuar na terra. Provavelmente o rompimento deste acordo pelo fazendeiro fundamentavase na participação daquelas famílias nas Ligas Camponesas, fato que ensejou represálias semelhantes em outros momentos. No município de Campo Maior, inúmeros lavradores vinham sendo expulsos de suas terras desde 1962 por sua filiação às Ligas Camponesas. Após a realização de duas audiências entre os envolvidos, o Juiz da 3º Vara Cível de Teresina, Raimundo Barbosa de Carvalho Baptista, finalmente proferiu sua sentença no dia 11 de novembro de 1963: O presente processo esta a exigir um estudo das condições em que as partes entraram em entendimento para firmarem um acordo. Tudo gira em torno do autor ter ou não ter firmado com os réus contrato em entendimento com boa-fé. Cabe então uma digressão sobre o valor da boa-fé, especialmente nos contratos verbais. Ninguém até hoje mostrou melhor a importância do papel que desempenha a boa-fé na formação e execução 2
O “cambão” referia-se ao trabalho gratuito do camponês ao proprietário da terra durante parte da semana que poderia chegar até quatro dias.
dos contratos do que DANE; Toda gente sabe pela sua experiência de vida, que antes de fechar um contrato sinalagmático, a parte que tem interesse em celebrá-lo apresenta tudo cor de rosa, passando por alto uma série de pontos, etc... (Introdução dos Negócios Jurídicos, Tradução de Pontes de Miranda, 1941, p. 194). No caso dos presentes autos, toda a prova declina no sentido de ter sido celebrado um contrato de arrendamento, com todos os seus característicos, prazo, modo de pagar e importância ou valor do contrato. Não nega o autor ter prometido firmar o contrato, chegando mesmo a afirmar “que, em relação a este arrendamento prometeu aceitar, fazendo o arrendamento na base de oitocentos cruzeiros por linha, em um total de cento e vinte linhas”. Houve portanto, nos termos do artigo 1087 do Código Civil o contrato com todas suas formalidades, pois ficaram acertadas até as bases e com isto da parte dos réus “houve o aproveitamento do mesmo”, com a realização de trabalho “na terra arrendada”. Na realidade houve apenas por parte de “roceiros”, no caso os doutores, Francisco Bento e Deusdedit Mendes Ribeiro, a vontade de auxiliar os réus com a transformação do contrato de arrendamento em venda definitiva das terras arrendadas. Não se pode admitir que a vontade de terceiros venha prejudicar os réus, que certos de terem contrato com o autor trabalhavam nas terras do mesmo. Pelo depoimento dos interrogados e das demais provas existentes nos autos, verifica-se que somente alguns réus poderiam ser acusados de estar procedendo de má-fé, aqueles que desobedeceram a ordem judicial de suspensão dos trabalhos. Entretanto, contra estes o Ministério Público está providenciando a punição legal. Considerando o conjunto de provas colhidas; considerando o disposto nos artigos 1080, 1087, do Código Civil;
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Considerando a prova colhida, todas em um só sentido; Considerando a boa-fé das partes; Considerando mais os princípios de direito aplicáveis a este caso, este Juízo julga a ação improcedente, reconhecendo a existência de um contrato verbal de arrendamento entre autores e réus e condena os autores ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado na base requerida. Encaminhe-se ao Ministério Público cópias dos depoimentos das testemunhas Antonio Soares da Silva, José Felipe Madeira e Raimundo Gomes da Silva, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal. Publicada nesta audiência. Registre-se. Imprime-se. Cumpre-se (SUPERIOR, 2014).
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O reconhecimento do direito dos lavradores de permanecerem na terra em razão do contrato de arrendamento verbal preexistente reforçava a legitimidade de uma situação de fato, o trabalho nas roças, atenuando, assim, a ideia do direito de propriedade como algo absoluto e imutável. Por outro lado, é importante refletir que o “contrato de arrendamento” celebrado entre o proprietário e os camponeses foi resultado de uma série de empreendimentos e embates cotidianos com aquele fazendeiro para garantir o acesso dos lavradores a terra. Desta maneira, o que estava em jogo era a manutenção das relações anteriormente firmadas e que foram rompidas unilateralmente pelo proprietário. A sentença certamente foi comemorada com euforia pelos lavradores da Fazenda “São Agostinho”. A decisão proferida neste processo demonstrava que era possível vencer na seara judicial, embora, esta possibilidade fosse bastante circunscrita como denunciado anteriormente pelos deputados Deusdedit Mendes Ribeiro e Celso Barros Coelho. A vitória dos camponeses da “Fazenda São Agostinho” evidenciou que o seu
futuro não era irremediável, mas estava aberto a possibilidades de dias melhores. Neste ponto, as reflexões do historiador inglês E. P. Thompson sobre a lei tornam-se fundamentais para visualizarmos outras dimensões da luta pela terra: Como tal, a lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens: tem sido um meio onde outros conflitos sociais têm se travado. Em parte, as próprias relações de produção só tem sentido nos termos de suas definições perante a lei: o servo, o trabalhador livre; o trabalhador rural com direitos comunais, o habitante sem eles; o proletário não livre, o grevista consciente de seus direitos; o diarista rural sem terras que ainda pode processar o seu patrão por agressão. E se a eficácia da operação da lei em sociedades divididas em classes tem faltado repetidamente a sua própria retórica de igualdade, ainda assim a noção do domínio da lei é, em si mesmo, um bem incondicional (THOMPSON, 1987, p. 358-359). Neste texto, Thompson acentua que conceber a lei tão somente como um instrumento da classe dominante configura um grande e perigoso equívoco. Para garantir uma eficácia ideológica, a lei institui critérios lógicos e padrões de universalidade e igualdade que tem de ser estendido a todos os tipos e grau de homens impondo, assim, restrições ao poder arbitrário. Ao recorrerem ao Poder Judiciário, os camponeses da Fazenda “São Agostinho” utilizaram a retórica da lei (Código Civil) para reivindicar o direito ao acesso a terra constrangendo o fazendeiro Nilo de Castro Soares a abandonar o foro privado, historicamente associado às arbitrariedades, e reconhecer um acordo que gozava do amparo legal. Pequenas vitórias co-
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mo esta reforçavam a legitimidade da luta pela reforma agrária.
O campo em chamas: a exacerbação da violência em Teresina e Campo Maior A comemoração pela vitória dos camponeses da Fazenda “São Agostinho” foi rapidamente interrompida por um duro golpe. No dia 14 de novembro de 1963, a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina (conhecida desde 1961 como Liga Camponesa) foi incendiada, fato imediatamente atribuído aos grandes proprietários da Capital como vingança pela vitória judicial dos camponeses daquela Fazenda. Na sessão ordinária da Assembleia Legislativa realizada naquele mesmo dia, o deputado Deusdedit Mendes Ribeiro insurgiu-se veementemente contra o atentado: Com a palavra o deputado Deusdedit Ribeiro para dizer que os lavradores de Teresina, haviam fundado recentemente a “Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina”, com grande sacrifício, para ver, hoje, tocada fogo pelos latifundiários e reacionários – como declarou – que agora começas pelas sedes das associações, para amanhã, talvez, atearem fogo nas próprias residências dos camponeses. Tomara conhecimento do incêndio através da Rádio Clube e confirmado por um companheiro seu. Disse que essa reação dos latifundiários de Teresina, vem em decorrência de recente decisão a favor dos camponeses que dera o Tribunal de Justiça no caso da fazenda “São José”, os quais sentiram que a Justiça não esta exclusivamente aos seus serviços. Por isso mesmo o orador declarou que ai ficava a advertência a esses latifundiários que lutam contra os camponeses (LIVRO, 1963d, p. 01-02).
Como o deputado havia tomado conhecimento do incêndio naquele dia, é compreensível que tenha se equivocado em relação ao nome da Fazenda onde moravam os lavradores que conquistaram uma decisão judicial favorável poucos dias antes. A manifestação do deputado Deusdedit Mendes Ribeiro provocou um intenso debate no plenário, ao tomar a palavra o deputado pessedista Edson Rocha: Contestou a acusação malévola que fizera o deputado Deusdedit Ribeiro aos latifundiários e reacionários de que os mesmos havia ateado fogo na sede da associação referida por ele. Porém disse ser fruto apenas da imaginação doentia daquele parlamentar que teme a presença dos proprietários de terras, pois ela desfaz toda aquela sua pregação de defesa dos camponeses, quando o que faz é pregação subversiva, verdadeira traição aos pobres miseráveis camponeses, para tirar proveitos políticos e eleitoreiros (LIVRO, 1963d, p. 01-02). Em sua intervenção o referido deputado também afirmou que eram os grandes proprietários quem inibiam a ação dos subversivos contra os camponeses. O deputado Themístocles Sampaio identificou a manifestação do seu colega Edson Rocha como uma defesa dos latifundiários: Frisou ainda que a defesa dos latifundiários, proferida pelo deputado Edson Rocha, foi falha e imperfeita, uma vez que a reforma constitucional sobre a reforma agrária, não visa tomar terras de ninguém e muito menos dos latifundiários, mas pelo contrário, pretende que o homem do campo não continue subjugado pelos proprietários que exploram os camponeses. “Por isso – acrescentou para finalizar – não temo ser taxado de comunista, pois todo aquele que defende os humildes, os po-
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bres e os homens do campo, assim como aconteceu com Dom Carmelo Moto e os Bispos do Nordeste, são classificados de comunistas. Até Dom Avelar Brandão, em Teresina já é chamado de comunista (LIVRO, 1963d, p. 01-02).
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A repercussão do incêndio da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina não ficou circunscrita ao Piauí. Coube ao jornalista e militante comunista Ribamar Lopes acionar sua rede de contatos com os jornais ligados a esquerda naquele momento para denunciar o atentado sofrido pelos camponeses. Neste sentido, Ribamar Lopes enviou uma matéria ao jornal A Liga (ligado ao deputado Francisco Julião), publicada em 27 de novembro de 1963, intitulada “Turba latifundiária incendiou sindicato camponês no Piauí” onde denunciava o incêndio como um crime dos grandes fazendeiros da capital: Terroristas latifundiários em face de uma decisão da Justiça favorável aos camponeses incendiaram a sede da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina, localizada no sitio Uberaba, nesta cidade. Os camponeses, que estavam impedidos de cultivar a terra, ganharam uma ação na Justiça, que lhes garantiu o direito de trabalhar novamente as suas roças. Revoltados com a vitória camponesa, os latifundiários, por vingança, incendiaram a sede da associação. A situação é tensa, pois os camponeses estão promovendo comícios de protesto e exigindo a prisão dos responsáveis pelo incêndio de seu sindicato (LOPES, 1963b, p. 05). O incêndio também foi abordado na matéria “Agentes subversivos incendeiam associação camponesa” publicada no jornal Terra Livre (ligado ao PCB) de janeiro de 1964 a partir das informações enviadas por Ribamar Lopes:
Desesperados com o avanço do movimento camponês em todo o país, particularmente no Estado do Piauí, os latifundiários resolveram adotar o terrorismo fascista e anticristão, incendiando sedes de organizações camponesas e cometendo toda sorte de arbitrariedade. Ainda recentemente, temendo a organização dos trabalhadores do campo, os latifundiários do Piauí mandaram incendiar a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina. Essa barbaridade, praticada em nome de falsos conceitos de “democracia cristã”, é uma das melhores provas de que está bem perto o dia da redenção, e que os trabalhadores piauienses tomam consciencia de que, organizados, levarão os latifundiários a desespero cada vez maior, colocando-os agora, à margem das leis, praticando atos que se classificam como subversão à ordem (AGENTES, 1964, p. 05). O incêndio da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina representou a culminância de uma série crescente de conflitos no campo piauiense que vinham se intensificando desde a criação das Ligas Camponesas no início dos anos 1960. Neste sentido, outro lócus privilegiado para entender a intensidade destes conflitos é a cidade de Campo Maior. Mais uma vez recorremos à escrita do jornalista e militante comunista Ribamar Lopes com forma de adentrar no universo dos conflitos cotidianos em torno da terra. Ainda em novembro de 1963, Ribamar Lopes escreveu o texto “No Piauí Latifúndio também é Cangaço” que foi publicado nos jornais A Liga, Novos Rumos e O Semanário. No texto publicado no periódico A Liga em 04 de dezembro de 1963, o jornalista abordou o caráter violento dos conflitos que ocorriam no Estado naquele momento. Ao se referir à cidade de Campo Maior, onde seu
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irmão Luis Edwirges era presidente da Liga Camponesa, Ribamar Lopes pontuou que: Há pouco tempo, um dos mais ferrenhos latifundiários do Município, na zona chamada de Pubas, no lugar Cachoeira, mandou fazer um ataque a camponeses que se encontravam brocando. Quarenta e cinco homens, num caminhão, armados de revolveres, rifles, etc., atacaram 12 humildes e pacatos camponeses que estavam brocando por ocasião do assalto. Tomaram os instrumentos de trabalho dos camponeses e conduziram estes para as residências, a fim de que desocupassem as mesmas, pois pretendiam tocar fogo nessas, o que só não fizeram devido ao alarido suplicante das mulheres e crianças residentes nesses locais. Foi um pânico geral e os jagunços andaram tocando com as armas em senhoras, moças, crianças e velhos, ameaçando disparos caso reagissem. Mais recentemente, um “coronel” tonitroante, proprietário, chamou a sua presença um sócio da associação, morador em uma de suas fazendas, para reclamar do mesmo a desobediência, segundo afirmou, de se ter associado aquela entidade sem antes consultá-lo e que teria de sair da mesma imediatamente, sob pena de ter a sua casa destruída, senão que abandonasse, dentro de poucas horas, as suas terras. Como o camponês procurasse explicar-se, o arrogante latifundiário mandou que o mesmo calasse, do contrário apanharia ali mesmo, naquela hora, pois tinha ele, o latifundiário, homens a sua disposição para efetuar a surra. A associação interferiu no caso, juntamente com o escritório da SUPRA, em Teresina, tendo esta, por sua vez, solicitado providencias ao Secretário do Interior e da Justiça, evitando-se, com a atitude que o mesmo tomou, que a violência fosse praticada.
Entretanto, ainda perdura o problema, pois o latifundiário não se conforma em que o camponês fique residindo na terra dele, sob a alegativa de que pertence a Liga Camponesa, que ele considera maléfica aos seus interesses e que o camponês acha muito benéfica aos seus. Cerca de cem casos os proprietários fizeram surgir, no aludido Município, em desfavor dos camponeses (LOPES, 1963a, p. 04). É interessante perceber como Ribamar Lopes emprega os termos cangaço e cangaceiros como sinônimos de violência contra os camponeses, interpretação esta que ia de encontro a trabalhos de estudiosos de esquerda como Rui Facó que buscavam identificar o cangaceirismo como uma espécie de resistência distorcida dos próprios camponeses. De todo modo, as imagens evocadas pelo jornalista em seu texto visavam demonstrar a exacerbação dos conflitos no campo naquele momento que já atingia até mesmo “senhoras, moças, crianças e velhos”, constituindo-se como uma estratégia para criar empatia entre seus leitores e os lavradores campomaiorenses. Outrossim, Ribamar Lopes também busca enfatizar que o tempo em que os latifundiários agiam impunemente havia findado, uma vez que instituições como a Superintendência de Reforma Agrária (SUPRA) criada durante o governo de João Goulart tinham como missão mediar e resolver os conflitos de terra no país. É interessante perceber que o próprio Ribamar Lopes também era um assessor da SUPRA no Piauí o que lhe possibilitava utilizar este espaço como mais uma base de apoio às lutas camponesas no Estado. Ao discorrer sobre a violência no campo no Brasil contemporâneo, a so-
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cióloga Leonilde Servolo de Medeiros assinalou que: A contestação - seja individual, seja coletiva - por parte dos trabalhadores às formas de dominação vigentes é o primeiro sinal para o desencadeamento de formas de violência mais diretas, nas quais uma das marcas mais constantes é a agressão física. Os despejos sumários, a matança de animais domésticos, a ronda de "jagunços" em torno das casas são as conseqüências mais imediatas da desobediência, constituindo, ao mesmo tempo, enquanto ameaças antecipadas e códigos conhecidos de demonstração de força, mecanismos de sujeição (MEDEIROS, 1996, p. 130).
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Nesta perspectiva, a autora coloca em evidência a relação entre o desgaste das relações de poder tradicionais e o crescimento da violência levada a cabo pelos latifundiários como reação a esta situação. Ao acompanharmos o processo de organização das Ligas Camponesas no Piauí no início da década de 1960, percebemos como este fenômeno produziu uma clivagem nas relações de dominação tradicionais no campo. Ao lançar mão de práticas repressivas visando restabelecer o status quo anterior, a elite agrária piauiense demonstrava um indisfarçável desconforto em aceitar uma situação onde os camponeses se faziam ouvir e traduziam suas angústias e aspirações através de ações políticas. Diante do aguçamento dos conflitos no campo piauiense, o deputado Deusdedit Mendes Ribeiro propôs no plenário da Assembleia Legislativa um “Projeto de Resolução” que visava à formação de uma “Comissão Especial de deputados para examinar as causas dos atritos surgidos entre camponeses e proprietários nos municípios de Teresina e Campo Maior”. Após uma forte resistência, a referida resolução foi aprovada
e uma “Comissão Especial” composta por sete deputados, incluindo Deusdedit Mendes Ribeiro e Celso Barros Coelho, foi instalada para investigar as causas do conflito no campo piauiense. A despeito desta grande vitória, a “Comissão Especial” sequer chegou a iniciar seus trabalhos. Em 31 de março de 1964 os militares, apoiados pelo empresariado nacional e pela elite agrária brasileira desferiram um Golpe de Estado que mergulhou o Brasil em uma longa ditadura. Na sessão extraordinária realizada em 08 de maio, a maioria da Assembleia Legislativa do Piauí promoveu a cassação dos mandatos dos deputados estaduais Deusdedit Mendes Ribeiro, Themístocles de Sampaio Pereira, José Alexandre Caldas Rodrigues e Celso Barros Coelho, bem como dos três suplentes: Honorato Gomes Martins, Ubiratan de Carvalho e José Francisco Paes Landim (LIVRO, 1963e, p. 01-02). Uma longa noite havia se instalado no Brasil3. *** Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira citam em recente trabalho uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em junho de 1963, que avaliou entre vários temas a aprovação da população à reforma agrária. A pesquisa, realizada em dez capitais, apontou que 62% do eleitorado brasileiro era favorável a reforma agrária; 11,5% dos eleitores eram contrários. Em capitais como Guanabara, Porto Alegre, São Paulo e Recife o índice de aprovação ultrapas3
Quase cinquenta anos depois, em 29 de abril de 2014, a mesma Assembleia Legislativa aprovou um requerimento do deputado estadual Fábio Novo (PT) devolvendo, mesmo que simbolicamente, os mandatos aos deputados e suplentes cassados em 1964. Estiveram presentes Celso Barros Coelho e José Francisco Paes Landin.
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sava 70% (GOMES; FERREIRA, 2014, p. 173-174). Portanto, a expectativa em relação à reforma agrária era compartilhada não só pelos camponeses, mas pela maioria da sociedade brasileira naquele momento.
ASSEMBLÉIA Legislativa. Folha da Manhã, Teresina, p. 01, 04 out. 1963. (b)
A emergência da reforma agrária como um tema de caráter nacional não estava de nenhum modo desvinculada dos diversos conflitos cotidianos pela terra que atravessaram todo o território brasileiro neste período. Em 1963, as tensões em torno da reforma agrária haviam alcançado seu mais alto ponto até aquele momento. Em contrapartida, a violência no campo também atingiu níveis assustadores como procurei demonstrar ao longo deste texto. Massacres de camponeses como aqueles ocorridos nas cidades de Pirapemas - MA (1963) e Mari - PB (1964) evidenciaram a forte resistência da elite agrária do país em aceitar qualquer forma de alteração na estrutura agrária brasileira.
GOMES, Ângela de Castro; FERREIRA, Jorge. 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instalou a ditadura no país. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
A longa noite da Ditadura Militar no Brasil acentuou a violência em todas as dimensões do Estado. Massacres no campo recentes em nossa história como os de Corumbiara (1995) e Eldorado dos Carajás (1996) ou o assassinato de lideranças como Chico Mendes (1988) e Doroty Stang (2005) tem muito a nos dizer sobre a persistência da violência que marca a história do latifúndio no país.
Referências Bibliográficas AGENTES subversivos incendeiam associação camponesa. Terra Livre, São Paulo, p. 05, jan. 1964. ASSEMBLÉIA Legislativa. Folha da Manhã, Teresina, p. 01, 03 out. 1963. (a)
FORO de Teresina. O Dia, Teresina, p. 04, 28 out. 1963.
LIVRO de Atas da Assembléia Legislativa do Piauí. Ata da 146ª sessão ordinária da 1º sessão legislativa da 5º Legislatura da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, 15 de outubro de 1963, p. 02 (a) LIVRO de Atas da Assembléia Legislativa do Piauí. Ata da 147ª sessão ordinária da 1º sessão legislativa da 5º Legislatura da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, 16 de outubro de 1963, p. 03. (b) LIVRO de Atas da Assembléia Legislativa do Piauí. Ata da 148ª sessão ordinária da 1º sessão legislativa da 5º Legislatura da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, 17 de outubro de 1963, p. 01-02 (c) LIVRO de Atas da Assembléia Legislativa do Piauí. Ata da 163ª sessão ordinária da 1º sessão legislativa da 5º Legislatura da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, 14 nov. 1963, p. 01-02. (d) LIVRO de Atas da Assembléia Legislativa do Piauí. Ata da 4ª sessão extraordinária da 2º convocação extraordinária da 5º Legislatura da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, 08 maio 1964, p. 01-02. (e)
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LOPES, Ribamar. No Piauí latifúndio também é cangaço. A Liga, Rio de Janeiro, p. 05, 04 dez. 1963. (a) LOPES, Ribamar. Turba latifundiária incendiou sindicato camponês no Piauí. A Liga, Rio de Janeiro, p. 05, 27 nov. 1963. (b) MEDEIROS, Leonilde S. de. Dimensões políticas da violência no campo. In: Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, 1996, p. 126-141. O DIA de ontem no legislativo. Folha do Nordeste, Teresina, p. 04, 16 fev. 1963. PROPRIETÁRIOS têm seu sindicato de classe. O Dia, Teresina, p. 04, 07 out. 1963.
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SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. Certidão de sentença de ação de reintegração de posse – 11 de novembro de 1962. BNM nº 185 (Apelação nº 30.057/1972). Disponível em: http://www.bnmdigital.mpf.mp.br. Acesso em: 20 de agosto de 2014. THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: as origens da Lei Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
José Francisco Beserra Nunes & Fernando Emílio Alves dos Santos
ALIANÇA PARA O PROGRESSO, do Salão Leste para o Nordeste e seus reflexos na educação. José Francisco Beserra Nunes1 e Fernando Emílio Alves dos Santos 2
Resumo Aliança para o Progresso foi um programa dos EUA nos anos 1960 para América Latina. Com objetivo de conter avanço do comunismo, que teve reflexo na educação no Nordeste. Foi feito pesquisa uma bibliográfica, de documentos e entrevista. E encontraram-se escolas do projeto feitas no Piauí. Palavras-chave: Aliança para o Progresso, América Latina, Nordeste.
Abstract Alliance for Progress was one program of USA in 1960’ for Latin America. With objective of control the advance communism, what had reflex in education in Northeast. It went made one bibliographic survey, of documents and interview. And build’s school of plan went found in Piauí. Keywords: Alliance for Progress, Latin America, Northeast.
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Graduado em Licenciatura Plena em História pela UESPI, com especialização em Ensino em História pela UESPI; graduado em Odontologia pela UNIVALE, com especialização em PSF, pela UFPI. 2 Graduado em Licenciatura Plena em História pela UESPI.
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Introdução
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Ao analisarmos os acontecimentos de cinquenta anos atrás a respeito do golpe civil-militar. Que foi organizado e executado pelos setores conservadores e reacionários da sociedade brasileira e a com ajuda externa do grande irmão do norte, os EUA. Para isso utilizamos uma metodologia complexa. Onde foi realizada uma Pesquisa bibliográfica extensa com vários autores, com destaque para Marylu de Oliveira, Contra e foice e o martelo: considerações sobre o discurso anticomunista piauiense no período de 1959-1969: uma análise a partir do jornal “O Dia”, (2007) e A cruzada antivermelha – democracia, deus e terra contra a força comunista: representações, aparições e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960, (2008); Carlos Fico em O grande de irmão: da Operação Brother Sam aos anos de chumbo. O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira, (2008) e O golpe de 64: momentos decisivo, (2014); Jorge Ferreira no livro João Goulart: uma biografia, (2011) e na obra em fez em conjunto com Ângela de Castro 1964:O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil (2014); o professor Iweltman Mendes na História da educação piauiense História da educação piauiense,(2012); o cientista político Ricardo Allagio Ribeiro em sua tese de doutorado Aliança para o Progresso e as relações Brasil-Estados Unidos (2006); o pensador estadunidense Noam Chomsky em: O que o Tio Sam realmente quer (1999); o educador Paulo Freire na obra Aprendendo com a própria história,(2010) e Maria Luiza de Alcântara Krafzik na dissertação de mestrado Acordo MEC/USAID – A Comissão do livro técnico e livro didático – COLTED (1966 -1971), (2006). Está no senso comum que todo o processo se realizou somente, nas principais cidades do centro-sul do Brasil.
Como se não houvesse os sujeitos históricos piauienses, bem ativos e articulados naquele período da história. Isso fica bem evidenciado nos trabalhos de Marylu de Oliveira (2007 – 2008), que trabalha o anticomunismo no Piauí no final dos anos 1950 e primeira metade dos anos 1960, onde as elites conservadoras do Piauí estão alinhamento com o pensamento reacionário das elites brasileiras daquele recorte histórico. E hoje é observado que há uma tentativa de enaltecimento por parte das elites locais a respeito das construções de escolas realizadas pela Aliança para o Progresso. E vemos história e a memória, estampados em placas da Aliança para o Progresso daquele momento histórico, tão comentada por Celso Furtado nos anos do projeto. E este, foi o fulcro para o desenvolvimento dessa pesquisa sobre a Guerra Fria envolvendo o Piauí e seus cidadãos. O trabalho foca o projeto desenvolvimentista Aliança para o Progresso, e sendo este, “o mais ambicioso programa de ajuda externa já planejado (para a América Latina), mas certamente não o mais bem sucedido” (RIBEIRO, 2006, p.21). A Aliança para o Progresso foi concebida como uma estratégia de contra o avanço do socialismo, começava a ganhar corpo na América Latina, após a vitória dos revolucionários cubanos e a Casa Branca temia que este processo começasse a espalhar por todo continente. Baseados nas ideias keynesianas de Rostow, economista do MIT, o projeto Aliança para o Progresso tinha como objetivo inicial fomentar o desenvolvimento econômico e social na América Latina, partindo de pressupostos estruturalistas em que as sociedades seguem em uma sequencia linear na construção de economias solidas e bem estar social. Contudo, no caso brasileiro, a Aliança para o Progresso na prática contribuiu
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para a derrubada do presidente brasileiro João Goulart, e suas ações na área de Educação tiveram seu ápice nos acordos MEC/USAID, onde o currículo escolar brasileiro passou pelo crivo do Departamento de Estado dos EUA. Isso reforça o pensamento de Chomsky (1999), que dizia: Os estrategistas norteamericanos (...) ligados ao Departamento de Estado (...) concordaram que o domínio dos Estados Unidos tinha de ser mantido. Principalmente em sua área de influência, neste caso o Brasil por ser um país estratégico e em especial o nordeste brasileiro. Devido às preocupações norte-americanas com as Ligas Camponesas. Que eram uma organização de camponeses que reivindicavam a Reforma Agrária, que possuía o lema “Reforma Agrária na Lei ou na marra” e estavam espalhadas pelo o Nordeste e inclusive no Piauí. E suas atividades constantemente passava nos noticiários das grandes emissoras1 de televisão dos EUA, como também, em sua impressa escrita, com destaque para a cobertura do The New York Times. E segundo as fontes de Marylu Oliveira (2008) houve um congresso em 1961 com apoio do governador do Piauí, o parnaibano Chagas Rodrigues. Devido à política nacionalista de João Goulart houve uma avaliação negativa por Washington, que dificultou a implantação do programa no Brasil. Fazendo que a embaixada norteamericana no Brasil opta-se pelas chamadas “ilhas de sanidades” administrativas2. Onde “os acordos de financia1
TAVARES, 2014. As agências internacionais de notícias transcrevem as “informações” ...jornais e televisões norte-americanos que andam no Brasil (principalmente pelo nordeste) em busca de pistas ... o perigo comunista. p. 82. 2 FICO, 2014. Iniciativa irregular de o governo dos Estados Unidos repassar recursos diretamente aos estados brasileiros sem intermediação do governo federal, p.32.
mentos foram firmados diretamente com governos estaduais e prefeitos municipais escolhidos” (TAVARES, 2014 p.148) pela embaixada dos EUA. Ao mesmo tempo, que trabalhou pela desestabilização do governo Goulart. Isso fica bem evidenciado no livro de Carlos Fico O golpe, 1964 (2014), onde temos gravado em uma reunião no Salão Oval com o presidente Kennedy, o embaixador Lincoln Gordon e com Richard Goodwin, secretário assistente de Estado para assuntos Interamericanos. Gordon – (...) É preciso deixar bem claro porém com discrição, que nós não somos necessariamente hostis a qualquer tipo de ação militar, contanto que fique claro o motivo ... Kennedy – Contra a esquerda. Gordon - Ele (Goulart) está entregando o maldito país aos ... Kennedy- Aos comunistas. (FICO, 2014 p. 75) Foi nesse cenário que a Aliança para o Progresso entra no Brasil, com objetivos específicos de minar Goulart. E olhando por este ângulo, observa-se o governador do Piauí, Chagas Rodrigues também pertencia ao PTB3, o mesmo partido de Jango. E o avanço da Aliança no Piauí deu se quando os dois quadros não estavam mais nos governos estadual e federal. Sendo o último deposto por forças militares, com apoio de setores conservadores da sociedade civil e a mão invisível dos Estados Unidos da América. Sem o projeto Aliança para o Progresso, não compreenderemos perfeita3
FERREIRA; CASTRO, 2014. PTB vinha crescendo muito nas cidades e começava a se interiorizar com mais força (...) abraçava o nacionalismo, o trabalhismo, o reformismo, (...) as reformas de base (...) o movimento sindical urbano e rural. p.57.
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mente as ações da Casa Branca nos eventos de março-abril de 1964, e todo o legado que este projeto deixou no Brasil e em especial na região norte do Piauí, onde foram construídas diversas escolas de ensino básico, inclusive o prédio da Escola Normal de Parnaíba. Sendo esta a responsável pela formação de professores para o ensino fundamental nos primeiros anos e obedecendo a um currículo vinculado aos valores estadunidense na formação dos alunos. Isto poderá ser observado com os acordos4 feitos pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) e a USAID, que contribuíram para a reforma de todo ensino brasileiro. Um dos frutos deste acordo foi a Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED)5, para a produção e distribuição dos livros didáticos utilizados nas escolas públicas no Brasil nos governos Castelo Branco, Costa e Silva e Médici. Isto é, a dominação ideológica chegando ao nível da matriz curricular de ensino e reproduzida através do livro didático.
Desenvolvimento Este trabalho visa observar como foi a atuação do Departamento de Estado
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NUNES, 2016. Estes acordos foram denunciados pelo Dep. Marcio Moreira Alves que escreveu um dossiê sobre os acordos assinados entre o governo brasileiro e dos EUA, através do MEC e USAID. Estes documentos ficaram com a tarja “top secret” por mais de um ano e mostravam que o centro de decisão do MEC havia se deslocado para embaixada norte-americana, p.68. 5 NUNES, 2016. Estes acordos firmados na área de educação, com enorme presença dos EUA e sua ideologia, que tiveram enormes impactos curriculares na formação dos estudantes brasileiros, na segunda metade dos anos 1960. Seu ápice, indubitavelmente, se configura na uniformização dos Livros Didáticos, dando origem COLTED. p. 68.
dos EUA, através da agencia USAID6 (U.S. Agency for International Development), no programa de ajuda econômica e social para a América Latina chamado Aliança para o Progresso. Que foi idealizado pelo presidente Kennedy, antes mesmo de sua eleição. Sendo um programa baseado nas ideias Rostow e de outros economistas do MIT (Massachussets Institute of Thecnology. O programa Aliança para o Progresso foi moldado, em grande parte, pelo medo que os movimentos de esquerda pudessem capturar, em seu favor, as aspirações de mudança em qualquer área da América Latina. E foi com o objetivo de conter o avanço do comunismo que o projeto de Rostow saiu das pranchetas do MIT e ganhou vida na administração Kennedy. A novidade do programa foi “o fato de esperar que o desenvolvimento econômico e as reformas sociais, nunca antes propostas pelo governo americano na América Latina, criassem uma estabilidade política” (RIBEIRO, 2006, p.18) na região. O mentor intelectual do programa de ajuda econômica dos Estados Unidos foi Walt Rostow, economista norteamericano. Que afirmava que os países do terceiro mundo do pós-guerra necessitariam de grandes investimentos industriais e de infraestrutura, com planejamento pré-definido. Com grande intervenção do Estado no processo produtivo, esta tese ficou conhecida como Teoria da Modernização7. Antes mesmo da elaboração do projeto de ajuda eco6
RIBEIRO, 2006. USAID, vinculada ao Departamento de Estado, a qual veio dirigir toda a ajuda externa americana. p.18. 7 RIBEIRO, 2006. “Teoria da Modernização” - acreditava, de forma não-problemática, que o Terceiro Mundo iria experimentar a mesma sequência de crescimento econômico, estabilidade social e democratização, pela qual haviam passado as sociedades do ocidente industrializado, tornandose, por sua vez, modernas. p. 54.
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nômica dos EUA. O Brasil já seguia um modelo parecido chamado de nacional estatismo, fundado por Vargas e o desenvolvimentismo dependente, associado aos capitais internacionais de “Juscelino Kubitschek, que minaram mas (...) não chegou a destruir as bases constituídas pela tradição nacional-estatista”. (REIS, 2000, p.17). Estamos evidenciando uma época de caráter estruturalista em que a escola de economia keynesiana desenvolvimentista estava no topo da academia norte-americana. E em relação ao Terceiro Mundo eles presumiram que estas sociedades estariam destinadas a passar pelas mesmas transformações pelas quais passaram as sociedades do ocidente industrializado (REIS, 2000 p.19). Segundo Chomsky (1999), Washington na Guerra Fria desenvolveu o conceito de Segurança Nacional, que determinou a política norte-americana do pós-guerra. A Casa Branca sabia muito bem que os Estados Unidos sairiam da Segunda Guerra Mundial (1939 -1945) como a primeira potência global. E já planejavam cuidadosamente como moldar o mundo após a guerra. Os EUA achavam que o Brasil dos anos 1950 e 1960 estava susceptível as influências das esquerdas. E que o alinhamento automático com o “mundo livre” seria mais vantajoso para o Brasil. Porém, quando a proposta da Aliança para o Progresso foi lançada, ela teve uma recepção não muito amistosa tanto pelos governos de Jânio Quadros, como o de Goulart que o sucedeu na presidência. “À esquerda e os grupos nacionalistas nunca aceitaram ou apoiaram o programa.” (RIBEIRO, 2006 p.20). A Casa Branca não sabia distinguir o comunismo do nacionalismo no cenário latino americano, por isso não levou em conta os possíveis “gaps” entre a teoria e a realidade. Então o programa Alian-
ça para o Progresso, surgido da Teoria da Modernização era um programa de ajuda financeira, entretanto “tinha uma moldura ideológica que a comprometeu. Seu principal objetivo era o combate ao comunismo e isso despertou a desconfiança dos países latinoamericanos.” (FICO, 2014 p.27). Somando-se a isso a ameaça do nacionalismo do Terceiro Mundo “que atendem às ‘exigências populares de elevação dos baixos padrões de vida das massas’ e produção de bens que satisfação às suas necessidades básicas” (CHOMSKY, 1999 p.24). Este quadro é mais nítido no Brasil, Argentina e México. Então a Aliança para o Progresso foi uma política de contra insurgência para conter os nacionalismos e o avanço do comunismo na América Latina. E seguindo esta linha de raciocínio, é observado na obra de Chomsky “Assim pensa o Tio Sam” (1999), Carlos Fico “O golpe de 1964” (2014) e Lowenthal (1990). Havendo um ponto de intersecção interessante no que se refere à política externa dos EUA. Em Chomsky há o seguinte relato: As metas básicas dos estrategistas (...) eram evitar que os ultranacionalistas tomassem o poder, se por um golpe de sorte eles chegassem ao poder, retira-los e instalar ali governos que favorecessem os investimentos privados do capital interno e externo, a produção para exportação e o direito de remessa de lucros para fora do país. (CHOMSKY, 1999 p.25) No livro de Carlos Fico tem o trecho: Os Estados Unidos buscariam apoiar economicamente a América Latina tendo em vista a diminuição da pobreza (vistas como causa das aspirações socialistas) e a melhoria de sua imagem, mas não admitiriam uma implantação de “outra Cuba”, mesmo que fosse preciso adotar ações unilaterais e inva-
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sões. O fortalecimento de governos militares na região também seria visto como admissível e desejável. Tendo em vista o combate ao comunismo. (FICO, 2014, p.26) Na obra de Ricardo Alaggio Ribeiro (2006) vemos a citação de Lowenthal (1990). As relações interamericanas eram explicadas em termos de um conflito básico entre o propósito americano de dominar a região e a luta da América Latina de manter sua soberania política e econômica. A Aliança seria o mais sofisticado instrumento construído pelo imperialismo para a região e sua retórica e mesmo seu reformismo, apenas escondiam os objetivos básicos de expansão do capital e do avanço da dominação imperialista. (LOWENTHAL, 1990, p. 223).
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Neste caso, fica bem evidente que a proposta de ajuda norte-americana, nada mais é que uma forma de ampliar e ratificar seu raio de ação dentro do continente americano. Principalmente após a tomada do poder em Cuba8, por Fidel, Che e seus companheiros. A ilha era ao mesmo tempo um protetorado Político dos EUA, um braço da máfia norteamericana, um bordel de luxo dos ianques, e um “lava jato” das empresas do Tio Sam. Que passou paulatinamente a dar as costas para o “grande irmão” após a Revolução Cubana E somandose a este fato, no final década de 1950 houve uma desastrada visita de Richard Nixon9 na América do Sul, mostrando 8
FICO, 2008. Não foi o triunfo de Fidel Castro contra o regime de Batista, em 1959, que levou à maior modificação adotada pelos Estados Unidos em relação à América Latina, mas, sim a implantação do regime socialista em Cuba, que se formalizou em 1961. p. 23. 9
FICO, 2014. Em 1958, o vice-presidente Richard Nixon fez uma visita a países latino-americanos e foi muito mal recebido. p.26.
como o antiamericanismo era evidente nas nações abaixo do rio Grande. Isto é, “a imagem dos Estados Unidos era simplesmente péssima” (FICO, 2008, p.23)
América Latina, Brasil, Nordeste e a aliança para o Progresso: Após a Revolução Cubana a América Latina como um todo passou a ter maior atenção do grande público estadunidense. Com várias matérias publicadas pela imprensa norte-americana. A imprensa americana dava grande destaque aos problemas sociais e econômicos do Nordeste brasileiro e alertava quanto à agitação social que ali se verificava. Kennedy e seus consultores já conheciam o problema e aos poucos se formou, posteriormente, a concepção de que aquela era uma área crítica, onde os esforços da Aliança deveriam ser concentrados. (RIBEIRO, 2006, p.80). Os primeiros artigos sobre a região nordestina foram obra de Tad Szulc, um correspondente no jornal norteamericano The New York Times. Alertando a opinião pública dos EUA, que militantes marxistas estavam tirando vantagem da miséria dos sertanejos com o objetivo de criar um ambiente propício à inserção comunista na região. Com destaque a formação das Ligas Camponesas, cujo lema era “Reforma Agrária10 na lei ou na marra”, sob a liderança de Francisco Julião11, um advo10
FERREIRA- GOMES, 2014. A reforma agrária é (...) um tema central para compreensão do governo Goulart e do golpe civil e militar que o destituiu da presidência da República. p.94. 11
TAVARES, 2014. A impressa dos EUA apresentava Francisco Julião como “um novo Fidel Castro” (...) revistas e a TV norte-americanos enviavam
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gado com inclinações marxistas. Que catalisava milhares nordestinos movidos pela própria sorte. A questão agrária era considerado por Washington e pelas autoridades brasileiras uma questão a ser resolvida. Entretanto “as lideranças no Nordeste não pareciam interessadas em reformas sociais" (FICO, 2008 p.45). E, de acordo com Ricardo Allagio Ribeiro na obra Aliança para o Progresso e as relações Brasil-Estados Unidos (2006). O nordeste tinha e tem uma elite conservadora politicamente forte e tradicionalmente opressora, que taxava todos os seus críticos como comunistas. Isso vai de encontro aos estudos da historiadora piauiense Marylu de Oliveira (2007 – 2008). A autora faz um belo estudo sobre o anticomunismo imposto pelas classes dominantes no Piauí nas décadas de 1950 e 1960. Neste período o Piauí também entrou na rota do planejamento da guerrilha rural, na estratégia do foco. Baseadas nas ideias revolucionárias de Che Guevara nos livros Apuntes de la guerra revolucionaria cubana e A guerra das guerrilhas. Que discordava de Marx no seguinte quesito: o ponto de partida da Revolução “não estava nas cidades e zonas industrializadas, mas nas áreas rurais, onde pequenos grupos de rebeldes armados poderiam atingir o máximo de resultados” (KELLY, 2013, p.313). Foi nesta ótica que foram encontrados documentos em Dianópolis, no estado de Goiás. Envolvendo as Ligas Camponesas, com indícios que estaria atuando como organização revolucionária. Tendo a frente Francisco Julião, responsável pelo setor de Organização das Massas e Clodomir de Morais pela estrutura militar, que desenvolvia planos “para implantar diversas bases guerrilheiras repórteres (...) ao Nordeste do Brasil (...) revistas semanais como a Time e Newsweek. p.136 .
em vários pontos do Brasil, na divisa do Piauí com a Bahia; Sul da Bahia” (FERREIRA – GOMES, 2014, p.132). E segundo os autores Jorge Ferreira e Ângela de Castro (2014), o plano era desencadear a guerrilha no nordeste. Por este ângulo é possível entender como as obras da Aliança para o Progresso apareceram em locais tão pequenos como Murici dos Portelas, Cocal, e Palmeiras, portanto sendo, um contra ponto as organizações armadas de esquerda no campo. Na obra de Marylu Oliveira (2008) vemos a aproximação do governador do Piauí, o parnaibano Chagas Rodrigues com os movimentos populares, com destaque para as Ligas Camponesas. E foi sendo tachado de comunista pela imprensa local. Podemos observar neste trecho do livro Contra a foice e o martelo (2008) da autora piauiense: O governador do Piauí Sr. Francisco das Chagas Caldas Rodrigues está entrosado nesse plano [‘Um plano esquerdista de subversão da ordem política e social’]; - consciente e inconsciente, certo é que anda metido nessa agitação socialista, toda em atividade para de qualquer maneira, transplantar o comunismo cubano para o Brasil. Pelo menos com regime de República, - contra a as tradições liberais e políticas do povo brasileiro (OLIVEIRA, 2008, p.84). Historicamente, o estado do “Piauí, desde a colonização, possuiu uma elite detentora da maior parte das propriedades rurais. Em tempos mais recentes, esses latifundiários se agregavam em um ou outro partido político” (OLIVEIRA, 2008, p.81). Formando as práticas do coronelismo12, por parte de uma elite
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DELGADO – FERREIRA, 2014. O coronelismo demarca uma mudança qualitativa na tradicional dominação do poder privado (...) o coronelismo
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agrária que vivia nas principais cidades como a capital Teresina e a litorânea Parnaíba. Que já possuía um forte discurso anticomunista, a qual tem origem no Estado Novo e se aprofundou nos tempos da Guerra Fria, e disseminou-se pelos veículos de comunicação da época como o jornal impresso e o rádio. Que geralmente eram de propriedades das classes dominantes. Entretanto o governador Chagas Rodrigues contrariava os interesses das camadas oligarcas piauienses. Realizando o primeiro congresso das Ligas Camponesas no Piauí. Causando um mal estar na classe patrícia local. Registrado no trecho abaixo, retirado do jornal O Estado do Piauí13.
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Um congresso sindical de trabalhadores e camponeses realizado em fins de abril deste ano, no Piauí, constitui, no Estado, as Ligas Camponesas, que já estão confortavelmente instaladas no próprio Palácio do Governo. O senhor Chagas Rodrigues, governador do Estado, é o patrocinador das Ligas Piauienses, que por causa disso, estão em melhores condições de que todas as ramificações da instituição espalhadas no Nordeste, embora não contem com a popularidade das Ligas de Pernambuco. (OLIVEIRA, 2008, p.81) Foi neste ambiente que a Aliança para o Progresso chegou ao Brasil, mesmo antes de seu lançamento oficial na Casa Branca, ainda durante o governo de Jânio Quadros. Em fevereiro de 1961, “George McGovern14 (...) Richard Gotem uma identidade específica, constitui um sistema político. p. 96. 13 CABRAL, Sérgio. Liga do Piauí têm apoio do governo e da igreja. Estado do Piauí. Teresina, 26 out. 1961, 353, p. 06. Retirado do livro da Marylu de Oliveira A Cruzada antivermelha – Democracia, Deus, e Terra contra a força comunista. 14 FICO, 2014. Seria o diretor do programa “Comida para a Paz”. p. 28
odwin15 visitaram a SUDENE, então dirigida por Celso Furtado, para conhecer o nordeste, que preocupava por conta das reportagens que exageravam no significado das Ligas Camponesas” (FICO, 2008 p.28). O Presidente J.F. Kennedy jogou suas fichas no tabuleiro político da Guerra Fria, fazendo “o lançamento da Aliança para o Progresso, em 13 março de 1961 (...) no Salão Leste, da Casa Branca, usado para grandes reuniões” (FICO, 2008 p.27). Logo a abaixo um está exposto um trecho do discurso de J.F.K. (...) se formos bem-sucedidos, se nosso empenho for arrojado o suficiente e determinado o suficiente, então o final desta década será marcado pelo início de uma nova era na experiência americana. Os padrões de vida da cada família americana estarão no auge, e a educação básica estará disponível para todos, a fome será uma experiência esquecida, a necessidade de ajuda externa maciça terá passado, muitas nações terão entrado em um período de crescimento autossustentável e mesmo que ainda haja muito a fazer cada república americana será a mestra de sua própria revolução. (FICO - 2014, 27) A Aliança para o Progresso possuía um teor ideológico que a comprometeu. Principalmente depois da invasão da baia dos Porcos16. Isso mostrava que o discurso e a retórica eram completamente divergentes. Gerando desconfianças de diversos grupos políticos na América Latina. Foi neste sentido que 15
FICO, 2014. Futuro secretário assistente do Estado para Assuntos Interamericanos. p. 28. 16
HOBSBAWM, 1995. 1960, muito antes de Fidel descobrir que Cuba ia ser socialista (...) os EUA já haviam decidido tratá-lo como tal, e a CIA foi autorizada a providenciar sua derrubada (...) em 1961, tentaram uma invasão de exilados na baía dos Porcos. p. 427.
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Washington convoca para Punta del Este, Uruguai, uma reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos), para detalhar os planos da Aliança e conter as arestas ideológicas nacionalistas dos países latinos americanos e isolar Cuba. No encontro de Punta del Este, ocorre diversos atritos entre as representações norte-americanas e cubanas, esta sendo chefiada por Ernesto Che Guevara17. Este se absteve de assinar a Carta de resoluções da assembleia. Mas fez uma declaração emblemática no final do encontro “esta Aliança é um esforço para se achar uma solução dentro dos limites do imperialismo econômico. Nestas circunstâncias, estamos convencidos que a Aliança para o Progresso será um fracasso” (RIBEIRO, 2006, p.85). Mais tarde em uma conversa em off com Conselheiro Assistente Especial dos EUA, Richard Goodwin. Conversa que foi relatada por Roberto Campos, economista e um dos representantes brasileiros no encontro. Che Guevara fala com franqueza sobre os problemas da economia cubana e faz um diagnóstico cirúrgico sobre o futuro da Aliança para o Progresso. Dizendo que o projeto estava “condenado ao fracasso, pois Kennedy não deveria confiar que governos das classes privilegiadas agissem contra seus próprios interesses” (RIBEIRO, 2006, p.127). As relações internacionais daquele momento refletiam num forte discurso anticomunista nas classes dominantes do Brasil. Estando impresso nas grandes capitais do centro sul do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo em jornais como O Globo, A Tribuna da Impressa, O Estado de São Paulo. Como também, em 17
HOBSBAWM, 1995. Che Guevara, o médico argentino altamente talentoso como líder guerrilheiro. p. 426.
Teresina a capital do estado do Piauí, com destaque para a fala escrita do professor Simplício Mendes do jornal O Dia, observando nos estudos de Marylu Oliveira (2007 – 2008). Quando foi lançada a Aliança para o Progresso, o Brasil era governado por Jânio Quadros, eleito pela direita brasileira, mas tinha uma postura política externa independente18 em relação à Casa Branca. Tal postura fez, que Carlos Lacerda, líder da UDN19 falasse que “Jânio era a UDN de porre”. Sua gestão foi marcada por diversas contradições que acabou levando ao isolamento de seu governo, perante o Congresso Nacional e num gesto transloucado ou uma tentativa de golpe, acabou renunciando. Jogando o país numa gravíssima crise político institucional. Pois seu vice, João Goulart em viagem a URSS e China não era bem visto por setores direitistas da sociedade civil e militar. Estes, eram representados por políticos de direita, a maior parte da grande imprensa, lati18
FERREIRA; CASTRO, 2014. A Política Externa Independente do Brasil, no contexto internacional (...) dominado pela Guerra Fria (...) governo brasileiro assumiu a posição de não mais se alinhar automaticamente aos Estados Unidos (...). O Itamaraty dedicou especial atenção às relações com os novos países africanos e nações comunistas do leste europeu, à União Soviética, à China e a Cuba (...) recusando apoio aos Estados Unidos para a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA) (...) condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul (...) o líder revolucionário Che Guevara. p.22. 19
FERREIRA; CASTRO, 2014. UDN (...) um partido antigetulista e antitrabalhista. Ferozmente anticomunista, os udenistas eram liberais e privatistas no plano econômico, defendendo a abertura do país ao capital estrangeiro e eram contra as reformas sociais, consideradas comunizantes (...) opunham-se aos movimentos sociais, em especial às organizações de trabalhadores urbanos e rurais (...) vinha crescendo nas classes médias urbanas. p, 59.
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fundiários, grandes empresários nacionais, setor militar de alta patente com inclinações anticomunistas e representantes de grandes corporações de empresas estrangeiras instaladas no Brasil.
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Portanto, a Aliança para o Progresso chega ao Brasil no meio de contradições internas e externas, o qual o programa não consegue se adequar. “A política para a América Latina emerge de uma interação entre os muitos atores que tomam parte no jogo político (...) e, cada ator tem diferentes pesos e seu poder depende da várias considerações” (RIBEIRO, 2006, p. 92). Para JFK, “o Brasil, e mais especificamente, o Nordeste brasileiro, eram peões especiais na batalha pelo continente (e ...) a Aliança, era uma daquelas coisas pelas quais ele estava disposto a ‘pagar qualquer preço’”(RIBEIRO, 2006, p.117). Assim, o Nordeste foi a principal região a ser assistida nos primeiros anos do programa. E Kennedy e seus consultores já conheciam o problema daquela era uma área, onde os recursos do projeto deveriam ser concentrados. Contudo com a subida de Goulart ao poder, houve um aumento do nacionalismo de esquerda. Que convenceram, ou melhor, reafirmaram o anticomunismo da embaixada dos EUA. E o programa norte-americano no Nordeste teria que responder à crise que se avolumava. Mas para isso, havia a necessidade da Aliança para o ProgressoUSAID compor com a SUDENE, um órgão com caráter ministerial. Que era presidida por Celso Furtado, e tinha várias divergências com o programa de ajuda norte-americano. Podendo constatar na nota abaixo: Surpreendeu-me que os membros da missão (...), que certamente haviam sido amplamente assessorados por agentes da CIA, nãocompreendessem quão con-
traproducente seria encher o Nordeste de tabuletas da Aliança para o Progresso, alardeando pequenas obras de fachada (...). As autoridades norteamericanas se consideravam no direito de contrapor-se e sobrepor-se às autoridades brasileiras (...) para alcançar seu objetivo de “deter a subversão no hemisfério”. (FICO – 2008, p.29). No trabalho de Nunes (2016) foram identificadas várias escolas construídas no Piauí, com o projeto estadunidense. O governador Petrônio Portela Nunes (1963 – 1966), o último eleito diretamente antes do ciclo militar. Viajou aos Estados Unidos da América, onde apresentou “um projeto de Melhoria do Sistema de Educação Primária e Básica de Estado do Piauí” (MENDES, 2012, p.218), e firmou um acordo com os EUA que, segundo Iweltman Mendes, possibilitou a construção de 1.230 salas de aulas; os prédios das escolas normais de Parnaíba e Floriano20; e a aquisição de livros e material didático21. Essas negociações ocorreram antes de março de 1964, através do Departamento de Estado dos EUA, via USAID e o embaixador Lincoln Gordon, que sempre preferiu negociar com unidades da federação que faziam oposição a Goulart. Com este fora do caminho, a USAID pactua diretamente com o governo brasileiro, contudo, sem descuidar dos estados. No Piauí a negociação teve a frente o governador Petrônio Portela, que já estava pactuado com o governo norte-americano desde a sua eleição através do acordo SUDE20
MENDES, 2012. Ampliação da Escola Normal de Teresina; os Centros de Supervisão de Teresina, Picos, São Raimundo Nonato, Parnaíba e Floriano; ampliação e transformação da Escola Normal de Teresina em Instituto de Educação “Antonino Freire” (...) equipar 500 cantinas para o fornecimento de merenda escolar, p. 219. 21 MENDES, 2012. Plano Trienal de Educação. p. 218.
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NE/MEC/USAID – firmado em maio de 1963. Portanto o estado do Piauí estava dentro do raio de ação de prioridades da Aliança.
A Aliança para o Progresso e Paulo Freire. O professor Paulo Freire, com graduação em pedagogia e sociologia. Desenvolveu seu método revolucionário de alfabetização de adultos em quarenta horas na Universidade Federal, no campus de Recife. Chamando a atenção da USAID que o chamou para “um projeto piloto (...) no município de Angicos (RN), terra natal de Aloísio Alves” (RIBEIRO, 2006, p.205). O Rio Grande do Norte era uma das ilhas de sanidade do embaixador dos EUA, Lincoln Gordon. Segundo Flávio Tavares (2014) o governador Aluízio Alves soube das reclamações de seus pares e abriu os olhos da embaixada dos EUA sobre o tal professor Paulo Freire: “é uma criação dos comunistas para politizar os analfabetos”. E o programa é desativado pela Aliança para o Progresso, alegando falta de verba para o projeto. Logo abaixo temos parte de uma entrevista dada pelo professor Paulo Freire, em 1987, concedida ao jornalista Sérgio Guimarães, que virou a obra Aprendendo com a própria história (2010), em que ele narra a sua experiência relacionada ao projeto Aliança para o Progresso em Angicos: Paulo Freire - A Aliança para o Progresso tinha uma sede no Recife (...) ferindo determinados dispositivos constitucionais brasileiros, faziam convênios diretamente com os governos de Estado. Em vez de fazê-los com o governo federal. (...) tinha uma estratégia de enfraquecimento da força do governo federal naquela época. Darcy Ribeiro, então
ministro da Educação do governo Goulart, pediu-me que assumisse um posto (...) que representasse o governo federal, através do Ministério da Educação, junto à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) (...) Deveria discutir com o pessoal técnico da SUDENE e com os técnicos americanos da USAID a aprovação de projetos que a USAID tinha para o Nordeste. (...) no Rio Grande do Norte com o método (...). Manifestei a minha convicção – e fui quase profético -, de que a Aliança para o Progresso que iria financiar, como financiou, a campanha de Angicos, certamente iria estudar o que se desenvolvesse em Angicos, e colocaria um ponto final em tudo. Caso acontecesse isso, se a Aliança recuasse, eu disse que deveríamos ir à praça pública para mostrar concretamente as intenções colonialistas e imperialistas da Aliança para o Progresso (...). A experiência de Angicos foi encerrada com a presença do presidente João Goulart. (FREIRE – GUIMARÃES, 2010, 39)
Considerações finais No Piauí de hoje encontramos diversos prédios feitos com recursos daquele projeto, espalhados pelo estado. Funcionando como testemunho mudo de um passado esquecido, e quase apagado das memórias dos moradores. Mas enfatizado pelos donos do poder, como obras marcantes, sendo necessárias para o desenvolvimento da região. Neste aspecto, observa-se no texto abaixo, a disputa pela memória nos discursos de representantes típicos da política oligarca local na cidade de Palmeira. Em seu discurso, o Secretário Estadual de Educação Átila Lira destacou o avanço educacional da educação no Estado do Piauí, durante o governo Wilson Martins, e citou que aquele pré-
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dio onde acontecia a solenidade é uma construção antiga, que inicialmente recebera o nome de Escola Rio Grande do Norte, passando depois a ser denominada Escola Sebastião Soares Ribeiro, mais conhecido na cidade por “Sessé Ribeiro”.
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Logo a seguir o Deputado Federal Hugo Napoleão fez uso da palavra, elogiou Wilson Martins e o parabenizou o Piauí pelo brilhante governador que tem. Fez referência ás palavras de Átila Lira no tocante a aquele prédio histórico, citando que o mesmo é proveniente de intercâmbio entre Brasil e Estados Unidos da América através do projeto ALIANÇA PARA O PROGRESSO quando Jonh Kennedy era o presidente dos EUA. Em seu discurso, Heráclito Fortes reforçou dizendo que aquele prédio foi construído através a Aliança Para o Progresso, numa época que o Brasil era carente de tudo22. Neste trecho observamos atores políticos de caráter conservador, como Hugo Napoleão que foi governador pelo PDS, Átila Lira que foi do PFL, juntamente com Heráclito Fortes. Este foi um dos líderes da bancada conservadora na Câmara de Deputados e no Senado no governo Fernando Henrique Cardoso. Em seus discursos vemos o projeto Aliança para o Progresso como um algo de grande vulto na educação do Piauí. O contra ponto disso é o impacto nos aspectos cotidianos vividos pelos alunos na época em que foi implantado o projeto. Podemos destacar a entrevista dada pela professora universitária Maria de Jesus Marques Silva, também conhecida como professora Dude23. Que foi aluna 22
Governador inaugura matadouro e entrega bicicletas em palmeirais. Acessado no dia 20/11/2014. 23 Graduada em pedagogia pela UESPI, com especialização em ensino e aprendizagem com mes-
do grupo escolar Epaminodas Castelo Branco, na cidade de Parnaíba. Em seu depoimento observamos a influência do projeto na merenda escolar. Abaixo tem um trecho do depoimento da professora Dude. Caixas enormes da merenda (...) era um leite ninho. Um leite em pó muito forte e mingau a base de milho, e tinha um outro feito de um material tipo uma aveia que a gente chamava na época de googol. Era um mingau (...) Os professores chamavam de googol. Esse mingau era feito tipo uma aveia era um arroz tipo integral, e feito base de leite desse leite doce. O pessoal apelidava de Pau de índio (...) Mingau doce. E tinha nas caixas, nas embalagens na sala (...) da merenda (...) caixas enormes com o Letreiro todo em inglês, que a gente não conseguíamos ler, a única coisa que conseguíamos ler (...) era isso porque tinha uma imagem de duas mãos abraçando pegando uma mão na outra na logomarca e tinha o nome aliança para o progresso. E o restante do letreiro da caixa era tudo em inglês e a gente não conseguia ler. Se fosse hoje a gente diria que ele estava com a validade vencida. Que ele era todo umas pedras de leite. Parece que tinha passado muito tempo (...) em um lugar úmido (...) Elas tinha que pisar no pilão aquele leite para ele se transformar em leite pó novamente. A professora Maria de Jesus Marques é caso típico de pessoa oriunda das classes populares que ascendeu pelo estudo dentro da sociedade burguesa. Sua linguagem coloquial guarda muito de sua origem proletária que dá “tom e volume e o ritmo do discurso popular (...) implícitos significados e conotações sociais irreproduzíveis na escrita” (PORTELLI, 1997, p. 27).
trado em movimentos sociais em educação pela UFPI.
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A Aliança para o Progresso havia se mostrado um verdadeiro fracasso, pois seus projetos nunca conseguiram se desprender da moldura ideológica imposta pela Guerra Fria. Aquilo que deveria ser uma “revolução pacífica” que promovesse reformas estruturais, acabou se convertendo em iniciativas de curto prazo pautadas pelo medo do comunismo e concebidas como “obras de impacto”.24 Observou-se isso nos pensamentos de Celso Furtado que foi presidente da SUDENE e ministro do Planejamento do governo João Goulart. Para ele “o objetivo principal era causar impacto na opinião pública. Todos os projetos deveriam ter, bem visível, a marca ‘Aliança para o Progresso’” (FICO, 2014, p.28). O anticomunismo já existia no Piauí, numa época em que conjuntura mundial estava moldada pela Guerra Fria. Tendo seu ápice no processo da Revolução Cubana e a Crise dos Mísseis em Cuba. Fazendo que mais uma vez os EUA voltaram-se seus olhos e suas garras para seus vizinhos latinos. Com destaque ao projeto elaborado na administração Kennedy. E conforme Carlos Fico esta fase é delimitada entre o lançamento da Aliança para o Progresso (JFK) e o fim governo Johnson (19611968). Foi o período no qual a região latino-americana mais recebeu as atenções e preocupou os Estados Unidos. A Aliança para o Progresso foi uma proposta de política externa americana, para a América Latina, a partir da perspectiva da Teoria da Modernização, do liberalismo internacionalista. Entretanto, entrou em contradição com o descontentamento latino-americano, impulsionado por forças nacionalistas. E foi um erro grasso fazer uma mesma
análise do desenvolvimento dos países capitalistas ocidentais industrializados e levar a mesma receita para os países latinos americanos. Todavia, quando a estruturas conservadoras brasileiras tomaram o poder em 1964, houve um total alinhamento político, econômico e ideológico com Washington. E no Piauí houve um período caça as bruxas, estreitando os laços com a nova ordem vigente. Colocando o estado na linha de frente da Guerra Fria, como sendo um posto avançado no combate a Teoria do Foco25. Pois houve construções de diversas escolas espalhadas pelo interior do Piauí, lembrando que o estado piauiense daquele período tinha um sexto da sua população morando no campo. E suas oligarquias seculares de origem agrária já estavam morando nas cidades. E reproduzindo um discurso de classe dominante e ao mesmo tempo urbano sobre as demais camadas da população tanto urbana como rural. Discurso este, segundo Marylu de Oliveira (2007 – 2008) predominava o anticomunismo que se propagava pelos veículos de comunicação da época: o rádio e jornal. Com o estabelecimento da ditadura civil-militar (1964 – 1985) houve uma maior penetração da USAID no ministério da Educação e Cultura, firmando os acordos MEC/USAID. Onde o então governador Helvídio Nunes ficou beneficiado pelos investimentos na estrutura física na Secretaria de Educação e Cultura (SEEC). Com a construção de 168 salas de aulas para o ensino primário e 100 salas para o ensino médio nos anos de 1966/1967, estes dados estão de acordo com a Revista da Secretaria de Educação e Cultura de 1969. Nesta con25
24
Stephen G. Rabe, op. cit., p. 197. Retirado do livro O golpe 1964 de Carlos Fico, p. 40.
KELLY, 2013. 1967 o filósofo político francês Régis Debray formaliza a tática de guerra de guerrilha e a chama de “focalismo”. p. 312.
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juntura chegamos até a Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED), que foi uma consequência dos acordos firmados entre os governos brasileiro e dos Estados Unidos da América para a produção e distribuição dos livros didáticos utilizados nas escolas públicas no Brasil nos governos Castelo Branco, Costa e Silva e Médici. Isto é, a dominação ideológica chegando ao nível da matriz curricular de ensino e reproduzida através do livro didático.
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Este trabalho procurou focar nos aspectos educacionais, do programa Aliança para o Progresso/USAID, devido ao fato do próprio ineditismo dele na região. E o estudo da Aliança para o Progresso é um campo vasto, com suas diversas variações que envolvem aspectos econômicas e culturais, sob a influência da hegemonia dos EUA sobre os demais países americanos.
Relatório de Fontes: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA (Brasil). O Livro didático : sua organização em classe. Rio de Janeiro: Artes Gráficas Gomes e Souza S.A., 1969. 240p SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA (Piauí). Revista da Secretaria de Educação e Cultura do governo Helvídio Nunes. Teresina, 1969. 26p O BRASIL DE DARCY RIBEIRO, OS IDOS DE MARÇO. Ana Maria Magalhães. Diogo Dahl. Elenco: Darcy Ribeiro, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Plínio de de Arruda Sampaio. Documentário, Histórico, 240 minutos, 2014. Brasil SILVA, Videlina Maria Monteiro da. Entrevista concedida a José Francisco Beserra Nunes.
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Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano II, n. 03. Julho-Dezembro de 2016. Parnaíba-PI
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos : o breve século XX : 1914 -1991. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 598p KELLY, Paul; (et al). O livro da política. 1. ed. São Paulo: Globo, 2013. 352p KISHTAINY, Niall; (et al). O livro da economia. São Paulo: Globo, 2013. 352p KRAFZIK, Maria Luiza de Alcântara. Acordo MEC/USAID – A Comissão do livro técnico e livro didático – COLTED (1966 -1971). Rio de Janeiro: UERJ – Programa de Pós-Graduação em Educação, 2006
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MARTINS, João Roberto Filho. O 1º da abril. Um presidente deposto e outro conduzido ao poder homens armados marcam o início da Revolução ‘Democrática’ de 1964. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 83, p. 18-21, agosto 2012 MENDES, Francisco Iweltman Vasconcelos. História da educação piauiense. Sobral : EGUS, 2012. 318p MAUD, Ana Maria. O olhar engajado: fotografia contemporânea e as dimensões políticas da cultura visual, Art Cultura, Uberlândia, v.10, n. 16, p. 33-50, janeiro – junho. 2008 NASCIMENTO, Thiago Rodrigues; SANTOS, Beatriz Marques dos. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 89, 80 – 83, fevereiro 2013 NATUSCH, Igor. Saudada pela Igreja, a ditadura tomou o poder no Brasil. Mas Bispos e frades ajudaram a sociedade civil a reencontrar o caminho da democracia. Aventuras na História. São Paulo, n. 127, p. 28-37, fevereiro 2014
NUNES, José Francisco Beserra. Aliança para o Progresso/USAID/COLTED: do Salão Oval para o Cocal (1958 – 1969). Parnaíba: UESPI, 2016. OLIVEIRA, Marylu. A cruzada antivermelha – democracia, deus e terra contra a força comunista: representações, aparições e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960. Teresina: Universidade Federal do Piauí, 2008. 258p OLIVEIRA, Marylu. Contra e foice e o martelo: considerações sobre o discurso anticomunista piauiense no período de 1959-1969: uma análise a partir do jornal “O Dia”. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2007. 118p PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Ainda o silêncio. Quase 50 anos após o golpe, o tema continua sendo encarado com reservas na sala de aula. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 83, p. 36-39, agosto 2012 PORTELLI, Alessandro. O que faz a historia oral diferente. Projeto História, São Paulo, n. 14, p. 25 - 39, fevereiro 1997 PRIORE, del Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. 319 p QUADRAT, Samantha Viz; ROLLEMBERG, Denise (Org.).A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina, volume II. Tradução de Maria Alzira Brum Lemos, Sílvia de Sousa Costa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 642 p REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedades. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2000. 82 p
José Francisco Beserra Nunes & Fernando Emílio Alves dos Santos
REIS, Daniel Aarão. O sol sem peneira. O apoio da sociedade civil foi fundamental para a longa vida da ditadura militar no Brasil. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 83, p. 31-35, agosto 2012 RIBEIRO, Ricardo Allagio. Aliança para o Progresso e as relações BrasilEstados Unidos. Campinas: Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2006. 284 p SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão uma história da política norte-americana em relação à América Latina. Bauru, SP: EDUSC, 2000. 502 p
ANEXO:
Foto 01 – Placa de inauguração do prédio da escola José Basson, construída com recursos da Aliança para o Progresso na cidade de Cocal-PI. Foto do arquivo pessoal de José Francisco Beserra Nunes26 (2014).
SILVA, Bizuka Corrêa da et al. 50 anos depois. Veja. São Paulo, n. 2366. 54105, março 2014 TAVARES, Flávio. 1964: o golpe. 1. ed. Porto alegre: L&PM, 2014. 315p TAVARES, Flávio. 1961: O golpe derrotado. Luzes e sombras do Movimento da Legalidade. 3. ed. Porto Alegre: L&PM, 2013. 240 p
Foto 02 - Símbolo da Aliança para o Progresso27. Foto retirado do site educacaopolitica.com.br
TADEU, Tomaz. Documentos de identidade : uma introdução às teorias do currículo. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. 156p THOMAS, Jennifer Ann. Os EUA derrubaram o presidente do Brasil?. Super Interessante. São Paulo, n. 330, 34-43, março 2014 TOTA, Antonio Pedro. 1942 – O imperialismo sedutor : a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 235 p 26
Foto 01 - arquivo pessoal de José Francisco Beserra Nunes. 27 Foto 02 - Retirado do site “Educação Política”. Acesso em 20/12/2015
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