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Mirian de Carvalho

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Simone Teodoro

Simone Teodoro

À publicação da antologia intitulada As mulheres poetas na literatura brasileira, que consta de três volumes organizados pelo poeta Rubens Jardim, sinto-me honrada por assinar o texto introdutório a este terceiro é carioca, doutora em filo- volume que enfoca o trabalho sofia, dedica-se à poesia, à de escritoras nascidas a partir de crônica, à crítica de arte e de- 1973, numa escala de tempo que senvolve estudos sobre cultura alcança o ano 2000. A poesia brasileira. Em 1999 publicou seu primeiro livro de poesias: Cantos do visitante. Em secontinua viva e muito bem representada pelas novas gerações guida vieram mais sete livros de mulheres poetas. Coisa sem de poemas, alguns premiados valor em meio ao mundo monecomo Violinos de barro, 1º. tizado, a poesia alcança lugares, Lugar no Concurso Literá- tempos e dizeres que só a imagirio Nacional e Internacional da UBE-RJ - 2010. Como ensaísta, Miriam é autora de nação pode conceber. Imaginar é preciso. Longe das mordaças inúmeros trabalhos como A e dos paradigmas, a imaginação escultura de Valdir Rocha e, transforma em linguagem poéMetamorfoses na poesia de tica os veios da antelinguagem Péricles Prade. Em 2013 recebeu o Prêmio Vianna Moog, pelo 1º. Lugar no Concurso Literário Nacional e Internaque sempre habita circunscrições anímicas. Nesse processo, o diferencial da palavra se cional da UBE-RJ, categoria ancora na criação de sentidos do Ensaios. Miriam é membro da mundo. Sentidos do mundo visto Associação Brasileira de Crí- pela ótica feminina, nos meanticos de Arte, da Associação Internacional de Críticos de Arte, da União Brasileira de Escritores: RJ e SP, do PEN dros dessa antologia. De há muito a poética feminina tem sido alvo de grande Club e da Sociedade Eça de destaque no trabalho de Rubens Queirós. 6 AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA Jardim, ao ser divulgada com

O diferencial da palavra

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frequência no seu blog. Às edições do blog se acresce a publicação dessa antologia, o que representa uma iniciativa enriquecedora do campo da literatura brasileira, porque Rubens não se restringiu aos nomes consagrados pelos holofotes das grandes mídias e / ou da crítica oficial. Em esquiva dos modismos e das diretrizes do mercado, ele optou pela escolha de textos significativos do ponto de vista da escrita de cunho poético. Com vistas à literariedade, em As mulheres poetas na literatura brasileira, Rubens apresenta poesias de mulheres de várias gerações, entre diversidades temáticas e tonalidades expressivas.

Nos três volumes da referida antologia, ganha relevo o que as mulheres poetas têm a dizer por meio da poesia. E além da poesia. Sinto-me, então, muito à vontade ─ ao longo deste texto ─ para dizer o que penso, o que sinto, o que almejo. E o que imagino sobre o alcance da poesia. Inicio por observar que, nos poemas reunidos neste volume, assim como nos dois anteriores, AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA 7

O diferencial da palavra

pulsam realizações, aspirações e desejos femininos desvelados na transitividade do dizer e do fazer. Desse modo, a poesia é alçada ao rumo político no sentido de trazer à pólis a voz poética, em seu marcante diferencial. Indo além da mera divulgação de poetas e de poemas, Rubens Jardim deixa transparecer ─ entre as malhas do texto feminino ─ certo projeto direcionado à consecução da igualdade de direitos no plano sociocultural. Igualdade de direito à escrita. Igualdade de direito à palavra. Igualdade no reconhecimento literário. Igualdade que se permite abranger diferenças temáticas, ideativas e estilísticas, tão bem expressas nos versos dessas poetas. Em meio a tais diferenças, as vozes femininas tangenciam o épico, o trágico, o dramático e o lírico, entre as várias nuanças e tonalidades dos sentimentos humanos, por meio de uma ressonância da voz que permeia o diferencial da palavra como caminho libertário do

dizer a partir da poesia.

Não podemos esquecer que, numa extensão planetária, as mulheres foram por muito tempo alijadas dos processos de aprendizado escolar, das decisões de alcance coletivo e até mesmo impedidas da realização das aspirações íntimas. Ainda hoje, por motivos vários e em muitos lugares e circunstâncias, elas não alcançaram de modo pleno tais direitos.

Confirmando esse quadro histórico-social, deve ser lembrado que, na Idade Média, as belas e famosas cantigas de amigo se enraizavam na escrita e na fala do homem simulando o dizer feminino, derramando-se nos versos de amor e saudade que ele queria ouvir. E as mulheres de antanho? Desejariam fazer tais versos? Se os compusessem, desejariam dizê-los a tal pessoa que se arvorava centro da paixão? Aquilo que, no dia a dia, as mulheres medievais realmente pensavam, sentiam e gostariam de dizer aos seus amados não nos é possível saber. Deve ser lembrado, ainda, que nas iluminuras ─ mostrando tímidos e langorosos olhares; delicados e sinuosos gestos femininos ─ as imagens eram idealizadas e pintadas por homens. Nas artes do Medievo, a posição atribuída à mulher não correspondia ao lugar que lhe era dado no plano social. E não podemos esquecer que a partir do século XV ─ num longo período que chega ao século XVIII ─, acusadas de bruxaria, inúmeras mulheres passaram das chamas do amor às chamas da fogueira.

À valorização da poesia feminina ─ e da mulher ─, pressinto que, numa dinâmica ideativa que tangencia tempos de antes, de hoje e de depois, Rubens Jardim, além de apresentar ao público o trabalho das mulheres poetas, almeja dar lugar e voz àquelas sem direito à fala. E, se aqui me sinto à vontade para falar livremente, aqui me vejo livre também para sonhar e imaginar. E vislumbro certos elos entre essa antologia e o filme Gabbeh.

Mohsen Makhmalbaf, diretor do filme realizado em 1995, igualmente, homenageia as mulheres. Trata-se das tecelãs do sudeste iraniano onde se deslocam as tribos

de Gashghai. Sem direito à voz, a tecelã conta sua história por meio da feitura de tapetes, entrecruzando fios do real e do imaginário. À dinâmica do tear, ela compõe uma cantiga da vida: uma cantiga nascida em meio ao entusiasmo das cores que falam dos sentimentos alusivos aos episódios daquele lugar. Em meio ao deserto, o feminino caminha entre tarefas do dia a dia e voos do onirismo ─ numa poética dos nós ─ a enlaçar os matizes das lãs urdidas com o coração. Assim como as mulheres tecem no poema a vida da palavra ─ e o sentido da vida ─, aquelas mulheres partejam no tear a própria vida.

Que um dia possam elas ler, escrever e falar com desenvoltura. Que um dia possam tecer os fios da liberdade do verso.

Junto à digressão alusiva à poética do tear ─ porque o teclado é hoje o tear da poesia ─, observo que, ao espalhar pelo mundo tais vozes femininas, inclusive aquelas que ─ por meio do poético e / ou da ação ─ tangenciam de modo explícito metas socioculturais, tal iniciativa do organizador me desperta o imaginar. Imagino então que, implicitamente, Rubens Jardim se declara apreciador de outros feitos femininos em defesa do direito à vida, tal a comovente história das Madres y Abuelas de Plaza de Mayo, bem como de outros movimentos similares com grande participação feminina.

Ante o respeito e incentivo às diferenças, pressinto que nessa antologia o poético se deixa conduzir pelo viés da liberdade, porque, com a delicada firmeza de quem sabe o que deve ser feito dentro de um projeto literário que não perde de vista os Direitos Humanos, e exaltando o alcance da ternura, Rubens Jardim convida o leitor aos desdobramentos da poesia incontida no diferencial da palavra criando sentidos do mundo. Do mundo como poderia ser. E o mundo poderia ser diferente!

Ante esse diferencial, a palavra não se restringe ao feminino. Diversa e liberta, a palavra se inscreve nos meandros da imaginação buscando na antelinguagem a matéria a ser transformada em poesia.

E a poesia repercute na delicada coragem daquele que sabe ouvi-la.

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