INTERDISCIPLINARIDADE: A EDUCAÇÃO ROMPENDO MAIS UM PARADIGMA Cassiano Scott Puhl* José Ricardo Ledur* Marcus Vinicius Veiga Serafim* Sandro George Luciano Prass* Vanessa Cristina Rech Viganó*
O dinamismo das informações está transformando o mundo. O comércio não é mais baseado na troca de mercadorias, a mulher ganhou poder na sociedade, criou-se o divórcio, discute-se sobre religião e sobre o casamento de homossexuais. Antigamente, seria crime ou desrespeito abordar estes assuntos na sociedade. Porém, e a educação? Ela está congelada? No século XIX, com a Revolução Industrial, a escola tornou-se “pública”, tendo o objetivo de educar os alunos para o trabalho e que eles adquirissem conhecimentos e valores estéticos e morais (PASQUETTI. p. 7, 2009). Este é o objetivo das escolas atuais? Acredita-se que não, quer-se uma educação que faça o estudante ser reflexivo e crítico, tornando-o um cidadão autônomo intelectual e moralmente (SILVA. p. 71, 2013), que seja capaz de perceber o todo e não somente as partes, buscando o melhor para a sociedade e não somente para ele. Desta forma, o professor e o sistema educacional vêm reformulando as suas práticas para um contexto em que o aluno é ativo e também para práticas que permitam perceber o todo, práticas interdisciplinares. Durante muito tempo deu-se mais valor à especialização. Para alguém se especializar num determinado assunto ou disciplina, precisava direcionar seu conhecimento, sua pesquisa, seus estudos e focar toda sua atenção no alvo da sua pesquisa. A questão é que todo o avanço direcionado à especialização trouxe problemas. Os saberes não se esgotam, na verdade o conhecimento é um caminho contínuo, que quanto mais se aprofunda mais há o que estudar, pesquisar e aprofundar. Assim como diz Ortega Y Gasset (1929) citado por Pombo, o ___________________________________________________________________________ * alunos do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade de Caxias do Sul - RS
especialista se transforma numa criatura estranha, alguém que sabe cada vez mais acerca de cada vez menos. Outra consequência da especialização é o fato de alguns especialistas serem capazes de dialogar somente com seus pares, como citado por Edgar Morin (2008): Os desenvolvimentos disciplinares das ciências trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também a ignorância e a cegueira.
As pesquisas apontam pelo menos um elemento em comum quanto à finalidade da interdisciplinaridade: ela representa uma forma de superar a visão fragmentada do processo de elaboração
(construção)
e
do
caráter
de
especialização
do
conhecimento.
A
compartimentalização do saber está permeada por uma “zona enorme de desconhecimento” que, segundo Morin (1986, p.20) requer “uma nova articulação do saber, assim como um esforço de circulação do saber e um esforço de reflexão fundamental”. Assim, a interdisciplinaridade configura uma busca pela elaboração de novas formas de organizar o conhecimento e representando uma reação à abordagem disciplinar vigente na maioria das escolas e permitindo uma visão mais abrangente entre o todo e suas partes. Thiesen (s/d), citando Freire (1979), afirma que: a interdisciplinaridade é o processo metodológico de construção do conhecimento do sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com a sua cultura. Busca-se a expressão dessa interdisciplinaridade pela caracterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma integrada.
Considerando-se essa visão, torna-se fundamental que o professor se transforme em um profissional capaz de elaborar uma visão integrada da realidade e dar-se conta de que uma compreensão mais aprofundada de sua área de atuação não é a única condição necessária para mediar o processo de ensino e de aprendizagem. Por outro lado, Pooli (s/d) alerta para um importante aspecto que devemos considerar: A interdisciplinaridade tem grandes possibilidades de ser efetivada se não forem esquecidos os pressupostos filosóficos que orientam, fundamentam e dão consistência às disciplinas. As práticas interdisciplinares estão sempre em construção, são provisórias e necessitam de constantes aprimoramentos, exatamente por se constituir em redes de trabalhos atravessadas por um conjunto de filosofias especificas que dialogam confrontando-se, associando-se e compartilhando-se.
Construir um currículo ou mesmo um projeto interdisciplinar não é tarefa fácil, porém, não significa que não se deva refletir sobre as múltiplas possibilidades oferecidas por esta prática na qualificação da aprendizagem, pois já se tornou consenso, não é mais possível ensinar e aprender através de disciplinas fragmentadas, dissociadas dos contextos culturais. No entanto,
a busca da interdisciplinaridade já é uma realidade que dificilmente será abandonada até que se encontrem caminhos para obtê-la, pois novos problemas exigem novas soluções e as disciplinas isoladamente não dão mais conta da elaboração de tais soluções. Neste contexto, Paviani (2005) afirma que “A verdadeira interdisciplinaridade permite resultados novos que não seriam alcançados sem esse esforço comum e, desse modo, modifica a natureza das disciplinas tradicionais”. É fácil perceber que quase todos os avanços científicos e tecnológicos advêm do trabalho de uma diversidade de especialistas trabalhando conjuntamente para a solução de um problema. Daí da urgência para que atividades interdisciplinares comecem a ser praticadas durante a formação escolar e acadêmica do indivíduo. Entretanto é necessária a clareza de que somente juntar disciplinas não configura interdisciplinaridade. Um exemplo citado por Pombo (2005) é o que se vê em reuniões e debate entre especialistas, as conhecidas mesas redondas. Eles não dialogam entre si, mas discordam sobre os assuntos do que qualquer outra coisa. Ainda segundo Pombo (2005), mesmo nos processos de investigação científica ou na educação o que pode ser observado é isso, uma animação cultural e não uma interdisciplinaridade real. Desta forma, para a implementação de qualquer processo de mudança educacional, é necessário, antes de qualquer coisa, um comprometimento e envolvimento por parte dos professores. Também são imprescindíveis maiores investimentos na formação de professores especializados, na formação continuada, no plano de carreira docente para os professores do ensino em todos os níveis, do fundamental ao superior, na implantação e reestruturação dos laboratórios, fatores que são deixados em segundo plano pela política governamental. Assim como Candau (1999), Ricardo (2002) evidenciam que a reforma não se concretiza quando não se considera como ponto central do problema as questões políticas e sociais referentes à classe docente. Assim, a partir das explanações colocadas ao longo deste texto é possível lançar alguns questionamentos que permeiam a prática interdisciplinar: Como superar a visão fragmentada do processo de construção e do caráter de especialização do conhecimento? Ou como modificar a natureza das disciplinas tradicionais, para que ocorra a verdadeira interdisciplinaridade? De que forma é possível elaborar novas formas de organização do conhecimento permitindo uma visão mais abrangente entre o todo e suas partes? Como envolver os profissionais da educação a fim de fortalecer a prática interdisciplinar?
Evidentemente, as respostas a estas questões estão longe de serem respondidas, pois são muitas as dificuldades e paradigmas a serem transcendidas no contexto atual da educação, e que permitam consolidar a prática interdisciplinar no âmbito do sistema educacional.
Referências CANDAU, V. M. Reformas educacionais hoje na América latina. In: Currículo: políticas e práticas. Campinas: Papirus, p. 29-42, 1999. MORIN, E. Epistemologia da Complexidade. In: SCHNITMAN, D. F. (org) Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2008. PASQUETTI, R. As concepções epistemológicas e os modelos pedagógicas que orientam as práticas dos docentes do PROEJA do IFRS – Campus Bento Gonçalves. 2009. 35 f. Monografia (Especialização) - Curso de Programa de Pós-graduação em Educação, Departamento de Curso de Especialização em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bento Gonçalves, 2009. PAVIANI, J. Interdisciplinaridade: Conceitos e Distinções. Porto Alegre: Educs, 1. ed. P.41, 2005. POMBO, Olga. Interdisciplinaridade e integração dos saberes. LIINC em Revista, v.1, n.1, março 2005. Disponível em http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/view/186/103 POOLI, João Paulo et al. Projetos Interdisciplinares. s/d RICARDO, E. C.; ZYLBERSZTAJN, A. O ensino das Ciências no nível médio: um estudo sobre as dificuldades na implantação dos parâmetros curriculares nacionais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física. Florianópolis, v.19, n. 3, p. 351-370, 2002. SILVA, M. R. Juventudes e Ensino Médio: possibilidades diante das novas DCN. In: AZEVEDO, J. C.; REIS, J. T. Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática. São Paulo: Fundação Santillana, 2013. p. 65-79. THIESEN, J. S. A Interdisciplinaridade como Movimento Articulador no Processo Ensino-Aprendizagem. UESC. s/d