O Ensino Colaborativo na Escola - Uma prática á luz de Vygotsky

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Ensino Colaborativo no Contexto Escolar - Uma Prática à Luz de Vygotsky Sandro George Luciano Prass Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática UCS - Universidade de Caxias do Sul Caxias do Sul – RS

Resumo: Neste artigo, apresentaremos algumas técnicas e uma análise quantitativa dos resultados obtidos com a utilização de uma metodologia de ensino que privilegia a participação dos alunos no desenvolvimento das aulas de Física no nível escolar e que resultaram em um aumento significativo do rendimento e do interesse dos alunos pelos estudos da disciplina.

Palavras-chave: metodologia de ensino, aprendizagem na Física.

1. Introdução 1.1 O ensino de Física Em geral o ensino de Física no ambiente escolar, desde a oitava série do ensino fundamental, no nono ano, até as séries finais do ensino médio, resume-se a apresentação simplificada de conceitos físicos associados a fenômenos pouco compreendidos pelos alunos e fortemente associado a apresentação de um conjunto de fórmulas que devem ser utilizadas na resolução de exercícios no momento da aplicação das provas e no vestibular. E assim, os alunos mantem-se distantes do real objetivo da Física, que é o de explicar os fenômenos que ocorrem na natureza. Os estudantes não conseguem fazer quase nenhuma associação entre o conteúdo estudado nas aulas com o seu cotidiano e a sua função nesse processo de ensino aprendizagem se resume a ser ouvinte durante as aulas e um aplicador de fórmulas durante as avaliações. Quadro este que acentua o desinteresse dos alunos pela aprendizagem da Física, pois segundo Ausubel (1988), é indispensável para que haja uma aprendizagem significativa, que os alunos se predisponham a aprender significativamente. Daí a importância de que o professor desperte a necessidade, a “sede” de aprender no aluno. Tal quadro de ensino deficiente é praticado tanto no ambiente escolar quanto no ensino superior, cujo fracasso reflete-se na evasão escolar, no alto índice de reprovação e no baixo desempenho dos alunos em avaliações externas às instituições como o Pisa – Programa Internacional de Avaliação, nas provas do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio ou no caso do


ensino superior no Enade – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. Visto que o ensino científico, que tem sido oferecido em nossas escolas, mostra-se inadequado para que as pessoas saibam lidar com essas questões (CASTRO, 2002; PISA, 2001).

1.2 A metodologia do ensino de Física em uma perspectiva mais atrativa Muitos professores de física tem se dedicado a desenvolver técnicas que tornem o ensino da Física menos enfadonho, mais atrativo, para que os estudantes tenham maior interesse pelo estudo dessa ciência e, assim, melhorem o seu aprendizado. Tal esforço é de cunho totalmente metodológico, ou seja, tem ligação direta com a forma como o conteúdo é ensinado. Pois muitas vezes o problema da falta de interesse por parte dos alunos em estudar os conteúdos é provocado pelo próprio professor pela inadequação da metodologia que este aplica nas suas aulas e como consequência os alunos saem da escola com um conhecimento trivial, quase sem conexões entre os conceitos mais importantes, com concepções erradas de como o mundo natural e fenomenológico funciona, saem acríticos e sem capacidade de aplicar o conhecimento em novos textos (PISA, 2001). Numa tentativa de tornar as aulas de Física mais atrativas, é normal que os professores invistam em aulas experimentais ou em feiras de ciências, situação essa reconhecida por professores e alunos como de grande valor no processo de ensino aprendizagem (AXT et al, 1996). Existem diversas tentativas de envolver os alunos no processo de ensino-aprendizagem, tais como a do Ensino sob Medida (Just-in-Time Teachhing) proposta por Gregor M. Novak, com o objetivo de utilizar a tecnologia para melhorar a aprendizagem de ciências em sala de aula (NOVAK, et al., 1999). Outra técnica é a do Peer Instruction proposta pelo professor Eric Mazur da Universidade de Harvard, também conhecida e estudada no Brasil como Ensino aos Pares, Ensino ou Instrução por Colegas. Que é uma possibilidade que vem sendo mundialmente testada e se mostrando bastante eficiente neste contexto de ensino construtivista e interacionista, que consiste em um método de ensinar que "devolve" aos alunos a necessidade de estudar os conteúdos da aula seguinte (Mazur, 1997).

2. Apresentação da proposta Elaborar uma técnica de ensino-aprendizagem que fosse mais atraente aos alunos e prioritariamente colaborativa foi uma proposta que começou a ser pensada durante estudos realizados no mestrado, por se mostrar bastante interessante, provavelmente eficiente, fácil de ser


aplicada e principalmente, se fosse bem aceita pelos alunos promoveria uma fantástica participação destes às nossas aulas de Física. Aulas estas que sempre foram bastante agitadas pela forma e ritmo que trabalhamos com os alunos do ensino fundamental, médio e do cursinho pré-vestibular. Mas o que mais nos atraia na proposta era a ideia de ter em aula alunos que pudessem discutir os conteúdos, falar sobre eles, dar exemplos, conceitos, propor experimentos e no geral, construir a própria aula junto comigo, que antes era totalmente orientada pela gente. Após diversas leituras sobre as técnicas do Peer Instruction, percebemos que poderíamos fazer algumas adaptações para a realidade do ensino fundamental e médio, visto que não encontramos nenhuma publicação que citasse a aplicação dessa técnica neste nível. A técnica rompe com a ideia, adotada em todo o mundo, de que "as aulas de ciências são transferência de informação". Retira a transferência de informação da sala de aula dizendo aos alunos, por exemplo, coisas tão simples como estudarem um assunto em casa para posteriormente o discutirem na aula. Recorre à chamada aprendizagem conceitual, faz com que os alunos se tornem os seus próprios professores. Neste trabalho iremos abordar o emprego de uma técnica de ensino aprendizagem colaborativa em duas turmas do segundo ano do ensino médio, com um total de 60 alunos. Mas, a técnica já foi utilizada em outras dez turmas e apresentou resultados muitíssimo semelhantes ao que iremos descrever. Iniciamos então solicitando como tarefa de casa, que as turmas pesquisassem em livros e na internet sobre o Teorema de Arquimedes, deveriam fazer anotações do que achassem mais interessante, de exemplos, citações, formulas, figuras, etc., para serem utilizadas na aula seguinte. Na aula seguinte fizemos a abertura dos trabalhos com uma pequena introdução, de um ou dois minutos apenas, daí damos a palavra aos alunos para irem dizendo o que haviam encontrado nas suas pesquisas. O que se viu foi uma imensa disposição dos alunos por expor a compreensão que eles tinham sobre os assuntos pesquisados, eles iam um complementando as colocações dos outros nas suas explanações. Essa fase pode durar até vinte minutos e então, na minha análise como professor, são feitas pequenas considerações, perguntas conceituais, que levem o grupo a refletir e a falar sobre algo que ainda não foi dito na primeira rodada de discussões. Momento este que apenas os que haviam se aprofundado ainda mais nos estudos estariam participando. A partir daí, havendo a necessidade, o professor é quem faz as considerações sobre o que não foi dito ainda sobre o objeto de estudo. A utilização da técnica retirou quase que totalmente o papel do professor, como o centro do saber, o que fala o tempo todo e deu aos alunos voz ativa no processo de ensino aprendizagem. Na utilização dessa técnica, sempre surgiram muitas perguntas por parte dos alunos, seja durante as discussões ou a própria apresentação de um ou outro aluno, e é neste momento que o professor deve devolver ao aluno as perguntas que forem surgindo, deixar que eles próprios respondam uns aos outros os seus questionamentos.


Em uma das aulas sobre pressão no interior dos fluidos, além dos alunos repetirem o sucesso das aulas que descrevi anteriormente, ainda trouxeram experimentos para demonstrar e comprovar os seus estudos. É fundamental que no fim dessas aulas interativas que o professor vá ao quadro e retome o que foi dito, faça uma síntese, faça-os verificar as suas sínteses da pesquisa e complementar com o que falta. Solicita-se aos alunos ditem ao professor um esquema-resumo de tudo que foi percebido de mais significativo durante as discussões e em seguida tal esquema é transformado em um mapa conceitual do que foi trabalhado. É neste momento que se percebe o quanto a aprendizagem realmente ocorreu e o quanto ela é significativa. Existem momentos em que um aluno explicando um conceito aos demais, a aprendizagem se dá de uma forma extremamente mais simples, rápida e direta. No momento em que se faz necessário responder uma pergunta feita por um aluno e que devolvemos a pergunta ao grupo é nítido que o aluno que perguntou estava quase entendendo o que queria saber e que algumas simples palavras já o fizeram concretizar as suas ideias sobre o assunto. Tanto que alguns usam a expressão “a tá” ou “a sim” ou “agora sim”, demonstrando que este se encontravam na verdade na zona de desenvolvimento próximo (ZDP), tão estudada por Wygotsky (CHAIKLIN, 2003). Outro elemento dessa proposta é a de que quando um aluno faz uma pergunta, deve-se questionar ele sobre o contexto da sua pergunta, o porquê dela, em que ela se baseia, o que ele já entendeu sobre o assunto. Não se deve responder de imediato a pergunta e nem dar imediatamente a palavra para que o grupo responda ao que foi questionado. Pois quando o aluno tem que contextualizar a sua pergunta, muitas vezes o que realmente faltava era ele organizar as suas ideias sobre o assunto e é normal que quando ele faz essa operação de racionalização, essa assimilação na tentativa de construir um modelo mental que explique a realidade dos fatos em estudo, que ocorra a acomodação e daí ocorre que ele mesmo responde a pergunta que ele iria fazer. Feitas as considerações finais por parte do professor e a elaboração do mapa conceitual ou esquema de estudo do conteúdo são propostos exercícios sobre o assunto, tanto através de listas como através do livro didático ou apostila adotada pela turma. A correção dos exercícios ocorre de uma forma colaborativa, onde cada resposta certa ou errada é discutida. Inclusive nas questões de múltipla escolha de vestibular ou do Enem. A proposta traz como finalização a aplicação de uma avaliação, na qual é atribuída uma nota de zero a dez a cada aluno, em que constam questões descritivas, conceituais e que envolvam o uso de fórmulas. Em geral avaliações que sejam cuidadosamente estruturadas para serem abrangentes no que diz respeito ao nível de discussão que foi estabelecido durante os trabalhos anteriormente, o que levam a uma avaliação de pelo menos quinze questões a serem resolvidas em sessenta minutos.


A avaliação também deve ser corrigida e discutida em um ambiente colaborativo, onde os alunos expõem as suas dúvidas, as suas interpretações e até mesmo respostas podem ser reavaliadas pelo professor.

3. Resultados Com base nas avaliações aplicadas sobre um mesmo assunto em 2011 e 2012 (média) sem o uso desta técnica e com aula totalmente expositiva dada pelo professor e em 2013 com o emprego do que foi descrito anteriormente neste artigo, aplicando-se um instrumento de avaliação quase que totalmente igual nos dois momentos, obteve-se os seguintes índices de desenvolvimento dos alunos nas avaliações (fig. 3.1): RESULTADOS/NOTAS

2011 e 2012

2013

5 - 8,3%

14 - 23,3%

Muito Bom (8,0 a 9,0)

14 - 23,3%

19 - 31,6%

Média (7,0 a 8,0)

28 - 46,6%

21 - 35%

Insuficiente (4,0 a 7,0)

8 - 13,3%

6 - 10%

Muito Insuficiente (0,0 a 4,0)

5 - 8,3%

0 - 0%

78,2%

89,9%

Ótimo ou Gabarito (9,0 a 10,0)

Aprovação

Fig. 3.1: Tabela comparativa das notas dos alunos entre 2011/2012 e 2013.

Fig. 3.2: Gráfico comparativo das notas dos alunos entre 2011/2012 e 2013. Considerando que ambas as turmas tiveram aula com o mesmo professor, a mesma carga horária, utilizando o mesmo material didático e praticamente a mesma avaliação, que as diferenças evidenciadas surgiram devido a utilização da técnica de ensino aprendizagem descrita neste artigo. A aprovação da turma passou de 78,2% para 89,9%, o que indica um aumento de 14,9% no número de alunos que conquistaram no mínimo a média na avaliação (Fig. 3.1). Ocorreu um aumento de 180% no número de alunos que obtiveram nota entre 9,0 e 10,0, pois no primeiro período apenas cinco alunos estavam nessa categoria e em 2013 foram 14 (Fig. 3.1).


Verifica-se um aumento de 35% na quantidade de alunos que obtiveram um resultado classificado como “Muito Bom” na avaliação e tiveram nota entre 8,0 e 9,0 (Fig. 3.1). Em 2013 não houve alunos com nota acentuadamente insuficiente, ou seja, nota inferior a 4,0 (Fig. 3.1).

4. Discussão Acredito que a metodologia de ensino aprendizagem descrita neste artigo tenha influenciado significativamente nos resultados da avaliação aplicada aos alunos, visto ao substancial aumento no nível de alunos que obtiveram média na avaliação que foi de 14,9%, ou pelo aumento no número de alunos que conseguiram um surpreendente desempenho na avaliação e obtiveram notas entre 9,0 e 10,0, ou seja, gabaritaram ou quase gabaritaram a avaliação, que foi 180% (Fig. 3.1). A aplicação da técnica atingiu até mesmo aqueles alunos que tem uma dificuldade acentuada em compreender conceitos físicos ou em se interessar pela aula de física. Pois, segundo apontamentos, com o uso da técnica não tivemos nenhum alunos com o grau “Muito Insuficiente”, ou seja, nota abaixo de 4,0 (Fig. 3.1). A técnica já foi utilizada em pelo menos outras dez turmas e em uma dezena de diferentes assuntos dentro da Física e mostrou-se igualmente eficiente em termos de participação dos alunos nas aulas e nas avaliações.

5. Bibliografia

CHAIKLIN, S., (2003) The Zone of Proximal Development in Vygotsky’s Analysis of Learning and Instruction in Kozulin et. al, (2003).

CASTRO, C. M. A hora da sala de aula. Veja, São Paulo, p. 67, 08 mai. 2002.

PISA 2001. Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Relatório Nacional. Brasília, dez. 2001. Disponível em: <http://www.pisa.oecd.org/NatReports/PISA2000/Brazilnatrep.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013.

NOVAK, G.M. Just-in-time teaching: blending active learning with web technology. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1999.

AUSUBEL, at alii. Psicologia educativa: un punto de vista cognoscitivo. México, Trillas, 1988. MAZUR, E. Peer Instruction: a user’s manual. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1999.


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