Princípios do Peer Instruction Aplicados no Contexto Escolar em Aulas de Física do Ensino Fundamental e Médio. Sandro George Luciano Prass Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática Universidade de Caxias do Sul - UCS Caxias do Sul, RS, Brasil 2013
Resumo: Este artigo descreve como alguns elementos do Peer Instruction são aplicados para melhorar consideravelmente o interesse dos alunos do ensino fundamental e médio pelos estudos e o rendimento escolar.
Foi durante estudos realizados no mestrado, que conheci a técnica do Peer Instruction proposta pelo professor Eric Mazur da Universidade de Harvard, também conhecida e estudada no Brasil como Ensino aos Pares, Ensino ou Instrução por Colegas. Que é uma possibilidade que vem sendo mundialmente testada e se mostrando bastante eficiente neste contexto de ensino construtivista e interacionista, que consiste em um método de ensinar que "devolve" aos alunos a necessidade de estudar os conteúdos da aula seguinte. A técnica nos pareceu bastante interessante, fácil de ser aplicada e principalmente, se fosse bem aceita pelos alunos promoveria uma fantástica participação destes às nossas aulas de Física. Aulas estas que sempre foram bastante agitadas pela forma e ritmo que trabalhamos com os alunos do ensino fundamental, médio e do cursinho pré-vestibular. Mas o que mais nos atraia na proposta era a ideia de ter em aula alunos que pudessem discutir os conteúdos, falar sobre eles, dar exemplos, conceitos, propor experimentos e no geral, construir a própria aula junto comigo, que antes era totalmente orientada pela gente. Após diversas leituras sobre as técnicas do Peer Instruction, percebemos que poderíamos fazer algumas adaptações para a realidade do ensino fundamental e médio, visto que não encontramos nenhuma publicação que citasse a aplicação dessa técnica neste nível. O Peer Instruction rompe com a ideia, adotada em todo o mundo, de que "as aulas de ciências são transferência de informação". Retira a transferência de informação da sala de aula dizendo aos alunos, por exemplo, coisas tão simples como estudarem um assunto em casa
para posteriormente o discutirem na aula. Recorre à chamada aprendizagem conceitual, faz com que os alunos se tornem os seus próprios professores. Decidimos implantar as ideias de ensino colaborativo e entre colegas de uma forma gradual, em duas turmas do ensino médio, depois mais duas e depois as da oitava série do ensino fundamental, e por fim num total de dez turmas no primeiro semestre de 2013. Iniciamos então solicitando como tarefa de casa, que duas turmas de 1º ano do ensino médio fizessem uma pesquisa sobre as Leis de Newton e a duas turmas do 2º ano do ensino médio que pesquisassem sobre o Teorema de Arquimedes. Um total de 120 alunos então deveriam pesquisar na internet e em livros os assuntos propostos, fazer anotações do que achassem mais interessante, de exemplos, citações, formulas, figuras e trazer para a próxima aula para uma discussão. Na aula seguinte fizemos a abertura dos trabalhos com uma pequena introdução, coisa de um ou dois minutos apenas, daí damos a palavra aos alunos. O que se viu foi uma imensa disposição por expor a compreensão que eles tinham sobre os assuntos pesquisados, eles iam um complementando os outros nas suas explanações. O fervor das exposições dura uns vinte minutos e então, na minha análise como professor, são feitas pequenas considerações que levem o grupo a lembrar e a falar algo importante que ainda não foi dito. Momento este que apenas os que haviam se aprofundado ainda mais nos estudos estariam participando e se não houverem considerações eu é quem complemento com o que falta. A utilização da técnica retirou quase que totalmente o papel do professor, como o centro do saber, o que fala o tempo todo e deu aos alunos voz ativa no processo de ensino aprendizagem. Em uma das turmas, na expectativa de que sobrasse alguma coisa ainda a ser dita sobre o Empuxo, perguntei para a turma se tinham algo ainda de interessante pra ser dito ou se eu poderia então fazer as considerações finais sobre a matéria, daí que fui surpreendido com o fato de que a única coisa que me restava dizer foi dita por um aluno, que é o que se refere ao fato de que a força de empuxo se equivaler ao peso do líquido deslocado por um corpo quando este se encontra imerso. Insistindo na ideia do que foi exposto, solicitei que o aluno explicasse melhor a proposição para a turma, e ele explicou de uma forma clara, simples e a maioria entendeu. Foi surpreendente. Em todas as vezes que apliquei essa técnica, sempre surgiram muitas perguntas durante as discussões, e como professor tive que responder a no máximo dez por cento delas, pois os próprios colegas respondiam às perguntas que iam surgindo. Os alunos realmente estavam dando aula, estavam trabalhando pela sua aprendizagem.
Em uma das aulas sobre pressão no interior dos fluidos, além dos alunos repetirem o sucesso das aulas que descrevi anteriormente, ainda trouxeram experimentos para demonstrar e comprovar os seus estudos. Sempre é importante no fim dessas aulas interativas que o professor vá ao quadro e retome o que foi dito, faça uma síntese, faça-os verificar as suas sínteses da pesquisa e complementar com o que falta. E esse é o momento em que os alunos vão ditando ao professor um resumo de tudo que percebido de mais significativo durante as discussões e é aí que o professor pode perceber o quanto a aprendizagem realmente ocorreu e o quanto ela é significativa. O arremate é do professor. Segundo Ausubel, percebe-se que a aprendizagem tornou-se realmente significativa quando o aprendiz consegue explicar o que aprendeu com as suas próprias palavras e de maneiras diferentes. Existem momentos em que um aluno explicando um conceito aos demais, a aprendizagem se dá de uma forma extremamente mais simples, rápida e direta. No momento em que faz-se necessário responder uma pergunta feita por um aluno e que devolvemos a pergunta ao grupo é nítido que o aluno que perguntou estava quase entendendo o que queria saber e que algumas simples palavras já o fizeram concretizar as suas ideias sobre o assunto. Tanto que alguns usam a expressão “a tá” ou “a sim” ou “agora sim”, demonstrando que este se encontravam na verdade na zona de desenvolvimento próximo (ZDP), tão estudada por Wygotsky. É importante também salientar que quando um aluno faz uma pergunta, costumo questionar ele sobre o contexto da sua pergunta, o porquê dela, em que ela se baseia, o que ele já entendeu sobre o assunto. Não respondemos e nem damos a palavra imediatamente para que o grupo responda ao que foi questionado. Pois quando o aluno tem que contextualizar a sua pergunta, muitas vezes o que realmente faltava era ele organizar as suas ideias sobre o assunto e é normal que quando ele faz essa operação de racionalização, essa assimilação na tentativa de construir um modelo mental que explique a realidade dos fatos em estudo, que ocorra a acomodação e daí ocorre que ele mesmo responde a pergunta que ele iria fazer. É a visão de Piaget viva nessa técnica de instrução de uma aula significativa. Em se falando de planejamento de aula, às vezes nos professores estamos procurando fazer aulas menos monótonas, mais interessantes e atrativas para os nossos alunos sem pensar na possibilidade de coloca-los no processo. Continuo a ver colegas frustrados por que perderam um tempão fazendo uma aula em slides e os alunos não deram muito valor, nem
olhavam ou coisa pior. Sabemos que a aula não tem que ser um aulão para o professor e sim pros alunos. Quem disse que apresentar quarenta slides em sessenta minutos é um aulão? Outra coisa é o envolvimento emocional dos professores. Há muito tempo que percebo que os alunos precisam do nosso envolvimento emocional, de atitudes que os valorizem como seres humanos no planejamento das ações pedagógicas. Destaco uma situação que se repetiu diversas vezes no desenvolvimento do trabalho que descrevi neste artigo, que foi a de me impressionar com a participação de alguns alunos que eram extremamente fechados, desinteressados, alguns inclusive fracos e que chamados a participar viram uma oportunidade de falar acertadamente, e acertaram de uma forma descomunal. O processo deu-lhes oportunidade e como professor não poupei elogios e depois fiz inúmeras referências ao que estes haviam dito. Algumas participações foram incríveis, por ter sido a primeira participação em um ou dois anos de aula com alguns desses alunos. Essa valorização serviu de estímulo para muitos se prepararem para as próximas aulas e irem alterando o cenário do processo que tínhamos anteriormente. Havia uma dúvida. Como eles se sairiam nas questões que envolvessem cálculos, já que neste processo prioriza-se basicamente a parte conceitual? Mas no momento das avaliações o resultado foi totalmente positivo. Comprovadamente eles interpretavam melhor as questões e se saíram muito melhor do que as turmas onde não havíamos feito a implantação deste processo. Atualmente três de cada quatro aulas são trabalhadas desta forma e o resultado continua mostrando-se ainda mais positivo. Uma variação no formato da aula foi também a realização de aulas no laboratório de física, com experimentação após as discussões em sala de aula. O resultado foi excelente, pois os alunos teorizavam e adiantavam a maioria dos resultados antes da experimentação. Eles perceberam muito mais coisas e interagiram ainda mais do que quando não aplicávamos esse método. Quantitativamente, concluo que houve um aumento de vinte por cento no numero de alunos acima da média este ano com o uso desta técnica em relação aos alunos dos anos anteriores, com turmas muito parecidas, de mesmo numero, mesma apostila e propositalmente com mesmos instrumentos de avaliação. O que mais se acentuou foi a quantidade crescente de alunos com notas beirando o gabarito que praticamente dobrou em relação ao ano anterior. Essas práticas foram aplicadas em colégios do interior do Rio Grande do Sul, na região de Caxias do Sul na serra gaúcha.