A vez das
mulheres
O movimento de igualdade entre gêneros ganha cada vez mais força. Não é diferente no cinema, como revela a diretora Anna Muylaert, do elogiado Que Horas Ela Volta?, à frente da mostra Cine Delas, abrindo espaço para nossas autoras apresentarem suas imagens – e soltarem o verbo – contra o machismo por Sarah Mund
Cine Delas
A PARTIR DO DIA 8, SEXTAS, 22H, CANAL BRASIL, 150 E 650 (HD)
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Que Horas Ela Volta?
DIA 3, DOMINGO, 22H, TELECINE PREMIUM, 161 E 661 (HD) EM JANEIRO NO NET NOW
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M MULHERES DO MUNDO TODO BRIGAM contra as injustiças e não hesitam em exigir direitos iguais, dessa vez com a ajuda da internet para iniciar movimentos que se alastram rapidamente da rede para as ruas, inclusive no Brasil. Anna Muylaert está entre elas, como deixa claro a entrevista exclusiva que deu à MONET. A diretora do premiado Que Horas Ela Volta?, nosso inscrito para uma chance no Oscar, também está à frente da mostra Cine Delas, atração do Canal Brasil, que traz uma seleção de filmes das mais importantes diretoras brasileiras.
ELAS ESTÃO COM TUDO
Papo de diretoras – A entrevista na qual Anna Muylaert e Monique Gardenberg trocam impressões sobre o cinema brasileiro será exibida antes do filme dirigido pela segunda, Ó Paí Ó (2007), na mostra do Canal Brasil que reúne o trabalho de 13 diretoras brasileiras
estudo da Universidade de San Diego conduzido ao longo de duas décadas – sem contar que até hoje apenas Kathryn Bigelow ganhou o Oscar de Melhor Direção com Guerra ao Terror (2008). “Essa é uma coisa que percebi com o sucesso do meu filme. No chamado ‘mundo do dinheiro’, há poucas mulheres. Conforme o cinema vai ficando mais industrial, existe menos liberdade, tanto para o homem quanto para a mulher. Só que é mais difícil uma mulher trabalhar em um filme com grande orçamento. Podemos fazer documentário, filme de arte, trabalho experimental. Os blockbusters não são dirigidos por mulheres. O dinheiro do mundo está nas mãos dos homens”, salienta. Ou seja, por uma verdadeira ironia do destino, o fato de nossos filmes renderem menos financeiramente e nossa indústria cinematográfica estar longe do tamanho da americana foi o que possibilitou às brasileiras maior espaço. “Eu acho que o mundo chegou a um momento em que as mulheres estão cansadas de ser tratadas como cidadãs de segunda classe e exigem respeito. E isso não é só no cinema, é em todas as áreas. A gente não quer mais ser tratada de forma inferior. No Brasil, apenas 13% dos filmes são feitos por diretoras, não dá para dizer que é maravilhoso, mas ao mesmo tempo quanto mais destaque as mulheres têm no cinema, mais espaço conseguimos abrir”, afirma. Ainda assim, por incrível que pareça, a representatividade feminina na indústria cinematográfica brasileira é menos pior do que na gigante Hollywood, onde apenas 7% das produções são dirigidas por mulheres, segundo
Conheça as demais diretoras selecionadas para a mostra Cine Delas, quais de seus filmes serão
BRASILEIRAS COM ORGULHO
Podemos fazer documentário, filme de arte(...) Blockbusters não são dirigidos por mulheres. O dinheiro do mundo está nas mãos dos homens” – Anna Muylaert
Entre as representantes da cinematografia brasileira, além de Anna, os trabalhos de mais 12 foram selecionados para compor Cine Delas, mostra do Canal Brasil dedicada à presença das autoras nacionais. Antes da exibição dos filmes rola uma conversa descontraída da diretora com suas colegas. “Eu achei a proposta excelente e aceitei na hora. Meu filme acabou levantando várias questões sobre a mulher. Acho que por causa disso eles resolveram debater o assunto e
exibidos e o que Anna Muylaert tem a dizer sobre o trabalho de cada uma
Renata Pinheiro
Betse de Paula
Monique Gardenberg
Sandra Kogut
Sandra Werneck
Malu Di Martino
“A Renata é uma diretora de arte que fez seu primeiro filme longa, Amor, Plástico e Barulho (2014). Ela foi diretora de arte de vários filmes que eu adoro, é uma mulher muito talentosa e tem uma carreira muito bonita.” O filme, exibido dia 8/1, acompanha uma jovem dançarina (Nash Laila) com o sonho de virar cantora e se tornar uma musa da música brega.
“A Betse é muito querida, especialista em comédia. Eu já trabalhei com ela e foi muito legal. O Revelando Sebastião Salgado (2012) é o contrário de O Sal da Terra (2014), revelando mais o homem em vez do mito.” O documentário, que vai ao ar dia 15/1, segue a trajetória de um dos mais respeitados fotógrafos brasileiros, com entrevista do próprio retratado.
“Não conheço a Monique tão bem, mas ela fez Ó Paí Ó (2007), que eu acho muito legal porque ela procurou resgatar a cultura da Bahia e do Olodum.” No filme a ser exibido dia 22/1, Lázaro Ramos dá vida a um cantor que, com a ajuda de amigos, enfrenta o racismo para preservar sua cultura e defender sua comunidade, mas as situações são sempre apresentadas com muito humor.
“A Sandra é uma cineasta superdelicada. Ela ainda não tem muitos trabalhos, mas tudo que faz é cheio de sutileza.” No documentário Um Passaporte Húngaro (2001), programado para o dia 29/1, ela parte em busca da história de sua própria família, mostrando os imigrantes que vieram para o Brasil e os familiares que não conseguiram deixar a Hungria durante a Segunda Guerra.
“Ela é uma cineasta que está aí há bastante tempo, já fez vários tipos de trabalhos. O Pequeno Dicionário Amoroso (1996) é um filme leve e tem uma certa procura de conversar com o público.” O longa do dia 5/2 brinca ao mostrar em ordem alfabética todos os sentimentos pelos quais passam um casal conforme o relacionamento evolui e ganhou continuação em 2014.
“Ainda não vi Como Esquecer (2010), mas posso dizer que a Malu é muito simpática e com certeza vou aproveitar o festival para assistir a seu filme.” A história do filme do dia 12/2 mostra uma mulher (Ana Paula Arósio) tentando superar o abandono de sua companheira de dez anos indo morar com seu amigo gay e viúvo (Murilo Rosa) no que será uma nova chance para os dois.
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me chamaram para entrevistar algumas cineastas”, explica sobre o projeto. E uma curiosidade sobre o festival é que, inconscientemente, Anna Muylaert praticamente selecionou apenas mulheres para trabalhar com ela. “Eu nem tinha percebido. Na verdade, escolhi os melhores profissionais e por acaso eram mulheres. Não foi uma escolha por gênero, e sim por qualidade. Acho que um dia a gente chega a um ponto em que não iremos reparar que são mulheres, negros, homossexuais, judeus ou qualquer coisa e possamos nos respeitar como indivíduos”, garante sobre a seleção de sua equipe. Seu filme, Que Horas Ela Volta?, vai além da situação da mulher no país ao mostrar o drama e os conflitos das empregadas domésticas. “Você pode contratar uma funcionária por R$ 2 mil por mês para fazer um trabalho de mãe, o mais importante que tem. Esse filme nasceu da constatação de que a nossa sociedade só valoriza o trabalho masculino e a função de babá é uma prova disso. A partir dessa vontade de falar da babá, veio também esse abismo social que existe no Brasil. Levei 20 anos para chegar em uma história que não fosse panfletária e sim verdadeira”, conta sobre o que define como seu “primeiro filme político”. O longa-metragem, ganhador de prêmios nos festivais de Berlim e Sundance, foi escolhido para ser nosso representante na disputa pela indicação de filme internacional na próxima edição do Oscar – os finalistas são divulgados no dia 14 de janeiro. O enredo mostra o choque de realidades quando Jéssica (Camila Márdila), filha da empregada Val (Regina Casé), chega do Nordeste para prestar vestibular e se hospeda na casa da família para a qual sua mãe trabalha e onde ajudou a criar um garoto (Michel Joelsas) da mesma idade da filha, que passou a infância e adolescência longe da própria mãe. BANDEIRAS HASTEADAS Depois de se dar conta do impacto que o longa-metragem teve, agora Anna quer explorar outras questões que não lhe descem pela garganta, entre elas o machismo. “Eu já tinha superado o fato de que cheguei a ganhar dez vezes menos que um colega para fazer o mesmo trabalho ou que
Nossa aposta no Oscar – Regina Casé como a empregada doméstica Val em dois momentos do filme que mostram como ela se divide entre a sujeição à patroa Bárbara (Karine Teles) e o afastamento da filha Jéssica (Camila Márdila), que não aceita a forma como a mãe se comporta
nunca recebi o crédito devido por coisas que criei. Mas, com o sucesso, eu conheci um novo tipo de machismo. Há um mal-estar da parte de muitos homens em relação a mim por que eles não sabem onde me colocar, não podem mais me chamar de ‘café com leite’, mas também não vão me ouvir e legitimar, por que aí já seria demais”, confidencia, referindo-se diretamente ao programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum também ao seu mais recente trabalho. “O machista não é uma pessoa malvada. Quando você tem certeza de que uma coisa é sacanagem, passa a ser fácil ir contra. O machismo é um monte de regras que homens e mulheres respeitam sem perceber”, sentencia sobre o que promete ser alvo de seu próximo projeto.
Quando tem certeza de que uma coisa é sacanagem, passa a ser fácil ir contra. O machismo é um monte de regras que homens e mulheres respeitam sem perceber” – Anna Muylaert
Claro que esse trabalho só tomaria forma depois de toda a agenda de eventos que veio na esteira do sucesso de Que Horas Ela Volta?, que levou nada menos que duas décadas para sair, como a própria diretora contou. “Me surpreendi com o poder que o filme político tem, essa experiência me mostrou sua força e como afeta as pessoas. Então, se eu estiver incomodada com alguma coisa, como estou com o machismo, vou trabalhar nisso. Sei que um filme sobre isso pode ser útil e bom para outras mulheres”, pondera sobre o potencial da pauta. Que a diretora seja bem-sucedida nessa sua nova empreitada, já que ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a igualdade entre gêneros, seja na vida ou no cinema.
Ana Maria Magalhães
Eliane Caffe
Suzana Amaral
Carla Camurati
Lina Chamie
A Ana Carolina é a grande diretora brasileira de todos os tempos. Ela realizou filmes incríveis, tem um estilo muito forte, seus primeiros trabalhos são muito bons e fez clássicos da cinematografia brasileira.” A Primeira Missa – Ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum (2014), no dia 19/2, faz crítica às dificuldades de se fazer cinema no Brasil com um filme dentro do filme.
Sinceramente ainda não vi o Reidy – A Construção da Utopia (2009), da Ana Maria. Mas ela é uma musa como atriz que se tornou diretora. É uma mulher muito legal, embora não conheça seu trabalho como diretora.” A produção do dia 26/2 é sobre o urbanista Affonso Eduardo Reidy, francês radicado no Brasil que trabalhou em obras como o Parque do Flamengo.
A Eliane tem um estilo meio surrealista, além da realidade. É uma cineasta que está construindo um trabalho sólido com seu próprio estilo, uma pegada mais fantasiosa.” Narradores de Javé (2004), dia 4/03, mostra os moradores de uma comunidade que será engolida por uma represa à busca de alguém que saiba escrever para registrar a história do lugar.
A Suzana é outra grande diretora que fez um dos melhores filmes brasileiros, que é A Hora da Estrela (1985). É uma referência para todo mundo”. Baseado no livro de Clarice Lispector, o longa do dia 11/3 segue Macabéa (Marcélia Cartaxo), uma imigrante nordestina sem ambições que terá seu destino mudado depois de uma consulta a uma cartomante (Fernanda Montenegro).
Carla fez Carlota Joaquina: Princesa do Brazil, o filme zero da retomada do nosso cinema, então é uma pessoa que tem grande relevância. Parou de fazer cinema, mas tem uma importância.” A comédia Irma Vap – O Retorno (2006), dia 18/3, mostra os bastidores da montagem de uma espetáculo cheio de complicações graças aos improváveis personagens.
A Lina é uma diretora inventiva, que faz filmes com pesquisa de linguagem, tem um trabalho muito respeitado.” Os namorados Heitor (Marco Ricca) e Júlia (Alice Braga) discutem no que se torna uma reflexão sobre relacionamentos em grandes centros urbanos enquanto ele dirige ao encontro dela pelo trânsito de São Paulo em A Via Láctea (2007), dia 25/3.
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FOTOS: GETTY IMAGES, O GLOBO, ARQ. ED GLOBO E DIVULGAÇÃO
Ana Carolina
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