Folclore nacional COM UM REPERTÓRIO DE NEOLOGISMOS DIGNO DOS PIORES MALANDROS DA POLÍTICA BRASILEIRA, O IMPAGÁVEL ODORICO PARAGUAÇU RETORNA AOS HOLOFOTES EM NOVA VERSÃO DE O BEM AMADO
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MA PEÇA DE TEATRO, UMA NOVELA E UMA SÉrie com 220 episódios foram mais que suficientes para Dias Gomes criar e ampliar o vocabulário de Odorico Paraguaçu, personagem imortalizado na TV por Paulo Gracindo e revivido por Marco Nanini na versão cinematográfica de O Bem Amado que estreia no Max. Só que, em vez de mostrar o homem simples e até ingênuo do interior, rodeado de beatas, o diretor Guel Arraes resolveu dar um toque de contemporaneidade à história que se passa na década de 1960. Desta vez, a sátira critica não só o conservadorismo da direita, mas também a ineficiência da esquerda. “Só valia a pena remontar O Bem Amado se a situação tivesse mudado o suficiente para justificar a nova versão. Antes, a esquerda era a heroína. Hoje, ela está no poder e eu não poderia fazer uma sátira política se não mostrasse os defeitos tanto de uma quanto de outra”, explica o diretor. Mas o centro das atenções continua mesmo sendo o prefeito. Com seu vocabulário peculiar, esquemas de corrupção e armações para embolsar dinheiro público e se manter no poder, ele acaba sintetizando características que o povo associa à classe política, como analisa Marco Nanini: “O político expressa esse jeitinho
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por sarah mund
Amado no passado e no presente – Zezé Polessa, Andréa Beltrão e Drica Moraes são as novas irmãs Cajazeiras (interpretadas originalmente por Dirce Migliaccio, Ida Gomes e Dorinha Duval). Na sequência, Paulo Gracindo aparece com Lima Duarte, nos papéis que na nova versão ficam com Marco Nanini e José Wilker
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brasileiro, essa nossa herança. Mesmo o malandro carioca possui traços do personagem.” Odorico consegue se eleger prefeito da fictícia Sucupira ao prometer o “construimento” de um cemitério, mas para seu azar ninguém mais morre na cidade, o que impede a inauguração de sua grande obra política. Isso é o bastante para Wladimir de Castro (Tonico Pereira), seu concorrente político e dono do jornal da cidade, criticá-lo com todas as letras. É inclusive um repórter do jornal A Trombeta o interlocutor do filme. Neco Pedreira, interpretado por Caio Blat, está diretamente envolvido no desenrolar dos fatos não só por trabalhar para o jornal, mas também por namorar Violeta (Maria Flor), a filha do prefeito. Outro personagem de grande importância na trama é Zeca Diabo. O Bem Amado não só foi a primeira novela nacional a ser exibida em cores, como foi a responsável por apresentar Lima Duarte ao Brasil, no papel do cangaceiro matador que chega a ser contratado por Odorico para dar fim a uma manifestação e ainda, de quebra, arranjar algum morto para o cemitério municipal. Mas, contrariando as expectativas de Odorico, ele não só deixa todos os manifestantes vivos como passa a apoiar a causa. “Se existe um herói no filme é o Zeca Diabo, que de alguma maneira representa a revolta popular diante da desordem que era o exercício do poder pelo Odorico. Não é uma revolta organizada, mas tem suas origens no sentimento popular de que muita coisa que é legalmente justificável não é justa no dia a dia”, avalia José Wilker, que se inspirou no pai para compor o personagem. Mesmo depois de tantas montagens, ninguém se mostrou apreensivo pelas comparações com o passado, como explicou Andréa Beltrão, que na trama vive Dulcineia. “Cada artista carrega para o personagem tudo que pensa e tudo que aprendeu.” Prova disso são os trejeitos do funcionário público Dirceu Borboleta, já que Matheus Nachtergaele não só deu opiniões quanto ao figurino de seu personagem, como teve um envolvimento físico com ele: “Quebrei o braço logo no começo das filmagens, mas não podia engessar, só usava uma tipoia durante a noite. Então filmei as cenas com dores e isso acabou segurando os gestos do Dirceu”. Como bem poderia dizer Odorico: “Há males que vão e vêm”. ■ O BEM AMADO,
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