Experiências de Participação Institucionalizada

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E96 Experiência de Participação Institucionalizada / Eduardo Moreira da Silva, Leonardo Soares Barros (orgs.); Valeria Rezende de Oliveira ... [et al.].-Belo Horizonte: UFMG / FAFICH, 2013. 162 p. Inclui bibliografias ISBN: 978-85-62707-40-7 1. Participação política. 2. Democracia. 3.Indicadores sociais I. Silva, Eduardo Moreira da. II. Barros, Leonardo Soares. III. Oliveira, Valeria Rezende de. CDD: 323.042 CDU:321.02

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Autores: Valéria Rezende de Oliveira Celia Maria Farias Vieira Celio Augusto Souza Pereira Valdecí Gonçalves Dutra Romero Galvão Maia

Organizadores: Eduardo Moreira da Silva Leonardo Barros Soares

Belo Horizonte - MG Março 2013

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Expediente Coordenação/UFMG PRODEP Prof. Leonardo Avritzer(Coordenador Geral) Profa. Eleonora Schettini M. Cunha (Coordenadora Pedagógica) Eduardo Moreira da Silva (Coordenador Executivo) Equipe técnica/apoio Debora Vales Leonardo Barros Ana Carolina de Souza Jaison Jadson Franklin Viviane T. S. Almeida CEDECOM Beatriz Starling Osger Machado SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Giberto Carvalho (Ministro-Chefe) Secretaria Nacional de Articulação Social Paulo Roberto Martins Maldos (Secretário Nacional) Departamento de Participação Social Pedro de Carvalho Pontual (Diretor) Enaile do Espírito Santo Iadanza (Assessora) Revisão de texto Carolina Arantes Revisão final Amanda Bruno de Mello Organizadores: Eduardo Moreira da Silva Leonardo Barros Soares Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Leandro Carlos de Toledo 5


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ÍNDICE APRESENTAÇÃO Leonardo Avritzer...........................................................................................................09

PREFÁCIO: DILEMAS E VIRTUDES DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO Débora Rezende de Almeida...........................................................................................11 O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS PLANOS PLURIANUAIS DO GOVERNO FEDERAL Valéria Rezende de Oliveira............................................................................................20 ARTICULAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: O CASO DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL Celia Maria Farias Vieira..............................................................................................47 A EFETIVIDADE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA DA CULTURA: UMA ANÁLISE SOBRE A COMPOSIÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL Celio Augusto Souza Pereira .........................................................................................76 DINÂMICAS PARTICIPATIVA E DELIBERATIVA NO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ANÁPOLIS Valdecí Gonçalves Dutra............................................................................................. 104 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E INDICADORES SOCIAIS: DO DEBATE TEÓRICO AOS ÍNDICES Romero Galvão Maia.................................................................................................. 132

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APRESENTAÇÃO Leonardo Avritzer1

Este volume é parte de um conjunto de dois livros nos quais estão publicadas as monografias premiadas do curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais do Programa de Formação de Conselheiros Nacionais. Esse programa é uma parceria entre a Secretaria-Geral da Presidência da República e o Projeto Democracia Participativa, baseado no Departamento de Ciência Política da UFMG, e está na sua terceira edição. As monografias que ora apresentamos ao leitor foram parte dos trabalhos finais de sua segunda edição. O curso de especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais tem por objetivo contribuir para a formação qualificada de representantes nos Conselhos Nacionais de políticas públicas, gestores e técnicos do governo federal que trabalham com instituições participativas. Foi, assim, criado um espaço de reflexão e troca de experiências relacionadas à participação social e à democratização da gestão do Estado. Os volumes desta nova coleção são o resultado de parte desse trabalho e versam sobre os seguintes temas: política de cultura, assistência social, saúde, educação, políticas de gênero, novas formas de participação e controle social e participação no plano plurianual. Acreditamos que eles constituem um aporte significativo ao conhecimento existente sobre participação social no Brasil.

1 Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG e coordenador do Programa de Formação de Conselheiros Nacionais

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PREFÁCIO: DILEMAS E VIRTUDES DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO Débora Rezende de Almeida1

O Brasil se transformou, ao longo dos últimos vinte anos, em um país democrático e com uma impressionante diversidade de práticas participativas, as quais vinculam Estado e sociedade no processo de formulação de políticas públicas e redistribuição de bens e serviços (AVRITZER, 2009). As práticas participativas/representativas vão desde as mais tradicionais, como o referendo e o plebiscito; até as menos conhecidas, como as conferências de políticas públicas; passando pela reestruturação e ampliação de experiências preexistentes, como as audiências públicas, os conselhos e os comitês de bacia hidrográfica; sem prescindir da valorização de práticas menos afamadas, como as ouvidorias e as mesas de negociação e de diálogo, e da criação de espaços completamente distintos, como os orçamentos participativos. A participação, desse modo, cobre repertório amplo de influência direta dos cidadãos, como se dá nos referendos, plebiscitos e iniciativa popular, e formas de participação indireta e via representação, como, as instituições participativas (IPs), que introduzem novos pontos de interação constante entre sociedade e Estado. De acordo com definição de Avritzer (2009), essas são instituições que operam simultaneamente por meio dos princípios de participação e representação; transformam características voluntárias da sociedade civil em formas de permanente organização política e interagem com partidos políticos e atores estatais. Para elas, o desenho institucional tem grande relevância na efetividade. Esse movimento em direção à sociedade civil e a crescente força de suas manifestações não são privilégios do contexto nacional. A pluralização de atores e espaços de participação e representação da sociedade civil é um fenômeno experienciado em distintos países (CASTIGLIONE e WARREN, 2006; SAWARD, 2010; LAVALLE, et al, 2006). A maior inserção da sociedade no processo político tem sido apontada como saída para a crise de representatividade das democracias, na sua incapacidade de tornar presente um povo complexo e plural. Tais manifestações retomam a importância da participação ativa do cidadão na vida política, fazendo surgir mediações entre Estado e sociedade para além do momento tradicional do voto. Desse modo, a complementaridade entre formas representativas e participativas é uma aposta para a democratização da democracia (AVRITZER e SANTOS, 2003). Algumas diferenças marcam, no entanto, as mudanças no campo da sociedade civil no Brasil quando comparadas com outros contextos. Em primeiro lugar, a diversificação de atores e espaços políticos se dá concomitantemente ao processo de fortalecimento da representação eleitoral. O país é um caso interessante de estudo porque as inovações da 1 Professora Adjunta do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011).

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sociedade civil foram canalizadas para dentro do sistema político, diferentemente de outros países da América Latina onde o conflito deu vazão a movimentos de contestação à democracia representativa2 (MELO, 2006). Além disso, a introdução de espaços de compartilhamento de poder entre Estado e sociedade ocorre no momento da abertura democrática e fortalecimento dos mecanismos tradicionais de representação, notadamente as eleições e os partidos políticos. Isso não significa que não haja crítica em relação aos limites do governo representativo e à performance de suas instituições no país (MENEGUELLO, 2012), mas que o Brasil tem o desafio de consolidar a democracia eleitoral ao mesmo tempo em que as próprias formas de fazer política aqui e no mundo estão passando por uma constante revisão. Em segundo lugar, a participação brasileira faz parte de um processo mais amplo de institucionalização da democracia, diferentemente das manifestações informais de atores sociais, geralmente foco da literatura internacional (LAVALLE, 2011; ALMEIDA, 2013). Para além da função de controlar, pressionar e julgar as ações do Estado, a sociedade civil, em alguns casos, é chamada para decidir coletivamente os rumos de políticas públicas. A institucionalização da participação na estrutura do Estado, tem levado, por exemplo, a reavaliar o arcabouço teórico sobre a ação coletiva de movimentos e organizações sociais, tradicionalmente pensado a partir da ação conflitiva e fora da esfera estatal (ABERS e VON BÜLLOW, 2011). Para compreender este novo cenário, a literatura nacional vem criando uma série de conceitos na tentativa de expressar essa interação, tais como instituições participativas ou instituições híbridas (AVRITZER, 2009), interfaces socioestatais (LAVALLE e ISUNZA, 2011) e instituições de co-gestão ou controle social (LÜCHMANN, 2011). A diversidade dos experimentos pode ser vista nos níveis de governo em que são aplicados, nas áreas de políticas públicas e nos contextos políticos e regionais – nas cidades governadas por partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT), nas cidades governadas por coalizões de tipos deferentes. Tais peculiaridades do processo de articulação entre Estado e sociedade, no Brasil, levanta uma série de questões sobre as quais a teoria se debruça nas últimas duas décadas. De um lado, os autores destacam os dilemas da institucionalização, como, os possíveis efeitos perversos no associativismo e na mobilização social (LÜCHMANN, 2011); a cooptação ou colonização dos atores sociais pelo Estado (HABERMAS 2003), e as dificuldades de partilha de poder entre Estado e sociedade (TATAGIBA, 2002). Por outro lado, existem algumas virtudes da institucionalização, como a possibilidade de estabelecer formas de coordenação entre públicos e accountability política (FRASER, 1990); a transferência de práticas societárias e democráticas da sociedade para o nível administrativo (AVRITZER e SANTOS, 2003), e a mudança no processo de formulação de políticas públicas, que deixa de estar confinado nos gabinetes técnicos e passa a incluir grupos tradicionalmente marginalizados na política (COELHO e NOBRE, 2004). 2 Na Venezuela, por exemplo, ocorreram pressões da sociedade civil com reivindicações de “mais poder aos cidadãos e menos aos partidos políticos” que, diferentemente do Brasil, assumiram uma lógica dual e conflituosa. A abstenção chegou a 50% e em 1989 ocorreu uma revolta popular contra medidas adotadas pelo presidente Carlos Pérez.

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Os textos reunidos neste livro refletem esta diversidade de canais de interação entre Estado e sociedade e as distintas intensidades do processo de institucionalização. Assim, podem ajudar a compreender melhor o fenômeno, a partir de uma visão que não seja nem ingênua sobre os limites destes processos, tampouco fatalista em relação à impossibilidade de sua democratização. As experiências aqui estudadas envolvem arenas participativas, como conselhos de políticas no nível nacional e municipal e abarca outras experiências de inclusão da sociedade civil, como fóruns deliberativos para elaboração do Plano Plurianual (PPA) e diferentes mecanismos criados pelo Poder Legislativo. Inclui, por fim, uma análise da construção do conhecimento sobre participação política, a partir de indicadores sociais, a qual destaca a carência de estudos sistemáticos sobre o tema e a dificuldade dos indicadores existentes refletirem a centralidade da participação como categoria analítica, bem como a diversidade das formas de participar presentes na atualidade. O primeiro artigo, de Valéria Rezende de Oliveira, reflete sobre a mudança de paradigma no planejamento estatal, que herdou desde o governo autoritário de 1930 o modelo do insulamento burocrático (NUNES, 2010), responsável pela restrição ou primazia das decisões do Estado na esfera burocrática. Apesar das transformações na estrutura do Estado brasileiro desde a redemocratização, na década de 1980, a autora destaca que o ponto de inflexão neste modelo insulado em direção a maior participação da sociedade só aconteceria, de fato, na última década, a partir do PPA 2004-2007, no governo Lula. Para Oliveira, os últimos três planos, embora com distintos desenhos de inclusão, abrangência e intensidade, representam um avanço no processo de democratização do planejamento estatal no nível federal. O artigo discorre com detalhes sobre os três PPAs, apontando suas diferenças na inclusão da sociedade civil. No primeiro momento, para o qual peço licença à autora para chamar de aprendizado da participação, Oliveira mostra que a implementação se tornou um desafio para a Administração Pública Federal. A participação se deu por meio de Fóruns Estaduais, debates setoriais com a sociedade civil e fóruns temáticos organizados pelos ministérios responsáveis pelos setores. No segundo (2008/2011), a autora identificou uma participação mais tímida no âmbito de alguns conselhos setoriais, ou um período de retração da participação. Um dos motivos seria a maior centralidade política no governo Lula do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) em relação ao próprio PPA. No terceiro, a presidenta Dilma tentou retomar a participação como eixo central do PPA 2012/2015, decidindo ampliar a discussão para além dos muros dos conselhos setoriais e inovar em relação à primeira iniciativa de Fóruns Estaduais. Estabeleceu-se um segundo momento chamado Fórum Interconselhos de Debate do PPA, o qual também incorporou 100 membros de organizações da sociedade civil de caráter nacional. A avaliação desta tentativa de renovação da participação é positiva. Além de ser informativo, o relatório deste fórum serviu para subsidiar, validar e/ou aperfeiçoar as propostas dos ministérios e das secretarias setoriais para o PPA 2012-2015. Os dados apontam que 96,7% das propostas foram incorporadas ao Plano.

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A qualidade da análise de Oliveira também pode ser vista na constatação de que os três processos participativos dos últimos PPAs tiveram limitações, gerando desafios a serem transpostos. No primeiro, o grande dilema foi a pouca consequência, tanto em relação às questões discutidas nos Fóruns Estaduais de Participação quanto em relação à sua continuidade para além do momento de formulação do plano. No segundo, o próprio processo participativo foi colocado em questão, tendo em vista os meios utilizados e a ausência de impactos. Neste último, há uma tentativa de retomada da participação, embora a centralidade em si do PPA em relação aos demais macro projetos do governo, notadamente PAC2 e Plano Brasil sem Miséria, seja algo a ser problematizado. De todo modo, a conclusão da autora refere-se à desejável e necessária ampliação da participação social para além do momento de formulação do plano, estendendo-se para todo o ciclo de gestão do atual PPA. Para a autora, a mudança proposta no último PPA, que prevê que as ações orçamentárias sejam detalhadas em Planos Orçamentários (POs), não constando esta discriminação nas Leis Orçamentárias Anuais, pode ajudar a tornar o orçamento mais ágil e facilitar sua execução, bem como a inserção da sociedade em outros momentos do planejamento, como o monitoramento e a avaliação. Esta é uma aposta complicada, se olharmos para o que se pode perder em termos de transparência e controle, como parecem entender algumas organizações da sociedade civil, argumento apresentado por Oliveira. O artigo de Celia Maria Farias Vieira versa sobre processos participativos na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Este é um tema de grande relevância tendo em vista a crítica recente à democracia representativa, à qual se aludiu acima. Entre os componentes da crise está o fato de o Poder Legislativo ser alvo constante de desencanto e desconfiança, como mostra pesquisa de Meneguello (2012) para os últimos 50 anos da democracia brasileira. A CLDF espelha esta história de desconfiança, bastante comprometida por uma sequência de escândalos que tiveram seu ápice na grave crise política e institucional provocada pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Diante destes problemas, a adoção de mecanismos institucionais de interlocução com a sociedade e a vocalização de preferências dos cidadãos no âmbito do Poder Legislativo Distrital vêm sendo encaradas como meio de ampliação dos graus de responsiveness e de accountability perante os cidadãos brasilienses. Todavia, o que o artigo irá mostrar é que existem diferentes modos de incluir o cidadão, cada qual com distintas naturezas e forças de vínculo, e que os processos até agora implementados na Câmara carregam muitas fragilidades. A fim de estudar estes diferentes vínculos com os cidadãos, a autora parte da análise de Henriques (2009 apud VIEIRA, neste volume), o qual elenca 8 vínculos que envolvem localização, informação, julgamento, ação, coesão, continuidade, co-responsabilidade e participação institucional. O propósito deste artigo, portanto, é de apresentar um diagnóstico analítico dos canais de comunicação, de transparência e, especialmente, de interação da CLDF com os cidadãos brasilienses, e as perspectivas que estão dadas a partir da 6ª Legislatura (2011). A autora apresenta como mecanismos de interação previstos na CLDF: 14


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referendos e plebiscitos, projetos de iniciativa popular, audiências públicas, TV Distrital, Rádio Distrital, Jornal da CLDF, Diário Oficial, ouvidoria, portal na internet e planejamento estratégico institucional. A maioria destes instrumentos não foi utilizada, ou foi interrompida, ou não conseguiu alcançar o grau esperado de qualidade, organização e envolvimento com a sociedade, como é o caso do portal da internet e das audiências públicas. Comparando a CLDF com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que implementou ampla reforma institucional nos últimos anos, a Câmara dos Deputados do Brasil e com outras experiências internacionais, o texto de Vieira ganha complexidade, mostrando como estas distintas experiências se situam entre vínculos mais fortes e estruturados e os mais informais com os cidadãos. Em relação à Câmara Distrital, a autora considera que realizou investimentos muito limitados em seu processo de desenvolvimento institucional, o que não gerou alteração no processo de accountability e responsividade. Quanto aos mecanismos de democracia participativa, a CLDF passou ao largo deles ao não institucionalizar canais de interação com a sociedade para além das limitadas audiências públicas. Com isso, os condicionantes para que o parlamento possa ampliar os graus de responsiveness em relação às demandas e às preferências dos eleitores não estão dados. A autora não se limita ao diagnóstico dos problemas da participação no Distrito Federal. Na parte final do texto, apresenta uma série de desafios para a ampliação das oportunidades de vocalização de preferências dos representados e de controle dos atos daqueles que detêm mandato, com base nas distintas experiências estudados ao longo do texto. Célio Augusto Souza Pereira se debruça sobre o Conselho Nacional de Política Cultural para investigar a efetividade da institucionalização democrática da cultura. Com base em uma análise do desenho institucional do conselho, dimensão que tem se tornado central nos estudos participativos ao longo dos anos, o autor visa a descortinar em que medida as regras permitem a simetria entre representantes da sociedade civil e do poder público, bem como as condições de inclusão da diversidade de novos atores no conselho. Para avaliar este grau de inclusão, Pereira utiliza a comparação com outros conselhos nacionais. Ganha destaque em seu texto o processo de consolidação da cultura como importante área de política pública no governo Lula e a consequente institucionalização da participação. As mudanças são claras quando se percebe o histórico da política cultural, marcado por uma orientação neoliberal, desvinculado de um projeto de estado e de inclusão da participação social e baseado em um modelo de financiamento à cultura via renúncia fiscal, o qual concentrou poder nas mãos de poucos atores da iniciativa privada e polarizou a distribuição de recursos em poucas regiões do país. Entre as principais novidades responsáveis pela centralidade da cultura como política pública governamental estão a criação de um sistema do Sistema Nacional de Cultura (SNC), do Plano Nacional de Cultura (PNC) e do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). Apesar dos avanços operados, a tarefa de compreender a qualidade da participação democrática dentro do conselho, criado em 2005, é algo em construção, haja vista que a implementação do próprio sistema ainda é um processo em andamento. Nesse sentido, a 15


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proposta do autor de avaliar a composição do conselho é um bom ponto de partida. A partir da análise do Regimento Interno do CNPC, do ano de 2010, é possível perceber uma composição plural e heterogênea, cuja paridade beneficia a sociedade civil (52,5% dos assentos com direito a voto). Todavia, Pereira argumenta que a vantagem quantitativa pode não estar sendo convertida em influência democrática da sociedade civil, uma vez que as regras de escolha e indicação deste segmento apresentam, pelo menos, três fragilidades. Primeiro, os representantes de notório saber (9,7%) são indicados pelo Ministro da Cultura, presidente do conselho. Segundo, as regras para eleger os representantes setoriais das áreas técnicas (64,5%), as regras para elegê-los também são definidas pelo ministro, em forma de edital. Terceiro, para os representantes de associações, fundações e grupos de pesquisa (25,8%), há manutenção de assentos fixos, sem referência a como é feita a escolha. O autor salienta, ainda, dificuldades no processo eleitoral de 2012 em relação à participação e eleição de todos os subsetores e à representatividade de todos os estados. O estudo do conselho e de seus dilemas institucionais representa uma boa iniciativa na direção de aperfeiçoamento destas dimensões que se mostram essenciais para a democratização do processo decisório, como atestado em diferentes pesquisas. O trabalho de Valdecí Gonçalves Dutra sobre as dinâmicas participativa e deliberativa do Conselho Municipal de Educação de Anápolis tem o objetivo geral de avaliar as dinâmicas participativa e deliberativa do CME, a fim de descobrir seus limites e potencialidades na construção da gestão democrática da educação. Como profissional da área educacional, Valdecí demonstrou seu amplo conhecimento dos normativos que regulamentam a política no Brasil, e foi capaz de identificar as principais mudanças no campo em termos da forma de organização da política e sua inovação na interação com a sociedade civil por meio dos arranjos participativos. Um segundo ponto positivo na pesquisa foi a adaptação de um referencial analítico utilizado nas pesquisas do PRODEP, especificamente a análise institucional realizada pela professora Claudia Feres e pela pesquisadora Uriella Coelho sobre os distintos graus de institucionalização, democratização e representação dos conselhos. Dentro do escopo limitado de um trabalho monográfico, Valdecí adaptou estas variáveis, inserindo no seu estudo não apenas a dimensão formal das regras, como realizado pelas autoras supracitadas, como também a análise qualitativa destas dimensões, a partir da opinião dos conselheiros do CME-Anápolis. Em terceiro lugar, o estudo mostrou, por meio de entrevistas semiestruturadas, a opinião dos atores políticos sobre o processo participativo e deliberativo. A intenção do trabalho não foi de fazer uma análise causal de como estes distintos graus de institucionalização, democratização e representação interferem na dinâmica participativa e deliberativa, mas de mostrar a relação entre estas variáveis. O resultado geral confirma resultados empíricos sobre a participação em outros conselhos. A autora mostra o alto grau de institucionalização do conselho, apesar da falta de autonomia em relação à infraestrutura e aos recursos da Secretaria de Educação. No que se refere ao grau de democratização, tanto os dados referentes às regras (regimento interno e 16


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lei de criação), quanto às entrevistas, apresentam limites na composição dos conselhos, na formulação da pauta e na sua capacitação – elementos importantes para a prática participativa. Em relação ao grau de representação, os limites são claros: – há predominância de entidades profissionais, pessoas notáveis (reproduzindo uma característica dos conselhos antes de 1988) e falta de renovação dos conselheiros. A dinâmica participativa e deliberativa revela que os conselhos de Educação estão, ainda, presos à função normativa e consultiva de regulação do funcionamento das escolas/creches. Embora seja central para a qualidade da educação, esta função acaba por sobrecarregar a agenda, dificultando o envolvimento em questões mais propositivas. O último texto, de Romero Galvão Maia, se diferencia das demais propostas que voltam a atenção para a análise de espaços institucionalizados da participação. O foco do autor é a importância de se estabelecer indicadores sociais sobre a participação política que possam identificá-la como fator central na qualidade da democracia. A partir de um levantamento dos índices de participação construídos em diferentes países e no Brasil, o autor traz uma reflexão importante sobre os limites dos instrumentos avaliativos da participação política no que tange a refletir a diversidade dos sentidos teóricos e empíricos do fenômeno. Qualquer estudioso da área que já enfrentou problemas na tentativa de acessar a abrangência da participação política em termos quantitativos, pode concordar imediatamente com esta afirmação. A empreitada de Maia envolve uma discussão sobre os locais e as esferas da participação no Brasil e no mundo que complementam o ato de votar, considerado por muito tempo o instrumento central de participação política e de democracia. Estas experiências vão desde as mais informais, como o ativismo e os protestos que deram início à chamada “Primavera Árabe”, passando por modelos mais formais e institucionalizados, como é o caso das instituições híbridas brasileiras, até as articulações em rede mobilizadas pela Internet. A diversidade também está presente no campo teórico, quando se percebe, de um lado, uma compreensão elitista da democracia para a qual a participação se reduz à escolha dos líderes, como vemos no clássico estudo schumpeteriano - e, de outro, uma visão da participação política em diferentes assuntos e locais como única saída para a democracia - fórmula clássica dos teóricos participativos, a partir da década de 1970. Esta pluralidade na compreensão da participação como teoria e prática gera dificuldades na construção de indicadores sociais do fenômeno. O autor apresenta os dilemas envolvidos na construção de indicadores sociais e a falta de confiança neste mecanismo como apreciação quantitativa de vários aspectos da vida social. A riqueza da pesquisa, a partir da consulta a sete indicadores sociais de participação existentes em diferentes países, deixou em relevo as especificidades destes instrumentos em relação ao que medem como participação. Mas, na sua opinião, nenhum deles é um índice orientado para emitir um diagnóstico quantitativo sintético sobre o fenômeno. Apesar das diferenças nas dimensões destacadas, nas fontes consultadas e nos países incluídos nas amostras, os mecanismos “retratam o fenômeno da participação política como apenas um entre outros indicadores que concorrem para a composição de um fenômeno maior para o 17


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qual se pretende gerar um status ou diagnóstico comparativo e sucinto” (Maia, neste volume). Não obstante estes limites, o autor elenca 31 indicadores que são encontrados nestes índices que revelam as profundas diferenças entre as premissas na operacionalização do conceito de participação política e a necessidade de maior investimento na formulação de indicadores sociais sobre o tema que não tratem a participação como secundária, mas como fenômeno central. Por fim, apresenta dois índices produzidos no Brasil sobre participação e o Índice de Participação Cidadã (IPC), uma iniciativa de organizações da sociedade civil elaborada em 2003 na República Dominicana. Este último realiza-se por meio de entrevistas que ocorrem simultaneamente e com a mesma metodologia em 8 países da América Latina e considerado o esforço mais relevante disponível no que diz respeito à mensuração específica do fenômeno da participação política. À guisa de conclusão, os artigos reunidos neste livro indicam que existem limites específicos à participação, dependendo do tema e da esfera de atuação. Todavia, existem alguns dilemas que são comuns, como a dificuldade de partilha do poder por parte do governo, os limites na democratização do poder e institucionalização da participação em distintas etapas do processo decisório e o restrito alcance da participação na mudança de um padrão desigual e excludente de relação entre Estado e sociedade. Mas não são apenas vícios que acompanham as formas institucionalizadas de participação. Está em marcha no país, indubitavelmente, um processo criativo de participação que pode ser considerado um dos motores da democracia que está se transformando.

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O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS PLANOS PLURIANUAIS DO GOVERNO FEDERAL Valéria Rezende de Oliveira 1. Introdução Analisar uma política pública, seja ela de defesa das fronteiras nacionais, de ciência e tecnologia, ambiental, de educação, cultural, de comércio exterior ou outra qualquer, requer uma observação sobre seu tratamento nos planos e orçamentos públicos, ainda que pontual ou exploratória. Por outro lado, estudar os planos e orçamentos, tal qual estudar determinada política pública, demanda um instrumental teórico-analítico e a apresentação e discussão das pesquisas sobre o tema. Os PPAs, as LDOs e as LOAs estão previstos no art. 165 da Constituição Federal, que indica em seu parágrafo primeiro que “A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”. Ao processo de elaboração, revisão, monitoramento e avaliação dos PPAs, assim como de elaboração e execução das LDOs e das LOAs, dá-se o nome de ciclo de gestão. Tal ciclo situa-se no arcabouço burocrático como um dos pilares mais relevantes da Administração Pública e possui uma materialidade institucional e legal bastante complexa. Para além disso, o ciclo tem dimensões políticas e econômicas em sentido estrito, ou seja, parte substantiva da ordem política e da dinâmica econômica do País, não apenas do Governo Federal, estão expressos ou implícitos nos planos e orçamentos da União. Em outras palavras, concomitantemente com a racionalidade burocrática que envolve os processos de planejamento e orçamentação no setor público, o ciclo de gestão também é permeado por conflitos e disputas que tornam a elaboração, revisão, monitoramento e avaliação do PPA, assim como da LDO e da LOA, um processo complexo e, não raro, pouco transparente, a começar pela sua própria tecnicalidade, que dificulta o diálogo com os ‘não especialistas’. Portanto, realizar um processo de participação social efetivo em todo o ciclo de gestão é um desafio que não será resolvido facilmente e que, de maneira oposta, já se mostra um processo não linear de modernização e transparência da Administração Pública, na qual o princípio da democratização vem sendo exercido e aprofundado até o limite dos sistemas informacionais e da cultura burocrático-autoritária.

2. Planejamento Governamental: Alguns Apontamentos O campo de estudo sobre planejamento governamental é bastante vasto, abarcando 20


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teorias e debates que vão desde a contraposição ao laissez faire e às bases do pensamento liberal no contexto das teorias keynesianas, passando pelo debate sobre o planejamento centralizado, amparado na disputa capitalismo versus comunismo na primeira metade do século XX e chegando até a discussão sobre a importância do planejamento para as situações de guerra e defesa das nações, que inclui a vertente brasileira da segurança nacional.(IANNI, 1979) Mais recentemente, as teorias sobre planejamento governamental sustentam ideias que valorizam os resultados e produtos entregues à sociedade pelas instituições públicas, assim como a transparência ou accountability e a democratização das decisões, incluindo a participação social. Esse campo de estudo, embora tenha uma área de fronteira com a extensa produção sobre planejamento empresarial, cujas elaborações ganharam força principalmente após os anos 1970 e se estendem até os nossos dias, em múltiplas vertentes, apresenta diferenças fundamentais em relação a ele em decorrência da natureza e finalidade do Estado, diferentes daquelas das corporações capitalistas. No entanto, em ambos os planejamentos - governamental e empresarial - a essência da proposição é a mesma, ou seja, formular modelos teóricos e técnicas para antecipar um futuro desejável e os meios de alcançá-lo. Uma definição ampla e formal de planejamento o traduz como um processo contínuo e dinâmico que consiste em um conjunto de ações intencionais, integradas, coordenadas e orientadas para tornar realidade um objetivo futuro, de forma a possibilitar a tomada de decisões antecipadamente (ESAF, 2011). Na esfera pública, as ideias sobre planejamento estratégico desenvolvidas pelo autor chileno Carlos Matus ganharam destaque. Muito mais que uma das funções administrativas do Estado, responsável pela apresentação dos compromissos dos governos e das ações que os viabilizam, o planejamento é compreendido como o “cálculo situacional sistemático que relaciona o presente com o futuro e o conhecimento com a ação” (MATUS, 1996, p. 19). Sucintamente, o planejamento deve conter: uma visão do futuro que se quer; os objetivos que se deseja atingir e as ações necessárias para alcançá-los. Estas são as bases necessárias à elaboração dos planos, que devem ter condições de implementação e precisam ser monitorados e avaliados. O planejamento, portanto, define onde se pretende chegar, o que deve ser feito, quando, como e em que sequência. Organicamente, o planejamento está estruturado em três níveis: o estratégico, o tático e o operacional. O nível estratégico visualiza a sociedade, a mudança, é abrangente e projeta a longo prazo. Muitas vezes, elabora análises sofisticadas e utiliza pesquisas quantitativas e qualitativas para avaliar seu desempenho. O nível tático atua no médio prazo e diz respeito a cada objetivo traçado em separado. Faz uso de indicadores específicos. Já o nível operacional volta-se para as ações necessárias e está centrado no curto prazo, preocupando-se com o alcance das metas estabelecidas.

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2.1. Um pouco da história do planejamento governamental brasileiro A década de 1930 marca o início do processo de industrialização do Brasil e inaugura uma nova fase da história política nacional com o advento do Estado Novo. A partir deste momento, o Estado passa a desempenhar um papel bastante distinto daquele que marcou sua atuação durante o Império e a Primeira República. No contexto da crise econômica mundial e das novas teorias keynesianas, o Estado brasileiro assume as rédeas da promoção do desenvolvimento, agora sustentado em novas bases produtivas lastreadas na indústria nacional e não mais no setor agroexportador .1 O Estado brasileiro assume funções cada vez mais complexas, desde a formulação e implementação de políticas de estímulo à indústria nacional, passando pela criação e execução de estratégias e instrumentos monetários e cambiais, até a criação e manutenção de empresas estatais. A preocupação com as condições de vida dos trabalhadores também marcou o período, no bojo da atuação política do chamado trabalhismo, que tinha o então Presidente Getúlio Vargas como líder. Neste momento da história brasileira o planejamento governamental ganha importância inédita, haja vista a nova conformação do Estado nacional, que abandona as ideias e práticas liberais que o caracterizaram até então. Na medida em que o Estado passa a atuar como promotor fundamental do processo de desenvolvimento, o planejamento governamental é alçado à condição de ferramenta importante de apoio a todo esse processo. O primeiro plano brasileiro foi elaborado nesta época, o Plano Especial (Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional), formulado para o período 1939-1944. Elaborado pelo Departamento de Administração do Setor Público (DASP), foi a primeira proposta de alocação de recursos públicos com vistas ao atingimento de objetivos previamente definidos. Seus objetivos principais eram a criação de indústrias de base, a execução de obras públicas consideradas indispensáveis e o aparelhamento das forças armadas, haja vista a preocupação com a soberania e a defesa nacional em decorrência do contexto marcado pela Segunda Guerra Mundial. Não obstante suas limitações e a centralidade nos determinantes econômicos, o Plano Especial demarcou o início da profissionalização da atuação estatal no Brasil, para o que a criação e atuação do DASP foram fundamentais. Além disso, resultou em iniciativas de grande relevância para o desenvolvimento do País, a exemplo da criação da Companhia Siderúrgica Nacional, nele prevista. Na sequência, foi elaborado o Plano de Obras e Equipamentos (POE), para o período de 1944-1948. O Plano foi pensado a partir da influência e das contribuições de duas missões técnicas norte-americanas que visitaram o Brasil com o fim de diagnosticar as 1 Sobre a história do planejamento governamental brasileiro, ver: CARDOSO JÚNIOR, J.C, 2011 e LAFER, B.M. 1970.

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causas dos problemas do País e indicar as vias para sua superação: a Missão Taub (1942) e a Missão Cooke (1943). Metodologicamente, o POE avançou em relação ao plano anterior, mas seus objetivos principais permaneceram sendo o fomento à indústria de base nacional e o incremento das obras públicas. Implantado durante o Governo Eurico Gaspar Dutra, ainda sob coordenação dos técnicos do DASP, o Plano SALTE foi a primeira experiência de planejamento no Brasil implementada sob um regime democrático, tendo inclusive sido debatido no Congresso Nacional. O Plano, previsto para 1947-1950, abrangia quatro setores prioritários para os investimentos públicos: saúde, alimentação, transporte e energia (origem da sigla SALTE formada pelas iniciais destas palavras). O segundo governo de Getúlio Vargas elaborou o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (Plano Lafer), voltado para a melhoria da infraestrutura e o fortalecimento da indústria de base. O Plano previa investimentos que seriam financiados com recursos do Fundo Nacional de Reaparelhamento Econômico, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado em 1952. O mais importante plano para o desenvolvimento da indústria nacional foi elaborado e implementado no governo Juscelino Kubistchek, o Plano de Metas. O Plano estabelecia 30 metas em cinco grandes setores: energia, transporte, agricultura e alimentação, indústrias de base e formação de técnicos. Previsto para o período 1956-1961, inaugurou no Brasil a utilização do planejamento indicativo que faz distinção entre a atuação do Estado, seja diretamente como agente econômico produtor, seja como fomentador ou indutor do desenvolvimento, e a do setor privado, cuja presença no plano era prevista de forma indicativa, como ator relevante para o alcance dos objetivos/metas traçados. Voltado para o desenvolvimento econômico, particularmente para o crescimento e fortalecimento da indústria nacional, o Plano de Metas conseguiu êxito no avanço da industrialização com a superação de pontos de estrangulamento e a formação de bens de capital essenciais para o processo. Porém, o Plano também resultou em desequilíbrios fiscais e cambiais em decorrência da geração de déficits persistentes na balança de pagamento e na elevação das taxas de inflação. De todo modo, a importância do Plano de Metas para a economia brasileira e para o planejamento governamental foi bastante significativa, como afirma Cardoso Jr.: os anos 1950 podem ser vistos, no Brasil, como o momento áureo do planejamento governamental. É quando o peso do Estado – e nele, o peso do planejamento propriamente dito – adquire um caráter mais presente e permanente, ainda que exageradamente 23


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discricionário. Ajuda a visualizar a primazia do planejamento nessa época, a consolidação e a respectiva difusão da ideologia desenvolvimentista propagada teoricamente pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), fenômeno que ganha materialidade clara com o Plano de Metas do governo JK. (CARDOSO JR., 2011, p. 347). Durante o conturbado governo João Goulart, em 1962, foi criado o Ministério Ordinário do Planejamento, que, sob o comando do economista Celso Furtado, elaborou o Plano Trienal. Foi a primeira vez que um plano governamental buscou soluções para problemas estruturais do país, abordando de forma integrada a estrutura econômica e social. Tinha como objetivos: elevar as taxas de crescimento do produto interno bruto, reduzir progressivamente a inflação, reduzir o custo social do desenvolvimento, melhorar a distribuição da renda e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Os enormes conflitos de ordem política enfrentados pelo governo levaram também ao malogro do Plano, que durou apenas cinco meses. O Ministério Ordinário do Planejamento também foi extinto. Após o golpe de 1964, o primeiro governo do regime militar formulou o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), previsto para o período de 1964-1966. Ele enfatizava a adequação do planejamento governamental a uma economia de mercado, em contraposição à ideia do planejamento associado às economias socialistas, assim como ao modelo adotado pelo Plano Trienal. Seus principais objetivos eram a modernização do Estado, a aceleração do ritmo de crescimento econômico, a contenção do processo inflacionário e a correção da tendência a déficits do balanço de pagamentos. Foram criados novos mecanismos de intermediação financeira, houve um reordenamento do mercado de capitais e foram adotadas medidas para atrair um volume maior de capitais. Além disso, foram criados novos instrumentos de financiamento, a exemplo do FGTS e dos fundos fiscais vinculados a investimentos em transporte, energia e telecomunicações. Na sequência, após o PAEG e com base em avaliação positiva do mesmo, o governo militar elaborou a primeira iniciativa de planejamento governamental de longo prazo no Brasil: o Plano Decenal, previsto para o período de 1967-1976, que projetou objetivos e metas para dez anos. As propostas do Plano foram detalhadas para os primeiros quatro anos e para o período seguinte foram feitas indicações mais gerais. Não obstante sua visão estratégica, de fato ele não saiu do papel. Idealizado durante o governo do general Costa e Silva, o Programa Estratégico do Desenvolvimento, que abrangia o período de 1968-1970, buscou contrapor o insucesso do Plano Decenal. Além de estabelecer diretrizes de política econômica e setoriais, com o objetivo de acelerar o crescimento concomitantemente com a contenção da inflação, o plano

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também previa medidas voltadas para a expansão do emprego e a formação de mão-deobra. Em 1969, o Ato Complementar nº 43 determinou que os governos elaborassem planos nacionais de desenvolvimento com duração igual ao mandato do Presidente da República, e que tais planos deveriam ser submetidos à aprovação do Congresso Nacional no primeiro ano do mandato. Além disso, o Ato previa que os planos deveriam ser complementados por Orçamentos Plurianuais para os três anos restantes do mesmo mandato. Em 1972, durante o governo do general Garrastazu Médici, surgiu o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para o período 1972-1974. O I PND adotou um modelo de planejamento assentado em duas frentes articuladas: uma voltada à identificação da estratégia de desenvolvimento e outra destinada à apresentação das medidas necessárias à sua implementação. Tal modelo buscava dar praticidade ao plano, expressando preocupação em relação à factibilidade das suas propostas. O I PND previa três grandes objetivos: colocar o Brasil, em uma geração, na categoria das nações desenvolvidas; duplicar, até 1980, a renda per capita do país; e elevar o crescimento do PIB a taxas anuais entre 8% e 10%. Além disso, o Plano também buscava a redução das disparidades regionais e a integração nacional, bem como a redução da dependência externa do País. Vale mencionar que o I PND correspondeu ao período conhecido como “milagre econômico”, quando o crescimento econômico do Brasil atingiu taxas de 9% ao ano, aliado à estabilidade monetária com baixas taxas de inflação. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) foi elaborado pelo governo do general Ernesto Geisel e abrangia o período de 1975-1979. Em um cenário econômico internacional bastante diferente, marcado pela recessão advinda da chamada crise do petróleo, o II PND buscava preservar o Brasil dos seus efeitos. Seus objetivos eram: manter o crescimento acelerado dos anos anteriores, com elevação do emprego; incentivar a autonomia energética; manter a inflação sob controle; garantir um equilíbrio relativo do balanço de pagamentos; melhorar a distribuição de renda pessoal e regional, conservando a estabilidade social e política; e preservar os recursos naturais. As estimativas otimistas do plano, entretanto, não se confirmaram. A crise econômica mundial dificultou a execução de muitas das medidas previstas, fazendo com que fosse alvo de duras críticas, ao ponto de ter sua credibilidade comprometida. No entanto, foi peça fundamental para a sobrevivência da indústria nacional num contexto de grave crise internacional que desencadeou mudanças no próprio paradigma da economia global, levando as políticas de bem-estar social de cunho keynesiano a perder espaço para as políticas neoliberais restritivas de base monetarista. Idealizado em plena crise econômica mundial e nacional, o III Plano Nacional de 25


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Desenvolvimento (III PND), elaborado para os anos 1980-1985, foi praticamente uma formalidade e marcou o fim do período de planejamento governamental como efetivo instrumento da política econômica no País. Descontinuado em decorrência de divergências entre os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, o plano encerrou um ciclo de quase trinta anos de planejamento econômico para o desenvolvimento. Com o fim do regime militar e o advento do primeiro governo civil após vinte e um anos de ditadura militar, a nova equipe do Governo José Sarney formulou o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, para o período 1985-1989. No entanto, o esvaziamento do planejamento como lócus das decisões de política econômica e de coordenação das políticas públicas permaneceu durante a chamada Nova República. No cenário nacional, as incertezas políticas e econômicas perpetuaram a visão do planejamento como instrumento de pouca efetividade. Internacionalmente, num mundo cada vez mais globalizado e, particularmente, nos países então denominados do primeiro mundo, o pensamento neoliberal passou a predominar e comandar a adoção de políticas não intervencionistas como forma de enfrentar a crise fiscal dos Estados. Durante a década seguinte, todos os planos que foram elaborados trataram essencialmente de buscar respostas para os graves problemas da economia brasileira, que persistia com baixo crescimento, elevadas taxas de desemprego e um processo hiperinflacionário persistente. Durante a Nova República, foi implementado o Plano Cruzado, de base heterodoxa, com o objetivo de controlar o processo hiperinflacionário, que não logrou êxito. Durante o Governo Collor de Mello foram elaborados dois planos econômicos que também não tiveram sucesso. Só em 1994, quando foi implementado o Plano Real, já no Governo Fernando Henrique Cardoso, se conseguiu a estabilidade de preços de forma consistente. Assim, ao longo de quase duas décadas, o planejamento governamental deixou de ser instrumento relevante para o processo de desenvolvimento do País. Os planos elaborados nas décadas de 1980 e 1990 com importância real para os governos eram de natureza essencialmente econômica. No entanto, a Constituição Federal de 1988 determinou, em seu artigo 165, que os governos deveriam apresentar um Plano Plurianual no primeiro ano do seu mandato. Em 1991, tem início a história dos PPAs.

3. Os Planos Plurianuais (PPAs) Os Planos Plurianuais são instrumentos de planejamento de médio prazo que devem ser elaborados a cada quatro anos pelo Governo Federal, conforme previsto no artigo 165 da Carta Magna de 1988. O PPA deve trazer as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública Federal que serão alvos dos esforços do governo durante um determinado mandato. O PPA define as prioridades do governo e é enviado pelo Presidente da República 26


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ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto do primeiro ano do seu mandato. Portanto, é implementado a partir do segundo ano do mandato e se estende até o primeiro ano da gestão seguinte, quando se elabora o próximo plano. Pretende-se, com tal periodicidade, evitar descontinuidades nas políticas públicas com a alternância dos governos e, ao mesmo tempo, permitir ao novo mandatário condições de discutir e organizar suas prioridades e metas. Constitucionalmente, além do planejamento e do orçamento, há também determinações para a execução do orçamento e para o controle ou auditoria interna e externa. Tais previsões constitucionais levaram a uma forma de organização do Estado que se traduz em um determinado formato de administração pública ou na conformação de uma legalidade e de uma materialidade institucional que as viabilizam. Sucintamente, o Estado brasileiro opera burocraticamente para cumprir as funções de planejamento, orçamentação, administração financeira e controle. Seus principais instrumentos são: • Planejamento: Planos Plurianuais (PPAs), instituídos por meio de lei; • Orçamentação: Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) que, como diz o nome, são leis votadas e válidas por um ano; • Execução orçamentário-financeira: Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs), que são leis anuais que definem como será elaborada e executada a LOA; • Administração financeira e contabilidade: Lei 4.320/64; Lei Complementar 101/00 (Lei de Responsabilidade Social) e vários outros dispositivos legais; • Controle: além das leis acima, são determinantes para o controle a Lei 8.112/90 (gestão dos servidores públicos federais), e a Lei 8.666/93 (gestão dos contratos com a administração pública). A Lei 10.180/2001 organiza e disciplina os sistemas de planejamento e orçamento, administração financeira, contabilidade e controle interno do Poder Executivo Federal – o controle externo é exercido pelo Poder Legislativo por meio do Tribunal de Contas da União. As leis que instituem os PPAs são acompanhadas de anexos nos quais são apresentados os programas da Administração Pública, que trazem um diagnóstico da situação a ser trabalhada, incluindo indicadores, seus objetivos e metas e a previsão dos recursos para os quatro anos. Em alguns planos, houve detalhamento das ações orçamentárias com produtos e unidades de medidas. A LOA segue os programas definidos no PPA e detalha as ações orçamentárias, indicando quais, quanto e como os recursos poderão ser gastos ao longo daquele ano. Os PPAs também apresentam uma estratégia de desenvolvimento para o País para os próximos quatro anos. Geralmente, esta estratégia é encaminhada ao Congresso Nacional na 27


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forma de Mensagem Presidencial ou Exposição de Motivos ao projeto de lei que institui o plano. Nessa estratégia de desenvolvimento também são indicados os principais desafios que o governo se propõe a enfrentar. Para além da estrutura, os PPAs precisam ser executados, o que demanda uma forma de administração ou de acompanhamento, correção, atualização e gerenciamento dos riscos do plano. Assim, são formulados modelos de gestão que apresentam os atores fundamentais, as responsabilidades institucionais, os mecanismos de monitoramento e avaliação, incluindo pontos de controle, e as avaliações parciais e finais.

3.1. Um pouco da história dos PPAs O primeiro Plano Plurianual foi o PPA 1991-1995, elaborado com o fim precípuo de cumprir a determinação constitucional prevista no art. 165, e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente Fernando Collor de Mello. O plano, instituído pela Lei 8.173/1991, trouxe diretrizes e objetivos gerais, metas, uma relação de projetos prioritários e um quadro de despesas, na forma de anexos à lei. Vale observar o apontamento para a abertura da economia brasileira ao comércio exterior, uma das ações que marcou o Governo Collor. A estrutura do plano era a mesma do orçamento, seguindo a organização administrativa do governo, por poderes, ministérios e órgãos. O segundo Plano Plurianual, que cobriu os anos finais da década de noventa, foi o primeiro a receber um nome: PPA 1996-1999 – Brasil em Ação. Criado pela Lei 9.276/1996, que continha apenas três artigos, apresentou a estratégia, as diretrizes, os objetivos e as metas do plano em anexo à lei, com detalhamento por setores. Cada um dos setores exibia um conjunto de ações prioritárias com objetivos e metas, seguidas de previsão de distribuição percentual para as cinco regiões do Brasil. O PPA do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso também identificou um conjunto de 42 empreendimentos prioritários que passou a ter um tratamento diferenciado, com vista ao aumento da eficiência e eficácia na execução dos projetos. Ao se estruturar setorialmente, e não mais segundo a estrutura administrativa do governo, e indicar uma carteira de projetos com gerenciamento específico, o PPA Brasil em Ação formou o embrião do modelo para os PPAs seguintes. O PPA 2000-2003 – Avança Brasil inaugurou um novo modelo de plano, lastreado no planejamento estratégico e baseado na ideia de organizar a atuação do governo a partir da identificação dos principais problemas a serem enfrentados (ou das demandas da sociedade que deveriam ser atendidas), assim como das oportunidades que deveriam ser aproveitadas, visando obter respostas para tais problemas e alcançar melhores resultados. No novo modelo, cada grande problema (ou demanda) dá origem a um programa, 28


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que é o conceito basilar da nova proposta. Os programas, portanto, têm objetivos a serem atingidos e, para eles, são definidos indicadores que devem ser capazes de medir os avanços e retrocessos em cada um dos quatro anos do Plano. Cada programa é formado por um conjunto de ações que são as respostas aos problemas, e nas quais os recursos financeiros do orçamento são alocados. No novo modelo, foi moldada uma forte ligação entre o PPA e a LOA. O plano e o orçamento passaram a usar a mesma linguagem: os programas e suas ações. Ou seja, os programas desenhados no Plano também foram adotados no orçamento, assim como suas ações foram classificadas em projetos (com início, meio e fim) e atividades (de caráter contínuo). Além de elo entre planejamento e orçamento, buscou-se, também, com o conceito de programa, criar uma unidade de gestão. A partir de avaliação positiva do modelo de gestão dos projetos prioritários do Brasil em Ação, a execução de cada programa foi delegada a um gerente responsável pela sua administração e seus resultados. Também foi selecionado um grupo de 54 programas considerados prioritários e, portanto, alvos de tratamento diferenciado. Criado pela Lei 9.989/2000, o PPA 2000-2003 também trabalhou com cuidado a parte estratégica do plano. Não obstante a parte tática - o fato de os programas terem assumido a centralidade do plano -, a orientação estratégica também inovou ao apresentar e detalhar macro-objetivos para o governo por áreas temáticas, e ao trazer uma preocupação sobre a territorialidade, abordando as diferenças, potencialidades, restrições e desafios das várias regiões do território nacional.2 O PPA Avança Brasil foi o primeiro que buscou colocar a estrutura legal-formal dos planos plurianuais a serviço do planejamento governamental como método de organização e atuação da Administração Pública à luz das prioridades do governo eleito. O primeiro Plano Plurianual do Governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PPA 20042007 – Plano Brasil para Todos: participação e inclusão seguiu o mesmo modelo do plano anterior, mas trouxe mudanças importantes, particularmente, em suas orientações estratégicas e na sua forma de elaboração, já que contou com a participação da sociedade civil. A inovadora estratégia de desenvolvimento estava baseada no chamado modelo de consumo de massa, que tinha na expansão das políticas sociais e no fortalecimento do mercado de trabalho dois pilares fundamentais. 2 Na Mensagem do PPA 2000-2003, o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (estudo que mapeou os problemas e as oportunidades das diferentes realidades regionais do país) permitem que se tenha essa visão estratégica e de longo prazo do Brasil. Ao analisar os problemas, vocações e potencialidades de crescimento de cada região, foi possível visualizar a sociedade brasileira sobre o território nacional e identificar os projetos necessários ao desenvolvimento sustentável do País num horizonte de oito anos. Não são projetos voltados para cada unidade da Federação em particular. São projetos para o Brasil. Empreendimentos que devem ser assumidos não só pelo governo federal, mas também por estados, municípios, iniciativa privada e sociedade civil organizada. Uma convocação à união de esforços para o desenvolvimento.

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O círculo virtuoso entre investimento e consumo, originado no aumento do poder aquisitivo das famílias trabalhadoras, depende da elevação dos salários reais e demais rendimentos diretos e indiretos por elas auferidos. A escassez de postos de trabalho e as demais falhas nos mecanismos de transmissão de aumento da produtividade a rendimentos dos trabalhadores significam, para o funcionamento do referido círculo, a necessidade de que o Governo pratique políticas sociais que compensem essas fragilidades. Por essa razão, as políticas de inclusão social e de redução das desigualdades, que têm como maior objetivo justiça social, são ao mesmo tempo indispensáveis à operação do modelo de consumo de massa (BRASIL, 2003, p. 19). A segunda mudança importante do PPA Brasil para Todos foi a introdução da participação social em seu processo de elaboração. Também de forma inovadora, foi o primeiro PPA com participação social no planejamento federal brasileiro. Foram feitos diálogos nacionais com entidades representativas da sociedade civil e realizados 27 Fóruns Estaduais de Participação Social no PPA. Além disso, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), instância com muito prestígio no governo à época, também discutiu o plano. O PPA 2004-2007 foi apresentado e debatido também com os secretários estaduais de planejamento em encontros nacionais e regionais. No entanto, uma articulação federativa que sustente um planejamento efetivamente nacional e uma harmonia entre os planos nacional e estaduais ainda permanece uma realidade distante. Instituído pela Lei 10.933/2004, o PPA 2004-2007 tinha como objetivo central a inclusão social. Estruturado segundo a lógica de programas e projetos de infraestrutura com gerenciamento diferenciado, o plano aprofundou a ideia do PPA Avança Brasil de integração plano e orçamento. A estrutura programática idêntica das duas peças (PPA e LOA) expandiuse para procedimentos como as revisões anuais do PPA, de modo a harmonizá-lo com as LOAs, o que levou o Plano a se fundir com o orçamento no nível tático-operacional. Isso resultou em excessiva burocratização do PPA e na predominância do orçamento sobre o planejamento.3 No último ano do PPA 2004-2007, durante o primeiro ano do segundo mandato do Presidente Lula, o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse programa, com características de plano, contemplava medidas institucionais e tributárias como a modernização do processo licitatório e a desoneração de tributos para alguns setores, assim como ações voltadas para a geração de emprego e renda, a exemplo da política de valorização do salário mínimo. Mas o foco essencial do PAC era a elevação dos investimentos públicos em obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética. 3 A integração plano-orçamento deu origem ao debate sobre um orçamento plurianual e pautou a revisão deste modelo na elaboração do PPA 2012-2015.

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“Pensado como um plano estratégico de resgate do planejamento e de retomada dos investimentos em setores estruturantes do país”,4 o PAC assumiu parte substantiva das atribuições do PPA 2008-2011, particularmente da área de infraestrutura, cujas propostas vinham desde o PPA 2000-2003 sendo construídas com base na metodologia de seleção de projetos prioritários para gerenciamento diferenciado. Enquanto na primeira gestão do Governo Lula o PPA foi um instrumento importante de planejamento, no segundo mandato o PPA perde relevância e o protagonismo passa a ser desempenhado pelo PAC. O PPA 2008-2011 – Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade, instituído pela Lei 11.653/2008, buscou incorporar as prioridades e metas previstas pelo PAC, mas não houve uma aderência plena. Assim, durante o segundo mandato do Governo Lula, ocorreu um paralelismo nos instrumentos de planejamento. A estratégia de desenvolvimento do PPA 2008-2011 foi apresentada como o somatório de três prioridades governamentais: o PAC; o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) elaborado pelo Ministério da Educação; e a Agenda Social formada por um conjunto de iniciativas da área social, com destaque para os programas de transferência de renda. Os programas permaneceram sendo o elemento organizativo central do Plano. A excessiva vinculação do plano ao orçamento foi amenizada com o fim das revisões anuais do PPA. Segundo Rezende, os dois PPAs do Governo Lula, apesar de uma grande mobilização de esforços para elaborar os dois Planos Plurianuais de sua gestão, que se esmeraram em propor um novo modelo de desenvolvimento comprometido com a questão social, tais planos continuaram carecendo de condições concretas para serem efetivamente implementados. (REZENDE, 2009, p. 19). Em 2010, o governo lança o Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2) para o período 2011-2014, com o mesmo objetivo central do primeiro de aumentar o investimento público em obras de infraestrutura social e econômica. O PPA 2012-2015 – Plano Mais Brasil: mais desenvolvimento, mais igualdade, mais participação, elaborado pelo Governo Dilma Rousseff, vem sendo executado com o mesmo dilema do plano anterior no que tange ao paralelismo com o PAC2. A experiência acumulada durante o segundo mandato do Presidente Lula na condução dos dois instrumentos de planejamento tem facilitado a gestão de ambos, não obstante a maior importância de um (PAC2), juntamente com o Plano Brasil sem Miséria5, em relação ao outro (PPA). O próprio PPA 2012-2015 traz a seguinte avaliação: “O exemplo mais completo do resgate do planejamento governamental foi o PAC, que conjugou diversas medidas necessárias à consecução das metas estabelecidas para além da garantia do orçamento” 6. 4 5 6

Programa de Aceleração do Crescimento. Disponível em: http://www.pac.gov.br. Informações sobre o Plano Brasil sem Miséria estão disponíveis em: http://www.brasilsemmiseria.gov.br. Plano Plurianual 2012-2015: Mensagem Presidencial. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/no-

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Instituído pela Lei 12.593/2012, o PPA 2012-2015, no nível estratégico, traz uma visão de futuro, seguida de um conjunto de valores que a sustenta, e uma estratégia de desenvolvimento pautada pela continuidade daquela seguida durante o Governo Lula. A trajetória recente da economia brasileira revelou que está em curso uma série de transformações importantes que delinearam uma nova realidade econômica e social do país. Desta forma, o grande desafio que se coloca no horizonte do PPA 20122015 é a continuidade ao padrão de desenvolvimento vigente e aprofundar os processos de melhoria da distribuição de renda e da riqueza, bem como da redução da pobreza. (BRASIL, 2011, p. 20). É importante destacar que, na lista dos 11 macrodesafios do plano, o oitavo consiste no fortalecimento da democracia e do estímulo à participação social – tema que já aparece nos valores da visão de futuro do plano. Por outro lado, o PPA atual buscou enfrentar algumas das dificuldades dos planos anteriores, particularmente a excessiva vinculação plano-orçamento que minimizava a relevância do seu nível estratégico e, segundo algumas avaliações, resultava em um orçamento plurianual. Para tanto, redesenhou-se os programas do plano que passaram a ser temáticos e não mais arquitetados a partir de problemas. Com isso, reduziu-se substancialmente o número de programas, que passaram para 65: 25 programas temáticos da área social; 15 da área de infraestrutura; 17 de desenvolvimento produtivo e ambiental; 8 programas especiais. No PPA anterior eram 306 programas: 217 finalísticos, 81 de apoio às políticas públicas e 8 de apoio às políticas do legislativo e do judiciário. Neste nível tático, portanto, ocorreu a maior e mais substantiva das mudanças. Os programas temáticos procuraram refletir as políticas públicas como elas estão organizadas, buscando retratá-las em níveis agregados. Cada programa temático se desdobra em objetivos, metas e iniciativas, sendo que os objetivos expressam o que deve ser feito por meio de um conjunto de iniciativas. Estas iniciativas identificam as entregas de bens e serviços à sociedade e serão realizadas pela execução de um conjunto de ações orçamentárias indicadas apenas nas Leis Orçamentárias Anuais. Assim, o PPA deixa de trazer ações, indo apenas até o nível tático e deixando o nível operacional apenas para a LOA. Dessa forma, ocorre a diferenciação entre plano e orçamento, com a delimitação das ações orçamentárias apenas no orçamento. As mudanças atuais seguem sendo implementadas com mais inovações, a exemplo dos Planos Orçamentários (PO) que deverão ser adotados com a aprovação da LOA 2013.

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4. Planejamento e Participação Social: Uma História Recente A efetiva participação da sociedade nos chamados negócios do Estado é elemento constitutivo da democracia moderna. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe vários dispositivos desse tipo de participação com o claro intuito de fortalecer o Estado Democrático de Direito. Além dos mecanismos de democracia participativa previstos no art. 14 da Constituição (plebiscito, referendo e iniciativa popular), há vários outros previstos ao longo do texto constitucional. São exemplos de mecanismos constitucionais de participação: os direitos fundamentais de acesso de todos à informação administrativa (art. 5o, XXXIII; art. 37, § 3o, inicio II; e art. 216, § 2º), que deram origem à Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação; o direito de participação dos trabalhadores em colegiados de órgãos públicos em que se discutam seus interesses (art. 10); o direito de qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato denunciar irregularidades ou ilegalidades perante os Tribunais de Contas (art. 74, § 2o); e a obrigatoriedade do sistema de seguridade social observar o caráter democrático e descentralizado da administração, numa gestão quadripartite (art. 194, VII). Além desses dispositivos, é importante destacar a determinação constitucional de participação social na gestão das políticas de saúde (arts. 197 e 198, III), assistência social (art. 204, I) e da criança e do adolescente (art. 227, § 1o), que deram origem aos primeiros conselhos de políticas públicas, paritários entre sociedade civil e governo e deliberativos. As políticas de educação (arts. 205 e 206, VI), cultura (art. 216, § 1o), meio ambiente (art. 225) e de recursos naturais em terras indígenas (art. 231, § 3o) também trazem previsões constitucionais de participação. A partir destas determinações da Constituição Federal de 1988 e de outras previsões legais, foram criados vários espaços e instrumentos de participação social no âmbito da Administração Pública. Os conselhos de políticas públicas e as conferências nacionais, por exemplo, são atualmente mecanismos de participação social plenamente incorporados à prática da gestão dos governos. Mas, além deles, a experiência brasileira de democracia participativa apresenta hoje um conjunto variado de processos, procedimentos e espaços institucionais de interação, participação e diálogo entre Estado e sociedade. Na última década, particularmente, durante os governos comandados pelo Partido dos Trabalhadores, adotou-se deliberadamente uma política de ampliação e fortalecimento dos conselhos nacionais de políticas públicas e de apoio e incentivo à realização de conferências nacionais sobre os mais variados temas. Neste período, foram criados vários novos colegiados em áreas de menor tradição de participação social, a exemplo da segurança pública e da comunicação, e realizadas um número sem precedentes de conferências nacionais temáticas. Entre 2003 e 2010, foram criados 19 conselhos e outros 16 foram ampliados. Neste mesmo período, foram realizadas 74 conferências nacionais, sendo que, desde 1941, quando aconteceu a 1ª Conferência Nacional de Saúde, ocorreram 115 Conferências no País (BRASIL, 2011). 33


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Pelo lado da sociedade, esses espaços participativos vêm sendo apropriados como parte de um processo de formação política e de amadurecimento das relações com o Estado. O fortalecimento da sociedade civil, ao mesmo tempo, implica na própria democratização do Estado, em especial no que tange à prática de uma governança democrática. No âmbito do planejamento governamental federal, como em outras áreas da Administração Pública Federal, só recentemente, a partir do Governo Lula, a participação social foi alçada à condição de elemento relevante para o processo, seus produtos e resultados. Nas esferas estadual e municipal, as experiências de participação social no ciclo de gestão chegaram primeiro, antes do nível federal. Foi nas gestões do Partido dos Trabalhadores na Prefeitura da cidade de Porto Alegre, nos anos 1980 e 1990, que aconteceram as primeiras experiências dos chamados Orçamentos Participativos,7 que deram origem à participação social no ciclo de gestão no Brasil. Cerca de 170 outras cidades e estados da federação passaram a replicar a proposta de Orçamento Participativo com graus variados de extensão do processo participativo e incorporação das demandas da sociedade civil. Como afirma Avritzer, “o sucesso dos processos participativos está relacionado não ao desenho institucional e sim à maneira como se articulam desenho institucional, organização da sociedade civil e vontade política de implementar desenhos participativos” (2008, p. 47).

4.1. A participação social nos PPAs Como apresentado nos dois primeiros capítulos, a história do planejamento governamental brasileiro, e não apenas dele, como também a do planejamento governamental em geral, não mostra um processo com tradição e longevidade em termos de participação social. No Brasil, trata-se de um processo recente e ainda com muitos desafios a serem enfrentados. Historicamente, o planejamento governamental esteve centrado nas mãos de especialistas, da chamada técnico-burocracia estatal. Somente na última década, a partir do Governo Lula, surgiu uma preocupação real de promover o planejamento governamental com participação da sociedade civil. Experiências anteriores de governos municipais conduzidos pelo Partido dos Trabalhadores influenciaram as decisões participativas no âmbito federal, aliadas ao compromisso e à vontade de manter os lastros populares e o apoio dos movimentos sociais aos governos petistas. O PPA 2000-2003, que antecede o Governo Lula, já trazia uma preocupação com a transparência da ação governamental e uma perspectiva de interação com a sociedade, porém a visão sobre o papel da sociedade estava centrada no exercício do controle social. O controle das ações de governo pela sociedade é a forma mais efetiva de impulsionar a mudança. Os programas do Plano 7 Sobre Orçamento Participativo, consultar: AVRITZER, L. e NAVARRO, Z. (Orgs.). A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003; e GENRO, T. e SOUZA, U. Orçamento Participativo: A experiência de Porto Alegre. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

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Plurianual e dos Orçamentos da União vão deixar claro para o cidadão quais problemas o governo está combatendo, que prioridade está sendo atribuída e quanto será gasto para isso.8 A participação social, entendida como parte fundamental da ideia e da prática de democracia participativa, teve início no momento de formulação do PPA 2004-2007. Os dois PPAs seguintes, igualmente vinculados a governos petistas,, implementaram da mesma forma algum meio de participação social nos momentos de sua elaboração. Quanto à participação em todo o ciclo de gestão, que abarca o monitoramento, as revisões e as avaliações dos PPAs, trata-se de uma experiência ainda não vivenciada. Entretanto, os processos participativos dos três últimos PPAs não seguiram exatamente o mesmo desenho, apresentando diferenças de forma, abrangência e intensidade, embora todos tenham acontecido por meio da representação de entidades e movimentos da sociedade civil. Assim, cabe discutir a representação das organizações da sociedade civil, ou sua potencialidade de traduzir a percepção e a vontade da sociedade em geral. O importante em relação a essa forma de representação é que ela tem sua origem em uma escolha entre atores da sociedade civil, decidida frequentemente no interior de associações civis... A diferença entre a representação por afinidade e a eleitoral é que a primeira se legitima em uma identidade ou solidariedade parcial exercida anteriormente. (AVRITZER, 2007, p. 457-458). O PPA 2004-2007 - Plano Brasil para Todos: participação e inclusão, que inaugurou os processos participativos na elaboração dos Planos Plurianuais, não por acaso traz “participação” no próprio nome. Por um lado, foi uma forma de responder a compromissos trazidos das urnas pelo novo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as organizações e os movimentos sociais. Mas, por outro lado, foi uma inovação e um desafio para a Administração Pública Federal, em especial para o corpo técnico-institucional responsável pela elaboração, monitoramento e avaliação dos Planos Plurianuais. O novo Governo afirmava que: “Tão importante quanto o conteúdo técnico do PPA é a democratização do processo, que possibilitará pensar, juntos, os caminhos para o desenvolvimento do país” 9 . A principal forma de materialização do processo de participação social foi a realização de Fóruns Estaduais de Participação Social. Entre maio e julho de 2003, foram realizados 26 fóruns estaduais e 1 distrital. Todos os fóruns contaram com a presença de pelo menos um ministro de estado representando a autoridade federal no processo. Participaram dos fóruns 2.170 organizações da sociedade civil, oriundas de movimentos de trabalhadores urbanos e rurais, de empresários de diversos setores, de diferentes igrejas, de entidades de gênero e raça, ambientalistas, da juventude, científicas e acadêmicas, dentre outras. 8 Plano Plurianual 2000-2003: Mensagem Presidencial, site institucional, disponível em: http://www.abrasil. gov.br/anexos/anexos2/index.htm. 9 Plano Plurianual 2004-2007: Histórico do PPA / Construir, juntos, um novo Brasil, site institucional, disponível em: http://www.planobrasil.gov.br/texto.asp?cod=14

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Os Fóruns Estaduais de Participação Social no PPA foram precedidos por diálogos nacionais ou por consultas feitas a organizações da sociedade civil de representação nacional, regional e temática sobre a estratégia de desenvolvimento de longo prazo proposta para o PPA 2004-2007. Nesses diálogos acordou-se que a mobilização dos Fóruns Estaduais seria feita pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG). Nos Fóruns Estaduais, além da apresentação da proposta do Ministério do Planejamento para o PPA 2004-2007, foram debatidos fundamentalmente os desafios da estratégia do plano. Ao longo de um dia, em cada Unidade da Federação, grupos de discussão debateram basicamente os originalmente 24 desafios da estratégia do PPA, organizados em torno dos 3 megaobjetivos do plano. Essa discussão, considerada a forma possível pelo Ministério do Planejamento, não parece condizente com as expectativas do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como expresso em saudação de vídeo apresentada na abertura de todos os Fóruns Estaduais. Orgulho por ser o primeiro presidente da República, em toda a nossa História, que decidiu compartilhar com a sociedade brasileira a responsabilidade pelo planejamento e pela construção do País que nós queremos... Quando decidi convocar a sociedade para debater o Plano Plurianual, foi por acreditar com muita convicção que o povo brasileiro quer construir um futuro melhor... O debate democrático que estamos propondo, na elaboração desse PPA, gira em torno de assuntos muito concretos, que vão decidir o nosso dia-a-dia, o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos. Os resultados dos Fóruns Estaduais foram consolidados em um relatório elaborado pela ABONG e entregue ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 14 de agosto de 2003. Concretamente, os Fóruns Estaduais resultaram na inclusão de 6 novos desafios no Plano e na revisão de outros 21. Além dos fóruns estaduais, o processo de participação social do PPA 2004-2007 também contou com debates setoriais com a sociedade civil em fóruns temáticos organizados pelos ministérios responsáveis pelos setores. Também aconteceram seminários nacionais sobre grandes temas, como política industrial, infraestrutura, segurança pública, desenvolvimento regional e ciência e tecnologia. A sociedade civil também promoveu vários debates sobre o PPA sem a participação do governo. Vale citar, ainda, a tentativa de incentivar a participação dos cidadãos por meio do site do PPA, que trazia um campo para comentários, críticas e sugestões dos internautas. No entanto, essa forma de participação não foi sistematizada nem incorporada ao plano. Sobre o desdobramento da participação social no ciclo de gestão, o PPA 2004-2007 36


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trouxe expressamente a proposta de participação social em todo o ciclo, alcançando, portanto, também o monitoramento, as revisões e as avaliações do plano. No entanto, a proposta não foi concretizada. Na Mensagem que encaminhou o PPA ao Congresso Nacional, constava: A participação da sociedade civil e dos governos estaduais e municipais não se encerra com o encaminhamento do PPA ao Congresso Nacional. Terá continuidade ao longo da implementação do Plano, para aperfeiçoá-lo e acompanhar regularmente sua execução. Portanto, é um processo contínuo, que pretende democratizar e qualificar a gestão pública, compartilhando a responsabilidade pelos projetos, pela avaliação e revisão participativa dos programas e do Plano. Por isso, o processo de planejamento participativo foi estruturado em dois ciclos: o primeiro, de elaboração do PPA; o segundo, de acompanhamento e aperfeiçoamento, quando da implementação. O PPA 2008-2011 teve um processo de participação social tímido no âmbito de alguns Conselhos Setoriais de Políticas Públicas. Foi o primeiro PPA das gestões petistas a conviver com um plano mais forte que ele, o PAC, e o primeiro a trazer no corpo da lei que o instituiu uma seção específica sobre participação. Seção IV - Da Participação Social - Art. 20. O Poder Executivo e o Poder Legislativo promoverão a participação da sociedade na elaboração, acompanhamento e avaliação das ações do Plano de que trata esta Lei. Parágrafo único. As audiências públicas regionais ou temáticas, realizadas durante a apreciação da proposta orçamentária, com a participação dos órgãos governamentais, estimularão a participação das entidades da sociedade civil. Art. 21. O Órgão Central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal garantirá o acesso, pela Internet, às informações constantes do sistema de informações gerenciais e de planejamento para fins de consulta pela sociedade. Parágrafo único. Os membros do Congresso Nacional terão acesso irrestrito, para fins de consulta, aos sistemas informatizados relacionados à elaboração, acompanhamento e avaliação do Plano Plurianual. (Lei 11.653, de 07 de abril de 2008) Não obstante o mandamento legal, a única medida voltada para a participação social durante a execução do PPA 2008-2011 foi a instituição de um Grupo de Trabalho (GT) criado por meio do Decreto de 1º de março de 2007, com a finalidade de elaborar proposta de 37


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participação social no acompanhamento da elaboração e execução do PPA, da LDO e da LOA. O GT, formado por membros governamentais e não governamentais, não chegou a um consenso, de modo que não houve desdobramentos ou efetivação da participação social no ciclo de gestão do plano. O Governo Dilma Rousseff buscou renovar a participação social no processo de elaboração do PPA 2012-2015 - Plano Mais Brasil: mais desenvolvimento, mais igualdade, mais participação, que volta a trazer participação no seu nome, mesmo tendo o PAC2 como instrumento prioritário de planejamento do governo, juntamente com o Plano Brasil sem Miséria. O modelo de participação social do PPA 2012-2015 foi desenhado com base nas avaliações dos processos anteriores. Decidiu-se que as discussões não ficariam restritas aos conselhos setoriais, mas também que não seriam realizados fóruns estaduais. Assim, o processo participativo consistiu, em um primeiro momento, em debates em quase todos os conselhos setoriais, incluindo a indicação de até 10 membros para participar do segundo momento do processo, um Fórum Interconselhos de Debate do PPA. O Fórum Interconselhos, de caráter consultivo, contou com a participação de conselheiros da sociedade civil de 33 conselhos setoriais e de 4 comissões nacionais de políticas públicas, totalizando cerca de 300 conselheiros participantes, além de mais outros 100 membros de movimentos e entidades da sociedade civil de caráter nacional. Durante o Fórum, foi apresentada a dimensão estratégica do PPA 2012–2015 (visão de futuro, valores e macrodesafios), o novo modelo do plano e uma visão preliminar da estrutura programática, ou seja, do rol de programas temáticos. Os participantes discutiram estes aspectos do plano, além de algumas questões regionais, apresentaram recomendações e sugestões e fizeram propostas para a construção do sistema de monitoramento e avaliação. Na ótica do governo, o I Fórum representou, além de oportunidade de exercício legítimo e imediato do poder popular, uma oportunidade para qualificar e legitimar o processo de planejamento governamental por meio da ampliação do debate, superando a concepção de que compete apenas aos detentores de mandatos eletivos e à burocracia profissional a condução dos negócios do Estado.10 Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), importante organização da sociedade civil que trabalha com monitoramento de políticas públicas, não se pode concluir pelo fracasso do processo, mas se pode 10 Citação do texto extraído do site: http://www.secretariageral.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2011/10/11-102011-sociedade-civil-debate-ppa-2012-2015-no-segundo-forum-interconselhos.

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refletir sobre a sua fragilidade... Ainda assim, aqueles dois dias foram muito proveitosos e permitiu um processo de troca entre os representantes da sociedade. Opiniões diferentes foram confrontadas, negociadas e resultaram boas sínteses. Proporcionaram boas reflexões entre os/as participantes. Resta agora uma grande expectativa de que o Governo Dilma realize o compromisso, firmado a partir do princípio da participação explicito no artigo 16 do texto do projeto de lei, que o Poder Executivo promoverá a participação da sociedade no processo de monitoramento dos programas do PPA 2012-2015.11 Portanto, de um modo geral, a avaliação do Fórum Interconselhos como espaço legítimo de participação social foi positiva. Uma enquete realizada pelos organizadores ao final do encontrou mostrou que 52% dos participantes consideraram que o Fórum Interconselhos atendeu às suas expectativas, total ou parcialmente (BRASIL, 2011). As discussões, considerações e recomendações do Fórum Interconselhos, que alcançaram praticamente quase todas as áreas do Plano, foram sistematizadas em um Relatório elaborado pelo Ministério do Planejamento (2011) e encaminhado aos conselhos e comissões nacionais. Além de informativo, o relatório serviu para subsidiar, validar e/ou aperfeiçoar as propostas dos ministérios e secretarias setoriais para o PPA 2012-2015, particularmente em suas discussões com seus respectivos conselhos de políticas públicas. Em outubro de 2011, promoveu-se uma segunda reunião “devolutiva” do Fórum Interconselhos, na qual foi apresentada aos representantes da sociedade civil uma sistematização das propostas que foram incorporadas ao plano e, também, daquelas que não o foram, junto com as justificativas. No total, a sociedade civil fez 629 sugestões à proposta de PPA apresentada pelo Ministério do Planejamento, tendo sido incorporadas, na avaliação do Ministério do Planejamento (2011), 96,7% delas, sendo 77,1% integralmente e 19,6% parcialmente.12 Vale, ainda, destacar que o fórum também iniciou o debate sobre a possibilidade do mesmo se tornar uma instância de monitoramento contínuo do plano, transformando-se em espaço para pactuações com a sociedade civil por meio da representação de conselheiros nacionais e de outros representantes de entidades da sociedade civil.

11 Disponível em: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2011/setembro/pariticipacao-social-no-ppa2012-2015valeu. 12 Diferentemente da primeira reunião do Fórum Interconselhos, que contou com a participação de cerca de 400 representantes da sociedade civil, a segunda reunião teve presença bem menor, mas foi transmitida via teleconferência de Brasília para 20 estados e, também, pela internet. Para acesso às informações, ver http://www.secretariageral. gov.br/art_social/forumppa/materiais-de-apoio/relatorio%20preliminar.pdf/view?searchterm=PPA

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4.2. Limites e desafios da participação social nos PPAs Os processos de participação social na elaboração dos últimos três Planos Plurianuais que aconteceram nos primeiros anos dos dois mandatos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 e 2007) e da Presidenta Dilma Rousseff (2011) certamente contribuíram para a democratização da Administração Pública Federal. Todas essas experiências incentivaram a ação colaborativa entre Estado e sociedade civil e, também, entre diferentes atores governamentais. Por isso, contribuíram para aumentar a qualidade dos planos, tornando suas prioridades, objetivos e desafios mais próximos dos anseios da sociedade para a qual , em última instância, devem estar voltados. No entanto, tais processos participativos tiveram limitações, gerando desafios a serem transpostos. Questionamentos sobre a pertinência ou validade da participação social existiram e existem, mas não são explícitos. No PPA 2004-2007, a principal crítica da sociedade foi a pouca consequência, tanto em relação às questões discutidas nos Fóruns Estaduais de Participação quanto em relação à sua continuidade para além do momento de formulação do plano. De fato, os aspectos da proposta de PPA (elaborada pelo Ministério do Planejamento) que foram discutidos com a sociedade foram muito restritos (apenas os desafios do plano) e não houve desdobramentos da participação social nas fases seguintes de revisão, monitoramento e avaliação. Quanto ao processo participativo do PPA 2008-2011, as críticas foram mais intensas, inclusive com interpretações de que não houve, de fato, participação. A programação foi discutida no âmbito de alguns conselhos setoriais, mas apenas naquilo que lhes dizia respeito e portanto, foi uma participação nem sistemática, nem ampla. Em relação PPA 2012-2015 em vigência atualmente, a avaliação da participação social no primeiro momento de elaboração foi positiva, particularmente em decorrência da retomada da participação que tinha perdido forças na elaboração do plano anterior. No entanto, há um novo contexto, e o PPA atual não tem a mesma força que o PPA 2004-2007, visto que divide a função de planejamento com o PAC2 e com Plano Brasil sem Miséria. Assim, o maior desafio no presente refere-se à desejável e necessária ampliação da participação social para além do momento de formulação do plano, estendendo-se para todo o ciclo de gestão do atual PPA. Dessa maneira, garantir-se-á o fortalecimento da democracia participativa com atendimento de pleito justo e antigo da sociedade civil. A criação de um instrumento e/ou de uma instância de interlocução entre Estado e sociedade nas fases de monitoramento, revisão e avaliação do PPA contribuirá para atualizar o alinhamento entre as ações do governo e as aspirações da sociedade. Além disso, permitirá que a sociedade busque garantir a execução das pactuações acordadas no momento de formulação do Plano, exercendo legitimamente o controle social das políticas públicas. O horizonte desejável ou, na linguagem do planejamento estratégico governamental, 40


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a visão de futuro consiste em tornar a participação social orgânica à Administração Pública, o que certamente trará benefícios para o Estado e a sociedade.

5. Conclusão A Administração Pública Federal brasileira parece ter alcançado, na atualidade, um grau de maturidade que a torna capaz de reconhecer na democratização dos Planos Plurianuais um elemento de revigoramento do planejamento governamental. Trata-se de identificar nos processos participativos um atributo de valorização da credibilidade do planejamento governamental, que deve estar voltado para a sociedade, com transparência e capacidade contributiva para a consolidação da cidadania e do desenvolvimento sustentável do País. O planejamento governamental é uma função do Estado que tem por finalidade construir uma estratégia alinhada a uma visão de futuro capaz de afirmar, no presente, escolhas de futuro que resultem no desenvolvimento do País, entendido não apenas como produção de riquezas, mas também e, essencialmente, como garantia de bem-estar, cidadania e democracia. O planejamento explicita os compromissos dos governos com a sociedade: o que será feito, como será feito e quais os recursos que serão mobilizados. O PPA, como instrumento basilar do planejamento governamental federal (legal e burocraticamente) é, portanto, uma peça importante para a accountability (PERUZZOTI, 2011 e O’DONNELL, 1998). Os PPAs apresentam os objetivos, políticas e metas com as quais os governos se comprometem e que, portanto, tornam possíveis cobranças e avaliações por parte da sociedade em geral (nas eleições e nas mídias), favorecendo a accountability vertical. Ademais, o monitoramento e as avaliações dos PPAs são formas de prestação de contas dos governos e instrumentos essenciais para o controle horizontal exercido no âmbito da própria Administração Pública e dos Poderes Legislativo e Judiciário. O PPA, por ser um instrumento que pretende atender às demandas da sociedade, precisa necessariamente ouvir suas críticas e contribuições por meio de canais de participação social, além de serem necessariamente e imprescindivelmente submetidos à aprovação do Congresso Nacional. A participação social em todo o ciclo de gestão dos Planos Plurianuais certamente concorre para seu sucesso e enriquece o processo de planejamento, tornando-o mais responsivo e transparente. As experiências de participação social nos PPAs não seguiram uma evolução linear, como não é linear a história, e, até o momento, ficaram restritas aos momentos de elaboração dos Planos. Caso não ocorra uma ampliação dessa participação para todo o ciclo de gestão que alcance as fases de monitoramento, revisão e avaliação, preferencialmente no atual PPA 2012-2015, seguir-se-á uma quebra de expectativas por parte da sociedade civil em relação aos processos participativos nos PPAs. É fundamental para a credibilidade dos processos participativos no planejamento 41


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governamental federal que a execução dos PPAs, a começar pelo atual, seja acompanhada pela sociedade civil, por meio de mecanismos e instrumentos que permitam o monitoramento e a avaliação da sua estratégia de desenvolvimento, dos seus programas e metas, indicando e sendo ouvida em nas suas críticas e sugestões de ajustes e correções, de modo a garantir o cumprimento das pactuações e resultados esperados. Tornar o Fórum Interconselhos instância de caráter permanente, com encontros regulares, e dotá-lo de estrutura para funcionamento, como sugerido pelos representantes da sociedade civil em seus dois encontros ocorridos em 2011, parece ser um bom começo. Todavia, é importante destacar a peculiaridade e a relevância do momento de elaboração dos PPAs. É neste momento, que sempre acontece no primeiro ano dos mandatos presidenciais, que são definidos os rumos e os compromissos dos governos para os próximos quatro anos, configurando um tempo de grandes debates, com a proliferação de proposições e a geração de um processo rico e efervescente de estudos e reflexões – despertando, inclusive, o maior interesse pela participação. Por outro lado, é importante destacar também que, na atualidade, para dar consequência à participação social no âmbito do planejamento governamental federal, além da sua extensão para todo o ciclo de gestão do PPA, é necessário que se alcance também o PAC2 e o Plano Brasil sem Miséria. Outro aspecto relevante do momento atual refere-se à mudança introduzida pelo novo modelo do PPA 2012-2015 que, ao não trazer mais ações orçamentárias - deixando-as apenas para as LOAs -, engendrou um elemento novo para o processo de participação social no ciclo de gestão, pois induz mudanças também no Orçamento Federal. Tal como aconteceu com os programas do PPA que foram agregados em grandes programas temáticos, o Ministério do Planejamento está propondo para as LOAs, a partir de 2013, a agregação das ações orçamentárias, que passariam a ser detalhadas em Planos Orçamentários (POs). Os POs não constarão nas LOAs, tornado o orçamento mais ágil e facilitando sua execução, pois são instrumentos gerenciais dos gestores sob a responsabilidade do Ministério do Planejamento. Estas mudanças propostas para as LOAs despertaram preocupações na sociedade civil, que teme pela perda de transparência do orçamento. Assim, em junho de 2012, cerca de 70 entidades e organizações da sociedade manifestaram, por meio da Carta Aberta pela Democratização e Transparência no Orçamento Público13, seu descontentamento e suas críticas às mudanças propostas pelo Ministério do Planejamento. Segundo elas, tais mudanças levariam à perda de transparência do orçamento em favor de melhorias de caráter gerencial, além de concentrar o poder nas mãos dos gestores. Afora toda a riqueza da discussão sobre transparência versus eficiência, para o debate sobre participação social sobressai o prelúdio de um processo participativo no momento de formulação da LOA. Este processo inédito e incipiente aponta positivamente para o 13 Disponível em: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2012/junho/carta-aberta-ao-governo-federal-e-ao-congresso-nacional-pela-democratizacao-e-transparencia-do-orcamento-publico/view.

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fortalecimento da participação social no planejamento e orçamentação do Governo Federal. Com ele, abre-se a possibilidade de avançar para além do ciclo de gestão do PPA (elaboração, monitoramento, revisão e avaliação dele mesmo) e alcançar a dimensão seguinte do sistema que ordena as finanças públicas no Brasil, a orçamentação. Embora as demais dimensões ainda não tenham sido sensibilizadas, um novo elemento democratizador está sendo introduzido no “núcleo duro” da técnico-burocracia federal, e poderá modernizar e aperfeiçoar o árido sistema de planejamento, orçamentação, administração financeira, contabilidade e controle. Em suma, apesar de o sistema governamental de planejamento estar construído sob uma necessária racionalidade técnico-burocrática, há, hoje, de sua parte e da sociedade, o reconhecimento da sua insuficiência para a garantia dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Para além da tensão entre o espaço formal-burocrático e o espaço participativopolítico na prática da função planejamento, a participação social e a transparência são ingredientes que a tem modernizado e democratizado.

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Resumo Este trabalho descreve as experiências de planejamento do Governo Federal desde o Estado Novo até os dias atuais, tendo como foco a participação social nos Planos Plurianuais (PPAs), seus limites e desafios. Ao identificar e analisar os primeiros processos participativos introduzidos nos últimos três PPAs (2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015), qualifica suas contribuições para a função de planejamento do Estado, aponta as diferenças entre os planos e discute suas perspectivas de longevidade e institucionalidade. Os PPAs, assim como as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) e as Leis Orçamentárias Anuais (LOAs), são determinações constitucionais cujo cumprimento envolve uma complexa racionalidade técnico-burocrática, sempre permeada por conflitos, o que os tornam instrumentos pouco amigáveis ao diálogo com ‘não especialistas’. Os processos de participação social nos PPAs são, portanto, percebidos como importantes meios de modernização e transparência da Administração Pública. O presente estudo conclui pela importância do enfrentamento dos desafios postos à continuidade e vitalidade dos PPAs. Além disso, discorre sobre como avançar para todo o ciclo de gestão dos planos (elaboração, monitoramento, revisão e avaliação) e alcançar as dimensões seguintes dos sistemas de orçamentação, administração financeira e controle. Palavras-chave: planejamento, plano plurianual, PPA, participação social, democracia e transparência.

Valéria Rezende de Oliveira é economista e tem mestrado em Administração Pública pela EBAP/Fundação Getúlio Vargas. Desde 1997 é Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Ocupou vários cargos técnicos no Governo Federal e atualmente está na Casa Civil da Presidência da República.

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ARTICULAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: O CASO DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

Celia Maria Farias Vieira Introdução As competências legislativas da capital federal, por 28 anos de sua história, foram exercidas pelo Senado Federal. A Comissão do DF era composta por senadores de outros estados, que não conheciam a realidade e as necessidades da população local, o que gerava forte indignação de vários segmentos da sociedade brasiliense, que reivindicava representação política. No bojo do processo de redemocratização do Brasil, a luta pela autonomia política ganhou novo fôlego e, na Constituição de 1988, os cidadãos de Brasília conquistaram o direito a uma câmara distrital. Assim, em 1991, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) foi instalada, acumulando prerrogativas dos parlamentos municipal e estadual. As forças conservadoras predominaram em todas as legislaturas da CLDF, repercutindo, no âmbito desse Poder, os métodos do fazer político tradicionais, patrimonialistas e fisiologistas observados no Poder Executivo. Como afirma Testa: o jogo político é, em síntese, a disputa pela captura dos Poderes Executivo e Judiciário e ocorre cotidianamente no Parlamento. Por isso a disputa pelo mandato é sempre intensa e, no Brasil, funciona subordinada ao poder econômico. Esse ciclo, na política local, é vicioso porque não visa o bem comum, mas sim a satisfação de interesses pessoais e econômicos específicos. ”(TESTA , 2007, p. 1, grifo nosso) Em sua curta existência, a Câmara Legislativa tem uma história bastante comprometida por uma seqüência de escândalos que tiveram seu ápice na grave crise política e institucional provocada pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. Ela desbaratou a existência de um forte esquema de corrupção, revelando a profunda promiscuidade entre o público e o privado na capital. O Brasil assistiu a vídeos vergonhosos com o presidente da Casa e alguns parlamentares literalmente embolsando dinheiro. A situação era gravíssima, pois a maioria dos parlamentares estava sob suspeita. A 5ª Legislatura (2006-2009) foi considerada praticamente perdida: três deputados presos, uma parlamentar cassada, e três que renunciaram para escapar do processo por quebra de decoro (CAMPOS E MADER, 2010). O grau de desgaste do Poder Legislativo levou alguns formadores de opinião a questionar a autonomia do DF, classificando-a como um grave erro da Assembleia Constituinte de 1988 (SANTAYANA, 2010). Em contraposição, alguns reagiram com igual ênfase, reafirmando 47


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sua manutenção e propondo novas iniciativas e espaços para que a sociedade civil possa cobrar e participar da vida política da cidade (CAPELA, 2010). A tabela 1 apresenta o histórico das taxas de renovação bruta1 da CLDF em comparação às assembléias de Tocantins, também criada em 1988, de MG e de SP, além da taxa média registrada no Brasil. Observa-se que, enquanto nos demais estados e no Brasil a taxa de renovação cai com o passar do tempo, no DF ela aumenta e permanece em patamares mais elevados que as demais. Vários fatores podem explicar tal dinâmica, mas certamente não se pode ignorar a sinalização da sociedade distrital quanto à qualidade de seus representantes.

As eleições de 2010, pós-Pandora, promoveram uma renovação menor do que a esperada, com 14 novos parlamentares, sendo que três deles já haviam exercido mandatos anteriores. Dos dez parlamentares reeleitos, quatro estavam envolvidos no escândalo Caixa de Pandora, e foram denunciados em 2012 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sendo que um deles perdeu o mandato por abuso de poder econômico e compra de votos. Mas a resposta do eleitorado a todo o desgaste dos integrantes do Legislativo se deu especialmente pela expressiva elevação no percentual de abstenções, que passou de 13,9%, em 2006 para 18,3%, em 2010, conforme o TSE. No início da 6ª Legislatura, a CLDF encomendou pesquisa por amostra de domicílios2, que evidenciou a Câmara como uma instituição importante, mas sem credibilidade e mal avaliada pela população. Tanto em relação à transparência e à percepção das necessidades da população, quanto em relação à avaliação dos deputados como representantes dos interesses da população, os resultados foram negativos, recebendo o conceito ruim/péssimo de mais de 40% dos eleitores. Tais 1 Taxa de Renovação na Composição da Representação Legislativa (Valores Não Ponderados) – Modo 1: (DESIST + DERROT) x 100. ( TOT ) 2 Pesquisa realizada pela EXATA OP - Opinião Pública Amostra: 3255 residências, Período da coleta: 09 a 14/02/2011, Margem de erro de 2,3% e intervalo de confiança de 95,5%.

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dados evidenciam a distância da instituição dos seus representados. Em conformidade com Anastasia e Azevedo (2002), citados por Castro, “[d]estituída de instrumentos institucionalizados para apresentação de preferências nos interstícios eleitorais, a maior parte dos cidadãos encontra-se em situação de desigualdade de recursos políticos para implantação de sua agenda” (CASTRO, 2008, p. 26). Esse é o cenário em que o cidadão brasiliense se encontra, pois ainda não é um ator com papel qualificado no período entre as eleições, já que os mecanismos institucionais de transparência, prestação de contas e vocalização de preferências na Câmara Legislativa estão muito limitados. No Brasil, no processo de ampliação dos espaços democráticos, surgiram várias experiências de democracia participativa e de articulação entre esta e a democracia representativa o que contribuiu para o fortalecimento da legitimidade dos poderes e da soberania popular. Vale lembrar que entre as tendências de desenvolvimento do Legislativo no Brasil e no mundo, destaca-se a “institucionalização de procedimentos e ferramentas de interação com a sociedade, visando o incremento da capacidade de resposta às demandas da sociedade e a melhoria na prestação de contas.” (MACROPLAN, 2009, p. 6). A adoção de mecanismos institucionais de interlocução com a sociedade e vocalização de preferências dos cidadãos no âmbito do Poder Legislativo possibilita a explicitação das demandas, prioridades e divergências e pode avançar na construção dos consensos e influenciar a produção legislativa. Segundo Anastasia (2001), esses mecanismos alteram a distribuição de recursos entre representantes e representados, o que aumenta o grau de responsiveness e accountability do Parlamento perante o cidadão. Ao mesmo tempo, representam também certo nível de compartilhamento de responsabilidade com essas instâncias: “[...] pode-se conceber a operação simultânea das arenas participativas e do Poder Legislativo como um arranjo de responsabilidades difusas de deliberação e de controle público” (ANASTASIA e INÁCIO, 2006, p. 11). De acordo com Henriques (2009), a comunicação para a mobilização social assume um papel estratégico no aprofundamento das relações entre democracia representativa e participativa. Henriques reforça a necessidade de estimular a participação dos sujeitos através de diversos meios de convocação e de provocar nos participantes o sentimento e o vínculo da corresponsabilidade, além da necessidade de administrar estrategicamente os meios para gerar identificação do cidadão com o projeto institucional. Nesse sentido, apresenta oito critérios para análise, em escala, que podem ser aplicados a uma segmentação de públicos próprios de cada projeto institucional, e que podem caracterizar a natureza e a força dos vínculos entre o poder legislativo e os cidadãos. A Figura 1 explicita esses critérios numa linha progressiva:

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Figura 1- Linha Progressiva de Critérios de Análise

Tais critérios permitem entender a criação, a manutenção e o fortalecimento dos vínculos com os projetos participativos institucionais na arena parlamentar, processo que deve ter em seu bojo o uso da comunicação para a mobilização social. O propósito deste artigo, portanto, é de apresentar um diagnóstico analítico dos canais de comunicação, de transparência e, especialmente, de interação da CLDF com os cidadãos brasilienses, e as perspectivas que estão dadas a partir da 6ª Legislatura. Em seguida, são apresentadas experiências exitosas de outros parlamentos, com ênfase na Assembléia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara dos Deputados, referências na temática da interação. À luz desses elementos, são apresentados alguns desafios e propostas para o desenvolvimento institucional da CLDF, sintetizando a reflexão presente no decorrer do artigo.

1. Canais de Transparência, Comunicação e Interação da CLDF e Perspectivas A Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) incorpora a participação dos cidadãos por intermédio do voto e através do referendo, plebiscito ou iniciativa popular. Referendos e plebiscitos - são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. A regulamentação federal de tais institutos se deu através da Lei 9.709/98 que, sofreu várias críticas, pela timidez em relação à ampliação do exercício da soberania popular e a não regulação de aspectos relacionados à viabilidade da aplicação da democracia semidireta no país, sendo praticamente uma cópia das disposições constitucionais sobre o assunto, sem maiores detalhamentos (AUAD, s.d, p.1). No âmbito distrital, a LODF, em seu art. 60, define como competência privativa da CLDF a autorização de referendo e a convocação de plebiscito, mas, até 2012, não houve regulamentação sobre o tema. Ao longo da história da CLDF, quatro projetos visaram à sua regulamentação e seis propuseram a realização de plebiscito sobre temas específicos, mas não foram apreciados. Para Garcia (2004), tais institutos enfrentam no Brasil resistências. 50


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De um lado, aspectos estruturais como as desigualdades sociais e os limites colocados pela cultura são obstáculos ao incremento da participação popular. De outro, a própria autorização legal para seu exercício que, no mais das vezes, cria obstáculos formais intransponíveis. (GARCIA, 2004, p.4). Se tais argumentos parecem ter algum nível de procedência, ambos são passíveis de mudanças. O necessário aperfeiçoamento das regras normativas deve estar articulado à perspectiva de ampliar os níveis gerais de educação política no processo de implementação de tais institutos, a partir de um desenho democrático de informação e de debate. Iniciativa popular é o direito dos eleitores de apresentar uma proposição legislativa para apreciação do Poder Legislativo mediante o cumprimento de certos requisitos. Segundo Dallari (1989), deve-se destacar o efeito mobilizador e conscientizador que todo trabalho de coleta de assinaturas terá, provocando o debate de assuntos de interesse público. Diferentemente da Constituição Federal, que limita o poder de iniciativa popular à proposição de projetos de lei, a Lei Orgânica vai além, admitindo a possibilidade de iniciativa popular também na proposição de emenda visando alterar a LODF, conforme art. 70. Para o exercício desse direito, é exigido como patamar mínimo de 1% de eleitores assinantes, 18.479 assinaturas em 2012, distribuídos em pelos menos três zonas eleitorais, com pelo menos 0,3% do eleitorado em cada uma. Já para o oferecimento de projeto de lei de iniciativa popular, os requisitos são quase os mesmos, mas não é exigida a regionalização das assinaturas. Muito se questiona se os percentuais propostos inviabilizam ou limitam sobremaneira a apresentação de tais proposições. Mas, pelo menos no caso da capital federal, tal exigência não parece ser um limitador significativo. O projeto de lei da ficha limpa teve, só no DF, 53.681 assinaturas.3 O primeiro projeto de iniciativa popular apresentado à CLDF, o PL nº 1522/1996, contou com 16.280 assinaturas, 1,67% dos eleitores do DF. O Regimento Interno da CLDF, em seu art. 236, estabelece a tramitação em regime de urgência para tais projetos e assegura sua defesa por um representante dos autores. No entanto, define que cabe à Mesa Diretora verificar se foram cumpridas as exigências regimentais. Isso praticamente inviabiliza as iniciativas populares, pois a Casa não tem meios para checar autenticidade das assinaturas, numeração do título de eleitor etc. Somente em 2012 foi apresentado um projeto de lei visando a regulamentar as lacunas e inconsistências presentes, o PL n° 948/2012. Por outro lado, a população do DF e suas entidades representativas, na ausência de sua efetividade, protocolaram apenas dois projetos de lei de iniciativa popular, sendo eles o PL n° 1522/1996, prejudicado e já arquivado, e o PL n° 1102/2008, em tramitação, mas paralisado desde março de 2009, segundo o portal da CLDF. É bom lembrar, também, que a Câmara Legislativa não conta com uma Comissão 3

Disponível em: http://www.cefep.org.br/divulgacao/mcc_faz_balanco_ficha_limpa. Acesso em 10/06/2012

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de Legislação Participativa, que poderia acolher várias dessas iniciativas, minorando o problema. Já a Constituição Estadual de MG estabelece, em seu art. 67, que a iniciativa popular para apresentação de projeto de lei tem como requisito a subscrição de, no mínimo, 10 mil eleitores do estado, que representava em 2012 apenas 0,07% do total de eleitores, em lista organizada por entidade associativa legalmente constituída, que se responsabilizará pela idoneidade das assinaturas, sendo que no máximo 25% poderão ser de eleitores alistados na capital do estado. Ao estabelecer um número fixo de subscritores, a legislação mineira aumenta a cada ano as facilidades de apresentação de pl’s de iniciativa popular, além de agilizar a verificação do cumprimento legal ao repassar essa responsabilidade às entidades associativas. Mas, também nesse estado é um instituto pouco usado, pois apenas 05 pl’s de iniciativa popular foram apresentados.4 Audiências públicas - A LODF prevê a realização de audiências públicas com entidades representativas da sociedade civil no âmbito das comissões permanentes e temporárias (art.68 § 2º inciso II). As audiências são um importante espaço de vocalização das preferências dos cidadãos no período entre as eleições. Em tese, têm como objetivo o debate de problemas, troca de informações, de ideias, de construção coletiva de soluções etc. Devem propiciar o acesso às mais variadas opiniões e ser um momento privilegiado de efetivo debate dos deputados, coletivamente com os eleitores de Brasília, gerando proposições legislativas, ações de fiscalização ou iniciativas de representação junto ao Poder Executivo e/ou ao Poder Judiciário. Por isso, na Lei Orgânica e no Regimento Interno, os legisladores estabeleceram sua realização como competência das comissões permanentes e temporárias. No entanto, na CLDF a realidade se apresenta de forma diferenciada. Mesmo não havendo previsão regimental para a realização de audiências públicas por parte dos deputados, a interpretação dada ao art. 135, inciso I, a equipara às sessões solenes ou comissão geral, que podem ser realizadas a partir de requerimento assinado por pelo menos três deputados, entendendo-se que o primeiro parlamentar a assinar é o responsável pelo evento. Segundo o portal da CLDF, de fevereiro de 2011 a junho de 2012 foram realizadas 155 audiências públicas, das quais as comissões permanentes foram responsáveis por apenas 20 (12,9%), sendo quase todas de caráter obrigatório. Se comparado com igual período na legislatura anterior (fevereiro de 2007 a junho de 2008), quando foram realizadas 118 audiências públicas, observa-se um incremento de 31,4%. Na atual legislatura, enquanto o número de audiências de iniciativa de comissão caiu 54,5%, o de iniciativa de apenas um parlamentar apresentou crescimento de 108,3%. De modo geral, tais audiências têm caráter diferenciado do previsto no RI, pois muitas vezes o parlamentar propositor é o único a participar do evento, limitando seu papel. Além disso, nem sempre se apresentam posições controversas, o que em várias situações limita o debate de ideias. O gabinete é o responsável 4 Um projeto virou lei, um foi arquivado, um está pronto para a ordem do dia e dois estão anexados e em tramitação - Portal da ALMG.

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pela divulgação, além do portal da CLDF, e geralmente o faz dirigindo-se à sua base, o que compromete em algum nível o caráter público da audiência. Ressalte-se que 70% das audiências realizadas no 1º semestre de 2012 são de autoria de apenas 5 parlamentares. Apesar de seus limites no processo de reflexão e escuta da população, dada a sua curta duração, é preciso resgatar o caráter coletivo e gerador de resultados do debate no Legislativo, ao encontro do interesse público. Uma regulamentação dirigida a tais objetivos e a adoção de estratégias de comunicação pública para a mobilização dos públicos diversos, certamente contribuirão para o exercício da participação social. A Constituição Estadual de MG, em seu art.60, § 2º, estabelece entre as competências das comissões a realização de dois tipos de audiências: as audiência pública com entidade da sociedade civil, realizadas pelas Comissões, mediante proposta de qualquer membro ou a pedido da entidade interessada, constando a indicação da matéria a ser tratada e das pessoas a serem ouvidas, que visam instruir matéria legislativa em trâmite; e as audiência pública em regiões do estado, que visam subsidiar o processo legislativo, mas especialmente o processo de planejamento e orçamento. Vale lembrar que a Constituição Estadual prevê, em seu art. 155 §5º, que a LDO fixará percentual não inferior a 1% da receita orçamentária corrente ordinária do estado para tais prioridades, com garantia de execução e pagamento no mesmo exercício, sob pena de responsabilidade. Tal artigo transforma parte do orçamento, que no Brasil é de natureza autorizativa, em impositivo, tornando, portanto, efetivas as demandas regionais. Segundo o deputado André Quintão, “Hoje, na Assembléia de Minas, quem discute e quem tem o protagonismo sobre a discussão do orçamento não é só a Comissão de Orçamento, é a Comissão de Orçamento mais a Comissão de Participação Popular” (BRASIL, 2011, p. 8). Mecanismos que contribuem com o processo de interação da CLDF com a sociedade: Comunicação social - uma das atribuições da Mesa Diretora é a aprovação do Plano de Comunicação Social da Câmara Legislativa. Mas, atualmente, é aprovado apenas um Plano de Mídia5 para cada ano, uma estratégia limitada, que não contempla a comunicação para a mobilização social. A expectativa é de que ocorram mudanças em 2012, pois consta dos Objetivos Gerais da CLDF: [a]perfeiçoar o diálogo e a interação da CLDF com os segmentos representativos da sociedade do Distrito Federal, com transparência no processo legislativo, em seus atos de gestão organizacional e na defesa de suas prerrogativas legais e institucionais. (CLDF, 2012, p. 1). A situação de alguns espaços de comunicação e interação na CLDF é apresentada a seguir, comparada eventualmente com a experiência da ALMG e da Câmara dos Deputados. 5

Ato da Mesa Diretora nº 56/2011, DCL de16 de maio de 2011.

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TV Distrital - Foi implantada em 2005, através de canal de TV fechada, com transmissão limitada ao Plenário da Casa. Cabia à Coordenadoria de Comunicação Social - CCS sua supervisão, mas a produção e a execução eram terceirizadas. No entanto, desde agosto de 2010 está fora do ar, aguardando nova licitação. Rádio Distrital - A CLDF nunca contou com uma rádio própria. Jornal da CLDF – Circulou por algum tempo, mas também deixou de ser publicado. Diário Oficial da CLDF – Somente a partir de janeiro de 2011, o DCL passou a estar disponível em meio eletrônico, até então era apenas impresso. Ouvidoria - Serviço de atendimento ao cidadão, por meio do 0800 e e-mail. Sua atuação é extremamente limitada, tendo pouco mais de mil acessos por ano, porque a população não conhece esse canal de serviço. Também houve descontinuidade no serviço, com o fim do contrato com a operadora de telefone e nova licitação está sendo aguardada. O cargo de ouvidor é ocupado por um deputado distrital, enquanto na ALMG a Ouvidoria Parlamentar é composta de um ouvidor-geral e um substituto, nomeados pelo presidente. Portal da CLDF - Até junho de 2012, a CLDF contava com um portal bastante limitado, o que é ainda mais grave, considerando que nos últimos anos foi o único meio disponível de acesso à informação. A partir de pesquisa realizada por Braga (2007)6, é possível analisar o caso da CLDF comparando-a à Câmara dos Deputados e à ALMG, o que permite uma avaliação em fevereiro de 2007. Braga (2007) elenca sete dimensões para a avaliação dos portais: 1. Informações gerais/Navegabilidade - Informações básicas ao público mais amplo. Nesse quesito, o portal da CLDF se destaca. Com um índice de 85%, se situa em patamares próximos aos da Câmara dos Deputados (95%) e da ALMG (90%), contando com a presença de requisitos básicos, como mapa do site ou mecanismos de busca de todo o conteúdo do portal, o que facilita a navegação e a busca de informações. 2. Centros Decisórios - A CLDF apresenta um desempenho positivo em relação às informações sobre a Mesa Diretora (95%) e Plenário (80%), mas extremamente negativo no que se refere às informações relativas às comissões (22,5%), diferentemente do observado na Câmara dos Deputados (100%) e na ALMG (95%), o que torna sua média neste quesito muito baixa (53,6%). Para Borges (2009), a atuação das comissões como instância inicial de análise de proposições era muito limitada. Os projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo nem sempre passavam pela análise das comissões: 6 Pesquisa sobre a informatização dos órgãos legislativos sul-americanos e brasileiros com intuito de fornecer evidências que permitam uma avaliação mais precisa e empiricamente fundamentada do nível de transparência atingido por esses órgãos legislativos em sua interação com os vários atores sociais.

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na prática, verificamos um sistemático descumprimento dos prazos, tornando-se quase uma rotina, principalmente os referentes à emissão de parecer pelo relator e inclusão de matéria na pauta de reuniões das comissões, bem como na ordem do dia das sessões plenárias. A não observância, pelas comissões, dos aspectos constitucionais e legais, contribui para que algumas proposições inconstitucionais sejam aprovadas por aquela Casa (BORGES, 2009, p 54). O desempenho legislativo também gerou muita frustração. “Em 2006, o MPF considerou que, das 287 leis aprovadas pela Câmara Distrital, 207 eram inconstitucionais” (SANTAYANA, 2010, p.1). Vale lembrar que esse quadro tem mudado substancialmente, mas o histórico de leis declaradas inconstitucionais até outubro de 2012 - 445 leis ordinárias e 300 leis complementares -7 ainda reflete a situação passada. 3. Parlamentares - Bancada, informações biográficas, perfil de cada parlamentar e atuação parlamentar. Nessa dimensão, a média da CLDF é baixa (60%), principalmente pela limitadíssima informação sobre a atuação dos parlamentares (25%). 4. Processo decisório -- Nos itens elencados, “sinopse” (25%), “íntegras” (43,3%) e “orçamento” (15%), a situação da CLDF é muito frágil, com média de 27,8%. 5. Relação com o público - Modalidades de interação “vertical” com o público e de disponibilização ao mesmo de informações sobre o funcionamento parlamentar, que transcendam o processo legislativo stricto sensu: Ouvidoria/Conselho de Ética; Escola do Legislativo; Comunicação e Mídia (publicações, rádios e TV on-line etc.); Interatividade; Atividades Culturais. A média da CLDF nessa dimensão é de apenas 29%, muito abaixo dos percentuais da Câmara Federal (82%) e da ALMG (75%), demonstrando a pouca permeabilidade à participação social através do portal. 6. Administração -- A transparência do processo administrativo na CLDF é ainda muito deficiente, com índice médio de 43% nessa dimensão. 7. Integração em rede com outros órgãos e atores do sistema - O desempenho da CLDF é muito insatisfatório nesse quesito, situando-se em 15%. No geral, o quadro da CLDF era preocupante, com índice de apenas 45%, ocupando o 9º lugar em relação ao conjunto dos legislativos brasileiros pesquisados, enquanto a ALMG ocupava o 2º lugar, tendo à frente a Câmara dos Deputados. Por outro lado, o DF encontravase no grupo de mais de 14 legislativos estaduais que apresentaram grau médio-baixo de informatização. Para Braga (2007, p. 46 ), tal comportamento se relaciona fortemente com o baixo grau de institucionalização dos legislativos estaduais e distrital, “assim como ao predomínio, no interior dessas casas, de uma cultura política avessa à disponibilização de tais 7

Informação da Unidade de Constituição e Justiça da CLDF que realiza tal acompanhamento em 01/11/2012.

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informações, que contribuam para a constituição de uma efetiva esfera pública com poder normativo em nível estadual”. A tabela 2, a seguir, permite visualizar a comparação entre a ALMG, a Câmara dos Deputados e a CLDF em fevereiro de 2007, segundo os critérios de Braga (2007).

Observa-se a ausência e/ou limitação da transparência e de um conjunto de canais de participação, o que poderá comprometer ainda mais as possibilidades de reversão do distanciamento da CLDF da população do DF. Segundo a escala de critérios apresentada por Henriques et al. (2004),8 os vínculos da população com a CLDF ainda transitam entre o 8 Critérios para análise, em escala, que podem ser aplicados a uma segmentação de públicos própria de cada projeto e que podem caracterizar a natureza e a força de tais vínculos: localização espacial, informação, julgamento, ação, continuidade, coesão, corresponsabilidade e participação institucional.

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primeiro e segundo nível. No primeiro nível, ou seja, de localização espacial, a população se referência com a CLDF por ser sua área de atuação, o DF. No segundo nível, de informação, os cidadãos têm acesso à sua atuação quase que exclusivamente através de informações mediadas por meios de comunicação ou através de campanhas publicitárias. Os vínculos são frágeis e estão muito distantes de gerar qualquer tipo de corresponsabilidade. Em 2011 foi lançado o edital nº 15/2011, para licitação do novo portal, com um conjunto de especificações, com destaque para a comunicação, a interatividade e a transparência: • Comunicação e interatividade -- agência de notícias, incluindo um campo destinado a comentários dos leitores, boletim eletrônico diário a ser enviado aos usuários do portal, enquetes, chats, fórum de debates, blogs, Ouvidoria, Central de relacionamento com o cidadão e Escola do Legislativo. De forma a estabelecer relação direta com o cidadão, está previsto o cadastro dos usuários do portal. • Transparência na administração -- execução orçamentária em tempo real, relatório de execução orçamentária e financeira da CLDF, licitações, verba indenizatória, relatório de gestão fiscal, gestão de pessoas. • Transparência das atividades legislativas -- sessões plenárias, audiências públicas, comissões gerais - disponibilização de vídeos, áudios e notas taquigráficas; comissões permanentes e temporárias; página com informações básicas sobre a atuação de cada parlamentar; sistema de acompanhamento da execução orçamentária do DF.(CLDF, 2011, p.38-51). O novo portal entrou no ar no dia 22 de junho de 2012 e a expectativa era de salto qualitativo na transparência e nos canais de participação da população. Mas sua implantação se dará por etapas. As mudanças iniciais, como os novos conteúdos para atender à Lei de Acesso à Informação, a introdução de textos explicativos para cada item aberto, o maior realce para a área de “Transparência”, as enquetes e a agenda unificada dos eventos da Casa, foram apresentadas pela Coordenadoria de Comunicação Social. Para os integrantes do projeto “Adote um Distrital”,9 o novo portal está melhor do que o anterior. Eles destacam a publicação das pautas e atas das sessões plenárias, das reuniões da Mesa e das audiências, dos gastos com publicidade institucional, a atualização das informações e dos atos administrativos de forma detalhada, além da busca por aproximação com a sociedade do DF. No entanto, ressaltam a ausência da ferramenta de busca de projetos por tema e período, do serviço de acompanhamento da Casa por metas e indicadores e da publicação das verbas de gabinete, além da ausência do Serviço de Informação ao Cidadão. Considerando os critérios adotados por Braga (2007), as mudanças efetivadas no portal ainda são, de modo geral, pouco expressivas, passando de 45% para 54%, especialmente 9

Disponível em: http://adoteumdistrital.com.br/ acesso em : 30/06/2012.

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se for considerado que a Lei de Acesso à Informação já está em vigor, conforme pode ser observado na Tabela 3 abaixo:

A dimensão Informações Gerais/Navegabilidade mantém-se no mesmo nível (85%), mas deve-se destacar que a forma de organização do portal apresentou avanços consideráveis, embora estejam presentes limitações na ferramenta de busca. A dimensão que trata das informações sobre os Parlamentares continua muito restrita, restando ao eleitor o acesso às informações disponibilizadas pelo próprio parlamentar. Em relação aos Centros Decisórios, destaca-se a evolução das informações que se referem ao trabalho das Comissões, que passaram de 23% para 68%, refletindo o avanço na institucionalização das suas funções no âmbito do processo legislativo. 58


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A dimensão Relação com o Público, em seu conjunto, apresentou crescimento, passando de 29% para 41%. Destaque deve ser dado para a criação da Escola do Legislativo. Por outro lado, a interatividade continua extremamente deficiente, contando com um índice de apenas 10% mesmo com a inclusão das enquetes, mas que abordam temáticas de pouca relevância. Em relação ao item Comunicação e Mídia, observa-se uma queda de 65% para 35%, dada a ausência de TV e rádio legislativas, ressaltando-se que a TV Web está em caráter experimental no portal. Vale lembrar que um importante limitador de avanços nessa dimensão é a reduzida equipe de Comunicação Social. A expectativa é de ganhos expressivos nessa dimensão, com a implantação das funcionalidades previstas no edital. Segundo o Mapa de Inclusão Digital (FGV, 2012, p. 23), o DF está em 1º lugar no ranking de acesso a rede mundial de computadores em casa, com cerca de 58,7% da população com computador com internet em casa,10 o que confere enormes vantagens ao Legislativo distrital no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Planejamento estratégico institucional da CLDF – Até 2010, a CLDF adotava um modelo bastante limitado de planejamento. A ausência de uma visão norteadora do papel do Poder Legislativo de médio e longo prazo era evidente. O Planejamento Estratégico Institucional (PEI) só começou a ser implementado no bojo da crise institucional de 2009/2010, e resultou no Mapa Estratégico abaixo:

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Correio Braziliense- Brasília Conectada 24/06/2012.

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São fortes as expectativas quanto a implantação do Planejamento Estratégico na Casa. Mas, para que seja bem-sucedida, é preciso comprometimento de todos os atores envolvidos, com destaque para a direção da Casa, renovada a cada dois anos.

2. Algumas Experiências de Procedimentos e de Ferramentas de Interação com os Cidadãos nos Interstícios Eleitorais Uma das tendências dos poderes legislativos no Brasil e no mundo, mapeada em estudo de 2009, é a institucionalização de procedimentos e de ferramentas de interação com os cidadãos nos interstícios eleitorais, com vistas ao incremento dos graus de responsiveness e de accountability das casas legislativas, nas modalidades: interação face-a-face com os cidadãos, interação mediadas pelos veículos tradicionais, pelas novas TICs, ou por meio da combinação entre as anteriores. A seguir, serão apresentados alguns exemplos. 11

2.1 Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) A ALMG promoveu, nas últimas décadas, um processo continuado de mudanças e inovações institucionais, que, segundo Anastasia (2001), foram motivadas especialmente por uma crise de legitimidade do Poder Legislativo junto à sociedade e aos seus próprios funcionários. A estratégia adotada para reverter esse quadro estava ancorada na ampliação dos graus de accountability e responsiveness junto à sociedade, de forma a atingir os patamares “requeridos para o exercício democrático da representação política”, (Anastasia, 2001, p. 30). Destaca-se a reformulação da política de comunicação, e de um conjunto de novos canais de interlocução com a sociedade. Instrumentos de interação face-a-face com cidadãos e grupos organizados: Comissão de Participação Popular (CPP) – Criada pela Resolução nº 5212/2003, com o objetivo de “colocar à disposição dos cidadãos recursos que lhes permitam influir no trabalho legislativo”. Segundo art. 102 do RI, são matérias de competências da CPP: a) a proposta de ação legislativa encaminhada à ALMG; b) a realização, com a concordância prévia da Mesa da Assembleia, de consulta pública sobre assunto de relevante interesse; c) a sugestão popular visando a aprimorar os trabalhos parlamentares. A CPP recebe e aprecia proposições da sociedade civil, as aprovadas são transformadas em proposições legislativas da Comissão e tramitam na Assembleia, como as demais. Também realiza audiências públicas para discutir propostas da sociedade civil. Qualquer 11 Direcionamento Estratégico da ALMG 2010 – 2020 Mapeamento de Tendências - Mudanças e Inovações no Poder Legislativo no Brasil e no Mundo. Dezembro de 2009 – MACROPLAN – ALMG.

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entidade da sociedade civil legalmente constituída pode apresentar sugestões e propostas de ação legislativa, tendo sido apresentadas 1.668 até julho de 2012. Seminários legislativos – Os seminários foram implantados em 199112 e partiram da concepção de que a participação popular poderia conferir maior legitimidade às ações legislativas. Têm como objetivo a produção de documentos com propostas a serem encaminhadas à Mesa Diretora. A iniciativa se dá a partir de demandas sociais, de comissões ou do Comitê Deliberativo de Comunicação institucional, cabendo à Mesa Diretora a deliberação e sua realização em conjunto com entidades da sociedade civil. Inicialmente, são formadas Comissões Técnicas Interinstitucionais (CTIs) compostas por especialistas indicados pelas instituições participantes, com o objetivo de elaborar propostas relativas ao subtema a ser tratado, que serão examinadas e aprimoradas nos grupos de trabalho. Para enriquecer o debate, a ALMG oferece textos técnicos e opiniões de especialistas sobre os temas. Posteriormente são realizadas reuniões plenárias para o debate das propostas apresentadas. O documento final que será encaminhado ao presidente da Casa, deve expressar o resultado da busca do consenso, a explicitação das divergências e a consolidação das propostas aprovadas nas reuniões plenárias, onde também deve ser eleita uma Comissão de Representação para acompanhar seus desdobramentos. A participação das entidades em todas as fases é muito relevante, pois amplia o grau de compromisso e responsabilização dos atores sociais em todo o processo. Como ressalta Anastasia (2001), o seminário legislativo: [...], facultando a interação entre as instituições e permitindo que suas preferências sejam expressas e debatidas, e os pontos de convergência e divergência sejam explicitados. A discussão envolve o tratamento dos aspectos técnicos e políticos do assunto abordado e produz o incremento dos graus de informação dos participantes, bem como o compartilhamento de informações. (ANASTASIA, 2001, p.58).

Fóruns técnicos – Sua dinâmica se assemelha à dos seminários legislativos, mas envolve uma abordagem mais técnica. A programação engloba palestras e debates e atividades em grupos de trabalho, nas quais os participantes discutem propostas e formatam um documento a ser votado na plenária final. A etapa final é, geralmente, precedida por reuniões regionais, que elegem representantes para participar da etapa final. Cada fórum técnico também conta com um regulamento. A título de exemplo, foi realizado o Fórum Técnico Plano Decenal de Educação, com 8 meses de debates e 8 encontros regionais com 198 instituições inscritas e 464 participantes 12 Deliberação da Mesa Diretora nº 720/1991.

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na plenária final. Em 3 dias de atividades, os participantes aprovaram 250 sugestões, que foram encaminhadas à ALMG. Segundo Anastasia (2001), tanto os seminários legislativos, quanto os fóruns técnicos resultaram em legislações: “[e]mbora de pequena expressão numérica essas leis constituem importantes peças de legislação com repercussão significativas nos setores e segmentos que se dirigem” (ANASTASIA, 2001, p.64). São leis de natureza regulatória. Parlamento Jovem Minas – Projeto de formação para a cidadania, destinado a estudantes do ensino médio e superior. O tema selecionado é aprofundado no âmbito das suas repercussões nas políticas públicas, inclusive no Legislativo, onde são elaboradas propostas. Ao final, é aprovado o Documento do Parlamento Jovem Minas, que será entregue à CPP. 149 proposições já foram encaminhadas. Interações mediadas pelos veículos tradicionais ou pelas novas TICs: Consulta pública – Possibilita que o cidadão, através do portal, dê a sua contribuição sobre projetos específicos em tramitação ou sobre temas a serem priorizados na agenda legislativa. Para enviar a contribuição e avaliar outras sugestões já enviadas, o cidadão deve estar cadastrado. O número de participações é livre. O Plano Decenal de Educação também foi objeto de consulta pública e suas contribuições foram discutidas no Fórum Técnico. Combinação de Interações Face-a-Face e Interações Mediadas pelas novas TICs: Ciclo de debates – Realizado em parceria com entidades da sociedade civil e do Poder Público, tem o objetivo de debater um determinado tema sob vários aspectos: social, econômico, técnico, político etc. Com duração de um ou dois dias, é composto por painéis de exposições e debates. Os cidadãos podem participar encaminhando perguntas e comentários por escrito ou oralmente ou, se estiverem acompanhando pela TV da Assembleia, pelo portal e por ligação para o 0800. A iniciativa “o qualifica para outras participações em espaços públicos de discussão, dando a possibilidade de contribuir de forma mais efetiva em processos democráticos para a elaboração de propostas de políticas públicas.” A construção do Plano Decenal de Educação também contou com esse espaço de interação. 2.2 Câmara dos Deputados No bojo do processo de democratização brasileiro, a Câmara dos Deputados iniciou uma série de reformas institucionais no sentido de aumentar a transparência de suas atividades e ampliar os canais de interação com a sociedade, na busca pela ampliação de sua legitimidade e pelo fortalecimento do Legislativo. Foram oferecidos novos serviços à sociedade utilizando as modernas tecnologias de informação, recebendo por isso prêmios variados,13 conforme comentam Nazareno et al.: 13 Disponível em: www.ibest.com.br.

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a riqueza e a confiabilidade de informações, a funcionalidade e navegabilidade dos programas e a multiplicidade de ferramentas e serviços disponibilizados transformaram o portal eletrônico da Câmara em referência nacional inclusive no setor das TIC. Pelo quinto ano consecutivo, o sítio dedicado a divulgar as atividades dos deputados federais em Brasília foi classificado entre os 10 melhores de política na Internet. (NAZARENO et al., 2006, p. 123). No seminário Participação Popular no Parlamento do Século 21, foram apresentados os pilares da comunicação pública praticados na Câmara dos Deputados14: [...] participação social e interatividade; transparência e accountability (prestação de contas); ouvidoria social, auscultação social; promoção e valorização do interesse público; cidadania consciente, ativa e solidária; estímulo à vigilância cidadã; promoção da cultura cívica; intervenção cidadã no processo político e legislativo. (BRASIL, 2011, p. 1 ). Tais pilares são direcionados na mesma perspectiva defendida por Pierre Zémor, citado pelo representante da SECOM/CD no evento, para quem “o vetor de comunicação dos públicos para a instituição é o mais importante na comunicação pública”. O portal da Câmara dos Deputados apresenta um conjunto de veículos de comunicação e de canais que ilustram tal orientação. A seguir serão apresentados alguns exemplos. Interações mediadas pelos veículos tradicionais (jornal, rádio e televisão) ou pelas TICs: 0800-619-619 ou Disque-câmara ou Central de Comunicação Interativa – Foi um dos primeiros instrumentos de comunicação interativa da Câmara dos Deputados. Possui os seguintes objetivos: receber sugestões, solicitações e denúncias dos cidadãos e encaminhálas aos parlamentares; estimular a participação da sociedade nos veículos de comunicação da Casa e na comunicação institucional. Em 2004, se transformou na Central de Comunicação Interativa, com ampliação da estrutura e ampla divulgação. Para dimensionar sua importância, em 2010 foram realizados cerca de 626 mil atendimentos e apenas um projeto, o PL nº 5.476/2001, que extingue a assinatura básica do telefone fixo, recebeu apoio de quase 2 milhões de contatos, evidenciando uma ação organizada da sociedade em se manifestar. Segundo representante da SECOM, o desafio é aumentar essa interatividade e fazer com que tais manifestações sejam capazes de influenciar o processo de produção de leis, já que, mesmo com esse expressivo apoio, o projeto em questão não foi colocado em 14 Seminário sobre o tema Participação Popular no Parlamento do Século XXI. 28/06/2011 Flávio Elias F. Pinto da Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados — SECOM/CD

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votação.15. As manifestações recebidas pela Central apresentam a seguinte ordem: 1. Opiniões favoráveis e contrárias a projetos de lei; 2. Pedidos de informação sobre as atividades da Casa; 3. Sugestões aos Parlamentares; 4. Reclamações, críticas e denúncias; 5. Elogios, congratulações e agradecimentos aos Parlamentares; 6. Participação nos veículos de comunicação da Casa e em eventos institucionais. ( BRASIL, 2011, p. 2) As mensagens recebidas são enviadas diariamente aos gabinetes, Comissões, Lideranças e áreas administrativas, além de dados estatísticos mensais. O desafio é que, além de fornecer informações sobre a opinião da população sobre os projetos e sua importância, essa participação seja de alguma forma trabalhada pela ação e agenda parlamentar. A TV Câmara, a Rádio Câmara e a Agência Câmara também têm procurado ampliar as formas de participação e interação, e o 0800 tem sido o seu principal pilar. Portal e-democracia16– tem o objetivo de promover e incentivar a participação da sociedade no processo de elaboração de leis. Em julho de 2012, contava com 24 Comunidades Legislativas, com 17.041 membros, em que se debatem temas relacionados a projetos de lei já existentes, e o Espaço Livre, com 17.036 membros, onde o cidadão pode definir o tema da discussão, acompanhada pela equipe e-democracia, e ser o grande motivador dela. As comunidades contam com um mínimo de 25 membros - como a Comunidade de Participação Social - e um máximo de 5.835 – como a de Licitações e Contratos. As diferentes formas de participação são orientadas conforme o andamento das propostas, podendo ocorrer através de fóruns, bate-papos entre os membros das comunidades e os deputados envolvidos no tema, wililegis - espaço colaborativo onde se podem propor alterações aos projetos de lei em discussão ou construir um novo texto -, e a biblioteca virtual. Os debates e contribuições são repassados aos parlamentares. O portal e-democracia17conta com uma equipe que faz a coordenação de muitos atores e atua na organização do debate inicial. São criados fóruns e perguntas sobre os aspectos mais polêmicos e/ou importantes do tema para que a população se estimule a participar. A equipe também acompanha as discussões, ajudando a sistematizar as mensagens, através 15 Ibidem. 16 http://edemocracia.camara.gov.br/principal. 17 Seminário sobre o tema Participação Popular no Parlamento do Século XXI. 28/06/2011.

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das ferramentas do portal, sendo possível organizar e sistematizar grandes quantidades de dados. Há, ainda, a área Nossas Ideias, na qual o cidadão pode colocar sua proposta para ser votada pelos demais, sempre no sistema binário de comparação: a ideia é comparada a várias outras, e à pessoa que entra no portal é apresentada a oportunidade de votar e/ou de incluir nova sugestão. Assim, a ferramenta organiza as ideias que os usuários consideram relevantes.

Instrumentos de interação face-a-face com cidadãos e grupos organizados: Comissão de legislação participativa (CLP) – Foi criada através da Resolução nº 21/2001, com competência legal para iniciar o processo legislativo a partir de provocação oriunda da sociedade. Através da CLP, os cidadãos, por meio de qualquer entidade civil organizada, podem apresentar suas sugestões legislativas.18 O Regulamento Interno da CLP explicita 15 tipos de sugestões de iniciativa legislativa que podem ser apresentados, como propostas legislativas, de fiscalização e controle, de audiências públicas, entre outras. O presidente da comissão poderá facultar a palavra ao representante legal da entidade ou ao procurador designado para defesa da sua sugestão na reunião ordinária correspondente. Segundo pesquisa no SILEG, foram apresentadas 648 sugestões de 2001 a julho de 2012, sendo que 181foram transformadas em nova proposição. Já a página CLP relaciona 776 proposições apresentadas:

18 Regulamento Interno, de 12/09/2001, alterado pelas Resoluções Internas n.º 01, de 2004 e nº 01, de 2008.

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Os resultados são desalentadores, com apenas duas sugestões transformadas em lei, uma em 2006 e outra em 2012, o que ajuda a explicar o pouco interesse das entidades em acionar a CLP com essa finalidade. Tal constatação leva a uma reflexão sobre a qualidade da resposta dada às demandas da sociedade por meio da CLP. Por outro lado, reflete também a dificuldade do Legislativo em aprovar iniciativas geradas em seu interior, em um processo decisório onde o Executivo é o principal legislador “de jure e de fato” (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999). De 2002 a 2006, a CLP apresentou emendas ao Orçamento, mas a Resolução que alterou o critério para apresentação de emendas pelas comissões, retirou-lhe tal prerrogativa. Um dado preocupante, citado no Relatório de Atividades de 2011 da CLP, aponta o pequeno número de entidades, apenas 19, que apresentaram propostas naquele ano.19 Vale lembrar que, segundo a CLP, 12 assembléias legislativas estaduais e 40 câmaras municipais possuem comissões de legislação participativa. Várias propostas de aperfeiçoamento da CLP foram apresentadas no seminário 10 anos da Comissão de Legislação Participativa: • A adoção pela CLP de uma atitude mais ativa, com a ampliação da divulgação de suas prerrogativas e adoção de estratégias de comunicação para mobilização social; • Que a CLP exerça com mais intensidade o papel do controle direto dos atos dos Poder Público, através de requerimentos de audiências públicas, de depoimentos de autoridades, de informações, entre outras prerrogativas previstas (AVRITZER);. • Que a CLP recupere a prerrogativa de apresentação de emendas ao orçamento, conforme prevê o Projeto de Resolução do Congresso Nacional 01/2010; • No âmbito do processo de reformulação do Regimento Interno, priorizar as propostas que fortalecem o papel da CLP,20 alargando a sua competência na apreciação dos projetos oriundos de iniciativa popular, com aceitação de assinaturas eletrônicas; aprimorar o processo de tramitação de matérias oriundas da CLP, garantir o direito de defesa em cada etapa da tramitação, por representante da entidade autora. 2.3 Outras experiências institucionais Instrumentos de interação face-a-face com cidadãos e grupos organizados: Jornadas temáticas de comissões da Câmara dos Deputados do Chile – Sistema de relacionamento com a cidadania através de duas jornadas temáticas a cada período legislativo, envolvendo as comissões permanentes, coordenadas pela Mesa Diretora, com o objetivo de desenvolver um ou vários temas de interesse e interagir com os cidadãos relacionados com a temática (MACROPLAN/ALMG, 2009, p.31). 19 Disponível em: www.camara.gov.br. CLP faz balanço da atividade legislativa em 2011. 22/12/2011, 14:30 20 Palestrante propõe fortalecimento da Comissão de Legislação Participativa. 20/06/2012, 15:30.

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Interações mediadas pelos veículos tradicionais ou pelas novas TICs Orçamentos Temáticos no SIGA BRASIL –21 sistema de informações sobre o orçamento público, com atualizações diárias, disponibilizado pelo Senado Federal. Por meio de parcerias com organizações da sociedade civil, o sistema possibilitou a criação de orçamentos temáticos a partir do orçamento da União, como o da mulher, igualdade racial e segurança alimentar. Nesse sentido, ao permitir uma análise detalhada da programação orçamentária, tem sido um instrumento importante na democratização do processo orçamentário, possibilitando uma intervenção qualificada dos movimentos sociais. Concluindo a apresentação dessas experiências, observa-se um maior grau de desenvolvimento institucional em direção a cada uma das modalidades de interação apresentadas a partir da regionalização da atuação de cada parlamento. A ALMG, dado seu caráter estadual, apresenta uma experiência mais consolidada nas interações face-a-face com os cidadãos, enquanto a Câmara dos Deputados, dado seu caráter nacional, tem privilegiado as interações mediadas, mas estão presentes em ambas as combinações dessas modalidades. Dada a dimensão do estado de Minas, o uso mais intenso de TIC´s pode garantir ganhos de escala no processo de interação social, podendo contribuir com a minimização do “viés na representação a favor dos interesses dos setores organizados”, apontado por Anastasia (2001, p 71), que deve ser objeto de atenção dos parlamentares. Observa-se que ambos os parlamentos dispõem de um conjunto de canais de participação em graus de vínculos diferenciados.22 O 0800 da Câmara dos Deputados transita especialmente nos campos da informação e julgamento e, eventualmente, no caso de ações organizadas, de mobilização, voltadas para esse instrumento, o vínculo da ação. Na CLP os vínculos são um pouco mais estruturados, visto que avançam no sentido do julgamento a partir do oferecimento de “uma certa quantidade de informações”, com audiências e seminários promovidos, podendo gerar uma tomada de posição; e da ação, através da “geração eventual ou permanente de ideias”, quando da apresentação de sugestões legislativas por entidades identificadas. (HENRIQUES et al., 2004, p 43). No caso do portal e-democracia, os vínculos são mais fortes e estruturados, transitando de forma mais consistente no campo da ação, continuidade e coesão e buscando trilhar na direção da corresponsabilidade, que é “quando o público se sente também responsável para o sucesso do projeto, entendendo a sua participação como uma parte essencial no todo” (Henriques et al., 2004, p 43). Observa-se que a Câmara dos Deputados incorpora como estratégia, já há algum tempo, a comunicação para a mobilização social,: Nota-se que o mix complexo formado pelos instrumentos e meios de comunicação não somente é passível de um gerenciamento 21 http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/SigaBrasil. 22 Critérios para análise em escala que podem ser aplicados a uma segmentação de públicos própria de cada projeto e que podem caracterizar a natureza e a força de tais vínculos: localização espacial, informação, julgamento, ação, continuidade, coesão, co-responsabilidade e participação institucional.

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planejado, como fazem as organizações, mas isso se torna indispensável, já que o uso programado e articulado desses meios mostra-se mais eficaz que a utilização ou o estímulo isolado a cada um deles. (HENRIQUES, 2009, p. 10). Na experiência mineira, destacam-se os fóruns técnicos e seminários legislativos, além das audiências públicas regionais para subsidiar o processo de planejamento e orçamento, onde a CPL tem um papel estratégico. Mas o maior destaque da ALMG é a articulação de vários mecanismos, como enquetes, debates, consultas públicas e fóruns técnicos, como se deu na experiência do Plano Decenal de Educação. Assim, verificam-se vínculos ainda mais intensos e estruturados, passando por todos os níveis: localização espacial, informação, julgamento, ação, continuidade, coesão, co-responsabilidade e participação institucional. Conforme analisa Anastasia (2001), o papel desempenhado pela organização legislativa, ao permitir aos participantes a obtenção de informação sobre o tema, a interação com os atores da sociedade e com os legisladores, o surgimento de um consenso desse processo interativo, atribui às propostas um caráter informativo e propositivo, deixando os legisladores livres para deliberarem em um contexto de mais informação (ANASTASIA, 2001, p. 70-71). É preciso, ainda, garantir formas de articulação com os arranjos democráticos no âmbito do Poder Executivo, como os conselhos temáticos e o orçamento participativo, quando houver, de forma a não estabelecer elementos de disputa, mas de complementariedade. Destaque deve ser dado, também, para a significativa e importante inovação da articulação do Senado Federal com organizações da sociedade civil, através do SIGA BRASIL, que possibilita a construção dos orçamentos temáticos, estabelecendo vínculos no campo da ação, continuidade, da co-responsabilidade e da participação institucional. Todas as experiências apresentadas são fortes exemplos de articulação da democracia representativa e da democracia participativa, que têm contribuído para a consolidação do Poder Legislativo e para o efetivo exercício da soberania popular. Nesse sentido, são referências fundamentais para as mudanças que a CLDF precisa realizar. 3. Desafios e propostas A conquista da autonomia política do DF mudou a sua história. Por um lado, resgatou o direito de seus moradores a elegerem seus representantes, direito primordial em qualquer democracia, e a não terem seus destinos definidos por Senadores de outros estados. Por outro, possibilitou que grupos de interesse que não estavam em posição de poder passassem a ter destaque, como os representantes dos movimentos sindicais e sociais, mas também, e de forma majoritária, os representantes do poder econômico local. A CLDF, durante boa parte da sua curta história, realizou investimentos muito limitados em seu processo de desenvolvimento institucional. Certamente não foi devido à 68


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insuficiência de recursos, na medida em que a Casa situa-se em 1º lugar no ranking de parcela do orçamento por deputado, com cerca de R$ 9,8 milhões por deputado.23 Enquanto alguns legislativos buscavam seu desenvolvimento institucional na direção de maior transparência, profissionalização e participação social, a CLDF apresentava postura permeada por práticas personalistas, fisiológicas e patrimonialistas, refletindo o processo de construção da cultura política até então. A frequência dos escândalos vivenciados pelos deputados distritais em cada legislatura, em um processo que culminou com a crise provocada pela Operação Caixa de Pandora, aumentou o descrédito da CLDF e revelou toda a relação pouco republicana dos Poderes no DF. Esse processo constrangeu a população do DF e ampliou ainda mais a distancia dos cidadãos do Poder Legislativo. Conforme diagnóstico apresentado evidencia-se que a CLDF tem uma história marcada por pouca transparência e pouca permeabilidade à participação social. O jornalismo local foi o único ator presente no processo de “supervisão” e acompanhamento do Legislativo, mas com atuação restrita, casuística e pouco independente. Assim, na definição de Anastasia e Inácio (2011), que se referem à accountability vertical, o Poder Legislativo distrital não possibilitou o controle de sua atuação pelos seus representados, apresentando, assim, um baixíssimo grau de accountability perante os cidadãos brasilienses. Quanto à expressão das preferências dos cidadãos, percebe-se que as eleições têm sido quase o único instrumento disponível para a população do DF. Nos interstícios eleitorais, a vocalização das preferências tem sido extremamente limitada. Os mecanismos de democracia direta previstos na Lei Orgânica do DF não foram regulamentados de forma a garantir sua efetividade. Quanto aos mecanismos de democracia participativa, a CLDF passou ao largo deles ao não institucionalizar canais de interação com a sociedade para além das limitadas audiências públicas. Com isso, os condicionantes para que o Parlamento possa ampliar os graus de responsiveness em relação às demandas e preferências dos eleitores não estão dados. Com tudo isso, a percepção negativa da instituição e dos parlamentares se mantém. Em reação à crise de legitimidade, uma das principais mudanças ocorridas na CLDF nesta 6ª Legislatura foi o Planejamento Estratégico Institucional. Destaque-se que a transparência e a interação com a sociedade estão evidenciadas no Mapa Estratégico da Casa e nos seus desdobramentos. No entanto, o nível de envolvimento dos atores locais ainda é muito baixo. Longe da compreensão de que o PEI possa, por si só, promover as mudanças estruturantes e necessárias à ampliação dos graus de accountability e responsiveness do Legislativo distrital, a perspectiva que se contempla é de abertura de oportunidades e possibilidades. 23 Disponível em: http://www.observatoriosocialdobrasil.org.br/downloads/20.pdf . Legislativo custa em média R$ 115,27 ao ano para cada habitante de capitais brasileiras. Estudo da Transparência Brasil sobre os legislativos no Brasil.

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As tendências nacionais e internacionais dos parlamentos nortearam, em algum nível, o processo de planejamento estratégico da Câmara Legislativa. Mas é preciso aprofundar e intensificar as mudanças, especialmente quanto à recomendação de “Investir na construção de ferramentas e de procedimentos que combinem instrumentos institucionalizados de interação face-a-face às novas TICs, contribuindo para a formação, a alimentação e a diversificação das agendas debatidas e deliberadas face-a-face.” (MACROPLAN/ALMG, 2009, p.45). Marques (2011) conclui que é fundamental compreender a resistência dos agentes públicos em perceber os cidadãos como parceiros do processo de produção da decisão política e questiona os efeitos políticos que tais recursos podem gerar, uma vez que não adianta dar voz e oportunidade de expressão e discussão aos usuários se não se demonstra, também a seriedade nos encaminhamentos das contribuições. Por isso, qualquer ação na direção proposta só terá sucesso se apropriada pelos representantes eleitos. Quanto à referência às experiências de interação com os cidadãos apresentadas, são reconhecidos seus limites e alcances, que indicam que seu aperfeiçoamento é necessário. Mas destaca-se, especialmente, a implantação de um mix de espaços de interação na perspectiva de construção de vínculos em vários níveis, na direção da corresponsabilidade entre representados e seus representantes. A seguir, são apresentados alguns desafios e iniciativas que em seu conjunto visam aperfeiçoar e criar mecanismos institucionalizados de participação política, com vistas à ampliação das oportunidades de vocalização de preferências dos representados e de controle dos atos daqueles que detêm mandato, principalmente no período entre eleições: 1. Aprovar legislação distrital que regulamente os mecanismos de exercício de democracia direta, previstos na LODF, na direção da revitalização desses institutos, de forma a torná-los viáveis e efetivos. Em relação à iniciativa popular, se propõe uma regulamentação capaz de contemplar metodologia, prazos e rito privilegiado para os projetos de lei derivados da vontade popular, conforme aponta Teixeira (2008); checagem por amostragem das assinaturas sob a responsabilidade da Justiça Eleitoral ou delegação às entidades, envolvimento das urnas eletrônicas, aceitação de assinaturas eletrônicas; estabelecimento de prazo para apreciação de proposições de iniciativa popular; 2. Resgatar a competência das comissões para realização das audiências públicas previstas na Lei Orgânica, garantindo seu caráter institucional; 3. Criar a Comissão de Participação Legislativa, destacando em sua regulamentação, a modalidade de tramitação, de forma a garantir celeridade nas tramitações das matérias de origem na CPL, a regionalização de suas atividades e a articulação com as Comissões temáticas e arranjos participativos do Poder Executivo; 4. Implantar iniciativas que contribuam com a criação de vínculos fortes e com a co-responsabilidade inspiradas nos Seminários Legislativos e Fóruns Técnicos (ALMG) e nas Jornadas Temáticas das Comissões (Câmara dos Deputados do Chile); 70


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5. Implantar várias modalidades de consultas públicas para o estabelecimento de prioridades legislativas e de contribuições às proposições em debate, entre outras; 6. Impulsionar, no âmbito da Escola do Legislativo, as iniciativas que visam a contribuir para a formação política geral dos cidadãos; 7. Implantar sistemas de acompanhamento do processo de elaboração e execução orçamentárias, inclusive de orçamentos temáticos, em parceria com entidades da sociedade civil, conforme experiência relatada no SIGA BRASIL (Senado Federal); 8. Implementar estratégias de comunicação para a mobilização social, buscando a construção de vínculos fortes e a co-responsabilização das entidades e cidadãos do DF. 9. Intensificar a implantação do Planejamento Estratégico Institucional, com destaque para as carteiras CLDF Transparente e Participação Social; A Visão de Futuro da Câmara Legislativa, construída no âmbito do PEI para o período 2012-2020, expressa a intenção da instituição: Ser, em 2020, uma Casa Legislativa nacionalmente respeitada e reconhecida pela excelência no atendimento aos anseios da população do Distrito Federal. (CLDF, 2011, p. 67 grifo nosso) O caminho a trilhar é, certamente, complexo, e envolve profundas mudanças. O desenvolvimento institucional da CLDF, na direção da ampliação dos graus de responsiveness e de accountability perante os cidadãos brasilienses pode contribuir, e muito, para o resgate de sua legitimidade. Ao criar as possibilidades para que os brasilienses possam participar do processo político também na arena legislativa, a CLDF adiciona elementos importantes na dinâmica distrital, impulsionando em algum nível o necessário movimento de mudança da cultura política que, sabemos, transcende em muito os elementos apresentados no decorrer desse trabalho. Mas, são processos absolutamente vinculados e que se reforçam mutuamente. É uma tarefa para a atual legislatura e para as vindouras, e especialmente, para o conjunto da sociedade, responsável por eleger seus representantes.

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Resumo O enfoque deste trabalho recai sobre o Poder Legislativo do DF, que apresentou uma história comprometida por escândalos que constrangeram e distanciaram a população desse Poder, afetando a legitimidade da representação distrital. Aponta os limitados mecanismos institucionais de transparência, prestação de contas e de vocalização de preferências dos eleitores na CLDF nos interstícios eleitorais e, ainda, as mudanças na direção do desenvolvimento institucional em fase implementação. São apresentadas algumas experiências exitosas de interação com os cidadãos nos interstícios eleitorais desenvolvidas em outros parlamentos na direção do aprofundamento da articulação entre democracia representativa e democracia participativa. Tal tendência tem contribuído para o fortalecimento da legitimidade das representações. O trabalho conclui que aprofundar o processo de desenvolvimento institucional, visando à ampliação dos graus de responsiveness e de accountability perante os cidadãos brasilienses, pode contribuir para o resgate da legitimidade do Poder Legislativo no DF. Nesse sentido, apresenta alguns desafios e propostas no sentido de para aprofundar tal processo, na direção da construção de uma democracia cidadã, em que a população distrital possa participar do processo político também na arena legislativa. Palavras–chave: Câmara Legislativa do Distrito Federal; Poder Legislativo; interação; democracia representativa; democracia participativa.

Celia Maria Farias Vieira é economista, Especialização em Economia Brasileira(UnB), Especialização em Políticas Públicas(UnB). Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais(UFMG). Trabalhou no Poder Executivo Federal e Distrital e na Câmara dos Deputados. Atualmente é servidora efetiva da Câmara Legislativa do DF.

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A EFETIVIDADE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA DA CULTURA: UMA ANÁLISE SOBRE A COMPOSIÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL Celio Augusto Souza Pereira 1. Introdução A implementação da Constituição da República de 1988 (CR/88) impôs uma série de inovações institucionais que ampliaram o perfil da natureza participativa do Estado brasileiro. Tal legalidade tem demandado da política, num sentido mais amplo, um contínuo esforço prático e teórico no qual Estado e Sociedade, ao buscarem a operacionalização dessa efetividade, redefinem juntos a concepção e os limites da própria democracia. No Brasil, esta vasta institucionalidade tem incluído a criação de conselhos, orçamentos participativos (OPs) e planos diretores municipais, além de outras formas participativas. Embora a CR/88 previsse condições para a expansão e a ramificação de uma infinidade de formas participativas, a instauração de um ambiente político propenso a fornecer as condições necessárias à ampliação e ao fortalecimento vigoroso dessas instituições só viria a acontecer há menos de dez anos, período em que a institucionalidade dos modelos participativos se expandiu no Brasil. O fenômeno político dessa expansão, dos níveis locais em direção à esfera nacional, fez com que as duas gestões presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) ficassem conhecidas como a época em que se pluralizou a “[...] presença de formas ampliadas de participação na democracia brasileira” (AVRITZER, 2011, p.13). A ampliação das formas institucionalizadas de participação colaborou para o surgimento da necessidade de se : [...] mostrar o papel das formas de participação na operacionalidade da democracia. Essa é a possível origem do assim chamado “problema da efetividade” que tem despertado, crescentemente, a atenção dos estudiosos da área da participação (TATAGIBA, 2002; ABERS; KECK,2006; COELHO, 2004; AVRITZER, 2007; CUNHA, 2007a; CORTES, 2011). (AVRITZER, 2011, p.13). O surgimento deste cenário fez com que emergissem uma série de questões acerca do potencial democrático das instituições participativas que buscaram avaliar os níveis qualitativos da participação política entre os representantes da sociedade civil e do poder público. Estas análises também procuraram medir a aptidão inclusiva destas instituições para a inserção de novos atores societários e, por sua vez, a capacidade destes em influenciar 76


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as decisões políticas dentro da esfera institucional. Para Cláudia Feres Faria, sob estas condições, tais atores deveriam ser capazes de “[...] não só tematizar situações problemáticas e buscar influenciar os centros decisórios, mas também assumir funções mais ofensivas no interior do Estado, via fóruns de deliberação pública. (FARIA, 2008, p.3). Na base do fenômeno de expansão institucional e da ampliação nacional dos espaços participativos introduzido na esfera pública federal a partir da reorientação política do Governo Lula, está a edição da Medida Provisória nº 103, de 1º de Janeiro de 2003. Convertida na Lei 10.683, de 28 de maio de 2003 e, posteriormente, transformada na Lei 11.129, de 30 de julho de 2005, atribui, em seu Art. 3º, à Secretaria Geral da Presidência da República a tarefa de interlocução principal do governo com a sociedade civil. (SECRETARIA GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2010). Com o estabelecimento desse ambiente propício à participação, se instaurou uma nova via de diálogo entre os representantes da sociedade civil e o governo, que introduz elementos políticos para a construção de outra cultura de gestão pública do poder executivo federal. Este processo contribuiu para a formulação de uma série de políticas públicas que, até então, não eram objeto de maior dedicação do estado. Na área da cultura, a tarefa para a mudança do paradigma político foi empreendida na passagem dos ex-Ministros da Cultura Gilberto Gil e Juca Ferreira que, em 8 anos de governo, se comprometeram a construir o primeiro projeto de política pública de Estado para cultura a partir do desenvolvimento de um Sistema Nacional de Cultura (SNC), aprovado no Senado Federal em 12 de setembro de 2012 por meio da PEC 34/20121. A reorientação política do campo cultural também foi uma das contribuições trazida pelo Governo Lula. Ao afirmar a importância estratégica e central da cultura como uma das chaves indutoras ao processo de desenvolvimento, o governo aderiu às correntes ideológicas que veêm na inclusão política da diversidade cultural, além da inclusão social, os potenciais humanos que se fazem indispensáveis à construção de uma nova cultura política da participação no país. Foram feitos compromissos de ampliação do reconhecimento de novos territórios da cidadania cultural - nas dimensões simbólica, econômica e cidadã - e de efetivação dos direitos culturais previstos na CR/88. Segundo Daniele Canedo, os principais avanços trazidos por essa gestão seriam: [...] 1) o alarga­mento do conceito de cultura e a inclusão do direito à cultura, como um dos princípios basilares da cidadania; sendo assim,2) o público-alvo das ações governamentais é deslocado do ar­tista para a população em geral; e 3) o Estado, então, retoma o seu lugar como agente principal na execução das 1 A aprovação se deu no período de transição entre a gestão da ex-ministra Ana de Hollanda (que assumiu a pasta da cultura no ano de 2011) e da nova ministra: a senadora Marta Suplicy, que anteriormente havia sido relatora da PEC que instituiu o SNC.

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políticas cul­turais; ressaltando a importância 4) da participação da socieda­de na elaboração dessas políticas; e 5) da divisão de responsabi­lidades entre os diferentes níveis de governo, as organizações sociais e a sociedade, para a gestão das ações. (CANEDO, 2011, p. 278). Diante da elevação do status político da cultura realizada no decurso desta gestão, o governo brasileiro assumiu outro compromisso político relevante, na medida em que busca pelo acolhimento da diversidade cultural brasileira: o da efetivação de determinações de um importante instrumento jurídico internacional, a Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO, ano 2001).2 Para Patrice Meyer-Bisch3, esta declaração representa “[...] simbolicamente a grande virada política do início deste século” (BISCH, 2011, p. 27). Portanto, inúmeros avanços processados no campo político participativo ao longo do Governo Lula contribuíram para a construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento do país, que também incluiu a cultura como área importante da política pública. Neste esteio, destaca-se a criação do Conselho Nacional de Política Cultural – (CNPC), cujo órgão gestor é o Ministério da Cultura do Brasil (MINC). A partir de sua instalação, no ano de 2007, o órgão passou a acolher representantes dos mais diferentes setores da diversidade cultural do país. Não há excesso em afirmar que o CNPC representa atualmente a mais importante manifestação da experiência participativa dos segmentos da cultura, vivenciada institucionalmente pela sociedade brasileira desde a outorga da CR/88. Entretanto, a partir da análise de sua implementação, cabe indagar quais seriam os limites da efetividade democrática, considerando o modelo institucional adotado por ele. Algumas questões importantes são: i) Como as regras de funcionamento determinam a simetria ou assimetria entre os representantes da sociedade civil e do poder público?; ii) Quais seriam as limitações e desafios à participação da sociedade civil? iii) Quais as condições para a inserção de novos atores e para a inclusão da diversidade? Diante desse panorama, este trabalho se propôs a investigar a natureza composicional do CNPC a partir da análise das normas do regimento interno em vigor no ano de 2010. Em especial, o estudo indagou em que medida as constatações sobre o número e a forma da distribuição de assentos entre membros da sociedade civil e do Estado no CNPC podem predizer as condições do potencial democrático assumido por este conselho. A importância do tema se justifica pela necessidade de fazer expandir os estudos no campo da efetividade democrática dos conselhos nacionais e dos conselhos de políticas públicas de uma forma geral. Por outro lado, o interesse pelo tema da efetividade da participação política no Conselho Nacional de Política Cultural decorre também do meu envolvimento profissional com a arte popular. 2 A convenção sobre Diversidade Cultural foi ratificada pelo Brasil no ano de 2007. 3 Coordenador do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos (IIEDH) e da Cátedra UNESCO para os direitos humanos e a democracia, Universidade de Friburgo, Suíça.

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Com graduação em música, atuei, por muitos anos, como músico e educador. Além disso, pertenço a uma família de músicos populares da Zona da Mata de Minas Gerais que mantém a tradição musical iniciada pelo mestre violeiro e educador popular Antônio Gregório Pereira, o sô Guiga (1886-1961), meu avô. É uma história que perpassa mais de cem anos4. A partir dessa experiência cultural, atuei politicamente em prol do reconhecimento, da promoção e da salvaguarda das culturas populares tradicionais no estado de Minas Gerais. Em 2010, passei a representar o estado de Minas Gerais e a região Sudeste no Colegiado Setorial de Culturas Populares do CNPC, mandato de que exerci até 2012. Considerando a intenção de colaborar com o aperfeiçoamento deste órgão, decidi investigar o tema do presente estudo. Partindo do pressuposto teórico de que “[...] as variáveis referentes às normas e, consequentemente, ao desenho institucional interferem no desempenho democrático e inclusivo destas novas instituições” (FARIA; RIBEIRO, 2010, p. 58), procedemos ao levantamento, à organização, ao cruzamento e à análise de dados acerca das regras que determinavam a estrutura do CNPC previstas no regimento interno. Dessas observações foram extraídas as informações sobre as condições oferecidas pelo desenho institucional do CNPC e que se referem à lei de criação, aos órgãos componentes, às atribuições legais, à composição, ao número percentual de cadeiras, à distribuição entre os representantes da sociedade civil e do poder público, à origem institucional das cadeiras, às normas do regimento interno acerca das prerrogativas de quem poderá exercer a presidência e à simetria ou assimetria no desenho composicional. Embora não tenha sido o foco do estudo a comparação do “potencial democrático” do CNPC com o de outros conselhos, alguns aspectos de mensuração deste potencial em relação aos outros Conselhos Nacionais foram feitos tão somente para compreender melhor o próprio CNPC e as conseqüências práticas das determinações acerca da representação previstas em seu regimento interno. As informações observadas acerca de outros 5 Conselhos Nacionais foram: 1) Relação de majoridade e paridade; 2) Regras de elegibilidade para representantes da sociedade civil; 3) Número de cadeiras dos conselhos; 4) Acúmulo de cadeiras pelo órgão gestor dos conselhos. O conteúdo deste artigo é distribuído em 4 seções. Procedendo a leitura desta seção introdutória chegaremos a seção 2 na qual abordaremos o histórico das políticas públicas de cultura no Brasil e a perspectiva da participação social que pode ser articulada ao setor. A seção 3 e suas subseções discutem a composição do CNPC e partes de seus órgãos componentes, bem como a qualidade da representação, tendo em vista a distribuição de 4 Entre os membros desta família reconhecida como Família Guiga, há ainda mestres populares responsáveis pela transmissão de outros saberes populares como o ofício do artesanato com taquaras, a manifestações da Folia de São Sebastião, a Folia de Santos Reis, a Quadrilha e a função popular dos antigos Bailes na Roça. 5 Dados também do ano de 2010.

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cadeiras do plenário com direito a voto.6 A seção 4 conclui o estudo, sintetizando os debates desenvolvidos e apontando considerações que visam a contribuir com o aprimoramento da efetividade democrática do CNPC.

2. Histórico da Participação Social no Campo da Política Cultural Brasileira a Partir da Constituição Brasileira de 1988. Após 24 anos da escrita da Constituição que redefiniu os parâmetros políticos do Estado brasileiro - garantindo as bases constitucionais democráticas da representação, da ampliação política e participativa da sociedade, assim como os dispositivos e instrumentos legais necessários à dispersão de poderes - a luta pela efetivação de uma série de ‘novos direitos’ revelados e lá inscritos continua a se impor como um desafio que demanda atenção do Estado e do conjunto geral da sociedade. No rol desses direitos, ainda expectados em sua efetivação, é de se destacar a presença dos direitos culturais. De acordo com o Art. 215 da CR/88, “[...] O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. (BRASIL, 2012, p.54). É de se ressaltar, contudo, que os direitos culturais são aqueles dos quais o conjunto geral da sociedade brasileira e, sobretudo, as classes sociais mais pobres menos se apropriaram. Segundo Rubim, as políticas públicas de cultura são herdeiras de três tristes tradições: “[...] autoritarismo, caráter tardio, descontinuidade, desatenção”. (RUBIM, 2007, p. 11). Mas, embora os efeitos negativos dessa negligência ainda persistam nestas políticas no Brasil e em grande parte do mundo, as discussões sobre efetivação dos direitos culturais vêm assumindo cada vez mais corpo na agenda política internacional do desenvolvimento. Em um cenário mundial interdependente e cada vez mais marcado pela intensa circulação de bens e serviços culturais, “[...] as pesquisas da Organização Internacional do Trabalho apontam para uma participação de 7% desses produtos no PIB mundial, com previsões de crescimento anual que gira em torno de 10% a 20%”. (MINC, 2010, p. 14). Uma breve análise sobre o processo de implementação das políticas públicas para a cultura no Brasil desde a criação do Ministério da Cultura em 1985 permite verificar o quanto o ideal destas políticas foi historicamente marcado por uma orientação neoliberal, desvinculado de um projeto de estado e de inclusão da participação social. Certo é destacar o quanto esta orientação beneficiou apenas uma pequena parcela de produtores da cadeia artística, deixando de fora uma infinidade de atores sociais dos centros rurais e urbanos, 6 Este artigo foi adaptado na monografia de conclusão do curso de especialização em “Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais” (UFMG, ano 2012) e, com o objetivo de condensar os principais resultados obtidos, a análise feita aqui foi circunscrita ao conjunto das cadeiras da sociedade civil e do poder público com direito a voto. No estudo original foram abordados resultados pertinentes às cadeiras com e sem direito a voto.

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incluindo os indivíduos e grupos guardiões das “[...] culturas populares, indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (BRASIL, 2012, p.54). Segundo dados do MINC, o modelo de financiamento à cultura via renúncia fiscal7 disponibilizou “[...] R$ 8 bilhões em 18 anos, dos quais mais de R$ 7 bilhões eram dinheiro do contribuinte. A cada R$ 10,00 investidos, R$ 9,50 eram públicos e apenas R$ 0,50 eram dinheiro do patrocinador privado” (MINC, 2010, p.6). Um “ótimo negócio” para as grandes empresas que, por anos, puderam promover seu marketing cultural à custa de 95% de dinheiro público. Outros dados fornecidos pelo MINC informam que, nos 18 anos de funcionamento desse modelo de financiamento, 50% dos recursos aprovados pelo Ministério e captados pelos ‘empreendedores culturais’ junto à iniciativa privada se concentravam nas mãos de apenas 3% dos mesmos proponentes, sendo que praticamente 70% dos recursos ficaram concentrados apenas em dois estados: São Paulo e Rio de Janeiro. “[...] O Ministério da Cultura aprova 6 mil projetos culturais por ano. Mas somente 20% dos projetos aprovados conseguem algum patrocínio. A maioria dos artistas fica com o certificado do Ministério na mão, sem conseguir recursos”. (MINC. 2010, p.9). As discussões políticas para a alteração desse quadro de orientação neoliberal, em que a política cultural se viabiliza majoritariamente através do interesse de empresas, e a busca por uma participação maior da sociedade nos rumos das políticas culturais só vieram a ocorrer a partir do ano de 2000. Nesse ano, entrou no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição Brasileira (PEC nº 306/2000) de autoria do Deputado Federal Gilmar Machado, do PT de Minas Gerais, que tinha como intuito acrescentar ao artigo 215 o parágrafo que instituiria o Plano Nacional de Cultura - o PNC. Embora a CR/88 já definisse que caberia ao estado garantir “o apoio, o incentivo, a valorização e a difusão das manifestações culturais”, ainda era necessário acrescentar específica e precisamente determinações acerca do planejamento de ações e estratégias nesse campo para a construção de uma política cultural capaz de alcançar toda a população do território brasileiro. A construção dessa agenda prioritária da cultura toma força no ano de 2003, na gestão do governo Lula, especialmente a partir da realização do “Seminário Nacional Cultura para Todos”, evento que deu início ao ciclo de atividades desempenhadas nas gestões dos ex-ministros Gilberto Gil, e, posteriormente, Juca Ferreira. A circulação do seminário por várias regiões do país estabeleceu a primeira plataforma de diálogo entre o MINC e vários representantes dos sub-setores culturais.8 Houve, assim, uma coleta expressiva de demandas que, posteriormente, foram transformadas em propostas prioritárias de cada um dos segmentos 7 Durante muitos anos a única forma de política pública para o setor. 8 A discussão setorial foi dividida em 20 sub-setores culturais: arquitetura; arquivos; arte digital; arte visual; artesanato; audiovisual; circo; cultura afro-brasileira; culturas indígenas; culturas populares; dança; design; livro, leitura e literatura; moda; museus; música; patrimônio imaterial; patrimônio material; teatro.

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organizados da diversidade cultural e que serviriam de substrato para a construção de uma política pública de Estado para a cultura. Para ela, seria indispensável, ainda a implementação de três componentes legais: o Sistema Nacional de Cultura (SNC), o Plano Nacional de Cultura (PNC) e o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). A tarefa de aprovação do PNC no Congresso Nacional (sancionado em dezembro de 2010) se tornou uma das pautas prioritárias do Governo Lula, que também se comprometeu a constituir o CNPC (implementado a 19 de dezembro de 2007) e criar e implementar o SNC (PEC 416/2005), pelo qual o poder público, regido pelas diretrizes do Plano Nacional de Cultura, garantiria as condições necessárias à “[...] efetivação de políticas públicas de cultura de forma integrada e democrática, em todo o país, incluindo aí, principalmente, a rede escolar (PT, 2002, p.20.)” (REIS, 2008, p.54). As discussões sub-setoriais que precederam a implementação do CNPC e do PNC na forma de seminários, encontros, fóruns e Conferências Setoriais Municipais, Estaduais e Nacionais de Cultura proporcionaram uma rica experiência participativa que foi fundamental para o processo de institucionalização da diversidade cultural brasileira. A instalação das “Câmaras Setoriais”9 e o estímulo ao diálogo entre Estado e sociedade propiciaram a criação de um espaço democrático legítimo, em que foram incluídos extratos da sociedade com grande histórico de exclusão social, cultural e política, tais como as populações indígenas e os muitos mantenedores(as) das culturas populares e das culturas afro-brasileiras (BRASIL, 2010). A busca pelo acolhimento político das diversidades culturais e a tentativa de introduzir a participação dessas nos rumos das decisões políticas é um importante tema debatido dentro da teoria democrática. Pode-se dizer que esse debate passou por dois momentos diferentes no século XX. O primeiro se vê marcado pela visão de incompatibilidade entre a participação da diversidade cultural no processo deliberativo ante o processo de racionalização e complexificação da esfera administrativa do Estado. Sobre este momento, Avritzer esclarece: [...] Weber percebeu corretamente já no início do século uma tendência à pluralização cultural. Para ele, as divergências culturais – que ele percebia como externas ao Estado nacional – colocavam um problema central para a democracia. Como resolver divergências em casos nos quais não seria possível optar cientificamente por uma cultura em relação à outra? No seu ensaio “Ciência como Vocação” esse elemento adquire centralidade analítica. (AVRITZER, 2010, p. 28). 9 Com a instalação do Conselho Nacional de Política Cultural no ano de 2007, as câmaras setoriais foram aos poucos sendo substituídas pelos Colegiados Setoriais, que são órgãos componentes da estrutura consultiva do CNPC.

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Ainda, segundo a leitura de Avritzer (2000), o pensamento de Weber (1919) – que concerne à defesa de que a complexidade da administração poderia prescindir de elementos participativos e argumentativos - forneceria as bases para uma concepção decisionística da deliberação. Ao ser potencializada pelas teorias de Schumpeter (1942), Downs (1956) e Bobbio (1979), esta concepção acabou por contribuir com o desenvolvimento da corrente conhecida como “Elitismo Democrático”. Ela propaga o ideal delimitador da democracia, entendendo-a simplesmente como “procedimento de autorização” de representantes para a constituição de governos. Foi, entretanto, incapaz de dar uma solução a duas questões importantes: “[...] se a questão de saber se as eleições esgotam os procedimentos de autorização por parte dos cidadãos e a questão de saber se os procedimentos de representação esgotam a questão da diferença” (AVRITZER; SANTOS, 2012, p.9). Essas questões só começaram a ser respondidas a partir da segunda metade do século XX, através da combinação de duas movimentações importantes. A primeira delas, na sociedade: movimentos sociais de vários pontos do mundo insurgem contra o modelo reducionista da democracia decisionística, demandando dos Estados a ampliação dos espaços de escuta e consulta da população. Tais movimentos passaram a reivindicar a participação na tomada de decisões políticas para além da participação na escolha dos representantes. A segunda movimentação coincide com o desenvolvimento de contra argumentações à corrente do elitismo democrático, segundos as quais seria possível o diálogo entre a diversidade cultural e a democracia. Tais propostas foram formuladas por J. Rawls (1971), J. Habermas (1989), J. Cohen (1989) e J.Bohmam (1996). Os autores ainda sustentavam a ampliação do conceito de deliberação para além da acepção decisionística, como via inclusiva da argumentação e da ação comunicativa, composta e aberta ao acolhimento da sociedade em novos espaços de discussão e de troca de idéias. Eles reintroduziram no cerne da teoria democrática o tema da participação da pluralidade sócio-cultural nos processos de tomada de decisões. Portanto, em meio ao fenômeno da expansão dos meios de comunicação, do maior acesso das pessoas à informação, das lutas dos movimentos sociais demandantes por novos direitos, e da ampliação do conceito de cultura como dimensão primeira em que se fundam “todas as instituições – econômicas sociais e políticas” (WILLIAMS apud AVRITZER; SANTOS, 2012, p.18), emerge uma nova corrente contra-hegemônica do pensamento mundial, para a qual a democracia deveria reconhecer a pluralidade humana com “[...] ênfase em uma nova gramática social e cultural e o entendimento da inovação social articulada com a inovação institucional” (AVRITZER; SANTOS, 2012, p.18). Sobre a reinvidicação da cultura como esfera inequívoca do campo de luta e disputa política, Silvia Rodriguez Maeso (2009), chama atenção para o demasiado foco unidirecional dos debates sobre a relação entre a cultura e a política na atualidade. Segundo Maeso, o modelo apresentado por Nancy Fraser e que também norteou abordagens do alemão Axel Honneth, obstariam o melhor entendimento das dinâmicas culturais contemporâneas, em suas dimensões de usualidade e conflitos, o que seria um fator impeditivo aos caminhos de 83


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(re) politização da cultura ao redor do mundo.A constatação da autora parte do pressuposto de que o dilema de reconhecimento e redistribuição proposto por Fraser teria uma limitação no campo da política cultural, já que este identifica e defende “[...] somente aquelas versões da política cultural da diferença que podem ser combinadas, de forma coerente com a política social de igualdade” (FRASER apud MAESO, 2009, p.187). Indo numa direção oposta ao modelo de Fraser, verificou-se que antes disso: a cultura é política porque os significados são constitutivos de processos que, de forma implícita ou explícita, procuram redefinir o poder social. Quer dizer quando os movimentos abrem concepções alternativas de mulher, natureza, raça economia, democracia ou cidadania, que desestabilizam significados culturais dominantes, estão a executar uma política do cultural (Álvares, Dagnino e Escobar apud MAESO, 2009, p.186).

De acordo com essa leitura, verificamos em Maeso que “[...] os territórios culturais como espaços de construção/autorização da diferença são, portanto, espaços de luta política e ideológica” (2009, p.186). Acerca das preocupações sobre a política cultural, a autora afirma: Minha posição é de que não devemos pensar tanto em dilemas entre modelos de injustiça e seu remédio, e sim no porquê de a inclusão do território da cultura – aquilo que na modernidade temos construído como âmbito da cultura – estar sendo amortecida como um campo de fora da política. (MAESO, 2009, p.188). Diante desse grande desafio, é possível afirmar que a reorientação paradigmática processada no âmago das gestões dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, que teve como uma de suas grandes culminâncias a instalação do CNPC, inaugurou uma nova era para os rumos da política cultural nacional e para a participação democrática da sociedade brasileira. No entanto, estas conquistas do campo cultural são apenas os passos iniciais rumo à satisfação de outro importante desafio político a ser operacionalizado pelas instituições participativas: a efetividade democrática. O tema tem interessado a vários “estudiosos da área da participação (TATAGIBA, 2002; ABERS; KECK, 2006; COELHO, 2004; AVRITZER, 2007; CUNHA, 2007a; CORTES, 2011)” (AVRITZER, 2011, p.13) em função de dois motivos principais. O primeiro está atrelado ao interesse pela compreensão dos efeitos da participação sobre os resultados das políticas públicas e vice-versa, e o segundo, relacionado à necessidade de aprofundamento da discussão teórica acerca da deliberação: 84


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[...] A maior parte da bibliografia internacional sobre o assunto passou a estar preocupada com as características da democracia deliberativa e aí também se disseminou uma preocupação com a efetividade da deliberação (DRIZEK, 2000; FUNG; WRIGHT, 2003). (AVRITZER, 2011, p. 13). É importante mencionar que a expectativa da institucionalidade participativa impõe jogos de disputa pelo poder. Dessa forma, é de se supor a ocorrência de possíveis obstáculos ao fortalecimento dos diversos setores da sociedade civil que compõem o conselho objeto do presente estudo, o CNPC, até porque “alguns setores não contam com uma tradição participativa, e nem possuem formas de induzirem esta participação” (FARIA, 2008, p. 8). Sob este ponto de vista, este estudo sobre a composição e a distribuição de cadeiras no CNPC vem se juntar ao conjunto de trabalhos que vêem, na atualidade, se esforçando na tarefa de compreender a qualidade da participação democrática dentro dos conselhos gestores. Sem esgotar todas as possíveis variáveis capazes de predizer a qualidade da participação nas instituições participativas, o estudo da composição aqui proposto se relaciona às seguintes: (i) a capacidade de inclusividade dos atores sociais dentro desse órgão; (ii) a forma pela qual os atores sociais são escolhidos, (iii) a origem institucional/associativa dos atores sociais; (iv) a condição dos atores sociais para exercer o direito a voto e (v) a prerrogativa da presidência no conselho.

3. Conselho Nacional de Política Cultural e Visão Panorâmica Sobre a Composição do Plenário O Conselho Nacional de Política Cultural é um dos órgãos institucionais componentes do Sistema Nacional de Cultura, conforme a proposta de emenda constitucional nº 416, de 16 de junho de 2005, de autoria Deputado Federal Paulo Pimenta. O CNPC foi criado em 24 de agosto de 2005 por meio do Decreto nº 5.520, que institui o Sistema Federal de Cultura (SFC) e dispõe sobre a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura. De acordo com o referido Decreto, o CNPC: [...] tem por finalidade propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades culturais no território nacional. (BRASIL. 2007). De acordo com o Art.1 do seu regimento interno atual publicado pela Portaria nº 28, de 19 de Março de 2010, que altera o Decreto nº 5.520 de 24 pelo Decreto nº 6.973 de 7 de outubro de 2009, a estrutura institucional do CNPC se divide em 5 órgãos, a saber: I – Plenário; II - Comitê de integração de Políticas Públicas, III – Colegiados Setoriais, IV – Comissões Temáticas e Grupos de Trabalho, V- Conferência Nacional de Nacional de Cultura. O Plenário do CNPC, que é o foco de nosso estudo, conta com um número total expressivo 85


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de cadeiras: contando com a representação do ministro, somam 66 ao todo. De acordo com leitura dos dados disponibilizados pela Secretaria Geral da República da Presidência da República e pela Secretaria Nacional de Articulação Social, este número colocaria o Plenário do CNPC na 4ª posição entre os 34 conselhos nacionais, considerando os conselhos que possuem os maiores números totais de cadeiras. O CNPC estaria abaixo apenas de outros três conselhos nacionais: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com 108 cadeiras, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), com 107 cadeiras, e o Conselho das Cidades (CONCIDADES), com 87. Estes dados são importantes, pois fornecem indícios que poderão contribuir, no conjunto geral de análise das variáveis, para a testificação da capacidade inclusiva do órgão. Sob o ponto de vista da pluralidade, a distribuição de cadeiras no Plenário do CNPC indica a existência de uma composição heterogênea entre os segmentos do Governo e da Sociedade Civil. Além da representação do Ministro de Estado de Cultura, o Plenário do CNPC é integrado por: a) 6 representantes do Ministério da Cultura; b) 13 representantes do Poder Público Federal, sendo 1 representante para cada uma das casas: Casa Civil da Presidência da República; Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério das Cidades; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ministério da Educação; Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério do Turismo; Secretaria-Geral da Presidência da República; Ministério das Comunicações; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério das Relações Exteriores; Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República da República; c) 4 representantes do Poder Público Estadual: 3 do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura, 1 do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura; d) 4 Representantes do Poder Público Municipal: 1 da Associação Brasileira de Municípios, 1 da Confederação Nacional de Municípios, 1 da Frente Nacional dos Prefeitos, 1 do Fórum dos Secretários das Capitais; e) 1 representante do Fórum Nacional do Sistema S; f) 1 representante das entidades ou das organizações não-governamentais que desenvolvem projetos de inclusão social por intermédio da cultura; g) 13 representantes das áreas técnico-artísticas, sendo 1 representante para cada uma das áreas: artes visuais, música popular, música erudita, teatro, dança, circo, audiovisual, literatura, livro e leitura, arte digital, arquitetura e urbanismo, design, artesanato, moda; h) 7 representantes, sendo 1 representante para cada uma das áreas: culturas afro-brasileiras, culturas de povos indígenas, culturas populares, arquivos, 86


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museus, patrimônio material, patrimônio imaterial; i) 3 personalidades com comprovado e notório saber na área cultural, de livre escolha do Ministro de Estado da Cultura; j) 1 representante de entidades de pesquisa na área de cultura; k) 1 representante do Grupo de Institutos e Fundações e Empresas (GIFE); l) 1 representante da Associação Nacional das Entidades Culturais Não Lucrativas – ANEC; m) 1 representante da Associação dos Dirigentes das instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES); n) 1 representante do Instituto Histórico e geográfico Brasileiro (IHGB); o) 1 representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e, ainda, na “condição de conselheiros(as) convidados(s)”, p) 7 representantes, sendo 1 representante para cada área respectiva: Academia Brasileira de Letras (ABL); Academia Brasileira de Música; Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr), Campo da TV Pública; Ministério Público Federal (MPF), Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. As normas do regimento interno do CNPC informam que o Plenário será presidido pelo Ministro de Estado de Cultura ou, em sua falta, respectivamente: pelo Secretário Executivo da Cultura, pelo Secretário Geral do CNPC e pelo Coordenador Geral da Secretaria Executiva do CNPC. Quando a regra do regimento interno define que é somente o Ministro da Cultura quem poderá presidir o Conselho, é possível inferir a concentração de poder por parte do poder público. Faria e Ribeiro (2010), ao estudar os conselhos municipais, já mencionam os efeitos perversos da indicação nata de presidentes: Este monopólio não só fere o princípio representativo, assentado no consentimento dos representados para com a liderança, seja ele por via eleitoral ou não, como configura, de antemão, a preponderância do governo frente aos demais segmentos que participam dos conselhos (FARIA e RIBEIRO, 2010, p. 16). Outras atribuições previstas no regimento interno do CNPC fazem confirmar essa inferência. Pelas regras, como presidente do Plenário, o ministro possui as atribuições de: “convocar reuniões”, “ordenar o uso da palavra nas reuniões”, “encaminhar ao Presidente da República e ao Conselho de Governo exposições de motivos e informações sobre as matérias da competência”. Além disso, cabe ainda ao presidente do Plenário “[...] além do voto pessoal o voto de qualidade nas decisões que resultarem empate” (COSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL, 2010, p.75).

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Passando à projeção das frequências de cadeiras com direito a voto, verificou-se, em meio ao número de 59 cadeiras, a existência de uma relação de majoridade - com pequena vantagem - para os representantes da sociedade civil, os quais somam 31 assentos (52,5 %). Representantes do poder público somam 28 dos assentos (47,5 %):10 TABELA 1

Tal como acontece na composição do CNPC, há relação de majoridade dos representantes da sociedade civil em 47,1% dos 34 Conselhos Nacionais, conforme a TABELA 2 abaixo. De acordo com os dados, constatou-se ainda: em 29,4% dos Conselhos Nacionais há relação de paridade entre os RPP e os RSC; em 17,6% há majoridade de cadeiras para os representantes do poder público (RPP) e em 5,8% não foi possível definir esta relação por ausência de dados. TABELA 2

Constatada a majoridade dos representantes da Sociedade Civil no CNPC, procuramos reunir maiores informações para a análise da qualidade do potencial democrático dessa representação nas seções seguintes. 10 Não foram consideradas as 7 cadeiras dos representantes convidados da sociedade civil e do poder público, sem direito a voto.

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3.1. Análise da Representação do Plenário com Foco na Representação da Sociedade Civil com Direito à Voto De acordo com a definição do critério relativo à forma pela qual os representantes foram escolhidos (TABELA 3), dividimos as cadeiras dos representantes da sociedade civil, inicialmente, em três grupos: TABELA 3

Conforme o regimento interno, as cadeiras com direito a voto referentes à sociedade civil têm as seguintes distribuições e critérios de eleição: A) 20 são destinadas aos representantes setoriais das áreas técnicas – artísticas e de patrimônio cultural (RSATAPC), o que corresponde a 64,5% do total de assentos com direito a voto no Plenário. A seleção destes representantes será feita através da indicação dos membros da Sociedade Civil que participam dos Colegiados Setoriais do CNPC11 ou, na ausência destes, por escolha do Ministro de Estado da Cultura; B) 8 são destinadas aos representantes de iniciativas, associações, fundações, empresas e grupos de pesquisa da sociedade civil (RIAFEGPESOC), entidades que possuem assento fixo no Plenário, o que corresponde a 25,8% do total de assentos com direito a voto no Plenário. O regimento interno não menciona a forma de escolha de representantes oriundos destas entidades; C) 3 são destinadas aos representantes de notório saber (RNS), o que corresponde a 4,5% dos assentos com direito a voto. A seleção dos representantes será feita por indicação direta de livre escolha do Ministro da Cultura. Com base em nosso referencial teórico, o conjunto das regras citadas sobre a composição e forma de eleição dos assentos com voto no Plenário do CNPC indica possíveis problemas na representação em três situações. A primeira refere-se à escolha dos RNS, indicados pelo presidente do conselho, pois quando “[...] a escolha destas pessoas é de responsabilidade 11 São 20 colegiados, sendo que cada um corresponde a uma área artística ou de patrimônio cultural.

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do presidente, isso [...] não ajuda em nada a alargar a participação da sociedade civil na representação deste conselho.” (FARIA, 2008, p. 5). A segunda situação origina-se no fato de que o regimento interno do CNPC determina alguns assentos fixos da sociedade civil - o que, em si, já é algo a se contestar - e também não prevê a definição clara de critérios democráticos para a indicação/escolha dos representantes destas entidades no Plenário RIAFEGPESOC: [...] No que diz respeito [...], a existência ou não de normas que prevêem quais entidades e/ou categorias de entidades terão assento nos conselhos pode afetar a pluralidade da representação nessas instituições. Como o número de vagas é limitado, tais regras restringem a possibilidade de disputa democrática entre uma variedade de organizações e interesses que poderiam pleitear assento nos conselhos, tornando – os mais permeáveis e inclusivos (ALMEIDA, 2010 apud FARIA; RIBEIRO, 2011, p.130). Infere-se, portanto, que quanto menos regras delimitarem as entidades ou as categorias de entidades que terão assento nos conselhos, maior será a abertura desses espaços à renovação e à diversidade dos atores envolvidos. (FARIA; RIBEIRO, 2011, p.130) A terceira situação verificada que indica problema ao potencial democrático da representação no Plenário do CNPC se encontra nas condições regimentais para o processo de escolha dos RSATAPC, visto que podem acarretar problemas à representação dos segmentos da sociedade civil (SC) no CNPC: as regras para eleger estes representantes são definidas pelo órgão gestor do conselho (neste caso, o Ministério da Cultura). Este é o responsável por estipular quais serão os procedimentos de participação e os critérios que habilitam representantes da sociedade civil potencialmente elegíveis, o que pode ou não favorecer a participação. Nos critérios adotados na Pré-Conferência Nacional de Cultura de março de 2010 (Brasília), em que foram escolhidos os representantes dos Colegiados Setoriais, houve a realização de fóruns de discussão presenciais com representantes setoriais de todos os estados. Neles, por exemplo, foram escolhidos os representantes. Contudo (e, embora a análise deste estudo circunscreva-se às regras do Regimento Interno do CNPC no ano de 2010), é de se registrar, como exemplo, que, nesse quesito - em detrimento dessa imprecisão regimental do CNPC quanto à adoção de regras mais inclusivas e mais democráticas - o método utilizado pelo Ministério da Cultura para a eleição dos representantes dos Colegiados Setoriais para o mandato de 2012 a 2014 limitou a capacidade indutiva da participação de candidatos e eleitores nos estados brasileiros. Primeiramente, as regras adotadas por esse

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edital provocaram a redução do número de representantes dos sub-setores participantes, que passou de 20 para 17 sub-setores culturais. Além disso, o MINC não convocou fóruns presenciais regionais, em favor da realização de fóruns regionais virtuais, pela internet, medida que teve efeito inibidor à participação da sociedade civil e esvaziou, nessa etapa, a discussão política do processo eleitoral. Por fim, o complexo trâmite virtual de inscrição de candidatos e eleitores ao processo dificultou, ainda mais, a participação da sociedade civil, prejudicando a inclusividade da pluralidade representacional dos sub-setores nos fóruns presenciais nacionais, etapa subseqüente aos fóruns regionais virtuais. Em tempo, é bom que se frise que as regras do regimento interno do CNPC deveriam prever a existência de mecanismos que pudessem garantir a participação democrática de representantes dos sub-setores de todos os estados, em todas as etapas do processo eleitoral. Contudo, devido aos problemas acima apontados, a inclusividade dos sub-setores sofreu prejuízos representacionais em todas as regiões do país, sendo que algumas destas representações ficaram excluídas do processo eleitoral em vários estados brasileiros. Dados recentes sobre o processo eleitoral de 2012 de renovação dos representantes no CNPC, publicados pelo MINC (2012), revelaram que apenas 5 dos 17 sub-setores culturais que participaram do pleito de 2012 (isto é, menos de 30% dos sub-setores) conseguiram ter candidatos elegíveis em mais de 50% dos estados nos fóruns nacionais presenciais. Nestes estados, o sub-setor do teatro foi o mais representativo, conseguindo ter candidatos elegíveis em 17 estados. Ainda assim, a representação sub-setorial do teatro não ultrapassou 63% dos estados. Os dados demonstram ainda que as áreas de arquitetura e urbanismo, arquivos, arte digital, artesanato, circo, culturas afro-brasileiras, culturas indígenas, moda, patrimônio imaterial e patrimônio material, que representam 37% do universo dos sub-setores, não chegaram a alcançar 38% da representação nos estados, o que demonstra significativo esvaziamento representacional. Desta forma, é possível inferir pelos dados que o procedimento adotado pelo MINC para a escolha dos novos representantes do CNPC, sob o ponto de vista da inclusividade democrática e representacional da pluralidade cultural, não foi o instrumento mais adequado, pois restringiu a participação da sociedade civil no próximo mandato do CNPC. Compreender as regras de elegibilidade dos representantes se faz importante pois estas auxiliam a testar o nível da inclusão efetiva dos atores sociais promovida pelo órgão. Nesta perspectiva: Os casos mais bem sucedidos desta política apontam para o fato de que a presença dos fóruns, a universalidade da participação, o incentivo à participação e à organização dos atores menos favorecidos, a disponibilização dos recursos e a auto regulação do processo [...] tornaram esta política uma proposta inclusiva 91


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muito mais real do que formalmente legalizadas. (FARIA, 2008, p.7) Todavia, sobre o bem sucedido decurso da política participativa da cultura inaugurada na era de governo do presidente Lula sob a gestão dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, insta salientar que as condições que permitiram a instalação do processo argumentativo democrático dentro dessa área de política pública foram alcançadas, principalmente, pelo conjunto de ações indutivas do Ministério da Cultura. Por meio da realização de encontros, seminários, conferências municipais, estaduais e nacionais presenciais, garantiram-se as condições políticas basilares à ampla participação social da população brasileira. Estas medidas foram particularmente importantes para o processo de inovação institucional da esfera pública da cultura que, a partir da constituição destes espaços participativos, os transformou em legítimos fóruns de deliberação pública. Comparando o plenário do CNPC aos conselhos nacionais em atividade, constatou-se que em: A) 9 conselhos (27,3%), a escolha dos RSC é definida por critérios objetivos definidos por edital próprio/legislação específica/conferência nacional; B) 7 conselhos (21,2%), a escolha é feita por indicação/designação/nomeação do Poder Público Federal (PPF), mediante a indicação das entidades da sociedade; C) 6 conselhos (18,2%), a escolha é feita por indicação/designação do Poder Público Federal (Presidente da República ou Ministro de Estado); D) 5 conselhos (15,2%), a escolha é feita por meio de eleição direta; E) 3 conselhos (9,1%), a escolha é feita por indicação das entidades da sociedade civil; F) 1 conselho (3%), a escolha é feita através de análise de pedido formal formulado pela entidade, mediante a aprovação do plenário do conselho; G) 1 conselho (3%), a escolha é feita através de escolha por convite por parte do Poder Público Federal; H) 1 conselho (3%), a escolha é feita através de procedimento em que as representações da Sociedade Civil têm, Regimentalmente, Cadeiras Permanentes. Neste caso, não foram localizadas as regras de como se dá a escolha dos representantes destas entidades. Verificando as normas de escolha de RSC nos demais conselhos nacionais, verificamos 92


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que o CNPC possui algumas similitudes quanto a mais de um conselho nacional no que tange à maneira de se escolher seus RSC. O CNPC não apresenta, portanto, uma única forma de escolha de RSC, mas uma forma híbrida, que conjuga 3 tipos de padrão que aparecem na lista acima: a escolha dos RSATAPC é definida por critérios objetivos definidos por edital próprio/legislação específica/conferência nacional; a escolha dos RNS é feita por indicação/ designação do Poder Público Federal (Presidente da República ou Ministro de Estado); a escolha dos RIAFEGPESOC é feita através de procedimento em que as representações da sociedade civil participam tendo, regimentalmente, cadeiras permanentes. Neste caso, não encontramos regras claras sobre como se daria a indicação dos representantes. Diante da existência dessas três formas de escolha que encontramos no CNPC, acreditamos que a representação poderá ficar comprometida em sua efetividade inclusiva na primeira das formas - escolha dos RSATAPC - caso não haja o estabelecimento de regras para a acessibilidade do processo participativo e condições que venham favorecer a “[...] realização de fóruns, o incentivo, a organização e a universalização da participação” (FARIA, 2008, p. 7). A ausência destas condições significa um baixo nível de potencial democrático do CNPC. Essa regra de escolha (em que o órgão elabora um edital) pode ser abordada também a partir de outras perspectivas: “[...] vontade e/ou envolvimento político do gestor” (FARIA, 2008, p. 6), a “[...] capacidade financeira” do Ministério da Cultura (FARIA, 2008, p. 6), “[...] o ‘perfil associativo’ dos setores culturais envolvidos” (FARIA, 2008, p. 6). Essas perspectivas não são objeto do presente estudo, mas podem proporcionar futuras investigações acerca do potencial democrático do CNPC. Já na segunda e na terceira formas de escolha dos RSC para o Plenário no CNPC citadas acima, o comprometimento do potencial democrático em relação à forma de escolha dos RNS e dos RIAFEGPESOC fica evidente. Em ambos os casos, o direito de escolha desses representantes não acontece por meio de procedimento de eleição em fóruns públicos, nem da indicação de membros da sociedade civil ou de outro procedimento de equivalência democrática. Na próxima sub-seção discutiremos as condições da representação do poder público no plenário considerando as cadeiras com direito a voto e analisando o número percentual de cadeiras distribuídas entre os representantes dos três entes da federação; suas implicações para o desenho composicional; a origem institucional das cadeiras e os possíveis motivos encontrados para explicar o fenômeno da concentração de cadeiras por parte dos representantes do órgão gestor do CNPC.

3.2. Análise da Representação do Plenário com Foco na Representação do Poder Público com Direito a Voto

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Passamos, agora, para a investigação da composição assumida pelas cadeiras do poder público. Dividindo-se o número total das 28 cadeiras pela origem da instância federativa, obtêm-se 3 grupos, conforme a TABELA 4 que segue a seguir. TABELA 4

Os números obtidos permitem verificar que, embora o espaço de representação do PP admita, além dos RPF, os RPE e os RPM - o que sob o ponto de vista da pluralidade democrática é muito importante - os números percentuais demonstram haver uma grande concentração de cadeiras por parte dos RPF. Estes representam 71,4% dos assentos: assimetria que indica baixa capacidade de partilhamento de poder entre os representantes dos entes federativos que participam deste conselho. Com a finalidade de observar melhor a natureza do fenômeno da concentração de cadeiras pelos RPF, dividimos o número total de cadeiras destinadas a esses representantes em dois grupos: representantes do Poder Público Federal - Ministério da Cultura (RRPPF/ MINC) e outros representantes do Poder Público Federal e de Outros Ministérios (RPPF/ OM). Constatamos haver, no CNPC, uma significativa concentração de cadeiras por parte dos RRPPF/MINC que, somadas à cadeira do presidente (no caso, o Ministro de Estado de Cultura), representam 7 cadeiras: ao todo, 35% dos assentos destinados aos RPP, conforme vê-se na TABELA 5: TABELA 5

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Em comparação aos outros 33 Conselhos Nacionais (TABELA 6), há a indicação de acúmulo de cadeiras por parte do órgão gestor do conselho. O CNPC é o conselho com maior número de cadeiras destinadas ao órgão gestor (e o segundo maior em números percentuais). A inferência que se faz é que este órgão, o MINC, poderá ter maiores condições de poder, dado o número total de cadeiras acumuladas, para o exercício de sua influência política dentro do CNPC. TABELA 6

A concentração de mais de uma cadeira por parte da instituição que mantém o conselho, como verificado no caso do CNPC, se repete em mais outros quatro conselhos nacionais: Conselho das Cidades (CONCIDADES), Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e Conselho Nacional de Saúde (CNS), como se pode observar na TABELA 6. É interessante observar que, dentre eles, o CNPC é aquele com menor tempo de existência: sua lei de criação é do ano de 2005, enquanto a legislação de criação do CNS (o mais antigo de todos os conselhos nacionais) é do ano de 1937. Considerando, ainda, o critério tempo de criação, o CNAS e o CNRH têm legislação de criação datada dos anos de 1993 e 1997, respectivamente, e o CONCIDADES teve sua criação realizada no ano de 2003. Os conselhos listados, à exceção do CNPC, pertencem a setores com políticas públicas mais consolidadas e são de grande importância social e de interesse estratégico para o país (saúde, assistência, recursos hídricos e planejamento e regulação urbana). Embora não seja objeto do presente estudo adentrar nessa discussão, as características destes conselhos talvez possam fornecer indícios explicativos da constatação de que o Poder Público Federal tende, ao menos no aspecto da representação, a exercer maior influência dentro do processo de 95


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tomada de decisões, dado o número de cadeiras acumuladas pelos seus representantes. Diante da recente recolocação da cultura como área de importância estratégica do desenvolvimento do país, a constatação do acúmulo de cadeiras por parte representantes do Ministério da Cultura no CNPC merece algumas considerações. Dentre os 34 conselhos nacionais, o CNPC é o que concentra o maior número de cadeiras vindo do órgão gestor. Seguindo a linha adotada acima, que vê no potencial econômico e estratégico dos conselhos listados o motivo da concentração de cadeiras por parte do órgão gestor, poder-se-ia estender a lógica ao CNPC. Explicando melhor: a política pública da cultura promete ocupar espaço cada vez mais central na agenda política e econômica nacional e internacional, uma vez que a temática da cultura já superou a visão reducionista que a percebe apenas como associada ao incremento das artes e hoje está relacionada ao fomento dos processos de identidade de grupos e povos e do acesso aos direitos de forma geral. Nas palavras de uma reconhecida consultora da ONU: apoiar as pessoas para reivindicar seus direitos requer um trabalho de interface entre a cultura e os direitos e de preenchimento da lacuna entre as políticas formais e os direitos por um lado e, por outro, a vida das pessoas envolvidas em uma rede complexa de estruturas de poder e as normas socioculturais. (SHAHEED, 2011, p.17) Dessa forma, o acúmulo de cadeiras exercido pelo Ministério da Cultura no CNPC talvez possa ser lido como estratégia do controle político do órgão gestor à estrutura de poder desse jovem e promissor conselho.

4. Conclusão A reorientação política empreendida pelo Governo Lula foi importante para a ampliação da participação social em várias áreas, e também desencadeou a abertura de um processo de ressignificação no campo da política cultural no país. Para isso, foram decisivas as atuações dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira que, em 8 anos de governo, estiveram à frente de mudanças institucionais e legais que elevaram o patamar político da cultura e se comprometeram a construir um projeto de política pública que alterou seu status de “política de governo” para uma “política de Estado.” Em meio à construção desse projeto, que teve ampla inclusão de vários sub-setores da diversidade cultural, o processo de constituição do Conselho Nacional de Política Cultural foi e tem sido inovador para a superação do elitismo na política cultural brasileira. Neste contexto, a inclusão da sociedade como ator social importante na construção política cultural brasileira impõe uma série de desafios práticos e teóricos que se referem ao funcionamento 96


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desse novo formato institucional. Ao ser comparado ao processo histórico de participação nacional, empreendido pela sociedade em políticas públicas setoriais mais consolidadas como a educação, o meio ambiente, a saúde e a assistência social, tal realidade sugere que o desenvolvimento nacional da política cultural necessitará de tempo para se acomodar. Demandará, também, grande capacidade de articulação, mobilização, organização e execução dos planejamentos previstos pelos marcos legais, recém-institucionalizados pelo estado brasileiro. Neste sentido, o principal desafio da área cultural é a profissionalização de seus gestores públicos, para que se rompa com a condição da política que aloca importância secundária para a cultura ou que não promove o incentivo à participação social democrática justa e adequada ao desenvolvimento das políticas públicas do setor. Ao analisar, neste estudo, a composição, a distribuição e a proporcionalidade de cadeiras com direito a voto no plenário do CNPC, buscou-se compreender aspectos sobre o processo de compartilhamento de poder entre representantes do poder público e representantes da sociedade civil, no conselho que, em tese, representaria o modelo do arranjo institucional a ser seguido pelos estados e municípios. Na projeção das cadeiras com direito a voto verificou-se a relação de majoridade dos RSC com 31 cadeiras, contra 28 cadeiras dos RPP. No entanto, verificamos que algumas regras dadas pelo regimento interno do CNPC, como a indicação pelo Ministro de Estado da Cultura de 3 RNS, comprometem o potencial democrático destas representações, pois tiram o direito dessas representações serem escolhidas democraticamente pela sociedade civil. Nesta primeira projeção, verificamos também que há falta de clareza quanto às regras para a escolha de 8 dos representantes de iniciativas, associações, empresas, grupos de pesquisa e estudo da sociedade civil. Além disso, estes representantes advêm de entidades com cadeiras fixas, havendo a rotatividade apenas em relação aos membros dessas entidades que irão compor a plenária, o que pode também apresentar problema ao potencial democrático do CNPC. Quando se impede a renovação das cadeiras, impede-se também a participação da diversidade dos atores envolvidos no processo da política cultural. A análise das cadeiras com direito a voto dos RPP indicou uma grande concentração de cadeiras por parte dos representantes do Poder Público Federal quando comparados com o número de cadeiras dos representantes do Poder Público Estadual e dos representantes do Poder Público Municipal. Os RPPF representam 71,14% das 28 cadeiras do poder público, o que sugere baixo partilhamento de poder entre representantes dos entes federativos. Além disso, considerando o universo dos RPPF, muitos são representantes da mesma instituição, o Ministério da Cultura, que é o responsável pelo CNPC. Em comparação com os outros 33 conselhos nacionais, o CNPC é o que apresenta maior quantidade de cadeiras conferidas à mesma instituição federal (no caso, o Ministério da Cultura), sendo este número

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o segundo, em termos percentuais, na comparação entre conselhos. Este dado pode indicar que a composição do CNPC proporciona maiores condições para a concentração de poder e controle pelos RPPF. Também é importante destacar outra regra limitadora do potencial democrático do CNPC identificada neste estudo: o regimento interno do órgão prevê que a presidência do conselho deverá ser exercida pelo Ministro da Cultura, o que caracteriza mais uma forma de concentração de poder. De acordo com a leitura dos dados, podemos, então, sintetizar que o CNPC apresenta uma grande composição de cadeiras e a inclusão de uma ampla diversidade de atores culturais. Porém, não se pode afirmar que há equilíbrio das representações apenas com base nestes dados. Ao analisar, no presente estudo, as regras e as condições sobre as quais se dão as representações , os resultados obtidos revelam que a composição pode acarretar problemas quanto ao grau de seu potencial democrático quando: a) Os RSC - com direito a voto – foram indicados pelo Ministro de Estado de Cultura. b) Houve assentos destinados a entidades fixas da sociedade civil, limitando a participação e a renovação de atores sociais, conforme verificado na regra sobre os RIAFEGPECSOC. c) Não houve definição clara de regras que definissem como seria realizada a escolha dos RSC, como verificado na regra sobre os RIAFEGPECSOC. d) A prerrogativa da presidência era (e ainda é) do Ministro de Estado da Cultura. e) As regras e condições adotadas pelo Ministério da Cultura para a escolha dos RSATAPC não proporcionam condições adequadas para que procedimentos democráticos de participação sejam satisfeitos. Muito embora a instalação do CNPC, no ano de 2007, tenha inaugurado uma nova era da participação política e social da cultura em nosso país, o histórico da participação social da diversidade cultural dentro dos novos espaços deliberativos dos Conselhos Gestores de Políticas Culturais ainda é uma novidade institucional no cenário político da democracia participativa brasileira. Esse fato demanda grande atenção do poder público, da sociedade e da academia, pois a simples condição de sua existência não garante as condições mínimas para que a efetividade democrática deste órgão se cumpra. Dessa forma, a revisão das normas que definem o critério da distribuição e da composição de cadeiras, como os parâmetros de quem pode e como pode participar do conselho, tende a contribuir positivamente ao aprimoramento participativo político do 98


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CNPC, desde que essas normas se tornem ainda mais inclusivas e democratizantes. Este entendimento também poderá ser estendido ao caso dos conselhos de cultura estaduais e municipais. Neste sentido, além das medidas acima, ações como a capacitação política de gestores públicos e, principalmente, dos atores sociais também deverão receber apoio e atenção especial na agenda política de planejamento estratégico dos governos. Afinal, o investimento, o incentivo e a qualificação da participação social fazem aumentar as chances de êxito da nova política de estado que intenciona, a partir da implementação do SNC, a promoção ampla da democratização cultural em nosso país. Por fim, esta exposição almejou contribuir com o campo de estudo e investigação da participação e da efetividade democrática, tendo em vista futuras oportunidades de aprimoramento e aprofundamento dos resultados obtidos.

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Resumo O presente estudo analisa a participação no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) do Brasil. O objetivo foi estudar a composição e a distribuição da representação dos membros do poder público e membros da sociedade civil para verificar o respectivo potencial democrático. Os dados utilizados foram as normas de funcionamento contidas no regimento interno do CNPC no ano de 2010. Em um primeiro momento, foram pesquisadas as normas de funcionamento desse regimento, que foram organizadas através do uso de um programa de banco de dados. Em seguida, este banco de dados recebeu também algumas informações sobre normas de funcionamento de outros conselhos nacionais, vigentes no ano de 2010. Por fim, foram realizadas análises de frequências que permitiram verificar que a majoridade de cadeiras da sociedade civil ofusca o fato de que as normas para a composição do CNPC no ano de 2010 não forneciam condições para o equilíbrio da representatividade desta sociedade civil, prejudicando a efetividade democrática do conselho. Contudo, o estudo também evidenciou que, mesmo havendo este prejuízo, a implementação do CNPC representa um importante elemento para o avanço participativo nas políticas públicas culturais no país. Palavras-chave: Conselho Nacional de Política Cultural; CNPC; conselho gestor; democracia participativa; composição; representação; potencial democrático; diversidade cultural.

Célio Augusto Souza Pereira é Pós-graduado em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais (UFMG, 2012). Graduado em Música (UEMG, 2003). Graduando em Gestão Pública (UFMG, atual). Sócio da empresa Guiga Goulart Produções. Atuação nos setores público e privado: consultoria, assessoria e capacitação em projetos e políticas na área sócio-cultural.

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DINÂMICAS PARTICIPATIVA E DELIBERATIVA NO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ANÁPOLIS Valdecí Gonçalves Dutra 1. Introdução A participação da sociedade civil é de vital importância para o alcance da qualidade dos serviços públicos, visto que aumenta as possibilidades de sucesso das ações de governo. Desde a Constituição de 1988, o Brasil vem inovando em espaços participativos que colocam Estado e sociedade civil lado a lado na formulação e fiscalização de políticas públicas em diferentes áreas. Um dos espaços mais conhecidos e difundidos no país são os conselhos de políticas, os quais têm competências variadas, que se referem principalmente às funções de formulação e fiscalização dos recursos e políticas que serão implementados nos municípios, estados e na União. Uma das áreas que introduziu esta gestão participativa é a educação, que será alvo deste artigo. A garantia de uma gestão democrática do ensino público deve ser um dos principais objetivos dos Conselhos de Educação (doravante, CE). A participação da sociedade estimula a convivência entre atores sociais, a administração pública e a comunidade escolar, o que cria um espaço para a manifestação de conflitos, apresentação e discussão de problemas e busca de soluções conjuntas para a melhoria do ensino, visando à construção de uma sociedade mais humana e mais inclusiva. Não obstante a importância destes espaços, a literatura vem mostrando, ao longo dos anos, que a atuação dos canais participativos pode sofrer influência das dinâmicas de participação e deliberação, podendo colocar em risco o seu desempenho e deixar dúvidas quanto à sua capacidade de produzir ações geradoras de reflexos na qualidade da gestão das políticas públicas. Considerando as dificuldades reais de operacionalização da participação da sociedade civil, especialmente no processo de formulação de políticas públicas, o presente artigo apresenta um estudo de caso do Conselho Municipal de Educação de Anápolis (CMEA). O objetivo é identificar os diferentes graus de institucionalização, democratização e representação apresentados, bem como sua capacidade de participação e deliberação, pressupondo que estas dimensões interferem no seu desempenho democrático como um espaço concreto de influência, inclusão e reforma. O grau de institucionalização foi avaliado a partir das variáveis institucionais, que podem impactar as dinâmicas participativa, deliberativa e representativa dos conselhos - como o seu tempo de existência, sua estrutura organizacional e a frequência das reuniões ordinárias. O grau de democratização incorpora a análise da composição, pluralidade, processo decisório, definição de pauta e o formato da tomada de decisão, etc. O grau de representação, por sua vez, parte de regras que indicam os critérios que asseguram a pluralidade dos segmentos representados. Em relação às dinâmicas participativas e deliberativas do CME de Anápolis, o artigo analisou a participação dos conselheiros nos processos de formulação e implementação de políticas públicas na área de educação. 104


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Para tanto, a metodologia está baseada numa abordagem qualitativa segundo a perspectiva dos participantes. Foi feita uma pesquisa de campo com coleta de dados primários utilizando como instrumento um questionário semiestruturado aplicado aos membros do Conselho Municipal de Educação de Anápolis. Questionou-se de forma aberta as percepções de cada um acerca de sua atuação, atribuições, nível de participação, autonomia, democratização, regime de colaboração e políticas públicas educacionais. Utilizou-se, também, uma análise documental da Lei de Criação e do Regimento Interno, a fim de comparar o que definem as regras sobre os diferentes graus de institucionalização, democratização e representação e qual é a percepção dos atores sobre algumas destas dimensões. O texto está estruturado da seguinte maneira: em primeiro lugar, apresenta a concepção, estrutura e funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação. Em segundo lugar, discorre sobre a gestão democrática, seus limites e perspectivas. Em terceiro, destaca o estudo de caso com a leitura da Lei de Criação e do Regimento Interno focada na estrutura organizativa dos conselhos municipais, na sua composição e nos seus processos de funcionamento. Em seguida, apresenta o relato das entrevistas realizadas com os membros do CMEA, os quais foram de extrema importância para a reflexão e a construção de novos conhecimentos que poderão contribuir com futuras investigações e proposições de mudanças com vistas à ampliação da possibilidade de participação e ao aprofundamento da democracia. As questões contribuem para a percepção da dinâmica participativa e deliberativa do conselho, bem como para a aferição dos diferentes graus de institucionalização, democratização e representação do conselho. Por fim, são apresentados os principais resultados da pesquisa realizada junto ao CMEA e as considerações finais acerca das questões abordadas.

2. Concepção, Estrutura e Funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação. 2.1. Histórico dos Conselhos de Educação No sentido geral, os conselhos são órgãos coletivos de tomada de decisões, agrupamentos de pessoas que discutem e/ou deliberam sobre algum assunto. Surgiram nas sociedades organizadas desde a antiguidade. Seu sentido pode ser buscado no latim conciliam. Esse termo provém do verbo consulo/consulere, que quer dizer ouvir alguém ou submeter algo à deliberação de alguém após ponderação refletida, prudente e de bom senso. No Brasil, o início efetivo do funcionamento dos CE ocorreu com a criação do Conselho Superior de Ensino no ano de 1911, transformado em Conselho Nacional de Ensino em 1925 e substituído em 1931 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Em âmbito nacional, os CE caracterizam-se por três momentos diferentes: a) 1931-1961 – Conselho Nacional de Educação, instituído pelo Decreto n. 19.850, de 11 de abril de 1931, “órgão consultivo do Ministro da Educação 105


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e Saúde Pública, nos assuntos relativos ao ensino” (art. 1º), destinado a “colaborar com o ministro nos altos propósitos de elevar o nível da cultura brasileira e de fundamentar, no valor intelectual do indivíduo e na educação profissional apurada, a grandeza da Nação” (art. 2º). b) 1962-1994 – Conselho Federal de Educação, criado pela LDB/61. Suas atribuições iam desde a implementação da política nacional de educação e normatização do sistema federal de ensino, até a autorização e o reconhecimento de cursos, aprovação de estatutos e regimentos, credenciamento de professores, convalidação de estudos, entre outros. c) 1994 – Conselho Nacional de Educação, criado pela Medida Provisória n. 661, de 18 de outubro de 1994, definido como instância de colaboração no desempenho das funções do Ministério da Educação e Cultura - MEC, a quem cabe formular e avaliar a Política Nacional de Educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem. Na vigência da Medida Provisória, era composto, em sua maioria, por cargos de confiança do Ministro. É possível notar a evolução do Conselho de Educação no Brasil por intermédio das leis que fizeram com que suas atribuições fossem se ampliando ao longo de sua trajetória. A participação da sociedade civil na composição do conselho, porém, ainda ocorre de forma lenta. Na visão de Teixeira (2004), a ideia dos Conselhos de Educação no Brasil está fortemente ligada à sua concepção como órgãos de governo, com função de assessoramento e colaboração que os caracterizou ao longo de grande parte da história educacional brasileira no século XX, conferindo-lhes a marca de órgãos normativos do sistema, atuando na interpretação e na resolução do emprego da legislação educacional no País. Segundo Bordignon (2009), a figura de um Conselho de Educação esteve presente e em efetivo funcionamento desde 1911, quando foi criado, inicialmente, como órgão consultivo do gabinete do Ministro de Estado. Os primeiros conselhos exerceram funções técnico-pedagógicas e somente a partir de 1931 receberam atribuições estratégicas, relativas às políticas e às normas, marcando toda a trajetória da educação no Brasil. Antes da Constituição de 1988, a gestão da sociedade era realizada unicamente pelo governo. Somente a ele cabia pensar e cuidar do bem comum. Entretanto, a presença de um novo ator político na sociedade aparece a partir da Constituição de 1988, alterando significativamente a concepção de suas atribuições e autonomia e possibilitando aos Conselhos Municipais de Educação se organizarem efetivamente. Foram criados os Sistemas Municipais de Ensino, que passaram a ter funções próprias, relativas ao seu sistema de ensino, ocupando espaço próprio na autonomia dos municípios definida nos artigos 18 e 211 da Constituição. 106


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Ao analisar a trajetória histórica dos CE, pode-se observar que estes colegiados estiveram presentes na educação ao longo dos séculos, variando suas atribuições de acordo com o grau de democracia existente. Estes espaços são de extrema importância para que os cidadãos possam participar e se comprometer com a gestão da educação de maneira democrática. Com as legislações recentes que privilegiam a participação social nas decisões, estes colegiados tornaram-se parte fundamental na gestão da educação pública. Para além dos conselhos, o sistema de formulação de políticas públicas na educação incluem as conferências. Estas são instâncias máximas de deliberação e de definição de políticas. Nelas, os representantes de todos os interesses da sociedade definem as prioridades de toda administração. Daí a importância da efetividade das conferências, tanto na definição das diretrizes da política quanto no planejamento, na normatização, na fiscalização, na implementação das decisões e nos trabalhos das unidades administrativas das secretarias municipais, visto que são formuladoras de políticas. A articulação entre conselhos e conferências é essencial para a formulação e para o monitoramento das políticas, e também para que o controle social seja uma representação efetiva, voltada realmente para o bem de todos. 2.2 O papel e a natureza dos Conselhos Municipais de Educação O papel fundamental dos CMEs é dividir com os municípios a preocupação com a educação na busca de alternativas para os problemas existentes nessa esfera política. Esse papel exige legitimidade do conselho, que resulta da relação que ele for capaz de estabelecer com a sociedade por meio dos segmentos nele representados. A legitimidade da representação confere-lhe o papel de interlocutor das demandas sociais, assegurando assim a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação municipal. O conselho deve ser a caixa de ressonância de todas as demandas, problemas e reflexões que se produzem no município quanto à educação. O seu papel fundamental é de inspirar, incentivar, cobrar e orientar todo o processo de elaboração, execução e avaliação do Plano Municipal de Educação (PME). O principal papel do CME é o incentivo políticopedagógico, o apoio contínuo e presencial às ações previstas nos cronogramas do PME em sua versão final, aprovada pela Câmara Municipal. Após a sua aprovação, cabe ao CME zelar constantemente por sua execução e aperfeiçoamento. Espera-se, portanto, que os conselheiros possam ser elementos críticos de toda a realidade municipal, inclusive da educação como se dá no cotidiano das escolas e da Secretaria Municipal de Educação (SME), e acima de tudo, que sejam estudiosos da realidade educacional e promotores das soluções para seus problemas. A mediação do CME será imprescindível para garantir a credibilidade, a longevidade e o aperfeiçoamento do PME. Em relação à natureza dos conselhos, Genuíno Bordignon destaca sua associação intrínseca com a estrutura federativa do País e a autonomia das unidades federadas e

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dos respectivos sistemas de ensino. Para Bordignon (2005), o Sistema de Ensino é um conjunto de partes em relação harmônica e interdependente, formando um todo autônomo e independente. Esta característica pode ser vista na Constituição Federal de 1988, no seu art. 211, que estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino. Nesta direção, os sistemas de ensino se fundamentam no regime federativo e se caracterizam por competências próprias na sua esfera de poder e autonomia. Esta forma de organização política se caracteriza pela cooperação entre os sistemas federal, estadual e municipal. Ainda no art. 211, a Constituição estabelece que a “União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios”, exercendo “função redistributiva e supletivo” em relação às unidades federadas. Mesma orientação estará presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de nº 9.394/96. Entende-se, portanto, que a criação dos sistemas de ensino se insere no processo da construção da democracia e da consolidação do regime federativo pela afirmação da autonomia das unidades federadas. Os Conselhos foram situados pela Constituição como fóruns representativos das diferentes categorias de educadores para assessorar e colaborar na gestão dos sistemas, ou seja, foram considerados como democratização da gestão da educação. Nas palavras de Teixeira (2004), eles assumiram a tarefa de normatizar o processo de ensino, estabelecendo as bases para o seu acompanhamento e avaliação.

3. Gestão Democrática: Limites e Perspectivas 3.1. Participação e deliberação como renovação da democracia Considerando que participar é ter poder de definir e redefinir os fins e os meios de uma prática social, a participação poderia ser traduzida como uma estratégia de aprendizagem do poder em todos os momentos e lugares em que se esteja atuando, seja em reuniões, consultas e planejamentos comunitários ou em votações em assembleias. A garantia da gestão democrática, com a participação mais efetiva de representantes da sociedade civil, depende deste aprendizado. Contudo, esta não é uma tarefa fácil na maioria dos espaços participativos. No caso dos conselhos, entre os vários desafios relacionados à participação está a convivência com dois tipos de mandato. De um lado, os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo têm um mandato bem determinado no tempo para representar os interesses mais gerais da sociedade. De outro lado, os representantes da sociedade civil nos conselhos têm um mandato específico para defender e realizar interesses também específicos. Isso evidencia algumas dificuldades derivadas da diferença na natureza e na duração do mandato, pois os dois Poderes apontados ainda se sentem mais representativos e mais legítimos do que os representantes da sociedade civil. No que se refere aos Conselhos Municipais de Educação, por exemplo, sua tarefa é apenas de elaborar normas complementares às leis e normas do 108


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Conselho Nacional de Educação ou de interpretar as leis existentes, e suas deliberações devem ainda ser homologadas pelo prefeito. Sendo assim, a análise da participação está diretamente associada à qualidade da deliberação. A efetividade deliberativa é percebida por Cunha (2007, p.5) “[...] na institucionalização dos procedimentos, na pluralidade da composição, na deliberação pública e inclusiva, na proposição de novos temas, na decisão sobre políticas públicas e no controle sobre essas ações”. Nessa direção, evidencia-se a necessidade de que os participantes tenham uma boa capacidade comunicativa e conhecimento técnico para a compreensão do contexto de interesses, de forma a garantir qualidade nos processos deliberativos e uma tomada de decisões consciente e baseada na defesa dos interesses da sociedade civil, no sentido de buscar uma real solução para os interesses e direitos pretendidos. Almeida e Cunha (2011, p. 109) afirmam que “a qualidade do processo deliberativo revela-se como uma dimensão de análise que deve ser associada ao desenho institucional e ao contexto em que as instituições operam, de modo a melhor compreender as variáveis que incidem sobre os resultados institucionais”. Segundo as mesmas autoras, a análise do processo deliberativo é relevante por possibilitar conhecer, a forma como a deliberação ocorre, quem participa do processo, o modo de inserção dos diferentes sujeitos, os temas sobre os quais debatem e decidem, dentre outros, possibilitando avaliar em que medida as instituições cumprem suas funções e objetivos no que diz respeito à deliberação acerca da política pública e ao controle público sobre as ações a ela relacionadas (2011, p.109-110). Desse modo, de acordo com elas e com Faria e Ribeiro (2011), os conselhos possuem momentos deliberativos, embora esses momentos se articulem com outros momentos institucionais de natureza menos deliberativa. Avaliar estas diferenças é central para o estudo das potencialidades democratizantes dos conselhos como espaços de gestão democrática, compartilhada e inclusiva. Para isso, o analista precisa perceber o contexto social e político em que as instituições estão inseridas e quais são as variáveis que podem influenciar na qualidade da deliberação. Baseando-se nessa premissa, serão observadas as variáveis que podem influenciar de forma positiva ou negativa a qualidade da atuação dos membros do CME de Anápolis. Entre elas, serão destacadas a estrutura e o funcionamento do CME no que se refere à organização, à participação e aos desafios da gestão democrática, bem como os princípios, a natureza, as 109


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funções, as atribuições, a atuação e a autonomia da sociedade civil neste processo. 3.2. Organização dos Conselhos Municipais de Educação no contexto da gestão democrática do ensino público Os CME, órgãos fundamentais para a gestão da democracia do ensino público no município, constituem-se como instrumento de uma pedagogia política na medida em que oportunizam a participação democrática e funcionam como instância de mediação entre a sociedade e o poder público, favorecendo um espaço no qual devem acontecer a articulação e a negociação de demandas sociais pela garantia do direito à educação de qualidade. De acordo com a natureza do Conselho, as suas atribuições se classificam em duas categorias: técnico-pedagógicas e de participação social. Em se tratando das atribuições técnico-pedagógicas, destacam-se suas tarefas mais rotineiras como a aprovação de estatutos e regimentos, a promoção de sindicâncias, a elaboração de normas educacionais complementares, o credenciamento de escolas, a autorização de cursos, séries ou ciclos etc. Na maioria das vezes, essas tarefas se reduzem à verificação de papéis, o que caracteriza o conselho como um órgão burocrático. Azanha já se pronunciava com relação ao risco de que o conselho se transformasse em órgão cartorial, com atribuições de caráter administrativo: Se o Conselho Estadual não fizer um esforço de revisão do papel que lhe cabe no panorama da educação, corre o risco de transformar-se quase exclusivamente num tribunal de pequenas causas que cuida de problemas menores que poderiam sem prejuízo, ser resolvidos rotineiramente pela Administração (1993, p. 23). Neste sentido, cabe avaliar se essas atribuições não poderiam ser executadas pela Secretaria de Educação, que supostamente tem infraestrutura mais adequada, com pessoal técnico especializado para atender ao Sistema Municipal de Ensino. As atribuições de natureza relacionada à participação social são, em geral, referentes a funções de acompanhamento e controle social na área de gestão e execução do planejamento e das políticas públicas para a educação, como é o caso de acompanhar e avaliar a execução do Plano Municipal de Educação e de acompanhar e controlar a aplicação dos recursos públicos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. É importante que o Regimento do CME disponha sobre as formas de ouvir a sociedade, bem como sobre os temas em que a sociedade deverá ser consultada, visando a garantir a participação de todos na defesa de um ensino de qualidade. O Conselho não pode ser um órgão fechado em si mesmo e a transparência deve 110


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ser uma de suas características. Como órgão de mediação entre a sociedade civil e o Poder Executivo, o CME deve estabelecer relações com esse poder, com a comunidade escolar e com a comunidade em geral. Porém, Haguette (1994), ao analisar os conselhos estaduais, chega à conclusão de que interagem pouco com os Poderes Executivos e não mobilizam o público, e alerta para a necessidade de uma análise crítica da atuação dessa instância de conselhos. Essa reflexão pode ser útil para os conselhos municipais de educação, para que busquem novas formas de atuação que contribuam para um melhor relacionamento com a sociedade e com o Executivo. A cooperação deve ser a tônica do relacionamento entre esses órgãos, especialmente em relação à elaboração do Plano Municipal de Educação. Uma garantia para a autonomia dos conselhos está no seu perfil democrático quanto à composição, que deve obedecer a dois princípios: representatividade, pela presença de representantes do Poder Executivo e da sociedade civil; e pluralismo, que está diretamente vinculado à qualidade da diversidade e ao peso das instituições representadas no contexto da sociedade local. Este é um dos maiores desafios, como aponta Sales (2006) em seus estudos sobre os conselhos e a gestão democrática. Supõe-se que a representatividade dos mesmos é um dos problemas e, também, uma das possíveis soluções para a gestão da sociedade nos conselhos. Para o adequado funcionamento do conselho, a estrutura deve, ainda, contemplar algumas dimensões relacionadas à sua natureza, às suas funções e às suas atribuições. Nesse sentido, é importante contar sempre com um plenário ou conselho pleno, que é o órgão máximo da instituição. É necessário, ainda, contar com a infraestrutura de apoio que garanta condições mínimas de funcionamento regular, como pessoal de apoio técnico, administrativo e material. As despesas com o funcionamento do CME podem ser contabilizadas como despesas para manutenção e desenvolvimento do ensino, incluídas entre os 25% mínimos vinculados pela Constituição Federal (art. 212). Por fim, todas estas funções relacionadas à estrutura devem ser normatizadas por um regimento responsável por definir as regras de funcionamento, as atribuições dos vários segmentos representados, a dinâmica e o quórum de reuniões, número de sessões e forma de votação. É importante lembrar que a criação do Conselho Municipal de Educação, embora faça parte de uma política de gestão democrática, não garante, por si só, práticas democráticas no contexto de funcionamento do Conselho como lugar de definição de políticas educacionais e como instrumento de tomada de decisão coletiva. Não basta implantar o Conselho, é preciso firmar compromisso de uma participação efetiva. Para Cury (2008), um Conselho representa um lugar privilegiado para assegurar a participação da coletividade. Torna-se necessário um trabalho planejado, articulado e intencional entre as esferas federal, estadual e municipal com vistas a dar forma e materializar

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a gestão democrática conforme rezam a CF de 1988 - fruto de ampla mobilização da sociedade civil após um período de ditadura militar -, da LDBEN, lei nº 9.394/96 e do Plano Nacional de Educação, lei nº 10.1720/01. Tendo em vista a importância do CME no contexto da política de gestão democrática, como instância para implantar um novo paradigma educacional, que transforme velhos hábitos culturais e valores praticados, a análise de sua dinâmica de funcionamento pode ajudar a desvendar quais são os principais dilemas que precisam ser resolvidos. A impressão dos estudos, até o momento, é de que os Conselhos Municipais de Educação têm se conduzido de forma às vezes tímida em relação a uma prática que privilegie a gestão democrática. Todavia, não se pode negar que são possuidores de potencialidade, visto que são canais de controle permanente da “coisa pública” e abrem espaço para novas vozes, para a construção de outras identidades antes excluídas. Desse modo, os conselhos ampliam a esfera pública e produzem novos padrões de articulação entre o governo e a sociedade civil.

3.3. O Papel da Sociedade Civil na Gestão Democrática Com a inserção da sociedade civil no cenário sociopolítico, desenvolveu-se um novo espaço público no qual se situam conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e representantes do poder público para a gestão da coisa pública no que diz respeito ao atendimento das demandas sociais (GOHN, 2008). A sociedade civil passou a ser também responsável por políticas públicas e sociais, assumindo a condição de corresponsável por programas e políticas sociais de modo geral, tendo o Estado como gestor financeiro de recursos e parceiro na formulação e implementação dessas políticas. Os conselhos surgem como um novo espaço de participação da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas. Os conselhos gestores “tratam-se de canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos” (GOHN, 2001, p.7). A constituição desses conselhos possibilita o estabelecimento de novas formas de participação democrática, fazendo com que governo e sociedade civil participem de forma igualitária na definição das políticas públicas. Hoje, com a ampliação do processo de democratização da sociedade brasileira, há a extensão do poder da sociedade política para a sociedade civil. “Agora a cidadania política transcende os limites da delegação de poderes da democracia representativa e se expressa por meio da democracia participativa, da constituição de conselhos paritários, que se apresentam como novo locus de exercício político” (CAMPOS; MACIEL, 1997, p.145). Na sociedade brasileira, o processo de democratização vem se fortalecendo com a participação da sociedade civil em instâncias de deliberação política. Os conselhos 112


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deliberativos de políticas públicas apresentam-se, hoje, como importantes mecanismos de democracia participativa. Conforme Raichelis (2000), esses novos espaços de participação da sociedade civil se consubstanciam como instrumentos propulsores da publicização das políticas sociais, sendo os conselhos deliberativos e paritários a estratégia privilegiada. A construção desses novos espaços de participação da sociedade civil, em que são discutidas, de forma pública e democrática, as questões relacionadas às políticas sociais, representa um considerável avanço no que diz respeito às políticas públicas no Brasil. Como afirma Demo (1999, p. 19), “a participação não é algo dado nem concedido como dádiva, mas é, sim, um processo de conquista”. A conquista de participação nesses espaços significa uma mudança em termos de igualdade democrática, pois a participação da sociedade civil não se refere somente à reivindicação de direitos sociais, mas também à definição dos rumos das políticas públicas, tendo como principal desafio a construção de uma prática transparente que corresponda realmente aos anseios dos segmentos representados. Para que esses espaços se fortaleçam de fato como mecanismos de aperfeiçoamento da democracia e fortalecimento da cidadania, faz-se necessário que os representantes conheçam as demandas e as necessidades do segmento que representam, pautando sua intervenção na defesa de interesses coletivos e não de interesses particulares.

3.4. O Conselho Municipal de Educação e as Políticas Públicas A política pública é entendida como um conjunto de diretrizes e ações pelas quais o Estado responde às necessidades da sociedade. Segundo Muller e Surel (2002, p.11), o termo tem um caráter polissêmico e cobre, ao mesmo tempo, a esfera da política (no sentido de fazer a distinção entre o mundo da política e a sociedade civil) e a atividade política (designando a competição pela obtenção dos cargos políticos, o debate partidário, as diversas formas de mobilização e a ação política, apontando o processo pelo qual são elaborados e implementados programas de ação política). As políticas públicas foram criadas pela sociedade para minimizar as desigualdades. Nas últimas décadas, com as profundas transformações políticas, sociais e econômicas, as políticas públicas são formuladas e implementadas de forma integrada entre o poder público e a sociedade civil, permitindo um meio de acesso às informações, aumentando a participação cidadã e o controle social. Assim, a especificidade dos Conselhos está balizada pelos princípios de independência dos órgãos governamentais para o exercício de suas atribuições; de competência para formular uma política pública, coordenar as ações e fiscalizar a execução dessa política; de gestão de fundos públicos destinados a uma política setorial e de composição paritária entre representantes do poder público e da sociedade. Nesse processo de participação e controle social das políticas públicas inscrevem-se 113


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os CME, que constituem um espaço de discussão efetiva da política educacional nas suas diferentes fases. Assim, evidencia-se a afirmação do seu caráter deliberativo de modo a avançar cada vez mais em relação à sua função consultiva e propositiva, visando a promover aprendizagens significativas que contribuam para a formação humana do estudante. Para Bordignon (2008, p.25), [o]s Conselhos de Educação foram concebidos para atuar estrategicamente na gestão da educação, conferindo às políticas educacionais e à sua implementação a continuidade da ação e a representatividade da vontade nacional, acima da rotatividade dos dirigentes e de suas vontades singulares. Nesta direção, os CME instituem-se como um novo espaço público para deliberação, proposição, mobilização, controle e fiscalização da política educacional do município. Constituem-se, ainda, como órgão incentivador da participação e da corresponsabilidade popular na tomada de decisões, que deixam de ser gestadas apenas nos gabinetes e passam a ser pensadas no dia a dia das escolas, do bairro e da cidade. O poder é partilhado entre os representantes do governo e da sociedade civil.

3.5. CME, Sistemas de Ensino e o Plano Municipal de Educação. Bordignon (2009) enfatiza que a criação do Conselho é decisão exclusiva do município, que deve ter como base a vontade política da sociedade. O perfil do Conselho, sua organização, composição, funções e atribuições devem ser o resultado de uma ampla discussão com a sociedade. Ainda, na visão deste autor, se o município tiver a intenção de se responsabilizar pela educação local, precisa estruturar suas esferas pedagógicas, administrativas e políticas com o foco na criação do seu Sistema de Ensino. Para isso, é imprescindível que se estabeleça um fórum para que a sociedade civil, a comunidade escolar e o poder público possam decidir sobre a criação do sistema de forma democrática. Todos devem poder escolher a melhor opção para o município entre as possibilidades dadas pela LDBEN (BRASIL, 1996): a criação um sistema próprio de ensino; a integração ao sistema estadual de ensino ou a composição, com ele, de um sistema único de educação básica. A criação do SME requer, como importante elemento constitutivo, um órgão responsável pela função normativa a ser definido na lei municipal. Cada município, ao instituí-lo ou reorganizá-lo, deverá considerar a sua identidade própria, as peculiaridades locais e as responsabilidades que lhe cabem na área educacional. Na realidade brasileira, o CME constitui-se como órgão normativo do Sistema Municipal de Ensino. A lei que aprova o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), em seu artigo 2º, dispôs que os estados, o Distrito Federal e os municípios deveriam, com base no PNE, elaborar 114


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planos decenais correspondentes como desdobramento para a adequação das metas gerais às especificidades locais e para a definição de estratégias adequadas a cada circunstância, observando as diretrizes, os objetivos e as metas dos Planos Nacional e Estadual de Educação ao elaborar o seu plano. Assim, o município independente para ter o seu próprio sistema de ensino deveria, com a participação do CME, organizar-se para elaborar o seu Plano Decenal de Educação Municipal. Ele é um instrumento objetivo de gestão, que permitiria a prospecção das ações e estratégias, recursos e atores para realizar as transformações desejadas, tendo clareza a respeito de cada objetivo e metas e estabelecendo ações para alcançá-las a fim de que elas pudessem traduzir o sonho do cidadão: a educação de qualidade para todos. O Plano Municipal de Educação não é um plano de governo para a educação do município, nem um plano de Estado para a rede municipal de ensino. Ele é um plano de Estado para toda a educação no município. O PME, além de ter uma duração que perpassa pelo menos dois mandatos, abrange a educação em geral no município, incluindo meios de comunicação, ações preventivas de saúde, instruções e cobranças das regras no trânsito etc. Desta forma, concluímos que a articulação entre sistema, Conselho e PME muito contribuirá para concretizar a gestão democrática da educação, com a participação de todos os cidadãos, e para providenciar uma ruptura com práticas autoritárias, hierárquicas, patrimonialistas e clientelistas nos serviços relacionados à educação por meio da renovação do processo educacional e da formação de cidadãos conscientes de si mesmos.

3.6. Graus de Institucionalização, Democratização e Representação dos CMEs Ao longo das duas últimas décadas, aponta Vaz (2009), vários estudos vêm sendo realizados na tentativa de melhor compreender a atuação das instituições que propiciam a participação dos cidadãos nos processos de formulação e implementação de políticas públicas em diversas áreas, bem como o papel da participação política nos processos decisórios diante das dificuldades encontradas pelas instituições como canais efetivos de mediação entre a sociedade civil e o Estado no campo do planejamento público no país. Um dos estudos de destaque na compreensão das dinâmicas dos conselhos foi apresentado por Faria e Ribeiro (2011). Neste trabalho, serão retomadas as dimensões de análise das autoras, a saber: o grau de institucionalização, democratização e representação, a fim de avaliar os seus limites e potencialidades para a dinâmica participativa e deliberativa do CME de Anápolis. O artigo, porém, avança no sentido de mostrar estas variáveis não apenas a partir da análise normativa das regras, tal qual realizado pelas autoras, mas de aliar à análise documental a percepção dos conselheiros. Faria e Ribeiro apontam para a importância de se analisar um conjunto de variáveis para 115


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uma melhor compreensão do papel e da importância das instituições a partir da presença ou não dessas variáveis. Por grau de institucionalização, as autoras elencam, por exemplo: o tempo de existência da Lei de Criação do Conselho e do RI, em vigor; a estrutura de funcionamento e a frequência das reuniões ordinárias. Para análise do Grau de Democratização, levam em consideração a composição, o processo decisório, a presença de comissões e a previsão de conferências, possibilitando um maior envolvimento da sociedade. Por último, para discutir o Grau de Representação, olham para a definição de entidades que têm assento no Conselho, o número de vagas para cada segmento e as formas como estas definições ocorrem. A relevância de se estudar a dimensão institucional da participação está presente em vários autores. Fung e Wright (2003), por exemplo, defendem a importância da variável institucional para a efetividade, a equidade e a extensão da participação e da deliberação no interior das instituições, podendo haver maior ou menor democratização em relação aos processos decisórios, uma vez que ela oferece os parâmetros, regras e procedimentos para a sua atuação, no caráter da participação, em termos de quantidade e qualidade da deliberação. Tendo em vista as funções dos conselhos e as variáveis aqui apontadas como importantes para a dinâmica participativa e deliberativa, o próximo capítulo analisa o desenho institucional do Conselho Municipal de Educação de Anápolis e as percepções dos conselheiros sobre o grau de institucionalização, democratização e representação, bem como sobre as dinâmicas participativas e deliberativas de seus membros, para identificar se o seu funcionamento colabora na gestão democrática da educação no município.

4. O Conselho Municipal de Educação de Anápolis A presente seção pretende identificar se o funcionamento do CMEA colabora na gestão democrática da educação e na implantação de políticas públicas educacionais. Adota uma abordagem qualitativa segundo a perspectiva dos participantes. Foi feita uma pesquisa de campo com coleta de dados primários utilizando como instrumento um questionário semiestruturado. Os questionários foram aplicados aos membros do Conselho, procurando aferir as percepções de cada um acerca de sua atuação, atribuições, nível de participação, autonomia, democratização, regime de colaboração e políticas públicas educacionais, a fim de identificar as dinâmicas participativa e deliberativa, bem como o grau de representatividade dos conselheiros, sua capacitação e a existência de recursos, ou seja, a estrutura administrativa do próprio conselho. Utilizou-se, também, uma análise documental da Lei de Criação e do RI. A partir de estudiosos do assunto - como Gohn (2001), Avritzer (2002), Dagnino (2002) e Tatagiba (2002) - que buscaram compreender a atuação dos conselhos de políticas públicas como canais efetivos de interlocução entre a sociedade civil e o Estado, a pesquisa busca mostrar as dinâmicas participativas e deliberativas no CMEA. 116


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4.1 Breve Histórico do Conselho Municipal de Educação de Anápolis O Conselho Municipal de Educação de Anápolis foi criado pela lei nº 2.699, de 01 de setembro de 2000, observado o disposto na lei federal nº 9.394, Art. 18, de 20 de dezembro de 1996 e na Lei Orgânica do Município, Art. 274, de 05 de abril de 1990. É um órgão política, financeira e administrativamente autônomo, de caráter consultivo, normativo e deliberativo acerca dos temas e questões inerentes ao Sistema Municipal de Educação. Analisando o regimento interno, observou-se que competem ao Conselho Municipal de Educação as atribuições de subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do PME; de baixar normas para a organização e funcionamento do SME; de aprovar os projetos, programas e os planos do SME; de emitir pareceres sobre o reconhecimento e de autorizar os cursos das unidades escolares. Em relação à composição do conselho, a Lei de Criação (nº 3.341 de 2009) estabelece que o CMEA se constitui de 11 (onze) membros com mandato de quatro anos nomeados pelo Chefe do Poder Executivo Municipal. É permitida a recondução por uma única vez, respeitando-se a proporção e os seguintes critérios: três membros indicados pelo Chefe do Poder Executivo; um representante do Poder Legislativo; cinco membros representantes dos professores com atuação na educação infantil, ensino fundamental, sindicato, ensino superior e instituição privada; um representante de pais de alunos da rede pública municipal e um estudantil. No parágrafo 1º. da referida Lei, os membros do Conselho Municipal de Educação devem possuir formação em curso de graduação superior e notório saber na área educacional, com exceção dos indicados nos incisos VII e IX. O CMEA desenvolve seu trabalho através de ações decididas em plenárias entre conselheiros que são realizadas semanalmente, todas as quartas-feiras, no horário de 14 horas às 16 horas. A ordem do dia compreende leitura e aprovação da ata da reunião anterior, expediente, apresentação, discussão e votação da matéria contida na pauta. Todos os conselheiros recebem o pagamento dos “jetons”, garantido pela lei nº 2.794, de 26 de novembro de 2001, em seu art. 4º, parágrafo 1º que diz que “os conselheiros terão direito a “jeton” por sessão a que comparecer no valor fixado em 15% (quinze por cento) calculado com base no salário do cargo de provimento em comissão nível C-2”. O parágrafo 2º deste mesmo artigo garante ao presidente uma gratificação mensal no valor de 100% calculado com base no salário do cargo de provimento em comissão nível C-2, e o parágrafo 3º garante ao diretor geral e ao secretário uma gratificação de 80% e 50%,respectivamente, da recebida pelo presidente.

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4.2 Análise do Desenho Institucional no Conselho Municipal de Educação de Anápolis A revisão da literatura permite perceber a importância tanto das variáveis institucionais, como das dinâmicas participativa e deliberativa para analisar a capacidade dos Conselhos como espaços reais de influência no cumprimento de seus objetivos. Nesta seção, o desenho institucional será avaliado de acordo com análise de Faria e Ribeiro (2011). As autoras analisam os conselhos nas áreas de políticas da saúde, assistência social e dos direitos da criança e do adolescente, classificando-os de acordo com um baixo, médio ou alto grau de institucionalização, democratização e representação, a partir da ausência ou presença dos respectivos indicadores destas variáveis. a) Grau de institucionalização. Considerando o início da criação dos conselhos municipais de educação no Brasil e mediante a análise documental do Conselho Municipal de Educação de Anápolis, percebe-se que o tempo de existência dele (2000) e de uma estrutura organizacional resultante da criação do regimento interno 2001 (com a existência do conselho pleno, composto por plenário, comissões especiais e assessoria técnica, bem como a frequência das reuniões ordinárias semanais), prediz o grau de formalidade do conselho, demonstrando o quão organizado está este colegiado. b) Grau de democratização. Levando em consideração as variáveis que retratam os potenciais democratizantes e inclusivos do CMEA, percebe-se que o número de conselheiros é muito pequeno e ainda exige que sejam pessoas com notório saber, com exceção dos representantes dos pais e dos alunos, como se vê no art. 14, incisos VII e VIII. Além disso, são pessoas diretamente ligadas às questões profissionais de educação. Há, portanto, baixo envolvimento da sociedade organizada, evidenciando um modelo de composição bem corporativo e demonstrando um grau de democratização baixo. As decisões são tomadas em plenárias presididas pelo presidente, que é eleito entre os membros indicados pela maioria de votos. As pautas são elaboradas pelo presidente e pela diretoria geral do conselho, geralmente, conforme processos recebidos do setor de inspeção da Secretaria Municipal de Educação, bem como correspondências de natureza educacional recebidas dos diversos segmentos da sociedade. Isso indica um grau mais baixo de democratização, visto que é o presidente o ator com capacidade para definir toda a natureza e substância da deliberação. Não foram observadas a previsão e frequência de conferências municipais, apesar de estarem previstas no regimento interno em seu artigo 2º, inciso XV, e de serem partes importantes da estrutura, o que chama a atenção para o baixo compromisso do conselho com o envolvimento da sociedade no processo educacional. c) Grau de representação. A composição do conselho é definida por lei, a qual estabelece que o CMEA se constitui de onze membros e garante a presença de 118


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representantes de professores das diversas modalidades de ensino oferecidas no município, bem como de alunos, pais e representantes do órgão governamental, com sobrerrepresentação da sociedade civil (64%). Entretanto, alguns conselheiros manifestaram a necessidade da presença de outros segmentos da sociedade que poderiam ampliar a diversidade dos grupos representados. De acordo com a definição de Faria e Ribeiro (2011), é possível perceber também no CMEA que todas as categorias já estão predeterminadas no regimento interno.

Em relação ao processo de seleção dos conselheiros, o RI mostra que devem ser indicados ou eleitos em assembleia, colocando o conselho num grau médio de representação.

Na visão de Avritzer (2007), a legitimidade da representação exercida pela sociedade civil estaria ligada muito mais a uma representação de temas do que a uma representação de pessoas e/ou perspectivas específicas. O autor pensa a legitimidade de uma representação por afinidade, associando-a a um vínculo simultâneo entre atores sociais, temas e instituições. Nesta direção, pensar a pluralidade da composição dos conselhos é essencial para que eles possam expressar as diferentes afinidades e temáticas que são relevantes para a área de educação. É preciso se perguntar em que medida o maior protagonismo de pessoas com notório saber no CMEA não limita este conselho na percepção de problemas enfrentados pela comunidade em geral, que são parte essencial na composição de um plano educacional. Neste sentido, o CMEA, assim como outros conselhos no Brasil (FARIA e RIBEIRO, 2011), demonstra alto grau de institucionalização, mas baixo grau de democratização e baixa representatividade por sua limitação no que se refere à exigência de pessoas com notório saber e à baixa articulação com movimentos da sociedade civil, o que pode limitar sua capacidade de expressar a pluralidade cultural. Além disso, é necessário aperfeiçoar as regras sobre o processo decisório e sobre a sua relação com as conferências.

4.3. Análise das Percepções dos Conselheiros sobre o Grau de Institucionalização, Democratização e Representação Baseando-se nas análises das entrevistas, percebe-se que o CMEA, em sua trajetória, enfrentou tensões e se posicionou frente ao poder municipal, resistiu à tentativa de tutela e de processos de cooptação por parte do governo municipal. Ao mesmo tempo, em meio a dissensos, se posicionou como parceiro da SME, como elemento de construção da hegemonia na normatização do sistema municipal de ensino. Neste sentido, pode-se apontar como resultado em relação à sua autonomia: a construção de estratégias para assegurar os direitos educacionais via normatização e sua insistência em cobrar, do Executivo Municipal, transparência na aplicação dos recursos 119


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destinados à educação. Em relação à ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, contribuiu no sentido de reivindicar e auxiliar na construção de um projeto pedagógico para essa etapa do ensino, cobrar a ampliação de mais salas e escolas, além de definir o número de alunos em relação ao professor. No que se refere à educação infantil, contribuiu para elevar o número de crianças matriculadas, o número de professores e auxiliares de educação por sala. Com relação à percepção dos membros do CMEA sobre os diferentes graus de institucionalização, democratização e representação, o trabalho apresenta os resultados de nove entrevistas realizadas com representantes das diversas modalidades de ensino oferecidas pelo município, de pais, de alunos e do governo. Dos 11 membros, apenas 2 não foram entrevistados, a saber: um dos representantes indicados pelo Chefe do Poder Executivo e um membro representante dos professores ocupantes de cargo efetivo da Rede Municipal de Ensino com atuação na educação infantil. a) Grau de Institucionalização.As regras apontaram para uma alta institucionalização do CME, contudo, este trabalho considera que a dimensão normativa não é suficiente para o pleno funcionamento do conselho. É preciso perceber se existem condições materiais para o desenvolvimento de suas atividades. Desse modo, questionou-se aos conselheiros se existem recursos destinados ao CME e se acham necessário que eles existam. Todos responderam que não há dotação orçamentária. Dos nove entrevistados, apenas dois a consideram necessária, sendo que os demais relatam que não há necessidade, visto que a Secretaria Municipal de Educação atende a todas as necessidades do CME, inclusive com o pagamento dos funcionários que atuam no administrativo.

Neste sentido, percebe-se que a autonomia do CME em relação à Secretaria de Educação admite interdependência de ações, contrapondo-se a qualquer tipo de tutela. Entretanto, a realidade indica que ainda há total dependência administrativa e financeira, o que nega, na prática, sua natureza autônoma. Na visão das autoras Balzano e Zanchet (2004), uma garantia para autonomia financeira do CME é a dotação de recursos específicos no orçamento da educação que poderão ser gerenciados pelo próprio conselho, resguardadas as normas gerais de direito financeiro público.

b) Grau de democratização. Antes de discutir sobre a democratização, é importante destacar que esta dimensão está intrinsecamente relacionada com a representação. Isto porque, quando se pensa nos conselhos gestores, é importante notar que a participação se dá por meio de atores coletivos que, em alguma medida, representam a sociedade como um todo, que será beneficiária das políticas, ou suas organizações civis. Como mostram Abers e Keck (2007, p.4), a política municipal brasileira de conselhos gestores não se encaixa no conceito 120


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tradicional de democracia participativa, pois os participantes da sociedade civil não seriam “cidadãos comuns” e, sim, representantes de organizações específicas, “representação de grupo”. Desse modo, é crescente a literatura que olha para as dinâmicas de representação nas instituições participativas (ALMEIDA, 2008; AVRITZER, 2007).

Lavalle, Houtzager e Castello (2006) tentam investigar e compreender esse fenômeno do exercício da representação e estruturar um modelo teóricoanalítico que permita relacionar a legitimidade do exercício de representação pelas organizações civis a um elemento que não fique restrito ao momento eleitoral e/ou afiliatório. Avritzer, (2007) também procura mostrar que a legitimidade da representação exercida por atores da sociedade civil estaria ligada muito mais a uma representação de temas do que a uma representação de pessoas e/ou perspectivas específicas, evidenciando que a política necessitaria tanto do ator que age mediante autorização, quanto daquele que age por si só, assumindo os riscos da ação. Todos estes autores nos mostram que é necessário pensar na composição dos conselhos e na representação exercida pela sociedade civil como elemento central de sua dinâmica e da democratização do processo decisório. Embora Faria e Ribeiro (2011) coloquem a questão da composição no grau de democratização, tendo em vista seu impacto na democratização do processo decisório, este é um fator que terá também influência direta no grau de representação.

No que se refere às opiniões dos membros do CMEA sobre sua composição ser suficiente ou não para representar os diversos interesses e necessidades do município, cinco deles consideraram que sim. Quatro acreditam que representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de pessoas com deficiência, dentre outros, poderiam contribuir nas questões de interpretações de leis e nos processos de inclusão educacional, por exemplo. Desse modo, a opinião dos conselheiros confirma os dados das normas institucionais que apontam para os limites da representatividade dos atores. Quase a metade dos entrevistados sugere aperfeiçoar este aspecto no conselho.

Outro ponto que poderia aperfeiçoar o grau de democratização é o conhecimento dos conselheiros sobre o processo participativo na educação. A respeito da formação de conselheiros, todos os entrevistados consideram necessária a realização de capacitação, embora não tenham apresentado nenhuma ação neste sentido. Cury (2000, p.16), já dizia: “Conhecer a legislação é um ato de cidadania e que não pode ficar restrito aos especialistas como juristas, bacharéis e advogados”.

O autor nos mostra que o conhecimento da legislação é imprescindível tanto para 121


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os que exercem funções na gestão educacional, seja como secretários, seja como conselheiros de educação ou diretores de escolas, quanto para a comunidade educacional em geral. Em se tratando de conselheiro de educação, uma visão mais detalhada da legislação que organiza o sistema educacional é fundamental para que possa realizar com segurança e qualidade seu trabalho junto ao CME. c) Grau de representação. Quando questionados sobre o setor que representam, como foram escolhido, tempo de mandato e como se dá a renovação do mandato, os entrevistados afirmaram representar professores da educação infantil, ensino fundamental, instituições de ensino superior, sindicato dos professores da rede municipal e privada, pais, alunos e poder executivo. Sete deles foram escolhidos por eleição e três foram indicados pelo Prefeito, com tempo de mandato entre um e sete anos. Eles apresentaram respostas variadas em relação à renovação do mandato entre dois, três e quatro anos, confirmando os dados contidos no regimento interno.

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Segundo Avritzer (2007 p. 23), a questão da representatividade dos membros que atuam em nome da sociedade civil nos conselhos, o caráter paritário dos conselhos e a restrição do número de vagas levaram a que o Estado lidasse com uma “representação oficial da sociedade civil”. Para o autor, a implicação direta deste fato é a de que alguns indivíduos estão deliberando, negociando, persuadindo e tomando decisões em políticas públicas em nome da sociedade. Habermas (2003) e Bohman (2000) deixam claro no próprio marco teórico deliberativo que, como estes indivíduos estão inseridos num processo de cunho deliberativo, suas estratégias de negociação e seus próprios pontos de demanda e preferências estão permanentemente sujeitos a mudanças que terão impacto na vida de muitos outros indivíduos.

Vale ressaltar dois princípios na composição do conselho que garantem um perfil mais democrático. Por um lado, há a representatividade, através da qual garante-se a presença de representantes do Poder Executivo e da sociedade civil pela forma de escolha dos conselheiros e pelo estabelecimento de relações entre representantes e representados e, por outro lado, há o pluralismo, que está diretamente vinculado à diversidade de instituições que têm acesso ao colegiado.

No caso do CMEA, percebe-se predominância na representação de conselheiros vinculados a entidades educacionais, o que determina seu caráter mais técnicopedagógico do que de participação social. Esta composição limitada pode influenciar no processo deliberativo, podendo limitar o acompanhamento e o controle social das ações do Executivo.

O tempo de mandato possibilita o retorno de várias pessoas. De um lado, isso


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pode ser positivo, visto que os atores já conhecem o assunto. Mas, por outro lado, a falta de renovação de atores é um problema enfrentado por diferentes colegiados, já que se entende que as renovações dos mandatos devem ocorrer para garantir o princípio da continuidade e, não, do continuísmo. Os resultados apresentados até aqui mostram que, em relação às variáveis que podem tornar o CME uma inovação participativa capaz de gerar relações mais democráticas e justas, a percepção dos conselheiros é de que também existem limites à institucionalização, do ponto de vista da capacidade organizativa e da autonomia; à democratização, considerando a composição e a capacitação; e à representação, tendo em vista os tipos de segmentos que fazem parte dele.

4.4 Percepção dos Conselheiros sobre a Dinâmica Participativa e Deliberativa Para a percepção das dinâmicas participativa e deliberativa, os entrevistados foram questionados sobre vários pontos que são considerados importantes para o desenvolvimento de suas atividades e para o bom andamento do processo decisório. Ao serem questionados sobre o conhecimento das legislações do CME, das suas atribuições como conselheiros e das atribuições do próprio conselho, foram unânimes em declarar conhecimento. Seis dos entrevistados afirmaram que as principais atribuições são de natureza normativa, deliberativa e consultiva e os demais apontaram, na sequência: zelar pela educação, baixar normas para organização e funcionamento, aprovar projetos, programas e planos do SME e emitir pareceres. Constata-se que a atuação se configura principalmente nas áreas de legislação e normas, interpretando leis e elaborando normas educacionais, com um perfil predominantemente técnico-pedagógico. Entretanto, não foi observada nenhuma ênfase à função propositiva, que possibilita ao conselho participar das discussões e da definição de políticas, além do planejamento educacional; e à função mobilizadora, no sentido de estimular a sociedade no acompanhamento e no controle da oferta dos serviços educacionais, entendendo que a educação só atingirá patamar de qualidade desejado se compartilhada por todos. Considerando que as atribuições de um conselho de educação de acordo com a sua natureza podem ser classificadas em duas categorias, técnico-pedagógicas e de participação social, cabe avaliar o risco de o conselho se transformar em um órgão cartorial, com atribuições de caráter administrativo. Na sequência, quando questionados sobre o interesse da sociedade em conhecer as deliberações do conselho, bem como sobre a adoção de algum tipo de divulgação das deliberações e ações do conselho para a sociedade, a maioria relata que há muito pouco interesse, talvez pela própria divulgação do papel do CME. Por outro lado, os dados sobre 123


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divulgação contrapõem esta informação, na medida em que os entrevistados citam vários meios, como internet, Diário Oficial, blog da SME, visitas às unidades escolares, panfletos, meios de comunicação (rádio, TV), boletins informativos da SME, balanço anual, relatórios e conferências. Talvez isso se deva à percepção de que a divulgação ainda é incipiente. O conselho não pode ser um órgão fechado em si mesmo e a transparência deve ser uma de suas características. Seus atos e produções devem ser amplamente divulgados na comunidade local. Como instância de mediação entre a sociedade civil e o Poder Executivo, o CME tem que estabelecer relações com esse poder, com a comunidade escolar e com a sociedade em geral. Haguette (1994) chega à conclusão de que os espaços participativos interagem pouco com os Poderes Executivos e não mobilizam o público, e alerta para a necessidade de uma análise crítica da atuação dos conselhos. Essa reflexão pode ser útil para os conselhos municipais, fazendo com que busquem novas formas de atuação e contribuam para um melhor relacionamento com a sociedade e o Executivo. Na indagação sobre as funções (consultiva, normativa, deliberativa, propositiva) e sobre qual delas o CME mais exerce e por que, a maioria dos entrevistados relatou que são de natureza normativa na elaboração de resoluções e pareceres para a legalização das escolas da rede municipal e para a autorização de funcionamento das instituições de educação infantil da rede privada e conveniada. Isso demonstra que esta é uma tarefa rotineira, de categoria técnico-pedagógica. As demandas, em geral, são processos com muitos documentos cujo fluxo é lento e a análise, na maioria das vezes, reduz-se à verificação de papéis que nem sempre correspondem à realidade. Desse modo, caracterizam o conselho como órgão burocrático que limita as possibilidades de atuar nas atribuições de natureza relativa à participação social, de caráter mobilizador que, na gestão democrática do ensino público, referem-se à capacidade do de conselho envolver a sociedade nas questões educacionais em defesa do direito de todos à educação de qualidade. Outro aspecto verificado ao analisar os dados obtidos referentes à frequência das reuniões foi a unanimidade nas respostas em relação à adequação da quantidade de reuniões previstas para discutir e deliberar sobre todos os assuntos em pauta. Em relação às decisões do CME, os conselheiros apontam que as deliberações ocorrem de forma democrática, ou seja, com todos os segmentos com direito a voz e voto, evidenciando o potencial inclusivo e democratizante do conselho para o consenso final entre os participantes, regulando o processo de tomada de decisão. É importante ressaltar também um diferencial em relação aos demais conselhos. O provimento garantido nos artigos 10, parágrafo 4º; 14, parágrafo único; 27 e 31 do regimento interno do conselho, aprovado pela lei nº 2.794, de 26 de novembro de 2001 (que cria a gratificação de jeton) pode ajudar na atuação do conselheiro e suprir alguns limites à participação, tendo em vista seus custos de tempo de dedicação.

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No quesito da avaliação do relacionamento do CME com a Secretaria Municipal de Educação e com o Poder Executivo, todos afirmaram que existe cooperação, numa relação democrática e de respeito mútuo em relação à política educacional, com formulação compartilhada, sendo que a Secretaria é responsável pela execução, supervisão e avaliação e o conselho, pelo acompanhamento, controle e avaliação dessas políticas. Nessa direção, Haguette (1994) afirma que o avanço educacional acontece no bojo de uma transformação administrativa global, envolvendo todos os setores. O autor nos mostra que a mudança educacional não pode ser isolada, pelo contrário, ela é parte integrante de uma mudança total, o que evidencia que o que deve mudar não é só a gestão educacional, mas, sim, toda a gestão municipal e a maneira de entender a relação poder público/população. Quanto aos temas mais frequentemente debatidos no CME e de que forma têm influenciado as políticas educacionais, foram citados: o aprimoramento da legislação, a situação da educação e a melhor maneira de intervir para sua evolução, além de deliberações sobre as resoluções, autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento das escolas da rede municipal de ensino. Os conselheiros relataram, ainda, que o Conselho tem influenciado as políticas educativas por meio de sugestões e resoluções para a melhoria da realidade do sistema municipal de ensino; através, também, da fiscalização do bem público, da elaboração do PME, promovendo debates, integrando pesquisas e da elaboração de normativas. Percebese falta de clareza na meta e na agenda do CME no que se refere à responsabilidade de controle da política educacional, especialmente no que diz respeito à garantia dos direitos à educação materializada e à aquisição e desenvolvimento da aprendizagem, tendo como referência, além dos princípios constitucionais, os princípios e fins da educação afirmados na LDB. Também parecem não estar clara a necessidade de concretizar um trabalho de política educacional e de prática pedagógica, atento às práticas de exclusão-inclusão e de afirmaçãonegação da escola de qualidade social. Ao indagar a opinião dos membros do conselho em relação ao papel do CME frente às novas políticas educacionais (FUNDEB, PDE, ensino fundamental de nove anos, educação inclusiva etc.), relataram a função de acompanhamento da aplicação dos fundos para a educação por meio dos balancetes enviados pela SME. A partir da criação do Fundeb, a gestão democrática das políticas educacionais de forma descentralizada e em regime de colaboração permite o enfrentamento das questões cruciais da organização e do atendimento da educação básica através do desenvolvimento de ações conjuntas entre o Estado e os municípios. É possível redefinir atribuições e corrigir as distorções pela participação da população. A função dos Conselhos Municipais de Educação é, justamente, mediar esta participação, além de acompanhar a elaboração da Lei de Gestão Democrática e do Plano Municipal de Educação, momento em que serão definidas as metas e ações necessárias que serão implementadas pelas duas esferas de governos no âmbito de cada município. 125


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Após esse estudo, pode-se afirmar que o Conselho Municipal de Educação de Anápolis é atuante na medida em que participa e contribui, ainda que de uma forma tímida, na tomada de decisões e nas políticas públicas para o município. Sua composição é marcada por múltiplos interesses corporativos que permitem, em alguns momentos, fazer concessões e realizar mediações para legitimar determinadas políticas públicas conformistas e manter o status quo. É preciso considerar que ele foi instituído num contexto de relações patrimonialistas e clientelísticas e que suas relações são permeadas pelo esforço para superar essa herança. Por fim, atua como instrumento de regulação via burocracia e, pela forma de sua composição e aproximação com diferentes frações da sociedade, busca superar a pobreza política por meio do aprendizado da participação.

5. Considerações Finais Nos últimos anos, no Brasil, tem-se assistido a um amplo movimento de participação da sociedade civil, que vem conquistando importantes espaços de participação democrática em instâncias de deliberação sobre a condução das políticas públicas. Com a CF de 1988, os Conselhos Municipais de Educação ganham papel relevante, especialmente a partir das propostas de descentralização da década de 90, com a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em 1996. A criação do CME é um importante instrumento para a democratização da gestão do ensino público, na medida em que oportuniza o aprendizado da participação democrática, que resulta da relação que ele for capaz de estabelecer com a sociedade por meio dos segmentos nele representados, assegurando a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação municipal. Sendo os conselhos um dos principais instrumentos de participação democrática, defende-se que, para que a sociedade civil construa uma representação realmente democrática e participativa, faz-se necessário que os representantes criem canais de interlocução permanente com os segmentos representados e que as suas intervenções sejam pautadas na defesa de interesses coletivos. Assim, o protagonismo desafia as lideranças a conseguir arcar com as múltiplas funções que o CME precisa assumir, além das funções tradicionais de um Conselho de Educação, para participar efetivamente dos desafios na organização da educação na gestão democrática: o papel consultivo, o deliberativo, o normativo e o fiscalizador, as funções de proposição. Neste sentido, o papel de protagonista em um processo de gestão democrática exige um conselheiro bem preparado para enfrentar grandes desafios e construir uma nova cultura, corrigir as distorções históricas e contribuir com uma atuação qualificada junto ao Conselho Municipal de Educação de seu município, tanto na gestão e na decisão, como na proposição 126


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de formulação de políticas educacionais mais democráticas, tendo em vista que as condições essenciais para a implantação de uma política de descentralização com qualidade ainda não foram produzidas. A presente pesquisa foi pautada, inicialmente, em um estudo teórico sobre a concepção, a estrutura e o funcionamento dos conselhos. Visou-se a compreensão de sua natureza, constituição e operacionalização, tendo como base a discussão sobre a participação e a gestão democrática, com destaque para a análise dos diferentes graus de institucionalização, democratização e representação que impactam as dinâmicas participativas e deliberativas no Conselho Municipal de Educação de Anápolis. Considera-se indiscutível o avanço da participação da sociedade civil no processo de gestão democrática das políticas públicas, do poder deliberativo dos conselhos e do controle popular sobre esse processo. Entretanto, para que ocorra um avanço maior, percebe-se a necessidade de que este segmento qualifique sua intervenção nesses espaços. Para tanto, os representantes “precisam ter a capacidade de exercer influência, o que significa ter informações, ter opiniões, condições e instrumentos para se constituírem em sujeitos da ação e não meros complementos dela” (OLIVEIRA, 1999, p.47). Isso requer o conhecimento da legislação pertinente à política educacional. A realização de cursos de capacitação para os conselheiros seria uma das formas de qualificar essa intervenção. Dessa forma, para ampliar e qualificar a participação dos conselheiros faz-se necessária, também, uma reflexão sobre a prática desenvolvida nos conselhos. É importante que percebam a importância dessa participação, que não pode se restringir ao cumprimento de normativas e precisa ser uma participação mais efetiva, com intervenções e proposições. É importante ressaltar que, de acordo com os relatos dos conselheiros, constata-se que eles vêm desenvolvendo funções eminentemente normativas, como assinalam com mais ênfase, fazendo cumprir o seu papel na categoria técnico-pedagógica. Mas, de modo geral, foi constatada a baixa participação propositiva na implementação de ações educacionais. Mesmo assim, nota-se a percepção da necessidade de ampliar a atuação na área de políticas públicas, assumindo um novo papel como órgão de participação, mobilização e controle social sobre a administração pública. É importante ressaltar que é preciso levar em conta todo o processo de lutas construído pelos movimentos sociais. Eles acabaram traduzindo seus anseios em direitos sociais contemplados pelas legislações em vigor que tratam os conselhos como instâncias institucionalizadas com o propósito de buscar constantemente a consolidação da democracia em nosso país. Nessa direção, os entrevistados consideram que o CMEA representa uma iniciativa que vem contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura participativa no âmbito do município, especialmente no que se refere ao apoio à Secretaria Municipal de Educação na elaboração do Plano Municipal de Educação.

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Os dados mostraram que o Conselho opera com representantes da sociedade civil e do governo, com representação numérica maior da sociedade civil - com 64% dos assentos -, demonstrando a intenção de inclusão de uma maior parte dos atores societários, considerados historicamente “irrelevantes”. Por outro lado, os dados evidenciam que o conselho ainda não rompe com a lógica elitista anterior dos conselhos de educação no país. Diferencia-se dos outros conselhos de políticas que incluem pessoas relacionadas com o tema sem exigência de escolaridade, que valorizam o que alguns chamam de “saber prático”. A ênfase maior na área da educação é o envolvimento com a temática, mas a partir de um saber especializado, já que é exigido que os conselheiros possuam curso superior. De qualquer forma, mesmo sabendo que esses espaços apresentam limitações e que necessitam de reconhecimento e autonomia, a sua existência representa um passo importante dado em direção ao aprimoramento democrático, o que faz com que produzam um conhecimento constantemente aberto à crítica e à revisão, vislumbrando propostas mais criativas para o fortalecimento das instituições democráticas. A ampliação da representatividade dos atores, garantindo a pluralidade e a representatividade no colegiado, poderia ser um caminho para aprimorar o próprio processo decisório. Isso faria com que outras temáticas aparecessem através da participação de diferentes segmentos sociais, permitindo ampla participação popular, com funções de mobilização da sociedade pela causa da educação e de controle e avaliação dos rumos da educação municipal. Os resultados dessas análises mostram a necessidade de um estudo mais sistemático sobre as dinâmicas de participação e deliberação desses atores e o envolvimento da sociedade civil e do governo nos conselho de políticas, fundamentais para o conhecimento de variáveis que impactam estas dinâmicas e que influenciam uma maior abertura desses espaços à participação e um melhor equilíbrio de forças entre atores governamentais e não governamentais para enfrentar os desafios e obter resultados desejáveis nos conselhos.

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RESUMO A Constituição Federal de 1988 foi um marco na criação dos Conselhos Municipais de Educação, sendo o ponto de partida no que se refere à inclusão da sociedade civil no processo decisório de políticas públicas. Entretanto, pesquisas mostram que há diferenças entre os conselhos no que se refere ao desenho institucional e à capacidade deliberativa das políticas, revelando um grande desafio teórico e prático. O presente estudo tem por tema as dinâmicas participativa e deliberativa no Conselho Municipal de Educação de Anápolis e delimitou-se no processo de investigação às seguintes questões: como os atores sociais e políticos se organizam para participar nos Conselhos, qual o nível de conhecimento dos conselheiros e como discutem e decidem questões referentes às políticas públicas próprias a cada segmento. Avaliaram-se, a partir das variáveis institucionais incluídas no Regimento Interno e na Lei de Criação do Conselho e das percepções dos conselheiros, os diferentes graus de institucionalização, democratização e representação apresentados, bem como sua capacidade de participação e deliberação, pressupondo que estas dimensões interferem no seu desempenho democrático como um espaço concreto de influência, inclusão e reforma, com capacidade de intervenção na melhoria da qualidade do ensino no município. Palavras-chave: Conselhos Municipais de Educação; Desenho institucional; Participação; Deliberação.

Valdecí Gonçalves Dutra é Graduada em Matemática e Estatística e Ciências Econômicas. Pós-Graduada em Administração Escolar, Planejamento Educacional, Psicopedagogia e Educação Inclusiva, Democracia, República e Movimentos Sociais. Atualmente ocupa a função de - Gestora da Escola Maria Montessori - APAE; - Presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Anapolis - CMDPDA; - Conselheira Titular do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA.

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E INDICADORES SOCIAIS: DO DEBATE TEÓRICO AOS ÍNDICES Romero Galvão Maia 1. Introdução A participação política é um fenômeno observável e que pode ser medido objetivamente. Construímos, aqui, um breve apanhado dos esforços para quantificar a participação política ao redor do mundo. Essa passagem do conceito à sua quantificação equivale ao laço necessário entre teoria e prática, pesquisa básica e aplicada. Assumimos como certa a possibilidade de contar ou mensurar conceitos, mesmo que sejam intangíveis como os que dão origem aos indicadores subjetivos. A forma de operacionalizar a teoria social subjacente com o fim de estabelecer um liame válido e confiável entre a observação do fenômeno, sua definição e um adequado processo de mensuração varia muito nas pesquisas sociais que ocorrem de maneira sistemática desde meados da década de 1960 (CARLEY, 1985). A relevância da participação política se afirma como tema da grande área dos indicadores sociais, acompanhando os movimentos por democracia no Ocidente e a insatisfação com o nexo entre indicadores estritamente econômicos e a qualidade de vida das populações. Como veremos mais adiante, a participação política é condição necessária da democracia, sendo, por isso, a melhor medida para a verificação da real vigência e a avaliação da qualidade desta última. Ela diz respeito a qualquer ação voluntária que busca a elaboração efetivação ou contestação das mais diversas atividades governamentais ou posturas dos entes do Estado, incluindo aí todos os poderes instituídos. O indicador emblemático da participação na democracia é o voto. Pateman (1992) mostra que, para a moderna teoria da democracia - mais especificamente dentro do legado schumpeteriano -, o voto seria a única garantia de igualdade no acesso ao controle sobre os representantes, ato central da participação política e definidor da democracia como método de competição por meio de eleições livres e periódicas. Além do voto, existem outros comportamentos que expressam o conceito de participação política em diversos níveis demográficos, variadas abrangências geográficas, e com propósitos e processos organizativos que se somam ao exercício eleitoral regular na afirmação da soberania popular numa democracia. Todos esses comportamentos são passíveis de mensuração no estágio atual da teoria dos indicadores sociais. Sabe-se, até, que é possível formular indicadores a partir de conceitos intangíveis (CALDAS, 2008), o que não quer dizer se pode medir qualquer coisa sem enfrentar grandes problemas metodológicos. Estes problemas serão apresentados neste trabalho, mesmo sabendo que, já há tecnologia para a codificação da chamada informação intangível. Um 132


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exemplo é o Índice de Felicidade do Planeta, cujo cálculo procura representar a eficiência com a qual os países convertem os recursos finitos da Terra em bem-estar para os seus cidadãos. (LOUETTE, 2009). Não obstante a importância da participação política fora das eleições regulares como indicador social para a qualidade da democracia, foram poucas as tentativas de construção de índices específicos de participação política desde o início do chamado “movimento dos indicadores sociais”. Nos limites deste trabalho, objetivamos saber se existem indicadores de participação política e quais são eles. Ao final, teremos um guia de indicadores de participação política que podem servir de base para outros estudos. Foi possível encontrar apenas quatro índices específicos de participação política, sendo que dois deles se restringem a segmentos sociais específicos, e somente os outros dois se propõem a medir o estado geral da participação política em determinado país. Estes últimos são índices que enfatizam a participação política ante outros indicadores que, geralmente, procuram incorporar dimensões estritamente econômicas. Apresentamos, ainda, mais sete índices que operacionalizam o conceito de participação política através de alguns de seus indicadores. Nesses, a participação política é um componente secundário do rol de indicadores, no qual prevalece o interesse do pesquisador sobre a manifestação econômica do evento avaliado. Além dos índices, levantamos também uma grande pesquisa do tipo survey sobre intermediação e participação política no Brasil, realizada pelo IBGE. Ela coletou informações para vários indicadores de interesse para o fenômeno da participação política sem que, no entanto, tivesse em seu escopo a formulação de um ranking entre entes da federação. Antes de apresentar todos esses resultados, vamos listar alguns casos de participação política. Também discutiremos conceitualmente o fenômeno com base em breve revisão de literatura, dando ênfase aos principais desafios teóricos para atingirmos uma clara definição dos indicadores e seus limites. Discutidas as alternativas conceituais, passaremos finalmente para a apresentação dos indicadores encontrados.

2. A Participação Política: Os Fenômenos e o Conceito No dia 17 de setembro de 2011, os jornais marcaram o início de um movimento que conseguiu agregar cerca de 10 mil manifestantes na frente da Praça do Zuccotti Park, em Nova Iorque, EUA, para protestar contra a postura - para eles excessivamente ambiciosa e corrupta - dos principais investidores da bolsa de valores (DEPREZ; VEKSHIN, 2011). Estes seriam os grandes beneficiários da crise financeira mundial que se desenrola desde 2008. O evento, que se dizia apartidário, intrinsecamente diversificado e sem lideres, fora planejado predominantemente através do uso de ferramentas de comunicação digital. Durante meses, a 133


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ocupação de Wall Street foi gerida por milhares de pessoas espalhadas por todos os Estados Unidos e até mesmo fora do país. A Adbusters, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, funciona como centro irradiador de informações e incentivos para o movimento. Partidos políticos, sindicatos e tradicionais formas de associação comunitária possuem papel secundário no planejamento e na execução das ações de protesto. Desde o inicio do ano de 2011, já entravam em curso outros grupos que clamavam por mudanças políticas. No mundo árabe, um conjunto de atos de protesto que levou multidões às ruas quase que diariamente recebeu o nome de “Primavera Árabe”, numa conotação positiva dada pela imprensa ocidental. Além da escala bem maior que a do “Occupy Wall Street”, aqueles movimentos se diferenciam deste por planejarem e levarem a cabo ações violentas. Também não compartilham do mesmo inimigo dos americanos. Ao invés da irresponsabilidade dos gestores do sistema financeiro, o estopim do conflito para os árabes foi uma série de questões básicas, como insegurança alimentar, depreciação do valor da moeda e acirramento de ditaduras. No Egito, por exemplo, o presidente Hosni Mubarak ocupava o poder há 30 anos sem que o país conseguisse apresentar bons resultados em indicadores sociais mínimos como os utilizados pelo IDH. No ranking, o Egito ocupa a 113ª posição, com queda de uma posição em relação a 2010. Muitas outras manifestações foram registradas por quase toda a Europa em 2011. Todas foram reflexo direto da crise americana e das consequentes medidas de austeridade adotadas pelos governos especialmente na Grécia, na Espanha, na França e na Bélgica. A crise europeia foi gerada pelo movimento em massa de resgate dos títulos da dívida desses países, o que pressionou os governos a oferecerem taxas de juros cada vez mais elevadas para financiarem suas despesas mesmo que, para isso, precisassem comprometer completamente o orçamento e a seguridade social das nações. A austeridade usada como remédio para viabilizar o salvamento dos bancos pelos Estados não foi suficiente para evitar taxas recordes de desemprego: mais de 10% da população, em média estava desempregada nos países da Europa em dezembro de 2011. Em alguns deles, como na Grécia, essa taxa ultrapassou os 20%, e também houve demissão de servidores públicos. Apesar da forte influência do cenário de crise, não são todas as mobilizações sociais de protesto que se relacionam a imposturas da política econômica dos governos. Os atos de participação política não são explicados somente pela irrupção de crises econômicas. É o que defende Matos (1981) quando assinalada que os vários protestos juvenis que eclodiram no final dos anos de 1960 não estavam vinculados às taxas de desemprego ou ao nível de segurança alimentar provida pelo governo. É possível observar eventos de participação de grupos orientados para a consecução de mudanças desvinculadas da grande recessão, mas que fazem a crítica legislativa do Estado. É o que se pode dizer do amplamente divulgado movimento pela aprovação da lei 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”. Além de ter entrado em vigor impulsionada pela 134


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participação política da sociedade civil, essa lei tem a peculiaridade de ter sido concebida pela própria sociedade civil organizada. Trata-se de um dos poucos projetos de lei de iniciativa popular. Antes dele, apenas três haviam sido convertidos em lei pelo Congresso Nacional, a saber: a Lei dos Crimes Hediondos, de 1994; a Lei da Compra de Votos, de 1999, que tramitou por apenas 42 dias até ser sancionada; e a que criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, em 2005. O maior evento de contestação já registrado neste século, o Fórum Social Mundial (FSM), ocorreu sete anos antes da atual crise financeira e foi muito mais ligado à ascensão de grupos políticos de esquerda na América Latina e ao aperfeiçoamento da comunicação entre os membros de entidades e organizações não governamentais. O FSM é um movimento de escala intercontinental, aberto, planejado e realizado diretamente por milhares de organizações e participantes voluntários que se opõem aos princípios norteadores do Fórum Econômico Mundial que, por sua vez, acontece sempre na cidade de Davos, na Suíça. O Fórum Social Mundial acontece em local acertado anualmente entre os participantes. De 2001 a 2003, o Fórum Social Mundial ocorreu em Porto Alegre. Em 2004, conseguiu ser realizado na Índia. Em 2005, retornou a Porto Alegre. E, desde, 2006 vem apresentando uma tendência à descentralização. Os movimentos sociais formam a esteira das transformações institucionais por quais passa a política. Eles estão na base de todos os projetos de lei de inciativa popular, plebiscitos, referendos e demais instrumentos de pressão afirmadores da soberania do povo sobre seus representantes. Para Gohn (1997), os movimentos sociais constituem o início de qualquer ação política, pois é o processo de conflito entre movimentos e conservadores o que define, em última instância, aquilo que será positivado no Direito. O intenso debate travado desde a década de noventa sobre a reformulação da lei 4771/65, o Código Florestal Brasileiro, apresenta todas as características de um embate de movimentos sociais contra grupos de pressão que desemboca na positivação de ordem jurídica: nesse caso, o projeto de lei 1.876/99, chamado de Novo Código Florestal. A participação política pode chegar a níveis ainda mais específicos. Na área de mobilidade urbana, foram registrados pela imprensa vários exemplos recentes que comprovam a vigência de maneiras anônimas e informais de participar politicamente. Um exemplo são os grupos anônimos que se reúnem para pintar faixas de pedestres por conta própria e promover o ciclismo como forma de transporte a ser privilegiada pelo poder público (SANTOS, 2012). Outros, como o Grupo de Direitos Urbanos do Recife, articulam promotores, intelectuais, artistas e professores por meio de redes sociais para impedir o andamento de obras licenciadas pelo poder público, mas que ferem os princípios do plano diretor e geram enormes prejuízos urbanísticos à cidade. No que diz respeito à infraestrutura já encontrada nos municípios, há a Associação Abaporu, uma OSCIP que pesquisa e monitora a qualidade das calçadas por meio das informações em rede do portal “Mobilize-se”. Além disso, a organização faz um apanhado de notícias sobre manifestações pela melhoria da mobilidade urbana em todas as cidades do Brasil. 135


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A estrutura do próprio Estado - seus funcionários, insumos e locações - também está sendo usada para dar vazão à participação política da sociedade civil por uma ampla e mais efetiva fiscalização dos governos. Foi o que aconteceu em meados de 2012, através da associação entre a Controladoria Geral da União (CGU), as prefeituras, os governos estaduais e a Presidência da República para a promoção da participação política, da transparência administrativa e do combate à corrupção. A Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (CONSOCIAL) teve início em um seminário da CGU sobre controle social, a partir do qual se formou uma grande rede de articulação entre membros da administração pública e a sociedade civil. Estes formalizaram um abaixo-assinado de colaboração mútua para a realização da CONSOCIAL, sob a liderança da CGU. Outras formas de participação política nas instalações do Estado brasileiro são possíveis em virtude da própria determinação constitucional. É o caso dos conselhos gestores de políticas públicas e de direitos, da política do orçamento participativo e das audiências públicas que, por exemplo, orientam as obras de significativo impacto ambiental empreendidas pelo poder público e o processo de elaboração dos planos diretores das cidades. A constituição brasileira de 1988 teve um papel decisivo na formação desses espaços de participação. Em seu art. 14,assegura o direito ao referendo, plebiscito e proposições de projetos de lei de iniciativa popular. Antes, logo no início, no parágrafo único do seu art. 1º, a constituição afirma que não há poder do Estado que não emane do povo, seu titular. Isso serve de alicerce para a determinação, no art. 5º, inciso LXXII, de que todo cidadão é parte legítima para propor ação popular. Além disso, o art. 220 garante liberdade de reunião e associação, assinala o direito à expressão sob qualquer forma, processo ou veículo. A Constituição determina, ainda, que a lei orgânica dos municípios atenda a preceitos como o da cooperação de associações representativas nas atividades do planejamento municipal (art. 29, incisos XII e XIII). No art. 194, a Constituição determina a participação dos “trabalhadores” e “aposentados” como condição para a gestão, em órgãos colegiados, da seguridade social. Outros artigos, como o 204 (assistência social) e o 227 (família, criança, adolescente e idoso) também referendam a participação na política por meio de organizações representativas e entidades não governamentais. Tanto Avritzer e Pereira (2011) quanto Faria (2010) entendem que esses novos espaços de aprofundamento da democracia por meio da participação popular formam “instituições híbridas”, e que sua expansão estaria na esteira da descentralização administrativa do Estado. Um levantamento feito por Silva et alli (2003) listou cerca de 40 mil conselhos municipais nas áreas de educação, saúde, assistência social, criança e adolescente, desenvolvimento rural e trabalho. Só na área da criança e do adolescente, por exemplo, o Brasil tem mais conselhos tutelares que municípios: são 5.925 conselhos instalados em 98% dos 5565 municípios. Já na área de habitação, o número de municípios brasileiros que têm conselhos e fundos de habitação cresceu mais de 200% de 2004 a 2009 para recebimento de recursos federais de fundo a fundo. 136


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Todas essas formas de participação que listamos aqui não estão sendo forjadas sobre o molde sindical-partidário. A preocupação em participar da gestão governamental é uma tendência que contrasta com o declínio dessas formas tradicionais de se ocupar espaços na gestão pública (PME, 1996). As novas formas de participação provêm do desgaste da legitimidade das formas associativas tradicionais da modernidade, desgaste esse causado pela insatisfação crescente diante do modelo de representatividade por meio de estruturas rígidas, inclinadas à formação de oligarquias (RIBEIRO, 2009) e voltado para demandas restritas ante a ampliação e as novas especificidades das demandas sociais. Sobre essas deficiências inerentes aos agrupamentos partidários, Santos diz: A crise de representação que atravessa as sociedades contemporâneas nesta segunda metade de século é evidência dos limites desse arranjo institucional. As crescentes complexidade e heterogeneidade sociais, a emergência de novos conteúdos e de novas identidades políticas e a multiplicação de clivagens sociais, econômicas e políticas atestam a incapacidade dos partidos de continuarem retendo, juntamente com o monopólio da representação, o oligopólio da participação (1985; 283). A cultura política brasileira é fortemente personalista, derivada da imaturidade de seu sistema eleitoral. Essa característica, prejudicial ao bom desempenho do sistema eleitoral brasileiro, já foi identificada por autores clássicos como Sartori (1982). Sua persistência foi constatada, mais recentemente, por Melo (2007). O exemplo da conquista do voto secreto e universal no Brasil é emblemático. Ao invés de impulsionar o espírito republicano e a expansão democrática, terminou tutelado por um regime autoritário e populista. Para Melo, no plano das relações políticas, o personalismo sempre reinou de forma absoluta, sendo comum encontrar, entre as principais lideranças, um comportamento avesso à existência e funcionamento dos partidos. Tudo isso contribuiu para que a construção de um sistema partidário dotado de vínculos com a sociedade e capaz de conectá-la ao processo decisório fosse tarefa extremamente difícil, quando não fadada ao fracasso (2007:267). Os partidos políticos estão passando por um processo de deslegitimação frente às novas possibilidades da mobilização política. Observa-se a tônica da performance de rua de movimentos apartidários nos últimos anos. Especialmente no combate à corrupção, disseminam-se movimentos com grande agenda de atividades voluntárias e alta performance, tendo sido os principais responsáveis pela aprovação do projeto de lei 135/2010, o da “Ficha Limpa”, já mencionado acima. Além disso, temos o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e o Movimento Brasil Contra a Corrupção (MBCC), que são organizações 137


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da sociedade civil que se destacam como duas das mais atuantes na área de controle social da administração pública nos três poderes. Em suplemento da Pesquisa Mensal de Emprego realizada pelo IBGE (PME, 1996), foi apurado que não mais do que 3% da população de 18 anos ou mais de idade eram filiados a partidos políticos, enquanto aproximadamente 90% da população dessa faixa etária estavam vinculados a outros grupos de participação política. A baixa identificação partidária dos brasileiros faz com que o candidato seja mais importante do que o partido como referência do voto para 14,7 milhões de pessoas, ou para 58% dos brasileiros com 18 anos ou mais de idade no período de referência da pesquisa (PME, 1996). Vale salientar que o baixo nível de participação nos partidos é a expressão mais forte de um fenômeno de apatia generalizado. Mesmo entre pessoas que preferem se ligar a sindicatos ou a associações comunitárias, observou-se baixa taxa de participação em geral: não são filiados a um e a outro, respectivamente, 84% e 88% da população pesquisada. Fernandes (1996) explica que o descrédito da atividade partidária também se deve à descontinuidade organizacional e ao privatismo dentro dos partidos, que gera um trabalho voltado para a clientela financiadora de campanhas. Contudo, as novas formas de participação suplantaram a representatividade dos partidos perante a população, mas não tomaram o lugar deles. Como os partidos continuam sendo o único caminho legal para o poder do Estado, vive-se uma crise de representatividade. Em contraste com esses tradicionais formatos da luta política, os “novos movimentos sociais” marcham sobre temáticas específicas e por meio da expertise. Como não há preocupações eleitorais diretas, os novos movimentos possuem mais desenvoltura em ações perenes cujos impactos podem ser sentidos no curto prazo, arregimentando assim mais simpatizantes e colaboradores. Avritzer (2007) nos propõe o seguinte quadro que resume as formas de representação na política contemporânea: QUADRO 1 Formas de Representação na Política Contemporânea

Fonte: Avritzer, 2007.

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Se, antes, os novos movimentos sociais estavam propondo um caminho alternativo para o fazer político, hoje as manifestações assumem explicitamente o discurso de separação de qualquer bandeira da política convencional. Os diretórios partidários e as longas reuniões foram substituídos pela articulação em rede. De acordo com Fonseca (2009), o ciberativismo surgiu no início dos anos de 1990, fixando-se por meio de listas e grupos de discussão que possibilitam que os usuários troquem informações livremente sob uma estrutura de rede distribuída. Essa estrutura de rede distribuída é a plataforma mais aberta possível de comunicação em rede e possibilita um patamar de comunicação integral, superior aos formatos de rede centralizada e descentralizada, conforme ilustração: FIGURA 1 Tipografia das redes de Paul Baran

Fonte: Fonseca, 2009.

O ciberativismo não exclui a atuação partidária. Na verdade, essa atuação precisou incorporar o ciberativismo em sua prática. Contudo, esse processo de adaptação dos partidos aos novos formatos da atuação política não alcança o patamar da rede distribuída de abertura, quebra de estrutura de vertical de comando, e democratização das decisões, em decorrência do conflito inerente e insuperável entre a essência burocrática dos partidos e a quebra de hierarquias que lastreia e legitima a nova política no espaço virtual. Há autores, como Santos (2007) e Cardoso (apud Manzano, 2011), que chegam a concluir o fim das noções de esquerda e direita como segmentos políticos claramente opostos. Supõe-se uma tendência geral ao centro, e os grupos políticos fariam esse movimento para aumentar suas chances de eleição. A maior parte do eleitorado é despolitizada e sua opinião sobre ações de governo tendem a espelhar um posicionamento que se refere somente à superação de problemas de curto prazo e emergenciais, sem tangenciar temas complexos e estruturais. O esvaziamento das instâncias tradicionais de conquista do poder do Estado tem como consequência a captura da política pela estética personalista e pelo utilitarismo. Já comentamos 139


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anteriormente a face do personalismo na política brasileira. Essa estética só faz sentido se for reconhecida como um corpo que se distingue unicamente do discurso homogeneizado, “centralizado”, quase neutro. No viés utilitário, vê-se a apatia como combustível para velhos vícios, como o clientelismo e o nepotismo. A política partidária se esvazia de ideologia e seu espaço é tomado pela presença corporal ou imagética do candidato. Essa estética personalista reforça a ideia de heróis que resolverão os problemas, poupando os eleitores dos custos da participação e causando grande apatia popular com relação aos assuntos políticos. Os custos da participação, se não geram despesas diretas, tomam algum tempo dos eleitores e, por isso, podem ser quantificados monetariamente como custo de oportunidade. De acordo com Nistal (2009), mesmo um nível mínimo de participação política demanda busca de informação, formação, debate e consulta a atores competentes. Tendo em vista a inexorável existência de alguns custos para a participação social, Pateman sugere a implementação de uma renda mínima: my argument will be that, from the perspective of democratization, a basic income should be seen as a fundamental or democratic right, like universal suffrage. This is because a basic income would help remove impediments to freedom, help citizens enjoy and exercise citizenship, and help provide the security required if citizenship is to be of equal worth to everyone. My understanding of individual freedom is as self government or autonomy. I see this as a political form of freedom in contrast to an economic form of freedom as individual opportunity. The latter is necessary in a democracy, but is insufficient for democratization, the political process through which all citizens obtain full standing, and become first class – democratic – citizens1 (2003:130). A apatia seria uma consequência direta da crise de representatividade acrescida dos custos para a participação. Todavia, a apatia também pode ser apenas aparente. Empinotti (2011) mostra que algumas organizações da sociedade civil abandonam espaços oficiais e representativos por enxergarem vantagens maiores de rodadas extraoficiais em outros espaços. A principal alternativa é o contato direto com políticos que viabilizam a liberação de recursos para essas organizações por meio do nebuloso instrumento de convênio. Para Schumpeter (1976), a abstenção do voto e a omissão em movimentos de protesto 1 “Meu argumento será que, a partir da perspectiva democrática, uma renda básica deve ser vista como um direito fundamental ou democrático, assim como o é o sufrágio universal. Porque a renda básica ajudaria a remover os obstáculos à liberdade, ajudaria os cidadãos a desfrutarem e exercitarem a cidadania, e ajudaria a fornecer a segurança necessária, uma vez sendo a cidadania um bem igual a todos. Minha compreensão da liberdade individual é como autogoverno ou autonomia. Eu vejo isso como uma forma política de liberdade em contraste a uma forma econômica de liberdade baseada em oportunidades individuais. O último é necessário numa democracia mas é insuficiente para a democratização, o processo político através do qual todos os cidadãos obtém plenitude, e se tornam de primeira classe democrática.” (PATEMAN, 2003, tradução nossa)

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diminuem o risco de um “excesso de participação” que prejudicaria a governabilidade e a estabilidade democrática. O custo da participação política, sua incerteza quanto aos resultados, a crise de representação dos partidos, bem como a falta de conhecimento acerca dos assuntos de interesse público são fatores apontados por Weber (1994) para explicar a divisão da sociedade em indivíduos ativos e passivos politicamente. Dahl (1989) enfatiza o baixo nível de instrução como a principal causa da apatia política das massas possuidoras de poucos bens. Esses grupos pauperizados teriam, por causa de suas condições objetivas, uma propensão à passividade política. A participação política, por contraste, seria um fenômeno de elite, levado a cabo por quem pode assumir os seus custos e é capaz de entender os benefícios pessoais que podem advir da mudança almejada pelo processo político. Por outro lado, existem estudos - como o de Bordenave (1987) - que afirmam que a participação é condição necessária para a democracia, sendo esta nada mais que uma manifestação daquela: “democracia é um estado de participação” (BORDENAVE, 1987:8). Para o autor, a participação política é necessidade fundamental do animalis politicum e se expressa sobre duas bases: afetiva e instrumental. A primeira está ancorada no prazer do convívio para a consecução de objetivos coletivos. A segunda, na maior eficiência e eficácia de se atingir determinadas metas políticas agindo coletivamente. A partir das contribuições de Santos (2000; 2007), Stotz (2009), Bordenave (1987) e Dallari (1984), podemos dizer que a definição de participação política é focada na ação voluntária, coletiva (organizações, entidades e movimentos) ou individual em busca de mudanças na instituição política em seu sentido amplo. A participação política é uma ação movida voluntariamente e com a intenção de mudança em algum ponto da atividade governamental, em qualquer um dos poderes e em quaisquer aspectos de suas atividades de planejamento, execução ou resultado, sem desconsiderar o embate legislativo e o esforço pelo cumprimento de leis no seio da sociedade civil seccionada em classes, o que adiciona o sentido da solidariedade no conceito que ora estabelecemos. O simples ato de se manifestar frente ao governo ou de agir em contextos vistos como prejudiciais no cotidiano de um bairro é uma unidade de análise de participação política. Nos limites deste trabalho, no entanto, um movimento de protesto entre vizinhos que não requer nenhum movimento da estrutura garantidora de direitos e efetivadora de leis não será entendido como participação política. Desprezamos esses eventos dada a impossibilidade de se observar a dimensão sutil das possíveis intrigas de poder em cercanias, e a inexistência de qualquer influência desse tipo de evento, até onde se tem notícia na teoria, sobre os rumos de todo um regime democrático. Essa ressalva quer dizer apenas que é a natureza de uma ação que a conduz ao rol da participação política, e não sua expressividade no contexto dos eventos observados. Ou seja, uma pequenina, rápida e simplória ação de enviar mensagens em meio eletrônico requerendo alguma mudança governamental pode ser admitida como fenômeno de participação política, sem depender, inclusive, dos seus resultados concretos ou do fato de já existirem ou não 141


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indicadores que captam essa manifestação. Historicamente, os indivíduos que são impedidos de participar das decisões políticas são considerados marginais na sociedade. A palavra “ostracismo” representa justamente a alienação política imposta pela comunidade ateniense para todos aqueles que atentavam contra a democracia. Da mesma forma, quando uma pessoa possui um nível de renda insuficiente para adquirir itens básicos no mercado, diz-se que ela está à margem do tecido social e da participação política, isto é, no ostracismo. A diferença é que, no caso da renda, se ela se elevar por qualquer motivo e os preços se mantiverem constantes, a marginalidade desaparece. Isso não é possível com a marginalidade tal como acontece na participação política. A participação política diz respeito à oportunidade de interferir na tomada de decisão da instituição política. Por isso, quando o sufrágio universal é legalizado, há uma redução automática da marginalidade política (ou acréscimo da participação política), sem alteração simultânea da situação de marginalidade econômica. Portanto, não podemos reduzir a participação política a seus custos ou a uma questão de renda, embora saibamos que são questões relacionadas. Bordenave (1987) ainda chama atenção para mais dois tipos específicos de participação política que podem coexistir com um certo nível de marginalização do indivíduo quanto às oportunidades de interferir no processo decisório: a participação manipulada e a concedida. A primeira se observa quando lideranças convencem grupos a se arriscarem sem dividir todas as informações sobre o processo ou a distribuição dos benefícios que podem ser obtidos. A participação concedida, por sua vez, é uma tentativa de arrefecer a participação política regulamentando o âmbito participativo de manifestantes em potencial. As audiências públicas instadas pelo Direito Ambiental são, na prática, exemplos desse tipo de concessão que não ultrapassa o status quo, perdendo uma das dimensões fundamentais na participação que é a mudança social. Quando passamos para as pesquisas que visam à mensuração do nível da participação política, vemos que elas trabalham com outra definição do conceito: a sua definição operacional. A amplitude da definição conceitual é bem menor, restrita a ponto de ensejar observações de fenômenos quantificáveis. A definição operacional pode, inclusive, incorporar fenômenos indiretos de participação política. Se, como vimos, a informação é parte integrante dos custos de participação, a definição operacional pode considerar, para fins de mensuração, a simples leitura de cadernos de política em jornais como um ato de participação política. Se, como vimos acima, com Bordenave (1987), a participação é uma necessidade da democracia, a apatia política seria a moléstia mais preocupante para um sistema político aberto e saudável. A qualidade do regime e sua saúde ficam extremamente comprometidas, porque a apatia favorece um ambiente para o revezamento de elites e para a corrupção, numa eterna reprodução mais sofisticada e discreta do que foi, por exemplo, a política do café-comleite durante a República Velha. 142


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A apatia aparece em maior grau em todos os países democráticos nos quais o voto nas eleições periódicas não é obrigatório com relação aos países onde a abstenção às urnas é passível de pena. Na Europa, um continente marcado pelo nacionalismo e processos históricos de projeção mundial, as eleições para o Parlamento Europeu recebem pouquíssimos interessados. Em média, mais da metade dos eleitores não comparecem às urnas. Foi o que aconteceu em 2009, em meio a um dos piores momentos da crise econômica mundial, vale salientar, segundo o periódico português Público (PORTUGAL, 2009). E, a título de rápida comparação, em 2004, a República Eslovaca registrou quase 85% de abstenções, logo após ter sido aceita no bloco econômico, ou seja, em clima de festa (ATEM, 2004). Mas, se as evidências mostram que a apatia é predominante, os movimentos de protesto recentes não seriam mais que mobilizações residuais e esporádicas, movidas por motivos estritamente financeiros dos indivíduos, derivados direta ou indiretamente de problemas econômicos dos Estados? As grandes dimensões dos protestos em diversos países árabes e europeus seriam apenas um reflexo da magnitude da crise, acrescida da sensibilização da opinião pública mundial por causa da cobertura da imprensa em casos específicos? Uma das formas de saber com objetividade o que prevalece - se apatia ou participação - é mensurar o nível das aparições do fenômeno ou a predisposição dos indivíduos para um desses eventos complementares.

3. Indicadores Sociais: Desafios Entre Teoria e Prática Tanto a participação política quanto a apatia podem ser estudados como quantidades. A teoria que permite a transformação de fenômenos sociais em números que expressam seu grau de manifestação na realidade é teoria dos indicadores sociais. Os indicadores sociais são reduções quantitativas de um conceito para torná-lo apto a ser usado em comparações úteis para a tomada de decisões. No caso dos indicadores sociais, o lugar privilegiado das decisões foi, de início, os gabinetes governamentais. Não é por outra razão que uma das justificativas para a síntese dos indicadores sociais do IBGE diz que os números são reflexos do comportamento da economia e da geração e distribuição de renda no país, e que a compreensão dos dados sintetizados em indicadores é fundamental no processo de formulação de políticas públicas (IBGE, 2007). Os indicadores funcionam como preciosas orientações para o planejamento de metas e investimentos governamentais. Nas palavras de Gonzalez, [o] meio encontrado para mensurar um determinado conceito ou variável é o seu indicador. A variação do indicador nos mostra como está se comportando a variável, e através da análise dessa variação podemos conhecer melhor a realidade e tomar decisões.

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Pode haver diferentes formas de operacionalizar um determinado conceito. O indicador usado para medir um determinado conceito pode provocar grandes diferenças no resultado e a escolha de qual indicador é mais adequado pode ser uma questão de debate teórico sem respostas fáceis. (2008:s/n). Já na década de 1980, os indicadores sociais passaram a ser usados com bastante frequência pela sociedade civil organizada, objetivando o monitoramento das políticas governamentais. Deixaram de ser, inclusive, fabricados apenas nos órgãos oficiais de Estado e passaram a pautar o planejamento de organizações em todo mundo que têm como parte do trabalho diário agregar dados secundários, ou até primários, de forma a construir indicadores úteis para o tema que baliza sua ação política. Como exemplo, pode-se citar o Índice de Participação Cidadã (IPC) da Red Interamericana para la Democracia, que vamos apresentar com mais detalhes adiante. A relevância dos indicadores sociais é de ordem prática. Eles facilitam nossa visão de zonas complexas ou muito amplas da realidade. De maneira geral, supõe-se que quanto mais ampliada for a construção de indicadores para representar uma dessas zonas, mais próximo esse sistema estará da expressão real do fenômeno. Para a operacionalização do conceito é necessário, antes, fixar-se sobre uma teoria que generaliza uma explicação sobre a vida humana. Dessa teoria, faz-se o recorte para exatamente aquilo que o indicador quer substituir na aferição do real. Tomemos o caso dos indicadores de qualidade de vida. Nele, os indicadores são contagens ou mensurações da ocorrência de eventos que são aceitos como indispensáveis dentro do horizonte teórico considerado, tais como: tempo médio de duração da vida que se pode esperar ao nascer em determinado lugar, anos de estudo, acesso à renda etc. É comum a operacionalização de um conceito não abarcar todas as dimensões da teoria. O processo de operacionalização é, acima de tudo, um método de redução para aplicação que, vale salientar, não se processa sem perdas. Isso acontece porque a teoria dos indicadores sociais considera que nem tudo que há pode ser medido, mas precisa ser. Os indicadores são indispensáveis não porque explicam a realidade - esse é o papel das teorias -, mas porque garantem transparência das decisões e possibilitam o estabelecimento de metas objetivas para as ações de intervenção. As metas constituem uma orientação básica passível de verificação ex post facto. Mas são restritas a algumas dimensões que podem ser medidas de insumo, fluxo ou produto. Não esgotam todo o escopo da ação política. As metas que pretendem estabelecer patamares de qualidade de vida digna geralmente são aferidas por intermédio dos indicadores sociais, todos úteis para a ação política, mas cada um revelando uma informação de caráter diferente. No limite, trazem um conjunto de informações que se presta a superar a excessiva simplicidade do indicador básico de produção econômica, o Produto Interno Bruto (PIB); e por uma 144


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razão já conhecida pelo senso comum: apenas acréscimos na renda nacional não geram necessariamente melhorias na qualidade de vida. Na linguagem popular, isso equivale a dizer que “dinheiro não traz felicidade”. Hoje, já existem índices que tentam mensurar aspectos intangíveis da qualidade de vida, como a felicidade de determinada população. Alguns são o Índice de Felicidade, do psicólogo Daniel Kahneman; a Felicidade Interna Bruta, do Centro de Estudos do Butão; o Índice de Felicidade Futura, medido pela Fundação Getúlio Vargas; e o Índice de Felicidade Mundial, da New Economics Foundation. Mesmo o economista que elaborou o cálculo do PIB, Simon Kuznets, não se dispôs a apresentar o PIB como indicador de bem-estar, ou sequer de progresso: “A riqueza de uma nação dificilmente pode [...] ser aferida pela medida da renda nacional” (apud CALDAS, 2008), disse ele em 1932, durante testemunho perante o Congresso dos EUA. O uso deste indicador, cuja base essencial é a unidade monetária, popularizou-se durante a II Grande Guerra. O impacto econômico causado pelos “esforços de guerra” justificou a necessidade de mensurar de forma precisa a produção bélica dentre os demais bens e serviços necessários à continuidade dos mercados já estabelecidos nas economias nacionais. Henderson explica essa conjuntura contando que: Durante a Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, 170 governos assinaram a Agenda 21, concordando em corrigir erros na definição do Produto Nacional Bruto (PNB) e da sua respectiva versão doméstica, o PIB. Desde então, as instituições de estatística vêm trabalhando para se adequar à possível mudança. Movimentos engajados na luta por justiça social, direitos humanos e proteção do ambiente têm pressionado políticos, empresários e banqueiros relutantes, assim como economistas e estatísticos, para que levem em conta a necessidade de correção (2007:s/n). Foram denominados de “sociais” para tornar evidente a sua maior amplitude quando comparados aos meramente “econômicos”, e para atestar dentro de que corrente política eles foram concebidos: a do welfare state, ou Estado do bem-estar social. Apesar de só em 1992 ter sido assinado um acordo mundial acerca dos indicadores tradicionais, os indicadores sociais já estavam à baila desde os anos 60. [...] a insatisfação crescente com o volume e a qualidade das informações sociais disponíveis para os agentes decisórios governamentais gerou o que veio a ser conhecido como “movimento dos indicadores sociais”. [...] dizem respeito ao aperfeiçoamento da mensuração social como contribuição para o 145


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conhecimento e como auxiliar último para o processo decisório governamental. (CARLEY, 1985:1). Temos, em Carley (1985), exemplos que ilustram bem esses novos tipos de indicadores. Como indicadores de “insumo”, podemos pensar em recursos disponíveis para a qualidade de vida de determinado segmento da população, o quociente da população mundial pelo volume de água potável disponível, por exemplo. Nos indicadores de “fluxo”, vamos encontrar informações acerca de recursos mobilizados por unidade de tempo. Um exemplo seria a a quantidade de kWh em uso no sistema elétrico de um país. Para os indicadores de “produto”, temos que nos ater aos resultados estratégicos, finais, de atividades específicas. Aqui, por exemplo, entram as taxas de mortalidade por causas externas, o analfabetismo e a esperança média de vida. Mais importante que a eficácia da teoria dos indicadores sociais e sua evolução é reconhecer o limite das inferências que podem ser feitas com o uso deles. Conclusões acerca de qualidade de vida incorrem em erro justamente porque muitas vezes presumem uma superposição das necessidades sobre as demandas de determinada população ou segmento. As necessidades são fundamentalmente derivadas de prognóstico, ex ante. As demandas são conhecimentos objetivos, descobertas por meio de observação factual, ex post. Conjugar essas duas dimensões num único indicador viável é algo complexo e, assim mesmo, provisório e restrito aos objetivos a que pode se prestar. Todo indicador é limitado pelo recorte que faz da realidade. É uma ferramenta da decisão política que nunca esgotará toda a miríade de variáveis subjetivas e objetivas que poderiam definir exatamente a qualidade de vida de uma comunidade. Carley (1985) explica que indicadores são como pegadas. Observando-os sabemos que alguém passou por determinado local há pouco tempo. Podemos até estimar sua altura, mas jamais poderemos dizer qual era a cor da sua pele. A cor da pele, para seguirmos neste exemplo, seria indiscutivelmente um dado relevante para afirmarmos algo acerca da qualidade de vida dentro de uma sociedade racista. O recorte feito pelo formulador é decorrente do método de elaboração do indicador que, por sua vez, é orientado pelos objetivos para os quais se destina e pelas contingências pelas quais deve se adaptar para buscar ser exequível. Um exemplo de contingência é a ausência de dados que o formulador julga como indispensáveis para que seu indicador de fato seja representativo de dada realidade social. Esses dados, inclusive, precisam ser passíveis de atualização periódica para possibilitarem estudos de tendência de séries temporais. Também é bem relevante que os dados possam ser obtidos em vários territórios para fins de comparações espaciais. Outro desafio para a teoria dos indicadores sociais deriva do fato de que, embora eles retratem a situação social e econômica de uma sociedade, o fazem de forma bastante

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limitada. Isso não diminui sua importância como medida de comparação, mas a limitação afeta as possibilidades do instrumento no que diz respeito à discussão mais aprofundada e à elaboração de propostas apoiadas em perspectivas mais abrangentes. Esse problema se apresenta com especial intensidade sobre os índices, que são uma síntese de indicadores de determinado fenômeno. O IDH, por exemplo, a despeito de sua popularidade internacional, recebe a crítica de não passar de um mero número usado para o estabelecimento de rankings esvaziados de consequências práticas para as nações. Ele não aponta caminhos, não ajuda na definição de prioridades específicas por localidade, nem revela culpados. Outra crítica que se faz é que o IDH “não leva em conta o que se poderia chamar de efeitos colaterais do progresso, como desemprego, aumento da criminalidade, novas necessidades de saúde, poluição ambiental, desagregação familiar, entre outros” (LOUETTE, 2009:32). Sua melhor consequência é ser uma medida objetiva do que é possível entender minimamente como sendo desenvolvimento humano e, assim, dar alguma transparência ao discurso político, além de escapar da extrema inaptidão do PIB como único indicador da qualidade de vida. Essa relação entre teoria e validade de suas aplicações práticas é tensa e vem evoluindo pouco a pouco. A questão, contudo, pode-se tornar mais acadêmica que real, a menos que realizem progressos consideráveis na construção das teorias sociais. O próprio movimento dos indicadores sociais, no começo, não se focava na teorização social, em virtude de precisar estabelecer suas próprias bases. Todas as limitações observadas resultam disso e dão-se no hiato entre as duas linhagens teorias: a dos indicadores e as sociais. O dilema discutido vai além de uma mera questão de clareza nas definições dos conceitos manuseados. Ele está no processo de estabelecimento de definições nesses dois campos teóricos postos a dialogar. O exame crítico sobre as premissas levadas a efeito na teoria dos indicadores sociais abafou as expectativas exageradas acerca de suas consequências para o entendimento da realidade social. Verifica-se, portanto, ante grandes esperanças, um fracasso parcial. Acerca disso, Carley propõe: Primeiro devem consistir em técnicas metodologicamente apropriadas, isto é, técnicas que não ignorem os importantes critérios científicos sociais pelos quais a pesquisa disciplinar é avaliada. Tais critérios incluem a atenção para os problemas de quantificação, previsão, causalidade, agregação e juízos de valor intrínsecos à analise. Isso pode ser sucintamente descrito como lógica interna dos indicadores sociais. O segundo aspecto importante de uma boa pesquisa de indicadores envolve a compreensão do processo de elaboração de políticas, com sua ênfase essencial e por vezes predominantemente em fatores como os juízos de valor da própria política, a forma de lidar com os valores e a manutenção burocrática. Essa dimensão 147


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reflete um ciclo iterativo em que o processo de elaboração de políticas pode ser assistido por vários estudos de indicadores sociais (cada qual com sua própria metodologia ou técnica particular). […] A boa pesquisa de indicadores reflete alguma combinação dos dois aspectos acima – a mistura de necessidades de orientação política e o propósito dos pesquisadores. É muito perigoso ignorar qualquer um desses processos. (1985:33). O rigor metodológico é tão importante quanto a aceitação da presença dos juízos de valor. Isso quer dizer que a Epistemologia é parte essencial e permanente de validação do método científico e deve, portanto, constar no planejamento de trabalho logo na sua partida. Isso tem como consequência a exposição e crítica das premissas do estudo, o que vai delimitar claramente o alcance da teoria. Essas premissas possuem rebatimento direto na operacionalização dos conceitos com os quais se está trabalhando. Sobre isso, Gonzalez diz: Pode haver diferentes formas de operacionalizar um determinado conceito. O indicador usado para medir um determinado conceito pode provocar grandes diferenças no resultado e a escolha de qual indicador é mais adequado pode ser uma questão de debate teórico sem respostas fáceis. Por exemplo, se o conceito que queremos operacionalizar é o de pobreza. O que define se uma pessoa é pobre? Um dos indicadores mais comuns é a renda. Alguns definem que é pobre se tem uma renda inferior a meio salário mínimo per capita por mês. Essa medida é relativamente fácil de ser feita, mas dificulta a comparação com outros países. Outras instituições consideram que é pobre quem tem uma renda de menos de um dólar americano por dia. Mas ainda assim, como fica a comparação entre o campo e a cidade? Pessoas podem ter mais acesso ao dinheiro no meio urbano, mas viver em piores condições que os que vivem no campo e não tem renda, mas tem alimentos para consumir. Assim há uma terceira forma de medir pobreza, pelo número de calorias que a pessoa consome com os alimentos a que tem acesso. (2008:s/n). O rigor e a clareza tratados neste quesito não dizem respeito ao tipo de dados que serão usados na formação dos indicadores. Referem-se ao processo eurístico que está sendo debatido, mais especificamente, ao processo de harmonização entre as teorias sociais e a teoria dos indicadores. Os dados podem ser coletados em qualquer nível de mensuração, e isso vai depender das exigências lógicas advindas do problema. Uma pesquisa que queira conhecer apenas o sexo mais comum entre as pessoas maiores de 60 anos de uma certa comunidade ou 148


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classe social está restrita a dados nominais. Ainda assim, mesmo se lidarmos com a diferença entre tipos de indicadores - objetivos ou subjetivos -, não teremos problemas no processo de harmonização teórica nem de rigor metodológico, porque os dados que dependem da opinião dos informantes não são mais ou menos frágeis que os dados colhidos por meio de observação e registro. Um dos grandes saltos de evolução teórica ocorridos na teoria dos indicadores sociais diz respeito justamente à falta de confiança em indicadores objetivos como dados suficientes para a apreciação quantitativa da qualidade de vida. Essa insuspeita relação teórica entre indicadores objetivos e o conceito ao qual se referem passou a ser desacreditada pelos cientistas justamente a partir de evidencias empíricas. Schneider (1975) pesquisou mais de 30 indicadores objetivos usados nas áreas urbanas dos Estados Unidos e não observou nenhuma correlação entre esses indicadores comuns e a satisfação dos indivíduos com vários aspectos de suas vidas. O que quer dizer que a qualidade de vida subjetivamente experimentada não foi corretamente retratada pelas informações objetivamente disponíveis aos cientistas. Agregar indicadores sociais subjetivos é um meio para aumentar a correlação entre os conjuntos de indicadores e a realidade social descrita pela teoria. Numa pesquisa sobre os indicadores disponíveis de participação política, é imprescindível que sejam ponderados juntos tanto dados objetivos - como o ato fundamental de votar (o número de votos e abstenções nas últimas eleições) - e subjetivos, como a expectativa para votar nas próximas eleições. Chama atenção que quase todos os indicadores de participação política encontrados na literatura são objetivos e, portanto, não superam o obstáculo teórico já demarcado pela pesquisa empírica. A participação política, como vimos acima, é um conceito que abarca uma enorme gama de fenômenos e que, frente aos dados sobre a apatia, não indica necessariamente se uma sociedade é participativa ou não. O cruzamento das informações sobre apatia e participação confunde a pesquisa sobre indicadores de participação política porque não são suficientes dados objetivos para ter esclarecimento sobre esse conceito. É necessário ter informações sobre a representação social da participação política e da propensão da comunidade, num dado momento, aos tipos de práticas relacionadas. Como ficou claro neste trabalho, votar pode até ser a conquista mais importante, mas é apenas uma das formas de participação política e, não necessariamente, a que gera mais impactos nos processos de mudança almejados pelas pessoas que participam voluntariamente na esfera política.

4. Os Indicadores de Participação Política Existem diversas tentativas internacionais de formalizar um sistema de indicadores ou de índices sintéticos de participação política, como é o caso do Global Gender Gap Index (HAUSMANN et alli, 2012), publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Este índice 149


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trabalha com a dimensão da participação feminina no governo dos países e, portanto, lida com indicadores objetivos. Mas ele só computa participação como ocupação de cargos no parlamento, ministérios e presidência, diferente da participação entendida como engajamento voluntário para influenciar processos decisórios da administração pública. É, sem dúvida, um índice específico de participação política, porém restrito à composição feminina na estrutura do governo. Ainda na temática mais geral das questões de gênero, há a Medida de Participação segundo o Gênero (MPG), índice publicado pelo PNUD em conjunto com o IDH que leva em conta a participação política, mas com papel secundário com relação à participação econômica. Este índice funciona conforme esquema abaixo:

FIGURA 2 Diagrama dos indicadores da Medida de Participação segundo o Gênero (MPG)

Fonte: Louette, 2009.

Entre os índices que transformam o conceito de participação em seu indicador central, o European Participation Index (VITOLS, 2010) trata especificamente da participação de operários nas decisões (em vários níveis decisórios e na estruturação sindical) das indústrias. A ênfase é na atuação sindical e na inserção de trabalhadores nos espaços de gestão empresarial. Como há tensão frequente com a legislação trabalhista, tanto no sentido da garantia de direitos quanto de pressão por novas conquistas progressistas, pode ser considerado um índice de participação política, embora restrito a uma parcela específica da população. Da mesma forma, o European Civic Citizenship and Inclusion Index (CITRON; GOWAN, 2005), concebido como instrumento balizador de políticas públicas para a inclusão de imigrantes não legalizados na União Europeia, é capaz de gerar um ranking de paísesmembros nos quais a participação dos imigrantes na vida econômica e civil vai de plena a nula. Mas o foco dado aqui é o da imigração e sua relação com as leis e a economia de cada país. Há reconhecimento da participação política como um fenômeno essencial para 150


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o diagnóstico da qualidade de vida dos imigrantes, porém dificuldades metodológicas para obtenção dos dados fazem com que tal análise seja apenas uma expectativa para futuras edições do índice. Há, também, o índice americano Civic Health Index (KAWASHIMA-GINSBERG; LEVINE, 2008) utilizado para medir o nível de bem-estar da população a partir de uma pesquisa de percepção da conjuntura econômica, e da mensuração do nível do que chamam de engajamento cívico em circunstâncias de crise econômica. Em 2009, um ano após a grande crise da bolha imobiliária americana, este índice mostrou um recuo de 72% no engajamento em “participação cívica”, conceito que corresponde basicamente a trabalho voluntário ou participação em algum tipo de atividade coletiva sem fins comerciais. Um outro índice, elaborado pela “Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi”(STIGLITZ et alli, 2009), instituída por decreto do governo francês em 2008, foi construído com a incumbência de ser mais amplo e efetivo do que o IDH no delineamento do nível de desenvolvimento nacional. A comissão, cujo nome oficial é “Comissão para Mensuração da Performance Econômica e do Progresso Social”, decidiu se debruçar sobre três dimensões do desenvolvimento já bastante discutidas pela teoria dos indicadores sociais: renda, qualidade de vida e sustentabilidade. A principal inovação do índice é a incorporação do legado da Economia Verde no cálculo. Isto é, considera a renda líquida das atividades econômicas, já descontadas os pagamentos ambientais correspondentes às extrações de recursos naturais e os impactos ambientais gerados pela produção ou a utilização de estoques. Como os anteriormente citados, este índice tangencia a participação política, mas não é um índice orientado para emitir um diagnóstico quantitativo sintético sobre o fenômeno. Permanecendo no âmbito da produção internacional, merecem destaque índices que já são capazes de fornecer séries históricas, tais como o índice Freedom in the World (FREEDOM HOUSE, 2011), publicado desde 1973 pela Freedom House, organização civil patrocinada majoritariamente por verba do governo americano. É um índice cujos indicadores são objetivos, isto é, ele apenas colhe dados secundários - seja por meio de estudos em publicações consagradas pelas universidades, seja por documentos oficiais - acerca da configuração do sistema legal de garantia de liberdades civis e eleitorais. Não se processam a observação ou o inquérito local para a obtenção dos escores de seus indicadores, e por isso ele não atende a qualquer anseio de se ter um retrato, mesmo que indireto, da participação política efetiva em qualquer uma de suas classificações de países. Seu escore pode ir de 1 até 7, sendo de 1 a 2,5 a amplitude equivalente a países livres; 2,51 a 5,5, parcialmente livres; e 5,51 a 7, não livres, reservando ainda uma publicação especial sobre regimes extremamente repressivos intitulada “Pior do pior” (FREEDOM HOUSE, 2012). Ainda nos anos 70, foi lançado o mais audacioso projeto acadêmico de formação de banco de dados políticos, o Polity (MARSHALL; JAGGERS, 2010). Contando com a colaboração e patrocínio da Agência de Inteligência Americana e com o compartilhamento de 151


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informações de bancos de dados de scholars de universidades americanas, o Polity consegue, hoje, abarcar mais de 200 anos de informações políticas, de 1800 até 2006 (em sua última versão, a Polity IV). O projeto armazena e disponibiliza informações anuais sobre todos os países independentes com população de 500 mil habitantes ou mais. É o banco de dados mais usado na Ciência Política e seu objetivo é mensurar níveis de autoritarismo e democracia, bem como tendências de transição de um regime para o outro. Para isso, usa uma escala que vai de -10 a +10, sendo o menor escore representativo de uma monarquia hereditária e o maior, de uma democracia consolidada. Já no século XXI, em 2006, a Economist Intelligence Unit’s, instituto de pesquisa do conglomerado editorial inglês The Economist Group, publicou sua primeira edição do Democracy Index (ECONOMIST, 2011). Nele, mais uma vez, faz-se a análise a partir de indicadores objetivos, porém sua metodologia possui uma peculiaridade: se não é a partir de entrevistas com parcelas da população dos 167 países estudados que os dados são obtidos, tampouco é por meio apenas da verificação da estrutura legal registrada em documentos oficiais. A maioria dos indicadores desse índice são gerados a partir de 60 questões entregues a uma seleção de experts escolhidos pelo instituo de pesquisa. Outros são obtidos por dados secundários de pesquisas de opinião, majoritariamente da World Values Survey, com acréscimo de outras fontes como a Eurobarômetro, a Enquetes Gallup e a América Latina Barômetro. Seu escore final varia de 0 a 10, classificando os países em democracias plenas (8 a 10), democracias defeituosas (6 a 7,9), regimes híbridos (4 a 5,9) e autoritários (abaixo de 4) (ECONOMIST, 2011:31). Sete dos índices internacionais vistos até agora retratam o fenômeno da participação política como apenas um entre outros indicadores que concorrem para a composição de um fenômeno maior para o qual se pretende gerar um status ou diagnóstico comparativo e sucinto. Seus escores finais não podem ser usados como representação do estado da participação política nos países estudados. Além disso, uma vez que não partilham o mesmo referencial teórico acerca do fenômeno da participação política, não podem ser comparados uns com os outros. Os outros dois, o Global Gender Gap Index e European Participation Index contribuem para a formação de um ranking específico de participação política. Entretanto, consideram apenas a manifestação do fenômeno em parcela específica da população. De todo modo, todos eles atendem ao nosso objetivo de listar os indicadores disponíveis de participação política. Pode-se extrair, de cada um, a perspectiva sobre a participação política por meio da sentença usada na formulação do indicador específico, revelando os pontos de conexão entre a redução requisitada pela teoria dos indicadores sociais e o conceito de participação política. Esses indicadores específicos são: 1. Taxa entre mulheres e homens em cargos parlamentares ou ministeriais (Global Gender Gap Index); 2. Número de mulheres que exerceram chefia de Estado ou de governo nos últimos 50

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anos (Global Gender Gap Index); 3. Mulheres com assentos parlamentares (MPG); 4. Parcela da população feminina em cargo de gestão (MPG); 5. Número de imigrantes empregados que são filiados a sindicatos ou órgãos de classes profissionais (European Civic Citizenship and Inclusion Index); 6. Base legal para a participação política de trabalhadores (European Participation Index). 7. Percentual de núcleos sindicais por companhia (European Participation Index); 8. Força sindical para negociação (European Participation Index); 9. Percentual de pessoal que realiza trabalho voluntário (Civic Health Index); 10. Percentual de pessoal que declara participação em algum tipo de atividade coletiva sem fins comerciais (Civic Health Index); 11. Taxa de abstenção nas eleições (Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi); 12. Percentual de votos brancos (Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi); 13. Percentual de votos nulos (Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi); 14. Direito das pessoas a se organizarem em diferentes partidos políticos ou outros agrupamentos políticos de sua escolha (Freedom in the World); 15. Abertura do sistema político para a ascensão e queda dos partidos ou grupos concorrentes (Freedom in the World); 16. Força política da oposição e sua possibilidade de aumentar seu poder ou ganhar eleições.(Freedom in the World); 17. Liberdade das escolhas políticas das pessoas ante a dominação de militares, potências estrangeiras, partidos totalitários, hierarquias religiosas, oligarquias econômicas, ou qualquer outro grupo organizado (Freedom in the World); 18. Direitos políticos e oportunidades eleitorais das minorias culturais, étnicas, religiosas etc. (Freedom in the World); 19. Respeito do governo pela participação política de qualquer cidadão (Polity); 20. Direito de participação política e inclusão no controle da conduta do governo; 21. Liberdade de participação em processos eleitorais, como candidato ou eleitor (Polity); 22. Percentual da população que exerce o direito de voto com relação a todos os potenciais eleitores (Polity); 23. Extensão dos direitos que garantem a participação política dos cidadãos de determinado país (Polity); 24. Percentual dos cidadãos que exercem o direito de voto nas eleições regulares (Democracy Index); 153


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25. Grau de autonomia e voz das minorias no processo político (Democracy Index); 26. Percentual de mulheres compondo o parlamento (Democracy Index); 27. Percentual de cidadãos filiados a partidos políticos e organizações políticas nãogovernamentais (Democracy Index); 28. Percentual de pessoas com alto, médio ou baixo interesse em assuntos políticos (Democracy Index); 29. Disposição da população para participar de manifestações legais (Democracy Index); 30. Percentual, do total e dentre alfabetizados, de pessoas adultas que demonstram interesse em acompanhar notícias políticas pelos jornais (Democracy Index); 31. Se há esforço do governo em promover a participação política (Democracy Index). Vale frisar que os indicadores acima revelam profundas diferenças de premissas na operacionalização do conceito de participação política. Mas mostram, principalmente, como há poucos trabalhos sobre esse fenômeno na área de indicadores sociais. É justamente por essa escassez de estudos específicos que somos levados a considerar todos esses índices nos quais a participação política é um indicador secundário que compõe a estruturação teórica de outros fenômenos complexos. No Brasil, embora o número de trabalhos seja ainda mais reduzido, há dois índices que tratam da participação política em geral como questão teórica central. Um deles foi batizado simplesmente de Índice de Participação (IP) por Martins Jr. e Dantas (2004), e elaborado com dados secundários extraídos do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB, 2002). Segundo os autores, o índice tem por finalidade apresentar um número de 0 a 19 que corresponda ao nível de “envolvimento com a política” dos eleitores brasileiros; sendo 0 o eleitor sem registro algum nos indicadores considerados, e 19 aquele que pontua plenamente em todas as variáveis do índice. As variáveis coletadas pelo ESEB foram divididas pelos autores em três grupos relacionados com aspectos da teoria democrática moderna: a) a participação em grupos e movimentos representativos de parcelas da sociedade; b) a participação em campanhas políticas e c) a busca por informação política. Não houve repetições do cálculo do índice para outros anos (o ESEB só ocorreu em 2002), de forma que inexistem dados de séries históricas até hoje. Abaixo, os indicadores usados no Índice de Participação de Martins Jr. e Dantas (2004): 1. Taxa de abstenção nas eleições. 2. Votos brancos. 3. Votos nulos. 4. Contato com algum político para pedir a solução de algum problema. 5. Participar de um protesto ou comício. 154


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6. Número de vezes que tentou resolver algum problema não familiar junto com outras pessoas. 7. Quantos abaixo-assinados subscreveu. 8. Participação em manifestações ou protestos. 9. Participação em greve. 10. Participação em associação de moradores 11. Participação em reunião de condomínio. 12. Filiação a algum sindicato. 13. Filiação a associação profissional. 14. Filiação a partido político. 15. Participação em campanha eleitoral. 16. Acompanhar noticiário político (TV, jornal ou rádio).

Sem a intenção de gerar índices, porém de suma importância para os estudos de participação política pelo tamanho e abrangência de sua amostra, há no IBGE uma grande pesquisa sobre associativismo, representação de interesses e intermediação política. Essa pesquisa constituiu o suplemento da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 1996, e buscou revelar a proporção e como se dá a filiação dos brasileiros a sindicatos, órgãos de classe e órgãos comunitários nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Para isso, foram entrevistados para o suplemento aproximadamente 70 mil pessoas de 18 anos ou mais de idade. Os indicadores usados nessa pesquisa foram: 1. Número de filiados a sindicatos, partidos políticos, religiões, associados a órgão de classe ou comunitário. 2. Tipo de sindicato ou associação a órgão de classe ou comunitário. 3. Condição de atividade de cada umas das pessoas com algum filiação e sem filiação. 4. Motivo da filiação ou associação. 5. Motivo de se dissociar de sindicato ou de órgão. 6. Número de pessoas que se dirigiram, pessoalmente, por carta ou telefonema, a algum político ou governante, por grupos de idade, segundo o objetivo do contato. 7. Tipo de atividade que o indivíduo filiado realiza no partido. 8. Principais fontes de informação utilizadas para decidir o voto. 9. Simpatia por algum partido político. 10. Principais fontes utilizadas para a obtenção de informações sobre os acontecimentos políticos em geral. 11. Tipos de atividades realizadas em período eleitoral. 155


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12. Melhores entidades para defesa dos interesses do entrevistado. 13. Conhecimento dos nomes do presidente, governador e prefeito. Retornando especificamente para a pesquisa orientada à comparação entre países, encontramos o Índice de Participação Cidadã (IPC), que é uma iniciativa de organizações da sociedade civil elaborada em 2003 na República Dominicana. Realiza-se por meio de entrevistas que ocorrem simultaneamente e com a mesma metodologia em 8 países da América Latina. Com o uso da comunicação em rede, entidades da República Dominicana asseguraram a aplicação dos questionários e a preservação da metodologia através de parcerias com outras organizações não governamentais da Argentina, Peru, México, Costa Rica, Brasil, Chile e Bolívia. As pesquisas foram realizadas anualmente de 2003 a 2006, servindo como avaliação e justificativa da proposição de políticas incentivadoras de participação no continente. Seu ranking geral varia com pontuações que vão de 0 a 10, sendo zero a ausência de participação e 10 o nível máximo. Embora não tenha sido realizado desde 2007, o índice deixou um legado teórico-metodológico específico para o continente. São 9 indicadores que podem ser igualmente coletados em bases de dados de todos os 20 países da América Latina: 1. Expectativa de votar nas próximas eleições. 2. Enviar opiniões aos representantes ou órgãos do governo. 3. Participar de referendos, plebiscitos ou pesquisas de opinião política. 4. Enviar opiniões políticas para os meios de comunicação. 5. Solicitar ou receber informações políticas. 6. Participar de decisões em assembleias ou conselhos. 7. Contribuir com sindicatos ou partido. 8. Comparecer em reuniões políticas . 9. Ocupra cargo com atribuições políticas no governo ou entidade . O IPC é o esforço mais relevante disponível no que diz respeito à mensuração específica do fenômeno da participação política. Baseia-se num modelo multivariado para produzir uma complexidade de suporte aos benefícios coletivos associados ao ato de participar. O IPC atribui pesos diferentes aos diversos níveis de compromissos políticos afirmados pelos informantes. Seu principal problema é que sua unidade territorial de amostragem são apenas as regiões metropolitanas de cada país, mesmo assim não todas elas em cada país. Os resultados, por sua vez, são divulgados sobre os nomes dos países pesquisados.

5. Considerações Finais

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A participação política é o fenômeno gerador da democracia. O voto periódico em eleições livres e universais é uma expressão da participação. É por isso que podemos afirmar que a participação política é algo perene, que antecede a conquista do direito de voto e continua depois dela. Como o voto, a participação política é um ato pessoal, geralmente expresso por meio da atividade de grupos e movimentos. Há uma dupla face: de um lado, é uma forma de atuar, de outro, é uma estrutura de atuação. Apesar de sua relevância fundamental para o sistema político, vimos que é um fenômeno muito pouco abordado no campo dos indicadores sociais. De todos os índices encontrados, apenas 4 foram formulados exclusivamente para aferição da participação política, sendo ainda 2 desses restritos a parcelas específicas da população. Os indicadores sociais, apesar da imensa evolução experimentada nos últimos 50 anos, possuem grandes desafios teóricos a serem superados. Além das dificuldades associadas à teoria social e aos juízos de valor, ainda existe a complicação de estabelecer o significado das respostas e dos dados. O sentido dos valores representados pelas respostas que as pessoas dão nos inquéritos levados a efeito pode variar muito, assim como variam as personalidades, culturas e condições de interpretação da entrevista. Se, por um lado, sabe-se que as pessoas reagem de diferentes maneiras à mesma situação, por outro, também se sabe que indicadores objetivos sozinhos conduzem a grandes equívocos de sentido. O acúmulo da atividade empírica, outrossim, mostra alguns vieses inerentes ao trabalho de coleta das informações, como o viés das pessoas responderem de forma exageradamente positiva num nível geral ou global ao passo que, em níveis mais específicos - como os ligados à percepção da atividade política formal - as pessoas parecem dispostas a expressar uma insatisfação plena sem qualquer ressalva (CARLEY, 1985). Tendo em mente essas ressalvas, mostramos que não há como negar a enorme importância dos indicadores para a apreciação de fenômenos complexos como a participação política e, consequentemente, a qualidade de uma democracia. Da pesquisa entre os 11 índices encontrados, encontramos um total de 51 indicadores diferentes de participação política, o que atesta que o tema não é abordado suficientemente por nenhum índice isolado. É preciso a realização de uma síntese e e de uma atualização. O elo entre a teoria social que lastreia o conceito a ser quantificado e sua operacionalização por meio da teoria dos indicadores sociais se encontra permanentemente tencionado pela dinâmica social que, já com algum atraso, é perseguida pela teoria. Dentre os indicadores usados nos trabalhos listados acima, constatamos que o ciberativismo, modalidade mais recente de participação política, ainda não foi explorado. A incorporação do ciberativismo formaria mais um indicador objetivo, capaz de captar a realidade tanto de grupos de participação política quanto de indivíduos que atuam politicamente por meio das redes sociais. Para garantir o alcance amplo do retrato que se pretende tirar do nível de participação 157


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política quando se lança mão da teoria dos indicadores sociais é indispensável manter uma atualização das premissas de operacionalização do conceito pela teoria social correspondente ao fenômeno analisado. Todas as escolhas metodológicas envolvidas na quantificação do conceito devem estar balizadas, de preferência, em pesquisas bem direcionadas. Por bem direcionadas entendemos elaborações teóricas derivadas de evidências com maior semelhança possível com a situação sobre a qual se pretende emitir uma avaliação com indicadores sociais. Como exemplo do que estamos querendo dizer, podemos mencionar a fragilidade teórica da suposição de homogeneidade de características sociais numa área geográfica. Isso se dá porque não se pode atribuir ou imputar facilmente médias de variáveis em pessoas não inquiridas. Assim, a mensuração de indicadores subjetivos para um país inteiro pode não ter sentido. O quadro de referência cultural deve ser sempre considerado para se definir a correta unidade de análise. Este problema parece ser o maior desafio das futuras pesquisas para a investigação da participação política na Internet.

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RESUMO Apresenta-se, neste artigo, o resultado de uma pesquisa por indicadores de participação política que compõem índices de avaliação de participação, qualidade de vida, direitos civis e democracia. Partiu-se de de um estudo sobre manifestações recentes da participação política, seu respectivo debate teórico, e as imbricações entre tais fenômenos e a sua captação pela teoria dos indicadores sociais. Palavras-chave: Indicadores sociais. Participação política; Índices.

Romero Maia é Sociólogo pela UFPE com experiência em análise de impactos ambientais de empreendimentos de grande porte, planejamento e monitoramento de políticas sociais, e avaliação de projetos. Possui pós-graduações em Administração Pública, Gestão Ambiental e em Ciência Política.

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