Conjunto Escola Parque CADERNOS DO IPAC, 8
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA
Jaques Wagner
SECRETARIA DE CULTURA
Antônio Albino Canelas Rubim
DIRETORIA GERAL - IPAC
Elisabete Gándara Rosa DIRETORIA GERAL - FPC
Fátima Fróes
DIRETORIA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL - IPAC
Etelvina Rebouças Fernandes
GERÊNCIA DE PATRIMONIO MATERIAL - IPAC
Nara de Souza Gomes
FUNDAÇÃO PEDRO CALMON
Sumário
TEXTOS PARA O CADERNO Alberto Pimentel Carletto, Antônio Albino Canelas Rubim, Dilson Rodrigues Midlej, Elisabete Gándara Rosa, Jaci Maria Ferraz de Menezes, José Dirson Argolo, Juciara Nogueira Barbosa, Lígia Maria Larcher, Maria Inês Corrêa Marques, Milena Luisa da Silva Tavares, Nara de Souza Gomes, Nivaldo Vieira de Andrade Junior, Osvaldo Barreto Filho, Paulo Roberto Pinheiro Nunes, Valdinei Lopes do Nascimento, Zélia Bastos
Antônio Albino Canelas Rubim
74. ANÍSIO TEIXEIRA E O PROJETO EDUCACIONAL DO CENTRO EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO
12. AÇÃO EDUCATIVA NAS QUESTÕES PATRIMONIAIS COMO PRÁTICA CULTURAL
84. AS IDEIAS DE ANÍSIO TEIXEIRA HOJE
16. INTRODUÇÃO CADERNOS DO IPAC, 8 CONJUNTO ESCOLA PARQUE
A EDUCAÇÃO COMO FORMA MODERNA: A CONSTRUÇÃO DO CECR
8. ANÍSIO TEIXEIRA E AS POLÍTICAS CULTURAIS
EDIÇÃO Nara de Souza Gomes COORDENAÇÃO Milena Marinho Rocha
Osvaldo Barreto Filho
APOIO TÉCNICO Andréa de Brito e Graça Lobo FOTOGRAFIAS Elias Mascarenhas, Josias Jesus Santos, Lázaro Menezes, Paulo Roberto Pinheiro Nunes, Roberto Nascimento, José Carlos Almeida ICONOGRAFIA Acervos: IPAC, Escola Parque, Fundação Anísio Teixeira, Museu Tempostal, Studio Argolo CAPA Helder Vieira Florentino - Diagramação / Escola Parque - Foto
Elisabete Gándara Rosa
O PROJETO DE MODERNIZAÇÃO DE SALVADOR 22. AMBIENTE HISTÓRICO E CULTURAL QUE VIABILIZOU O EPUCS E A Escola Parque
Valdinei Lopes do Nascimento 32. O LEGADO MODERNISTA
40. DIÓGENES REBOUÇAS, ANÍSIO TEIXEIRA E O PLANO DE EDIFICAÇÕES ESCOLARES
PROJETO GRÁFICO ATUAL E DIAGRAMAÇÃO Helder Vieira Florentino
Nivaldo Vieira de Andrade Junior
REVISÃO Itatismara Valverde Medeiros
Conjunto Escola Parque / [textos Alberto Pimentel Carletto] ... [et al.] ; [coordenação Milena Marinho Rocha]. – Salvador : IPAC, 2014. 164 p. ; il.- (Cadernos do IPAC; 8) ISBN: 978-85-61458-75-1
1. Patrimônio Cultural. 2. Escola Parque. 3. Educação. I. Carletto, Alberto Pimentel. II. Rocha, Milena Marinho. III. Título. IV. Série.
CDD: 363.69
104. A MODERNIDADE E AS EXPRESSÕES ARTÍSTICAS NA BAHIA
Juciara Nogueira Barbosa
110. MURALISMO MODERNISTA NA ESCOLA PARQUE
Dilson Rodrigues Midlej
A PRESERVAÇÃO DO MODERNO NA BAHIA 124. ENTRE O SONHO E A REALIDADE: O DESAFIO DA PRESERVAÇÃO DO CECR
José Dirson Argolo
60. A TRAJETÓRIA DE ANÍSIO TEIXEIRA
132. A POLÍTICA DE SALVAGUARDA
66. A EDUCAÇÃO E O IDEÁRIO MODERNISTA
144. A MANUTENÇÃO DO MONUMENTO ESCOLAR TOMBADO
Jaci Maria Ferraz de Menezes E27
Paulo Roberto Pinheiro Nunes
UMA NOVA VISÃO SOBRE A EDUCAÇÃO
Alberto Pimentel Carletto
IMPRESSÃO E ACABAMENTO Empresa Qualigraf - Serviços Gráficos e Editora Ltda.
Maria Inês Corrêa Marques
94. O PROJETO ARQUITETÔNICO
Lígia Maria Larcher
PROJETO GRÁFICO ORIGINAL Paulo Veiga
Zélia Bastos
Nara de Souza Gomes
Milena Luisa da Silva Tavares 152. ANEXOS
Anísio Teixeira e as Políticas Culturais Antônio Albino Canelas Rubim*
Quando se fala do “renascimento baiano”, a partir do final dos anos 40 e, em especial, nos anos 50 e 60, as lembranças e homenagens sempre recaem sobre o Reitor Edgard Santos, dirigente da Universidade da Bahia de 1946 até 1961 e fundador das pioneiras escolas universitárias de Artes: Dança, Música e Teatro. Sem desconsiderar a importância de Edgard Santos, necessário se faz entender a conjuntura vivenciada pela Bahia naqueles anos, com mudanças sociais, econômicas e políticas significativas. Basta recordar a descoberta do petróleo, em Lobato, a criação da Petrobras e sua instalação na Bahia, a atuação inovadora de Rômulo Almeida, na confecção de um planejamento estadual, e muitos outros acontecimentos e agentes atuantes na conformação do “renascimento baiano”. Sem dúvida, aqueles criativos anos têm impacto notável sobre a “Cidade da Bahia”, adormecida como “boa terra”, até o final dos anos 40. Dentre esses acontecimentos e agentes, não dá para esquecer a fulgurante figura de Anísio Teixeira e sua marcante passagem pela Secretaria de Educação e Saúde do Governo Octávio Mangabeira (1947-1951). A afirmação consensual de Anísio Teixeira como um dos mais importantes educadores brasileiros talvez tenha inibido o reconhecimento de seu lugar relevante na cultura e nas políticas culturais na Bahia e no Brasil. Algo semelhante ocorre a outro educador famoso, Paulo Freire. A sua contribuição à cultura e às políticas culturais, alicerçada nas articulações que sempre enfatizou entre educação e cultura e no Movimento de Cultura Popular, até hoje ensejou poucos estudos animados por este olhar cultural. Três movimentos recentes colocaram em cena a relação entre Anísio Teixeira, a cultura e as políticas culturais e começam a superar esse injusto esquecimento: a publicação mais longínqua do livro Anísio em Movimento (1992, com reedição em 2002), organizado pelo Professor João Augusto de Lima Rocha, que traz interessantes textos e depoimentos sobre algumas ações artísticas e culturais decorrentes do trabalho de Anísio Teixeira; mais recente, a Tese de Doutorado de Juciara Barbosa, no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, que enfoca, de modo mais sistemático, justamente a dimensão cultural quase esquecida da atuação de * Secretário Estadual de Cultura da Bahia.
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Anísio Teixeira e dá passos relevantes para o reconhecimento de sua atuação cultural e, por fim, a colaboração entre as Secretarias Estaduais de Educação e de Cultura, com a intervenção do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, para restaurar os painéis modernistas encomendados por Anísio aos artistas baianos para seu projeto educacional mais representativo, a Escola Parque. Esses três episódios, com uma temporalidade próxima, expressam as essenciais conexões de Anísio Teixeira com a cultura. Obviamente, seu olhar atento para a educação já destina também a essa um lugar privilegiado. Mas a valorização da cultura por Anísio Teixeira não se reduz à conexão entre educação e cultura, por mais importante e vital que ela tenha sido para ele. Ela vai muito além dela. A escolha de jovens artistas baianos modernistas para trabalhar os painéis de seu projeto mais emblemático demonstra seu vinculo umbilical com a cultura e a arte moderna. O gesto manifesta coragem, ao optar por jovens artistas quase desconhecidos em um ambiente no qual o modernismo cultural ainda não havia se instalado, apesar de a Semana de Arte Moderna de 22 já ter acontecido há mais de 20 anos. Conservadora, a Bahia resistiu ao modernismo cultural até quase o final dos anos 40. Só a partir de então, através de muitas lutas, o modernismo cultural conseguiu se consolidar na Bahia. Anísio Teixeira, à frente da Secretaria Estadual de Educação e Saúde, órgão que englobava a cultura, ocupou lugar de destaque nesse enfrentamento.
no País. Anísio está filiado a essa corrente. Sua atuação busca, de modo incessante, modernizar a cultura na Bahia. Na sua gestão à frente da Secretaria de Educação e Saúde, Anísio Teixeira desenvolveu um conjunto articulado e sistemático de iniciativas culturais que vão marcar a Bahia nos anos finais da década de 40 e no começo dos anos 50. Como esse momento é crucial para as transformações que instalam e começam a consolidar o Modernismo na Bahia, torna-se evidente, sem medo de errar, que a atuação de Anísio Teixeira foi fundamental, nesse período, para a superação da cultura “academicista”, então predominante na Bahia e a inauguração de outro horizonte na cultura baiana. Nessa perspectiva, é justo afirmar ser Anísio Teixeira o inaugurador das políticas culturais no Estado da Bahia, a exemplo do que fez Mário de Andrade, na década anterior, no Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo.
O ato de encomendar murais aos jovens artistas expressa o reconhecimento oficial do Modernismo. Significa uma tomada de posição do Estado ao lado do modernismo contra posturas culturais conservadoras vigentes na época. Tal postura dá uma força e uma visibilidade inéditas ao modernismo nas terras baianas. Não por acaso esses painéis se tornaram marcos expressivos desse processo na Bahia. Recuperar tais murais não só significa prestar homenagem ao inovador projeto educacional inscrito na Escola Parque, mas rememorar um dos momentos cruciais da história cultural baiana: o instante de virada na longa luta pela afirmação do modernismo na Bahia. As iniciativas culturais de Anísio Teixeira não se restringiram a esse ato fundamental de apoio à implantação e consolidação da arte e cultura modernas na Bahia. Elas foram muitas e diversificadas. Ele apoiou, com bolsas, a fixação, na Bahia, de artistas estrangeiros expressivos, como Carybé, dentre outros. Anísio auxiliou decisivamente a instalação do Clube de Cinema da Bahia, dirigido por Walter da Silveira, que teve suas sessões e atividades iniciais realizadas na Secretaria. O Clube de Cinema da Bahia tem um papel privilegiado na atualização cinematográfica e na formação de gerações relevantes de cinéfilos e cineastas, dentre eles Glauber Rocha e Guido Araújo. Com sua visão ampla de cultura, Anísio criou na Bahia uma das primeiras fundações para o desenvolvimento da ciência do País. Essa instituição inauguradora, infelizmente, depois foi fechada, como a demonstrar uma das mais perversas tradições da Bahia: a dificuldade de manter seus projetos inovadores. A atualização das Ciências Sociais, através da cooperação e intercâmbio internacionais com os Estados Unidos, nas quais teve papel destacado Thales de Azevedo, configura outra iniciativa inventiva de Anísio Teixeira. A adesão de Anísio ao Modernismo se deu em uma perspectiva, consciente ou não, aproximada à concepção trabalhada por Antônio Candido, que concebe o Modernismo como um movimento que não está restrito ao campo artístico, mas que envolve também a modernização do pensamento social
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Ação Educativa nas Questões Patrimoniais como Prática Cultural Osvaldo Barreto Filho*
As políticas patrimoniais e as práticas educativas para a preservação do patrimônio cultural e valorização das manifestações culturais das sociedades despontaram no contexto da modernidade, a partir da década de 30 do século XX, e estão inseridas no campo das discussões das políticas culturais. Não há como dissociar a educação da história, da cultura, da memória e do patrimônio, pois esses campos estão intrinsecamente ligados à experiência da vida cultural e educativa. Compreender essas ações nas questões patrimoniais como prática cultural pressupõe o entendimento de que elas são partes constitutivas dos processos de estruturação da vida cotidiana e das transformações econômicas, tecnológicas, políticas, espaciais, socioculturais e informacionais por que passam as sociedades, os espaços urbanos, os antigos centros, a dimensão da monumentalidade e suas funções, a habitabilidade, os fazeres, as festas, as tradições culturais e os modos de viver. Tais políticas estruturam-se com base na retórica da perda, quando a defesa das tradições ganhou destaque no cenário internacional e nacional, com as “ordens mundiais” dos agentes, especialistas e/ ou “guardiães da tradição e da cultura” de distintos campos do conhecimento que influenciaram a formulação dessas políticas e os processos de institucionalização das práticas culturais, com base em critérios históricos, artísticos, éticos e científicos. A evolução das formas de percepção do patrimônio cultural e das políticas patrimoniais revela a existência de três movimentos: o primeiro, de conformação do campo de atuação dos indivíduos no âmbito do Estado; o segundo, que se refere à preservação do projeto do patrimônio, fundada nos interesses econômicos e na viabilização do projeto turístico; o terceiro movimento, que incorpora, em tese, as dimensões socioculturais nesses processos de preservação. As questões educacionais acompanham os movimentos mais gerais dessas ordens mundiais, suas tensões, recuos, avanços e modificações na trajetória da dinâmica das concepções e práticas patrimoniais e educativas. A noção de patrimônio, nos anos 30 do século passado, relaciona-se à salvaguarda das cidades, por * Secretário Estadual de Educação da Bahia.
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educacionais desenvolveram-se timidamente em nosso País. Mesmo no auge dessas discussões e intervenções, há um descompasso entre as concepções e as práticas.
essas se constituírem como expressão da cultura e, nas questões educacionais, porque já se defendia o pacto da sociedade de todas as nações, mediado pelos professores e estudantes nas escolas, para evitar as perdas e ampliar o interesse da infância e juventude pela proteção dos testemunhos da civilização, visando à garantia da preservação dos monumentos de arte e de história. Nos anos 50/60, o patrimônio associa-se à história das sociedades e às ações educativas e, nas escolas e fora delas, são defendidas pelo ensino da história, juntamente às organizações da juventude, para despertar o interesse e assegurar a participação estudantil, o exercício da educação patrimonial e a preparação dos professores, tanto na educação básica como na superior, a socialização das normas, a preservação da memória e do patrimônio e a garantia da salvaguarda da beleza das paisagens e sítios que representassem os interesses estéticos e culturais das nações. No final dos anos 60, a noção de patrimônio é ampliada para bens culturais (imóveis e móveis), produtos das tradições culturais e intelectuais dos povos, e, entre as medidas de preservação, destacam-se os programas educacionais, para fomentarem o respeito ao patrimônio dos distintos povos e preservarem os bens culturais ameaçados de perda. Em meados dos anos 70, essa compreensão associa-se às estruturas econômicas, socioculturais, aos modos de vida e às relações sociais, revelando o papel essencial da educação, em todas as fases, do ensino da história, da comunicação, da arte e da utilização dos meios audiovisuais, tecnológicos, dos livros, do cinema, do rádio e de visitas aos conjuntos históricos, para a garantia da participação da juventude e da preservação dos patrimônios culturais. A partir dos anos 80, essas questões patrimoniais são vistas como parte da concepção ampliada da cultura e das políticas culturais, e as pequenas aglomerações são consideradas patrimônios culturais, “reservas de modos de vida que dão testemunhos de nossas culturas”, pois expressam os traços das identidades culturais, em contraposição aos esquemas consumistas.
Diante dessas lacunas, a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, em uma atitude pioneira, vem construindo novos métodos educativos e experiências inovadoras, para promover uma educação de qualidade, por meio de uma pedagogia de projetos que articulam os diversos campos do conhecimento (história, arte, patrimônio, ciência, tecnologia, cultura, ambiente, cultura corporal, juventude), ao reconhecer que o patrimônio cultural contém em si mesmo a função educativa, pois sua dimensão material e simbólica nos permite conhecer o tempo presente, passado e futuro, para o entendimento da nação e do mundo da vida. Entre as ações realizadas, na rede estadual de ensino, o projeto Educação Patrimonial Artística (EPA) desenvolve-se em cerca de 900 escolas, de 409 municípios do Estado, onde o patrimônio cultural baiano é visto à luz das percepções estudantis que têm revelado os traços singulares das distintas expressões das identidades e diversidades culturais dos diversos grupos sociais (indígenas, afro-brasileiros) que compõem a riqueza da história econômica, cultural e educativa, vasta, ampla e múltipla. Sob os olhares estudantis, o patrimônio permite-nos estabelecer os elos com o nosso tempo, a história e a cultura, os lugares e as interações entre as gerações, fazendo-nos compreender as questões ligadas ao pertencimento, os problemas e as belezas de nossa sociedade, a nossa experiência cotidiana individual e social. São ações voltadas para a identificação a apropriação do conhecimento in loco e a visitação do patrimônio cultural. A novidade, no “tempo de agora”, diz respeito à compreensão desse patrimônio associada ao mundo estudantil, em que os estudantes são vistos como sujeitos de produção desse conhecimento, permitindo a definição e escolhas das experiências significativas - os acontecimentos culturais relevantes, os monumentos, os lugares (a escola, a casa, o bairro, a praça, a rua, a cidade, o estado, o país, o mundo), as paisagens, as artes, os personagens, as canções, as lendas, que devem se constituir parte de nossa memória (história cultural), entendida como meio de pensar e viver a vida presente. Nessa perspectiva ampliada, a prática educativa, como um processo de desenvolvimento da existência, fundamenta-se em esferas das ciências, artes, ofícios e da sensibilidade, abrangendo a formação intelectual, ética e artística que compõe a dimensão humana. Tal educação constitui-se parte essencial da luta pela democratização e emancipação da sociedade, como já defendia Anísio Teixeira, quando da criação da Escola Parque para as classes populares e de sua perspectiva da educação integral, tendo em vista que uma sociedade democrática exige iniciativas que assegurem o processo de esclarecimento, a efetivação dos direitos sociais, o repúdio pelas formas de tirania e a construção de novas práticas educativas que conduzam à formação de nova mentalidade cultural em nossa sociedade.
A dimensão cultural, a identidade, o desenvolvimento, a cultura e democracia, o patrimônio cultural, a criação artística e intelectual, a educação artística, as relações entre cultura, a educação, a ciência e comunicação, o planejamento, a administração, o financiamento das atividades culturais e a cooperação cultural internacional eram princípios norteadores dessas políticas. A valorização das identidades culturais, em especial a dos povos indígenas, é reafirmada nas cartas de Cabo Frio (1989) e do Rio (1992), chamando essa última a atenção para o desenvolvimento sustentável pelas questões ambientais, para o desenvolvimento dessa política preservacionista pela ação estatal, via escola pública e os meios de comunicação, em defesa dos valores naturais, étnicos e culturais. Apesar dos avanços nas noções de patrimônio cultural, das orientações internacionais e das leis nacionais, até a década de 80, as políticas 14
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Introdução Cadernos do IPAC, 8 – Conjunto Escola Parque Elisabete Gándara Rosa*
A Coleção Cadernos do IPAC, série de publicações que o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) vem editando desde 2009, integra as ações de difusão e promoção do Patrimônio Cultural, promovidas pelo IPAC, dentre suas atribuições de preservação e divulgação dos bens culturais do Estado. Após sete volumes, sendo seis já publicados e um a ser publicado ainda este ano, cujo tema é o Patrimônio Imaterial, damos início à ampliação do Projeto com a inclusão de bens que retratem o Patrimônio Material. A atual publicação apresenta o Cadernos do IPAC 8 – Conjunto Escola Parque, Patrimônio Material da Bahia, tombado desde 1981. A escolha desse tema deu-se do entendimento de que, nesse primeiro volume, que trata do Patrimônio Material, precisávamos apresentar o tema de pioneirismo e de inauguração também da nova visão do IPAC, na preservação não mais voltada apenas para a proteção da memória colonial, mas também preocupados com as novas formas de expressão na arquitetura, nas artes e no ideário educacional modernista. A estrutura do Caderno foi pensada partindo dos estudos que subsidiaram o tombamento, tendo sido acrescidos de artigos escritos especialmente para esta edição, por estudiosos da cultura baiana que detêm conhecimento do assunto retratado. Para compor essa publicação, foram convidados, além dos Secretários de Cultura e Educação, estudiosos, professores e técnicos do próprio Instituto. Os temas propostos aos convidados se entrelaçam e provocam a curiosidade dos leitores para a compreensão deste, que é um dos patrimônios culturais mais representativos da formação da sociedade baiana. O IPAC oferece a estudiosos, estudantes e ao público, em geral, uma publicação diferenciada na forma de apresentar o tema do Patrimônio Cultural, seus instrumentos de proteção, as responsabili* Diretora do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia.
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dades do Estado, além do compromisso que todos devemos ter para com a preservação da memória e dos documentos que guardam esta memória, sejam eles papéis, construções, fotos ou lembranças. O desenvolvimento do tema do Caderno perquiriu desde o momento histórico que viabilizou a criação do Escritório do Plano de Urbanismo de Salvador (EPUCS), passando pela participação do professor e arquiteto Diógenes Rebouças, na proposta de modernização da Cidade, destacando a sua atuação como um dos principais responsáveis pelo planejamento urbano de Salvador e da consolidação da arquitetura moderna no Estado e um dos responsáveis pelo projeto arquitetônico do Conjunto. O Conjunto Arquitetônico viria a ser a concretização da nova visão educacional do então Secretário de Educação do Estado da Bahia, homem de visão e criatividade, voltado para uma educação completa, com alunos matriculados para oito horas de atividades, distribuídos em conjuntos formados por escolas-classe e escolas-parque. Essa era a proposta idealizada pelo grande educador Anísio Teixeira para a escola pública de qualidade, que ultrapassava a quantidade formal. “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.” Anísio Teixeira. A visão desses dois grandes pensadores, em conjunto, é completa, diversificada, e apresenta soluções possíveis para os problemas em questão. Interessante como Anísio tem pontos de vista fortes, pautados em experiências e observação do todo, com soluções básicas e de amplo alcance. Partindo do projeto Escola Parque, fazemos uma analogia com o período das construções modernas e do surgimento das companhias construtoras, importantes para a plástica que temos hoje da Cidade. Neste momento, o Caderno busca o papel da escola na sociedade atual, num contraponto com as ideias e o funcionamento da Escola Parque de hoje, espaço de reflexão da importância que tem para a cultura este monumento, que integra o pensamento, o edifício e as obras nele inseridas.
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A construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, no bairro popular da Caixa D’Água, cuja estrutura física foi objeto do tombamento pelo IPAC, e as artes plásticas inseridas nesses edifícios trouxeram para Salvador o cenário contemporâneo brasileiro, através das obras aí contidas, com o projeto arquitetônico de Diógenes e Hélio Duarte, os murais de Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos, Maria Célia Amado, Jenner Augusto, a obra do ceramista alemão Udo Knoff e do paulista Carlos Magano, além da pintura de Djanira. No próximo texto, abordamos a política de preservação do patrimônio, tratando da importância da diversidade de arquitetura e estilos que dão a característica própria a cada espaço urbano que compõe uma cidade. O que o IPAC, através das políticas púbicas, busca salvaguardar, quando promove o tombamento de uma edificação? Qual a motivação que leva a essa tomada de decisão para a proteção? O que isso significa? Como manter essa estrutura considerada importante como referência cultural para a Bahia? São questões constantemente levantadas às quais aqui buscamos dar respostas. O Conjunto Escola Parque, em seu conceito, sua concretude e sua arte, representa importante legado, reconhecido como Patrimônio Cultural da Bahia a ser transmitido às futuras gerações. Finalmente, agradecemos à disponibilidade com que todos os convidados (Albino Rubim – Secretário de Cultura do Estado da Bahia; Osvaldo Barreto – Secretário de Educação do Estado da Bahia; Valdinei Lopes – arquiteto e professor da Universidade Federal da Bahia; Nivaldo Andrade - arquiteto e professor da Universidade Federal da Bahia; Jaci Menezes – professora da Universidade do Estado da Bahia; Zélia Bastos – professora da Universidade Federal da Bahia; Maria Inês Correa Marques – professora da Universidade Federal da Bahia e da Universidade do Estado da Bahia; Juciara Barbosa – professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Dilson Midlej – professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; José Dirson Argolo – Professor da cadeira de Restauração da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, atenderam ao chamado para participarem desse Projeto, com a dedicação e o carinho que Anísio Teixeira, Diógenes Rebouças e todos os outros que participaram dessa construção merecem de todos nós, pelo exemplo de vida e trabalho de alto nível que produziram.
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O PROJETO DE MODERNIZAÇÃO DE SALVADOR
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Ambiente Histórico e Cultural que viabilizou o EPUCS e a Escola Parque Valdinei Lopes do Nascimento*
A PROPÓSITO DE INTRODUÇÃO – A DEMOLIÇÃO DA ANTIGA SÉ Em 7 de agosto de 1933, a cidade de Salvador presencia o começo da demolição da sua antiga Sé. Essa data, apontada pelos documentos oficiais, é somente a culminância de um processo que vinha se arrastando desde tempos remotos - poder-se-ia dizer, desde a construção da edificação de origem -, enfrentando fenômenos naturais de acomodação da pesada estrutura sobre terreno instável, passando pela apropriação danosa pelos holandeses, durante a ocupação da Cidade no século XVII, e, por fim, numa ação conveniada entre a instituição religiosa (Igreja) e a sanha progressista que se configurava, naquele momento, entre as autoridades administrativas. O templo secular sofria com a má conservação e por perda de identidades estilísticas, a cada intervenção que sofria. A despeito de tratar-se da Sé Primacial do Brasil, a antiga edificação parecia estar fadada ao fim trágico materializado naquele dia de agosto. As tratativas para a demolição da antiga Sé se desenrolavam desde o início do primeiro governo – de J. J. Seabra -, que trazia no seu nascedouro, a mensagem da modernização. Por outro lado, já em 1916, havia sinalização das autoridades eclesiásticas de que era possível a sua demolição. Aqueles responsáveis pela sua preservação assimilavam convenientemente o discurso modernizador oficial e, ao mesmo tempo, se redimiam do ônus da difícil conservação, àquela altura relegada aos cuidados da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Pouco importava a história celebrada no interior do templo, como a memória da passagem do Padre Antônio Vieira, a monumentalidade de suas dimensões e apuro artístico de seus retábulos e forros’. Por trás, havia a pressão da Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, empresa que detinha o domínio da exploração dos serviços de transporte público na cidade, que via, na edificação, obstáculo intransponível para a expansão das linhas de bonde naquela importante área da cidade1. A discussão sobre * Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Professor-Adjunto da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Além do templo religioso foram igualmente demolidos, com a mesma justificativa, dois quarteirões contíguos que, com o vazio conquistado, se caracterizaria posteriormente como a Praça da Sé. Ironicamente, passados sete anos dessas demolições, o trânsito de veículos foi proibido naquele local.
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o destino da Sé opunha, de um lado, professores e juristas na defesa do patrimônio cultural, e, do outro lado, os engenheiros, que entendiam ser necessário o progresso, a todo custo. É nesse embate, o antigo versus o novo, que a sorte do antigo templo é decidida. Há notícias de protestos eventuais, abaixo-assinados, mas - como se sabe - a mensagem da modernidade vence. Vale ressaltar que, quatro anos após esse evento, é estabelecido o Decreto-Lei número 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. A criação do IPHAN – Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional muda a perspectiva de abordagem da arquitetura tradicional2. SALVADOR NO INÍCIO DO SÉCULO XX A demolição da antiga Sé pode, alegoricamente, exemplificar o que se passava nas esferas de gestão e promoção de políticas do poder constituído, bem como o papel da sociedade vigente. Vários elementos de análise podem ser depreendidos dessa situação. Havia um projeto de cidade em voga, naquele momento? Quais as matrizes ideológicas que estavam em circulação? Como a cidade de Salvador se inseria naquele contexto? O que representava Salvador naquele momento para o País? Como os acontecimentos na Capital e em outros centros urbanos mais avançados eram refletidos? É importante retroceder um pouco, para entendermos como a Cidade se movia. De passado importante como cabeça do Brasil, Salvador entra em processo de estagnação, desde a perda do status de Capital do País para o Rio de Janeiro, em 1763, associando-se ao agravante do declínio da economia, baseada no cultivo da cana-de-açúcar, no Recôncavo baiano. Em meados dos anos oitocentos, Salvador se expande na direção do que hoje conhecemos como Campo Grande, Corredor da Vitória e Graça, a partir da chegada de estrangeiros e da busca da nascente burguesia urbana local por moradias mais saudáveis, refletindo novas compreensões e demandas higiênicas. Outro vetor de expansão da Cidade, no final do século, são as áreas lindeiras ao seu núcleo original, configuradas do mesmo modo como as primeiras edificações, em lotes estreitos e profundos, desafiando a topografia acidentada, e alguns conjuntos distantes do centro tradicional, configurados em vilas quase independentes que, muitos anos depois, seriam incorporados, quando da expansão da cidade. E assim, em ritmo lento, vai crescendo a Cidade, sendo moldada pela abertura de ruas largas, para atender à demanda do transporte urbano então incipiente, além de praças refletindo experiências exitosas de outros centros urbanos mais desenvolvidos. A conquista de novas áreas urbanas sob o signo da incorporação de novos hábitos, novas tecnologias da construção e materiais construtivos advindos da Europa, além da assimilação de novos valores estéticos, traz o sopro de alguma novidade para uma cidade então periférica. O Neoclássico e, logo em seguida, o Ecletismo caracterizam a arquitetura de transição entre o Império e a República nascente. Do ponto de vista urbano, Salvador passa a contar com infraestrutura e serviços públicos, como limpeza pública e iluminação a gás, que viabilizam novos bairros, sobretudo aqueles na direção da Barra.
ponto de vista econômico (nesse momento, o cacau e o fumo são os produtos que caracterizam um novo ciclo produtivo), quanto populacional (principalmente com a incorporação da migração do interior do Estado). A Cidade Alta expandia-se por demanda de novas áreas e também devido ao advento do bonde como transporte urbano, e a Cidade Baixa, a partir de sucessivos aterros, na tentativa de aumentar a estreita faixa de solo entre a encosta e o mar. A cidade do início do século começa a experimentar ações impactantes que viriam provocar inflexões importantes. Em 1903, é inaugurado, na parte tradicional, o serviço de energia elétrica e, em 1905, a rede de esgotos é implantada. Mas, somente em 1912, quando toma posse o governador José Joaquim Seabra, a reforma urbana é levada a efeito. Naquele momento histórico, havia a convergência de alguns fatores importantes: o Estado experimentava algum sucesso, com a exportação de cacau (o Brasil passou a ser o maior produtor mundial), havia certa mobilização nas classes dominantes pela superação de um modelo de cidade colonial vigente, além do prestígio político do recém-empossado Governador, que vinha de experiência política no plano nacional3. O discurso empreendido pelo então Governador era marcado por suposta modernidade, baseado no tripé salubridade, fluidez e estética. O novo século pós-escravatura e republicano impunha a adoção de novos símbolos. A noção de patrimônio cultural não estava sedimentada como é hoje. J. J. Seabra empreende sua grande reforma tanto na Cidade Alta, buscando ligar o Centro às novas áreas conquistadas ao sul da Cidade, como também na Cidade Baixa, com a expansão do porto, mais que duplicando a área contígua. Já nesse momento, importantes exemplares da arquitetura do passado, como a antiga igreja de São Pedro, além de outras notáveis edificações, foram sacrificadas. Por conta do alargamento da rua principal, que veio se configurar na atual Avenida Sete, grande parte do conjunto do período colonial ruiu ou foi dilapidado4. Na parte alta da cidade, a ampliação de vias espelhava a experiência da Capital do País5. No porto, a intervenção caracterizou-se pela conquista de grande área aterrada sobre o mar que deveria viabilizar novos equipamentos e futuras construções que seriam incorporadas ao comércio que já estava sedimentado naquele local, ao longo da base da encosta natural6. A reforma promovida por Seabra foi pontual, não havendo a intenção de intervir globalmente na cidade, mesmo porque o urbanismo ainda não havia se estruturado cientificamente. O que foi realizado havia sido “... calcado nas velhas... preocupações estético-viárias e sanitárias..” e que... “este padrão de intervenção incorporava o fato de o funcionamento da cidade ter se tornado tributário de sistemas técnicos (transporte, distribuição de água, esgotamento, energia, etc...” (Fernandes, Sampaio & Gomes, 1999, p. 174). Seabra volta ao governo para cumprir mais quatro anos de mandato, a partir de 1920, tentando realizar os planos que foram concebidos e não realizados em seu governo anterior. A década de 1920 passa sem que intervenções urbanas relevantes tenham acontecido. No entanto, é importante salientar a importância do projeto e da construção de uma nova torre do Elevador Lacerda, exatamente a versão que chegou até os dias de hoje. Considerado o primeiro elevador de passageiros público do mundo, veio somar-se ao sistema de J. J. Seabra foi Deputado Federal (1897) e Ministro de Estado do governo de Hermes da Fonseca (1902). Em uma das versões do projeto de reforma urbana de Seabra, a Igreja da Sé seria demolida. O Mosteiro de São Bento também seria totalmente sacrificado. 5 Para os defensores do progresso, o Rio de Janeiro era a referência mais importante, possivelmente a única que interessava. Acreditava-se que “antes da Avenida Central, o Brasil não existia. Depois da Avenida Central, o Brasil se limitava ao Rio”. 6 Em entrevista, o arquiteto Pasqualino Magnavita revela que “ .em frente do Instituto do Cacau se descortinava um imenso espaço apenas ocupado pela sede dos Correios e por mais algum edifício até a década de 1940”. 3
Somente no início do século XX Salvador experimenta uma intervenção com intenção de reforma urbana propriamente dita, modernizadora. Até então, a Cidade tem crescimento modesto, quer do Sintomaticamente, em 1938, os dois templos religiosos no entorno da antiga Sé, a Catedral Basílica e a Igreja e Santa Casa de Misericórdia fizeram parte da primeira lista de tombamentos da Bahia.
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circulação vertical já existente na Cidade, como a peça principal. O Elevador Lacerda é inaugurado no início do ano de 1930. Desde então, transformou-se em um dos maiores ícones da paisagem urbana da Cidade, fazendo a ponte entre o passado glorioso e o futuro sempre em construção. A DÉCADA DE 1930 É MARCADA EM SALVADOR POR UM MOMENTO DE TRANSIÇÃO IMPORTANTE, QUANDO SERIAM ASSIMILADAS AS BASES DO PENSAMENTO DE UM NOVO CAMPO DE CONHECIMENTO: O URBANISMO. A Cidade de Salvador na década de 1930 é pacata, tem pouco mais de 200 mil habitantes, é atrasada, em relação a outras cidades de mesmo perfil, na avaliação de Saturnino de Brito7, quando é convidado a trabalhar para resolver graves problemas sanitários Segundo ele, a cidade continuava a ter problemas estruturais não resolvidos na reforma de Seabra e debatia-se entre a necessidade de planejar seu futuro e superar antigas posturas culturais8. “A cidade do Salvador, nas primeiras décadas do século passado, mal se acomodava em pontos de cumeada...”, era uma cidade fragmentada, “... havia grande vazio entre a Barra e o Rio Vermelho” (SANTOS NETO, 2012). Algumas cidades brasileiras já possuíam, com base no saneamento, projetos de melhorias que mudavam o foco da ação, de soluções pontuais em estratos estanques, para assumir uma postura globalizante. Em 1933, na perspectiva de interiorização do Brasil e desenvolvimento da Região Centro-oeste, Attilio Corrêa Lima, então recém-formado urbanista pela Sorbonne, recebe a incumbência de elaborar o plano urbanístico de Goiânia. Outros planos de expansão e remodelação, como o de São Paulo (1930) e do Rio de Janeiro (1930), também são amplamente divulgados. As experiências pioneiras no campo do planejamento de cidades reverberam em Salvador. Dois fatos marcam mais diretamente a discussão sobre a necessidade do planejamento urbano, de pensar o crescimento e as reformas necessárias para a cidade de Salvador. Um deles foi o já relatado no início desse texto, a demolição da antiga Sé, e o outro foi o plano de remodelação do Rio de Janeiro, realizado pelo urbanista francês Alfred Agache. A comparação do que estava em curso na Capital Federal - um produto com bases científicas e de alcance holístico - e a condução desastrosa e viciada que resultou na perda de importante patrimônio em Salvador enfatiza, naquele momento, a situação de atraso em que se encontrava a cidade. Por outro lado, no plano político nacional, com repercussão direta no Estado da Bahia e em sua Capital, vivia-se sob a égide do governo do Presidente Getúlio Vargas, o que corresponde dizer que estava em curso um projeto de país que incentivava reformas de toda ordem, inclusive a intervenção estrutural nas antigas cidades, bem como a construção de outras novas.
âmbito da Comissão eram amplas e os temas “[...] estruturantes dos processos de desenvolvimento urbano e sua regulação são abordados – tráfego, patrimônio, zoneamento, gestão, direito -, expressando um conjunto de necessidades e de circunstâncias que colocam a cidade na pauta das discussões públicas da sociedade” (FERNANDES, 2014). Essa Comissão vai funcionar até 1937, e o seu produto mais notável seria a Semana de Urbanismo, realizada em outubro de 1935. A Semana de Urbanismo acontece no sentido de tornar públicas as discussões levadas a efeito na Comissão e como estratégia para difundir a mensagem do urbanismo e sua necessidade para o desenvolvimento da cidade. Várias das propostas que resultaram da Semana passavam pela defesa de um plano urbanístico em substituição ao urbanismo tópico e apontavam, de maneira enfática, a necessidade de proteção ao patrimônio cultural9. Sinalizava a necessidade urgente de levantar uma planta cadastral da Cidade e apontava possibilidades concretas10, espelhando as bem sucedidas experiências urbanísticas na Europa e nos Estados Unidos. Do ponto de vista prático, no âmbito governamental, foi criada pelo então Prefeito Durval Neves da Rocha a Diretoria de Urbanismo e Cadastro, que se encarregaria dos planos futuros de remodelação da Cidade. Logo após a realização da Semana de Urbanismo, aconteceu o I Congresso Brasileiro de Urbanismo, realizado no Rio de Janeiro. Esse evento congregou os técnicos que defendiam a nova ciência. A Bahia foi representada por engenheiros ligados à Prefeitura e outros interessados que já estavam envolvidos com a afirmação do urbanismo no plano local, como Walter Velloso Gordilho, entre outros. Concomitantemente à Semana de Urbanismo, estava em curso, no Rio de Janeiro, a gestação do projeto do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde. Esse fato tem desdobramentos fundamentais na arquitetura e urbanismo brasileiros, a partir de então. Objeto de convergência de alguns arquitetos cariocas que incorporavam a teoria de Le Corbusier, apresentada por Lúcio Costa, a partir de uma solicitação do então Ministro Gustavo Capanema, a experiência do edifício traz para uma série de conferências e consultas ao próprio Corbusier. Por estratégia administrativa, o arquiteto e urbanista franco-suíço fica no Brasil, trabalhando, por seis semanas, com o grupo de arquitetos locais, desenvolvendo dois projetos. Um deles, o próprio edifício do MEC, referência maior e marco para a arquitetura modernista no Brasil, com repercussão internacional, e, por outro lado e paralelamente, o plano para a Cidade Universitária, onde concretiza suas ideias de planejador. OS ANOS 40: DO EPUCS À Escola Parque
É nesse contexto que foi constituída a Comissão Central do Plano da Cidade do Salvador, designada pelo então Prefeito, José Americano da Costa, em 1935, da qual participavam membros do poder público constituído e de entidades civis. Era, portanto, uma ação essencialmente governamental que visava à elaboração futura de um plano de urbanização para a cidade. As discussões realizadas no
No início da década de 1940, estavam lançadas as bases que viriam promover a necessidade de contratação de um plano de urbanismo para Salvador. O ambiente político e o corpo técnico ligado à Prefeitura trabalharam nesse sentido. A primeira manifestação concreta foi a tentativa de atrair o arquiteto e urbanista francês Alfred Agache, que havia trabalhado para o Rio de Janeiro e para outras importantes cidades brasileiras. Agache era a maior referência no urbanismo naquele momento. No Brasil, estava ligado à firma Coimbra Bueno & Cia. Ltda. – engenheiros urbanistas -, sediada no Rio de Janeiro. A indicação de seu nome se deu naturalmente, e uma proposta de contrato de prestação
O engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito foi o responsável por muitos projetos de saneamento para as principais cidades do Brasil, no início do século XX. 8 Para se ter uma ideia do ambiente social e político na Bahia naquele momento, em 1937, Jorge Amado tem exemplares queimados em praça pública de seu livro Capitães da Areia, lançado naquele ano, por autoridades alinhadas ideologicamente ao governo de Getúlio Vargas e a seu Estado Novo, então em vigência.
Foi proposto que Salvador fosse classificada como Monumento Nacional, da mesma forma que Ouro Preto, visando a que o município recebesse subvenções especiais semelhantes àquela cidade mineira. 10 Várias vias básicas do tipo parkway foram propostas na Semana de Urbanismo, no sentido de tentar resolver os problemas viários de Salvador. Algumas delas têm traçado igual às avenidas de vale consagradas no futuro plano de urbanismo de Salvador.
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de serviços foi enviada à Prefeitura. No entanto, diante das razões pouco esclarecidas, não foi efetivada a parceria. O que se sabe é que, nesse mesmo período, estavam em andamento alguns projetos pontuais de intervenção em Salvador. Um deles, do futuro Estádio da Fonte Nova, contava como técnico envolvido o engenheiro e sociólogo Mário Leal Ferreira. Baiano, de formação consistente, com experiências internacionais de aprendizado e de trabalhos realizados, ao saber da intenção da Prefeitura local em contratar um plano de urbanismo, encaminhou proposta de trabalho. Entre as duas propostas encaminhadas, a de Ferreira foi escolhida, apesar de propor honorários mais caros que a de seu concorrente Coimbra Bueno11. Contratado, Mário Leal Ferreira12 se tornaria o coordenador de uma equipe multidisciplinar que realizaria o plano urbanístico de Salvador. Em 1942, começa a funcionar exatamente o EPUCS – Escritório do Plano de Urbanismo de Salvador -, que se tornaria uma grande referência de experiência de planejamento urbano, tanto no plano local como no plano nacional. Reunia, nas palavras de Ferreira, dezenas de “técnicos de alto valor e de grande experiência nos variados setores de Sociologia, Economia, Finanças, Educação, Assistência Social, Organização de Saúde, Saneamento, Arquitetura Paisagística e Urbana, Abastecimento, Transportes, Organização de Fomento etc.” e pessoal de apoio. Nenhuma outra experiência inovou tanto em métodos e amplitude como essa do EPUCS. Paralelamente aos acontecimentos relatados do campo do urbanismo, moviam-se dois sujeitos que, fatalmente, se encontrariam em algum momento, na concepção da Escola Parque. Um deles era Diógenes Rebouças, espécie de arquiteto oficial, por méritos de ofício, mas também pela proximidade e confiança que lhes atribuíam os agentes gestores da coisa pública. O outro, um dos maiores intelectuais brasileiros, que se tornaria, desde o início de sua carreira até os tempos atuais, uma das maiores referências no campo da educação pública no Brasil: Anísio Teixeira. Rebouças fora convidado para projetar a Escola Parque, cuja concepção ideológica era de Teixeira. Em 1946, Octávio Mangabeira, quando foi eleito Governador da Bahia, convidou Anísio Teixeira para ser o Secretário de Educação. Mangabeira foi o primeiro governador eleito após a Era Vargas. De longa carreira política, exerceu muitos cargos, tanto no Legislativo como no Executivo - Vereador, Deputado Federal, Ministro de Relações Exteriores, no governo de Washington Luís e, finalmente, Governador -. Era um homem de cultura, tendo sido eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1930. Mangabeira soube cercar-se de pessoas capazes, em seu secretariado. Possivelmente, aquele dentre seus colaboradores diretos, foi Anísio Teixeira o que deixou maior marca de eficiência, ousadia e modernidade, atributos esses perseguidos pelo seu governo. Anísio Teixeira enfrentava o grave problema da educação como uma missão. Em suas palavras, compreendia que os brasileiros, depois de 1930, eram “todos filhos da improvisação educacional, que não só liquidou a escola primária, como invadiu os arraiais do ensino secundário e superior”13. E mais, quando lhe acusaram de ter concebido um sistema educacional caro, respondeu que “não se pode fazer educação barata como não se pode fazer guerra barata”. A Escola Parque14 é a obra materializada mais importante do governo Mangabeira, no campo da Esse evento é analisado detalhadamente no texto de Ana Fernandes (2014). Carta endereçada ao Prefeito de Salvador, em 10 de janeiro de 1947. 13 Parte do discurso proferido por Teixeira em 21 de outubro de 1950, na inauguração parcial da Escola Parque. 11 12
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educação. Apesar da carência de recursos financeiros, Anísio Teixeira, ao final do governo, em 1950, consegue entregar - senão todo o conjunto de edificações que comporia a unidade pioneira - três escolas-classe na Liberdade, um dos bairros mais carentes de Salvador, naquele momento. Somente em 1955 é inaugurado o primeiro dos pavilhões da Escola Parque, precisamente o Setor de Trabalho. É importante salientar que, mesmo fora do governo estadual, é Teixeira que viabiliza a construção de todo o conjunto da única Escola Parque possível. Ao deixar a Secretaria de Educação estadual, Teixeira passa a exercer cargos de destaque no governo federal, de onde fazia gestões que possibilitaram a conclusão da Escola Parque como havia imaginado, obra somente concluída em 1963. Mais que edificações, Anísio Teixeira deixa uma mensagem que será compreendida, assimilada e replicada até os dias de hoje. AMPLIANDO UM POUCO MAIS O PANORAMA Para melhor compreender o momento que viria caracterizar e promover as realizações em foco, é importante ressaltar alguns eventos e personagens marcantes. Em 1945, encerra-se uma longa trajetória política do Presidente Getúlio Vargas, a chamada Era Vargas, que se caracterizou por muitas realizações de alcance popular, mas também pela ditadura e por perseguições políticas pelo Governo central. Em 1946 é promulgada nova Constituição Federal, que viria marcar um período de democracia e realizações modernizantes. Vivia-se o Pós-guerra, caracterizado pela renovação da esperança e de planos futuros. Em 1946, paralelamente ao começo da gestão de Octávio Mangabeira, tendo à frente da Secretaria de Educação Anísio Teixeira, tem início a gestão de Edgard Santos na Universidade Federal da Bahia. Para alguns estudiosos, Santos foi o “inventor” da Universidade no Estado, porquanto reuniu unidades espalhadas e atraiu profissionais de, então ligado às Belas-Artes, federaliza-se em 1949 e consegue atrair para o seu quadro de docentes José Bina Fonyat e Lina Bo Bardi, entre outros, que traziam a mensagem da nova arquitetura. Quem faz gestões junto a Edgard Santos para contratação daqueles profissionais de vanguarda é Diógenes Rebouças, misto de engenheiro agrônomo, artista plástico e arquiteto, nessa ordem cronológica de formação, que viria contribuir como Coordenador do Setor Paisagístico do EPUCS na já relatada experiência da Escola Parque. Rebouças, um autodidata da Arquitetura e Urbanismo, assimila conhecimento de forma pragmática, buscando referências na obra dos arquitetos modernistas ligados à Escola Carioca (especialmente na obra de Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy e Lúcio Costa) e, no EPUCS, trabalhando sob a coordenação de Mário Leal Ferreira15. Essa práxis, da observação e experimentação, vai marcar, sobremaneira, a arquitetura da Escola Parque e de muitos outros projetos urbanos e de edifícios. Diógenes Rebouças tem outra experiência marcante na sua relação de prestador de serviços ao Governo Mangabeira. Trata-se da construção do Hotel da Bahia, aquele que viria a ser a “sala de visitas” A Escola Parque é o núcleo e principal elemento da pedagogia de Teixeira, que reunia dois setores distintos e complementares: o da instrução e o da educação. A outra metade dessa pedagogia são as escolas-classe, onde o ensino tradicional de letras e ciências aconteceria. 15 O primeiro contato de Diógenes Rebouças e Mário Leal Ferreira se dá quando o urbanista o convida para fazer os jardins que comporiam o paisagismo do Estádio da Fonte Nova. Por conta da sensibilidade do então engenheiro agrônomo e artista plástico, suas opiniões vão além do conteúdo paisagístico e alcançam questões de implantação do que seria o novo edifício. Rebouças assimila suas considerações, o que provoca o convite para tornar-se o futuro projetista da Praça de Esportes, mesmo sem ter a titulação de arquiteto. 14
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da cidade, nas palavras do Governador. Naquele momento, Salvador não dispunha de vagas em hotéis necessárias para atender a demanda crescente de visitantes. Por outro lado, os hotéis disponíveis eram marcados pela arquitetura do passado. É importante salientar que havia a necessidade de afirmação de um novo tempo e a Arquitetura Modernista respondia àquela busca de signos que, posteriormente, se realizariam na Escola Parque, ou seja, a adoção de novas linguagens arquitetônicas, novas soluções na composição espacial, na incorporação de novas tecnologias e na assimilação da arte aplicada à arquitetura em forma de painéis, que tanto atendiam ao gosto dos arquitetos modernistas, como Diógenes e seu parceiro no projeto do Hotel, Paulo Antunes Ribeiro, como também satisfaziam o gosto do intelectual e pedagogo Anísio Teixeira. REFERÊNCIAS BRUAND, Yves. A arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. COSTA, Carlos Alberto Santos. A Sé primacial do Brasil: uma perspectiva histórico-arqueológica. Disponível em: http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads.pdf. Acesso em: julho de 2014. EBOLI, Terezinha. Uma experiência de educação integral: Centro Educacional Carneiro Ribeiro. MEC – INEP – BAHIA. FERNANDES, Ana (Org.). A contratação de um plano de urbanismo para a cidade do Salvador. In: _____. Acervo EPUCS. Contexto, percursos, acessos. Salvador: UFBA, 2014. FERNANDES, Ana; SAMPAIO, Heliodório; GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. A constituição do urbanismo moderno na Bahia (1900 – 1950): construção institucional, formação profissional e realizações. In: LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil – 1895 – 1965. São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999. p. 167 – 182. LINS, Eugênio de Ávila. A antiga Sé da Bahia: uma referência para a arte luso-brasileira. Disponível em: http://www.ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7510.pdf. Acesso em: julho de 2014. NASCIMENTO, Valdinei. Salvador na rota da modernidade (1942 – 1965). Diógenes Rebouças, arquiteto. 1998. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, 1998. PERES, Fernando da Rocha – Memórias da Sé. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado, 1999. PINHEIRO, Eloísa Petti, Europa, França e Bahia. Difusão e Adaptação de Modelos Urbanos (Paris, Rio e Salvador). Salvador: EDUFBA, 2002. PREFEITURA DA CIDADE DO SALVADOR. OCEPLAN. PLANDURB. Salvador. EPUCS – Uma Experiência de Planejamento Urbano. 1976 . SANTOS NETO, Isaías de Carvalho. Memória urbana: Poética para uma cidade. Salvador: EDUFBA, 2012.
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O Legado Modernista Lígia Maria Larcher *
O MOVIMENTO MODERNO EM ARQUITETURA A expressão “arquitetura moderna” é frequentemente considerada como referência direta a um dos desenvolvimentos técnicos e estéticos da modernidade arquitetônica do século XX: o Movimento Moderno em Arquitetura. Com efeito, embora muitas propostas técnicas e estéticas surgidas na produção arquitetônica da primeira metade do século passado tenham sido, de diferentes modos, efetivamente modernas, influentes contribuições conduziram à percepção do Movimento Moderno como o ápice de um progresso no fazer arquitetônico. Em tal ideia de movimento unitário foram incluídas, principalmente, as propostas de arquitetos como Le Corbusier, Walter Gropius, Ludwig Mies van der Rohe e de outros de grande importância na história da arquitetura do século XX, dentre os quais Alvar Aalto, Eero Saarinen e Oscar Niemeyer, sendo também concebido que tal caráter unitário englobaria, por convergência de princípios, as contribuições da Bauhaus, de Frank Lloyd Wright e de Louis Sullivan, cujas propostas estilísticas estariam compreendidas numa afinidade com a racionalização da arquitetura, consequente de uma ruptura com as estéticas do ecletismo histórico. Ao caracterizar as propostas do Movimento Moderno, houve, sobretudo, um claro desvio ao recurso do ornamento, tendo sido vetada, ou pelo menos desencorajada, a utilização de elementos decorativos aplicados, sob a ideia de que o caráter ornamental de uma obra arquitetônica deveria advir de sua própria estruturalidade, com a preconização da simplificação das formas e da ruptura com as tradições arquitetônicas, tendo sido privilegiada a utilização do concreto armado, do aço e do vidro. Se com o Art Déco, termo que envolve uma série bastante variada de propostas, a arquitetura moderna assumiu uma propensão à adoção do decorativo e do ornamental – sem buscar uma firme ruptura com o passado, mas em diálogo com estilos e motivos anteriormente disponíveis, bem como com elementos da modernidade urbana –, a arquitetura do Movimento Moderno pode ser pensada como configuração de uma tendência racionalista e formalmente funcionalista. No Brasil, o estabelecimento e a difusão dos seus princípios couberam às chamadas Escola Paulista e Escola Carioca, principalmente a essa última. A Escola Paulista foi responsável por uma importante parcela da moderna produção arquitetônica no * Mestre em Conservação e Restauro pela UFBA, Especializada em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos e Arquiteta do IPAC.
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Brasil. O termo refere-se a um grupo de arquitetos radicados em São Paulo que, tendo em Vilanova Artigas a sua figura de liderança, se dedicou à produção de uma arquitetura caracterizada pela ênfase na técnica construtiva e pela valorização da estrutura, princípios esses que se veem exemplarmente expressos na adoção do concreto armado aparente. Escola Carioca é a designação comumente utilizada para indicar um grupo de arquitetos radicado no Rio de Janeiro que, sob a liderança de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, desenvolveu um estilo nacional no âmbito da arquitetura moderna. Por seu pioneirismo e exemplaridade, o projeto do Ministério da Educação e Saúde – MES (1936-43) figura como o grande marco da produção da Escola Carioca. O edifício foi desenhado por uma equipe sob a direção de Lúcio Costa, com a direta orientação de Le Corbusier, que então veio ao Brasil.
dos sistemas de educação e saúde, ou a implantação de um novo sistema de Correios e Telégrafos. Na esteira dessas e de outras ações de modernização, foram construídos novos prédios: escolas, hospitais, sedes de correios, aeroportos, estações de hidroaviões, secretarias públicas federais, dentre outros. Conforme lembra Eloísa Petti Pinheiro, apenas no início dos anos trinta é que serão:
Desde a sua gestação, nos anos 30, a Escola Carioca passou a disseminar os ideais modernistas, tendo em Lúcio Costa o teórico do movimento, e nas figuras de Oscar Niemeyer, Milton e Marcelo Roberto, Jorge Machado Moreira e Affonso Eduardo Reidy seus representantes de maior destaque. A disseminação, por todo o país, das ideias desenvolvidas pela Escola Carioca fez-se no âmbito da formação universitária da referida Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro. Estudantes ali graduados retornaram aos seus estados ou, saindo do Rio de Janeiro, passaram a atuar em outras cidades do Brasil. Ficher e Acayaba apontam as cidades de Recife e Salvador como espaços privilegiados de recepção do repertório desenvolvido pela Escola Carioca (FICHER; ACAYABA, 1982: 27-30).
Nesse período, um evento iria contribuir de forma relevante para o surgimento de uma cultura urbanística moderna em Salvador: a Semana de Urbanismo, realizada em 1935. Nas diversas conferências proferidas, buscaram-se soluções para os problemas da cidade, e muitas das propostas que seriam posteriormente consagradas no EPUCS (Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador) foram imaginadas nesse evento de 1935: as parkways, as avenidas de vale, a defesa do patrimônio cultural e arquitetônico (Pinheiro, 2002: 267). O EPUCS foi formado em 1943 com o objetivo de elaborar um plano-diretor. Procuravam-se soluções para uma cidade que se deparava com novos problemas, como transporte urbano, massificação do automóvel, crescimento populacional, novos meios de produção do espaço habitacional e comercial. O EPUCS, porém, “tem o progresso como objetivo e a monumentalidade como uma marca” (Pinheiro, 2002: 282). Com base nos CIAM’s1 e em Le Corbusier, não questiona as intervenções nos centros históricos, considerando apenas a conservação dos testemunhos isolados. Contudo, muitas das propostas desenvolvidas pelo EPUCS estão hoje incorporadas à cidade, viabilizando o seu funcionamento, tais como as avenidas de Vale, a Avenida do Contorno e o Túnel Américo Simas.
PANORAMA DA MODERNIZAÇÃO EM SALVADOR Para o Estado da Bahia, os anos trinta do século XX são um período de lento crescimento econômico e essa situação continuaria até 1950. Referindo-se à letargia daquele período, Sampaio observa que as causas primárias de tal situação se deveriam a um processo de descapitalização, “desde a crescente deterioração da indústria do açúcar na região, ao deslocamento do eixo das decisões centrais do país” (Sampaio, 1999: 74). Paulo Ormindo de Azevedo, referindo-se àquele período de estagnação econômica, em que tanto a produção, quanto a comercialização dos produtos tradicionais baianos foram afetadas, lembra que a Cidade de Salvador “havia acumulado graves problemas, especialmente de circulação” (Azevedo, 1988: 15). Quanto ao advento de “uma arquitetura nova” nessa cidade, o autor afirma que: “é nesse contexto de polêmica e desejo de mudança que se constroem as primeiras obras da arquitetura nova em Salvador. Ao contrário do que aconteceu na Europa, onde a arquitetura moderna resultou de uma serie de fatores, como intenso processo de urbanização, introdução de novas técnicas de construir, revolução nas artes figurativas, etc., na Bahia a introdução da nova arquitetura parece resultar quase exclusivamente do desejo de romper com o passado” (AZEVEDO, 1988: 15).
Assim, apesar da crise que, na década de 30, atinge a Bahia, mudanças significativas seriam promovidas na Capital. A modernização atinge a administração pública, edificações antigas são demolidas para darem passagem aos bondes, novas instituições e serviços são criados, inclusive no setor privado. Para abrigar essas novas instituições, pretendeu-se a construção de prédios numa linguagem arquitetônica que pudesse servir de emblema da modernidade, remetendo ao progresso que o próprio advento dessas instituições representaria. Cabe lembrar o fato de que foi justamente durante a era Vargas, ou seja, ao longo do período de vigência do Estado Novo, que o Brasil conheceu um amplo desenvolvimento do setor público, o que se caracterizou através de medidas progressistas, tais como a reformulação 34
“construídos novos edifícios públicos de grande importância, como o da Imprensa Oficial e o edifício para a Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio, Transportes e Obras Públicas, na Praça Castro Alves, onde antes se localizava o Teatro São João. O Elevador Lacerda ganha uma nova torre, modificando sua imagem” (PINHEIRO, 2002: 268).
No plano econômico, uma nova fase de desenvolvimento só se daria no final da década de 1940, durante a administração de Octávio Mangabeira, quando também ocorre uma expansão da arquitetura associada ao Movimento Moderno. São então implantados em Salvador novos equipamentos, como penitenciária, hotel, vila olímpica e teatro, desta vez com a participação de arquitetos baianos, com uma linguagem estrutural que se beneficia já das conquistas nacionais em termos de cálculo de concreto armado (LACERDA, SANTANA, D’AFFONSECA, 1994, p.17).
AS COMPANHIAS CONSTRUTORAS No panorama da modernização da cidade de Salvador também merecem destaque as Companhias Construtoras que atuaram na Capital Baiana durante as décadas de 1930 e 1940. Atraídas por iniciativas governamentais e privadas que desejavam incorporar uma nova arquitetura, diversas companhias estrangeiras abriram filiais no Brasil e passaram a assumir a maioria das construções mais importantes. A presença dessas companhias no País deu ensejo à vinda de arquitetos estrangeiros, sobretudo para os eixos sul e sudeste, o que também serviu de incentivo ao processo de modernização da arquitetura
Nos CIAM’s - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna –, que tiveram início na Suíça, em 1928, e ocorreram até 1956, buscou-se formalizar os princípios do Movimento Moderno. A arquitetura era vista como um instrumento a ser usado para o progresso social.
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tal processo de modernização se tenha dado a partir do desejo de revestir o Estado com uma capa de modernidade. Em Salvador, encontramos a adoção de uma linguagem arquitetônica Art Déco aplicada a fins institucionais, que era então apropriada às intenções de remeter ao progresso. Destacamos como exemplares significativos desse período, ainda presentes em Salvador, além do já citado Elevador Lacerda (1929), a antiga Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio, Transportes e Obras Públicas (1933-36), o edifício do Instituto do Cacau (1933-36), a Agência Central dos Correios e Telégrafos (1935-37), a Creche Pupileira (1936), o Hospital Santa Terezinha (1937-39), a antiga Secretaria de Segurança Pública (1937-39), a Estação de Hidroaviões (1939), o Hospital das Clínicas (1937-49) e o Ministério da Fazenda (1949). Mas a modernização também se afirmaria em edifícios destinados a cumprir outras funções: comerciais e de serviços, residenciais e de entretenimento. O Hotel Palace (1929-35), a sede do Jornal A Tarde
Figura 03
Figura 02
no Brasil. Em Salvador, a escassez de calculistas nacionais e de empresas habilitadas para construções em concreto armado conduziu a que a maioria das grandes construções fosse realizada por empresas estrangeiras e suas respectivas filiais instaladas no Brasil. Dentre as principais, encontram-se a norueguesa Christiani & Nielsen e a Cia Construtora Nacional, que era uma filial da construtora alemã Wayss und Freitag. Entretanto, empresas brasileiras de construção civil também atuaram na Capital Baiana, destacando-se a firma Freire & Sodré, a Cia. Construtora Imobiliária S.A. e a Construtora Emílio Odebrecht. (LACERDA, SANTANA, D’AFFONSECA, 1994, p. 16-18). Do importante papel que tiveram as referidas empresas naquele momento, pode-se depreender que
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Manoel Vitorino (1958-59). Mas, certamente, a atuação mais marcante na Capital Baiana foi a do arquiteto Diógenes Rebouças. Além das parcerias já mencionadas, foi autor do projeto do antigo estádio “Fonte Nova” (1942), dos edifícios comerciais Cidade do Salvador (1947), Ouro Preto (1961) e Almirante Barroso (1965), que contribuíram para uma nova configuração da área do Comércio, do edifício Otacílio Gualberto (1955)(figura 01), na Cidade Alta, além de edifícios residenciais e de instituições universitárias. De sua autoria é também o projeto da Escola Parque (1950), idealizada pelo educador Anísio Teixeira, que se tornou uma referência nacional em edifícios escolares, constituindo-se numa das mais valiosas contribuições para a arquitetura e as artes plásticas da Bahia2. No Brasil, entre as décadas de 1930 e 1970, o crescimento das cidades e a intensificação da industrialização acarretaram a necessidade de verticalização e modernização dos grandes centros urbanos. Edifícios passaram a ser construídos mediante a utilização das técnicas construtivas e dos princípios preconizados pelo Movimento Moderno. Hoje, quando começa a se afirmar um entendimento mais amplo acerca da heterogeneidade das produções arquitetônicas do século XX, de maneira alguma é abalada a importância do Movimento Moderno e de sua real contribuição. É nesse contexto que, atualmente, se tem buscado a salvaguarda de monumentos que se alinham a tal linguagem arquitetônica, por sua importância para uma história que não se restringe ao âmbito da arquitetura, estando em associação indissolúvel com os mais variados aspectos da experiência urbana e da construção de sua memória. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Paulo O. Crise e Modernização, a arquitetura dos anos 30 em Salvador. In: SEGAWA, Hugo et alli. Arquiteturas no Brasil. 1. ed. São Paulo: Projeto, 1988. Figura 04
(1930), os edifícios Chile (1935), Sulacap (1942-46) e Sulamérica (1946-50) destacam-se como principais edifícios comerciais; o Oceania (1932), o Dourado (1936-38) e o Maiza (1948), como principais edifícios residenciais; e os cinemas Jandaia (1931), Excelsior (1935), Pax (1939) e Roma (1946/48), como exemplos de edifícios destinados ao entretenimento.
FICHER Sylvia; ACAYABA Marlene. “Salvador” In FICHER & ACAYABA. Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo: Projeto, 1982, p.27-30. LACERDA, Ana M. C., SANTANA, Mariely C., D’AFFONSECA, Sílvia P. Soluções, técnicas e materiais utilizados na arquitetura moderna. Salvador 1920 – 40.Salvador: CEAB, FAUFBA, 1994. PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos (Paris, Rio e Salvador). Salvador: EDUFBA, 2002.
A ARQUITETURA MODERNISTA A partir dos anos 1940 e nas décadas subsequentes se daria o estabelecimento da arquitetura modernista no cenário baiano. Projetada por Hélio Duarte e Zenon Lotufo, a sede da Associação Brasileira de Imprensa (1945) (figura 02), na Praça da Sé, foi um dos primeiros exemplos dessa nova linguagem arquitetônica em Salvador. É também de grande importância a presença do arquiteto Paulo Antunes Ribeiro, autor do projeto do Edifício Caramuru (1946) (figura 03), primeiro arranha-céu da área do Comércio, muito elogiado em publicações nacionais e internacionais, do Hotel da Bahia (1948), esse em parceria com Diógenes Rebouças, e do Banco da Bahia (1958). Não poderia deixar de fazer parte desse elenco o arquiteto José Bina Fonyat, autor do projeto do Teatro Castro Alves (1957-67) (figura 04), da Sede Central do Banco do Brasil (1963-68) e dos edifícios Conde Pereira Marinho (1958) e 38
SAMPAIO, Antonio Heliodorio Lima. Formas Urbanas – Cidade real e Cidade ideal – Contribuição ao estudo urbanístico de Salvador. Salvador: Quarteto, 1999.
Na Escola Parque, destacam-se os murais dos artistas modernistas Carlos Magano, Jenner Augusto, Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos e Maria Célia Amado.
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Diógenes Rebouças, Anísio Teixeira e o Plano de edificações escolares Nivaldo Vieira de Andrade Junior*
Nascido em 1914, no Distrito de Tartarugas, Município de Amargosa, Diógenes Rebouças, aos quatro anos, veio, com sua família, para Itabuna, onde seus pais possuíam propriedades rurais e onde seria criado até ir para Salvador, em 1923, para dar continuidade aos estudos. Em 1930, após concluir o Curso de Humanidades, matriculou-se na Escola Agrícola da Bahia, pela qual se graduou Engenheiro Agrônomo, em 1933. Instalado no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, Rebouças havia iniciado, concomitantemente, os cursos de Desenho e Pintura e de Arquitetura da Escola de Belas-Artes da Bahia (EBA-BA). Desses, concluiria somente o primeiro, em 1937. Retornou então a Itabuna, onde passou a trabalhar como topógrafo, ao mesmo tempo em que ajudava a administrar as fazendas da família e que projetava e construía suas primeiras obras de arquitetura, algumas delas financiadas por um grupo de senhoras de caridade, presidido por sua mãe. Dentre essas obras, se destaca a Catedral de São José, uma arquitetura “bem pré-moderna”, como reconheceria, muitos anos depois, o próprio Rebouças (1999, p. 117). A oportunidade que permitiria a Rebouças assumir um lugar proeminente no ambiente profissional baiano surgiria em 1941, quando foi convidado pelo engenheiro santamarense Mário Leal Ferreira para opinar sobre o paisagismo do entorno do estádio que começava a ser construído pelo Governo do Estado, nas proximidades do Dique do Tororó. Indignado com o projeto, que tamponava o fundo do vale, Rebouças apresenta um estudo alternativo para o estádio, propondo sua implantação, em parte, sobre a encosta de Nazaré, e criando uma abertura para o Dique do Tororó. Com o apoio de Ferreira, Rebouças consegue convencer o Governador Landulfo Alves a executar a sua proposta. O Estádio da Fonte Nova seria inaugurado dez anos depois, em 1951, já no Governo de Octávio Mangabeira. A parceria entre Rebouças e Ferreira seria intensa, a partir de então, e definiria os rumos das carreiras * Doutor, mestre e graduado em arquitetura e urbanismo pela UFBA. Professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA. Membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Secretário Executivo da Federación Panamericana de Asociaciones de Arquitectos (FPAA).
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de ambos. Entre o final de 1942 e o início do ano seguinte, Ferreira, em função de contrato firmado com a Prefeitura de Salvador, instala o Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador (EPUCS), tendo Rebouças como Coordenador do Setor Paisagístico e como principal responsável pela espacialização no território soteropolitano dos conceitos urbanísticos desenvolvidos no EPUCS.
escolares do Estado”, localizando cada uma das escolas rurais a serem construídas com recursos do Governo Federal e seguindo o projeto arquitetônico elaborado no Rio de Janeiro pelo Ministério da Educação e Saúde, além de definir os tipos e a localização dos demais equipamentos escolares a serem construídos, com recursos do Governo do Estado, na Capital e no interior da Bahia.
Com a repentina morte de Ferreira, em 1947, Rebouças assume a direção do EPUCS, que, a partir do início do ano seguinte, passa a se denominar Comissão do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (CPUCS). Nessa nova estrutura, Rebouças elaborou, entre 1947 e 1951, um conjunto de projetos urbanísticos e arquitetônicos que mudou a paisagem de Salvador, dentre os quais se destacam a Avenida do Centenário, a Penitenciária do Estado (atual Lemos de Brito), o Hotel da Bahia (em parceria com Paulo Antunes Ribeiro), os novos pavilhões do Parque Sanatorial Santa Terezinha (atual Hospital Especializado Octávio Mangabeira) e o Mercado do Peixe, no Porto da Barra (demolido). Rebouças concebeu ainda, na condição de colaborador do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), os projetos do Hospital de Paulo Afonso (atual Quartel do Exército) e do Hotel Paulo Afonso – sua obra-prima, ainda que inconclusa. Desse modo, a CPUCS teve um papel fundamental, tanto no planejamento urbano da Capital Baiana quanto na consolidação da arquitetura moderna no Estado.
Em seguida, o SOSES assumiria o papel de elaborar os projetos dessas escolas e de construí-las. Visando a garantir “um teto para cada escola”, o plano deveria prever: [...] uma escola elementar compreensiva para cada sede de município, uma escola nuclear para cada distrito, uma escola mínima para cada povoação e as escolas de penetração para as populações dispersas nas zonas rurais e, mais, os núcleos regionais de educação secundária, profissional e normal, com os seus múltiplos edifícios (escola normal, escolas primárias anexas, escola secundária, com pavilhões de ensino ginasial, comercial, doméstico e industrial, internatos, à maneira dos dormitórios das universidades americanas, e edifícios de vida social e cultural). (TEIXEIRA, 1948, p. 15-16)
Hildérico Pinheiro de Oliveira registrou as dificuldades enfrentadas pela equipe do SOSES:
Além dos projetos citados, elaborados por Rebouças, a CPUCS foi responsável pela contratação de consagrados profissionais do Rio de Janeiro para desenvolver projetos de equipamentos públicos e espaços urbanos, todos eles indicados pelo próprio Rebouças, como Alcides da Rocha Miranda e José de Souza Reis, autores do projeto do Centro Educativo de Arte Teatral – Teatro Castro Alves - e o paisagista Roberto Burle Marx, autor dos projetos para as três praças centrais de Salvador: Terreiro de Jesus, Piedade e Campo Grande – dos quais somente o primeiro foi executado.
DIÓGENES REBOUÇAS, ANÍSIO TEIXEIRA E O “PLANO DE EDIFICAÇÕES ESCOLARES” No período em que coordenou a CPUCS, Rebouças esteve à frente dos projetos de dezenas de escolas que foram construídas nos anos seguintes, em Salvador e nos municípios do interior do Estado, como parte do “Plano de Edificações Escolares”, desenvolvido pelo educador Anísio Teixeira, Secretário da Educação e Saúde do Governo Octávio Mangabeira (1947-1951). Para enfrentar o desafio de planejar, projetar e construir centenas de escolas em todo o território baiano em apenas quatro anos, além de recuperar e manter as escolas existentes, Anísio Teixeira estruturou, assim que assumiu o cargo de Secretário da Educação e Saúde, em 1947, o Serviço de Obras da Secretaria de Educação e Saúde (SOSES). O SOSES era formado por um grupo de jovens engenheiros recém-formados pela Escola Politécnica da Bahia e foi coordenado, até fevereiro de 1948, pelo engenheiro – e, depois, Deputado Federal – Fernando Sant’Anna. A partir daí e até janeiro de 1951, quando se encerrou o Governo Mangabeira e Anísio deixou a Secretaria, a coordenação ficou a cargo do engenheiro Hildérico Pinheiro de Oliveira. O SOSES – que, em 1949, teve seu nome alterado para Superintendência de Prédios e Aparelhamento Escolar – teve como objetivo, em um primeiro momento, elaborar o “plano de edificações
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Vários fatores concorriam para deficultar [sic] o desenvolvimento do programa. Sistema viário precaríssimo (em todo o Estado apenas o trecho de 7 Km, de Salvador a Pirajá, era pavimentado), notadamente para alcançar os locais onde se implantavam as escolas; dificuldades de ocorrência de materiais adequados para um mínimo de durabilidade dos prédios; inexistência de materiais industrializados indispensáveis; ausência de mãode-obra qualificada e intermitência de disponibilidade da existente, em decorrência da prioridade às atividades de plantio, manutenção das culturas e colheita; dificuldades de fiscalização, que, sem estudo disciplinador, pela distância das obras e pelo custo dos transportes, consumiria, dos recursos financeiros existentes, percentuais superiores aos limites técnicos e financeiramente aceitáveis. (OLIVEIRA, 1988, p. 32-33)
Para dar solução a essas dificuldades no prazo e nos limites orçamentários existentes, Fernando Sant’Anna relata que, ao ser convidado por Anísio para coordenar o SOSES, se dedicou a planejar todo o processo de construção das escolas. Sant’Anna dividiu os 150 municípios da Bahia então existentes em dez regiões, cada uma delas sob a responsabilidade de um engenheiro da equipe do SOSES. Tendo em vista a precariedade das estradas à época, cada engenheiro “dispunha de um jipe e um motorista para ir a todos os locais”. Dentro da sua região, cabia ao engenheiro responsável entrar em contato com os prefeitos locais, escolher “com o pessoal mais importante da cidade, o Prefeito e outros, o local melhor para ser construída a escola”, fazer “a marcação dos pontos” (locação) e orientar os operários sobre como se daria a construção da escola, uma vez que, por razões óbvias, “o engenheiro não podia ficar no local”. O acompanhamento diário da obra, incluindo a fiscalização e o pagamento dos operários, através do repasse de recursos da Secretaria de Educação e Saúde, cabia a uma comissão formada por três representantes da comunidade local “que fossem realmente capazes” e “que o povo considerasse os melhores elementos”1.
Informações fornecidas pelo Deputado Fernando Sant’Anna, em entrevista concedida ao autor em 16 de agosto de 2010 e registrada em vídeo.
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Hildérico Pinheiro de Oliveira ressalta que as comissões locais “não percebiam quaisquer vantagens pecuniárias” e acrescenta que, dentre as medidas adotadas para cumprir o planejamento do SOSES, estavam:
seria, nas palavras de Anísio, “uma arquitetura de grande singeleza, podendo nele ser utilizado qualquer material de construção, até mesmo adobes, funcionando as colunas como gigantes de sustentação”. (TEIXEIRA, 1950, p. 10-11).
utilização dos materiais ocorrentes nos locais das obras, evitando assim importação de mão-de-obra e custos adicionais de transportes; aquisição, nos grandes centros produtores, para distribuição às obras, de todos os produtos industrializados a utilizar nos prédios, tais como esquadrias, ferragens, tintas, louça sanitária, pregos, arame, etc. (OLIVEIRA, 1988, p. 33)
A célula inicial do prédio de construção extensível seria a chamada Escola Mínima – EM, concebida para “povoados e arraiais diminutos, onde só caiba a escola isolada” (TEIXEIRA, 1949, p. 19). A Escola Mínima corresponde ao “simples tecto para a escola. [...] Um prédio de tamanha simplicidade que nem sequer possui janelas. É uma classe com paredes meias e uma porta. Em torno, uma pequena área coberta. Ao lado, a instalação sanitária mínima” (TEIXEIRA, 1950, p. 10).
O PROBLEMA DO ENSINO PRIMÁRIO NO INTERIOR E O PRÉDIO ESCOLAR DE CONSTRUÇÃO EXTENSÍVEL As edificações escolares primárias concebidas pelo arquiteto Diógenes Rebouças para materializar o sistema concebido por Anísio Teixeira para os núcleos urbanos do interior do Estado agregariam um aspecto inovador: a adoção de um módulo básico e do conceito de “construção extensível”, isto é, a possibilidade de que, através de sucessivas ampliações já previstas no projeto original, uma escola pequena pudesse continuar atendendo às demandas de cidades em acelerado crescimento populacional. Do ponto de vista programático, o sistema escolar desenvolvido para os núcleos urbanos da Bahia a partir de 1947 corresponde a um desenvolvimento do sistema escolar platoon, concebido por Anísio para o Rio de Janeiro, na primeira metade da década de 1930, tendo em vista a já ressaltada escassez de materiais modernos e de mão de obra qualificada no interior do Estado, onde viria a ser construída a maioria das escolas projetadas. Década de 1930, quando ele havia ocupado o cargo de Inspetor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, a partir da experiência norte-americana, com a qual ele travara contato no final dos anos 1920, quando passara duas temporadas de estudos nos Estados Unidos. Entretanto, do ponto de vista arquitetônico, a escola de construção extensível baiana se diferencia do sistema platoon norte-americano e carioca, seja por apresentar essa importante inovação, seja por adotar tecnologias construtivas tradicionais e soluções formais mais modestas. A respeito do problema do prédio escolar, Teixeira escreveu: O problema do prédio escolar na Bahia tem dois aspectos. O primeiro é, digamos, o de demonstrar a sua necessidade, pois não falta quem suponha bastar à escola o professor. Daí o sem número de escolas a funcionarem em salas acanhadas de residências particulares, alugadas. O segundo é o de encontrar uma solução tão modesta quanto possível mas que, a despeito da modéstia, atenda ao mínimo de condições indispensáveis a um prédio escolar. Com efeito, a necessidade de construir, o mais rapidamente possível, não alguns prédios, mas todo um sistema escolar, exige planos de economia e construção em massa que não são fáceis de traçar. O govêrno da Bahia está a procurar encaminhar a solução do problema, por diversos ângulos. (TEIXEIRA, 1950, p. 9)
O “prédio de construção extensível” concebido por Teixeira e Rebouças deveria atender aos núcleos urbanos do interior do Estado com população entre 400 habitantes e 10.000 habitantes. O edifício seria construído a partir do módulo de 1,25 m – escolhido “depois de estudos das conveniências de padronização de áreas, esquadrias, etc.”. As salas de aula teriam, invariavelmente, 66m2, e o resultado 44
A Escola Mínima (figura 01)estaria implantada em um terreno de um hectare. Cada uma das três mil localidades do Estado da Bahia deveria receber, pelo menos, uma unidade e, com o futuro crescimento populacional da localidade e a consequente demanda por novas salas de aula, ela poderia ser progressivamente ampliada para duas, três, seis, doze e até catorze salas de aula. Para as vilas e povoados mais densos, era prevista a construção da Escola Nuclear – EN, formada por três salas de aula – uma para cada um dos três primeiros graus de ensino –, diretoria, biblioteca e residência do zelador, além de área coberta para recreio (TEIXEIRA, 1950, p. 10).
Escola mínima na localidade de Tijuco, Município de Cipó (Fonte: Acervo da família Accioly Vieira de Andrade) (figura 01)
O Grupo Escolar Médio – GE-6 seria construído nas pequenas cidades e teria, além de seis salas de aula, “salas de administração, uma boa biblioteca, disposições para clubes escolares, auditorium, salas especiais de desenho, artes industriais e ciências e largas áreas cobertas para recreio” (TEIXEIRA, 1950, p. 10-11). O Grupo Escolar Completo – GE-12, com um total de catorze salas de aula, seria edificado nas cidades mais populosas e abrigaria, além do programa do Grupo Escolar Médio, “mais seis salas de aula primária, duas de jardim de infância, ginásio, cantina, teatro, centro de informações para adultos, etc.” (REVISTA FISCAL..., 1949, p. 125). Segundo Anísio Teixeira (1949, p. 19), o Grupo Escolar Completo estaria “em condições, afinal, de permitir o regular funcionamento da escola primária de cinco séries e de um centro recreativo e cultural da comunidade”. Em 1950, quando o Governo Mangabeira se aproximava do seu término e Anísio se preparava para 45
de formação do magistério, e que se constituirá no núcleo de difusão cultural de toda a região” (REVISTA FISCAL..., 1949, p. 133). Esse complexo arquitetônico, também projetado por Rebouças, seria formado por diversos pavilhões distribuídos em um grande parque, cada um abrigando uma parte do programa, formando uma espécie de campus escolar: escola normal (escola de professores), escola primária (anexa à escola normal), escola secundária, biblioteca, edifício administrativo, centro cultural com teatro, edifício de serviços gerais com restaurante, internatos, praça de esportes e residências para o diretor, para professores e funcionários4. Exceto pelos blocos cujo programa exige uma volumetria específica, como o centro cultural com teatro e a praça de esportes, todos os pavilhões possuem um partido pavilhonar marcadamente horizontal. Com recursos do Ministério da Educação e Saúde e do Governo do Estado, foi iniciada, em 1950, a construção dos primeiros blocos, referentes à escola secundária, dos Centros Regionais de Educação localizados nas cidades de Barra, Caetité, Feira de Santana, Itabuna, Juazeiro e Vitória da Conquista (figura 02), além da construção das escolas normais de Itaberaba e Jacobina (BAHIA, 1950, p. 37).
Escola Normal de Conquista, atual Instituto de Educação Euclides Dantas, em Vitória da Conquista (Fonte: Acervo do Instituto de Educação Euclides Dantas) (figura 02)
deixar a Secretaria, três prédios escolares extensíveis previstos no “Plano de Edificações Escolares” estavam concluídos2, 47 se encontravam em construção e 20 haviam sido iniciados, totalizando 70 edificações. Dessas, 40 haviam sido ou estavam sendo erguidas com recursos exclusivos do Governo do Estado, enquanto as outras 30 foram ou estavam sendo construídas através de convênio do Ministério da Educação e Saúde com o Governo do Estado (recursos de ambas as fontes). Dos 70 prédios escolares extensíveis construídos ou em construção, a grande maioria (49 prédios) correspondia a Escolas Nucleares de três ou, excepcionalmente, duas salas de aula; 15 eram Escolas Mínimas de uma sala de aula; quatro eram Grupos Escolares Médios de seis salas de aula; e somente duas eram Grupos Escolares Completos de doze salas de aula (BAHIA, 1950, p. 29-34)3.
Por outro lado, a Capital Baiana também carecia de um número maior de instituições que pudesse dar conta da demanda local e das cidades vizinhas. Logo, um objetivo a ser atingido era o “descongestionamento dos institutos oficiais” – o Colégio da Bahia, localizado junto ao convento de Nossa Senhora da Lapa, na Avenida Joana Angélica, no bairro de Nazaré, e o Instituto Normal da Bahia, no bairro do Barbalho5: Em educação, como em qualquer outro serviço humano, a condição preliminar é a do espaço e instalações adequadas para os que se vão dela beneficiar. E o número dêsses está em estrtita [sic] correlação com aquêle espaço e aquelas instalações. Se congestionarmos um palácio, o palácio se transforma em um acampamento confuso e tumultuoso. Outra cousa não se deu com o próprio Instituto Normal. Com prédio excedido em sua capacidade e o ensino reduzido a períodos mínimos, registrou-se ali o paradoxal desperdício do edifício, cujas instalações mal utilizadas deram como resultado a perda de eficiência do ensino (TEIXEIRA, 1948, p. 3-4).
O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA E OS CENTROS REGIONAIS DE EDUCAÇÃO No que se refere ao problema da educação secundária, o problema era grave tanto na Capital quanto no interior do Estado. Salvo raras exceções, não havia, no interior do Estado, ginásios ou escolas normais. Além disso, os poucos ginásios existentes, mesmo quando eram privados, dependiam de subsídios governamentais para funcionarem . Assim, um desafio importante era “tornar mais generalizado o acesso às escolas post-primárias, distribuindo-as uniformemente pelo Estado e criando um sistema de matrícula pelo qual todos os municípios possam à mesma concorrer” (BAHIA, 1950, p. 36). A divisão do Estado, feita por Anísio e sua equipe, em dez regiões educacionais que, como vimos, havia sido feita para viabilizar a construção das escolas rurais, foi apropriada no planejamento de uma solução para o problema da educação secundária na Bahia. Cada uma das dez regiões educacionais teria como sede um município já consolidado como polo regional, que abrigaria um Centro Regional de Educação – CRE, “onde se ministraria a educação de nível médio, geral e profissional e o ensino As três edificações concluídas em 1950 eram a Escola Nuclear de três classes da localidade de Cabeças, no Município de Muritiba; a Escola Nuclear de três classes da localidade de Bonfim, no Município de Feira de Santana; e o Grupo Escolar Médio, com cinco classes da localidade de Itagi, no Município de Jequié. 3 Os dois Grupos Escolares Completos que se encontravam em construção e que vieram a ser concluídos, em seguida, foram os das sedes dos municípios de Santo Amaro e Nazaré, ambos construídos apenas com recursos do Governo do Estado. 2
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Anísio decidira que o primeiro e maior dos dez Centros Regionais de Educação estaria instalado em Salvador, para atender às demandas da Capital e dos municípios do Recôncavo Baiano. Frente à impossibilidade de ampliação significativa da área construída do Colégio da Bahia, situado em um trecho urbano consolidado e densamente ocupado, e visando à descentralização, no território da Capital Baiana, da demanda de Salvador e do Recôncavo, o Colégio da Bahia deveria desdobrar-se em ginásios de bairros. Era prevista a criação de seções ginasiais nos bairros de Nazaré, Liberdade, Itapagipe, Brotas e Garcia (MAIS DE..., 1949, p. 2). Toda a gestão da rede ficaria centralizada no Colégio da Bahia, que agendaria provas, expediria certificados de conclusão de curso e efetuaria matrículas e transferências das diversas seções de bairro e, por essas razões, passou a se denominar Colégio Central da Bahia. Documento intitulado “O Ministério da Educação e Saúde e a Bahia na Gestão do Ministro Clemente Mariani 19461950”, localizado no fundo Clemente Mariani do CPDOC/FGV, informa que, no exercício de 1949, o Ministério da Educação e Saúde havia aportado recursos em ginásios privados localizados nas cidades baianas de Amargosa, Barra, Bonfim, Barreiras, Campo Formoso, Feira de Santana, Itabuna, Jequié, Jaguaquara, Nazaré, Remanso, Salvador, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista (CMa mes d 1950.00.00, doc 1). 5 A partir do final dos anos 1930, a antiga Escola Normal passou a se denominar Instituto Normal da Bahia. 4
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As duas primeiras seções – a de Nazaré, instalada a cerca de um quilômetro de distância do Colégio da Bahia, e a da Liberdade – foram criadas em 1948, apropriando-se de construções existentes6. A seção de Itapagipe, por sua vez, foi construída no início dos anos 1950, na Avenida Beira-Mar, na Ribeira7, e aparentemente corresponde à adaptação parcial de diversos projetos elaborados por Rebouças para o SOSES. Com a criação das seções de bairro do Colégio da Bahia, o edifício do Instituto Normal no Barbalho pôde voltar a abrigar exclusivamente os cursos de formação do magistério primário. Dentre as seções do Colégio da Bahia que não chegaram a ser criadas, possui particular interesse a do Garcia, pois tivemos acesso, no arquivo Diógenes Rebouças do CEAB/FAUFBA8, ao seu projeto arquitetônico, datado de 13 de maio de 1949. As plantas desse projeto foram publicadas, em 1949, em documento oficial do Governo do Estado, como sendo do “Centro Regional de Educação – Ginásio”, cuja construção seria iniciada em janeiro de 1950, nas cidades de Barra, Caetité, Feira de Santana e Juazeiro (REVISTA FISCAL..., 1949, p. 134-135). Logo, podemos assumir que os projetos das seções de bairro do Colégio da Bahia, que seriam construídas em terrenos vazios e aqueles dos ginásios que compunham os demais Centros Regionais de Educação do interior do Estado eram praticamente idênticos. Com relação ao “Colégio da Bahia – Setor do Garcia”, Anísio Teixeira informa, em relatório encaminhado ao Governador, em 1949, que: constituirá o primeiro ginásio da cidade, com instalações que irão permitir o ensino médio em todos os tipos e categorias, desde o geral ao técnico-industrial. Anexa, será construída uma escola primária, que dará início ao segundo centro educacional da Capital. Quando estiver todo construído ficará ligado ao conjunto do Teatro Castro Alves (TEIXEIRA, 1949, p. 17).
O PROBLEMA DO ENSINO PRIMÁRIO NA CAPITAL: OS CENTROS DE EDUCAÇÃO ELEMENTAR No caso de Salvador, os problemas do ensino primário eram bastante distintos daqueles do interior do Estado: Aí deparamos com a cidade já construída, sem áreas previstas para as construções escolares necessárias, e, como no interior, com todo um sistema escolar por edificar. Além disto, o sistema de ‘turnos’ (no mesmo prédio, funcionam duas escolas, uma pela manhã e outra à tarde) havia criado uma escola de tempo parcial, com um período demasiado reduzido para se fazer a educação elementar da criança. A falta de áreas suficientemente amplas para grupos escolares completos e o hábito do professor só trabalhar um turno; isto é, quatro horas, levou-nos a imaginar um sistema especial de escolas, em que fôssem localizadas as funções do ensino propriamente dito em um prédio e em outro ou grupo de outros os de educação física, artística, social e pré-vocacional. Nasceu daí o prédio escolar que designamos de escola-classe, composto tão somente de salas de aula
e dependências para o professor, e o prédio escolar, que designamos de ‘Escola Parque’, compreendendo salas de música, dança, teatro, clubes (educação artística e social), salas de desenho e artes industriais (educação pré-vocacional), ginásio de educação física e mais dormitórios, biblioteca, restaurante e serviços gerais. (TEIXEIRA, 1950, p. 11-12)
Continuando, Anísio informa que o sistema concebido para o ensino primário da Capital seria formado por conjuntos escolares – os Centros de Educação Elementar ou Centros Populares de Educação, como os denominava Anísio9 – com capacidade para até 4.000 alunos. Esse sistema – um resgate da ideia concebida por Anísio para a Capital Federal mais de dez anos antes, sem nunca ter sido executada – seria formado por quatro escolas-classe e por uma Escola Parque. Cada uma das escolasclasse contaria com 12 classes e atenderia a um total de 1.000 alunos (500 em cada turno), sendo instalada em um terreno de aproximadamente 1.200m2 e destinada ao “ensino de letras e ciências, com disposições para administração e áreas de estar” (TEIXEIRA, 1948, p. 15). A Escola Parque, por sua vez, receberia em cada turno os 2.000 alunos que frequentassem as escolas-classe no turno oposto. Cada criança soteropolitana matriculada na rede pública passaria, portanto, um total de oito horas diárias no centro educacional, onde seriam oferecidas todas as refeições diárias (TEIXEIRA, 1959). Para facilitar o deslocamento das crianças, a distância entre as escolas-classe e a Escola Parque não deveria ser superior a 500m10. Os 2.000 alunos que estariam simultaneamente na Escola Parque em cada turno se dividiriam em grupos de 650 a 700 estudantes pelos três setores de atividades: sociais e artísticas; de trabalho; e de educação física. O setor de atividades sociais e artísticas da Escola Parque abrigaria um teatro e salas de música, canto e dança com capacidade para 700 crianças. O setor de atividades de trabalho corresponderia a um conjunto de ateliês e salas de trabalho de igual capacidade e o setor de atividades de educação física se constituiria em um ginásio com capacidade para grupo idêntico. Além disso, a Escola Parque contaria com um restaurante com capacidade para servir 2.000 crianças e sua respectiva cozinha, uma biblioteca para 300 crianças, um teatro ao ar livre, dois dormitórios para 100 crianças cada – um para cada gênero –, um edifício de serviços gerais e um edifício administrativo. Os dormitórios eram peça fundamental no projeto político de inclusão social de Mangabeira e no plano pedagógico de Anísio Teixeira, para que as crianças sem um lar pudessem ter a mesma oportunidade das demais. Para esse último, “as crianças chamadas pròpriamente de abandonadas, sem pai nem mãe, [...] passariam a ser não as hóspedes infelizes de tristes orfanatos, mas as residentes da Escola Parque” (TEIXEIRA, 1959). Assim, 5% das vagas do Complexo – isto é, 200 vagas – eram reservadas para essas crianças, que viveriam em regime de internato na própria Escola Parque. (TEIXEIRA, 1950, p. 12). Afinal, para Anísio, a escola-classe seria a responsável por instruir a criança, mas na Escola Parque é que ela seria educada, do ponto de vista do convívio social, da cultura intelectual e artística, da educação física e da formação profissional. Para Anísio, as vantagens desses conjuntos formados por uma Escola Parque e quatro escolas-classe
A seção ginasial da Liberdade foi instalada na Escola Duque de Caxias, inaugurada em 1939 e que ainda hoje funciona como Colégio Estadual Duque de Caxias. A seção ginasial de Nazaré ocupou o imóvel doado ao Governo do Estado pelo Ex-governador Severino Vieira e, atualmente, corresponde ao Colégio Estadual Severino Vieira. 7 Atual Ginásio Estadual João Florêncio Gomes. 8 Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.
E como a ele se refere repetidamente o arquiteto Hélio Duarte em seu livro “Escolas Classe, Escola Parque” (DUARTE, 1973). 10 O que, como veremos, não ocorreu no único Centro de Educação Elementar construído em Salvador, no bairro da Liberdade, cujas escolas-classe chegam a distar até 1,2 quilômetros da Escola Parque. Da mesma forma, as três escolasclasse inauguradas em setembro de 1950 estavam implantadas em terrenos com áreas variando entre 3.400 (Escola-Classe I) e 12.000m2 (Escola-Classe II) – isto é, até dez vezes maiores que os 1.200m2 previstos originalmente.
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eram várias: a solução da dificuldade de áreas para a construção das escolas, tendo em vista que somente as escolas-parque demandariam terrenos de maiores dimensões, enquanto as escolas-classe poderiam ser implantadas em terrenos maiores – e mais difíceis de localizar na cidade consolidada; a duplicação da carga horária de permanência do aluno na escola, se somarmos as quatro horas de aulas na escola-classe – “de todo insuficientes para a educação elementar” – às quatro horas de atividades desenvolvidas na Escola Parque; a “facilidade de renovação educativa”, na medida em que os professores das escolas-classes e das diversas atividades das escolas-parque teriam formações e perfis distintos; e “o enriquecimento da educação e da vida escolar da criança, com incalculáveis benefícios para sua educação social, para sua educação de saúde e para a frequência e estabilidade do corpo discente”. Além disso, Anísio via nesse sistema a “oportunidade para uma renovação da arquitetura escolar, com a divisão de funções da escola e a unidade maior de cada tipo de edifício ou edifícios” (TEIXEIRA, 1948, p. 15). Após a definição, pelo próprio Anísio, do projeto pedagógico e do programa de cada um desses Centros Populares de Educação, o engenheiro carioca Paulo de Assis Ribeiro foi encarregado de planejar o funcionamento de cada um dos conjuntos, definindo inclusive sua capacidade, distâncias máximas a serem percorridas pelos alunos entre as escolas-classe e a Escola Parque, dentre outros aspectos. Paulo de Assis Ribeiro era um velho conhecido de Anísio e, recentemente, em 1947, havia elaborado, a convite do Governo Mineiro, o projeto de reforma do sistema educacional daquele Estado (RIBEIRO, 1975)11.
não só em número de pessoas como em nível econômico baixo. Eu quero agir lá dentro. (apud REBOUÇAS, 1992, p. 147).
A INVASÃO DO CORTA-BRAÇO E O CENTRO EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO A decisão de construir o primeiro – e que seria também o único – Centro de Educação Elementar de Salvador no bairro da Liberdade provavelmente estava relacionada com a recente polêmica da invasão do Corta-Braço. A área conhecida como Corta-Braço – também chamada de “Nova Pero Vaz”- havia sido ocupada, em novembro de 1946, por grupos de sem-teto, configurando-se como uma das primeiras ocupações organizadas promovidas na Cidade. Embora os terrenos invadidos pertencessem à Prefeitura de Salvador e estivessem desocupados, eles estavam aforados a um italiano, Francesco Pellosi. A “invasão do Corta-Braço” iniciou-se com cerca de 200 famílias e se tornou paradigmática pela organização de seus moradores, que, em massa ou através de algumas lideranças, se dirigiam cotidianamente à sede do jornal A Tarde, ao Fórum e a outros órgãos públicos, a fim de cobrar das autoridades uma solução para o problema13. Além disso, abriram uma caderneta na Caixa Econômica Federal,
O passo seguinte foi o de definir a localização de cada um desses Centros de Educação Elementar no território da Capital Baiana. Para isso, Anísio procurou o arquiteto Diógenes Rebouças, coordenador do EPUCS, que, anos depois, explicaria que uma das primeiras preocupações do Secretário, ao elaborar o seu plano escolar para a Capital, dizia respeito à possibilidade de integração com o plano que estava sendo finalizado no EPUCS e que previa dezenove subcentros urbanos, entendidos como “catalizadores das atividades sociais” (SANTOS NETO, 1993, p. 12). Como relata Rebouças,
Figura 03
[Anísio] nos deu a incumbência de colocar no Plano da Cidade de Salvador oito grandes conjuntos desses, e nós fizemos um anteprojeto, justamente localizando todos estes equipamentos dentro daquela cidade que tinha como parâmetro, para o EPUCS, uma população prevista de um milhão de habitantes. De maneira que quando ele viu a planta e compreendeu a localização, disse: “aprovo cem por cento”. (REBOUÇAS, 1992, p. 148)12
Figura 04
Segundo Rebouças, a decisão de implantar o primeiro Centro de Educação Elementar na “Liberdade” (a rigor, na Caixa d’Água, entre o Reservatório e a invasão do Corta-Braço) foi do próprio Anísio, que teria afirmado: Eu prefiro começar pelo bairro da Liberdade [sic], é lá que temos os problemas maiores,
11 Entre 1931 e 1935, enquanto Anísio ocupou o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, Assis Ribeiro exerceu diversos cargos no Departamento Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde, do qual chegou a ser Diretor. Em 1935, Assis Ribeiro foi, junto com Anísio, um dos responsáveis pela criação da Universidade do Distrito Federal. 12 Entre o início do seu planejamento, em 1947, e a inauguração parcial do primeiro conjunto, a quantidade de Centros de Educação Elementar formados por uma Escola Parque e quatro escolas-classe previstos para serem construídos em Salvador variou entre sete e dez.
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O jornal A Tarde, por exemplo, registra que, em 20 de novembro de 1946, “mais de quinhentas pessoas de aparencia modesta, homens e mulheres, enchiam as salas e corredores daquela casa de justiça [o Fórum], todos moradores ao ‘Corta Braço’, onde construíram suas residencias, á custa de muitos sacrifícios, num terreno a eles arrendado, por um italiano, que, como a ‘A Tarde’ já teve oportunidade de se referir em edição passada, pretende agora dali despejá-los. Como hoje, ás 10 e meia horas, entrava em julgamento o aludido caso, os prejudicados ali se achavam, aguardando a solução que a justiça dará ao mesmo, na pessoa do juiz Nicolau Tolentino de Barros” (FORAM AGUARDAR..., 1946, p. 2). 13
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para receberem contribuições “de firmas comerciais, sociedades comerciais, particulares, qualquer pessoa, enfim, que num gesto de solidariedade, queiram enviar-nos donativos”, para que a própria comunidade pudesse adquirir o terreno em que residia, em uma campanha que teve o imediato apoio do maior jornal da Cidade (UMA CAUSA..., 1947, p. 2).
pequeno porte, por outro lado, é indiscutível que, até hoje, a numerosa população da região da Caixa d’Água, Pero Vaz/Corta-Braço, Pau Miúdo e arredores se utiliza intensamente desse equipamento educacional de elevada qualidade, que vem tendo, em seus mais de 60 anos de funcionamento, um papel determinante na educação e na formação social e cultural dessas comunidades, até os dias de hoje.
Embora, em um primeiro momento, Pellosi não tenha se preocupado em impedir a ocupação, ele decide , em 1947, expulsar as cerca de 200 famílias do local e, após conseguir um mandato de reintegração de posse, derruba cinco das casas, para assinalar a reintegração. A partir daí, “a questão do Corta-Braço domina a cidade”, como registra o jornal A Tarde (SÃO QUASI..., 1947, p. 2), e o Governador Octávio Mangabeira decide desapropriar, por utilidade pública, as terras invadidas, o que efetivamente ocorre em 29 de abril de 194714.
Mesmo antes de ter sua construção concluída, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro já havia se transformado em uma referência para projetos semelhantes em outras cidades brasileiras. Já na virada dos anos 1940 para os anos 1950, Hélio Duarte – que participou diretamente do processo baiano com Anísio e Rebouças e que é o autor dos projetos das Escolas-classe II e III – presidiu a subcomissão de planejamento do Convênio Escolar de São Paulo, que, nas suas próprias palavras, correspondeu a um “rebatimento da experiência baiana” (1973, p. 49).
A primeira etapa da construção do Complexo, que recebeu o nome de Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), ocorreu de forma bastante rápida. Em 1948, Rebouças e Hélio Duarte elaboraram os projetos das três primeiras escolas-classe e dos primeiros pavilhões da Escola Parque. Em setembro de 1950, no final do Governo Mangabeira, foram inauguradas as escolas-classe I, II e III. As duas primeiras foram erguidas em plena invasão do Corta-Braço, enquanto a Escola-classe III foi construída na Rua Marquês de Maricá, no Pau Miúdo, nas proximidades do Hospital Santa Terezinha.
Outros projetos escolares que obtiveram reconhecimento nacional e internacional e que se baseiam diretamente na experiência baiana são o “Plano de Construções Escolares para Brasília”, concebido por Anísio em 1957, prevendo a construção de 28 Centros de Educação Elementar formados por uma Escola Parque e quatro escolas-classe, dos quais se construíram apenas cinco centros: os Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), projetados por Oscar Niemeyer, durante a gestão de Darcy Ribeiro – discípulo de Anísio – na Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, entre 1983 e 1987; e os mais recentes Centros Educacionais Unificados (CEU), construídos pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, na periferia da cidade, a partir de 2001. Além disso, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi objeto de documentário elaborado pela UNESCO, logo após a sua inauguração, mostrando-o como exemplo de sistema educacional a ser adotado em países em desenvolvimento.
Após o término do Governo Mangabeira, contudo, a construção do restante do Complexo se tornou bastante lenta. O processo total durou dezesseis anos, entre as primeiras versões do Projeto, elaboradas em 1948, e a inauguração das últimas edificações do Conjunto – o Pavilhão do Setor Artístico da Escola Parque, em 1963, e a Escola-classe IV, em 1964. Os projetos desses últimos e de outros pavilhões erguidos a partir do final dos anos 1950 foram elaborados por Diógenes Rebouças e Assis Reis. O papel de Anísio Teixeira na viabilização do Centro Educacional Carneiro Ribeiro não se encerrou com a sua saída da Secretaria da Educação e Saúde da Bahia, em 1951. Muito pelo contrário: ocupando, entre 1952 e 1964, o cargo de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e adotando o que Fernando Gouvêa chamou de “estratégia doce” na relação com os 13 ministros – muitos dos quais baianos – que se sucederam na pasta da Educação entre 1951 e 1964, o “apolítico” Anísio Teixeira conseguiu garantir os recursos que viabilizaram, ao longo da década de 1950 e do início dos anos 1960, a conclusão dos projetos e das obras de construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (GOUVÊA, 2009)15.
O próprio Rebouças teve oportunidade, na primeira metade da década de 1950, de elaborar outros projetos de complexos escolares a convite de Anísio, como a Escola Normal de Aracaju e o Centro Educacional do Estado de Alagoas, em Maceió, (figura 05) ambos projetados em parceria com o arquiteto Fernando Machado Leal e construídos com recursos do INEP16. Esse último, que começou a funcionar em 1958, com quatro edificações, foi um dos maiores complexos educacionais do Brasil. Segundo depoimento de Rebouças foi construído em apenas quatro anos: Fui lá [em Maceió] várias vezes e não sabia que estavam continuando o trabalho. Quando fui projetar a Salgema, me falaram que o Centro Educacional era a maior obra que o Estado tinha. Aí eu saí para ver. Cheguei lá e tomei um susto. Tudo pronto. Puxa, tem momentos em que, na terra da gente, não valemos nada. Tem lá uma casa que talvez seja a minha melhor obra em termos sentimentais. É a escolinha de arte. Quando eu olhei, que vi a escolinha de arte lá, fiquei emocionado. Eu estava na sala que havia imaginado, e estavam ali os meninos, como eu havia pensado. (REBOUÇAS, 1999, p. 121-122)
“REBATIMENTOS DA EXPERIÊNCIA BAIANA” Se, por um lado, a implantação de uma estrutura gigantesca e moderna como o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em um tecido urbano como o da Caixa d’Água e arredores, provocou um enorme contraste com a ocupação fragmentada do entorno, formado por construções vernaculares e de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante sua campanha eleitoral para o Governo do Estado, em 1946, Mangabeira – que contava com o apoio do Partido Comunista Brasileiro – havia feito um comício no Corta-Braço e havia se comprometido a resolver a situação daquelas famílias. 15 Entre 1946 e 1954, o Ministério da Educação (e da Saúde, até julho de 1953) esteve ininterruptamente ocupado por baianos: Mariani, Eduardo Rios Filho (interino), Pedro Calmon, Ernesto Simões Filho, Péricles Madureira de Pinho (interino), Antônio Balbino e Edgar Santos, que se sucederam na titularidade da Pasta. Calmon ocuparia novamente o Ministério entre junho de 1959 e junho de 1960, no governo de Kubitschek.
Após a extinção da CPUCS, no início dos anos 1950, Rebouças abriu seu escritório profissional, no
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O primeiro, infelizmente, já foi parcialmente demolido e encontra-se abandonado. O segundo resiste, sob o nome de Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (CEPA), tendo sido denominado também Centro Educacional Antônio Gomes de Barros. 16
REFERÊNCIAS ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna na Bahia, 1947-1951: Uma história a contrapelo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. Perspectiva do Centro Educacional do Estado de Alagoas, em Maceió (Fonte: Acervo Diógenes Rebouças / Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia / Faculdade de Arquitetura / Universidade Federal da Bahia)(figura 05)
qual elaborou dezenas de projetos para importantes edifícios públicos, como a Escola Politécnica e a Faculdade de Arquitetura da UFBA, a Estação Rodoviária de Salvador, a Estação Marítima de Passageiros (atual sede da CODEBA) e a Biblioteca de Itaparica, projetos para edifícios de apartamentos localizados em bairros nobres, como Graça e Barra, e para edifícios de escritórios situados no Centro e no Comércio. Entretanto, ousamos afirmar que a parte mais significativa da sua produção foi aquela realizada durante o Governo Octávio Mangabeira, quando concebeu e desenhou obras- primas, como o Hotel da Bahia, o Hotel Paulo Afonso e, principalmente, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (figura 05). Modesto, Rebouças não creditava, contudo, qualquer importância à sua contribuição nesses projetos, pois, nas suas próprias palavras: O grande mérito foi que eu tive clientes da altura de um Mário Leal, um Anísio Teixeira, um Octávio Mangabeira, um Juracy Magalhães. Foram pessoas que me deram um programa, que me fizeram criar. [...] Em todas as obras para o plano educacional do estado, o Centro Carneiro Ribeiro, a Escola Parque, eu apenas interpretei uma magnífica ideia de Anísio Teixeira, que sugeria uma arquitetura sadia, modesta e séria, mas pelo programa. [...] Um programa desses [do Centro Educacional Carneiro Ribeiro] para uma pessoa como eu, que embora não tivesse uma formação filosófica pesada, tinha a sensibilidade, a receptividade para estas coisas, me envolvia. Eu me apaixonava. De forma que o que surgiu como arquitetura era uma consequência deste belo programa. (REBOUÇAS, 1999, p. 120-121).
Somos obrigados a discordar de Rebouças na minimização da sua contribuição à qualidade final do projeto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, lembrando as palavras do historiador da arquitetura francês Yves Bruand, que sobre ele escreveu, há mais de 45 anos, em um dos textos mais importantes sobre a arquitetura moderna brasileira: A linguagem de Rebouças nada tem de mecânico e é a de um verdadeiro arquiteto; nela, as preocupações plásticas desempenham um papel essencial e jamais são esquecidas em proveito de soluções exclusivamente funcionais e técnicas, embora estas sempre se encontrem na base da composição; em compensação, o engenheiro reaparece no gosto manifesto pelas estruturas audaciosas [...]. (BRUAND, 1981, p. 262).
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BAHIA. Secretaria de Educação e Saúde. Relatório apresentado ao Senhor Governador por Anísio Teixeira, Secretário de Educação e Saúde, em 1950. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1950.BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. DUARTE, Hélio. Escolas Classe, Escola Parque. São Paulo: FAUUSP, 1973. FORAM AGUARDAR, no Forum, a decisão da justiça. A Tarde, Salvador, p. 02, 20 nov. 1946. FOURESTIER, Max. Bahia et l’école experimentale Parque. In : ÉBOLI, Terezinha. Uma experiência de educação integral: Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Rio de Janeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, 1983, p. 93-96. GOUVÊA, Fernando. Anísio Teixeira e os treze ministros: a “estratégia doce” de um “apolítico” (1951-1964). In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 32., 2009, Caxambu, Minas Gerais. Anais.... Caxambu, Minas Gerais: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, 2009. Disponível em <http://www.anped.org.br/reunioes/32ra/arquivos/trabalhos/GT05-5179--Int.pdf>. Acesso em: março de 2012. MAIS DE 800 novas unidades escolares. A Tarde, Salvador, p. 02, 12 ago 1949. OLIVEIRA, Hildérico Pinheiro de. A ação conjunta de Anísio Teixeira e o INEP na Bahia. Cadernos IAT, Salvador, v. I, n. 01, p. 31-46, dez 1988. REBOUÇAS, Diógenes. História do Fazer Moderno Baiano – entrevista de Diógenes Rebouças a Naia Alban e Anna Beatriz Galvão. Rua, Salvador, nº 7, p. 116-125, jul-dez 1999. Revista Fiscal da Bahia. Quatro séculos de história da Bahia: álbum comemorativo do 4º centenário da fundação da cidade de Salvador. Salvador: Tipografia Beneditina, 1949. RIBEIRO, C.J. de. Apontamentos sobre a vida e a obra de um apóstolo do humanismo e da cultura: contribuição ao estudo biográfico de Paulo de Assis Ribeiro. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1975. SALVADOR. Prefeitura Municipal da Cidade do Salvador. Cidade do Salvador. São Paulo: Habitat, 1954. SANTOS NETO, Isaías de Carvalho. Salvador: Cara & Coroa. Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo / Universidade Federal da Bahia, 1993. Pretextos, Série A, n. 03.
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UMA NOVA VISÃO SOBRE A EDUCAÇÃO 58
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A Trajetória de Anísio Teixeira Alberto Pimentel Carletto * “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”. Anísio Teixeira
Anísio Spínola Teixeira, um dos maiores educadores do Brasil, nasceu em 12 de julho de 1900, no município de Caetité, no sertão da Bahia. Atualmente, a região faz parte do Território de Identidade do Sertão Produtivo. Filho de duas famílias tradicionais, seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, era médico e líder político, casado com D. Anna Spínola Teixeira. Educado no Instituto São Luís Gonzaga, em Caetité, continuou sua educação no Colégio Antônio Vieira, em Salvador, ambos da “Companhia de Jesus”. Anísio tinha o propósito de se tornar um jesuíta, contudo teve a oposição da família, que o queria na carreira política. Em 1922, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Ao retornar à Bahia, foi convidado pelo Governador Francisco Marques de Góes Calmon (28.3.1924 a 28.3.1928) a assumir o cargo de Inspetor Geral da Instrução do Estado e, posteriormente, a função de Diretor de Educação e Saúde. Começou, assim, sua importante trajetória de educador e administrador público, marcante no cenário da educação brasileira. Em 1927, fez a sua primeira viagem ao Exterior. Na Europa, estudou os sistemas escolares e, nos Estados Unidos da América, a organização escolar, conhecendo a vida social e as instituições educacionais desse país. Ao regressar à Bahia, encontrou um novo governador, Vital Henrique Batista Soares (28.3.1928 a 21.7.1930), de quem conseguiu uma autorização para voltar aos Estados Unidos da América, onde estudou no Teacher’s College da Universidade de Colúmbia, em New York. Obteve o título de Master of Arts, familiarizando-se com as ideias filosóficas e o pensamento pedagógico de John Dewey, e teve “contato com Kilpatrick, certamente o mais renomado mestre da Universidade.” (VIANA FILHO, 2008, p.36).
* Especializado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em História pela Universidade Católica do Salvador. Professor de História. Historiador do IPAC.
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Em 1929, Anísio retornou ao seu país e trouxe um programa de luta pela educação no Brasil: Sugestões para a Reorganização Progressiva do Sistema Educacional Baiano. Sem o apoio necessário, pediu demissão do cargo. A Revolução de 30 encerrou a República Velha (1889-1930) e levou Getúlio Dornelles Vargas a assumir o Governo Provisório. Em 1931, o ministro Francisco Campos convidou Anísio Teixeira para trabalhar no recém-criado Ministério da Educação e Saúde. Pouco depois, o Prefeito do Distrito Federal (RJ), Pedro Ernesto Batista, convidou Anísio Teixeira para assumir a Direção do Departamento de Educação, posteriormente Secretaria, cargo que exerceu até 1935. Ali realizou uma obra renovadora, “criando o Instituto de Educação, estabelecimento que integrava a antiga Escola Normal, com jardim de infância, primário e secundário” (RISÉRIO, 2013, p.158). Também foi criador e primeiro reitor da Universidade do Distrito Federal. Em 1932, foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, juntamente com Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Cecília Meireles e mais de vinte intelectuais que expuseram todos os anseios e expectativas por uma educação diferenciada, pública, obrigatória, gratuita e laica. Nesse mesmo ano, casou-se com Emília Teles Ferreira (1904-1996), a Emilinha, como seria sempre conhecida, e teve quatro filhos: Marta Maria, Anna Christina, Carlos Antônio e José Maurício. Em 1935, Anísio teve seu nome associado, de maneira improcedente, à Intentona Comunista1. Devido às pressões políticas, deixou o cargo de Secretário da Educação do Distrito Federal. Embarcou para Buenos Aires, para tentar abrandar as suas angústias. Assim que retornou ao Rio, atendeu ao conselho de amigos e foi para o Sertão baiano, onde se sentiu seguro. Retirado da vida pública, refugiou-se na fazenda Gurutuba, próxima de Caetité. Traduziu livros de H.G. Wells e de William Durant para as editoras Nacional e Civilização Brasileira. Manteve correspondência com amigos, especialmente Afrânio Peixoto e Monteiro Lobato. “Por volta de 1939, Anísio se mudou para Salvador para gerir com os irmãos Jaime e Nélson a Sociedade Importadora e Exportadora, a Simel, empresa de exportação de minérios e importadora de locomotivas e material ferroviário” (VIANA FILHO, 2008, p.104). Anísio Teixeira tornou-se um próspero empresário exportador de manganês. Em 1946, Julian Huxley, primeiro-secretário executivo da UNESCO, convidou-o para exercer o cargo de Conselheiro de Educação Superior. Tornou-se, assim, uma autoridade internacionalmente conceituada. No início de 1947, deixou o posto e resolveu retornar à vida privada. Nesse momento, enfrentou um verdadeiro dilema: optou por deixar um grande projeto industrial com possibilidades de acumular riquezas e aceitou o convite do governador da Bahia, Octávio Mangabeira (10.4.1947 a 07.4.1951), para assumir o cargo de Secretário de Educação e Saúde. Anísio revolucionou e modernizou a educação na Bahia. Concebeu e implantou, em Salvador, a sua obra mais importante: a criação de um Centro Popular de Educação denominado Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido como Escola Parque, parte de uma política pública voltada para a escola primária, uma experiência inédita e marcante no Brasil, de repercussão internacional, pela proposta de educação integral em dois turnos. O projeto arquitetônico foi concebido por Diógenes Re1
Foi uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, em novembro de 1935.
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bouças. Os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), no Rio de Janeiro, os CEUs (Centros Educacionais Unificados), em São Paulo, e os CIACs, em Brasília, tiveram em seus projetos fortes influências da Escola Parque de Anísio Teixeira. O Decreto n° 29.741, de 11 de julho de 1951, criou a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, posteriormente Comissão (atual CAPES). Anísio Teixeira foi designado Secretário-geral da Comissão e “acumulou a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), em 1952; algum tempo depois, no final de 1955, fundou e assumiu a direção do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE)” (FONSECA, 2011, p.29). A Lei n° 3.998, de 15 de dezembro de 1961, criou a Universidade de Brasília. O primeiro Reitor foi Darcy Ribeiro, que depois assumiu o Ministério da Educação. Anísio Teixeira foi escolhido como seu segundo Reitor e participou ativamente na elaboração dos planos de organização, oferecendo o me-
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lhor da sua experiência. O Golpe Militar de 1964 o afastou das suas funções públicas. A partir desse ano, lecionou em universidades norte-americanas e dedicou-se à publicação e reedição de seus livros. Ao longo de sua vida escreveu e publicou vários livros, como: A educação e a crise brasileira, Educação é um direito, Educação e o mundo moderno, Educação e Universidade, Educação no Brasil, Educação para a democracia: introdução à administração educacional, Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação. Propugnou pela renovação do sistema educacional brasileiro em bases democráticas e deixou, assim, sua marca como pensador e político da educação, sendo um dos mais representativos intelectuais brasileiros. Em 1971, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras, para substituir o Professor Clementino Fraga. No dia 11 de março, quando saía para visitar Aurélio Buarque de Holanda, desapareceu e, no dia 14 do mesmo mês, foi encontrado morto no poço do elevador do prédio do lexicógrafo, no Rio de Janeiro.
Muitas instituições e estabelecimentos relacionados à educação, como bibliotecas e institutos, receberam o nome de Anísio Teixeira. Em 2000, ano do seu centenário, muitas solenidades, eventos e prêmios foram concebidos e realizados em homenagem ao eminente educador. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos lançou o selo comemorativo “Série Personalidades Brasileiras”, mostrando um retrato de Anísio, a Escola Parque e crianças estudando. Em 1993, quando o padrão monetário no Brasil era o cruzeiro real (CR$), o Banco Central do Brasil, integrante do Sistema Financeiro Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda emitiu, através da Casa da Moeda, cédula em homenagem ao educador, no valor de CR$ 1.000,00 (mil cruzeiros reais): no anverso, retrato de Anísio Teixeira e vista parcial da Escola Parque; no reverso, cena alegórica referente à proposta de ensino levada a efeito pela Escola Parque. “Educador de prestígio internacional, Anísio [...]. Era um pensador. Um intelectual da educação. E sempre na ponta de lança. [...] Anísio, hoje, se vivo fosse, estaria teorizando sobre o impacto do computador, da web, da internet, das redes virtuais, no campo do ensino” (RISÉRIO, 2013, p.158). A obra e a trajetória desse importante professor, administrador e escritor “colocou a educação no centro de sua visão de mundo” (MONARCHA & MOTA, 2001, p.15). Anísio Teixeira, cujo pensamento continua contemporâneo em prol da escola pública, propôs o ensino como um direito de todos, sendo considerado uma personalidade de referência na defesa da democracia e da liberdade da educação no Brasil. REFERÊNCIAS AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: Guia de ruas e mistérios. 39. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991. FONSECA, Sérgio C. Paulo Freire & Anísio Teixeira: Convergências e divergências (1959-1969). Jundiaí: Paco Editorial, 2011. MONARCHA, Carlos (org.). Anísio Teixeira: a obra de uma vida. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. RISÉRIO, Antônio. Edgard Santos e a reinvenção da Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2013. TAVARES, Luís Henrique Dias. Fontes para o Estudo da Educação no Brasil. 2. ed. Salvador, BA: UNEB, 2001. VIANA FILHO, Luís. Anísio Teixeira: a polêmica da educação. 3. ed. São Paulo: UNESP; Salvador: EDUFBA, 2008.
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A Educação e o Ideário Modernista Jaci Maria Ferraz de Menezes*
“[...] Mas eu não quero ser senão eterno. Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma essência. Ou nem isso. E que eu desapareça, mas fique este chão varrido onde pousou uma sombra e que não fique o chão nem fique a sombra mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma esponja no caos, e entre oceanos de nada gere um ritmo” 1.
Temos como tema o pensar a escola moderna, a escola nova: a concepção de escola para a vida moderna como proposto por Anísio Teixeira e, como tal, o que seria essa Escola Nova, não apenas nos seus escritos, mas na sua prática concreta, na Educação para a Bahia, ou seja, o desafio de pensar a escola como espaço da vida urbana, concretamente, na Bahia dos anos 1940, 1950. Na construção da proposta, a presença de estudos que consideram Regiões Educacionais e Regiões Ecológicas, nelas, cidade e campo, favelas e bairros, na relação tensa entre tradição e modernidade, que já se colocava. A concretização da proposta vai acontecer na organização da Escola Parque, do Centro de Educação Carneiro Ribeiro – CECR2, que, em Salvador, dá início à experiência de escola de tempo integral, com alternância de turnos e trabalho pedagógico; de organização das classes segundo a idade; o trabalho
* Professora Plena do Departamento de Educação de Salvador da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e coordenadora do projeto Memória da Educação na Bahia. Carlos Drummond de Andrade, Fazendeiro do Ar, in Poesia e Prosa, Rio Aguillar, a pags. 318 e 319. A construção da prática pedagógica do Centro Educacional Carneiro Ribeiro - CECR se deu em articulação com a Escola de Aplicação do Centro Regional de Pesquisas Educacionais – CRPE, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP, ambas sob a coordenação da professora Carmem Teixeira e de Anísio Teixeira, então diretor do Instituto. Para ampliar, ver Teixeira Anísio, O Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Discurso de inauguração) , in Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, no 73, ano 1959, numero jan-mar,. Pags 78 -84.. ... e Éboli, Terezinha. Uma Escola Diferente. INEP. Governo Federal, 1969.
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de exercício da cidadania; de ensino de ciências articulado com a experimentação – o fazer. MODERNO, MODERNIDADE, MODERNISMO O Moderno tem como marco a reinstalação do homem no centro do pensar o mundo. Após um longo período em que a visão religiosa coloca a verdade como verdade revelada e o mundo como resultante dessa revelação – portanto, como pertencente a uma ordem divina, eterna e imutável – pouco a pouco, o pensar, como faculdade humana, abre as portas para um conhecimento do mundo iluminado a partir da razão e, consequentemente, de uma ordem humana mutável, em constante transformação, dependente do desenvolvimento daquele ser agora visto como um ser livre, numa ideia de autoconstrução, a partir do livre arbítrio. A noção de Homem do Renascimento tem como ponto de partida uma fusão do homem grego e do homem do Cristianismo, em busca de uma nova sociabilidade e de novas formas de inclusão no mundo, em permanente construção e reconstrução. Se, inicialmente, eram todos iguais – membros da polis ou filhos de Deus -, é na História que começam a se desdobrar formas de dominação sobre esse homem, pretendido como livre, igual e fraterno. Na Modernidade (ainda hoje inconclusa), constrói-se, pouco a pouco, a consciência de que se está num mundo em permanente mudança, em permanente construção, sem que haja garantia de que o Novo anunciado resulte numa vida melhor e mais saudável para cada um e para o todo. O MODERNO NA BAHIA A implantação da República no Brasil se dá através de um golpe de Estado. Com ele, desmantela-se a esperança de um projeto democrático de modernização que desse sequencia à abolição da escravatura, afinal aprovada sem nenhuma ação de proteção aos ex-escravos e sem qualquer proposta de inclusão dos mesmos. As propostas de educação feitas por André Rebouças, por André do Patrocínio e por Joaquim Nabuco são deixadas de lado, ao tempo em que se mantém a exigência do saber ler e escrever como critério para o voto. A implantação desse filtro para a cidadania plena deixava de fora 85% da população, “filtro” que é mantido até 1985. As esperanças de que a República viesse a ser o instrumento de implantação de um regime político “moderno”, em que as máximas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade poderiam ser - quem sabe -, efetivadas, vão logo por água abaixo. Os primeiros sinais da exclusão e do autoritarismo aparecem na Guerra de Canudos, na qual sertanejos, descendentes de indígenas e ex-escravos são massacrados. Aqui monarquistas se reorganizam e assumem grande parcela do poder; republicanos históricos são desalojados, afastando-se propostas em favor da escola pública, obrigatória, gratuita, para ambos os sexos, conforme idealizado por Manoel Vitorino, Governador, por poucos meses, do Estado da Bahia. De fora ficam os artistas/artífices, os ex-abolicionistas, as lideranças das classes “operárias”, os trabalhadores manuais. Contudo, as discussões sobre o moderno e as formas de implantá-lo já estão presentes. A partir das iniciativas de lideranças, como Manuel Querino e outros, vindos de espaços de convivência como o Lyceu de Artes e Ofícios e da Liga Operária, criam-se organizações, como o Partido Operário, de curta vida -
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depois Centro Operário da Bahia. Formam-se lideranças, autodenominadas de “Socialistas Moderados”, que começam a participar de eventos, tais como o Congresso Socialista, em 1902, divulgando, também, notícias sobre o 1º de Maio. Uma ala forte do Centro Operário – originalmente donos do Solar do Ferrão, depois sede do IPAC - propõe a criação de uma série de espaços educativos: escola primária, escola secundária e escola profissional. Oficinas chegam a ser implantadas, além das classes noturnas para trabalhadores e diurnas para os filhos dos associados3. Surgem outras experiências educativas: Escola de Aprendizes Artífices, abrigada em sala do Centro Operário, que, no Barbalho, viria a dar origem à Escola Técnica Federal, hoje IFBA, ao Abrigo dos Filhos do Povo, na Estrada da Liberdade. A elas se juntava a Escola da Fábrica Empório dos Tecidos, da fábrica de Luís Tarquínio. Outras fábricas de tecidos também mantinham escolas: em Plataforma, na Ribeira e nos Fiais. Aparentemente, não tivemos experiências escolares de anarquistas na Bahia, mas, em 1922, o Sindicato dos Pedreiros e afins cria uma escola noturna e faz uma homenagem a Francisco Ferrer, criador da Escola Moderna na Espanha, morto por fuzilamento. EDUCAÇÃO E TRABALHO: OS PRINCÍPIOS EDUCATIVOS DA ESCOLA MODERNA Os princípios pedagógicos ou de concepção da educação que vêm com a modernidade passam pela afirmação de que todos aprendem. A mudança no sistema de ensinar vai caminhar na direção do “aprender fazendo”, da experiência como centro da educação. Essa aprendizagem já não se limita ao ler, escrever, contar. Interessa o conjunto dos saberes, da escola integral, preocupada com o conjunto da personalidade do aluno, às múltiplas formas de expressão. À leitura e à escrita se somam os saberes da ciência e da vida no mundo, na compreensão de que todos nós construímos a história. Com a Escola Ativa, que apresenta a possibilidade de experimentar, implanta-se a aprendizagem de manualidades, no entendimento de que os saberes não são apenas os do intelecto, mas também o tocar, construir, expressar-se: dançar, cantar, pintar, representar; o trabalho como instrumento de transformação do mundo. Essa concepção afirma que a escola é um direito e que é preciso criar suportes necessários para que esse direito seja exercido. Esses suportes implicavam a ampliação do tempo de trabalho: dois turnos diários e maior número de dias letivos, aumentando o tempo de trabalho pedagógico. É também a afirmação do direito ao belo: salas amplas, claras, bem mobiliadas; da convivência, do aprendizado das diversas linguagens, da inter-relação entre os espaços de aprendizagem. Esses princípios vão estar presentes na concepção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, um dos oito Centros de Educação Popular previstos no Plano da Cidade de Salvador – Escolas-classe e Escola Parque, localizadas na Caixa D’Água, no Pero Vaz, no IAPI, na Liberdade. São, assim, os eixos do projeto de escola da modernidade: 1. Escola para todos: a ampliação da oferta, na busca de sua universalização; a responsabilidade do Estado na oferta da escola pública, gratuita, universal- quanto ao seu conteúdo- e, ao mesmo tempo, Outro grupo, também no Centro Operário, tem uma atividade política, através de movimentos de rua, protestos, comícios, greves, principalmente manifestando-se contra a carestia, as dificuldades de vida no pós-abolição na cidade. Ver, a respeito, Santos, Mário Augusto da Silva Santos, O movimento republicano na Bahia, Centro de Estudos Baianos, UFBa., 1990.
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profundamente enraizada no local, no regional. 2. Escola e local de moradia: quanto mais perto da moradia, melhor; os “trevos de quatro folhas”, com uma escola em cada pétala e com um centro de uso comum para a prática de atividades; uma distância de, no máximo, 500 metros entre cada escola e o Centro. 3. A Escola única: a progressividade dos anos de estudo, desde a escola infantil até o ensino médio; o fim da dualidade do sistema de ensino, com todos os ramos de ensino articulados, permitindo acesso ao ensino superior. Rompe-se o dualismo: para uns, o destino das elites; para outros, a escola limitada, em anos e em conteúdos - em troca, a escola para todos. OS MODERNISTAS ENTRAM EM CENA NA BAHIA Na Bahia do final do século XIX, surge a Revista Moderna. Seus proponentes criam, já em 1901, a Revista Nova Cruzada, simbolista, que anuncia uma Arte Nova. Nela estariam presentes os traços que aparecem, também, no trabalho de pintura de Manuel Querino, alinhado ao movimento de Arts and Crafts. A Nova Cruzada, em quase dez anos reúne um grupo de poetas, alguns deles jornalistas vinculados à Campanha Civilista. Com sua extinção, seus membros seguem produzindo, criando outros grupos até à década de 1930, em especial, Carlos Chiacchio, Jorge Amado e Edson Carneiro, que criam a Academia dos Rebeldes. O uso de formas mais livres de expressão encontra maiores oposições e, aparentemente, instala-se, na Bahia, uma resistência ao moderno – exceto na leitura da modernização da cidade. Uma enorme desigualdade e pobreza seguem à escravidão, à Guerra de Canudos, ao bombardeio da cidade, em nome da República. Muitos são os mortos por tuberculose. Nos anos 1920, pouco depois da Semana de Arte Moderna, temos Anísio Teixeira, no Governo de Góes Calmon. Depois de 1927, tem início, na área da educação, uma mudança de rumo, a partir do contato de Anísio com o pensamento de Dewey e o grupo dos pensadores sobre a Escola Nova no Brasil. A Bahia depara-se, então, não apenas com as expressões modernistas, mas com as discussões nacionais, face às dificuldades na realização de planos e projetos mais modernos em educação. A presença de Anísio no Governo do Distrito Federal GDF (então, no Rio de Janeiro), na Associação Brasileira de Educação e no grupo dos Pioneiros da Educação Nova, articula a Bahia ao projeto nacional. Os anos 1930 trazem à cena a pesquisa sobre as relações raciais na Bahia - a discussão sobre “o negro”, as diferenças e as desigualdades -, apenas iniciada na Academia, mas já anunciada em Manuel Querino, em anos anteriores. Políticos e intelectuais baianos tomam contato com a Ditadura e com a repressão à liberdade de pensamento, nas figuras de Hermes Lima e de Anísio Teixeira, por seus contatos com a Aliança Libertadora Nacional. Octávio Mangabeira já saíra do Brasil, desde 1930. Mergulha-se num período de exílios e perseguições. REDEMOCRATIZAÇÃO: O NOVO NA EDUCAÇÃO E NA CULTURA E SUAS FORMAS DE EXPRESSÃO FÍSICA A saída da Ditadura Vargas e o final do Estado Novo permitem o retorno de Anísio Teixeira ao comando da Educação e Saúde na Bahia. Nesse momento, retoma-se um movimento de repensar a cidade de Salvador e a Bahia, sua vida e seus habitantes. Realiza-se uma Campanha contra a Tu-
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berculose – doença que era responsável por 40% das mortes em 1940. A discussão de um novo projeto educacional tem início com a nova Constituição da Bahia. Pensa-se numa regionalização da ação governamental, adequada ao lugar e ao território. Essa retomada da liberdade passa, também, por repensar a cultura e o espaço urbano, repensar que foi canalizado para o Escritório de Planejamento Urbano da Cidade de Salvador – EPUCS, sob a coordenação de Diógenes Rebouças, e para a construção de equipamentos que permitissem a modernização da cidade, vistos também como serviços públicos, entre eles, o Estádio da Fonte Nova, o Hotel da Bahia, além de espaços para as formas de expressão artística e cultural4. Em 1948, a Secretaria da Educação e Saúde realiza uma Semana de Arte Contemporânea, retomando a discussão pública do Modernismo. Em 1949 e em 1950, nos Salões de Artes Plásticas, caminha-se para a superação do conflito entre “clássicos” x “modernos”, abrindo espaço à diversidade de formas e correntes. Do debate então provocado sai a proposição do Teatro Castro Alves, hoje ícone da modernidade, concebido como Centro de Educação e Arte Teatral. Também vem daí a proposta de “uma nova sala de exposição à altura de Salvador”, que vai resultar, depois, no Museu de Arte Moderna. A ESCOLA PARQUE E O CECR: O CENTRO DE EDUCAÇÃO POPULAR Segundo os princípios da Escola Ativa, o sujeito aprende na medida em que interage com o objeto, que se influenciam mutuamente. Aprende-se através da experiência: ver, tocar, sentir, compreender, transformar. O ato de aprender como está presente no pensamento de Mário de Andrade: “Eu comi ele”: antropofagia revisitada, nada é deixado de fora. O projeto da Escola Nova é contemporâneo ao Modernismo e com ele dialoga. Aqui, as obras de arte não são ilustrações; são parte do projeto educativo, a própria concepção da escola o é. Por isso, fazem parte do patrimônio a ser protegido não apenas as obras de arte – belas, monumentais em si –, mas também os prédios, sua concepção de espaço e forma e, sobretudo, a concepção do aprender. ÁGUA, TERRA, FOGO E AR: UMA ROSA PARA O POVO É preciso pensar a escola a partir da história dos homens – do pensar sobre a sua vida, sobre a educação, – a partir do ideário modernista, para entender a Escola Parque e o conjunto do projeto de Anísio Teixeira para a educação na Bahia. Significa colocar a escola e o homem no centro da nossa discussão. Os prédios da Escola Parque, no meu entender, buscam esta síntese: entre princípios pedagógicos e fazer pedagógico num lugar - locus - do trabalho educativo. O Modernismo, na forma, exacerba o símbolo, simplificando-o. No setor de trabalho, a energia representa a ação da água, do ar, do fogo e da terra, como ventre fecundo5, assim como a vida cotidiana; a energia, na possibilidade da fissão do átomo humanizado no centro da cena de uma Bahia dos anos 1950/1960, que se pretendia em transformação, em que as formas de produção se apresentam na mecanização da agricultura, na refinaria de petróleo, na construção de barragens, tudo no mesmo espaço em que naves e viajantes se fazem presentes, na expressão de Caribé. Também aí, no pavi4 Ver MENEZES, Jaci Maria Ferraz de, e FIALHO, Nádia – Modernidades Tardias e Educação na Bahia., in MENEZES, Jaci; SANTANA, Elizabete, LOMBARDI, José Claudinei, REPÚBLICA NA BAHIA: TENSÕES E CONFLITOS, Campinas, Átomo e Alínea, no prelo., p. 73 a 90. 5 Nas duas formas: na produção de riquezas minerais, assim como na produção de alimentos.
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lhão onde se vai experimentar o aprendizado do fazer, sob a forma de trabalho, se encontram outros grandes murais de obras de arte. Mário Cravo ocupa o outro lado do galpão, com monumentais figuras humanas em músculos, guerreiros de lança. Sua presença também se encontra na delicadeza do traço de uma linha de empinar papagaios e arraias, do brincar, justamente em um dos prédios de Escola-classe, ou seja, de formalização do ato de aprendizagem. Caribé retorna em outra Escola Classe, para mostrar, num mural em que a forma é quebrada e reconstruída, o paredão da encosta de Salvador ocupado pelo homem, o Forte de São Marcelo, os saveiros e o elevador Lacerda. Outros grandes painéis mostram o semiárido, os homens que nele habitam e o desejo de transformação do Nordeste brasileiro. Sementes germinando, fornos moldando novas formas, escondendo e revelando novos símbolos, nos trabalhos de Jenner Augusto. O modernismo na concepção dos prédios vai-se aprofundando, aperfeiçoando, para dar conta do projeto pedagógico que ali se construía: teatro, dança, música, em um espaço para 500 pessoas, em que o vento circula sem obstáculos; o brincar , presente no aprendizado das formas de usar o corpo, nos jogos infantis; o anfiteatro ao ar livre. Estão também presentes, além do cuidado com as crianças que por ali iriam circular em grande número, numa previsão de 2.000 por turno, consultórios de médicos e dentistas, banheiros que permitiam o banho, após as atividades físicas, refeitórios, em que merendas e almoços eram servidos, sem a militarização das grandes filas; a padaria, em que se aprendia a fazer o pão, que, no fim do dia, se levava para casa, para ser compartilhado com os irmãos e pais, que lá estavam. Havia, além disso, a emissora de rádio, o correio, entre as muitas atividades de socialização. Também ao ar livre, o grande espaço para o viver quotidiano, na época sem pavimentação, onde os meninos da escola e do bairro iam jogar “baba”, livremente, ou conversar, sentados à sombra das mangueiras. Na biblioteca, onde livros didáticos se somam a livros de estórias e de literatura, se realizava uma das primeiras atividades do dia: a “contação” de estórias, lidas, discutidas e interpretadas com os meninos por professoras e bibliotecárias. Concebida por Diógenes Rebouças, inteiramente cercada por vidros, nela a luz entra por todos os lados e pelo teto. O concreto, dobrado como papelão nas aulas de cartonagem, forma o teto, em duas ordens abertas, que também deixam a luz entrar. Vista de cima, a 72
biblioteca é uma rosa6 , “A Rosa do Povo”, uma flor ofertada, construída e reconstruída a cada dia. Assim, é material e imaterial o patrimônio representado pelo CECR, Escola Parque – Escolas-Classe, em que matéria e espírito são indissociáveis. Não basta guardar as paredes e suas pinturas; a escola não é um museu, nem o seu acervo pode ser levado para um museu; tem que estar viva, mexendo, acontecendo. Por isso, um conceito novo deve surgir, garantindo a continuidade da proposta da Escola. “Uma flor nasceu no asfalto”, dizia Drummond. É bela, sim, e é uma flor: aprender fazendo, a experimentação permanente, o exercício da cidadania, romper a náusea do circulo vicioso, compreendendo que a própria escola é o monumento no Corta-Braço, na Cidade da Bahia, para o povo baiano. “Passem de longe, bondes, ônibus, rios de aço do tráfego Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu”.7
REFERÊNCIAS DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Fazendeiro do Ar. In:______. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Aguillar, [19-?], p. 318-319. DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. A Flor e a Náusea. In:______. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Aguillar, 1983, p. 161-162. ÉBOLI, Terezinha. Uma escola diferente. INEP: Governo Federal, 1969. MENEZES, Jaci Maria Ferraz de; FIALHO, Nádia. Modernidades Tardias e Educação na Bahia. In: MENEZES, Jaci; SANTANA, Elizabete, LOMBARDI, José Claudinei. REPÚBLICA NA BAHIA: Tensões e conflitos. Campinas: Átomo e Alínea. p. 73- 90, (no prelo). TEIXEIRA Anísio. O Centro Educacional Carneiro Ribeiro. In:______. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. INEP, n. 73, jan-mar 1959. p. 78 -84. (Discurso de inauguração).
Em conversa informal, por telefone, com o filho de Diógenes Rebouças, a autora soube que o prédio da Biblioteca tinha a forma de uma rosa. 7 ANDRADE, Carlos Drummond de, A Flor e a Náusea, in A Rosa do Povo, 1945, p. 161, 162. 6
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Anísio Teixeira e o projeto educacional do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) Zélia Bastos*
A Escola Nova ou Escola Ativa, também conhecida como Escola Progressiva, foi um movimento de renovação educacional surgido na Europa, no século XIX, que teve como um dos fundadores o suíço Adolphe Ferrière. Na América, o filósofo John Dewey foi o responsável pela transformação e mudanças políticas, sociais e econômicas, dadas às condições de atraso na educação. No Brasil, em 1882, surgiram com o baiano Rui Barbosa os primeiros ensaios sobre a Escola Nova, mas, somente em 1920, ele teria influência maior. Após doze anos, foi lançado no Brasil o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Em 1932, um grupo de intelectuais pregava a universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre seus vinte e seis signatários estavam: o sociólogo Fernando de Azevedo, o Professor Lourenço Filho e o baiano Anísio Teixeira – mentor, reformador da educação e criador de duas universidades, ambas fechadas por regimes de exceção, em períodos diferentes: uma, no Estado Novo e outra, na ditadura militar de 1964. Anísio Teixeira era humanista, de formação jesuítica, sem definição religiosa, talvez pela dualidade e contrastes observados nas três viagens realizadas aos Estados Unidos. A primeira, em 1927, quando ainda era Diretor Geral de Ensino na Bahia, no governo de Góes Calmon, comissionado por Lei para “estudos de organização escolar,” a fim de estudar os fundamentos de educação na América, de onde colhera ideias que iriam auxiliá-lo nas reformas da educação baiana. As demais viagens foram realizadas entre 1928 a 1929, permanecendo por dez meses, quando fez curso de Mestrado e obteve o grau como Master of Arts no Teachers College. Na América do Norte, Anísio Teixeira conheceu o sistema Platoon, solução prática e funcional para a * Especialista em Arte e Patrimônio Cultural pela Faculdade São Bento da Bahia. Graduada em Biologia pela UCSAL. Autora do livro Centro Educacional Carneiro Ribeiro: uma experiência de tempo integral. Foi pesquisadora em buscas documentais no Museu Carlos Costa Pinto, professora da UFBA pelo Departamento de Antropologia, Analista Cultural da FUNCEB e Diretora da Fundação Anísio Teixeira (2002/2007).
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educação – o tempo e a simultaneidade do uso, ou seja, a diversificação curricular, o rodízio de alunos entre as escolas com disciplinas básicas e complementares. “[...] é uma escola elementar que funciona em dous grupos, em determinado tempo, matérias fundamentais, enquanto o outro se ocupa com as matérias especiais”. (TEIXEIRA, 1928, p. 149) O avanço educacional, a industrialização e a influência filosófica do pedagogo John Dewey em sua trajetória de vida aplicada ao Brasil, tornou-o apóstolo da educação. Essas ideias fervilharam e motivaram o educador baiano não a transplantar o sistema, mas a adaptar o Platoon no Rio de Janeiro. Trinta anos mais tarde, com a experiência do Rio de Janeiro, Anísio Teixeira cria o singular projeto Escola de Tempo Integral, na Bahia, exemplo que serviu para todo o país, a fim de recuperar o atraso educacional brasileiro. A educação deveria ser para todos. Em entrevista a Odorico Tavares, pelo jornal Diário de Notícias, Anísio Teixeira falou sobre o tema como prioridade número um para a educação. Ele relatou seus propósitos: “Trouxe, de meus cursos universitários na Europa e América, não somente esta paz espiritual, mas um programa de luta pela educação no Brasil.” (TEIXEIRA, 1960 p.31). Ao assumir o governo da Bahia 1947-1951, Octávio Mangabeira escolheu para ser Secretário da Educação e Saúde o educador Anísio Teixeira. Com larga experiência, como pedagogo, em reformas do sistema educacional brasileiro, e pela permanência nos postos de liderança e chefia que ocupou, permitiu a concretização de suas ideias, embora estivesse afastado das funções públicas há dez anos, por motivos políticos, exílios e demissões. Nesse longo hiato, atuou na iniciativa privada, envolvido com um grande projeto industrial para o manganês, recém-descoberto no Amapá. Porém, desiste do intento e obedece a sua voz interior, a vocacional e a de homem público, para servir na sua terra. Foi quando elaborou o Plano Estadual de Educação Escolar, que consistia num grandioso projeto de estruturação e planejamento nas construções escolares, unindo arte e arquitetura inovadora, contemplando a escola primária de tempo integral, universal e gratuita, em contraste com a simplificação da política educacional tão destrutiva. Anísio Teixeira foi autor da tese “Autonomia para a educação”, incluída na Constituição Baiana de 1947, segundo a qual quem dirigia a educação era o Conselho Estadual de Educação e Cultura, e, não, o Secretário Estadual da Educação e Saúde. Vigorou por um curto período. Interesses contrários impediram esta contribuição inédita no cenário educacional. Houve outra tentativa em 1962, mas durou pouco.
Ao projeto foi dada a forma; faltava à estrutura. Assim, constituída a equipe por Diógenes Rebouças e Hélio de Queiroz Duarte, arquitetos, Francisco Theodoro Pereira das Neves, engenheiro, e com os projetos encomendados ao Escritório de Arquitetura Paulo de Assis Ribeiro, Anísio Teixeira dispunha dos elementos necessários para iniciar o projeto com a abordagem técnica e conceitual moderna, de acordo com sua convicção de educação popular e universal (figura 01). O Governador, ao visitar bairros e hospitais com o Secretário da Educação e Saúde, conheceu de perto a população, em termos de assistência, e deparou-se com um quadro crítico. Havia falência por vários motivos, e logo se evidenciaram as crianças do bairro da Liberdade, em número e em abandono. Em seu discurso de inauguração do CECR, Anísio Teixeira declarou: Recordo-me que a construção deste Centro resultou de uma ordem de V.Ex.ª, certa vez que se examinava o problema da chamada infância abandonada. Tive, então, oportunidade de ponderar que, entre nós, quase toda a infância, com exceção de filhos de famílias abastadas, podia ser considerada abandonada. (Conferência Nacional de Educação, 1967 p.381).
Muito trabalho antecedeu à criação desse centro educacional. Anísio Teixeira solicitou ao sociólogo norte-americano Charles Wagley e sua equipe um levantamento das questões sociais, econômicas, de moradia e graus de desnutrição, de higiene e de saúde, para que pudesse ter um quadro real dessa classe crescente nos bairros periféricos de Salvador. Assim, obteve o quadro da situação socioeconômica baiana para a implantação do plano inovador e de restauração da escola primária. Assim, no período entre 1947 e 1950 - tempo em que ocorrem mudanças na arquitetura urbanística e educacional na Bahia -, pôs em prática o plano de edificações escolares que havia pensado para resolver os problemas já identificados na Bahia, quando Diretor de Instrução: Tracejei, então, o plano deste Centro, que V..Ex.ª [o governador] ordenou fosse imediatamente iniciado. A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução, propriamente dita, ou seja da escola ativa. No setor de instrução, manter-se-ia o trabalho convencional de classe, o ensino de leitura escrita e aritmética e mais as ciências físicas e sociais e no setor educação – as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as artes industriais e a educação física. Tinha o propósito de construir unidades para o ensino primário e Centros Regionais de Educação no interior do Estado e escolas de ensino integral na capital. (III Conferência Nacional de Educação p.381).
Anísio Teixeira, então Secretário da Educação e Saúde, anunciou algo de novo e antecipou-se na criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), que compreende Escolas- classe e Escola Parque. A década de 1940 foi um período difícil para o Brasil, marcado por profundas transformações das atividades humanas. É fato que a crise educacional se afirmou cada vez mais devido às velhas e tradicionais metodologias de ensino e aos poderes constituídos, em contraste com a modernização das concepções e fundamentações filosóficas da educação. Por isso, a construção da Escola Parque iniciou-se quase ao apagar das luzes das suas atividades no governo de Octávio Mangabeira, pois exigiu muito investimento, reformulação de currículos, métodos e objetivos, para a escola primária atingir seus objetivos. O fragmento da carta escrita por ele a Hélio de Queiroz Duarte é quase um apelo e descreve a situação 76
77 Figura 01
vivida naquele período:
Centro Educacional Carneiro Ribeiro”. (REBOUÇAS; GONÇALVES FILHO, 1985. p. 239).
[...] Vi-me forçado, diante da dificuldade de toda ordem do plano da Escola Parque e do terreno, a apelar para Diógenes e perguntar-lhe se não queria ele me salvar da pequenina, mas ridícula tragédia de terminar o meu período não somente sem haver construído a Escola Parque, mas sem projeto sequer para iniciar a construção [...]. (DUARTE, 1951. p.5)
As primeiras dificuldades enfrentadas para confirmar a proposta da Escola Parque como uma política pública para o ensino básico no Brasil foi a aquisição do terreno - onde funcionava um estábulo - e os trâmites com o Estado, para efetivar a compra. No final, essas questões foram solucionadas, porém surgiram críticas sobre os custos: de excêntrico a estapafúrdio, foram as referências ao projeto da construção do CECR, antes de ser concluído. Às críticas sobre o custo respondeu: “[...] É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos a que visa. Não se pode fazer educação barata – como não se pode fazer guerra barata.” (BASTOS, 1967. p. 27). Em outro trecho do seu discurso, fez referências aos custos: “Custará, não apenas os sete mil contos que custaram estes três grupos escolares, mas alguns quinze mil mais.” (BASTOS, 2000. p. 30). Para outros julgamentos do projeto como estapafúrdio e visionário, ele objetou: Este Centro aparentemente visionário. Não é visionário, é modesto. O começo que hoje inauguramos é modestíssimo: representa apenas um terço do que virá a ser o Centro completo. Além disto, será um centro apenas para 4.000 das 40.000 crianças que teremos, no mínimo, de abrigar nas escolas públicas desta nossa cidade. Deveremos possuir, e já não só este como mais 9 centros iguais a este. Tudo isso pode parecer absurdo, entretanto, muito mais absurdo será marcharmos para o caos, para a desagregação e para o desaparecimento. E de nada menos estamos ameaçados. (BASTOS, 2000. p. 30).
Diante das mudanças socioeconômicas ocorridas na Bahia, em seu discurso de inauguração parcial do CECR, Anísio Teixeira deixou claro que aquele centro educacional não poderia ser apenas uma escola de instrução em edifícios improvisados; muito menos uma escola de tempo parcial para abrigar mais alunos em seus turnos, sem buscar a complementação à educação. Seria uma escola de tempo integral, destinada a todas as classes sociais, e para essa escola se precisava de tudo: novo currículo, atividades educativas integradas à vida da criança e um novo professor, dignamente remunerado. Segundo Anísio Teixeira “Com efeito, o que chamamos de escola nova, não é mais do que a escola transformada, como se transformam todas as instituições humanas, à medida que lhes podemos aplicar conhecimentos mais preciosos dos fins e dos meios a que se destinam (TEIXEIRA, 1967. p.25 -26).” Essas observações teriam sido as “Sugestões para reorganização progressiva do Sistema Educacional Baiano, plano que não pôde realizar, por condições de viabilidade e autonomia de execução, levando Anísio Teixeira a se demitir do cargo que ocupava, em 1929”. O CECR quebrou cânones de várias ordens. Anísio Teixeira incomodou, ao assumir a responsabilidade social, cultural e artística de um projeto grandioso e arrojado numa Bahia reacionária, que não via com bons olhos a grandiosidade daquele Centro para o proletariado. Era a formação do cidadão ascendendo econômica e financeiramente no futuro. “Como Secretário, Anísio Teixeira participa dos trabalhos do Plano Estadual de Edificação Escolar e, para a Cidade do Salvador, elabora projetos do
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Devido à precária situação quantitativa da educação escolar, fez ele este comentário: “Em mil crianças em idade escolar, apenas duzentas frequentam alguma escola; apenas trinta concluem o curso primário elementar; apenas sete obtêm alguma educação secundária; e apenas duas tem os benefícios da educação superior.” (TEIXEIRA, 1960, p.32). Era esse o problema da educação na Bahia, a expansão do sistema educacional. Fez ainda uma análise dos aspectos qualitativos, finalidades, currículos, informação, formação e participação ativa da criança na escola. Com os exemplos citados, observamos a resistência na aceitação de novas ideias e de mudanças em qualquer segmento social, além dos entraves políticos, que foram muitos. As propostas de Anísio Teixeira não somente eram inovadoras e pioneiras, como também vanguardistas e exequíveis, mas produziram críticas e desconfiança em relação ao jovem educador, sobretudo à oposição, que o julgava sem fundamentos didáticos e sem discussões. Agiam através da imprensa ou por titulares do poder obsoleto. Pode-se dizer que Anísio Teixeira era aceito por poucos, admirado por outros, mas para um grupo maior, ele incomodou, desestabilizou, por ter quebrado a rotina. Incluímos aí os reacionários, os extremistas, os aristocratas, os oportunistas e os corruptos. O CECR era formado por três Escolas-Classe, inicialmente, com 12 salas de aula, onde se ministravam o ensino comum, letras e ciências, e uma Escola Parque, com um conjunto de edifícios para as práticas educativas, atividades socializantes, artísticas, de educação física e de iniciação ao trabalho. Essa escola abrigaria os previstos 4000 alunos, distribuídos em dois turnos. Os que frequentassem a Escola-Classe pela manhã estariam na Escola Parque no turno oposto, completando o dia integralmente. [...] predomina o sentido de atividade completa, com as suas fases de preparo e de consumação, devendo o aluno exercer em sua totalidade o senso de responsabilidade e ação prática, seja no trabalho, que não é um exercício, mas a fatura de algo completo e de valor utilitário, seja nos jogos e na recreação, seja nas atividades sociais, seja no teatro ou nas salas de música e dança, seja na biblioteca, que não é só de estudo mas de leitura e de fruição dos bens do espírito. (TEIXEIRA, 1967, p.130).
Por ocasião da inauguração, três Escolas-classe situadas nos bairros circunvizinhos já estavam concluídas e distavam da Escola Parque cerca de 1,5km. Faltava ainda a construção das residências para os alunos considerados carentes, os abandonados, mas nunca foram construídas. “Além... do valor estético e artístico, a inovadora e magnífica criatividade na época do educador Anísio Spínola Teixeira foi conjugar cultura artística com educação provando que há inter-relação e não há dissociação”. (JORNAL A TARDE, 1989). Diante da grandiosidade e do significado que era atender à população de baixa renda, às crianças sem assistência não faltaram reportagens em revistas e jornais nacionais e do Exterior. Filmado várias vezes pela UNESCO, foi visitado por técnicos em educação, administração, representantes dos Estados Unidos e divulgado pela ONU, mas permaneceu pouco conhecido na Bahia e no Brasil. Descaso? Desconsideração, desprezo? Como o próprio Anísio Teixeira previu, quanto mais visibilidade o Centro (figura 02) tivesse, mais despertaria o interesse dos oposicionistas em criticá-lo e mais dificultava o reconhecimento da obra. 79
de Leonel Brizola e seu secretário, o antropólogo Darcy Ribeiro, criarem os Centros Integrados de Educação Popular (CIEPs). E no ano de 2006, a Prefeita Marta Suplicy criou mais de 45 Centros Educacionais Unificados (CEUs), todos tendo como referência o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, uma experiência de tempo integral de educação.
Figura 02
Com o afastamento de Anísio Teixeira, as perseguições locais e nacionais ganharam força contra ele, sobretudo as pressões sobre Carmen Spínola Teixeira, Diretora Geral, sobre os professores e sobre o Centro, diminuindo ou até mesmo cortando verbas, para que tudo desse errado. Desde 1964, com o golpe militar no País, começam as restrições ao Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Cortes de verbas de toda ordem. O primeiro ato do presidente Castelo Branco, para atingir o Centro foi sustar as verbas da merenda escolar, com a suspensão de três mil pães diários. A Diretora Carmen Teixeira driblou esta barbárie e adquiriu uma panificadora elétrica, criando mais uma técnica para resistir à tamanha atrocidade. Ela era a alma do Centro, executora das ideias do irmão-idealizador. Na terceira Conferência Nacional de Educação realizada no CECR - Escola Parque, 1967, Anísio Teixeira, no seu discurso, previu o destino do CECR nos 20 anos seguintes, [...] este Centro está sobrevivendo, apesar de não faltarem ameaças [...] (JORNAL A TARDE, 1987). Em agosto de 1972, o estado de arruinamento em diversos setores era latente. Em esquadrias, pisos, telhados, paredes, redes hidráulicas e elétricas. Os prédios deterioravam-se e, muito pior, a filosofia se esvaía. A dispensa de 44 professores pelo Diretor do INEP, Coronel Ayrton de Carvalho Mattos, para contenção de despesas, foi outro golpe contra a educação na Bahia. Muitos desconhecem até hoje um Convênio com a UFBA assinado em 1972, cuja Cláusula III estabelece Estágios e Pesquisas, conforme anexo X: A UFBA poderá utilizar o CECR como campo de estágio para alunos da Faculdade de Educação, bem como realizar pesquisas e experimentação educacionais, convênio ainda em vigor, e nenhum educador fez uso dele. Ao organizar o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), Anísio Teixeira apostou em um “espírito universitário” regendo essa instituição, ou seja, “um colégio de pessoas livres, imaginativas, abertas, estudando e documentando sobre o problema brasileiro da educação”. Mas ele sabia que o Brasil não tinha precedentes para isso, porque a universidade era uma peça da famosa “burocracia”. Ele afirmou que a burocracia brasileira era uma ideologia, que “significa, sobretudo ação rígida, centralizada, contida, imposta de cima para baixo, com resultados conhecidos de toda ordem imposta: liderança sem imaginação e, em baixo, passividade, apatia [...]” (TEIXEIRA apud LIMA, 1978, p. 193). Alguns afirmam que a escola não deu certo, pois as demais escolas integrantes do projeto original não foram concluídas na Capital Baiana, à exceção do CECR. Contudo, serviu de modelo para o governo 80
É inconcebível que, no século XXI, tratem o CECR – Escola Parque – como apenas um nome e, não, um conceito. Talvez sejam precisos mais uns cem anos, para que Anísio Teixeira seja lido, entendido, reconhecido e respeitado. O CECR deveria estar incluído no roteiro cultural da Cidade do Salvador, por ser obra única na América Latina, cujo projeto arquitetônico é consoante com o planejamento educacional, por abrigar num só local, o conjunto de obras de arte produzido por artistas vanguardistas na época e com técnicas variadas e por ter dado certo por mais de 25 anos, com diretores e professores formados nas escolas baianas. Como disse o educador, criador da experiência educacional, Anísio Teixeira: “tudo foi feito com a prata da casa”. REFERÊNCIAS AZEVEDO, P. O. de. Por um Inventário do Patrimônio Cultural Brasileiro. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 22, p. 82-85, 1987. BASTOS, Zélia. Anísio, o educador do ano 2000. A Tarde, Salvador, 12 jul. 1987. BASTOS, Zélia. Centro Educacional Carneiro Ribeiro: uma experiência de educação integral em tempo integral de atividades. Salvador: Cian Gráfica, 2000. BASTOS, Zélia. Pioneirismo do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. A Tarde, Salvador, 7 jul. 1991. p. 6. CATÁLOGO DE ARTES PLÁSTICAS. Museu Carlos Costa Pinto. Pesquisa e textos Zélia Bastos. Salvador: BIGRAF, 1998. CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 8. reimp. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010. CORRÊA, Mariza. A revolução dos normalistas. Caderno de Pesquisa, n. 66. São Paulo, ago. 1988. COUTINHO, AFRÂNIO. et. all. Anísio em movimento. Fundação Anísio Teixeira. Salvador: [s.n.], 1992. CRAVO Jr, Mário. Desenhos. Organização Claudius Portugal. Fazcultura. COPENE. Salvador: Cartograf, 1999. p. 120. DUARTE, Hélio de Queiroz. Arquitetura Escolar, Habitat, nº 4, são Paulo, 1951. GERIBELLO, Wanda Pompeu. Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua obra. São Paulo: Atlas S.A., 1977.
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Figura 03
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As Ideias de Anísio Teixeira hoje Maria Inês Corrêa Marques*
A Educação como forma moderna: a Construção do CECR A obra de Anísio Teixeira estende-se por diferentes campos do conhecimento e da vida em sociedade; contém análises verticais sobre educação e democracia, universidade e sociedade. Foi marcada pelo desejo de superação dos grandes problemas educacionais brasileiros, revelando um projeto de nação com centralidade na educação pública democrática e universal. Para Anísio Teixeira, o conservadorismo político, econômico e de valores da elite dirigente originou-se do colonialismo português, que impediu o desenvolvimento do País. Para mudar esse quadro, acreditava na educação, que se tornou sua grande área de atuação, em todos os níveis. A sociedade brasileira teria direito a conviver com a ciência e tecnologia, de usufruir de seus resultados e, para tanto, precisava aprender. Anna Christina Teixeira, filha de Anísio Teixeira, na publicação comemorativa pelo seu Centenário de Nascimento, mencionou um conjunto de preocupações que o acompanharam por toda a vida. Para ele, “a experiência democrática só estaria concretizada quando, além do sistema de educação, se tiverem organizado, o sistema de pesquisa e o sistema de difusão do conhecimento.” (TEIXEIRA apud SMOLKA; MENEZES, 2000, p. 8) Defendia atitude científica em todas as situações da vida e nos diferentes níveis de escolaridade. Projetou a universidade, para ser um lugar de produção científica que difundiria seus conhecimentos na sociedade. Quando Anísio Teixeira compareceu à Assembleia Constituinte de 1947, na Bahia, para defender o capítulo de Educação e Cultura, iniciou o discurso dizendo que quem recorresse à legislação do País a respeito da educação, tudo encontraria. “Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e em nenhum outro tão pouco se realizou. Não há como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir.” (TEIXEIRA, 1992, p. 25). Cotejando o proclamado e o realizado, ao longo da História da Educação, * Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Graduada em História, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Mestra e Doutora em Educação pela UFBA, Pós-doutora pela Universidade de Valladolid, Espanha. Pesquisa e publica sobre História da Educação, formação de professores, internacionalização da educação superior e educação e direitos humanos. Coordena Projeto de Extensão de Educação Quilombola e de Iniciação à Docência em História, na UFBA.
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é possível dizer que hoje, também, estamos a nos repetir. Nesse discurso, ele deixa claro o impasse entre o dito e o feito, a falta de decisão política, como decorrência da falta de formação para a vida democrática que a educação oportuniza. Não queria a educação que domestica, mas aquela que forma homens livres e sadios. “Democracia é, literalmente, educação. [...] A educação é, portanto, não somente a base da democracia, mas a própria justiça social.” (TEIXEIRA, 1992, p. 27) A universidade para Anísio Teixeira seria lugar da liberdade, da autonomia e democracia, um bem republicano para servir ao desenvolvimento do País, formando jovens com habilidades e competências para viverem o seu tempo. Auxiliou a consolidação da concepção universidade de ensino, pesquisa e extensão socialmente referenciada, livre e democrática, que foi assegurada pelos movimentos sociais na Constituição Brasileira de 1988. Hoje a universidade se pensa assim, um dos seus maiores legados. As conjugações de esforços de homens públicos e acadêmicos baianos fizeram a diferença para configurar a primeira universidade baiana, que se tornou modelo nacional reconhecido, entre 1946-1960, a Universidade da Bahia (UBa), atual Universidade Federal da Bahia. Florestan Fernandes, Albino Rubim, Darcy Ribeiro, Gilberto Freire e muitos outros intelectuais e pesquisadores da educação reconheceram sua relação com a sociedade. Afirmam unanimemente ser impossível pensar a cultura brasileira no século XX, sem se voltar para a Bahia. Para Antônio Risério (apud MARQUES 2010, p. 139) “a sintonia da UBa com o contexto cultural nacional e internacional contribuiu para movimentos como a Bossa Nova, Cinema Novo, Tropicália, dentre outros.” Edgard Santos e Anísio Teixeira compartilharam o princípio de que universidade é sociedade, defenderam uma formação articulando ciências, cultura, humanidades e a diversificação das profissões. No seu projeto de sociedade, estava a formação de pessoas livres, autônomas e criativas, sem se perder de vista o lugar que o Brasil ocuparia futuramente no cenário internacional. A configuração que Teixeira deu à educação baiana serviu de guia para outros reformadores estaduais e para o movimento escolanovista. Na reforma do ensino de 1925, definiu com detalhes a gratuidade, obrigatoriedade do ensino, projetou educação como sistema, uma ousadia. Essa ação educacional inovadora e emancipatória seria para mudar a mentalidade subalterna do brasileiro, função precípua que atribuía à escola pública e democrática. Anísio Teixeira foi um ardoroso defensor da educação e do sistema democrático. Naquele citado discurso de 1947, seu pensamento revela-se emblemático e irrefutável: Falamos em Democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos. Suspiramos pela Democracia, mas nunca lhe quisemos pagar o preço. O preço da democracia é a educação para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, repetimos, das educações: a educação que faz homens livres e virtuosos. E por que não a tivemos? - Porque força é insistir, jamais fizemos da educação serviço fundamental da República. (TEIXEIRA, 1992, p. 28)
Diógenes Rebouças, arquiteto e urbanista, que traduziu arquitetonicamente o sonho de uma Escola Parque para a formação integral e integrada das crianças, em 1947, afirmou em depoimento que cada pedido do Secretário era seguido de uma justificativa em forma de lição. Seu pensamento holístico sobre a educação o levou a pensar detalhes que o arquiteto precisou responder com soluções. Assim foi quando solicitou o refeitório do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Segundo Anísio Teixeira, os
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horários das refeições seriam de convivência e formação à mesa, para aprenderem sobre alimentação nutritiva, aprendizagens que eles pudessem levar para toda a vida. Esse espaço deveria ser preparado para que as crianças recebessem seus pratos sem filas imensas e militarizadas. (REBOUÇAS, 1992) Focalizando essa preocupação de Anísio Teixeira sobre o refeitório e alimentação, comparando-o com a situação e condições de oferta da merenda escolar da atualidade, a diferença é estarrecedora. Filas imensas e militarizadas repetem-se pelo País, bem como os casos de intoxicação, em função da má qualidade do alimento oferecido às crianças. Para ele, o fornecimento de alimentação às crianças que vão para escola sem comer, em razão da pobreza familiar, estava envolvido no conceito de qualidade na educação. O refeitório garantiria outra dinâmica escolar. No vídeo produzido pela TV Escola (MEC, 2009) sobre Anísio Teixeira, os personagens atestam, com suas histórias de vida, os efeitos da concepção de educação e a inovação educacional que foi o turno integral. Nunca seria demais lembrar que, para Anísio Teixeira, o tipo de sociedade que adviria de crianças escolarizadas em turnos de quatro horas, não contempla um projeto de nação e ao direito à educação de qualidade. A escola não será capaz de desenvolver atitudes, habilidades e competências, em horas rarefeitas de estudo. Ele esperava que todas as escolas prolongassem a jornada escolar. Suas propostas continuam absolutamente atuais: [...] desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare realmente, a criança para sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa, por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive. (TEIXEIRA apud SERPA, 2000, p. 143)
A inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que integrou educação e cultura, foi destinado às crianças dos bairros mais populosos e pobres da Capital, representando uma grande inovação educacional. O sucesso da experiência repercutiu positivamente na sociedade baiana, sendo conhecida nacional e internacionalmente, tornando-se referência para outras experiências estaduais, todas interrompidas pelas políticas públicas. Pretendia que a qualidade da educação fosse elevada pela valorização do professor, que deveria receber formação e remuneração compatível com a dedicação ao ensino. Para tanto, propôs a criação de fundos, que se tornaram realidade. O mais recente deles é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), com essa e outras finalidades. Os intelectuais que o admiravam e partilhavam de seus ideais reconheceram que o pensamento educacional e a gestão pública da educação brasileira foram renovados por ele. Todos têm um aspecto peculiar a contar sobre seu modo de ser, atuar, convencer, em prol da educação. Anísio Teixeira foi, mais uma vez, convocado, agora para o Plano Nacional da Educação, aprovado em 2014. No histórico e nos fundamentos para a implantação de turnos integrais, ele figura com centralidade, para justificar a política pública que pretende prolongar a presença das crianças na escola. A previsão é atingir 50% das escolas da educação básica, no País, uma aspiração tímida, que, provavelmente, ele iria criticar.
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O PORVIR ANISIANO Na sua trajetória de vida pública, ocorreram inúmeras contendas entre ele e grupos políticos, econômicos e religiosos. Foi acusado de liberal pelos católicos, de comunista pelas ditaduras, de americanista pelos comunistas, de idealista pelos realistas, de subversivo pelos privatistas. Hoje, observa-se o ensino de uma nova história da educação em que ele figura como aquele que pensou o Brasil e quis o melhor para o seu povo. O que mais surpreende no retorno ao legado anisiano é o caráter de permanente atualidade de suas obras. “Torna-se hoje imprescindível demonstrá-las às novas gerações como um gesto de aposta na revalorização da política e da educação.” (NUNES, 2000, p. 99). A atualidade da obra de Anísio Teixeira evidencia-se quando tomamos qualquer parte de seu pensamento, que foi registrado em diferentes momentos, discursos, livros e documentos imagéticos. Foi um homem que transcendeu seu tempo, viu adiante questões essenciais para a sociedade brasileira e projetou soluções. Seguramente, todo estudante do campo educacional já conheceu aspectos do seu legado. No entanto, ainda há muito a descobrir sobre ele e seus propósitos. Para cada problema da vida educacional, ele apresentou teorizações claras; seu objetivo era conquistar aliados. Para tanto, utilizava argumentos claros e bem fundados, que convenceram e incomodaram. A população brasileira continua perseguindo o direito fundamental à educação, que é um dos serviços essenciais da República. Em 2014, o Brasil figura em oitavo lugar, numa lista de 150 países com os mais altos índices de analfabetismo no mundo, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2015, está previsto que ele ocupe a quinta posição entre os países mais ricos do mundo, segundo a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE, 2013). Riqueza e analfabetismo, um paradoxo que é também uma primeira evidência da profundidade e pertinência das análises de Anísio Teixeira, o que torna seu discurso gravemente atual. Dizia a todos, principalmente aos dirigentes: “A educação é cara, tem de custar muito dinheiro, porque é somente com a educação que nós podemos construir o Brasil e fazer dele o grande país que desejamos”. (TAVARES, 1992, p. 162). Segundo o Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2014) sobre a educação global, há um compromisso firmado entre os países na ONU, visando garantir educação básica de qualidade para todos, até 2015. Essa meta está comprometida no Brasil. Dos 150 signatários analisados, o Brasil é o oitavo país com o maior número de analfabetos e oferta educação de baixa qualidade. No citado relatório, uma antiga meta de Anísio Teixeira ainda é utopia: garantir educação para todos, qualificar e remunerar os docentes e conseguir que todas as crianças tenham uma escola de qualidade. É unânime o reconhecimento da capacidade empreendedora e criativa de Anísio Teixeira, aquele que transformou ideias em realidade. Jurista, legislador, administrador, acadêmico, professor, que defendeu contundentemente a democracia, o respeito à coisa pública e educação como prioridades nacionais. Suas posições causaram incômodos em diferentes momentos da história política e social brasileira. Na sua trajetória de vida pública, ocorreram inúmeras contendas entre ele e grupos políticos, econômicos e religiosos. Foi acusado de liberal pelos católicos, de comunista pelas ditaduras, de americanista pelos comunistas, de idealista pelos realistas, de subversivo pelos privatistas. Todos, de algum modo, tentaram relegar Anísio Teixeira ao esquecimento.
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Analisando seu pensamento nesse Estudo, é possível inferir que ele preferiria ser esquecido com realizações a ser lembrado por não ter concretizado suas ideias. Provavelmente, Anísio Teixeira gostaria que, nesta segunda década do século XXI, o seu projeto de educação pública, gratuita, democrática, libertadora, tivesse se completado, porém grande parte dele é porvir. REFERÊNCIAS BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Anísio Teixeira: educação não é privilégio. TV ESCOLA. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0afRAb9s9AM>. Acesso em: junho de 2014. MARQUES, Maria Inês Corrêa. UFBA na memória: 1946-2006. Salvador: EDUFBA, 2010. NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a luta pela escola primária pública no país. In: SMOLKA, Ana Luiza; MENEZES, Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000: provocações em educação. Campinas, São Paulo: Autores Associados; Bragança Paulista, São Paulo: Universidade São Francisco, 2000. p. 107127. (Memória da Educação). ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Educations at a glance 2013. Disponível em: <http://www.oecd.org/edu/Brazil_EAG2013%20Country%20Note%20(PORT).pdf>. Acesso em: junho de 2014. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Teaching and Learning: Achieving Quality for All; EFA Global Monitoring Report, 2013; Summary. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002256/225654POR.pdf>. Acesso em: junho de 2014. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Educations at a glance 2013. Disponível em: <http://www.oecd.org/edu/Brazil_EAG2013%20Country%20Note%20(PORT).pdf>. Acesso em: junho de 2014. REBOUÇAS, Diógenes. Depoimento de Diógenes Rebouças. In: ROCHA, João Augusto de Lima et al. Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. p. 147-154. SERPA, Luis Felippe Perret. Escola Parque, na visão de Anísio Teixeira.In: SMOLKA, Ana Luiza; MENEZES, Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000: provocações em educação. Campinas, SP: Autores Associados. Bragança Paulista, SP: Universidade São Francisco, 2000. p. 141-160. (Memória da Educação). SMOLKA, Ana Luiza; MENEZES, Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000: provocações em educação. Campinas, SP: Autores Associados. Bragança Paulista, SP: Universidade São Francisco, 2000. (Memória da Educação). TAVARES, Luis Henrique Dias. Depoimento de Luis Henrique Dias Tavares. In: ROCHA, João
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Augusto de Lima et al. Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. p. 155-163. TEIXEIRA, Anísio. Autonomia para a educação na Bahia: discurso proferido na Assembléia Constituinte da Bahia em 1947. In: ROCHA, João Augusto de Lima et al. Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. p. 25-44. ______. Valores proclamados e valores reais nas instituições escolares brasileiras. In: BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Educação no Brasil: textos selecionados. Brasília, DF, 1976. p. 7-115.
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A EDUCAÇÃO COMO FORMA MODERNA: A CONSTRUÇÃO DO CECR
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O Projeto Arquitetônico Paulo Roberto Pinheiro Nunes*
A Escola Parque, pertencente ao Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) foi, entre as muitas realizações de Anísio Teixeira, a que alcançou maior repercussão no Brasil e em outros países. Apesar de ter sido construída em 1947, ainda hoje é reconhecida como resultado de uma das melhores concepções pedagógicas do Brasil, que serviu de matriz para experiências posteriores. Anísio Teixeira quebrou paradigmas com relação ao ensino tradicional da época, porque concebia a educação de uma maneira global, para a formação dos indivíduos em verdadeiros cidadãos, devidamente integrados à sociedade e que seriam capazes de lutar pela transformação da sua própria realidade. No processo de educar, eram considerados vários fatores, sendo fundamentais a formação dos professores, assim como a saúde e a boa alimentação dos alunos, além de instalações adequadas para cada tipo de atividade a ser desenvolvida. Para garantir um melhor aprendizado, era necessário combinar as atividades manuais e intelectuais, de forma a se atender ao corpo e ao espírito, respeitando o desejo e as aptidões de cada aluno. Era necessário um terreno que oferecesse uma boa ventilação e irradiação solar constante, que possuísse árvores de porte, preferencialmente frutíferas, e uma topografia não muito acidentada e um espaço generoso para permitir construções adequadas a uma boa educação. Foi então escolhido um terreno no bairro pobre da Caixa D’Água, com uma área de 42.000 m². O CECR foi assim implantado, obedecendo à topografia do terreno, que apresenta uma relativa declividade, no sentido longitudinal (Sul-Norte) e uma menor depressão do lado leste. Todo o terreno está atualmente murado, com sua área bem definida, inteiramente envolvida por construções contemporâneas, predominando o uso residencial do bairro. Está recuado, em relação à Rua Saldanha Marinho, que é o único acesso à Escola. A PORTARIA, que foi inserida posteriormente, está instalada em uma faixa estreita, onde o terreno ficou afunilado, entre jardins e o pátio de manobra de veículos. Posteriormente foi instalada, ao lado do estacionamento, uma cobertura horizontal, junto ao muro do lado oeste, para passagem dos professores e visitantes, que interliga o primeiro pátio coberto e articula os dois primeiros edi-fícios.
* Especializado em Restauração e Conservação de Monumentos e Conjuntos Históricos pela UFPE. MBA em Gestão Ambiental pela Escola de Engenharia de Agrimensura. Arquiteto do IPAC.
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Passando o portão principal, foi instalado um segundo portão, que controla a entrada e saída dos alunos, dando acesso às áreas livres e a todo o Conjunto. Os prédios foram distribuídos em volta da grande praça central, (F2), que serve de articulação entre todos os demais equipamentos escolares, além de servir como espaço de recreio e de integração dos alunos. Uma pequena parte do terreno, onde há uma maior concentração de árvores de porte, foi parcialmente ocupada por jardins, canteiros com bancos e uma pequena área, para parque infantil (F3). O restante da praça retangular é formado por um grande pátio reticulado, marcado por pisos de concreto britado e paralelepípedos. A presença da grande praça poderia ter sido inspirada nas nossas heranças culturais dos portugueses e, sobretudo, dos espanhóis, que deixaram bons exemplos. Mas convém ressaltar que o arquiteto Diógenes Rebouças soube, com muita propriedade, definir o partido arquitetônico do Conjunto, adaptando o programa ao terreno e à topografia, garantindo uma boa funcionalidade.
tários e demais departamentos auxiliares. Os espaços centrais funcionam com uma pequena praça interna, ladeada por pergolados, que, juntamente com o telhado à vista, quebra a rigidez espacial do prolongamento do corredor lateral. O piso é também de ladrilho hidráulico, mudando para concreto apenas nas extremidades onde estão as escadas de acesso aos pátios cobertos de articulação. A fachada desse bloco é bem mais simples: é constituída por uma sucessão de panos de cobogós formados por pequenos orifícios inclinados para o lado de fora, a fim de garantir uma ventilação constante e evitar a penetração das águas pluviais. No centro de cada painel foi assentada uma placa de vidro liso e transparente, em caixilho de concreto, que ultrapassa os paramentos interno e externo da parede externa, dando a ideia de um quadro, mas cuja função é proporcionar iluminação externa e a visão do exterior. Na cobertura, predominam as vigas-calhas longitudinais, apoiadas em pilares e nas paredes externas.
Do lado oeste da praça foram construídos três blocos isolados, porém articulados através de pátios cobertos com lajes planas de concreto armado, onde estão instalados os setores de Informática, o setor da Administração e o Refeitório, acoplado à cozinha. Do lado oposto à praça, ou seja, do lado leste, foram construídos a biblioteca, o teatro, o anfiteatro e o ginásio de esportes, com uma quadra poliesportiva. Do lado norte, a praça termina com outra quadra poliesportiva e com o pavilhão de artes, tendo, ao fundo, o núcleo de jardinagem. Os três blocos do lado oeste formam um pavilhão longitudinal, com dimensões e características próprias, resultando em um conjunto bem articulado, através dos dois pátios cobertos, possuindo também duas saídas laterais nos dois últimos blocos. As coberturas são formadas por trechos de lajes inclinadas e vigas de concreto fazendo o papel de pequenas tesouras, que, por sua vez, suportam as telhas onduladas de cimento amianto, com cumeeira central, que jogam as águas pluviais nas calhas de concreto em forma de V, apoiadas em pilares ligeiramente inclinados e nas paredes laterais. Na cobertura do primeiro e terceiro blocos, que possuem as mesmas larguras, as calhas foram colocadas de forma transversal ao bloco. Entretanto, no bloco do meio, as calhas estão em sentido contrário, de posição longitudinal ao bloco. Pelo fato de os blocos terem acompanhado a topografia, o piso do primeiro bloco termina com aproximadamente 1 m acima do solo, e o piso do segundo bloco, com cerca de 1,50m., permitindo, assim, que as coberturas fiquem quase niveladas, dando a impressão de telhados planos. Em termos tipológicos e de utilização dos espaços criados, todos os blocos possuem plantas com corredores laterais, paralelos às fachadas voltadas para a praça e para o nascente, permitindo uma boa visão das áreas verdes. As salas de aula e demais dependências ficam do lado oposto.
No terceiro bloco o espaço relativo à continuação do corredor lateral é ocupado pelo REFEITÓRIO, separado da ESCOLA-COZINHA, pelo longo balcão longitudinal. As mesas coletivas foram dispostas de forma perpendicular à circulação e ao balcão, facilitando o acesso dos usuários, que entram pela porta de frente e saem pela porta posterior. A maioria dos balcões da co-zinha tem a mesma disposição, que permite uma visão de todas as etapas do processo de preparação dos alimentos, exceto das salas dos instrutores, das aulas de nutrição, do armazenamento de alimentos e dos sanitários. O piso original foi substituído por concreto de alta resistência. Todos os espaços recebem bastante luz natural, de um lado, pela sucessão de basculantes e, do outro lado, pelos amplos caixilhos de vidros, sobre um parapeito de tijolinho aparente. Na parte superior, os caixilhos de venezianas facilitam a ventilação, vinda do nascente. E a composição de vigas utilizadas no primeiro bloco se repete na estética e na função, por fazer o papel de um beiral. Em parte do subsolo da cozinha, com acesso pela área oeste aberta (onde foi construída a torre da caixa d’água), existem salas, onde funcionam cursos profissionalizantes, como: salão de beleza, para aulas de cabeleireiro e maquiagem; padaria e confeitaria, com sala de apoio ao fundo, e uma sala para material escolar. Na sequência, um conjunto de sanitários e uma sala mais ampla, destinada a cursos de Serigrafia, preparação de faixas, letreiros e produção de moda. O tratamento da fachada principal é o mesmo do primeiro bloco, incluindo a cobertura, com vigas-calhas transversais.
O segundo bloco, destinado à ADMINISTRAÇÃO, possui onze espaços internos, na sua maioria com divisórias de madeira, onde funcionam salas de professores, secretaria, diretoria, sani-
A BIBLIOTECA foi implantada numa área plana, no início do lado leste, envolvida pelo verde das árvores e pelo colorido de alguns jardins. Possui uma forma circular com 395,70 m² de área, 11,90m. de raio e 114,37 m² correspondentes à área do trapézio que intercepta lateralmente o círculo no lado leste. Em função do pé direito duplo, no centro, foi construída uma escada helicoidal que dá acesso ao mezanino, onde fica a Sala da Diretoria, com alguns livros raros, permitindo um domínio visual do Conjunto. A estrutura das divisórias externas em círculo é metálica, assim como a das esquadrias, exceto as venezianas, que são de madeira e as placas, de vidro, que permitem a visibilidade e uma perfeita interação com a natureza. A única porta de entrada está localizada ao norte da praça, tendo do lado oposto duas baterias de sanitários, limitadas por paredes. O balcão de atendimento também é circular, situado em volta do mezanino, separando perfeitamente a área dos funcionários da área do público. A maioria das estantes de livros está disposta perpendicularmente à parede circular. As cadeiras e mesas para consultas estão bem localizadas, permitindo uma razoável circulação. O espaço do trapézio lateral fica no nível um pouco mais baixo, cujo acesso se dá por escada, passando por um balcão de controle. O espaço é destinado a um miniauditório, para exposições, palestras e projeção de vídeos. Junto ao controle, foram instalados alguns computadores para consulta dos usuários, alunos
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O primeiro bloco, que foi construído para abrigar outras funções, depois da reforma de 2003, foi transformado em NÚCLEO DE INFORMÁTICA, com seis salas com computadores, todas climatizadas com ar-condicionado, além da Sala da Coordenação, ao final do corredor. O piso interno de ladrilho hidráulico sextavado amarelo foi mantido. A fachada é marcada por uma interessante composição, formada por dois tipos de módulos que se alternam. O primeiro módulo é formado por dois pilares inclinados que nascem no mesmo ponto do passeio frontal, formando o desenho da letra V. Esses pilares sobem até encontrarem as pernas das vigas inclinadas, formando outro pequeno v invertido, à guisa de um beiral em balanço e fechando com a forma de um losango alongado. Tais figuras se alternam com a outra forma mais aberta, dando maior movimento ao Conjunto.
PLANTA DE SITUAÇÃO DA ESCOLA PARQUE Localização dos equipamentos existentes
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01 - Portaria atual 02 - Parque Infantil 03 - Administração / Diretoria 04 - Refeitório / Escola-Cozinha 05 - Oficinas Salão de Beleza, Padaria, Confeitaria 06 - Núcleo de Informática 07 - Praça Central 08 - Administração (interior) 09 - Biblioteca 10 - Anfiteatro 11 - Núcleo de Artes Visuais (Oficinas de Trabalho) 12 - Ginásio de Esportes 13 - Teatro 14 - Núcleo de Jardinagem (Horta) 15 - Núcleo de Atividades de Altas Habilidades
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e moradores cadastrados. Logo em seguida, existe um espaço destinado à biblioteca infantil. A cobertura é constituída de painéis dobrados de concreto armado, de forma semicônica, apoiados em um único pilar central (em forma de sombrinha invertida) e nas bordas do circulo externo, constituídas pelos mesmos tipos de painéis dobrados. Tal composição permitiu iluminação zenital, através das esquadrias de vidro existentes entre a junção de alguns painéis, montados com bastante criatividade, resultando numa obra de grande plasticidade. A biblioteca foi concluída em 1961, e o seu projeto foi considerado o projeto mais sofisticado de Diógenes Rebouças, reconhecido até mesmo como obraprima. O TEATRO é constituído por uma imponente edificação e foi implantado à meia-encosta do lado leste, o que permitiu a sua construção em quatro diferentes níveis. Possui a forma da união de dois trapézios invertidos, de diferentes proporções. O primeiro corresponde à entrada, um grande hall e a alguns serviços, no térreo e no subsolo. O segundo trapézio, com a maior planta baixa, corresponde ao auditório, palco e salas de cursos de Música e Dança. A entrada, voltada para a praça, é feita por duas escadarias, que ladeiam uma área de jardim e outra área, que seria um grande aquário, estando atualmente sem função. Logo em seguida, temos outro hall, que é constantemente utilizado para ensaios e outras atividades. Possui um pé direito alto e inclinado, com paredes revestidas de cerâmica decorada (20x20), da época da construção. Em seu interior, temos uma grande área de circulação utilizada como hall e, eventualmente, para exposições, dotada de duas baterias de sanitários. A Sala de Professores e a sala de controle de luz e som ficam centralizadas e superpostas, com acesso por pequenas escadas laterais. A plateia, com capacidade para 450 pessoas, conserva as cadeiras de madeira originais e possui uma forma semicircular, contornando o palco circular. O palco, por sua vez, é circundado por uma caixa retangular, de forma que metade do palco avança na área da plateia. No nível do subsolo, ladeando o fundo do palco, existem os camarins, a sala de espera e ensaios, dotados de sanitários. Imediatamente acima, no primeiro pavimento, foram instaladas as duas salas de música. E logo acima, no segundo pavimento, duas salas de dança e expressão corporal. O piso do palco é de madeira, o da plateia é de cimento, com as passagens forradas por carpete e, nas demais áreas, os pisos são de ladrilho hidráulico. O teto recebeu tratamento acústico com carpete e outras fibras rústicas. Assim, o teatro é utilizado para diversos tipos de atividades artísticas e culturais, onde os alunos podem participar das diferentes etapas de um espetáculo, desde a montagem de cenários, criação de figurinos, controle de luz e som e direção. Inaugurada em 1963, essa foi a última obra de Diógenes Rebouças O ANFITEATRO foi construído ao lado do teatro, aproveitando o terreno com maior declividade. A área da plateia é constituída por bancos longitudinais (arquibancada), de concreto armado, implantados na meia-encosta, em forma de uma sequência de duas porções de semicírculos, terminados no palco circular, lembrando a figura de um duplo leque. O palco circular possui um raio de 4,80 m., separado da plateia por uma rampa de 2,00m de largura e com aproximadamente 1,80 m. de altura do solo. O acesso ao palco é feito pelas escadas semicirculares, construídas do lado direito e esquerdo, tamponadas pela parede, também semicircular, que serve de fundo de palco. A declividade de implantação permite uma boa visibilidade do palco, que é utilizado para vários tipos de eventos e ensaios. Sua forma excêntrica constitui um bom aproveitamento do terreno e uma valorosa contribuição do arquiteto para a prática das manifestações culturais desenvolvidas. O GINÁSIO DE ESPORTES está localizado ao lado do anfiteatro, sendo o último equipamento de porte do lado leste. É composto por um grande galpão, formado por uma abóbada de berço, cujas
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vigas de sustentação, espaçadas a cada 5,00 m., vão tocar o solo do lado externo do galpão, passando a ficar à vista. O espaço interno que abriga a quadra poliesportiva possui 1.778,56 m2. O acesso ao ginásio é feito pelo portão da frente, voltado para a praça, e pelo portão oposto, com acesso por uma interessante escada de concreto que se interliga com o corredor do subsolo. Esse corredor coberto dá acesso às duas grandes baterias de sanitários, com chuveiros e vestiários, dotados de armários individuais. Entre os sanitários masculino e feminino ficam as salas dos professores e salas para diversos tipos de modalidades esportivas e educação física. Sobre a cobertura de telhas planas e onduladas existe um corpo elevado alongado, tipo shed, que passa no centro do telhado, paralelo ao alinhamento da praça, possibilitando uma ventilação e iluminação zenital através de caixilhos de veneziana e vidro, e essa solução se repete nas paredes de vedação da quadra. Portanto, trata-se de um grande equipamento dotado de boa infraestrutura, capaz de atender plenamente à sua população estudantil. Na área contígua, no nível mais abaixo, existe outra quadra poliesportiva descoberta. O NÚCLEO DE ARTES VISUAIS ou Setor de Trabalho, como foi originalmente criado, abriga oficinas voltadas para o ensino profissionalizante. Atualmente está aberto para as artes em geral, com cursos de: cerâmica, costura, modelagem, gravura, artes gráficas, tecelagem, metalurgia e marcenaria. Esse núcleo funciona nos dois galpões em forma de abóbada de berço, situados na área norte do terreno. Em termos de espaço construído, os galpões ocupam uma área retangular de 126,00 m de comprimento por 31,00m de largura, com um pé direito de 9,35m, constituindo-se no maior prédio do Conjunto e com uma das maiores volumetrias. Sua estrutura é mista, formada por dois arcos de concreto armado, que correspondem a pórticos formando a letra A, com uma espetacular estrutura de madeira do telhado, que sustenta as telhas planas de cimento amianto. Vale observar que as pernas dos pórticos não são iguais. As externas, que ficam fora da caixa mural, são curvas, tendo a ponta inferior cravada nas fundações e a ponta superior interligada aos arcos da cobertura de madeira. Já as internas, apesar de serem ainda inclinadas, terminam dentro da caixa mural como pilares. Ambas sustentam uma marquise contínua de concreto, que serve também de contraventamento, fechando a forma da letra A dos pórticos e dando rigidez ao Conjunto. A referida marquise repete-se ao longo das paredes externas da fachada da frente e do fundo. A amplitude do vão permite a reunião de vários grupos de trabalhos, sem uso de divisórias, como também, futuramente, o uso de equipamentos mais altos. Os grandes panos de vidro das esquadrias laterais possibilitam um bom índice de iluminação zenital, e o assentamento dos vidros em venezianas possibilita a ventilação cruzada. Fisicamente, os dois galpões foram separados por uma área plana com mezanino, quebrando, propositadamente, a volumetria do Conjunto, constituído por uma laje plana que se apoia nas paredes transversais e em pilotis, ocupando uma área total de 557,55 m2. O acesso ao mezanino é feito através de duas rampas externas e de uma elegante escada com um longo patamar, localizada junto à parede da caixa central, que guarda as duas grandes baterias de sanitários para os estudantes. Na parte do mezanino, exatamente sobre a referida caixa inferior, o espaço foi subdividido para instalação de duas salas para professores, uma para coordenação, um almoxarifado, dois sanitários e uma copa. As áreas livres do térreo e do mezanino servem como pontos de encontro, exposições e permitem uma visibilidade total das áreas de trabalho, através dos balcões corridos gradeados. Sobre a laje de forro do mezanino existe uma caixa d’água alongada no sentido longitudinal dos galpões. Esse Conjunto foi o projeto pioneiro de Diógenes Rebouças, após o Governo de Octávio Mangabeira, tendo sido inaugurado em 1955, materializando o sonho do educador Anísio Teixeira. O NÚCLEO DE JARDINAGEM E NAAH ocupa a área localizada no fundo dos galpões das ofi-
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cinas. Foi construído um barracão, com alguns vãos, para aulas teóricas e práticas, salas de professores e depósito de equipamentos e mantimentos. Existem várias espécies de plantas ornamentais e leiras com hortaliças que deveriam servir ao refeitório, caso atendessem à demanda. O acesso é feito pelo final do hall existente entre os dois galpões. Esse é um dos setores que parece necessitar de remanejamento e maiores investimentos. Além dos prédios principais, no terreno contíguo à Biblioteca, foi construída, posteriormente, uma pequena edificação de quatro cômodos e uma varanda, onde funciona o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades, para crianças consideradas pelas escolas-classes como superdotadas. No mesmo local, está sendo instalado o Memorial de Anísio Teixeira. Finalmente, cabe acrescentar que a Escola Parque se encontra em pleno funcionamento, embora necessite de maiores recursos para que sejam cumpridas as suas metas e realizados os reparos e a manutenção correta de sua estrutura física. Continua sendo um excelente exemplo de prédio público escolar de qualidade, dentre os existentes na cidade de Salvador, merecendo ser conservado e valorizado. Vale registrar que o atual tratamento das áreas verdes foi executado durante a reforma de 2003, seguindo o Projeto Paisagístico do arquiteto Luiz Barreira Simas.
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SANTOPAOLO Silvana, Arquiteta, ESCOLA PARQUE – Bairro da Liberdade, Salvador, BA.,Divisão de projetos Departamento de Edificações – EDIF PMSP, São Paulo, 2003. PEDRÃO, Ângela West, mestre em Arquitetura. A ESCOLA- PARQUE, UMA EXPERIÊNCIA PROJETUAL ARQUITETÔNICA E PEDAGÓGICA. NASCIMENTO, Valdinei Lopes do. SALVADOR NA ROTA DA MODERNIDADE (1942 – 1965). DIÓGENES REBOUÇAS, ARQUITETO. Dissertação submetida ao corpo docente do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, agosto/1998. i
Este trabalho teve a participação da arquiteta do IPAC, Zulmira B. Correia, atual responsável pelas obras de conservação dos galpões-oficinas, administradas pela SEC. i
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A Modernidade e as Expressões Artísticas na Bahia Juciara Nogueira Barbosa*
As impactantes transformações e descobertas ocorridas nos séculos XV e XVI imprimiriam ao mundo ocidental modos radicalmente diversos dos experimentados até então. Tais mudanças seguiram pelo século XIX e chegaram ao século XX, provocando profundas alterações nos modos de pensar, ser e viver. Esse processo, contraditório por natureza, recebeu o nome de modernidade e muito já se escreveu sobre a questão. Em comum, sua essência transitória e caráter dialético transpassam as variadas tentativas de delineá-la e defini-la. Sobre a modernidade, argumentou Marshall Berman (1987, p. 15) “ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’”. E argumentou: “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos” (BERMAN, 1987, p. 15). Um conciso olhar sobre a história pode evidenciar a condição da Bahia no processo dessas transformações. De 1549 a 1763, Salvador – a cidade da Bahia – foi a capital da Colônia, a cidade mais importante da coroa portuguesa, depois de Lisboa, e a aglomeração urbana mais populosa do Brasil, sendo seu porto o principal. Em termos econômicos, a Bahia exportava açúcar e outros produtos, atendendo, com sucesso, às demandas do mercado externo. Por estar em sintonia com o projeto da modernidade, tendo aí um notável desempenho, a transposição de expressões artísticas do Barroco – que se notabilizou na Europa no século XVII – teve êxito total na Bahia, onde primeiro se ergueu uma igreja de fachada barroca, antes mesmo que em Portugal: a de Santo Antônio de Cairu, em 1654 (SOUSA, 2004, p. 39). Com a intensa exploração de ouro em Minas Gerais, o governo português decidiu centralizar a saída do precioso metal no porto do Rio de Janeiro, por se encontrar mais próximo da zona de exploração. Esse foi o principal motivo que fez com que, em 1763, Salvador perdesse para o Rio de Janeiro o * Doutora em Cultura e Sociedade – UFBA. Mestra em Artes Visuais – UFBA. Professora e vice-coordenadora do curso de Publicidade e Propaganda da UFRB. Líder do Grupo de estudos ARCCO – Arte. Cultura. Comunicação.
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posto de capital. Embora ainda conservasse muito de sua importância econômica, a Bahia chegou ao final do século XVIII sem o prestígio que até então ostentava, e a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, aí promoveu um conjunto de alterações que modificaram drasticamente o cenário econômico, social e político. Nesse processo, houve a necessidade de atualização em relação à produção artística, e a presença da Missão Artística Francesa, a partir de 1816, promoveu importantes mudanças, contribuindo para a difusão do estilo neoclássico e valorização da arte acadêmica. As expressões artísticas aí difundidas repercutiriam significativamente no Brasil. No Brasil Império (1822-1889) e na República Velha (1889-1930), a Região Sudeste passou por impactantes transformações, claramente visíveis nos grandes centros urbanos. Além do Rio de Janeiro, São Paulo também sofreu notáveis mudanças, sobretudo devido ao papel de destaque no cenário econômico, por conta da produção de café, voltada para a exportação, dos investimentos em industrialização e das contribuições dos imigrantes. Desse modo, fatores políticos, econômicos e sociais imprimiam a esses centros um desenvolvimento norteado pelas diretrizes apontadas pela Europa e já influenciadas pelos Estados Unidos, em consonância com a própria modernidade. Ainda assim, as drásticas experiências promovidas no campo artístico europeu pelos integrantes dos seus múltiplos movimentos de vanguarda só ecoariam significativamente no Brasil a partir da Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo, em 1922. Gradualmente, o modernismo foi ocupando espaço e a arte acadêmica foi perdendo lugar. Mas, se nesses grandes centros as mudanças artísticas não foram logo assimiladas, na Bahia o Modernismo tardaria a chegar. Mesmo na Era Vargas (1930-1945), quando a arte modernista foi amplamente utilizada tanto a favor quanto contra os objetivos políticos vigentes, a Bahia manteve-se ao largo. Enquanto na Região Sudeste artistas modernistas se firmavam nas letras e nas artes e apresentavam novas propostas, através de manifestos, publicações e na produção de obras paradigmáticas, as expressões artísticas na Bahia não conheceram impactantes mudanças. Nos primórdios do século XX, duas instituições particulares protegidas pelo apoio governamental centralizavam o ensino e a difusão das artes na Bahia: o Liceu de Artes e Ofícios e a Escola de Belas-Artes. Na escultura e pintura, a produção dos artistas locais permaneceu atrelada aos padrões acadêmicos, sendo uma tentativa isolada a de José Tertuliano Guimarães. Na poesia e literatura, mesmo iniciativas notáveis, tais como a publicação de poesias de feições modernistas por Godofredo Filho, em 1925, ou o surgimento de grupos que marcaram os primórdios do Modernismo na Bahia, não tiveram – em termos locais – desdobramentos significativos. Obviamente, sobretudo em Salvador, se fizeram notar, nessa fase da modernidade, elementos pontuais transplantados e disseminados, a partir da Europa e Estados Unidos. Nesse contexto, podem-se citar como exemplos a presença do cinema, a chegada do automóvel e a radiodifusão. Salvador passou por reformas urbanas polêmicas, destruindo marcos arquitetônicos, para abrir vias destinadas a um progresso que não se firmava, pois, em um cenário marcado por traços econômicos, políticos e sociais afeiçoados ao período colonial, poucas mudanças substanciais de fato ocorriam. Ao assumir o cargo em 10 de abril de 1947, Octávio Mangabeira, primeiro Governador eleito da Bahia sob o regime constitucional instalado após a Era Vargas, encontrou um estado pobre e profundamente marcado por problemas de toda ordem, que ainda preservava muito de suas características coloniais e era, em larga medida, a Bahia de que tratou Jorge Amado em seus romances; Odorico Tavares, em suas matérias; Pierre Verger, em fotografias e Dorival Caymmi, em suas composições
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(BARBOSA, 2005). Imbuída de sua importância histórica, belezas naturais e tradições seculares, a Bahia já havia possuído qualidades e riquezas celebradas, mas, desde quando as perdeu, até meados do século XX, vivia em descompasso com as diretrizes da modernidade. A partir da gestão de Octávio Mangabeira, a “boa terra” passou por transformações significativas. Nessa época, enquanto o Reitor da Universidade da Bahia, Edgard Santos, promoveu emblemáticas mudanças no ensino superior, o educador baiano Anísio Spínola Teixeira (12/07/1900 – 11/03/1971), à frente da Secretaria de Educação e Saúde, revolucionou a educação estadual. Tocado pela situação caótica em que se encontrava o ensino público na Bahia, Anísio estruturou uma equipe de pessoas bem capacitadas para auxiliá-lo. Durante sua gestão, lutou exaustivamente para que a área educacional fosse contemplada com grandiosos projetos, tendo iniciado o programa de construção escolar mais extenso até então realizado no Estado. Ladeando as numerosas ações voltadas para a área educacional, outras importantes iniciativas foram a criação da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, a implantação do Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia- Columbia University, o apoio dado a alguns artistas e os patrocínios para as artes. Entre 10 de abril de 1947 e 31 de janeiro de 1951, as numerosas obras executadas pelo governo de Octávio Mangabeira marcaram as feições de Salvador, e as múltiplas e articuladas iniciativas viabilizadas com o patrocínio do Estado contribuíram para promover singulares transformações no campo cultural, propiciando, enfim, o pleno afloramento do Modernismo na Bahia, contando para isso com a decisiva atuação de Anísio Teixeira (BARBOSA, 2013). A título de registro dos mais destacados projetos realizados com o apoio do educador, podem-se destacar a apresentação da Opereta Narizinho1, em dezembro de 1947, em montagem do professor Adroaldo Ribeiro Costa, que contou com a atuação de mais de 100 crianças e marcou a inauguração do teatro infantil brasileiro e a vinda da Exposição de Arte Contemporânea trazida a Salvador, em março de 1948, pelo escritor carioca Marques Rebelo, a convite de Anísio Teixeira. Até então as exposições de caráter modernista foram rejeitadas. Já essa, que foi meticulosamente divulgada, alcançou pleno êxito. Também a participação de Anísio Teixeira em prol da criação do Salão Bahiano de Belas Artes merece destaque. Participaram do primeiro Salão (1949) os artistas baianos Lygia Sampaio, Rubem Valentim e o artista sergipano Jenner Augusto. Eles, juntamente com Mário Cravo Júnior, apresentaram a coletiva Novos Artistas Bahianos, em 1950. Essa exposição foi patrocinada pela revista Caderno da Bahia e é um referencial da arte moderna. Ela foi realizada em um momento em que a Bahia contava com significativos investimentos efetivados com recursos estaduais e federais e, finalmente, rompia velhos paradigmas, buscando firmar-se no panorama da modernidade. O segundo Salão prestigiou a técnica da gravura – amplamente difundida no Brasil e no Exterior por artistas modernistas – e também tem relevância histórica. Os Salões contribuíram para promover a atualização do público em relação à arte moderna e colaboraram para a renovação artística na Bahia. É também imprescindível destacar o protagonismo de Anísio Teixeira, em relação ao projeto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. No discurso que proferiu na inauguração (parcial) do CECR, sentenciou: “Queiramos, ou não queiramos, vamo-nos transformar de uma sociedade primitiva em uma sociedade moderna e técnica”. Por sua ótica, a educação pública e de qualidade seria o meio mais 1
Adaptação do livro Narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato.
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Júnior, Carlos Bastos e Genaro de Carvalho, bem como do crítico José Valladares. Mas, conforme brevemente tratado, pode-se afirmar que as expressões artísticas de feições modernas na Bahia se impuseram dentro de um conjunto de transformações políticas, econômicas, sociais, culturais. O papel de Anísio Teixeira, nesse momento emblemático, deve ser sempre destacado. O apoio aos artistas modernistas, a encomenda de grandes obras, o patrocínio de estudos, viagens, publicações, exposições, cursos, palestras, conferências e espetáculos musicais e teatrais demonstram que, através das políticas culturais que implementou, o educador em muito contribuiu para a mudança de mentalidade em relação à arte moderna na Bahia. REFERÊNCIAS AGUIAR, Pinto. Notas sobre o enigma bahiano. Salvador: Progresso, 1958. p.33 BARBOSA, Juciara Maria Nogueira. A Bahia de Jubiabá em fotografias de Pierre Verger. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2005. 165 p. (Dissertação apresentada ao Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes). ______. Caminhos do Modernismo na Bahia: Anísio Teixeira e as políticas culturais (1947-1951). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2013, 392 p. (Tese apresentada ao Doutorado em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos - Universidade Federal da Bahia). BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Schwarcz, 1987. p. 362. OLIVEIRA, Paulo César Miguez. A organização da cultura na “Cidade da Bahia. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002, p. 348. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas, Faculdade de Comunicação). SANTOS, Milton. O centro da cidade do Salvador – Estudo de Geografia Urbana. 2.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008. p. 208. SCALDAFERRI, Sante. Os primórdios da Arte Moderna na Bahia. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; FCEBA – Museu de Arte Moderna da Bahia, 1998. p. 225. SOUSA, Alberto José. Igreja franciscana de Cairu: a invenção do barroco brasileiro. In: PEREIRA, Sonia Gomes. Anais do VI Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte. Rio de Janeiro CBHA: 2004. p. 39-49. v.1. propício e eficiente no preparo das crianças e jovens, para que pudessem assumir, de forma satisfatória e transformadora, um lugar nessa sociedade. Para o CECR, marco da arquitetura modernista baiana, Anísio encomendou vistosos murais modernistas, sugerindo aos artistas os respectivos temas, meticulosamente pensados, para contribuir com a integração dos estudantes com esse mundo moderno e técnico, sem perder de vista importantes referenciais da cultura nordestina. Ao se tratar da arte moderna na Bahia, deve-se registrar a importância primordial de Mário Cravo 108
TAVARES, Luiz Henrique Dias. História da Bahia. 10.ed. São Paulo: Unesp, Salvador: Edufba, 2006. p. 544. TEIXEIRA, Anísio. Centro Popular de Educação. Do discurso pronunciado na inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, Salvador, 1950. In: ______ Anísio Teixeira: pensamento e ação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960. p. 284-291.
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Muralismo Modernista na Escola Parque Dilson Rodrigues Midlej *
Idealizado por Anísio Teixeira e concebido pela arquitetura de Diógenes Rebouças e Hélio Duarte, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que inclui a Escola Parque, é composto por impressionantes murais de artistas da primeira geração modernista baiana: Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos, Maria Célia Amado, Jenner Augusto, assim como pelo ceramista alemão Udo Knoff e pelo paulista Carlos Magano, além de uma pintura de Djanira, artista paulista cujo trabalho não se caracteriza como mural. A Escola Parque integrava uma estratégia de realizações do Governador Octávio Mangabeira, eleito para o quatriênio 1947-1951 (SENA, 2000, p. 188), cuja administração almejava a atualização do Estado Baiano, nos âmbitos cultural e educacional. Os murais da Escola Parque ilustram aquela ambição de atualização cultural, sendo que as concepções artísticas parietais (pinturas sobre paredes) daquela escola geralmente são percebidas como obras vinculadas ao espaço arquitetônico e integradas a um objetivo maior, que busca mesclar arte, arquitetura, cultura e educação, e, não exclusivamente, como obras pictóricas autônomas, desassociadas umas das outras. Os murais, todavia, não são relevantes pela temática enfocada ou por integrarem o conjunto arquitetônico modernista mencionado. Importante para a mensagem de atualização e progresso que se desejava caracterizar, as obras são exemplares pela linguagem e estilo de cada artista, ou seja, pela representação plástica e soluções formais às quais a narrativa se subordina. Assim, ressalta-se hoje a qualidade estética das obras, e, não, o caráter pedagógico dos temas retratados, sendo que sua importância se dá pela renovação plástica da linguagem, dos recursos estilísticos modernistas e pela expressividade dos artistas contratados, e não somente por integrarem um complexo arquitetônico ou uma proposta educacional, razões pelas quais não podemos nos referir aos murais como arte aplicada. O programa temático dos murais denota expressivo caráter “progressista”, ao enfocar a força do tra-
* Professor-Assistente de História da Arte do Centro de Artes, Humanidades e Letras, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CAHL/UFRB), é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal da Bahia – UFBA e membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas - ANPAP. Mestre em Artes Visuais (2008), na linha de pesquisa História da Arte Brasileira, com Especialização em Crítica de Arte (1984) e Bacharel em Artes Plásticas (1982), os três títulos fornecidos pela UFBA.
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balho, a evolução do trabalho, trabalho e costumes, o oficio do homem, a evolução do homem, dentre outros temas de interesse iconográfico de representação. Somar-se-ia, ainda, a “fantasia primitivista”, conteúdo referente à utilização das culturas ditas “primitivas”, ou seja, do outro excluído da cultura do sujeito branco ocidental, valoração essa cujas raízes se encontram no exotismo do Romantismo Oitocentista e se evidencia no reconhecimento da obra de Henri Rousseau, dito le Douanier, no início do século XX por artistas das vanguardas históricas. Esse caráter primitivista, em termos artísticos, é exemplificado nas deformações e simplificações das figuras humanas das obras da Escola Parque, em geral, e, mais notadamente, na de Jenner Augusto (comentada mais à frente), assim como na pintura da artista paulista Djanira, um trabalho em óleo sobre tela, de pequenas dimensões, (igualmente comentado mais à frente), o qual, como pode ser deslocado para qualquer espaço, não se considera obra-mural.
de Souza Pedreira inaugurou o Anjo Azul, bar e restaurante decorado com afrescos de Carlos Bastos e espaço que se constituiu em um destacado ponto de encontro da intelectualidade soteropolitana.1 Outra iniciativa privada foi a inauguração da Galeria Oxumaré, a primeira tentativa de comercialização profissional de artes plásticas na Bahia, que funcionou no Passeio Público, de 1951 a 1961, e expôs jovens artistas baianos, assim como acolheu individuais dos mais importantes artistas do País.2 E, por fim, a revista Caderno da Bahia, que ampliou a abrangência das novas ideias modernistas na literatura e na arte, considerada por Jorge Amado “de fundamental importância na evolução literária e sobretudo na revolução das artes plásticas baianas” (AMADO, 1996, p. 55) e que contava com a participação, desde o primeiro número, dos jovens artistas plásticos Mário Cravo Júnior, Carlos Bastos e Genaro de Carvalho, somando-se, posteriormente, as contribuições de Rubem Valentim, Mirabeau Sampaio e Jenner Augusto.
Outro aspecto vinculado ao Modernismo e presente na Escola Parque é o caráter “produtivista”, o qual, segundo Hal Foster (2014, p. 163, nota 8), caracteriza um tipo de modernismo em que o proletariado é considerado “primitivo”, no sentido positivo de pertencer a um coletivo tribal. Os murais da Escola Parque explicitam uma concepção da função da arte ideologicamente orientada a um sentido do social e do popular, funcionalidade esta característica do Modernismo e já destacada por Jorge Amado, ao referir-se aos escultores baianos e à arte baiana, para os quais “Não só a temática social os marca, como o sentido do social e do popular” (AMADO, 1965, p. 10). Na prática, esse sentido do popular caracterizou um regionalismo que teve origem na literatura e com o qual a primeira geração modernista baiana tentou se estabelecer, reforçando a mentalidade modernista, à época, de evidenciar a coexistência de uma regionalização identificada com os extratos culturais populares e com os costumes baianos. O clima de redemocratização e abertura naquele quatriênio da administração de Octávio Mangabeira possibilitou iniciativas como: a) sanção da Lei N°. 72, que autorizava a construção do Teatro Castro Alves, em cujo foyer se iniciariam, mais de uma década depois e em caráter provisório, as atividades expositivas do Museu de Arte Moderna da Bahia; b) a atuação de Anísio Teixeira na Secretaria Estadual de Educação e Saúde e criação de um Departamento de Cultura, órgão que se tornou o grande centro de apoio e inovação para as artes plásticas, a música, o teatro, o cinema e a literatura baiana (TAVARES, 2001, p. 460, 461 e 462); c) e as primeiras exibições das pesquisas plásticas modernistas de alguns artistas baianos, a exemplo da primeira mostra individual de Carlos Bastos, em 1º de março de 1947, na Biblioteca Pública, com obras modernistas que apresentavam ousadas deformações anatômicas nas figuras humanas e uso livre de cores. Ainda em 1947, Mario Cravo Júnior expõe individualmente, pela primeira vez, suas esculturas e desenhos modernistas em dois espaços: na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos - ACBEU, nas Mercês, e no Edifício Oceania (PORTUGAL, 1999, p. 114), em frente ao Farol da Barra. No âmbito das artes plásticas, destacaram-se uma iniciativa governamental e três outras, de iniciativa privada. A iniciativa governamental materializou o evento de maior vulto naquele período, a criação, por decreto, do Salão Baiano de Belas-Artes, cuja primeira edição ocorreu de 1º a 30 de novembro de 1949 e que ocupou o Hotel da Bahia, que ainda se encontrava em obras. Esse hotel contaria, ainda, com um mural de título Festas regionais, pintado por Genaro de Carvalho (1926-1971), entre 1950 e 1951, intacto até o presente. Já no âmbito da iniciativa privada, em julho de 1949, o antiquário José
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Figura 01
O Anjo Azul situava-se na Rua do Cabeça, n. 34, à entrada do Largo 2 de Julho, e funcionava, igualmente, como área expositiva, tendo acolhido mostras (COELHO, 1973, f. 24, nota 6) de Genaro de Carvalho (em 1949), de Lothar Charoux (ganhador do primeiro prêmio do I Salão Baiano de Belas Artes, 1949), de Djanira, de Maria Célia Amado (em sua primeira individual) e de Carybé (a sétima do seu currículo, porém, a primeira individual na Bahia, em 1950). 2 Dentre os quais: Portinari, Di Cavalcanti, Goeldi, Samson Flexor, Pancetti, Poty, Djanira, Aldo Bonadei, Yolanda Mohaly, Inimá di Paula, Laszlo Meitner, Heitor dos Prazeres e outros modernistas, além de vários baianos, dentre os quais Mario Cravo Júnior e Genaro de Carvalho. A Galeria Oxumaré foi criada pelo poeta Carlos Eduardo da Rocha (que atuou na direção), Zitelmann de Oliva, José Martins Catarino e Manoel Cintra Monteiro. 1
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elemento motriz das transformações tecnológicas da era industrial. Esse artista é autor de duas outras peças na Escola-classe III, localizada no bairro Pau Miúdo: uma escultura em verga de cobre disposta na fachada do prédio, datada de 1950 e representando uma criança desenhando, ao mesmo tempo em que a “linha” do desenho configura ela própria, e a pintura mural Fundo do mar e animais pré-históricos (figura 03), de 2.00m por 5,20m, no hall de entrada. O artista é festejado por um determinista Jorge Amado, que assim o caracteriza: “Uma força da natureza [que] por um capricho dos deuses desencadeou-se na Bahia: Mário Cravo, o escultor”. (AMADO, 1996, p. 263).
Figura 02
Testemunho da efervescência cultural no início dos anos 1950, no Centro Educacional Carneiro Ribeiro se encontra o óleo sobre madeira intitulado Jogos infantis, de Carlos Bastos (Carlos Frederico Bastos, 1925 - 2004) (figura 01), um dos pioneiros da arte moderna no Estado. Medindo 2,59m por 2,59m e localizada na Escola-classe I, a pintura apresenta brincadeiras infantis como elemento lúdico indissociável do processo pedagógico de aprendizagem, onde crianças e adolescentes aprendem as primeiras noções do contato social e valores, como cooperação, amizade, confiança, honestidade e responsabilidade (na adesão e respeito às “normas” dos jogos e no cuidado para não se desviar delas, ou seja, de não ludibriar os colegas). A pintura celebra a inocência infanto-juvenil e comunica as bases de um aprendizado de conotação humanista, baseado na alegria e no espírito colaborativo, ao evidenciar a impossibilidade de se brincar ou jogar sozinho. Ainda entre os artistas da primeira geração que contribuíram para disseminar a abordagem moderna se encontram Mario Cravo Júnior e Maria Célia Amado. Mario Cravo Júnior (1923) construiu seu aprendizado a partir de 1945, quando estudou, por dois anos, com o santeiro Pedro Ferreira, em Salvador. Seguiu para os Estados Unidos em 1947, onde permaneceu, por um semestre, como aluno do escultor iugoslavo Ivan Mestrovic, na Universidade de Syracuse. Em 1954, graduou-se pela Escola de Belas-Artes (PORTUGAL, 1999, p. 112). O artista, dado ao seu temperamento arrebatador e seu poder dialético, foi, segundo Antônio Celestino (1982, p. 3) “quem mais aglutinou à sua volta quem pela arte moderna se interessava”. Dele é o mural em têmpera sobre madeira, A força do trabalho (figura 02), medindo 8,2m por 20m, situado no Pavilhão de Artes Industriais, no Núcleo de Artes Visuais Laborais. O artista interpreta o tema “força” por meio de um grande dinamismo, representado pelas relações e tensões espaciais estabelecidas entre o movimento das figuras estilizadas (simplificadas geometricamente) e pelos eixos diagonais, estabelecendo um contraponto à regularidade da estrutura metálica do teto do próprio pavilhão. Nesse mural, destacam-se o personagem dominante (de maior tamanho) e a referência que o artista faz ao centro da figura humana, onde incrusta uma forma ovoide ao que corresponderia o “estômago”. Semelhante procedimento se dá com as formas circulares das cabeças das figuras, como a enfatizar que a necessidade de prover alimentos à vida humana seja o estímulo (intelectual ou braçal) para o trabalho. Assim, os “estômagos” e as “cabeças” das figuras funcionariam como metáforas de “sementes”, as quais seriam resultantes do cultivo e do consequente bem-estar físico e psicológico que a atividade produtiva do trabalho propicia ao homem. Tese aparentada ao positivismo, esse enfoque denota conotação crítica, ao evidenciar o papel humano como 114
Já Maria Célia Amado (Maria Célia Amado Calmon Du Pin e Almeida, 1921-1988) teve uma participação vinculada como professora à Escola de Belas-Artes da UFBA, local, inclusive, da sua formação educacional, com destacada atuação na introdução das ideias modernistas naquela comunidade. Contudo, até poucos anos atrás, sua contribuição ao desenvolvimento da arte moderna era subdimensionada3. Essa artista já desenvolvia uma produção abstrata de pintura desde 19574, período no qual estudou na França, sendo ela e Mario Cravo Júnior os introdutores da abstração na Bahia5. Maria Célia Amado foi responsável pela inserção no ensino, pela primeira vez, da utilização da colagem na Escola de Belas-Artes e, seguramente, foram aquelas as primeiras experiências com colagens para fins artísticos na Bahia, que só se observaram anos depois com a larga utilização dessa técnica pelo artista e músico alemão Adam Firnekaes, que chegou à Bahia em 1958. A artista é autora da pintura a óleo sobre madeira O ofício do homem (figura 04), de 2,79m por 10,20m de dimensão, localizada no Pavilhão de Artes Industriais, no hall da secretaria da Escola Parque. A pintura enfoca os inúmeros ofícios humanos, da olaria e manufatura de potes de cerâmica à extração de madeira e à carpintaria. A artista utilizou conhecimentos pós-cubistas na estruturação do espaço da pintura, valendo-se de geometrização de planos de cores diferenciadas e liberdade, tanto na disposição dos personagens quanto na escala de tamanho entre eles. Como é característico na pintura modernista, as indicações de profundidade visual se dão exclusivamente por intermédio de sobreposição das formas e diminuição de tamanhos dos elementos, e não pelo uso da perspectiva visual. Assim, o efeito nessa pintura (e nas demais modernistas) é de uma planificação e frontalidade dos elementos plásticos, o que provoca forte impacto visual. Artista que exercitou magistralmente diversas técnicas, o argentino Carybé (Hector Júlio Páride Bernabó, 1911 - 1997), naturalizado brasileiro, assomou seu talento e seu desenho ágil aos esforços renovadores da primeira geração moderna da Bahia, incluindo a realização de inúmeros murais, ilustrações para livros e gradis em espaços públicos. Carybé é um artista que se vale de recursos de simA obra dessa artista começou a se evidenciar a partir das menções de Sante Scaldaferri, no livro Os primórdios da arte moderna na Bahia, na Dissertação de Mestrado de Dilson Midlej, Juarez Paraiso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960, e no verbete dessa artista no Dicionário Manuel Querino de Arte na Bahia, de autoria de Dilson Midlej, disponível em: http://www.dicionario.belasartes.ufba.br/wp/?verbete=maria-celiaamado&letra=&key=celia%20amado&onde= tudo. 4 Referimo-nos, aqui, à pintura em técnica mista de título Abstração, medindo 73 x 100 cm, pertencente à coleção Odorico Tavares. Outra pintura abstrata de Maria Célia Amado, datada de 1959, integra a coleção do Museu de Arte Moderna da Bahia. 5 Cabe, todavia, a Mario Cravo Júnior a primazia de ter sido o primeiro artista baiano a desenvolver a linguagem abstrata na Bahia, conforme já esclarecido em comunicação proferida por Dilson Midlej, no 14º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP, em 06 de outubro de 2005, em Goiânia. Ver: MIDLEJ, Dilson. A atualidade da criação abstrata de Mario Cravo Júnior. In: MARTINS, Alice Fátima; COSTA, Luis Edegar; MONTEIRO, Rosana Horio (Org.). Cultura visual e desafios da pesquisa em artes. Goiânia: ANPAP, 2005. 2 v. p. 149-157. 3
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sidade e sínteses geometrizadas, com simplificações formais do fantástico cenário citadino avistado por mar e cuja afeição fora se construindo paulatinamente nas viagens anteriores, ocasiões nas quais descobre a “nova terra”, que, mais tarde, adotaria. O átomo (a evolução do trabalho) (figura 06)* é outro mural de sua autoria, em têmpera sobre madeira, executado em 1954 e disposto no Pavilhão de Artes Industriais, onde apresenta alegorias das riquezas da natureza e as atividades laborais do homem, abrangendo mineração, lavoura, metalurgia, indústria, energia e tecnologia. A figura dominante central parece simbolizar o domínio da ciência pelo homem. De Jenner Augusto (Jenner Augusto da Silveira, 1924 - 2003) se ergue o monumental afresco de 2,70m por 20m, no Pavilhão de Artes Industriais, hall do Setor de Trabalho, de título A evolução do homem (figura 07). Jenner Augusto já gozava do prestigio de ter sido pioneiro do Modernismo em Aracaju (com a pintura decorativa do bar Caique, realizada em 1950), antes de se radicar na Bahia. Nessa obra da Escola Parque, pintada entre 1953 e 1954, Jenner Augusto interpreta a evolução humana por * A obra de Carybé, na Escola Parque, recebe diversos títulos segundo diferentes pesquisadores: “Os cinco elementos” segundo: FURRER,Bruno (org.), Carybé,editora Odebrecht, 1989, “A evolução do trabalho” segundo: COUTINHO, Riolan Metzer, Arte mural moderna na Bahia, [s.d]., “A evolução do trabalho” segundo BAPTISTA,Márcia de Azevedo Magno, Realização de murais na Universidade Federal da Bahia, 1995. Figura 03
Figura 05
Figura 04
plificação formal e colorística e autor de vasta obra figurativa de evidente inclinação para a fabulação, a magia e o misticismo. A quarta viagem que Carybé promove à Bahia se deu a bordo do navio Itanagé, aportando em Salvador em primeiro de janeiro de 1950. Originou-se dessa chegada por mar à cidade baiana a impressão do artista retratada na pintura mural em têmpera, Panorâmica de Salvador (figura 05), de 2m por 6m, para a Escola-classe II, obra já fruto do acolhimento do pedido escrito por Rubem Braga e endereçado a Anísio Teixeira, ao qual recomendava o artista e pleiteava trabalho para ele. Panorâmica de Salvador é, sobretudo, um registro poético de como o artista sentia e percebia a cidade, sua fulgurante lumino116
117 Figura 06
meio de uma atmosfera de tratamento expressionista, um recurso estilístico muito eficaz na comunicação dos dramas humanos e das relações com o meio, retratando vários personagens como retirantes nordestinos, valendo-se da imagética da arte popular. Nessa pintura se observam duas entre as mais marcantes características da pintura modernista: a já mencionada valorização e uso de elementos da arte primitiva ou popular, explorada nas feições simplificadas e na anatomia das figuras, e o tratamento técnico dado ao “fundo”, semelhante aos das figuras, abolindo a hierarquia de importância, em termos plásticos, entre figura e fundo. Figura 07
Já Djanira (Djanira da Motta e Silva, 1914-1979) se distingue, em relação aos demais, por apresentar um trabalho de cavalete, medindo 90cm por 75cm e disposto na Sala da Diretoria da Escola-Classe II. Tendo por título Festa de São João (figura 08), trata-se de uma pintura cujo estilo se assemelha ao da arte ingênua, denotando espontaneidade, frescor e lirismo, mas que não pode ser classificada por ingênua, primitiva ou naïf, uma vez que a artista teve formação educacional artística. Por conta da escolha de o estilo ser intencional (e não por desconhecimento técnico das possibilidades da representação artística), o estilo da referida artista é melhor classificado pela denominação de primitivista, cuja acepção difere de primitiva, já que essa última se refere a artistas autodidatas, que não tiveram formação artística. Referendando isso, ela própria declarou à revista Arte e informação: “Eu é que sou ingênua, não a minha pintura” (DJANIRA, 2000, p. 50) e, nessa mesma reportagem, ela complementa: “Comecei a pintar desenhando o mundo modesto que me cercava: meus animais, minha varanda, o interior da casa, retrato de vizinhos. Tudo em preparação lenta, porque, graças a Deus, nunca fui habilidosa” (DJANIRA, 2000, p. 50). Natural de Avaré, interior de São Paulo, Djanira teve suas primeiras instruções de arte em 1940, com o pintor romeno naturalizado brasileiro, Emeric Marcier, no curso noturno de Desenho do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Djanira instalara-se no bairro de Santa Teresa e lá dirigia uma pensão, da qual Emeric Marcier era um dos hóspedes. A hospedaria facilitou o contato dela com artistas como Carlos Scliar, Milton Dacosta, Arpad Szenes, Vieira da Silva e Jean-Pierre Chabloz, proporcionando um ambiente estimulador para produzir e expor suas pinturas.
Figura 08
Figura 09
As paredes do teatro da Escola Parque (figura 09) são recobertas por azulejos pintados em padronagens geométricas, em formas de losangos, de autoria do artista alemão Udo Knoff (Horst Udo Erich Knoff, 1912-1994), que veio ao Brasil em 1938. Udo Knoff passou a morar em Salvador em 1952 e manteve ateliê de cerâmica no bairro de Brotas, nos anos 1960, espaço então frequentado por artistas, como Carybé, Genaro de Carvalho, Jenner Augusto, Calasans Neto e Sante Scaldaferri. (KNOFF, 2012). É providencial a inclusão de azulejaria no conjunto modernista da Escola Parque, pois os silhares de azulejos significaram elemento de destaque na busca de uma linguagem brasileira na arquitetura, recuperando o ideal colonial luso-brasileiro de utilização dos azulejos tanto como revestimento de fachadas quanto em ambientes internos, cumprindo não só funções de impermeabilização das construções quanto decorativas. Assim, o azulejo, aliado às treliças, ao concreto armado e à linguagem funcionalista dos pilotis, terraços-jardins e quebra-sóis, afirma-se como linguagem 118
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Figura 10
arquitetônica brasileira6. Quando se mencionam os murais da Escola Parque, costuma-se generalizar como produção exclusivamente baiana, pois a maior parte efetivamente é de autoria de artistas baianos ou que aqui se radicaram. Há, todavia, a exceção do afresco Trabalho e costumes (figura 10), de 1953-1954, de 2,70m por 20m, localizado no Pavilhão de Artes Industriais, hall do Setor de Trabalho. Seu autor é o artista paulista e professor Carlos Magano (Carlos de Aguiar Magano, 1921 - 1983), o qual, segundo Roberto Pontual (1969, p. 329), fez seus primeiros estudos de pintura após concluir o curso de Direito na Universidade de São Paulo, transferindo-se, posteriormente, para o Rio de Janeiro, cidade na qual cursou a Escola Nacional de Belas-Artes e onde, anos depois, se tornaria professor de pintura mural. Em 1956, após a execução do mural da Escola Parque de Salvador, e ainda a pedido do educador Anísio Teixeira, realiza em São Paulo um mural para o Instituto do Professor Primário, espaço que hoje acolhe a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (TIRELLO, s.d.). Estilisticamente, o afresco de Carlos Magano da Escola Parque é de cunho expressionista, valendo-se de simplificações geometrizantes pós-cubistas e indicações espaciais que criam a ilusão de profundidade, mediante variações dos tamanhos das formas, representando pessoas, cidades ou montanhas, ao fundo. As unidades plásticas oscilam entre a descrição narrativa exigida pelo tema e deformações promovidas em algumas figuras humanas, comunicando, assim, noções de rusticidade e força física, encadeando os elementos visuais mais para uma leitura geral do que de seus detalhes. A Escola Parque mostra-se hoje como exemplo de uma utopia sociocultural que parece estar cada vez mais distante do contexto político atual, de predomínio dos interesses corporativistas das elites política e econômica, e constitui-se em um protótipo exemplar no qual idealização e determinação se erguem e, juntos, como se fossem um reluzente farol, apontam o direcionamento do bem-estar público, feixe de luz possível pela combinação das potencialidades da arte, da arquitetura, da cultura e da educação.
COELHO, Ceres Pisani Santos. Artes plásticas: movimento moderno na Bahia. 1973. 223 f. Tese (Concurso para professor Assistente do Departamento I) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1973. CRAVO JR., Mario. Cravo. Esculturas de Mario Cravo Júnior e fotografias de Mario Cravo Neto. [S.l.]: Raízes Artes Gráficas, 1983. Não paginado. DJANIRA. Arte e informação, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 50, ago. 2000. FOSTER, Hal. E o que aconteceu com o pós-modernismo? In: ______. O retorno do real: a vanguarda no final do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 187-210. KNOFF, Udo. Museu celebra centenário do ceramista Udo Knoff com mostra inclusiva. Disponível em:<www.cultura.ba.gov.br/2012/09/13/museu-celebra-centenário-do-ceramista-udo-knoff-commostra-inclusiva/>. Acesso em: junho de 2014. LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura moderna. In: CIVITA, Victor. Arte no Brasil. São Paulo: Abril; Fundação Padre Anchieta, 1979. vol. 2. p. 740-759. MAGANO, Carlos. Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em< http://www. itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_ verbete=1350&cd_idioma=28555&cd_item=1>. Acesso em: junho de 2014. PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. p. 559. PORTUGAL, Claudius (Org.). Mario Cravo Júnior: Desenhos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; Copene, 1999. p. 120. (Casa de Palavras. Desenhos, 3).
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SENA, Consuelo Pondé de. A Bahia de Carlos Bastos. In: BASTOS, Carlos. Carlos Bastos. Rio de Janeiro: Carlos Bastos, 2000. p. 178-205.
______. Bahia de todos os santos: guia de ruas e mistérios. 40. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 410. BASTOS, Carlos. Carlos Bastos. Rio de Janeiro: C. Bastos, 2000. p. 230.
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 10. ed. São Paulo: Unesp; Salvador: Edufba, 2001. p. 544.
CELESTINO, Antônio. Pátio das artes: do advento da arte moderna na Bahia e de sua memória. A Tarde, Salvador, 28 fev. 1982. Caderno 2, p. 3.
TIRELLO, Regina. A marcha do conhecimento humano, de Carlos Magano. Disponível em:<www. usp.br/cpc/v1/php/wf03_conservacao.php?apres=nao &id_item=9>. Acesso em: junho de 2014.
A Igreja de São Francisco de Assis, do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, projeto de Oscar Niemeyer e “Primeira igreja brasileira de partido realmente moderno” (LEMOS, 1979, p. 749), ilustra isso com os painéis em azulejos de Portinari que revestem a parte externa e, no interior do templo, substitui o retábulo, até então imprescindível.
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A PRESERVAÇÃO DO MODERNO NA BAHIA 122
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Entre o sonho e a realidade: o desafio da Preservação do CECR José Dirson Argolo*
Ao conceber, nos idos de 1950, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro-CECR, dotando-o de um número expressivo de obras de arte, de autoria de jovens artistas, àquela época ainda pouco conhecidos, sem a forte reputação que adquiriram ao longo de suas vidas, Anísio Teixeira demonstrava uma enorme sintonia entre educação e cultura. Certamente não foi por acaso que escolheu pintores modernistas para enriquecer os espaços arquitetônicos arrojados, concebidos por Diógenes Rebouças e Hélio Duarte. Os painéis, concebidos em diversas técnicas e variados estilos, são a expressão do que havia de mais moderno e revolucionário para a época, na Bahia, e integram-se perfeitamente com a arquitetura do Complexo Escolar, permitindo um diálogo com cada espaço onde estão inseridos, contribuindo para o enobrecimento da arquitetura e servindo, ao mesmo tempo, como um instrumento importante para a educação dos jovens. Para uma cidade com mentalidade barroca e neoclássica, como era Salvador, muito apegada ao Classicismo, que, no máximo, admitia obras de artistas baianos vindos da Europa após cumprimento de bolsa de estudos, com alguns toques impressionistas, aquele conjunto de obras que contemplou o CECR, de nítida influência cubista, com exceção do painel de Carlos Bastos, de concepção mais tradicional, e do quadro de Djanira Motta, de estilo muito particular, causou um grande impacto, pois, até hoje, mais de sessenta anos após a sua realização, ainda surpreende e impressiona pela modernidade. Os painéis do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, com ênfase na Escola Parque, há mais de duas décadas clamavam por socorro. Felizmente, o atual governo baiano, tendo à frente as Secretarias de Educação e Cultura, em parceria com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC, autor do projeto de restauração e do acompanhamento e fiscalização, tomou para si a responsabilidade de salvar aquele precioso conjunto de pinturas, da maior importância para a história do desenvolvimento das artes plásticas da Bahia.
* Professor da Cadeira de Restauração da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal da Bahia. Restaurador-chefe de laboratório de restauro, autor de livros e artigos e pesquisador.
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A manifestação de alguns agentes, como a natureza, o tempo e o homem, nas obras de arte é um fato. Restaurá-las e conservá-las significa procurar deter esses agentes ou anulá-los por meio de intervenções de caráter técnico e/ou estético. É importante possuirmos a consciência da fragilidade das pinturas, pelo fato de serem constituídas, na sua grande maioria, por materiais de origem orgânica, muito vulneráveis aos agentes físicos, químicos, biológicos e atmosféricos. Além da fragilidade de seus suportes, a essência das obras está na sua película pictórica, muitas vezes reduzida a frações de um milímetro de espessura. Conservar obras de arte num espaço museológico permanentemente monitoradas por aparelhos que controlam os níveis de umidade e temperatura, além de uma equipe de profissionais especializados sempre atenta, é um desafio. Imagine a conservação de obras de arte, em conjuntos escolares, com crônica carência de manutenção física do imóvel, dos equipamentos e de tudo o mais que é necessário para o bom funcionamento de uma unidade de ensino. A manutenção das obras de arte acaba ficando relegada a um segundo plano. Para a boa conservação das obras de arte é necessário primeiramente investir na preservação do imóvel que as abriga. A conservadora britânica Sharon Carter, em workshop realizado em São Paulo, em 2003, chamava a atenção para a proteção do “envelope”, para que os objetos mantidos dentro dele estivessem razoavelmente protegidos. Por “envelope” entende-se a caixa arquitetônica: telhado, paredes, portas, janelas, outras aberturas e o piso. Foram justamente as falhas no “envelope” que provocaram diversas patologias, algumas irreversíveis, no caso dos painéis de Mario Cravo, Carybé e Maria Célia. Foram determinantes na degradação dos painéis alocados no “envelope” do Pavilhão das Artes: goteiras provenientes de fendas nos telhados, excessiva umidade da parede, seja por canalização hidráulica defeituosa (painel de Maria Célia) ou pela ocupação indevida de área da Escola, permitindo que construções clandestinas se instalassem nas proximidades da parede oposta ao painel de Carybé, além das vidraças sem proteção de filtros solares, trazendo, como consequência, a perda de quase 20% do painel de Carybé e 40% do de Mário Cravo. Por ocasião da colocação dos painéis de Carybé e Mário Cravo na parte superior das paredes dos pavilhões de arte da Escola Parque, próximos às vidraças, certamente não foram avaliados os perigos que a iluminação natural da luz visível e as radiações invisíveis, principalmente a ultravioleta, emitida pelo sol, provocariam sobre as obras dos dois grandes mestres da arte baiana. Nos trópicos, a intensidade da luz solar pode chegar a 10.000 lux, nos meses de verão. A luz direta do sol que passa pelas vidraças incide sobre as duas extremidades dos painéis acima citados e é uma das principais causas da degradação dessas obras, somada às infiltrações pluviais e ao feroz ataque dos insetos xilófagos, especialmente os cupins. Esses agentes, aliados aos atos de vandalismo, foram as causas da degradação dessas obras
Figura 01
do CECR. Infelizmente, no Brasil, por escassez de recursos, não se adota uma política voltada para a preservação e a conservação e se permite que as obras de arte cheguem a um estado de quase arruinamento, para, depois, se pensar em restauração. Além dos problemas já elencados que afetaram a construção arquitetônica, trazendo malefícios aos painéis, foram mapeados, durante o diagnóstico realizado antes e durante a restauração, os seguintes agentes: - Atos de vandalismo (figura 02): arranhões com instrumentos pontiagudos, inscrições com lápis, canetas etc., que tiveram como alvo, especialmente, os afrescos de Carlos Magano, Jenner Augusto e Maria Célia Calmon (Escola Parque) e Carlos Bastos (Escola-Classe I) e Carybé (Escola-Classe II); - Negligência, quando da realização de pinturas de tetos e paredes (figura 03): Respingos de tinta eram evidentes em todos os painéis, provocando manchas na camada pictórica. Observou-se, também, a presença de pregos oxidados de vários tamanhos fixados nas superfícies pintadas, inclusive em partes importantes da representação iconográfica; - Ataque de insetos xilófagos (figura 04), sem dúvida, a mais grave patologia a atacar os painéis que tinham como suporte a madeira. Todas as madeiras que compunham os painéis de Carybé e Maria Célia Calmon estavam seriamente comprometidas, a maioria em estado de “desfolhamento”.
Diante disso, manter um acervo precioso numa escola frequentada por milhares de jovens, provenientes de várias camadas sociais, converte-se num desafio permanente. Ao analisar as patologias encontradas nos vários painéis espalhados pelas quatro unidades que compõem o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, isso fica muito evidente. Constata-se que um número expressivo de danos foi causado por atos de vandalismo, provocados pelos usuários do Complexo Escolar. Então, para proteger os painéis, após a conclusão dos atuais trabalhos de restauração, é necessário conhecer as causas de degradação e as patologias que quase colocaram em estado terminal o conjunto de obras
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127 Figura 02
Figura 03
Figura 04
PROCESSOS E CONCEITOS DE RESTAURO UTILIZADOS O Studio Argolo empregou, na restauração dos painéis do CECR, a melhor tecnologia atualmente disponível a serviço da restauração de obras de arte. Cuidados especiais foram tomados nos procedimentos de limpeza das pinturas, pela sua fragilidade, tendo sido empregado o raio laser, borracha wishab soft e bicarbonato de amônia (figura 05) na remoção de sujidades dos afrescos de Carlos Magano e Jenner Augusto, na Escola Parque, e na pintura a têmpera do painel de Carybé, na EscolaClasse II. Produtos químicos de ponta, recomendados pela química do Instituto Real do Patrimônio Artístico de Bruxelas – IRPA ( Liliane Masschelein-Kleiner e o químico americano Richard Wolber), foram usados na limpeza das pinturas sobre madeira. Na remoção dos retoques alterados, além dos produtos químicos, fez-se uso de bisturis cirúrgicos. Particularmente difícil foi a supressão dos atos de vandalismo, representados por inscrições, perfurações, arranhões, riscos, etc., que vitimaram as pinturas murais. A fixação das pinturas foi feita com Primal AC 33, colas de coelho, Paraloid B 72 e Beva 371, em percentagens controladas para permitir a acomodação das películas desagregadas, sem macular o aspecto físico e estético de cada obra.
e, mesmo assim, com muitos comprometimentos da própria policromia. Optou-se pelo compensado naval em cedro para substituição da madeira removida. Figura 06
Figura 07
Figura 05
Os painéis pintados sobre madeira consumiram um maior tempo de trabalho e exigiram um esforço e uma dedicação especial da equipe. Pelo estado gravíssimo que seus suportes apresentavam, não é exagero dizer que o grande painel de Carybé – O Átomo e a Evolução do Trabalho (figuras 08 e 09) – e o de Maria Célia Calmon – O Ofício do Homem (figuras 06 e 07)– eram pacientes em estado terminal. Os cupins haviam devorado grande parte da madeira, reduzindo-a a uma massa esponjosa, com aspecto de casa de abelha. Por segurança, antes da desmontagem dos painéis, as placas de compensado que os compõem foram cadastradas e tiveram a sua pintura totalmente faceada. Várias peças tiveram que ser removidas com o auxílio de padiola, pela ameaça de desintegração. Caso raro na restauração: tanto a pintura de Carybé como a de Maria Célia foram submetidas ao processo de transposição total de seus suportes, salvando-se apenas a última camada de compensado, que continha a película pictórica 128
Na recuperação estética das grandes lacunas, especialmente nas extremidades do painel de Carybé, onde as perdas eram significativas, procurou-se dar à obra uma unidade de leitura, privilegiando as suas peculiaridades, diferenciando as partes faltantes, que foram reconstituídas, de maneira a torná-las reconhecíveis (leitura crítica), mas, ao mesmo tempo, integradas no contexto da obra, de modo que a leitura pudesse ser feita, neutralizando-se as graves feridas. Para tal, as partes faltantes foram completadas com a técnica de abstração cromática. As partes originais que apresentavam algumas perdas foram recuperadas com veladuras sucessivas e a técnica de seleção cromática, de modo a reconstruir as partes faltantes, porém mantendo a legibilidade da intervenção. Essas técnicas foram desenvolvidas nos laboratórios da Superintendência dos Bens Históricos e Artísticos de Florença, após a enchente de 1966, que vitimou consideravelmente o patrimônio dessa cidade, berço do Renascimento. No painel de Maria Célia e Carlos Bastos, as lacunas eram pequenas e foram reintegradas com a técnica ilusionista ou mimética. Empregaram-se, na reintegração cromática, aquarelas fabricadas pela Winsor & Newton, tintas à base de verniz (figura 01), exclusivas para uso em restauração de obras de arte, a exemplo de Maimeri e Di Volo, de fabricação italiana. Figura 08
Figura 09
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Para garantir uma maior estabilidade às obras cujo suporte era a madeira, as paredes onde se acham fixadas receberam, em observância ao projeto do IPAC, um reforço estrutural de placas de fibrocimento. Esse recurso impermeabiliza a parede e funciona como isolante térmico. Substituiu-se o antigo engradado de madeira por perfis de alumínio, mantendo os painéis afastados das placas cimentícias, protegendo-os principalmente da umidade. Após o restauro, uma barreira de perfis metálicos, fixados no solo, dotados de correntes, providenciados pelo IPAC, passou a proteger os painéis da fácil acessibilidade, dificultando, assim, atos de vandalismo (figuras 10 e 11). Figura 10
Figura 11
e) monitoramento, através de câmaras digitais e fiscalização permanente, com a participação da administração e de seu corpo técnico; f) orientação às empresas de reparos, especialmente durante a montagem de andaimes, de procedimentos de pintura etc., quanto à absoluta e prévia proteção do acervo. Espera-se que a recuperação desse extraordinário conjunto de obras de arte, há anos reclamada pela sociedade baiana, sirva de estímulo aos usuários do Centro Educacional, nesse ano em que se comemora o Centenário do arquiteto Diogénes Rebouças, a fim de que o precioso e imponente conjunto artístico seja protegido das patologias que ameaçaram a sua sobrevivência. Nota: Equipe de restauro - José Dirson Argolo, Gianmario Finadri, Cláudia Maria de Cerqueira Barbosa, Carine Ferreira Reis, Welber Santos da Conceição, Maria Isabel de Jesus Pereira (restauradores); José Raimundo Souza de Jesus Jaime Leopoldo Santana, Franklin Conceição Gomes e Wendel Sena de Freitas (mestres-marceneiros); Antônio Hélio Silva dos Santos, Roberto Lima Santos e Sérgio Luiz Silva Santos (técnicos de restauro); e Waldemar Silvestre Carlos (coordenação logística) Figura 12
Para que as futuras gerações possam usufruir do prazer estético que emana dessas obras, é necessária a adoção permanente de medidas de proteção que garantam a sua estabilidade física e estética. Para isso, torna-se necessário: a) Vistoria e manutenção periódica do telhado, vidraças (especialmente nos períodos que antecedem as chuvas), instalações elétricas e hidráulicas; b) avaliação periódica da incidência ou reincidência de insetos xilófagos; c) treinamento dos professores e funcionários na diuturna vigilância do acervo e uma especial atenção aos móveis e equipamentos, para que não sejam encostados nas obras ou mesmo colocados em sua proximidade; d) programa de educação patrimonial, visando a conscientizar os alunos, ingressados semestralmente, da importância do acervo, programa esse que poderia ser estendido à vizinhança do complexo do CECR; 130
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A Política de Salvaguarda Nara de Souza Gomes*
A política de salvaguarda do patrimônio cultural conjetura a atribuição de significado a determinados bens, envolvendo ideias que mudam com o tempo, com os valores da sociedade e se relacionam com o conceito de identidade. No âmbito estadual, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC é o responsável por essa atribuição, através da Lei 8.895/2003, regulamentada pelo Decreto 10.039/2006, que institui normas de proteção e estímulo à preservação do patrimônio cultural do Estado da Bahia. Durante a sua trajetória1, predominou o interesse pela salvaguarda de bens ligados à arquitetura colonial e barroca do século XVIII, influenciado pelas diretrizes estabelecidas pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional– IPHAN2, e posteriormente ampliado com a proteção de bens ecléticos. Mais recentemente, com as transformações e ampliações conceituais sobre o patrimônio cultural, exemplares da arquitetura moderna foram reconhecidos como patrimônios do Estado, e para entendermos sua importância como referenciais de um tempo, faz-se necessário retornarmos um pouco na história. O Modernismo, que apesar do nome, já não é moderno no sentido de ser contemporâneo, foi um movimento artístico e cultural que se iniciou na Europa, no início do século XX, a partir da articulação de um trio de vetores: técnica, forma e ideologia. Foi fruto de uma era marcada pelo advento da ciência, da produção em massa, das novas democracias, da nova arte, da arquitetura, da industrialização, do crescimento das cidades, dos novos meios de transportes e demandas. No Brasil, a arquitetura moderna é amplamente reconhecida por sua qualidade e pela forma como assimilou os valores estéticos e construtivos das vanguardas à nossa cultura; fez parte do processo de construção de identidades e exige, portanto, nosso interesse para com a sua conservação e preservação.
* Especializada em Gestão de Pessoas pela Unime. Graduada em História com Habilitação em Patrimônio Cultural pela Universidade Católica do Salvador. Gerente de Patrimônio Material do IPAC. A Fundação foi instituída em 13 de setembro de 1967, durante o governo de Luiz Viana Filho, através da Lei Nº 2.464, regulamentada pelo Decreto Nº 20. 530, de 03 de janeiro de 1968. Em 1980, passou a ser Instituto, sendo, então, denominado IPAC. 2 O processo de escolha do que passou a ser considerado patrimônio nacional teve alguns marcos emblemáticos. Minas Gerais foi identificada como o berço da civilização brasileira, e o barroco mineiro adquiriu valor estético e tornou-se uma unanimidade nacional. 1
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Figura 01
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A Bahia possui um grande número de exemplares relacionados à modernidade, mas a divulgação restrita sobre suas histórias e características contribui para a dificuldade de valoração pela sociedade. Acreditando que o conhecimento é o caminho para tornar os monumentos parte da nossa memória afetiva e, consequentemente, fazer emergir a consciência de preservação, urge tornar mais visíveis as expressões artísticas modernistas reconhecidas como patrimônio cultural da Bahia3 e trazer à tona as questões que cercam esses marcos referenciais, como objetos que foram pinçados dentre tantos outros. Entendido por muitos como um rito social pelo qual é possível uma transferência de valores, o tombamento é o instrumento jurídico de salvaguarda que se aplica aos bens culturais materiais edificações, objetos, obras de arte etc. -, com o objetivo de preservar o seu valor histórico, cultural, arquitetônico, artístico e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. Em 2008, visando salvaguardar exemplares modernos em linguagem art déco, foram tombados provisoriamente4 os edifícios do Hospital Aristides Maltez (figura 02), o antigo Jornal A Tarde (figura 03), Cine Teatro Jandaia (figura 04), Oceania (figura 01), Sulacap (figura 05) e Dourado (figura 06), todos localizados em Salvador; e o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Estância Hidromineral da Cidade de Cipó (figura 07). O edifício do Instituto do Cacau (figura 08), também pertencente a essa linguagem, foi tombado pelo Governo Estadual, através do Decreto nº. 8.357, de 05/11/2002. De autoria do arquiteto alemão Alexander Buddeüs, foi concebido como um grande armazém capaz de comportar mais ou menos 250.000 sacas para estocagem do produto, em condições técnicas perfeitas. Apresentava, no início dos anos 30, notáveis avanços técnicos: lajescogumelo e articulação com o porto, através de esteiras subterrâneas5.
Figura 05
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Figura 02
Figura 03
Figura 04
O patrimônio cultural, para fins de preservação, é constituído pelos bens culturais cuja proteção seja de interesse público, pelo seu reconhecimento social no conjunto das tradições passadas e contemporâneas do Estado, de acordo com a Lei nº 8.895/2003, que institui normas de proteção e estímulo à preservação do patrimônio cultural do Estado da Bahia. 4 O tombamento provisório é instituído até que se homologue, por decreto do Governador, o reconhecimento do bem como patrimônio cultural do Estado. 5 Parecer Técnico s/nº do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. 3
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O primeiro encontra-se provisoriamente salvaguardado e está em fase de análise pelo Conselho Estadual de Cultura. O Hotel da Bahia é tombado através do Decreto Estadual nº. 12.494, de 03/12/2010. Seu reconhecimento adveio da manifestação de diversos segmentos da sociedade para impedir o seu desvio de função, após a sua venda. Possui valores históricos e arquitetônicos reconhecidos mundialmente, tendo sido duas vezes publicado na revista francesa L’Architecture d’aujourd’hui, além de ser também citado no livro Modern Architecture in Brazil, de Henrique Mindlin.
No ano de 1981, ações de salvaguarda das expressões da arquitetura moderna6 foram implementadas pelo IPAC e, nas primeiras décadas dos anos 2000, novos exemplares foram objeto de estudo de tombamento. A pintura mural do artista Genaro de Carvalho (figura 09), exposta no Hotel da Bahia, localizado no Largo do Campo Grande, em Salvador, encontra-se sob proteção de tombamento estadual, através do Decreto nº. 28.398, de 10/11/1981. O artista consagrou-se nacionalmente como tapeceiro, foi um dos pioneiros da arte moderna na Bahia, e a sua obra tem sido uma expressiva referência de unidade estilística7. Nesse mesmo ano, o Governo do Estado reconhece como patrimônio cultural o Conjunto Escola Parque, cuja salvaguarda será enfatizada, mais adiante. Nos anos 2000, o mural do artista Lênio Braga (figura 10), localizado na Rodoviária de Feira de Santana, foi tombado pelo Governo Estadual, através do Decreto nº. 8.042, de 01/10/2001. Trata-se de um grande mural, inspirado em motivos do folclore e da história regional, tendo sido concebido com um acentuado vigor plástico, referência para artistas e críticos, no Brasil e no Exterior8. Em 2002, o mural do artista Carlos Bastos (figura 13), incorporado ao Edifício Argentina, no bairro do Comércio, em Salvador, também foi reconhecido como patrimônio cultural da Bahia, através do Decreto n°. 8.357, de 05/11/2002. O mural intitulado “O Comércio no Porto de Salvador, no Princípio do Século XIX” é um marco na pintura mural brasileira e baiana9. Mais recentemente, em 2008 e 2010, o Edifício Caramuru (figura 11) e o Hotel da Bahia (figura 12) passaram a agregar a lista de bens culturais protegidos pela Lei 8.895/03.
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Importante notar que a arquitetura moderna compreende um amplo espectro de linguagens arquitetônicas, não se reduzindo ao movimento moderno em arquitetura, mas abarcando uma ampla diversidade de manifestações formais da modernidade, tais como o art déco, o neocolonial, o futurismo, e a propria vertente racionalista do estilo internacional. 7 Parecer Técnico nº17/80 do Conselho Estadual de Cultura da Bahia indicando o tombamento da citada obra. 8 Parecer Técnico nº18/86 do Conselho Estadual de Cultura da Bahia indicando o tombamento da citada obra. 9 Parecer Técnico nº01/86 do Conselho Estadual de Cultura da Bahia indicando o tombamento da citada obra. 6
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Figura 13
Em 1980, o Conselheiro Juarez Paraíso encaminhou ao Plenário do Conselho Estadual de Cultura, indicação para tombamento do Conjunto Escola Parque (figura 13). Após análise das informações para subsidiar uma resposta, deliberou-se pela abertura do processo, iniciando-se a elaboração do dossiê que culminou com seu tombamento definitivo, institucionalizado através do Decreto n°.28.398, de 10/11/1981. Esse dossiê teve por objetivo explicitar o valor cultural do bem, de modo a fundamentar a sua proteção por meio do Instituto do Tombamento, conforme o estabelecido pela Lei nº. 8.895/03. Nesse processo, foram registrados os valores histórico, arquitetônico, artístico, paisagístico e referencial do Conjunto. Tais valores deverão, necessariamente, ser considerados em todas as operações ligadas à sua conservação. Nesse sentido, pôde-se destacar que o Conjunto Escola Parque é um exemplar significativo do pensamento educacional instituído pelo Governo nos anos de 194010, apresentando valor documental, ao servir de testemunho não só da forma de atuação do Estado em relação à educação, mas também do modo como a ideologia modernista começava a introduzir, naquela época, uma nova forma de edificar. Além disso, pôde-se destacar que esse Conjunto representou, também em seus traços principais, a obra de arquitetos ligados ao Movimento Moderno, já que demonstrou os traços característicos daquela arquitetura. As obras de arte, de renomadas personalidades11, integradas à edificação resultam de uma estreita colaboração entre o artista e o arquiteto, recorrente nas obras do Movimento Moderno, em oposição à utilização de elementos aplicados, com finalidade meramente decorativa. Por fim, o Conjunto configura-se como marco visual, presente na memória coletiva enquanto componente significativo no perfil arquitetônico moderno que compõe o bairro da Caixa D`Água e seu entorno e, como tal, necessita ser preservado para as gerações futuras, garantindo a sua perenidade, numa paisagem passível de permanente mutação. REFERÊNCIAS ALBAN SUAREZ, Naia, GALVÃO, Anna Beatriz & REBOUÇAS, Diógenes. História do Fazer Moderno Baiano – entrevista de Diógenes Rebouças a Naia Alban e Anna Beatriz Galvão. In: Revista Rua, Salvador, nº 7, jul./dez. 1999, p. 116-125. Figura 13
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna e Preexistência Edificada: intervenções sobre o patrimônio arquitetônico de Salvador a partir dos anos 1950. In: Anais do 6º Seminário DOCOMOMO Brasil. Niterói: PPG-AU/UFF / DOCOMOMO Brasil / CREA/RJ, 2005. ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de & LEAL, João Legal. Arquitetura Moderna e Reciclagem do Patrimônio Edificado: a contribuição baiana de Diógenes Rebouças. In: Anais do 7º Seminário DOCOMOMO Brasil. Porto Alegre: PROARQ/UFGRS, 2007. (CD-Rom). BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. CANEZ, Ana Paula. Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1998. 10 O Governo de Octávio Mangabeira possuía um plano para a recuperação do ensino primário no Estado e a construção dos Centros Educacionais. 11 Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos, Maria Célia Amado, Jenner Augusto, Udo Knoff, Carlos Magano e Djanira da Motta e Silva.
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CHOAY, F. 2001. A alegoria do patrimônio. São Paulo, Editora UNESP. FONSECA, João Pedro. Integração das artes e a força do moderno brasileiro. Disponível em: http:// www. docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/114.pdf. Acesso em: junho de 2014. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. GALEFFI, Lígia Larcher. A linguagem Déco na arquitetura: uma dimensão da arquitetura moderna – Salvador nas décadas de 1930-1940. (Dissertação de Mestrado). Salvador: UFBA, 2004. PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: Difusão e adaptação de modelos urbanos. Salvador: EDUFBA, 2002.
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A Manutenção do Monumento Escolar Tombado Milena Luisa da Silva Tavares*
O ato do tombamento, exercido pelo Poder Público1, se constitui em um passo importante para a preservação do patrimônio, considerado de interesse para a sociedade. Embora mantenha a propriedade do bem cultural, institui limites e critérios de intervenção na unidade a ser salvaguardada, com o objetivo de impedir sua descaracterização. (SANT’ANNA, 1995). A interferência do Estado na propriedade passa a ocorrer a partir da Constituição de 1934, quando é instituída a função social ou coletiva da propriedade como princípio constitucional. Quanto ao argumento jurídico nessa ação, esclarece que a coletividade [...] passaria a ser, por força do valor cultural identificado no bem, sua co-proprietária, ou melhor, uma parte legalmente constituída a quem o titular do bem material deve satisfações quanto à sua conservação. Conviveriam, na coisa tombada, portanto, duas dimensões: uma material, pertencente ao domínio privado e relativa ao fundamento econômico da propriedade; e uma imaterial, que expressa “valores não econômicos” e “inapropriáveis individualmente”, que se identifica com um interesse público e diz respeito à coletividade. (SANT’ANNA, 1995, p. 80)
Não é apenas o tombamento que garante a preservação do bem cultural, pois essa só ocorre, de fato, quando o objeto se mantém em bom estado de conservação. Por lei, o proprietário, que detém o direito comercial do bem cultural tombado, resguarda ainda a responsabilidade pela manutenção das suas qualidades físicas, devendo notificar ao órgão de salvaguarda se o patrimônio protegido estiver sendo ameaçado. Caso prove ser desprovido de recursos, para adotar medidas que evitem ou que sejam necessárias para reverter danos ao elemento tombado, deverá levar o problema ao conheci* Especialista em Conservação e Restauro de Monumentos e Sítios Históricos pela UFBA. Especialista em Gestão Cultural dos Estados do Nordeste, UFRPE. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAUFBA. Gerente de Restauro de Elementos Artísticos do IPAC. Encontram-se tombadas pelo Governo da Bahia as seguintes escolas: Conjunto Escola Parque (Salvador), Instituto Ponte Nova (Wagner) e o Colégio Nossa Senhora da Vitória (Marista, em Salvador), Colégio Nossa Senhora da Piedade e Palácio Episcopal (Ilhéus).
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Legenda fotos 01 - Instituto Ponte Nova (Wagner - BA) 02 - Antigo Col茅gio Nossa Senhora da Vit贸ria- Marista (Salvador - BA)
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03 - Conjunto Arquitet么nico da Piedade (Ilh茅us - BA)
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mento do Poder Público, a quem, nesse caso, caberá agir de acordo com o estabelecido na Legislação incidente2. O tombamento não impede que o objeto de interesse cultural seja usufruído, vendido, alugado ou transferido a herdeiros. Por lei, caso haja interesse na venda, basta que o responsável legal encaminhe uma comunicação prévia à instituição responsável pela preservação, para que seja exercido o direito preferencial de adquiri-lo. O mesmo ocorre, caso haja interesse em realizar obras em unidades imobiliárias protegidas legalmente. Ao contrário do que se pensa, é possível, sim, intervir no elemento tombado, desde que sejam respeitados critérios técnicos e filosóficos específicos. Nesse caso, é necessário encaminhar uma proposta ao órgão público responsável pelo acautelamento3, desenvolvida por profissional habilitado, para análise prévia, visando: orientação, adequação e aprovação. No momento da execução haverá ainda fiscalização, a fim de garantir o cumprimento do que foi licenciado. O imóvel que oferece serviço didático é, pela própria natureza, um patrimônio de todos. Na escola, o aluno passa grande parte de seu tempo dedicando-se ao exercício da busca pelo saber, à sociabilidade e à construção de sua identidade, conquistando, inclusive, a afirmação de memórias significativas em sua trajetória de crescimento, sendo recorrente o estabelecimento de laços afetivos com o lugar de aprendizado, que marcou sua história de desenvolvimento intelectual. Vale a pena observar que ocorre grande trânsito de pessoas entre as acomodações do monumento escolar tombado, o que já indica a necessidade de especial atenção dos gestores com relação à conservação da sua estrutura física, pois, antes mesmo de atender a questões relativas à preservação, uma manutenção eficiente visa a oferecer bem-estar aos estudantes e aos profissionais da educação, a fim de garantir melhor aprendizado e segurança, no sentido de evitar a ocorrência de acidentes que possam oferecer riscos à integridade física de quem circula pelo imóvel. A disposição do espaço dedicado ao ensino visa a atender a funções e usos advindos da dinâmica educacional, que não deve ser engessada. Resguarda características relacionadas à pedagogia, à tradição e à filosofia do ensino, indicando possibilidade de interesse, em algum momento, de atualizar o programa do imóvel. Uma vez que viver em sociedade demanda o atendimento a leis de diversas ordens, para exercer alterações, faz-se necessário o atendimento a diretrizes relacionadas ao ordenamento de uso do solo e a técnicas construtivas, cabendo conhecimento de normas técnicas relacionadas a obras, sejam essas de adaptação, ampliação, acessibilidade ou conservação. Da mesma forma, para intervir no imóvel tombado, ou em sua vizinhança, é preciso buscar antecipadamente autorização no órgão responsável pela salvaguarda4. Para conservar a estrutura imobiliária escolar, o gestor responsável deve prever um planejamento estratégico com escala de prioridades. Com relação às escolas públicas, por exemplo, dependendo da dimensão da rede de educação e da sua necessidade de atendimento5, ele será impulsionado a agregar No caso da escola ser tombada pelo Estado da Bahia, deve ser observado o que determina a Lei n° 8.895, de 16.12. 2003 - Capítulo II Art.° 14° §4° I, II, III e IV, regulamentada pelo Decreto n.° 10.039, de 2006. 3 Caso seja tombado pelo Governo Federal, a proposta deverá ser encaminhada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Caso seja tombado pelo Governo Estadual, ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural Estadual e, caso seja tombado pelo Município, ao Setor de Preservação Municipal. 4 No caso da escola ser tombada pelo Estado da Bahia, Lei citada, Capítulo II Art. 11°, 12° e 13°. 5 Conforme ocorre na Secretaria de Educação do Estado da Bahia, que resguarda um setor com esse objetivo.
à sua estrutura profissional uma equipe interdisciplinar, composta por indivíduos especializados em áreas como: arquitetura, engenharia civil, elétrica, agronomia, hidráulica, segurança, com capacidade de atendimento às diversas unidades educacionais. Caso haja muitas escolas, para um controle eficaz, valerá a pena treinar, em cada localidade, um funcionário que se dedique a zelar pela manutenção, responsabilizando-se pela realização de vistorias, para identificação inicial de danos, como aparecimento de fissuras, por exemplo, a fim de que essas sejam monitoradas na origem, minimizando os custos de saneamento do problema. Sabe-se que a matéria que constitui os elementos tangíveis está sujeita ao desgaste natural e resguarda propriedades físicas e químicas que sofrem alterações, quando submetidas a agentes que interferem na sua constituição. Assim, a manutenção de qualquer objeto está intimamente vinculada ao componente da sua formação, à técnica construtiva utilizada e às condições ambientais a que está submetido. A presença de umidade constitui-se em um dos principais fatores que desencadeiam o aparecimento de patologias nas construções, ocasionando danos, muitas vezes irreversíveis. Portanto, é importante monitorar o aparecimento de infiltrações, a partir de vistorias do telhado e canalizações de drenagem, valendo a pena observar a necessidade de substituição de telhas e a contenção de pontos frágeis à ação das águas, bem como retirando detritos que impeçam o escoamento em canalizações de recolhimento pluvial, como folhas de árvores e papel. Devem-se ainda retirar vegetações que porventura se desenvolvam na construção, pois suas raízes danificam a alvenaria e outros elementos estruturais, bem como a poeira que se deposita nos elementos integrados, que, por ser constituída de partículas leves em suspensão, chegam paulatinamente ao ambiente e vai impregnando as peças, uma vez que, além de favorecer o surgimento de agentes biológicos6, pode carregar ácidos agressivos aos materiais, devido ao contato com a poluição atmosférica. Observa-se que simples atitudes que podem ser consideradas domésticas já seriam suficientes para reverter patologias advindas da construção. Além das ações já citadas, recomenda-se: atenção aos pontos de ferrugem, conter incidência de raio ultravioleta em bens que resguardem mérito de preservação, por meio da inserção de filtros ou barreiras nas esquadrias, não utilizar produtos abrasivos na limpeza e exercer controle eficaz ao vandalismo7 e ao ataque biológico, seja por fungos, insetos xilófagos, microrganismos, fezes de pombos ou morcegos. Em Tavares (2013), é lembrado que o restauro representa um custo monetário considerável e constitui-se sempre em uma intervenção que altera o objeto original, ainda que de forma imperceptível; portanto, mesmo sendo exercido de forma criteriosa, merece ser evitado, por meio de práticas adequadas de conservação8. REFERÊNCIAS BAHIA (Estado). Lei n.º 8.895, de 16 de Dezembro de 2003. BRASIL, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. 2.a ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
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Agravando-se, quando há pouca aeração no local. Na Escola Parque houve riscos e inscrições em painéis e murais artísticos, de valor incomensurável, indicando necessidade de oferecer educação patrimonial aos usuários. 8 John Ruskin, na Inglaterra, destaca-se na adoção pura dessa prática, em que defende uma teoria considerada romântica, baseada na não intervenção restaurativa e, sim, na simples conservação dos monumentos. 6 7
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BOITO, Camillo. Os Restauradores. Conferência feita na Exposição de Turim em 7 de junho de 1884. Tradução Paulo Mugayar Kühl; Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BRANDI, Cesare, 1906-1988. Teoria da Restauração; tradução Beatriz Mugayar Kühl; apresentação Giovanni Carbonara; revisão Renata Maria Parreira Cordeiro. – Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004. FONSECA, Maria Cecília Londres. INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (BRASIL). O patrimônio em processo. Trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MINC - iphan, 2005. p. 294. LEMOS, Carlos A. C. Lemos. O que é Patrimônio Histórico. 2. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2010. (Coleção Primeiros Passos; 51). RABELLO, Sônia. O Estado na preservação dos bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. 160 p. Disponível em: http://www.soniarabello.com.br/biblioteca/O__Estado__na_ Preservacao_de_Bens_Culturais.pdf Acesso em: junho de 2012. SANT’ANNA, Márcia. Da cidade – monumento à cidade – documento: a trajetória da norma de preservação de áreas urbanas no Brasil (1937-1990). Dissertação de mestrado em arquitetura e urbanismo. Salvador: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/UFBA, 1995, p. 78 e 80. TAVARES, Milena Luisa da S. O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) na salvaguarda de bens móveis e integrados na Bahia. Monografia UFRPE, 2013.
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Anexos Decreto Nยบ 28398/81
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Créditos das fotografias deste volume: capa: acervo Escola Parque páginas 4 e 5: acervo Escola Parque | página 8: acervo Fundação Anísio Teixeira | página 11: Lázaro Menezes (topo, à esqueda) e acervo Escola Parque | página 12: acervo Escola Parque | páginas 14 e 15: acervo Escola Parque página 16: Lázaro Menezes | páginas 18/19: acervo Escola Parque | páginas 20/21 e 22: José Carlos Almeida página 31: acervo Museu Tempostal | páginas 32, 36, 37 e 38: Josias Santos | página 40: acervo Escola Parque página 45: acervo da família Accioly Vieira de Andrade | página 46: acervo do Instituto de Educação Euclides Dantas página 51: acervo Escola Parque | página 54: acervo Diógenes Rebouças / Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia página 56 e 57: acervo Escola Parque | páginas 58/59, 60, 63 e 64: acervo Fundação Anísio Teixeira páginas 66 e 72: Jaci Menezes| página 73: Nivaldo Andrade/ Google Maps | páginas 74, 76 e 80: acervo Zélia Bastos página 83: acervo Fundção Anísio Teixeira | páginas 84, 91, 92, 93 e 94: acervo Escola Parque páginas 98/99 e 103: Paulo Nunes | página 104: Lázaro Menezes | página 108: Elias Mascarenhas (topo, à esquerda) e Lázaro Menezes | páginas 110 e 113: Lázaro Menezes | página 114: Elias Mascarenhas página 116: Elias Mascarenhas (topo) e Lázaro Menezes (base) | página 117: Lázaro Menezes página 118: Gianmario Finadri / Studio Argolo | página 119: Elias Mascarenhas (topo) e Lázaro Menezes (base) páginas 120/121: Gianmario Finadri / Studio Argolo | páginas 122/123 e 124: Studio Argolo páginas 127, 128 e 129: Studio Argolo | página 130: Lázaro Menezes | página 131: Studio Argolo páginas 132, 134, 135 e 136/137: Lázaro Menezes | página 138: Elias Mascarenhas | página 139: Lázaro Menezes (topo) e Roberto Nascimento (base) | páginas 140/141: Elias Mascarenhas | páginas 143 e 144: Lázaro Menezes páginas 146/147: Elias Mascarenhas (Inst. Ponte Nova), Roberto Nascimento (Colégio Nossa Senhora da Vitória Marista) e Lázaro Menezes (conj. arquitetônico da Piedade) | página 151: Lázaro Menezes página 152: acervo Escola Parque | páginas 153 e 154: reprodução Diário Oficial do Estado da Bahia e reprodução de folder - IPAC (p. 154)| página 155: reprodução jornal A Tarde | páginas 156/157: Lázaro Menezes contra-capa: acervo Escola Parque
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