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Reportagens sobre a Festa de Iemanjá: recortes de 1984 a 2014

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Sabe-se que as tradições de origem afro-indígenas brasileiras são transmitidas oralmente. Sabe-se, também, que o preconceito e o racismo silenciaram por séculos essas manifestações culturais. “Vocês só encontrão fatos sobre a Umbanda nas páginas policiais”, disseram várias lideranças que foram entrevistadas. Com esforço, conseguiu-se acesso a algumas reportagens do Jornal Diário do Nordeste que, gentilmente, abriu seu arquivo para que se fizesse a memória da Festa de Iemanjá de Fortaleza. Reproduzimos aqui alguns trechos das reportagens mais antigas e relevantes para a pesquisa.

Antes do deslocamento para a Praia do Futuro, os umbandistas se concentraram na Praça Castro Carreira, por volta das 13 horas. De lá, seguiram para a praia, de ônibus ou caminhões ornamentados. Às 14 horas teve início o espetáculo umbandista em festejo ao Dia de Iemanjá. Segundo o presidente da União Espírita Cearense de Umbanda, Manoel Rodrigues, este ano cerca de 500 terreiros compareceram à Praia do Futuro. Ao todo são filiados à União 1.500 terreiros na capital e 2.880, em todo o Estado. “Apesar da crise, este ano a presença de terreiros e de outras pessoas superou as perspectivas”, disse Manoel Rodrigues; acrescentando que os umbandistas que não puderam comparecer foi devido a questões financeiras. “Nós somos um povo muito carente e que fazemos das fraquezas forças”.

(Diário do Nordeste, 16/08/1984)

Iemanjá, a mais famosa dos orixás femininos cultuados no Brasil, pelos cerimoniais dedicados a ela nas praias, em diferentes dias e meses do ano, é festejada por excelência no Ceará, no dia de hoje, 15 de agosto. Neste dia, Iemanjá leva à sua morada, o mar, milhares de pessoas entre adeptos, turistas e curiosos, os quais levam à “Rainha das Águas” presentes ou oferendas, acompanhadas de cânticos de agradecimentos ou de pedidos de favores. O dia é santo para os umbandistas, que reunidos em comunhão de espírito vão prestar louvor à Senhora das Águas e pedir paz, luz e força para o povo da terra. O local escolhido há anos é a Praia do Futuro, onde os filhos de Iemanjá vão fazer seus cultos e oferendas. Este ano a estimativa é de que cerca de 100 mil pessoas comparecerão à praia. Os umbandistas, responsáveis pelos rituais, começaram a marcar presença com seus terreiros já na noite anterior, dia 14, e com seus cânticos, palmas e atabaques fazem a festa durante toda a noite e por todo o dia de hoje, que é consagrado à Rainha das Águas.

(Diário do Nordeste, 15/08/1987)

102 Nota-se, na reportagem, a grande quantidade de terreiros filiados a UECUM. Se imaginarmos que cada terreiro levou quarenta pessoas no ano de 1984, podemos pensar em vinte mil pessoas na Praia do Futuro, saudando Iemanjá. Percebe-se que esse número poderia ser bem maior se não fossem as questões financeiras que Manoel Rodrigues cita. É importante pensar no cortejo com ônibus e caminhões ornamentados, saindo do Centro da cidade até a Praia do Futuro.

A reportagem afirma que Iemanjá é a mais “famosa” Orixá do Brasil. Ora, Iemanjá é famosa exatamente por suas festas públicas, que são conhecidas em todo o mundo. A Festa de Iemanjá do Rio Vermelho, em Salvador, é a terceira maior festa da Bahia, perdendo apenas para a Lavagem do Bonfim e o Carnaval. Uma festa conhecida mundialmente. Nota-se, na reportagem de 1987, que, além dos fortalezenses, turistas também já celebram Iemanjá em Fortaleza. Os cânticos, palmas e atabaques são destaques nesta reportagem.

A cada ano, o número de adeptos de umbanda cresce. Tida como religião afroameríndia, foi originada no Brasil através do negro, índio, caboclo e de outras raças que povoaram o continente. O elemento da Rainha do Mar é a água salgada. Possui domínio sobre a maternidade e a pesca e o seu dia consagrado é o sábado. As cores de Iemanjá são o azul-claro e o branco. Também está associado à cor prata.

(Diário do Nordeste, 13/08/1989) Em 1989, a reportagem confirma o que as tradições já dizem. Iemanjá tem o domínio sobre a maternidade e a pesca. Também coloca a Umbanda como uma rica religião que junta negros, índios, caboclos e outras raças que povoaram o Brasil. A Umbanda é de tradição africana e de tradição indígena. Mas devemos lembrar que a Umbanda bebe de inesgotáveis fontes e nunca deve ser colocada em uma “caixinha”. É preciso que se fale em Umbandas.

Divididos, os devotos de Iemanjá realizaram ontem, na Barra do Ceará e na Praia do Futuro, os festejos em homenagem à “Rainha do Mar”. Frutas, flores, perfumes e panelas de barro com oferendas foram jogados ao mar pelos seguidores da umbanda e do candomblé, que pediram paz para o Brasil no ano de eleição. Iemanjá, a Rainha do Mar, foi homenageada ontem por grande número de seguidores de umbanda e candomblé na Praia do Futuro. Centenas de curiosos e membros de terreiros ofereceram frutas, flores, perfumes e joias para a rainha das águas. Para muitos adeptos, a falta de incentivo das autoridades governamentais e a própria crise econômica foram dois fatores responsáveis pela redução no comparecimento do público. “Nós não recebemos nenhuma ajuda. A nossa programação também não foi cumprida”, reclama Carlos de Xangô.

(Diário do Nordeste, 16/08/1989) A importante reportagem de 1989 mostra que, nesse ano, a Festa de Iemanjá aconteceu em duas praias da cidade: Praia do Futuro e Praia da Barra do Ceará. É preciso lembrar que os festejos da Rainha do Mar podem acontecer em qualquer praia de Fortaleza ou mesmo dentro dos terreiros. Hoje os dois polos estão concentrados nas Praias do Futuro e de Iracema, mas sabe-se que Mãe Júlia chegou a fazer a festa na Barra do Ceará, à época, de difícil acesso. Destaque para a falta de compromisso das autoridades públicas com a festa, reclamação própria dos organizadores, principalmente nos anos em que não há eleição.

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A festa de Iemanjá, orixá das águas na religião afro, é uma das mais tradicionais, acontecendo todos os anos nos dias 14 e 15 de agosto. Nessa data milhares de pessoas, adeptos ou não da religião, dirigem-se à Praia do Futuro para render homenagens à divindade e colocar oferendas. Somente a ACBUSB [Associação Cearense Beneficente de Umbanda Senhor do Bonfim] congrega cerca de três mil terreiros em Fortaleza, existindo ainda outras entidades. Ribeiro teme que insultos e provocações por parte dos fiéis da Universal terminem em tumulto generalizado. Visando justamente evitar isso, ele enviará ofício ao Comando da Polícia Militar e à Secretaria de Segurança Pública, solicitando reforço policial durante a festa. “É preferível evitar o desastre”.

(Diário do Nordeste, 26/07/1990) Destaca-se, na reportagem de 1990, o ataque que a festa sofreu pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). É preciso especial atenção com esse fato, que não é isolado. Cristãos fundamentalistas religiosos estão constantemente atacando pessoas de religiosidades de matriz afroindígena brasileira. O combate ao racismo e à intolerância religiosa deve ser constante.

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro, foi instituído em 2007 pela Lei n. 11.635. A data rememora o dia do falecimento da Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), vítima de intolerância por ser praticante de religião de matriz africana. A sacerdotisa foi acusada de charlatanismo, sua casa foi atacada e pessoas da comunidade foram agredidas. Ela faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, vítima de infarto. Apenas em 2016, a ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) recebeu cerca de sessenta e quatro denúncias de intolerância religiosa; em 2015, foram sessenta e um casos; em 2014, vinte e quatro registros; no ano de 2013, quarenta e nove ocorrências; e, em 2012, foram vinte e sete. Vítimas de intolerância registrada são, em sua maioria, praticantes de religiões de matriz africana12 . Quase duas décadas após a trágica morte de Mãe Gilda, a intolerância persiste no país, com atentados a terreiros e agressões aos adeptos das religiões de matriz africana. A Fundação Cultural Palmares (FCP) tem como um de seus objetivos enfrentar qualquer forma de intolerância, além de promover o patrimônio imaterial dos Povos de Terreiro. Trata-se de uma luta que deve envolver não só o poder público, mas toda a sociedade. As denúncias contra esse tipo de crime podem ser feitas pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100), do Ministério dos Direitos Humanos, e pela Ouvidoria da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)13 .

12 Dia de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado neste sábado (21). Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/01/dia-de-combate-a-intolerancia-religiosa-e-celebrado-a-intolerancia-religiosa-e-celebrado-neste-sabado-21>.

Acesso em: 24 jun. 2018.

13 Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa honra memória de vítima do preconceito. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/archives/48879>. Acesso em: 24 jun. 2018.

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Um outro monumento a ser inaugurado por Juraci Magalhães é dedicado a Iemanjá. A estátua ficará localizada na Avenida Zezé Diogo, com a Rua Miguel Calmon (Praia do Futuro). O projeto é do escultor Zenon Barreto, erguendo-se num pilar de dois metros de altura, de forma retangular, de 80 por 60 centímetros, cercado por uma lâmina de água e de luz. A festa de inauguração está marcada para o dia 15 deste mês.

(Diário do Nordeste, 06/08/1992)

A controversa estátua de Iemanjá, na Praia do Futuro, chega na reportagem de 1992. Controversa, porque esta pesquisa desvela que os umbandistas, ou parte deles, não reconhecem a estátua como Iemanjá, ou seja, a Iemanjá inaugurada não representa a Rainha do Mar de Fortaleza. “Uma afronta à umbanda”, disse um umbandista em entrevista. É preciso repensar como o Povo de Terreiro vê a Rainha do Mar e é necessário reestabelecer uma nova estátua de Iemanjá na Praia do Futuro. Em quase todas as praias das capitais do Nordeste brasileiro, existe uma Iemanjá na beira do mar e Fortaleza não deve ficar de fora.

Arquivo/DN – 1992 Escultura de Iemanjá produzida por Zenon Barreto

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Os umbandistas estão se preparando para a realização, no próximo dia 15 de agosto, da Festa de Iemanjá. Uma promoção já tradicional da União Espírita Cearense de Umbanda, o evento começa às 13 horas, com uma carreata saindo da sede da União (Rua 24 de maio, 410, Centro), em direção à Praia do Futuro, local onde acontecem as festividades até as 18h30min. A expectativa para esse ano, segundo a diretora financeira e social da União, Conceição Alves, é que haja a participação de 200 mil pessoas.

(Diário do Nordeste, 03/08/1993) A reportagem de 1993 apresenta a fala de Mãe Conceição Alves, da UECUM, uma das principais articuladoras da Festa de Iemanjá nas décadas de 1990 e 2000. A presença de 200 mil pessoas na festa determina a importância desta como bem cultural na cidade, pois revela que a tradição está cada vez mais viva e pulsante.

Milhares de umbandistas estiveram presentes no encerramento da 37ª Festa de Iemanjá, ontem, na Praia do Futuro. O evento começou com um cortejo que saiu da sede da União Espírita Cearense de Umbanda (Uecum), responsável pela organização da festa, concentrou-se nas proximidades da barraca Tribus. Segundo informações da Polícia Militar, no período da manhã, as festividades transcorreram sem incidentes graves. A corporação destacou 75 homens para garantir a tranquilidade dos participantes do evento. “Curiosamente, está até mais tranquilo que nos dias normais”, garantiu o capitão Oriano Gomes, chefe da operação. “Esse ano, estamos com uma estrutura profissional. Contamos com o apoio da Polícia Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e da AMC”, afirmou o coordenador do evento, Nonato Fernandes. O apoio do poder público também pode ser notado nos banheiros químicos instalados na praia e nas duas equipes de socorristas que estiveram de plantão durante toda a festa. “As denúncias de insegurança na praia, durante a festa, no ano passado, preocuparam-nos bastante. Por isso fomos atrás do poder público para garantir a segurança das pessoas que vêm aqui homenagear Iemanjá”, explicou Fernandes.

(Diário do Nordeste, 16/08/2005)

106 Fala-se em milhares de pessoas em 2005. E em uma festa mais tranquila do que no ano anterior. A presença de agentes de segurança é determinante para a realização da Festa de Iemanjá de Fortaleza. A questão da violência foi marcante nesta pesquisa, embora se compreenda que a violência não é um problema da festa, mas da cidade.

O bairro da Praia do Futuro é dividido em I e II. Entre alguns hotéis e grandes barracas de praia, que formam um complexo turístico, moram pessoas de baixa renda, que têm suas casas construídas em uma área sem planejamento urbano e sem estrutura proporcionada pelo governo municipal. O bairro está entre os que possuem os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) na cidade de Fortaleza14 . Quando Mãe Júlia iniciou os festejos para Iemanjá, a Praia do Futuro era um terreno de difícil acesso, de topografia bastante irregular e distante do centro urbano. Fortaleza é uma cidade que cresceu assustadoramente em cinquenta anos e é uma das cidades de maior desigualdade social do país. Hoje em dia, na festa realizada na Praia do Futuro, devido aos diversos assaltos ocorridos durante os festejos, alguns terreiros estão preferindo realizar as homenagens a Iemanjá em praias da região metropolitana de Fortaleza.

Cerca de 150 mil pessoas estão sendo esperadas, hoje, na Praia do Futuro, durante as homenagens a Iemanjá, sincretizada no Ceará com Nossa Senhora da Assunção. As comemorações começaram ontem, quando foram entoados os primeiros sons dos agogôs, atabaques e triângulos e os preparativos para as oferendas.

(Diário do Nordeste, 15/08/2006) A reportagem de 2006 fala da relação sincrética entre Iemanjá e Nossa Senhora da Assunção. As festas de Iemanjá no Brasil são, quase sempre, nas mesmas datas do dia da Padroeira da cidade. Por exemplo, a festa de 2 de fevereiro, em Salvador (BA), dia de Nossa Senhora das Candeias; em Porto Alegre (RS), dia de Nossa Senhora dos Na vegantes. Os festejos de Iemanjá, no dia 15 de agosto, no Rio de Janeiro (RJ), dia de Nossa Senhora da Glória. A festa de 8 de dezembro em Belém (PA), João Pessoa (PB) e Praia Grande (SP), dia de Nossa Senhora da Conceição. E os festejos de 31 de dezembro em Santos (SP) e Rio de Janeiro (RJ), marcando a virada do ano novo. As datas das festas de Iemanjá, na grande diversidade de Nações Candomblés no território brasileiro, atendem a outros calendários específicos e, geralmente, são realizadas nos próprios terreiros.

14 Conforme reportagem sobre IDH na cidade de Fortaleza. Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/cotidiano-2/moradores-do-bairro-de-fortaleza-com-pior-idh-reclamam-de-atencao-somente-em-eleicoes/>. Acesso em: 10 jan. 2017.

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A tradicional Festa de Iemanjá celebrada nos dias 14 e 15 de agosto, a Rainha do Mar, aquela que caminha sobre as águas trazendo boa pesca, fertilidade e paz. No festejo, a população faz oferendas ao mar para comemorar a data. Em sua 48ª edição, a festa já faz parte do calendário cultural da cidade. A Prefeitura irá apoiar o evento com R$ 60 mil. São esperadas mais de 60 mil pessoas para as 24 horas de festejos, que têm início às 18h do dia 14 e perduram por todo o dia 15. Neste período, todos os terreiros irão realizar trabalhos para homenagear a Rainha do Mar. Inicialmente celebrada no Farol do Mucuripe, a festa passou pela Praia do Futuro e hoje acontece, principalmente, no Aterro da Praia de Iracema. É possível ver, em todo o litoral, terreiros em momento de celebração da mãe de todos os orixás. “Mudamos para o Aterro para ter visibilidade, todas as religiões estão lá e nós também estaremos. Queremos desconstruir a imagem preconceituosa dos povos afrobrasileiros e da umbanda”, afirma o diretor estadual do Movimento Político Umbandista (MPU), Ogan Lenon Farias. Os responsáveis pela celebração são a Associação Cultural Afro-brasileira Pai Luiz de Aruanda, Associação Espírita de Umbanda São Miguel, Centro Cultural de Umbanda Rainha da Justiça e o MPU. Nas demais praias, outros terreiros farão os trabalhos.

(Diário do Nordeste, 13/08/2014)

No geral, as reportagens que foram encontradas no jornal Diário do Nordeste sobre a Festa de Iemanjá afirmam a sua importância para a cultura fortalezense. Destaca-se a expressiva presença de umbandistas e admiradores de Iemanjá na orla da cidade, as fotografias que hoje contribuem para o registro da festa com bem cultural, a resistência do Povo de Terreiro, superando o racismo e a intolerância religiosa, a questão da violência e falta de respeito durante a festa.

108 A reportagem marca duas informações importantes. A primeira é o dado novo de que a Festa de Iemanjá teria começado no Farol do Mucuripe. A segunda é sobre a cisão das associações de Umbanda da cidade, em que uma parte migra para o aterro da Praia de Iracema, local dos grandes eventos midiáticos. As duas festas continuam acontecendo simultaneamente e a cisão não apaga o brilho da Rainha do Mar, pelo contrário, reforça a diversidade do Orixá e afirma que Iemanjá é a Mãe de toda orla de Fortaleza.

Foto de Thiago Matine

Foto de Manuel Filho

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Foto de Éden Barbosa

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