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©2014 andréoviedo

todos os direitos estão liberados para reprodução não comercial. qualquer parte desta obra pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação, etc. desde que não tenha objetivo comercial e seja citada a fonte (autor e editora).

anna zêpa, eduardo lacerda, sinhá e vanderley mendonça selecionaram. daniel minchoni designou e editou. bruna nogueira fotografou a capa. paula costa revisou.


formol

vencedor do concurso meu livro é do burro primeira edição. 2014



agradeço à minha mãe por dividir comigo o peso de não saber esquecer das coisas e ao marcelino freire por me ensinar a usar a literatura para boiar.



haja hoje para tanto ontem. paulo leminski


N AS C E UM P O ETA ARCELINO FREIRE


Ver nascer um poeta. Não é todo dia. Saber onde ele foi crescendo. Metendo os dedos. Respirando. Eu vi de perto a piração. O olhar tomando corpo. O sujeito degringolando. Ficando triste. Pensativo. Cabisbaixo. Eu o flagrei escrevendo. Conheço André Oviedo desde as primeiras linhas. Creio. E das leituras. Ele me apareceu uma vez com um livro meu na mão. E uma vontade. Sei lá. Dava para perceber a maldição da palavra. Ali. Colada na alma jovem. Interessada. Combalida. Costumo dizer. Poeta não publica um primeiro livro. Nasce com ele. É isto. O livro de um poeta já vem escrito. Vindo de uma outra era. Quimera. Fica ali maturando. Fica ali no recôndito. E aí chega o dia enfim. Em que pula ao mundo. Lá do fundo surge. Do passado ao presente. Sem futuro. Dono de melancólicos versos. Tomado de abandono. “Quanto mais / vezes você for / mais chances / tem de voltar”. Não deixa de ser uma esperança. Essa dança sem par. É de solidão. De que fala o coração do autor. “Se desse / queria saber / no que / pensa / enquanto / me esquece”. Doído. Ruído. O coração oco. Sem amor. Pois é. Versinhos simples. E tão sinceros. É do jeito que eu gosto esse tipo de poesia. Minúscula. E maravilha! “O que dói / a gente / versifica / só pra / ver se vai”. E não vai. Nunca chega. E se algo chega até nós. Aqui neste livro. Por acaso. É sempre pela saída de emergência. Atalho. Porta dos fundos. Uma poesia lançada no mundo. Já perdida. No dia de hoje. Não deixa de ser uma alegria. Receber um companheiro de ofício. E de luta. Tão cheio de alma. Sobretudo derrotado. Fodido em flor. Eis a matéria deste bem-vindo poeta. Apesar de tudo. E de todos. Nas mãos dele. Mortalmente ferido. No “Formol”. Redivivo. Esse nosso velho e para sempre. Antigo amor.


NASCE UM LIVRO EINAD

INCHONI


um livro não nasce do nada. ele não chega pronto. não desce. não é uma missão espírita. é coisa de espírito trabalhado ou abalado no formol. o poeta junta suas inscrições na pele e cospe na folha que o vento leva. ou nunca apaga. as máculas formam os riscos na face, nos delírios do cabelo, no turbilhão de curtos-circuitos neuroniais. o poeta é só interface de um mundo. e o livro, face oculta pública deste poeta. esse livro que vos fala, me honra e fervilha o sangue pelo processo. abrimos um concurso, doburro. um chamamento de almas desviadas ou perdidas. foram mais de 170 livros, prova de muita gente inquieta dentro dessas fronteiras. e mais, doutras também, porque também lemos livros de moçambique, portugal e uruguai nesse bloco dos descontentes. ainda há uma esperança. haja dúvida. valei-me o demônio negro vanderley mendonça regido pelo patuá do eduardo lacerda para os veredictos organizados primeiramente pelo lado de dentro de sinhá e dos primeiros cortes de anna zêpa. posso dizer com agrado que esse concurso foi buscar longe, mas o problema estava mais perto do que parecia. e o tiro de canhão quase saiu pela culatra e nos alvejou muito de perto. como todo processo de seleção não se teve acesso aos autores do livro, e surpresa boa a minha em saber que os selecionados quase por unanimidade são vizinhos. pares de nossas inconsequências e amores. dos três seletos me orgulha muito conhecer de perto os dois primeiros: este oviedo, de que vos falo, e michele navarro, a fúria roja que infelizmente ainda não virá a público. o terceiro finalista foi o edson bueno que conheço da rua, já tem livro publicado: a fome insaciável dos olhos, #procuresaber. dito e feito, benedito, esse livro saiu como uma escolha convicta dos jurados de morte que empunharam capa e espada nessa tarefa hercúlea. o livro que temos em mãos apresenta um poeta novo, mas com uma base muito sólida, uma dor elegante no entredentes. este livro me soou estridente num período conturbado da vida. é fruto das dúvidas certas, que muitos idosos ainda não salgaram na pele. por essas e outras, não pretendo ser um manual, aventure-se. já diria o joão xavier, outro jovem poeta velho: viver é travessia irregular que se desvia para fora de ser e de estar. não é causa nem efeito, pra travessia não há jeito, atravessar é fatal. só há um leito de lama e lodo no final.



acertar de primeira Ă s vezes leva a vida inteira.

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demora


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há quem parta deixando acesa mais que uma luz, alguma chama. recordar a ida pode ser sopro ou algo suicida: a memória, essa sina: ora balde d’água ora de gasolina.

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chama


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suas costas têm coordenadas vértebras que vertem da pele como se colocadas milimetricamente na geografia da coluna não por acidente seus ossos tomam a forma de morros montanhas e vales por onde só se anda com as mãos a fim de sentir os volumes e relevos e assim traçar uma espécie de cartacorpo com os detalhes do terreno as alturas e limites escalas e desníveis para logo após com a carta em mãos negar toda a topografia e o estudo recém-feito para pensar no ponto exato onde se perder.

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topografia geral das costas


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o não dito ergue um muro de vidro entre quem não diz e quem espera ouvir. é patético ver aquele que silencia tentando se esquivar atrás de algo transparente.

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ensaio sobre não dizer


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gostava de vestir meu corpo com o teu, torná-lo segunda pele de mim num encaixe tão justo que mal cabia a ideia de fim.

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encaixe


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refaço sua partida todos dias deixo doer tudo de novo. quanto mais vezes você for mais chances tem de voltar.

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parte: ida


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me encanta a forma como seu nome virou um quadro na parede da minha garganta.

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vós


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suas m達os planas planavam sobre as minhas. plantavam planos linhas do tempo de longos anos e manh達zinhas. suas m達os passarinhas pousavam sobre as minhas, me acordavam fazendo ninhos pois haviam cansado de dormir sozinhas.

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ninho


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se desse queria saber no que pensa enquanto me esquece.

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se


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não sei medir o que sinto. dosar. minto se disser que sei. troco metros por mililitros, confundo sentimentos e centímetros, me perco em minha própria dimensão quando me prolongo no outro, inflo e dobro de tamanho tornando gigante o ínfimo e infinito átomo. aí no fim quando isso acaba e se desdobra vem algum poema: longa e melancólica obra de tudo o que sobra.

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sobra


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tenho mĂŁos nuas. apesar de tantas linhas faltam as tuas costuradas Ă s minhas.

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descostura


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só possuímos o que parte. não somos foz de nada e as coisas não têm ouvidos, por isso não ouvem ao serem chamadas. tudo apenas passa logo após ter dado o ar da graça e sempre nos resta este apego pelo que a vida finge que dá, mas só empresta. se hoje não abro as mãos é por medo de perder os dedos.

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presa


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entre idas e vindas o que ficou foi esse ainda.

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estĂĄtico


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esquecer o outro em partes a cada passo. fragmentar em menores pedaços. criar caixas com o vazio dos abraços, a fim de multiplicar e otimizar os espaços. guardar tudo em local de difícil alcance pra que o cansaço não compense o acesso.

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re|partir


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da cera e do sol só sobrou o sal. do que era entre nós, o só sobrou. fiz como ícaro: caí em mim.

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ícaro


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o que vale, a gente versifica s贸 pra ver se fica. o que d贸i, a gente versifica s贸 pra ver se vai.

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v:ai


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a passos largos se move a vida com seus até-logos sempre de partida. tudo é coisa passada feito o crepúsculo que é uma luz quase apagada, é o tudo se transformando em nada, o inteiro virando metade. pois é lá que a vida mora: na saudade.

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sumindo


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todo poema é porta atalho saída de emergência para o que um dia foi e hoje é distância. escrever é chegar.

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porta


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tem sim que é não, tem fim que é bom. a gente tenta entender e acertar o tom, mas tem pouco que vira tão em tão pouco.

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tampouco


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criar as expectativas em gaiolas com visitas controladas. alimentá-las apenas com o necessário e nunca torná-las confiantes a ponto de criarem asas e confundirem você com uma espécie de casa.

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o segredo é


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a gente sempre alimenta uma esperança pelo que se foi. é tão natural quanto o próprio partir da coisa, que quando vai deixa um caco um eco uma farpa uma ponta que cresce dentro, inflama. ninguém imagina mas a esperança é a mais maldita das chagas.

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patologia


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o problema são as pintas. sei de cor as coordenadas das suas. onde pousam na dimensão das costas. se se escondem debaixo do pé ou sinalizam a curva da cintura. suas pintas são os pontos a que kafka se referia: quando alcançados não há possibilidade de retorno.

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pinta-ponto


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caia o raio cem vezes no mesmo lugar. o raio que parta em pedaços todo esse azar e faça das noites em claro caminho para você voltar.

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tempestade


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pior que a perda da coisa é o perder da coisa. ver o tudo virar quase, reduzir o eterno à fase. cair lentamente do topo à base.

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queda


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quando o amor acaba nĂŁo fica perna sobre perna.

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nada


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em todas as coisas hå uma margem de erro. um espaço entre o acerto e o imprevisto entre o certo e o insisto. uma margem de erro para eventuais pontos cegos para o que eu disse mas nego para toda placa de pare em que eu sigo. uma margem de erro entre o riso e o berro entre o sim e o encerro.

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margem de erro


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a nível atômico nossa distância é inalcançável. em metros, dá pra erguer um arranha-céu. em palmos é possível tatear um planeta mínimo. em pensamento é questão de milímetros.

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distâncias


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nunca soube desfazer laços. o lugar exato onde puxar algum passo a passo para seguir. nem imagino, vou puxando de qualquer jeito e torcendo para que o torto vire direito.

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torcer


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sou um museu seu. trago exposto em acervo permanente tudo que em mim você esqueceu.

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museu


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meu coração passeia. usa artérias e veias e salta do peito pra boca pra mão (pro peito do pé) até bater no chão.

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salto


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há assuntos que viraram feridas. ainda assim arranco a casa, deixo a pele exposta até achar uma resposta que me satisfaça e a paz transforme tudo em nunca mais.

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nunca mais


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o pelo branco misturou-se às cobertas, confundiu-se com o edredom na hora de dormir por 11 longos anos. dói, pois anoiteceu, ela dormiu e cá estou eu.

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hype


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esquecer tinha que ser no ato, na hora. morreu foi embora, sem cerimônia e canções com acordes em bemol, sem insônia e esse cheiro de formol.

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formol


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do amor nunca se sai por onde entrou. as portas mudam de lugar, trocam-se as fechaduras. por vezes leva uma vida para encontrar a saĂ­da.

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saĂ­da


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ir inteira vocĂŞ nĂŁo precisasse se ao menos sua sombra sobrasse.

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parte


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o melhor modo de curar o desejo que ficou é deixar até que ele sozinho deixe a desejar.

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cura


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de vez em quando a vida traz um que faz tanto e outro que tanto faz.

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traz


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isso que sinto não tem futuro, é coisa dinamitada ainda na construção. obra falida antes da inauguração. é pura e deliberada implosão. não há vigas tijolos cimento ou fundação que sustentem o fato de eu sentir e você não.

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natimorto


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nunca, ainda que uma a uma, esmola vai virar fortuna.

91 andrĂŠ oviedo

esmola


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o que nos é alheio só chega até a beirada, nunca alcança o meio. pega de raspão jamais em cheio. é coisa desigual embora muito se pareça: feito dois gêmeos quase idênticos não fosse a cicatriz de um deles na cabeça. alheio é o que não se sente na pele embora perfeitamente possível pareça. é planta colhida ainda miúda antes que qualquer flor ou espinho floresça. alheio é o que fere essa ideia breve de achar que sabe se a dor do outro é funda ou leve.

93 andré oviedo

não, você não entende


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na hora de enterrar um amor que jĂĄ foi casa toda cova ĂŠ rasa.

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sete palmos


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há em mim um desejo de não deixar pedaços pelo caminho. sem passo sem vestígio ser inteiriço pra que a vida seja só enquanto isso.

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enquanto


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vê se há nisso algum nexo: só te tenho ao alcance dos olhos quando os fecho.

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pálpebra


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pés cravados no asfalto, dedos feito raízes. toda espera é esse impasse delicado entre florescer ou manter-se plantado.

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aos que pedem tempo e aos que esperam


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as coisas têm velcros que aderem à aspereza da pele. fica difícil desgrudar sem puxar com força, sem deixar o corpo em carne viva. mas uma hora certas coisas têm que morar no tempo e não mais em nós.

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velcro


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o amor é um funil que dissocia o espesso e dá espaço ao sutil. tira das coisas seu essencial sem machucá-las ou tirar sua cor como um inseto que rouba da flor apenas o pólen que lhe cabe. o amor é um funil eis o porquê da demora: com sorte pinga uma só gota a cada hora.

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funil


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feito um grito atravessando um cômodo vazio você passou sacudiu a arquitetura do silêncio e mobiliou o nada com o projeto mais exato. pregou sua voz nas paredes que até hoje vibram entre o chão e o teto. o que me resta é habitar teu eco enquanto você não volta.

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habitar


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esquecer nunca pode ser um objetivo um item de lista um algo a fazer. esquecer mesmo querendo só acontece sem querer.

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lembre-se




formol foi oferecido como prĂŞmio do concurso meu livro ĂŠ doburro para o selo doburro, composto em tipologia archer book e archer book italic 10 em papel pĂłlen 90g/m2 e impresso em setembro de 2014 para o selo do burro.



Dava para perceber a maldição da palavra. Ali. Colada na alma jovem. Interessada. Combalida. Costumo dizer. Poeta não publica um primeiro livro. Nasce com ele. É isto. O livro de um poeta já vem escrito. Vindo de uma outra era. Quimera. Fica ali maturando. Fica ali no recôndito. E aí chega o dia enfim. Em que pula ao mundo. Lá do fundo surge. Do passado ao presente. Sem futuro.

MARCELINO FREIRE


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